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Federalização das violações de direitos

humanos

Vladimir Brega Filho

Sumário
1. Introdução. 2. Fundamentos. 3. Pressupos-
tos. 3.1. Grave violação dos direitos humanos.
3.2. Assegurar o cumprimento dos tratados
internacionais. 3.3. Incapacidade do Estado
­Membro de promover a responsabilização ou
reparação da violação aos direitos humanos.
4. Aspectos processuais. 4.1. Competência. 4.2.
Legitimidade. 4.3. Procedimento. 4.4. Decisão.
4.5. Recurso. 5. Constitucionalidade. 5.1. O
princípio do Juiz Natural e a criação de tribunais
de exceção. 5.2. Recriação do instituto da avo-
catória. 5.3. Violação do pacto federativo. 5.4.
Violação do princípio da segurança jurídica. 6.
Considerações finais.

1. Introdução
A emenda constitucional no 45 trouxe
inúmeras novidades para o Direito Consti-
tucional Brasileiro. Neste artigo nos limita-
remos a comentar uma delas: a introdução
do chamado incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal quando
da ocorrência de grave violação de direitos
humanos.
A novidade está prevista no art. 109,
§ 5o, da Constituição Federal, que tem o
seguinte teor:
Vladimir Brega Filho é Promotor de Justiça “Nas hipóteses de grave violação
no Estado de São Paulo, professor da Faculdade
de direitos humanos, o Procurador-
de Direito do Norte Pioneiro e das Faculdades
Integradas de Ourinhos. Mestre em Direito Geral da República, com a finalidade
pelo Centro de Pós-graduação da Faculdade de assegurar o cumprimento de
de Direito de Bauru e Doutor pela Pontifícia obrigações decorrentes de tratados
Universidade Católica de São Paulo. internacionais de direitos humanos
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dos quais o Brasil seja parte, poderá Assim, se a opção do nome do instituto
suscitar, perante o Superior Tribu- for para destacar seus efeitos, é melhor
nal de Justiça, em qualquer fase do utilizarmos a expressão “federalização das
inquérito ou processo, incidente de violações de direitos humanos”, o que abar-
deslocamento de competência para ca o deslocamento de competência tanto na
Justiça Federal”. esfera criminal como na esfera cível.
O instituto recebeu o “nome comercial” Resolvida a questão terminológica, há
de Federalização dos Crimes de Direitos a necessidade de analisar a questão da efi-
Humanos, mas a técnica recomenda a cácia do novo dispositivo constitucional e
utilização da expressão “incidente de des- não há dúvida de que ele tem eficácia plena
locamento de competência para a Justiça e imediata. Plena porque a sua aplicação
Federal”, pois a federalização dos crimes é não depende de qualquer norma infra-
um dos efeitos do instituto. O dispositivo constitucional, sendo possível a sua apli-
constitucional refere-se a “inquérito ou cação a partir da promulgação da emenda
processo”, sem qualquer outro adjetivo, constitucional no 45. Imediata porque o art.
tornando possível a federalização de in- 5o, § 1o, da Constituição estabelece que as
quéritos e processos de natureza cível. disposições relativas aos direitos humanos
Imagine-se um estado federado onde os têm eficácia imediata.
processos cíveis de indenização propostos Diante disso, tendo o instituto plena
contra o Estado, decorrentes de violação aplicação no direito brasileiro, é de suma
aos direitos humanos, sejam sistematica- importância o estudo de seus fundamentos,
mente julgados improcedentes. Comprova- pressupostos e procedimento, o que será
da essa circunstância, não vemos óbice para feito a seguir.
a federalização desses processos.
No sentido da extensão do instituto aos 2. Fundamentos
inquéritos e processos cíveis, André Ramos
Tavares (2005, p. 50) escreve o seguinte: No Brasil, a União Federal pode ser vista
“O dispositivo refere-se a ‘inqué- sob dois aspectos. No âmbito interno, é pes-
rito ou processo’, sem qualquer outra soa jurídica de direito público integrante da
restrição. Ora, há de se incluírem, federação brasileira e autônoma dos demais
automaticamente, o inquérito civil, entes federativos. No âmbito internacional,
além do criminal, e os processos de a União representa a República Federativa
qualquer natureza, inclusive por do Brasil.
improbidade administrativa ou de- Sendo assim, os tratados internacionais
correntes de ação civil pública”. são celebrados pela União, representando a
Se o entendimento fosse de que só é República Federativa do Brasil. É por isso
possível a federalização dos inquéritos e que a atribuição de celebrar os tratados in-
processos criminais, teríamos que concluir ternacionais é do Presidente da República
pela impossibilidade da propositura da (art. 84, VIII), os quais serão referendados
ação civil ex delito na Justiça Federal, pois pelo Congresso Nacional (art. 49, I).
somente a competência criminal teria sido As obrigações internacionais, portanto,
deslocada para a Justiça Federal. Vale lem- são de responsabilidade da União, que “no
brar que o art. 63 do Código de Processo livre e pleno exercício de sua soberania,
Penal estabelece que a ação civil ex delito se comprometeu a cumprir” (PIOVESAN,
deve ser proposta no juízo cível e, tendo 2005, p. 78). Em razão disso, a responsa-
ocorrido apenas o deslocamento da com- bilidade pelo cumprimento dos tratados
petência criminal, a ação de reparação teria é exclusiva da União, não sendo possível
que ser promovida na justiça estadual. afastá-la sob o argumento que incumbe

