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A PSICANÁLISE E O SABER NOS LABIRINTOS DA VERDADE

Lia Silveira

No seminário 11 intitulado “Os conceitos fundamentais da psicanálise” Lacan se propõe a


abordar o que fundamenta a psicanálise como uma práxis, ou seja, como uma ação realizada pelo
homem para tratar o real pelo simbólico e vai se perguntar: seria a psicanálise uma ciência? Seria
ela uma espécie de religião? Percebemos aí como ele vai acercando esses diversos registros
(psicanálise, ciência e religião) para delinear seus limites, encontros e tensões. Em nossa exposição,
partimos do princípio de que é na maneira como em cada uma delas se produz um saber, e em
como esse saber se articula com a verdade, que podemos chegar a diferenciar o que situa cada
uma dessas práxis. Tratar o real pelo simbólico implica construir um saber sobre algo, algo que
comporta uma verdade indizível. Cada um desses registros vai, portanto realizar este
empreendimento de forma diferente, apesar de manter alguns traços em comum.
No seminário intitulado “O Mito individual do neurótico”, Lacan afirma que a psicanálise é
uma disciplina que no conjunto das ciências se apresenta a nós com uma posição realmente
particular. Se dizem que ela não é uma ciência propriamente dita pode parecer então quem ela é
simplesmente uma arte. Ele afirma que é um erro se tomarmos a arte como pura técnica, mas que
faz sentido a comparação se entendemos a palavra arte como no sentido em que era empregada na
Idade Média quando se falava das artes liberais (astronomia, dialética, aritmética, geometria,
música, gramática). Trata-se da arte no que ela implica de uma relação do sujeito consigo. “Uma
relação fundamental com a medida do homem”.
No que diz respeito à ciência, tal como a conhecemos hoje, também há uma especificidade
no que tange à relação com a verdade. Foucault situa o nascimento da ciência moderna no seio do
que ele chama “momento cartesiano”. Segundo ele, trata-se do momento histórico onde as relações
entre o sujeito e a verdade são rompidas. O saber que ela produz visando atingir o verdadeiro
exclui qualquer necessidade de se perguntar sobre o sujeito que o elabora. Na verdade exige
até que se faça isso. Lacan, no seminário 11, situa faz referência a essa relação tomando como
exemplo as diferenças entre a alquimia e a química. Ele se pergunta: o que nos faz dizer que a
alquimia afinal não é uma ciência? E responde: Alguma coisa, a meus olhos, é decisiva, que a
pureza da alma do operador era, como tal, e de modo determinado, um elemento essencial no
negócio. Afirma ainda que na práxis analítica há algo de análogo no que concerne a presença do
analista, e que é a isso mesmo que ele visa com sua psicanálise didática, ou seja, o desejo do
analista. (p. 17)
Vemos aí, que ele aproxima a psicanálise de uma práxis considerada uma espécie de magia
que é a alquimia. O próprio Freud reconheceu que para o leitor desavisado a psicanálise pode
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parecer magia. No texto intitulado “A questão da análise leiga” (1926) de forma muito bem
humorada afirma que é como se esse leitor dissesse: então é só isto? Palavras, palavras, palavras.
Aqui é interessante a resposta que Freud dá, pois mesmo sem contar com as ferramentas da
lingüística e do estruturalismo que só surgiriam muito depois, ele afirma: não desprezemos a
palavra. Afinal de contas, ela é um instrumento poderoso. (p. 214)
Seguindo a indicação de Freud, percebemos que é num manejo específico das palavras que a
psicanálise opera distinguindo-se da magia. A especificidade dessa relação podemos situar melhor a
partir do ensino de Lacan, em sua abordagem da teoria do significante. Segundo ele, em ambas as
práxis (psicanálise e magia) há um recurso ao simbolismo. No entanto, enquanto na primeira trata-
se de um simbolismo natural, na psicanálise trata-se de um o simbolismo enquanto estruturado na
linguagem. Ele afirma que traduziu isso na fórmula: ler na borra de café não é ler nos hieróglifos.
