Anda di halaman 1dari 7

VITOR MARIGO / SHUTTERSTOCK / CP

ANO 123 | Nº 267


PORTO ALEGRE, DOMINGO, 24/6/2018
SC, PR - R$ 3,00 | RS - R$ 2,15

O GUARANI
A PROTEGER
As águas subterrâneas, entre elas o Aquífero
Guarani, formam um imenso sistema que
abastece grande parte do Estado e do país.
Porém, essa gigantesca reserva está
vulnerável, ameaçada por uso
descontrolado e contaminação

REPRODUÇÃO INSTAGRAM / CP RICARDO GIUSTI

FAMÍLIA DE AUXÍLIO DO CIDADES SEM


CR7 NO RS VÍDEO CARBONO
Kátia Aveiro, irmã A arbitragem de Conselheiro
de Cristiano vídeo tem do Fundo Verde, da
Ronaldo, abrirá mudado os ONU, Aurélio Souza
restaurante de rumos de várias fala sobre as
culinária portugue- partidas nesta cidades e a
sa em Gramado Copa do Mundo mudança climática
PÁGINA 3 PÁGINA 15 PÁGINA 6
REPORTAGEM 8 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 24/6/2018

GUILHERME ALMEIDA
Aquífero
Guarani
vulnerável SIMONE SCHMIDT

O
Brasil é o país com maior oferta
Estudo da hídrica do mundo. Cerca de 12%
Agência Nacional da água doce do planeta está
aqui e a maior parte dessa dispo-
de Águas aponta nibilidade, 97%, vem dos subterrâneos. Es-
para a sa reserva teria capacidade para abaste-
cer a população brasileira pelos próximos
possibilidade 2,5 mil anos. E o Aquífero Guarani, parte
dele debaixo de solo gaúcho, é o maior
de contaminação aquífero transfronteiriço do mundo. O
subterrânea por uso, entretanto, já se mostra intenso e as
instituições vão em busca de mais conhe-
indústrias cimento sobre esse “mar” sob o solo.
A Agência Nacional de Águas (ANA),
órgão regulador dos recursos hídricos no
país, apura vulnerabilidades nos locais
de afloramento do Guarani, ou seja, na-
queles pontos mais próximos da super-
fície, por onde a água entra para chegar
às profundezas e de onde também sai. Es-
pecificamente sobre o Rio Grande do Sul,
as primeiras conclusões pedem preven-
ção e cuidado. A totalidade do levanta-
mento tem previsão de divulgação em
agosto, mas os primeiros números adian-
tados pelo coordenador de Águas Subter-
râneas da ANA, Fernando Roberto de Oli-
veira, já servem como alerta. “Foram
identificados 16.014 empreendimentos
pontuais potencialmente contaminantes
enquadrados principalmente nas classes
de indústria de madeira (4.939), transpor-
te, terminais, depósitos e comércio
(2.515) e indústria têxtil, de vestuário,
calçados e artefatos de tecidos (2.067)
com base no cadastro do Ibama. A distri-
buição de riscos potenciais por estado
mostrou que o Rio Grande do Sul e San-
ta Catarina são as unidades federativas
que reúnem o maior número de empreen-
dimentos potencialmente contaminan-
tes”, detalha o documento.
Também tivemos aqui no Estado redu-
ção de 39,7% das áreas de afloramento
do Guarani. Adriana Niemeyer Pires Fer- o documento mostra atividades de empre-
reira, especialista em Recursos Hídricos sas com as quais se deve ter cuidado,
e integrante da equipe de Oliveira, expli- mas assinala: “Não quer dizer que essas
ca que essa redução não significa neces- atividades não possam ser desenvolvi-
sariamente diminuição de água dentro das”. Ela lembrou que o documento serve
do aquífero. Se a entrada de água dimi- mais como alerta para os Estados quan-
nui, a saída também. E a ocorrência, diz do precisarem conceder licenças a empre-
Adriana, pode ser apenas de ordem natu- sas nas regiões do aquífero. A agência re-
ral. Quanto às indústrias e à contamina- guladora, explica, não está produzindo o
ção, Adriana destaca a expressão “poten- material no sentido de reprimir, mas de
cial” escrita no texto para esclarecer que prevenir e mostrar os “potenciais” riscos.
24/6/2018 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 9