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aos Estados Membros a apuração dessas cumprimento dos tratados internacionais
violações. de direitos humanos não trazia qualquer
Ocorre que, na sistemática anterior à sanção para os Estados Membros, agora a
Reforma do Judiciário, a responsabilidade federalização dos processos e inquéritos é
para a apuração e julgamento das violações a sanção para a inércia dos Estados, que,
aos direitos humanos, em sua grande maio- sob o risco de verem parcela de sua com-
ria, era da competência da Justiça Estadual. petência deslocada para a Justiça Federal,
Mesmo assim, no plano internacional, a também terão como meta o cumprimento
responsabilidade pelo cumprimento dos dos tratados internacionais.
tratados era da União, ou seja, era respon- O investimento nas polícias, no Minis-
sabilizada sem que nada pudesse fazer. tério Público e no Poder Judiciário será
Fica evidente que o principal funda- imprescindível e não representará um
mento da federalização é dar ao ente res- desnecessário ônus. Somente instituições
ponsável pelo cumprimento dos tratados fortes terão capacidade para reprimir as
internacionais de direitos humanos a opor- violações aos direitos humanos, evitando
tunidade de reprimir e responsabilizar os a federalização.
autores das violações, quando os Estados A respeito disso, Flávia Piovesan (2005,
Membros não forem capazes de fazê-lo. p. 80) escreve o seguinte:
Outro fundamento é a criação de mais “Para os Estados, ao revés, cujas
um instrumento para a redução da impu- instituições se mostrarem falhas e
nidade nas violações a direitos humanos. omissas, restará configurada a hipó-
Trata-se de instrumento subsidiário que tese de deslocamento de competência
vai integrar um sistema de proteção a para a esfera federal, o que: a) asse-
esses direitos, só devendo atuar quando gurará maior proteção à vítima; b) es-
ficar evidente a incapacidade do Estado timulará melhor funcionamento das
Membro em punir as violações aos direitos instituições locais em casos futuros;
humanos. Com esse instrumento, passare- c) gerará a expectativa de resposta
mos a seguir, no direito interno, o princípio efetiva das instituições federais; e
que já existe no direito internacional, vez d) se ambas as instituições – estadu-
que, no âmbito internacional, não sendo al/federal – se mostrarem falhas ou
um Estado soberano capaz de reprimir e omissas, daí, sim, será acionável a
punir as violações aos direitos humanos, esfera internacional – contudo, com a
subsidiariamente é possível acionar as cor- possibilidade de, ao menos, dar-se a
tes internacionais. A propósito, a reforma chance à União de responder ao con-
do judiciário incluiu no artigo 5o da Cons- flito, esgotando-se a responsabilidade
tituição a submissão do Brasil ao Tribunal primária do Estado (o que ensejaria
Penal Internacional. a responsabilidade subsidiária da
Outros dois aspectos são importantes. comunidade internacional)”.
Com a federalização, a vítima terá mais Fica claro, então, que a simples exis-
um caminho na busca da responsabiliza- tência do incidente de deslocamento de
ção e punição dos autores das violações, competência é um avanço na defesa dos
já que, além de buscar socorro nas cortes direitos humanos.
internacionais, poderá valer-se dos órgãos
federais, principalmente da Procuradoria 3. Pressupostos
Geral da República.
Outro aspecto a ser analisado é o enga- Segundo o art. 109, § 5o, são pressupos-
jamento dos Estados Membros na respon- tos do deslocamento da competência a gra-
sabilização das violações. Se antes o não ve violação de direitos humanos, a necessidade

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de assegurar o cumprimento das obrigações de- objetivamente vigentes numa ordem
correntes de tratados internacionais de direitos jurídica concreta”.
humanos e a incapacidade do Estado Membro Assim, para efeito de deslocamento da
de promover a ação penal e o seu julgamento de competência, estão incluídos os direitos
forma satisfatória. de primeira, segunda e terceira geração e,
Os três requisitos são cumulativos e diante da cláusula de abertura dos direitos
devem estar demonstrados quando da humanos, podem ser federalizados novos
apresentação do pedido de deslocamento direitos humanos que surjam e sejam objeto
de competência. de tratados internacionais, independen-
temente de estarem integrados ao texto
3.1. Grave violação dos direitos humanos constitucional.
Em primeiro lugar, é preciso definir o Percebe-se, portanto, que é possível a
que venha a ser direitos humanos e se o existência de direitos humanos não cons-
deslocamento de competência pode ocorrer titucionalizados, mas isso não lhes retira
em relação a todos eles. Já escrevemos que a condição de direitos humanos e por con-
“tradicionalmente os documentos interna- seqüência a possibilidade da federalização
cionais relativos aos direitos fundamentais quando de sua violação.
utilizam a expressão direitos humanos ou Vale lembrar, também, que o art. 5o, §
direitos do homem, fazendo referência aos 3 , estabeleceu que os tratados e conven-
o

direitos de primeira, segunda e terceira ções internacionais sobre direitos humanos


