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Apesar da expressão mirar o universal -- ao se referir ao conjunto dos seres humanos, enquanto
uma única espécie--, o autor menciona apenas representantes da “tradição cultural do ocidente” (derivada
da matriz religiosa judaico-cristã; do direito romano; e da filosofia grega).
No trecho acima, está implicada a noção da ciência enquanto acumulação de fatos,
teorias e métodos ao longo da história, isto é, uma herança deixada pelas gerações
passadas. Trata-se do conceito de “desenvolvimento-por-acumulação”2, mobilizado pelo
historiador do conhecimento científico, que “deve determinar quando e por quem cada
fato, teoria ou lei científica contemporânea foi descoberta ou inventada” (KUHN, 1998,
p.20).
Greene prossegue nesta linha de raciocínio, onde o signo da perfectibilidade se
insere no âmago da ciência moderna; com efeito, a distância entre o conceito positivista
de história como progresso, e a ideia de ciência como “desenvolvimento-por-
acumulação”, vai se estreitando até a confusão entre um e outro, que até lembra a atitude
de alguns alquimistas do medievo:
Como a história do espaço e do tempo ainda não acabou de ser escrita, não
chegaremos a conclusões definitivas. Mas encontraremos uma série de
desenvolvimentos — alguns profundamente bizarros, outros que dão claro
prazer, alguns experimentalmente verificáveis, outros inteiramente
especulativos — que nos darão uma ideia sobre o quão próximos estamos de
envolver com as nossas mentes o tecido do cosmo e tocar com as mãos a
textura da realidade (GREENE, 2005, §2.136, meu itálico).
Ali fica explícito o uso das metáforas visuais que, segundo o historiador Martin Jay (1994,
p.30), herdamos da cultura grega:
But nowhere has the visual seemed so dominant as in that remarkable Greek
invention called philosophy. Here the contemplation of the visible heavens,
praised by Anaxagoras as the means to human fulfillment, was extended to
become the philosophical wonder at all that was on view. Truth, it was
assumed, could be as “naked” as the undraped body. “Knowledge (eidenai) is
the state of having seen,” Bruno Snell notes of Greek epistemology, “and the
Nous is the mind in its capacity as an absorber of images.”
2
Esse ofício do historiador como cronista de um processo de aumento, argumenta Thomas Kuhn
(1998, p.21), gradualmente se desgastou. E, como resultado das dúvidas e dificuldades metodológicas
daquela concepção de “desenvolvimento-por-acumulação”, logo uma revolução historiográfica no estudo
da ciência foi gestada.
o espaço-tempo é análogo ao do “jogo de azar”, isto é, não há como prever a ordem do
cosmo posto que tudo se arranja em termos de probabilidade; então, como sustentar um
modelo de ciência baseado na linearidade, na acumulação, na estabilidade do presente e
na certeza de um futuro?
Na verdade, argumenta Greene, as implicações das investigações da mecânica
quântica ainda soam como absurdas, pois colocam em questão nossa percepção dos
fenômenos. Assim, as teorias que rompem com o esquema clássico newtoniano de
explicação da realidade (onde o tempo e o espaço são entidades imutáveis, e onde a
causalidade é previsível), geram certa “estranheza”, já que divergem do que ele chamou
de “intuição humana”:
Vale lembrar que, para Greene (2005), os frágeis sentidos humanos só nos permitem
compreender a vida e o universo até certo nível, que se torna cada vez mais superficial
conforme as teorias científicas avançam. Essas seguem descrevendo e tentando nos
provar que nossa experiência da realidade é tão limitada quanto a daqueles moradores da
caverna de Platão. No fim, somos escravos de nossa percepção, que não excede o limite
imposto pelo próprio corpo.
Assim, pode-se dizer que, em nossa cultura ocidental (que dá crédito à explicação
científica), não é possível desassociar a ideia de percepção dos modelos explicativos da
realidade oriundos das pesquisas científicas, que guardam em germe resquícios do
pensamento metafísico4.
3
Alusão ao ensaio de Nietzsche, “Do sentido extramoral da verdade e da mentira”.
4
Segundo o Dicionário de Filosofia, organizado por Nicola Abbagno (2007, p.660), a “metafísica”
é a: “Ciência primeira, por ter como objeto o objeto de todas as outras ciências, e como princípio um
princípio que condiciona a validade de todos os outros. Por essa pretensão de prioridade (que a define), a
M. pressupõe uma situação cultural determinada, em que o saber já se organizou e dividiu em diversas
ciências, relativamente independentes e capazes de exigir a determinação de suas inter-relações e sua
integração com base num fundamento comum [...].”