ACESSO À ÁGUA Siga as instruções da página 2 e confira


o vídeo da Agência Nacional de Águas
Em outro trecho, no entanto, as in-
que explica como são formados os formações despertam preocupação:
aquíferos e como deve se dar a utilização
de suas águas. “Em relação ao perigo de contamina-
Município do Vale do Paranhana, Ro- ção das águas subterrâneas por fon-
lante tem extensão considerável: tes pontuais, também apresentou po-
295,63 quilômetros quadrados, segundo tencial elevado nas cidades de Novo
o IBGE, o que faz com que seus limites Hamburgo, Gravataí e Sapiranga, com
cheguem a Santo Antônio da Patrulha, predomínio geral no Estado da classe
no Litoral Norte. As dimensões são de perigo reduzido”. Ainda que o le-
grandes, mas a população é pequena: vantamento aponte “perigo reduzido”
21 mil habitantes. Ainda assim, a água no final da frase quando é citado o Rio
da Corsan que abastece a cidade não Grande do Sul, cidades importantes
chega a localidades como o Morro da da região Metropolitana são listadas
Rapadura, já que a companhia só atua com potencial elevado de contamina-
em áreas urbanas. As 100 famílias que ção e são locais de presença forte da
ali vivem precisam encontrar alternati- indústria.
vas, seja buscando água da vertente no Quando estiver concluído, em agos-
alto do morro, seja instalando peque- to, conforme previsão da agência, o le-
nos poços por conta própria. A promes- vantamento sobre o Guarani permitirá
sa é que dentro de seis ou sete meses um banco de dados georreferenciado
tudo isso mude, já que a prefeitura es- que será um dos instrumentos de ges-
tá investindo na instalação de um poço tão de recursos hídricos previstos na
que deverá abastecer todo o Morro da lei federal que instituiu a Política Na-
Rapadura. Com o auxílio técnico da cional de Recursos Hídricos. Por aqui,
Corsan por meio do programa Açudes o governo do Rio Grande do Sul e a Câ-
e Poços, a perfuração que permite cap- mara Técnica de Águas Subterrâneas
tar água do Aquífero Guarani está sen- (CTAS) também trabalham em um le-
do feita. A tarefa na região é mais fácil vantamento específico para o Estado.
porque o Aquífero, embora em alguns Entre outros dados, serão estudados
pontos possa alcançar mais de mil me- volumes e características das águas,
tros de profundidade sob o solo, neste ca- mas principalmente meios de se fazer
so está mais acessível: 200 metros. O po- uma grande campanha de regulariza-
ço propriamente já alcançou 252 metros ção de poços clandestinos, que passa-
e no futuro poderá fornecer 7 mil litros riam a funcionar com autorização ofi-
por hora. Com um bombeamento de 10 cial e dentro de normas que evitariam
horas diárias, deverá possibilitar 200 li- poluição.
tros de água por dia a cada residência
da localidade. MAPEAMENTO
A prefeitura vai investir de R$ 80 .
mil a R$ 100 mil na obra. A perfuração Um balanço hídrico do Rio Grande
propriamente dita é feita pela Corsan, do Sul está sendo preparado pela
que não atua no abastecimento da zo- CTAS em conjunto com o governo do
na rural, mas dá auxílio às prefeituras Rio Grande do Sul. Deverá informar
por ter tecnologia e máquinas próprias volumes existentes nas profundezas,
para isso. Anda assim há despesas co- quanto se retira, capacidade de vazão,
mo levar a equipe até o local e pôr as bombeamento e outros detalhes rela-
máquinas para funcionar, o que tam- cionados com o processo que é feito
bém não é barato: cerca de R$ 50 mil. por poços, além de poluição, se tam-
Entretanto, depois de o poço estar bém for detectada. Ao termo “balanço
pronto, fica por conta do município a hídrico”, o presidente da CTAS, Sérgio
colocação de bombas que vão permitir Cardoso, prefere outro, e ressalta que
que a água suba. A previsão do chefe o grupo está trabalhando na criação
de Gabinete da prefeitura, Geovani de “uma política de águas subterrâ-
Friedrich, é que isso ocorra até final neas”, o que ele afirma ser inédito no
do ano. E numa última etapa, a gestão Rio Grande do Sul. “Queremos trazer
da água e sua chegada às casas é feita à pauta a discussão em um nível mais
pelas associações de moradores em elevado”, assinala. O primeiro progres-
convênio com o município. No meio des- so dessa parceria, explica Cardoso, se
se caminho, há também a exigência de deu quando nova legislação regulamen-
análises de qualidade. São verificados tando as águas subterrâneas foi publi-
itens como potabilidade, presença de cada este ano. O decreto 53.901 de 30
minerais em nível normal ou em exces- de janeiro de 2018 estabelece, por
so e possíveis contaminações. Em caso exemplo, que se uma pessoa física for
de dificuldades, é preciso adicionar pro- moradora de área urbana e decidir
dutos que deixem a água boa para be- construir um poço em sua casa, pode
ber. A equipe da Corsan, geralmente até obter licença para isso, mas essa
com seis profissionais, sobe o morro água não poderá ser usada para be-
com caminhões que levam os equipa- ber, detalha Cardoso. A autorização
mentos de perfuração. O grupo “acam- para instalação do poço só será dada
pa” no local e chega a ficar dez dias se- para atividades como limpeza ou jar-
guidos. Para isso também são levados dim. Água para consumo humano nas
caminhão-pipa, caminhão-cozinha, cami- cidades, só quando houver gestão de
nhão-banheiro e caminhão-dormitório. uma companhia de abastecimento.
A estrutura é necessária porque o local Detalhamentos e estudos sobre
fica quase 20 quilômetros distante da águas de aquíferos se mostram neces-
área urbana e, assim como não há sários quando se analisam alguns nú-
água, também não há comércio ou meros. A Corsan, por exemplo, atende
transporte público com regularidade. 317 cidades no Rio Grande do Sul. E
grande parte das águas usadas no
abastecimento para consumo humano
é subterrânea, significando 40% das
captações realizadas pela companhia,
o que corresponde a 129 municípios.
Além disso, em outras 90 cidades,
29%, a situação é mista, água subter-
rânea e superficial. Nos 31% restan-
tes, 98 municípios, a captação é so-
mente superficial, por meio de rios, la-
gos ou outros locais na superfície. Se
considerarmos as situações de capta-
ção subterrânea e mista, temos 219
cidades que se utilizam das águas sob
10 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 24/6/2018