gerações” (BREGA FILHO, 2002, p. 72). que forem aprovados, em cada Casa do
A distinção entre direitos fundamentais e Congresso Nacional, em dois turnos, por
direitos humanos está no fato de os direi- três quintos dos votos dos respectivos
tos fundamentais estarem reconhecidos e membros, serão equivalentes às emendas
positivos na Constituição de um Estado, constitucionais, incorporando-se, assim, ao
enquanto a expressão direitos humanos é texto constitucional, passando a ser norma
utilizada em documentos do direito inter- formal e materialmente constitucional.
nacional, dando a esses direitos um caráter Deve-se aplicar, portanto, a cláusula
transnacional e intertemporal. de abertura dos direitos humanos, sendo
A respeito dessa distinção, Canotilho possível o deslocamento da competência
(1999, p. 369) escreve que de qualquer direito que apresente as carac-
“as expressões ‘direitos do homem’ e terísticas dos direitos humanos.
‘direitos fundamentais’ são freqüen- Além de definir o significado da expres-
temente utilizadas como sinônimas. são direitos humanos, é preciso estabelecer
Segundo a sua origem e significado o que representa a grave violação, especial-
poderíamos distingui-las da seguin- mente porque toda violação aos direitos
te maneira: direitos do homem são humanos é grave. A graduação da violação
direitos válidos para todos os povos é algo extremamente difícil e incumbirá ao
e em todos os tempos (dimensão Superior Tribunal de Justiça decifrar o que
jusnaturalista-universalista); direi- constitui grave violação.
tos fundamentais são os direitos do De qualquer forma, é necessário fugir
homem, jurídico-institucionalmente da subjetividade e, sendo possível, deve
garantidos e limitados espacio-tem- o intérprete encontrar critérios claros, de
poralmente. Os direitos do homem preferência estabelecidos em diplomas
arrancariam da própria natureza legais, evitando as sérias críticas a respeito
humana e daí o seu caráter inviolável, da indeterminação da expressão grave. José
intemporal e universal; os direitos Luiz Bolzan de Moraes (2005, p. 253) fala
fundamentais seriam os direitos da “indeterminação presente na expressão

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grave violação dos direitos humanos, o que Superior Tribunal de Justiça poderá definir,
torna o conteúdo da norma vago e impre- na esfera cível, as situações em que consi-
ciso, o que pode contribuir para casuísmos dera ter ocorrido grave violação a direitos
descabidos em tema tão importante”. humanos. Tal análise deve ser feita caso
Buscando fugir dessa vagueza conceitu- a caso.
al, é possível imaginar algumas soluções.
Não há dúvida de que a prática de 3.2. Assegurar o cumprimento
crimes de menor potencial ofensivo, ou dos tratados internacionais
seja, crimes em que a pena máxima não Em relação ao segundo pressuposto, ou
supera dois anos1, não pode ser conside- seja, a necessidade de assegurar o cumpri-
rada grave violação de direitos humanos, mento das obrigações decorrentes de tra-
por haver uma incompatibilidade lógica. tados internacionais de direitos humanos,
Se o crime é de menor potencial ofensivo, o Constituinte reformador não estabeleceu
não pode, ao mesmo tempo, ser grave. quais são os tratados internacionais de
Também a prática de crimes com pena direitos humanos, contrariando sugestão
igual ou inferior a quatro anos de reclusão apresentada pela Associação Nacional dos
não pode ser classificada como grave, pois Procuradores da República, que, em do-
o Código Penal permite nessas hipóteses a cumento enviado ao relator do projeto da
substituição da pena privativa de liberdade Reforma, deputado Aluísio Nunes Ferreira,
por penas restritivas de direitos2, e, nesse defendia a elaboração de um rol de tratados
mesmo patamar, é permitida a concessão em que era possível a Federalização3.
do regime aberto ao condenado. Diante da necessidade de ampla pro-
Assim, se o Código Penal não trata teção aos direitos humanos, fez bem o
com severidade essas condutas, pode-se constituinte reformador em não indicar
concluir que a prática desses crimes não pode quais seriam esses tratados, observando a
ser considerada grave violação dos direitos cláusula aberta dos direitos fundamentais.
humanos. Uma redação restritiva deixaria sem prote-
Ademais, segundo Vladimir Aras ([200-]), ção novos direitos, criando dois sistemas
esse patamar encontra respaldo em texto jurídicos para os direitos humanos, o que
internacional, já que, segundo referido não seria correto diante dos princípios da
autor, “pelo artigo 2, letra ‘b’, da Con- indivisibilidade e da interdependência.
venção nas Nações Unidas contra Crime
3.3. Incapacidade do Estado Membro de
Organizado Transnacional (Convenção de
promover a responsabilização ou reparação
Palermo), concluída em 2000 e em vigor
da violação aos direitos humanos
para o Brasil desde 28 de fevereiro de 2004,
é considerado crime grave todo ‘ato que Resta-nos, ainda, analisar o requisito
constitua infração punível com pena de da demonstração da incapacidade do Estado
privação de liberdade, cujo máximo não Membro de promover a responsabilização ou
seja inferior a quatro anos ou com pena reparação da violação aos direitos humanos.
superior’. A convenção, já integrada ao Isso ocorrerá quando o Estado Membro,
ordenamento jurídico brasileiro, tem força na fase da investigação, julgamento ou exe-
de lei e pode servir de parâmetro seguro cução da condenação, demonstrar desídia,
para a conceituação da expressão ‘grave negligência, em sua atuação, evidenciando
violação a direitos humanos’”. que naquele caso suas autoridades são in-
Nos inquéritos e nos processos civis, a capazes de promover a responsabilização ou
situação é mais complicada, pois não existe reparação da violação.
qualquer parâmetro legal para definir o Luiz Flávio Gomes (2002) escreve que,
que seja grave violação. Assim, somente o “quando a Polícia e/ou Justiça Estadual