(sem. 3, as psicoses). Sendo assim, no texto “A Ciência e a Verdade” Lacan afirma que, no caso da
magia, por tratar-se de um simbolismo naturalizado (o trovão, a chuva, o milagre), o saber não
apenas caracteriza-se por estar velado para o sujeito (como no caso da ciência), mas se dissimula
como tal. Ou seja, a verdade aparece como algo encontrado na natureza e em nada implicando
o sujeito. (ciência e verdade, ano)
No que diz respeito à religião sabemos como Freud a situou do lado da Neurose. Em textos
como Totem e Tabu (.....), O Futuro de uma ilusão (.....) e Moisés e o Monoteísmo (1939) ele afirma
que os fenômenos religiosos só podem ser compreendidos segundo o padrão dos sintomas
neuróticos. Na linguagem freudiana, podemos dizer: através do mecanismo do recalque, nada
querer saber. Com Lacan podemos formular: na religião o sujeito entrega a Deus a incumbência da
causa, mas nisso corta seu próprio acesso à verdade. A verdade que ele acessa é divina, por isso
ele é levado a atribuir a Deus seu próprio desejo. Sua demanda é submetida ao desejo suposto de
um Deus que, por conseguinte, e preciso seduzir. (ciência e verdade, p.887) Amor e culpa tomam
parte nesse jogo de sedução como aquilo que resta ao sujeito.
Percebemos, então, que é numa relação específica entre sujeito e verdade que a psicanálise
se circunscreve enquanto práxis, e é no que Lacan formula como “desejo do analista” que podemos
situar essa especificidade. No seminário 11 Lacan afirma que é esse desejo que permite ao sujeito
realizar uma travessia do plano das identificações. Se colocando como a, como objeto causa do
desejo, o analista faz com que o sujeito, ao desfilar seus significantes, produza um saber (saber
inconsciente). Para isso, ele se apóia numa verdade, e a verdade do inconsciente é: não há relação
sexual.
Isto quer dizer que não há possibilidade de fazer o todo da verdade, de dizê-la toda e, é por
isso, que Lacan vai afirmar no Sem 17 que é apenas recorrendo ao mito que podemos semi-dizê-la:
Em suma, o semi-dizer é a lei interna de toda espécie de enunciação da verdade e o que melhor a
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encarna é o mito. (Sem 17, p. 103) Sendo assim, recorri a uma das formas modernas de contar o
mito que é o cinema, através de um filme chamado “O Labirinto do Fauno”. Parti este filme para
articular minha discussão porque entendo que nele estão presentes elementos que podem ser
tomados pelas diversas formas de tratar o real pelo simbólico aqui discutidas (magia, arte, História).
No entanto, o mais importante na escolha desse filme foi o fato de que podemos interrogá-lo à partir
da psicanálise para trazer o que ele comporta da verdade do sujeito.
O Labirinto de Ofélia
Trata-se da história de Ofélia, uma garota que na Espanha da ditadura franquista dos anos 40
precisa se mudar com a mãe para uma região de combates da guerra civil. Lá encontra uma
realidade muito dura. Sua mãe está grávida do capitão que comanda o posto onde elas vão viver. A
gravidez é complicada, mas o coronel exige que ela venha, pois “um filho tem que nascer onde está
seu pai”. Este, por sua vez é um carrasco fascista que exerce seu sadismo torturando e matando
qualquer um que minimamente se oponha a ele. Devido aos riscos da gravidez o médico recomenda
que a mãe fique sozinha num quarto em repouso absoluto. O filho que ela gesta é ansiosamente
esperado pelo capitão (Ele inclusive diz ao médico: se precisar escolher entre a vida dela e a do meu
filho, escolha a dele). Com a mãe nessas condições, Ofélia quase não a vê e é praticamente ignorada
pelo capitão. Só Mercedes, uma empregada da casa, lhe dá alguma atenção. Nesse contexto de
solidão e sofrimento Ofélia descobre um labirinto próximo à casa onde está morando e lá vai se
passar sua outra história.
Logo no início um narrador anuncia a história de uma princesa que mais adiante saberemos
tratar-se de Ofélia. O texto diz: Há muito, muito tempo, No Reino Subterrâneo onde não existem
mentiras ou dor, viveu uma princesa que sonhava com o mundo dos humanos. Sonhava com o céu
azul, a brisa suave e o brilho do sol. Um dia, burlando toda a vigilância, a princesa escapou. Uma
vez do lado de fora, a luz do sol a cegou e apagou de sua memória qualquer indício de seu passado.