A Corsan atende
317 cidades.
Grande parte do
abastecimento para
consumo humano é
feito por meio de
águas subterrâneas:
40% das captações
(129 municípios).
Além disso, em outras
90 cidades, 29%, a
situação é mista,
água subterrânea e
superficial.
Nos 31% restantes,
98 municípios,
a captação é somente
superficial, por meio
de rios, lagos
ou outros locais
na superfície.

o solo. É significativo, mas importante dos e o Rio Grande do Sul tem a segunda po de trabalho é avançar na integração
ressaltar, conforme lembra o geólogo maior extensão no país: 157,6 mil quilô- do Sistema de Informações de Águas Sub-
Maiquel Lunkes, da Corsan, que essa metros quadrados, atrás apenas do Mato terâneas do RS (Siagas) com o Sistema
água usada para beber conta com ge- Grosso do Sul, com 213,2 mil. O tamanho de Outorga de Águas do RS (Siout). O Sia-
renciamento da companhia apenas do aquífero em terras gaúchas é superior gas tem o apoio do Serviço Geológico do
nas áreas urbanas. Em zonas rurais a ao registrado no Uruguai e no Paraguai Brasil (SGB) e é composto por uma base
situação é outra e os poços muitas ve- juntos. Os demais estados brasileiros lo- de dados de poços que é permanentemen-
zes são abertos por pessoas físicas, calizados sobre o aquífero são Santa Ca- te atualizada. Já o Siout busca aperfei-
que não procuram os órgãos compe- tarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso, çoar o gerenciamento das concessões às
tentes para obter a licença, o que reve- Goiás e Minas Gerais. outorgas de uso de água. Se os dois ór-
la uma outra necessidade no levanta- gãos seguirem juntos nesse trabalho, ma-
mento que a Câmara Técnica está pre- POLÍTICA SEGURA peamento e controle deverão ser facilita-
parando: fazer uma grande campanha . dos. “Queremos trazer todos os poços pa-
de regularização desses poços, o que Buscar uma política de águas subterrâ- ra dentro do sistema”, reitera Cardoso,
tornaria mais preciso o levantamento. neas para o Rio Grande do Sul tornou-se lembrando a importância da regulariza-
necessário e é uma preocupação antiga, ção. “O objetivo não é punir”, alerta, lem-
SISTEMA GUARANI mas um trabalho ainda em construção. brando que se a totalidade dos poços pe-
. Os estudos já eram planejados em 2005, lo Rio Grande do Sul estiver listada nos
Vivemos sobre uma reserva subter- quando a Secretaria do Meio Ambiente sistemas de gerenciamento e outorga, co-
rânea gigantesca de água. Além de da época anunciou a confecção de um nhecer detalhadamente quantidades, volu-
consumo humano e de animais, que mapa hidrogeológico do Rio Grande do me e vazão dos subterrâneos do Estado
são prioridades, a água é necessária Sul em convênio com a Companhia de já estaria em “meio caminho andado”.
para a indústria e a agricultura. No Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM). O geólogo Maiquel Lunkes, da Corsan,
Brasil, o Sistema Aquífero Guarani é o O objetivo do mapa, segundo noticiava também é integrante da CTAS. Para que
segundo em volume de água. O primei- o site 13 anos atrás, era “a caracteriza- se entenda por que é necessário um ma-