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atuam prontamente, sem nenhum tipo de Frise-se que todos esses pressupostos
morosidade ou descuido, antes e depois são cumulativos e devem estar presentes
da grave violação, não se pode justificar o para que ocorra o deslocamento da com-
deslocamento da competência”. petência.
A demonstração da negligência es-
tadual deverá ser analisada caso a caso, 4. Aspectos processuais
não sendo possível a generalização, ou 4.1. Competência
seja, não é possível afirmar que, em casos
anteriores, houve demora na resposta juris- A competência para conhecer do Inci-
dicional e que isso é um prenúncio de que dente de Deslocamento de Competência
ocorrerá novamente. Para o deslocamento veio estabelecida no § 5o do art. 109 da
da competência, há de ficar demonstrado Constituição. Cuida-se de competência
que, naquele caso concreto, as instituições originária do Superior Tribunal de Justiça,
estaduais, polícia, Ministério Público e órgão incumbido originariamente de resol-
Poder Judiciário, não estão atuando de ver os conflitos de competência entre tribu-
forma adequada na defesa dos direitos nais e juízes a ele não vinculados4. Diante
humanos. disso, preferiu o constituinte reformador
Além disso, caso a incapacidade seja atribuir ao Superior Tribunal de Justiça a
apenas da polícia judiciária, não será o caso competência para apreciar o incidente de
de deslocamento da competência, pois a deslocamento de competência.
legislação infraconstitucional já permite Dentro do Superior Tribunal de Justiça,
que a Polícia Federal investigue as infrações embora ainda não existisse norma regimen-
penais que resultem em grave violação de tal disciplinando o procedimento do ins-
direitos humanos. tituto, o presidente desse Tribunal editou
Jorge Assaf Maluly (2005, p. 6), a respei- Resolução5 atribuindo a 3a Seção, composta
to do instituto, escreve que pelos Ministros da 5a e 6a turmas, entre os
“deve ser destacado, novamente, em quais será escolhido o relator.
desfavor da modificação da compe-
4.2. Legitimidade
tência, que o texto da Lei no 10.446/02
admitiu a realização da investigação Somente o Procurador-Geral da Repú-
pela Polícia Federal de infrações pe- blica poderá propor o incidente de deslo-
nais que resultem grave violação de camento de competência. Alguns autores,
direitos humanos. Esta lei assegura a entre eles Flávia Piovesan (2005, p. 81), en-
efetividade da apuração policial dos tendem que seria razoável uma ampliação
casos previstos em tratados interna- dos legitimados ativos, democratizando
cionais, sem que se impeça a atuação “o acesso ao pedido de deslocamento a
das polícias estaduais. Desse modo, outros relevantes atores sociais”. Ocorre
quando a investigação realizada que o incidente de deslocamento de compe-
pela Polícia Civil dos Estados não se tência é uma forma mais amena e pontual
mostra satisfatória, a Polícia Federal de intervenção da União nos Estados e no
sempre pode atuar em conjunto ou Distrito Federal.
não para esclarecer o fato criminoso Assim, se a intervenção da União por
e sua autoria. Nesta hipótese, se não inobservância dos direitos da pessoa huma-
há comprometimento do Ministério na só pode ser requerida pelo Procurador-
Público ou da Justiça Estaduais, tor- Geral da República, essa “miniintervenção”
na-se desnecessária a federalização deve ter o mesmo legitimado ativo.
da competência para processar e Destaca-se, contudo, que, embora o
julgar tais delitos”. Procurador-Geral da República seja o úni-

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co legitimado para propor o incidente de Recebido o pedido, o relator deverá soli-
deslocamento de competência, qualquer citar informações do Poder Judiciário esta-
interessado pode representar a ele solici- dual. O pedido de informações, dada a gra-
tando a federalização das violações aos vidade do deslocamento da competência,
Direitos Humanos. deve ser sempre endereçado ao Presidente
do Tribunal de Justiça do Estado, pouco
4.3. Procedimento importando se existe inquérito ou processo
A resolução no 6 do Superior Tribunal ou a fase em que esteja o processo.
de Justiça fixou a competência para a apre- Também deverá ser instado a se ma-
ciação do incidente, mas não fixou o proce- nifestar a respeito do pedido de deslo-
dimento a ser seguido e assim, na ausência camento o Governador do Estado, pois
de disposição legal, será o relator que, por a “miniintervenção” em um dos poderes
ora, determinará qual será o procedimento. do Estado Membro lhe interessa direta-
Isso não impede imaginar como seria um mente. Com a ciência do pedido, poderá
procedimento ideal. tomar providências na tentativa de evitar
A princípio é importante destacar que o deslocamento da competência, pois o de-
a petição inicial deverá demonstrar a pre- ferimento do pedido, sem dúvida alguma,
sença dos três pressupostos acima referi- levará à desmoralização dos Poderes locais,
dos. Diante disso, o Procurador-Geral da inclusive do Poder Executivo.
República deve demonstrar a ocorrência Tratando-se de deslocamento de com-
da grave violação aos direitos humanos, in- petência na esfera penal, também terá de
dicando o tratado internacional que o Brasil ser facultada ao Ministério Público Esta-
se obrigou a cumprir em relação à matéria. dual, na pessoa do Procurador-Geral de
Deve também, sob pena de ver indeferido o Justiça, e ao réu, a oportunidade de se ma-
pedido, demonstrar a inércia, a negligência nifestar sobre o pedido, já que são partes na
das autoridades Estaduais, demonstrando- relação processual e têm interesse direto no
se a incapacidade de punir ou reparar a desfecho do pedido. Em relação ao Ministé-
grave violação aos direitos humanos e a rio Público Estadual, com a federalização,
necessidade do deslocamento. lhe é retirada a atribuição para promover
Havendo a necessidade de demonstra- a ação penal pública, direito assegurado
ção de situação de fato, entendemos ser constitucionalmente, sendo imprescindível
conveniente a instauração de procedimento que tenha a oportunidade de demonstrar
administrativo pelo Procurador-Geral da que não há qualquer desídia, negligência,
República a fim de angariar elementos de sua parte ou do Poder Judiciário. Por sua
que demonstrem a presença dos pres- vez, o réu pode ter interesse em ser julgado
supostos da federalização. O procedi- na Justiça Estadual, sendo imprescindível
mento poderá ser instaurado de ofício a oportunidade de manifestação sobre o
ou mediante representação de qualquer deslocamento da competência.
interessado. Com a vinda das informações ou de-
Não será possível a apresentação de corrido o prazo fixado pelo relator, os
pedido liminar, pois, somente com a de- autos serão enviados ao Procurador-Geral
cisão definitiva do Superior Tribunal de da República para manifestação. Embora
Justiça, será possível o deslocamento da possa parecer desnecessário, pois o autor
competência e a realização de atos na Jus- do pedido é o próprio Procurador-Geral
tiça Federal. A concessão da liminar geraria da República, é possível que, com as infor-
uma situação de insegurança e prejudicaria mações prestadas, ele convença-se da des-
a apuração tanto na Justiça Estadual como necessidade da federalização, podendo-se
na Federal. manifestar pelo indeferimento do pedido,