A princesa esqueceu quem ela era e de onde veio. Seu corpo sofria de frio, doença e dor. E no
decorrer dos anos, ela morreu. Entretanto, seu pai, o Rei, sabia que a alma da princesa retornaria,
talvez em outro corpo, em outro lugar, em outra época. E ele esperaria por ela, até seu último
suspiro, até que o mundo parasse de girar...
Enquanto essa história é narrada, Ofélia e sua mãe estão viajando a caminho de seu destino.
No caminho a mãe, sentindo dores, pede ao motorista que pare o carro. Ao descer, diz à filha:
Ofélia, espere. Seu irmão não está bem. Mas ela não atende ao apelo da mãe e continua andando,
explorando os arredores do local onde pararam. Mais a frente, encontra uma pedra em formato de
olho, e mais a frente uma estátua antiga, faltando um olho, onde Ofélia encaixa a pedra. Da boca da
estátua sai um inseto magro e comprido, muito esquisito. Ao retornar, ela diz à mãe que viu uma
fada. A mãe ignora a notícia e diz: quando chegarmos quero que saúde o capitão e que o chame de
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pai. Você não sabe como ele tem sido bom pra nós. A insistência para que Ofélia o chame de pai é
uma constante. A empregada também se refere ao capitão como sendo seu pai ao que Ofélia
responde: Ele não é meu pai. Meu pai era um alfaiate. Ele morreu na guerra. Noutra cena, num
jantar destinado a apresentar a mulher às esposas dos outros oficiais, ficamos sabendo da história do
pai de Ofélia pela boca de sua mãe. Uma das convidadas pergunta com certa malícia como ela e o
capitão se conheceram, deixando o capitão visivelmente constrangido. A mãe então responde: O pai
de Ofélia fazia os uniformes do capitão. E depois que ele morreu, fui trabalhar na loja. Há um
pouco mais de um ano atrás, O capitão e eu nos encontramos novamente.
Na primeira noite que passam na casa antiga e cheia de barulhos estranhos, Ofélia, com
medo, vai até o quarto de sua mãe e deita com ela na cama. Pergunta a mãe por ela tinha que se
casar. A mãe responde que esteve só por muito tempo. Ofélia argumenta: Estou com você. Você
nunca esteve só. E a mãe responde: Quando você estiver mais velha, entenderá. Não foi fácil pra
mim também.
Vemos aí delinear-se alguns dos elementos que estarão no cerne da questão de Ofélia. Ela
tenta se colocar como objeto do desejo da mãe (estou com você, você não está só). Mas a mãe
aponta para outro lugar, seu desejo não está ali, não é Ofélia que pode satisfazê-lo e sim o capitão.
O primeiro pai aparece de forma muito desbotada em toda trama. Tudo que sabemos sobre ele é que
era alfaiate e morreu na guerra. Além disso, a questão sobre como a mãe e o capitão se conheceram
deixa uma nuvem de suspense e desconforto no ar. A dúvida pode ter se instaurado para Ofélia: será
que ela e o capitão já se relacionavam antes da morte do alfaiate? Poderia Ofélia ser filha do
capitão, um homem monstruoso que tortura e mata por prazer? No entanto, o pai não é
necessariamente o biológico, ele é aquele que é nomeado no desejo da mãe, uma função, portanto.
Vemos que é o desejo da mãe em direção ao capitão que possibilita uma separação de Ofélia.
Segundo Lacan, esse processo se inicia quando uma falta é identificada no Outro. Na
intimação mesma que lhe faz o Outro com seu discurso. A mãe diz a Ofélia: quando você crescer,
vai entender. Nos intervalos do discurso do Outro, surge na experiência da criança, o seguinte: ele
me diz isso, mas o que é que ele quer de mim? (Sem 11. p.203) para responder a esta pergunta é que
Ofélia elabora sua fantasia.
Logo que chega ao local onde vão viver, Ofélia descobre o labirinto e resolve explorá-lo. Lá
encontra um fauno que lhe conta outra versão de sua história. Segundo ele, ela não é Ofélia, mas
sim a princesa Moana, filha do rei do mundo subterrâneo: você não nasceu de um homem. Foi a lua
que deu à luz a você. Olhe no seu ombro esquerdo e você encontrará uma marca que prova isso.