ro é o Sistema Aquífero Grande Ama- ção dos sistemas aquíferos existentes no peamento das águas subterrâneas, ele
zônia, com 162 mil quilômetros cúbi- Estado em termos de qualidade e quanti- traz alguns exemplos práticos. As autori-
cos. O Guarani registra 45 mil quilôme- dade das águas subterrâneas”. De lá pa- zações e pareceres concedidos para a ins-
tros cúbicos de água. ra cá governos mudaram, mas os esfor- talação de poços são importantes porque
Se medirmos essa extensão em qui- ços permanecem. “Precisamos de uma po- uma grande quantidade de perfurações
lômetros quadrados, a área do Guara- lítica de outorga segura”, assinala o dire- concentradas em um mesmo local pode
ni alcança outros três países além do tor de Recursos Hídricos da Secretaria alterar o nível estático de um aquífero.
Brasil, mas é aqui que está a maior Estadual do Meio Ambiente, o geólogo Por estático entende-se o nível de água
parte, segundo informa o Ministério Fernando Meirelles. Além disso, pode-se no aquífero medido em repouso, ou seja,
do Meio Ambiente. Temos 840 mil qui- acrescentar à declaração de Meirelles a sem bombeamento. Seria a distância en-
lômetros quadrados contra 225 mil na observação do presidente da Câmara Téc- tre a boca e a superfície da água dentro
Argentina, 71,7 mil no Paraguai e ou- nica de Águas Subterrâneas (CTAS), geó- do poço. Uma das dificuldades, explica o
tros 58,5 mil no Uruguai. No Brasil, a logo Sérgio Cardoso. Ele lembra que uma geólogo, é que quando são feitas perfura-
água subterrânea passa por oito esta- das necessidades verificada por seu gru- ções sem controle e quando há poços em
24/6/2018 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 11
GUILHERME ALMEIDA

excesso em determinadas regiões, po-


de ocorrer um “rebaixamento” desse ní-
vel sob o solo. A consequência seria, en-
tre outras coisas, perda de força na va-
zão e necessidade de perfurações ain-
da mais fundas para que o bombeamen-
to fosse satisfatório. Numa situação ex-
trema haveria risco de o poço secar.
“Se a recarga não supre a demanda,
o nível estático cai”, observa Lunkes.
“Se puxar mais do que a recarga, o ba-
lanço hídrico fica negativo”, alerta. O
geólogo lembra que algo semelhante
ocorreu em Santa Cruz do Sul, no Vale
do Rio Pardo. O uso de uma quantida-
de grande de poços, não os da Corsan,
mas poços particulares, acabou mudan-
do o panorama. “Ali a exploração supe-
rou a recarga, e o aquífero está prati-
camente esgotado”, assinalou Lunkes,
acrescentando que a Corsan desligou
seus poços na cidade e passou a abas-
tecer a população com águas da barra-
gem. Ainda que as águas subterrâneas
sejam mais protegidas por camadas gi-
gantescas de pedras, a contaminação
por poços ilegais sempre é possível.
Por isso, observa Maiquel, é necessá-
ria a regularização. Um poço que não
estiver bem instalado e porventura se-
car, poderá se tornar uma espécie de
lata de lixo. Poços que não são feitos
dentro de certas normas podem, por
exemplo, deixar passagem para subs-
tâncias indesejadas. Em um poço auto-
rizado e licenciado, um dos requisitos
é receber proteções que vedem a entra-
da de poluentes.