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o que não vinculará o Superior Tribunal de segundo o Supremo Tribunal Federal, não
Justiça. Esse entendimento guarda relação seria possível o recurso. Nesses casos, o
com o procedimento adotado nas ações Supremo Tribunal Federal já entendeu
diretas de inconstitucionalidade, quando, que não há conflito de competência entre o
mesmo sendo o autor, o Procurador-Geral Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais
da República manifesta-se novamente nos Regionais Federais e os Tribunais de Justiça
autos, podendo manifestar-se pela impro- Estaduais, pois “o dissídio, em matéria de
cedência do pedido.6 competência entre o Superior Tribunal de
A próxima etapa será o julgamento do Justiça e um Tribunal de segundo grau
pedido. da Justiça ordinária – não importando se
federal ou estadual –, é um problema de
4.4. Decisão hierarquia de jurisdição e não de conflito”
O pedido de deslocamento só pode (BRASIL, 2001, p. 3). Não é o que ocorre
abranger um fato determinado, ou seja, em relação ao Incidente de deslocamento
para cada violação deverá haver um pedi- de competência. Aqui há realmente um
do de deslocamento da competência, não conflito. Como será visto a seguir, existem
sendo possível a apresentação de pedidos dois juízes competentes, um real e um po-
genéricos. Sendo assim, a decisão do Supe- tencial, e ambos estão em conflito.
rior Tribunal de Justiça só poderá acolher O recurso extraordinário não terá efeito
ou não acolher o pedido. suspensivo.
Caso seja deferido o pedido de desloca- Tratando-se de procedimento criminal,
mento, o julgamento será transferido para vislumbra-se a possibilidade da impetra-
Justiça Federal, devendo ser observados ção, em favor do réu, de habeas corpus no
os demais dispositivos constitucionais Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, alínea
para a fixação da competência. Assim, i), pois o julgamento perante órgão incom-
caso o crime seja da competência do júri, petente, sob a ótica do réu, causa-lhe grave
o julgamento estará afeto ao Tribunal do constrangimento e ameaça a sua liberdade
Júri Federal. Tratando-se de agente que de locomoção.
goze de prerrogativa de função, deverá ser
observada esta circunstância, ou seja, se o 5. Constitucionalidade
agente deveria ser julgado pelo Tribunal
de Justiça, deverá ser julgado pelo Tribunal O novo instrumento de defesa dos
Regional Federal. direitos humanos vem tendo a sua cons-
titucionalidade questionada. Tramitam
4.5. Recurso
no Supremo Tribunal Federal as ADIns
Proferida a decisão, será cabível o recur- 3486, de autoria da Associação dos Magis-
so extraordinário uma vez que, deferindo trados do Brasil (AMB), e 3493, de autoria
ou não o pedido, ela pode contrariar dispo- da Associação Nacional dos Magistrados
sitivo da Constituição. Sendo determinado Estaduais (ANAMAGES), que sustentam a
o deslocamento, poderá questionar-se a inconstitucionalidade da federalização com
presença de seus pressupostos e a ofensa os seguintes fundamentos: a) violação dos
aos princípios do juiz e do promotor natu- princípio do juiz natural e criação de tribu-
ral7. No caso de indeferimento do pedido, nal de exceção; b) recriação do instituto da
pode a Procuradoria Geral da República avocatória; c) violação do pacto federativo,
discutir o descumprimento do próprio art. cláusula pétrea da Constituição; e d) viola-
109, § 5o. ção do princípio da segurança jurídica.
Não se deve analisar a decisão sob a Diante disso, torna-se imperativo cada
ótica do conflito de competência, em que um desses fundamentos.