Seu pai verdadeiro nos fez abrir portais por todo o mundo para permitir sua volta. Ele avisa então à
Ofélia/Moana que ela tem que cumprir três tarefas para poder voltar.
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É interessante percebermos como o engano e a verdade andam de mãos dadas. Lacan diz que
é em torno desse enganar-se que vige a gangorra desse ponto sutil que é a posição do sujeito. O
Fauno é um personagem mitológico reconhecidamente enganador. Ofélia é avisada disso por
Mercedes que diz: Minha mãe sempre me mandou tomar cuidado com os Faunos. A sensação que
temos ao longo do filme é a de não podermos confiar nele. Mas Ofélia segue fielmente os caminhos
indicados por ele, sem titubear. Aliás, num mundo tão recheado de seres apavorantes ela se sai
muito bem. Abraça o fauno em momentos de perigo e chama o inseto feioso de fada.
Outro ponto interessante é que na história que o fauno lhe conta (e que ela imediatamente
assume como sendo sua) a geração sexuada é negada e Ofélia nasceu da Lua e não de um homem.
Presentificam-se claramente os elementos para a elaboração do roteiro que Freud chamou de “o
romance familiar do neurótico”. Segundo ele a criança inicialmente idolatra seus pais e atribui a
eles qualidades extraordinárias. Posteriormente descobre que eles não são tão perfeitos assim e
passa a pensar que existem outros pais melhores em alguns aspectos. Freud afirma ainda que
contribuem para esse resultado a forte rivalidade sexual, o sentimento de estar sendo negligenciado,
de que não está recebendo todo o amor que merece, principalmente se tem que dividir esse amor
com um irmão. (como é o caso de Ofélia). O passo seguinte é que a imaginação da criança
entrega-se à tarefa de libertar-se dos pais que desceram em sua estima, e de substituí-los por
outros, em geral de uma posição social mais elevada. (FREUD, Romances Familiares)
Segundo Freud esse devaneio tem dois objetivos principais: um erótico e um ambicioso -
embora um objeto erótico esteja comumente oculto sob o último. Na história de Ofélia vamos como
esses dois elementos estão presentes. O objetivo erótico está relacionado a tentar reencontrar seu
lugar privilegiado junto à mãe e desfazer-se de sua questão acerca da origem do pai. O segundo
elemento, o ambicioso, o da rivalidade com o irmão, vai se manifestar nas tarefas colocadas pelo
fauno: na primeira tarefa um sapo monstruoso se instalou no tronco de uma árvore e a está matando.
Ofélia precisa destruir o sapo e tirar de sua boca uma chave. Quem está morrendo por causa de um
ser que abriga no ventre é a mãe de Ofélia e o irmão é o sapo monstruoso que se apossou dela. As
duas outras tarefas vão se dirigir ainda mais claramente como uma atitude hostil com o irmão. Na
segunda tarefa ela precisa abrir na parede usando um giz, uma porta que leva a uma outra dimensão.
Ela deve usar a chave para abrir um armário secreto e trazer um punhal para entregar ao fauno. Na
terceira tarefa, que já se desenrola num contexto mais complicado (a mãe de Ofélia deu a luz e
morreu no parto, os rebeldes então atacando a casa do capitão) Ofélia precisa roubar o irmão e levá-
lo até o labirinto. Lá fica sabendo que o intuito de todas essas tarefas é matar o irmão para derramar
o sangue de um inocente. Só assim o portal que leva ao reino da princesa Moana se abrirá. Ofélia
não admite entregar o irmão e morre atingida por um tiro do capitão que a perseguia. Enquanto
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Ofélia morre sagrando, Moana chega ao reino onde é recebida pela mãe-rainha (a mesma da
realidade) pelo pai-rei (que provavelmente é o alfaiate). Entre os dois uma cadeira se destina a ela.
Diz a lenda que a Princesa retornou reinou com justiça e bondade por muitos séculos. Que
ela foi amada por seus súditos. Que ela deixou para trás pequenos traços de sua passagem pelo
mundo, visíveis apenas para aqueles que sabiam onde olhar.

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