NO CAMINHO DAS PEDRAS


.
As águas que correm nas profunde-
zas do solo e passam pelas pedras, se-
ja por seus veios ou por seus poros
no caso de minerais mais arenosos,
chegam a locais mil metros abaixo de
nossos pés ou ainda mais profundos.
Imaginar essa trajetória nos traz de
volta as concepções de “terra viva”,
que os cientistas já estudavam no sé-
culo XVIII. Aprendemos na escola que
seres vivos são animais e vegetais. O
DIAS MELHORES, COM ÁGUA Miraci Fernandes da
Silva planta aipim,
geólogo escocês James Hutton, no en-
tanto, dizia que os processos biológi-
milho, feijão, banana e cos e geológicos estão todos interliga-
laranja. Em casa, dos e comparava os caminhos das
A atividade de perfuração provoca faz uma vez por mês. Sobre o poço fun- tem duas caixas águas por solo e pedras ao sistema
muito barulho, a ponto de não se con- cionando no futuro, prevê: “vai melho- d’água, que são circulatório de um animal. São ideias
seguir conversar. Os funcionários que rar cem por cento”. abastecidas por uma relacionadas com a hipótese de Gaia,
fizeram a perfuração no Morro da Ra- Logo mais abaixo, um quilômetro ou mangueira que que compara o Planeta Terra em si é
padura, em Rolante, usaram proteto- dois adiante da casa de Miraci, outra fa- estende de uma um ser com vida, igual a plantas, bi-
vertente que fica no
res auriculares e a perfuratriz fica li- mília já faz planos para a chegada da chos e pessoas. Um desses exemplos,
alto do morro
gada o dia inteiro. Ironicamente, já água. Gramanir Marques e o marido de “um grande sistema circulatório”
que o poço ainda não está pronto e Marcelo dos Santos têm um pequeno está no Brasil e no Aquífero Guarani,
não funciona, esse processo demanda poço artesiano com 42 metros de pro- um dos maiores reservatórios de
uso de muita água para resfriar a bro- fundidade. Em casa, ela cultiva milho, água subterrânea do mundo. Essa ri-
ca que vai perfurando as pedras. Mas cana, batata e aipim, além de criar por- queza, porém, já é parte dos cenários
tirar água de onde se não há abasteci- cos, vacas e galinhas. O marido é traba- de poluição. Há artigos de pesquisado-
mento? O improviso do vizinho que mo- lhador da construção civil. Quando o ca- res que mostram que produtos como
ra em frente à obra é a salvação. A sal morava em um outro endereço na os agrotóxicos, que ficam no solo, po-
mangueira com 600 metros que ele es- mesma região, relembra, a casa não ti- dem comprometer a pureza das
tende da vertente que fica no alto do nha poço e era preciso usar água da águas dos aquíferos.
morro até a caixa d’água de sua casa vertente. Hoje, a água do pequeno poço Em Ribeirão Preto, por exemplo, in-
foi emprestada à equipe da Corsan. construído pela família é bebida e é terior de São Paulo, pesquisas conduzi-
Além da broca, outro recurso é o ar também usada para todas as ativida- das pelas universidades USP e UNB
comprimido, injetado no poço por um des, como banho, limpar a casa, lavar a verificaram poluição em áreas de re-
compressor, que faz uma espécie de roupa e a louça. “Mas é preciso econo- carga do aquífero, ou seja, onde a
rotação para impulsionar as pedras mizar”, adverte. O próximo passo, com água penetra, onde o aquífero é “recar-
para cima, ajudando a retirá-las. o poço da prefeitura já funcionando se- regado” de água quando a chuva cai,
A obra já faz seus moradores da lo- rá um grande avanço, segundo ela. E nos locais mais próximos da super-
calidade sonharem com dias melhores. Gramanir pretende comemorar reali- fície. Diante disso, a prefeitura de Ri-
Miraci Fernandes da Silva, por exem- zando um sonho antigo. “Quero cons- beirão anunciou a criação do Parque
plo, é o vizinho que vive em frente à truir uma piscina para poder reunir a Ecológico Guarani, justamente para
obra e que auxilia a equipe da Corsan. família e aproveitar os dias de verão.” proteger locais de recarga, ameaçados
Ele trabalha na roça. Nos fundos de Além da caçula de 10 anos que vive por situações como um lixão a céu
casa planta aipim, milho, feijão, bana- com os pais, ela e o marido têm outros aberto nas proximidades. A cidade é
na e laranja. Em casa, Miraci tem quatro filhos adultos que já não moram totalmente abastecida pelo aquífero e
duas caixas d’água, uma de mil litros com eles: um rapaz de 33 anos e outras também é conhecida por suas indús-
e outra de 500. “Tem que controlar”, três moças com 30, 24 e 18 anos. Na lis- trias de sucos, atividade que muito se
observa, lembrando que o uso precisa ta de convidados também estão irmãos utiliza de água.
ser racional. A limpeza das caixas ele e sobrinhos: “Vai ser maravilhoso”. A proteção do Aquífero Guarani é
uma preocupação não apenas no Brasil,
12 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 24/6/2018