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5.1. O princípio do Juiz Natural e a A federalização, ao contrário, institui
criação de tribunais de exceção uma “salutar concorrência institucional
É certo que a Constituição Federal, para o combate à impunidade e para a
no art. 5o, incisos XXXVI e LIII, proíbe os garantia de justiça” (PIOVESAN; VIEIRA,
chamados tribunais de exceção e consagra 2005), tudo em prol da defesa dos direitos
a garantia do processamento e julgamento humanos.
da causa pelo juiz competente, segundo A propósito, o novo instituto tem sua
regras anteriores ao fato. Diante disso, só inspiração e fundamento no princípio
“se considera juiz natural ou autoridade fundamental da “prevalência dos direitos
competente, no direito brasileiro, o órgão humanos” nas relações internacionais
judiciário cujo poder de julgar derive de (art. 4o, II, CF). Tratando-se de princípio
fontes constitucionais” (MARQUES, 1978, fundamental, ele servirá de norte para a
p. 447). interpretação de toda a Constituição.
A dúvida, então, é saber se o deslo- Assim, se para a defesa dos direitos
camento da competência para a Justiça humanos mostra-se necessária a criação do
Federal constitui violação ao princípio do instituto, não há inconstitucionalidade na
Juiz Natural. atribuição do julgamento do fato a outro
A criação do incidente por emenda juiz, que não o estabelecido inicialmente na
constitucional, inserindo na Constituição a Constituição, mas que se mostrou negligen-
competência da Justiça Federal para julgar te na defesa dos direitos humanos.
as violações aos Direitos Humanos, cria Entre o princípio constitucional da pre-
as condições para que ela, Justiça Federal, valência dos direitos humanos e o princípio
seja o Juiz Natural dos delitos nesses casos. do juiz natural, deve prevalecer, nesse
É óbvio que a divisão de competência na caso, o primeiro, valendo lembrar aqui a
Justiça Federal já está estabelecida e, com assertiva de Walter Claudius Rothenburg
a ocorrência de uma grave violação aos (1999, p. 82) quando escreve que “o reco-
direitos humanos, o juiz natural, no caso do nhecimento da natureza normativa dos
deslocamento, já estará estabelecido. princípios implica afastar definitivamente
Existirão dois juízes naturais. Um que as tentativas de se os caracterizar como
desde início conhecerá do feito (estadual) e meras sugestões ou diretivas (desideratos
um juiz em potencial (federal), que poderá ou propostas vãs), a fim de que deles possa
ser acionado no caso da inépcia da justiça ser extraído todo o significado dos valores
estadual. Desde a ocorrência do fato, já se que encerram, com o cuidado de impedir
saberá qual é o juiz inicial e o juiz poten- que sejam estes tornados inócuos por uma
cial, não havendo que se falar em juiz de retórica ‘mitificadora’ e enganosa, freqüen-
exceção. temente empregada para os princípios”.
Essa competência está preestabelecida Não se pode, portanto, esquecer o princípio
na Constituição e por isso não é possível da prevalência dos direitos humanos para
afirmar que ela foi criada para casos ou exaltar o princípio do juiz natural. Tal
fatos particulares, o que caracterizaria a princípio, assim como todos os outros in-
violação ao princípio do juiz natural. Dessa seridos na Constituição, não são absolutos
forma, a federalização não institui o juízo e devem-se compatibilizar com as demais
de exceção, pois “o tribunal é de exceção normas constitucionais.
quando de encomenda, isto é, criado ex post Importante lembrar ainda que o princí-
facto, para julgar num ou noutro sentido, pio do Juiz Natural não é absoluto, sendo
com parcialidade, para prejudicar ou bene- a existência do instituto do desaforamento
ficiar alguém, tudo acertado previamente” no procedimento do júri (art. 424 do CPP)
(NERY JUNIOR, 2000, p. 66). uma demonstração clara disso.