GUILHERME ALMEIDA
mas em outros três países por onde turística em algumas situações. Poder
suas águas passam, tanto que um acor- “ver” uma parte do Guarani, por exem-
do foi firmado em 2010. Um decreto le- plo, desperta atenções. Como um aquífero
gislativo também foi aprovado no Con- não é algo regular, pode estar a mil me-
gresso no ano passado, uma ratifica- tros de profundidade em alguns lugares,
ção do documento firmado há oito mas próximo da superfície em outros.
anos. O texto assinado em San Juan, Imaginar sob a terra um morro ao contrá-
na Argentina, estabeleceu, entre outros rio ou de cabeça para baixo, como se esti-
pontos, que Brasil, Argentina, Uruguai vesse refletido na água de um lago, seria
e Paraguai são responsáveis por ações uma forma simplificada mas possível de
de cooperação que devem facilitar a explicar, ao menos em parte, como se lo-
troca de informações técnicas e a res- caliza um aquífero debaixo da terra. Por
peito de estudos e obras que tenham re- isso a profundidade pode ser tão diferen-
lação com o Aquífero Guarani, tudo pa- te, dependendo de como a camada de pe-
ra defender o meio ambiente e as pró- dra está ali desenhada. Na Serra do Cor-
prias águas. Cada parte deve informar vo Branco (foto da capa desta edição do
às outras sobre suas atividades e, em Correio do Povo), por exemplo, no esta-
caso de algum prejuízo, o causador de- do de Santa Catarina, a estrada corta
ve adotar medidas para a solução. dois paredões medindo 90 metros de altu-
As águas subterrâneas são estuda- ra. Essas paredes seriam partes “visí-
das há décadas pelo professor Marcos veis” do Aquífero Guarani, pontos onde
Imério Leão, geólogo e professor do ele aflora. O local é uma área importante
Instituto de Pesquisas Hidráulicas de recarga na região, segundo observa o
(IPH) da Ufrgs. Ele reitera que as secretário municipal de Turismo de Urubi-
águas de um aquífero representam ci, André Monsores. Em um dos lados dos
realmente uma grande riqueza, mas paredões a umidade é visível. As áreas de
faz observações. A perfuração de po- recarga são aquelas por onde a chuva po-
ços, por exemplo, precisa ser cuidado- de penetrar e alimentar o aquífero. Aqui
sa, já que cada região pode ter caracte- no Estado é possível ver um afloramento
rísticas específicas. “Deve-se usar, do Guarani em Santo Antônio da Patru-
mas com critérios técnicos.” Perfurar lha quase na divisa com Rolante, em uma
um poço, lembra, é um processo caro. estreita estrada de chão. No estado vizi-
São necessários estudos do solo onde nho, o geólogo Arel Hadi, proprietário de
se quer captar a água e, dependendo uma empresa especializada em geologia,
do uso que se pretende fazer, nem lembra que na região do Corvo Branco,
sempre o uso para beber é apropriado. embora a rocha esteja exposta, não signi-
Há pontos onde podem ser detectados, fica exatamente que esta seja a melhor
por exemplo, flúor ou sódio em exces- zona para alimentar o aquífero. “Os areni-
so. O flúor, se estiver em uma quanti- tos, apesar de estarem expostos, não ne-
dade acima do permitido, ao contrário cessariamente constituem a região de re-
de contribuir na saúde dos dentes, vai carga mais importante”, ressalta. O cami-
destruí-los. Essas substâncias estão nho que essa água fizer poderá ser mais
presentes nas águas subterrâneas jus- longo que em outros locais até chegar
tamente porque se alojam dentro da aos subterrâneos, se pensarmos que na
pedra. Uma água que entrar e sair pe- região de Urubici a Serra chega a 1,8 mil
las pedras em um período de 10 mil metros de altitude. A vazão, por outro la-
anos terá composição diferente de ou- do, parece ser uma vantagem. O arenito
tra que ficar ali depositada por mi- que forma o Aquífero Guarani na zona de O geólogo Maiquel
lhões de anos, já que quanto mais tem- Urubici é do tipo Botucatu, com um dos Lunkes, da Corsan,
po em contato com os minerais, mais melhores potenciais de vazão, segundo o lembra que a
eles podem ser absorvidos. Por isso os CPRM, Serviço Geológico do Brasil. São companhia, em muitos
levantamentos geológicos e químicos 200 mil litros por hora em média. Os ti- casos, auxilia
em cada região onde se explora água pos Mata e Caturrita, por exemplo, resul- prefeituras que
são importantes. Outra característica tam em bem menos: 5 mil litros por hora. precisam perfurar
é a temperatura. A cada 33 metros de De qualquer forma, Hadi alerta que poços em áreas rurais
profundidade há aumento de um grau mesmo que as quantidades de água se- mas que ela apenas
gerencia o
centígrado. Nesses casos, estações ter- jam grandes, a preservação é fundamen-
abastecimento em
mais para turismo são as mais benefi- tal. “Basicamente é importante ressaltar áreas urbanas
ciadas. Se na superfície a medição po- que não temos uma grande caixa d'água
de estar entre 18 e 20 graus, por exem- de uso comum em nível estadual, por
plo, dependendo da profundidade é exemplo. Mas em nível municipal pode
possível captar água com até 42 graus. ser realizado um trabalho de conscienti-
zação do uso dos aquíferos locais.” O
LONGA TRAJETÓRIA Aquífero Guarani é apenas uma das pos-
SOLO ABAIXO sibilidades de água subterrânea. Acima
. do Guarani, formado por arenito, há ou-
Há um mundo de água subterrânea tro aquífero, o Serra Geral. Essa camada
a mil metros de profundidade ou até é formada por outra pedra, o basalto,
mais em alguns casos. O tema encanta mais duro e impermeável, que não absor-
e já aconteceu de respeitadas emisso- ve água como o arenito, mas permite pas-
ras de TV veicularem em programas sagem entre “veios” ou fissuras. Também
de grande audiência infográficos que da camada de basalto é retirada água pa-
não correspondiam exatamente à reali- ra poços. O Serra Geral se expande por
dade. As ilustrações mostravam ima- Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Para-
gens semelhantes a “piscinas” debaixo ná e parte do estado de São Paulo.
do solo para retratar a água de um
aquífero, o que é um engano. Mesmo NA REDE SOCIAL,‘VENDA’.
que fosse possível uma pessoa chegar GOVERNO NEGA
lá em baixo, milhares de metros de .
profundidade na Terra, não haveria Diante de quantidades tão generosas, a
possibilidade de “sair nadando”. O água em território brasileiro pode ser
Aquífero Guarani, por exemplo, guar- mesmo considerada uma riqueza que
da sua imensidão de água no arenito, atrai interesses das empresas multinacio-
pedra porosa que esfarela facilmente e nais que exploram água mineral. Essas
que é conhecida por revestir calçadas corporações usam a água, mas precisam
de rua. Por ser poroso, o arenito fica de licença dos órgãos públicos para isso.
encharcado, em um processo seme- A lei 9.433/1997 trata da política nacional
lhante ao de uma esponja. É assim que de recursos hídricos. Questões que vão
a água se acumula: dentro da pedra. desde autorização para perfurar um poço
Existem inúmeras ilustrações sobre até combate à poluição por meio de ações
o que é todo o sistema, mas a curiosi- preventivas estão entre os artigos da le-
dade persiste e acaba virando atração gislação. Comentários em redes sociais
24/6/2018 | CORREIO DO POVO +DOMINGO | 13