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Acrescente-se que a responsabilidade o conhecimento integral da lide lhe seja
subsidiária para o julgamento das viola- devolvido”.8
ções aos direitos humanos é princípio do Perdurou no direito brasileiro, sem
Direito Internacional. Prova disso é que, grande utilização (CORRÊA, 1992), até a
caso o ­Brasil se mostre inerte na apuração e promulgação da Constituição de 1988. A
responsabilização das violações aos direitos ação avocatória tinha como característica
humanos, poderá ser julgado pelos Tribu- principal a possibilidade de um órgão ju-
nais Internacionais, independentemente risdicional chamar para si o julgamento de
da apuração da Justiça brasileira. Vige o processo que tramitasse em qualquer juízo
princípio da subsidiariedade. Será exata- ou tribunal.9
mente isso que ocorrerá no caso de o Estado Não é isso que ocorre com o desloca-
Membro não se mostrar apto a apurar as mento de competência previsto no art. 109,
violações aos direitos humanos. § 5o. O deslocamento da competência se dá
A conclusão, portanto, é a de que a para a Justiça Federal, ou seja, não existe
federalização das violações aos direitos um órgão específico que vai avocar e julgar
humanos não viola o princípio do juiz o processo. O Superior Tribunal de Justiça,
natural e não cria qualquer tribunal de ao decidir pelo deslocamento da competên-
exceção. cia, não passará a ser o tribunal competente
Uma lembrança, contudo, precisa ser para o julgamento do feito. A competência
feita. A federalização só é possível para as continuará a ser exercida pela instância in-
violações ocorridas a partir da promulga- ferior, apenas com o deslocamento do feito
ção da Emenda Constitucional no 45, pois para a Justiça Federal. O Superior Tribunal
foi ela que criou esse juízo potencial. Antes de Justiça só conhecerá da causa em grau
da reforma do judiciário, não era possível de recurso, o que também ocorreria caso
o deslocamento e a mudança do juízo o processo permanecesse tramitando na
competente. Diante disso não é possível a Justiça Estadual.
federalização de crimes como o “Massacre Ademais, a avocatória criada pelo go-
do Carandiru”, “Massacre de Eldorado de verno ditatorial tinha por objetivo controlar
Carajás” e tantos outros que ocorreram no as decisões judiciais, vez que os Ministros
Brasil e permanecem impunes. do Supremo Tribunal Federal e o Procu-
rador-Geral de Justiça eram nomeados
5.2. Recriação do instituto da avocatória pelo presidente da República. Embora os
Pelo instituto da avocatória, um tribunal Ministros do STF e o Procurador-Geral
superior chama à sua jurisdição processo da República continuem sendo nomeados
em andamento em juízo ou tribunais de pelo Presidente da República, não será
instâncias inferiores. No Brasil a faculdade atribuição do Supremo julgar e do Procu-
de avocar processos vem desde as Ordena- rador-Geral de Justiça propor a ação cível
ções Manuelinas. Em tempo recente, a ação ou penal. Além disso, a federalização tem
avocatória foi introduzida pela emenda no objetivo bem diferente da avocatória, pois
7 à Constituição de 1967 que facultava ao visa a defesa dos direitos humanos.
Supremo Tribunal Federal, a pedido do Assim, não há semelhança entre a avo-
Procurador-Geral da República, avocar catória e o instituto do deslocamento de
qualquer causa de interesse da União, competência, e, por isso, não vislumbramos
desde que a tramitação nas instâncias qualquer inconstitucionalidade.
inferiores pudesse “decorrer imediato
perigo de grave lesão à segurança ou às 5.3. Violação do pacto federativo
finanças públicas, para que se suspendam O terceiro argumento trazido por aque-
os efeitos da decisão proferida e para que les que são contrários à federalização é o de

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que haveria uma violação do pacto federati- 5.4. Violação do princípio
vo, pois as competências estaduais estariam da segurança jurídica
sendo transferidas para a União. A possibilidade da modificação da
Ocorre que essa “invasão de competên- competência, segundo alega a Associação
cias” já está prevista na Constituição Fede- dos Magistrados Brasileiros na ADIN já
ral pelo instituto da intervenção. A propósi- referida, traria insegurança jurídica, pois
to, uma das características da Federação é a a qualquer tempo poderia ser solicitada,
existência da possibilidade da intervenção tratando-se de um “inaceitável elemento
federal nos Estados Membros. surpresa”. Ocorre que, conforme já vimos,
Luiz Alberto David Araujo e Vidal o deslocamento do processo não é ato
­Serrano Nunes Junior (2005, p. 254), falando discricionário do Superior Tribunal de
das características da federação, escrevem Justiça. Para o deferimento do pedido, além
que de seguir o procedimento próprio, deve o
“o Estado Federal deve conter um Superior Tribunal de Justiça observar a pre-
dispositivo de segurança, necessário sença dos requisitos para a federalização, só
à sua sobrevivência. Esse disposi- deferindo o pedido quando eles estiverem
tivo constitui, na realidade, uma presentes incontestavelmente.
forma de mantença do federalismo Lembramos, ainda, que o deslocamento
diante de graves ameaças. Trata-se da competência é uma microintervenção
da intervenção federal. Por meio em um dos poderes do Estado Membro e
desta, a União, em nome dos demais na sua análise deve ser aplicada a lógica
Estados-membros, intervém em um prevista para a intervenção federal nos
ou alguns Estados, onde se verifica- Estados, ou seja, o deslocamento da com-
rem graves violações dos princípios petência é a exceção e, na dúvida, deve o
federativos”. Superior Tribunal de Justiça indeferir o
Os princípios federativos, parte deles re- pedido.
presentada pelos princípios constitucionais Salientamos, por fim, que a insegu-
sensíveis, estão previstos no art. 34, VII, da rança que paira sobre o instituto decorre
Constituição, no qual há previsão da inter- do fato de o mesmo ter sido introduzido
venção federal para assegurar os “direitos recentemente no direito brasileiro. Com o
da pessoa humana”. Ora, se existindo grave decorrer do tempo e a ajuda da doutrina e
violação dos direitos humanos, há a possi- da jurisprudência do Superior Tribunal de
bilidade da intervenção federal no Estado Justiça, existirão elementos seguros para
Membro, não há inconstitucionalidade em analisar a necessidade do deslocamento
realizar uma “intervenção pontual” apenas da competência.
em relação a um processo, deslocando a
competência para a justiça federal.
A intervenção federal é medida muito 6. Considerações finais
drástica e gera grave insegurança para as A possibilidade do deslocamento da
instituições e se para assegurar os direitos competência para a Justiça Federal trará
da pessoa humana bastar ao Procurador- importantes avanços para a defesa dos
Geral da República pleitear o deslocamento direitos humanos.
da competência para a Justiça Federal, não Será medida profilática que melhorará a
parece que isso possa ser considerado uma atuação das polícias e da Justiça Estadual na
violação do pacto federativo. repressão às violações a direitos humanos.
Violação ao pacto federativo é a inércia, Qualquer autoridade, do Poder Executivo,
a negligência da justiça local, diante de uma do Poder Judiciário ou do Ministério Públi-
grave violação aos direitos humanos. co, não ficará satisfeita em ter um procedi-