sobre “privatização” do Aquífero Guarani


ganharam tanta força e eram tantos que
levaram o governo a se comunicar com
vários portais de notícias conceituados O relatório da
do país para negar a suposta venda das
águas a empresas de origem estrangeira.
A Nestlé também esteve no centro dos
ANA sobre o Sistema
comentários desde uma suposta reunião
ocorrida em janeiro entre o presidente
Aquífero Guarani
Michel Temer e membros do comando da
Nestlé em Davos, na Suíça, durante o Fó- (SAG)
rum Econômico Mundial. Mais recente-
mente, no final de março, o portal de notí- identificou 16.014
cias Uol noticiou a invasão de uma unida-
de de água mineral da Nestlé em São empreendimentos
Lourenço (MG), a Nestlé Waters. Seiscen-
tas mulheres do MST entraram na fábri-
ca durante a Semana da Água, acusando
pontuais potencialmente
o governo federal de “entrega das águas
às corporações internacionais”. Em res-
contaminantes
posta, a empresa afirmou em nota “estar
totalmente comprometida com a adminis- enquadrados
tração sustentável dos recursos hídricos
e o direito humano à água”. Na mesma principalmente nas
matéria a Nestlé informou ainda: “Não te-
mos planos para extração no aquífero e classes de indústria de
nem discutimos esse assunto com as au-
toridades brasileiras”. madeiras (4.939),
A repercussão sobre o tema nos últimos
três anos tem sido grande e após os co-
mentários sobre a reunião em Davos, a As-
transporte, terminais,
sociação Brasileira de Águas Subterrâ-
neas (Abas) emitiu carta aberta. “O gover-
depósitos e comércio
no federal não possui instrumentos legais
para privatizar qualquer aquífero, por me- (2.515) e indústria têxtil,
nor que seja”, afirma um dos trechos do
documento da entidade assinada por seu de vestuário, calçados e
presidente, José Paulo Godoi Martins Neto.
Porém, propostas de modificação da artefatos de tecidos
política nacional de recursos hídricos es-
tão surgindo. O senador Tasso Jereissati
apresentou projeto para alterações na lei
(2.067) com base
9.433/97 por meio do projeto 495/17, o
que resultou em muita polêmica. Enquan-
no cadastro do Ibama.
to a lei 9.433 estabelece que a gestão dos
recursos hídricos deve “sempre” propor- A distribuição de riscos
cionar o uso múltiplo das águas, o que es-
tá no inciso IV do artigo primeiro, o texto potenciais por estado
apresentado pelo senador muda a reda-
ção e propõe que a gestão dos recursos mostrou que Rio Grande
hídricos deve “priorizar” o uso múltiplo.
Conforme a Agência Nacional de Águas
(ANA), uso múltiplo é aquele em que to-
do Sul e Santa Catarina
dos os setores usuários de água têm
igualdade de acesso ao bem. A política
reúnem maior número
nacional, segundo observa a agência, só
traz uma exceção à regra, que vale para de empreendimentos
situações de escassez, quando os usos
prioritários da água passam a ser o con- potencialmente
sumo humano e os animais.
Na proposta de Jereissati, o objetivo é contaminantes.
“introduzir os mercados de água como
instrumento destinado a promover aloca-
ção mais eficiente dos recursos hídricos”.
.
O novo texto estabeleceria uma seção de-
nominada “Dos Mercados de Água”, o
O mapa de
que seria um dos pontos de modificação
da lei criada há 21 anos. Em um dos tre- vulnerabilidade
chos, a matéria detalha que “os merca-
dos de água funcionarão mediante a ces- do SAG também
são onerosa dos direitos de uso de recur-
sos hídricos entre usuários da mesma ba- mostrou
cia ou sub-bacia hidrográfica, por tempo
determinado, com o objetivo de promover predomínio da classe
alocação eficiente dos recursos hídricos,
especialmente em regiões com alta inci-
dência de conflitos pelo uso”. Sobre a pro-
de vulnerabilidade alta
posta, Jereissati falou ao espaço de notí-
cias do site do Senado. “O que se propõe
no Rio Grande do Sul,
é apenas a negociação dos direitos de
uso outorgados pelas autoridades compe- confirmando elevada
tentes”, justificou, acrescentando ainda
que “o projeto não pretende privatizar as suscetibilidade à
águas, pois essas são inalienáveis”. A ma-
téria está em tramitação e tem como lo- contaminação das águas
cal mais recente a Secretaria de Apoio à
Comissão de Constituição, Justiça e Cida-
dania. No site do Senado, a consulta pú-
subterrâneas
blica pergunta: “você apoia essa proposi-
ção?”. Conforme números divulgados até
do aquífero.
o fim da tarde desta última sexta-feira,
havia 77.813 “não” contra 745 “sim”.

Anda mungkin juga menyukai