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mento federalizado e realizará tudo o que 8
Art. 119, I, alínea “o” da Constituição de 1967.
estiver ao seu alcance para evitar o des-
9
Competia ao Supremo Tribunal Federal julgar
“as causas processadas perante quaisquer juízos ou
cumprimento dos tratados internacionais. Tribunais, cuja avocação deferir a pedido do Procu-
Polícia civil e militar, Ministério Público e rador-Geral da República, quando decorrer imediato
Poder Judiciário estarão empenhados em perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança
apurar e julgar de forma célere as violações ou às finanças públicas, para que se suspendam os
aos direitos humanos. O próprio Poder efeitos de decisão proferida e para que o conhecimento
integral da lide lhe seja devolvido” (art. 119, I, o da
Executivo terá interesse em aprimorar os CF de 1967).
instrumentos para a apuração das viola-
ções, investindo recursos na modernização
das instituições estaduais.
E, caso isso não aconteça, estará pre- Referências
vista na Constituição a possibilidade do ARAS, Vladimir. Federalização dos crimes contra os
deslocamento da competência para a Jus- direitos humanos. Jus navegandi, Teresina, [200-]. Dis-
tiça Federal, impedindo que prevaleça a ponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.
asp?id=6762>, Acesso em 13 jun. 2005.
impunidade.
Resta-nos, então, a esperança de que o ARAUJO, Luiz Alberto David; Nunes Júnior,
novo instituto seja um importante instru- Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
mento na luta contra a impunidade, o que
já será um avanço importante na defesa dos BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.
67759/RJ. Relator: Min. Celso de Mello, Rio de Janeiro,
direitos humanos.
6 ago. 1992. Diário de Justiça, Brasília, 1 jul. 1993.
______. Supremo Tribunal Federal. Questão de ordem
no conflito de competência n. 7094/MA. ­Relator: Min.
Notas Sepúlveda Pertence, São Luiz, 9 mar. 2000. Diário de
Justiça, Brasília, 4 maio 2001.
1
Art. 2 da Lei 10.259/01.
o

2
Art. 44, I do Código Penal. BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na
3
Redação sugerida pela ANPR: “Art.109 (...) Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões.
XII– os crimes contra os direitos humanos, assim con- São Paulo: J. Oliveira, 2002.
siderados os seguintes delitos: a) tortura; b) homicídio
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria
doloso praticado por agente de quaisquer dos entes
da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.
federados no exercício de suas funções ou por grupo
de extermínio; c) praticados contra as comunidades Corrêa, Maurício José. Avocatória. Brasília: ­Senado
indígenas ou seus integrantes; d) homicídio doloso, Federal, 1992.
quando motivado por preconceito de origem, raça,
sexo, opção sexual, cor, religião, opinião política, FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal cons-
idade ou quaisquer outras formas de discriminação, titucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
ou quando decorrente de conflitos fundiários de 2002.
natureza coletiva; e) uso, intermediação e exploração FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de ­direito
de trabalho escravo ou de crianças e adolescentes, constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
em quaisquer das formas previstas em tratados inter-
nacionais. (...) § 5o Serão igualmente processadas na Gomes, Luiz Flávio. Federalização dos crimes
Justiça Federal as causas cíveis decorrentes dos crimes graves: que é isso?. Mundo legal, Brasília, 2002.
previstos no inc. XII; § 6o A lei poderá estabelecer ou- Disponível em: <http://www.mundolegal.com.
tras hipóteses de crimes contra os direitos humanos”. br/?FuseAction=Artigo_Detalhar&did=16221>.
Boletim dos Procuradores da República, no 14, junho/99, ­Acesso em: 13 jun. 2005.
ww.anpr.ogr.br/boletim/boletim14/reforma.htm, MALULY, Jorge Assaf. A federalização da compe-
acessado em 31.out.05. tência para julgamento dos crimes praticados contra
4
Art. 105, I, alínea “d” da Constituição Federal. os direitos humanos. Boletim IBCCRIM, São ­Paulo, n.
5
Resolução no 6, de 16 de fevereiro de 2005. 148, mar. 2005.
6
RTJ 122/923; 124/59.
7
Princípio admitido expressamente pelo STF MARQUES, Frederico. Juiz Natural. In: ENCICLOPÉ-
(BRASIL, 1993). DIA Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978. 46 v.

78 Revista de Informação Legislativa

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MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. Piovesan, Flávia. Reforma do judiciário e direitos
São Paulo: Atlas, 2005. humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pe-
dro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora (Org.). ­Reforma
MORAES, José Luiz Bolzan de. Deslocamento de
do poder judiciário: analisada e comentada. São Paulo:
competência para a justiça federal de violações contra
Método, 2005.
direitos humanos. In: AGRA, Walber de Moura (Org.).
Comentários à reforma do poder judiciário. Rio de Janeiro: ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional:
Forense, 2005. princípios constitucionais do processo civil. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil
na constituição federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitu-
Tribunais, 2000. cionais. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1999.
Piovesan, Flavia. Temas de direitos humanos. São TAVARES, André Ramos. Reforma do judiciário no
Paulo: M. Limonad, 1998. Brasil pós-88. São Paulo: Saraiva, 2005.

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