9 788538 729730
Sociedade Contemporânea e
Desenvolvimento Sustentável
Edição revisada
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
R676s
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2973-0
Desenvolvimento sustentável..................................................................................................47
Desenvolvimento e ambiente......................................................................................................................47
Compreendendo conceitos: ecologia, meio ambiente,
ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável...................................................................................49
Nosso futuro comum e os princípios de sustentabilidade...........................................................................53
Cuidando da natureza............................................................................................................143
Preservação ou conservação?...................................................................................................................143
Preservando o ambiente............................................................................................................................143
O movimento conservacionista.................................................................................................................145
A natureza como recurso..........................................................................................................................147
Gerenciamento sustentável dos ecossistemas...........................................................................................148
A natureza como patrimônio.....................................................................................................................150
A partir deste material, faremos juntos uma viagem por um tema fascinante e complexo: a socie-
dade ocidental contemporânea e a perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Para compreender os problemas sociais e ambientais contemporâneos, precisamos fazer uma traves-
sia que inclua algumas paradas em lugares e tempos estratégicos, onde e quando transformações históricas
importantes anunciaram mudanças no modo de nos relacionar e de compreender a natureza.
Assim, faremos logo no início da nossa viagem um passeio pela teoria social a fim de apreender
as reflexões essenciais acerca da relação entre sociedade e natureza que surgiram num tempo em que
a natureza ainda não se sentia ameaçada pelas nossas ações e nós não tínhamos a consciência coletiva
de que podíamos colocar em risco não somente a natureza mas também a natureza humana.
Tendo em mente essas ferramentas teóricas essenciais, faremos uma incursão pela sociedade
ocidental moderna e pós-moderna, buscando alguns elementos que nos ajudem a compreender como
se estabeleceram a ordem e o caos, as racionalidades e as irracionalidades no âmbito da política, da
economia e da cultura contemporâneas. A abordagem que aqui faremos, de alguns momentos cruciais
da evolução da ciência e da sociedade, é fundamental para compreendermos o tipo de contato que
estabelecemos com a natureza e o ambiente que cercamos e que nos cerca.
A partir disso, poderemos compreender melhor porque a questão ambiental se colocou como
um dos principais problemas, senão o principal e mais abrangente, no decorrer do século XX e no
início do XXI. A análise de conceitos como desenvolvimento sustentável, ecodesenvolvimento e sus-
tentabilidade, usados com frequência por políticos, cientistas e cidadãos em geral, será apresentada
aqui com o intuito de estimular a sua reflexão sobre um tema que desperta muitas polêmicas e ações
diversas no âmbito do governo, das empresas privadas, das organizações sociais.
As experiências globais e locais na área ambiental, quer ocorram no campo ou na cidade, re-
presentam uma ponte entre a teoria e a prática, a sociedade e a natureza, os interesses individuais e
os coletivos, a destruição e a preservação. Você terá oportunidade, em vários momentos de leitura e
reflexão, assim como no decorrer das atividades propostas, de fazer essa ligação entre os conteúdos.
Não poderíamos deixar de salientar também a importância da Educação Ambiental para a for-
mação de cidadãos mais sensíveis e atentos aos problemas ambientais e o fato de ela poder estar pre-
sente em todas as instâncias da vida social, na educação formal e na informal.
Certamente, quando chegarmos ao fim da nossa viagem, você perceberá que o assunto trata-
do é vasto e profundo e que o nosso objetivo aqui é tão somente despertar, por meio dos conteúdos
abordados, da indicação de leituras, filmes e atividades, o desenvolvimento da consciência crítica e a
curiosidade para você continuar nos seus estudos a explorar e desvendar o mundo social e natural em
toda a sua diversidade.
Boa viagem!
Cynthia Roncaglio
Sociedade e natureza
D
urante milhares de anos, a existência e a sobrevivência da humanidade de-
penderam das condições ditadas pela natureza. Isolados, fracos, repletos
de necessidades e assustados diante da grandeza e da imprevisibilidade
dos fenômenos naturais, durante muito tempo os seres humanos submeteram-se
às forças da natureza e as trataram com respeito e temor. Até poucos séculos atrás,
a natureza abrigava o homem, constituía o seu habitat.
Ao longo da história da humanidade, porém, a relação entre sociedade e
natureza foi se alterando na medida em que o homem se percebe diferenciado
(a natureza humana como diferente da natureza) ou até mesmo afastado do
mundo natural (quando surgem, por exemplo, as cidades e acelera-se o pro-
cesso de urbanização). Essa transformação lenta, mas progressiva, propicia
uma reflexão – um movimento de retorno sobre o saber, sobre o que é o ser,
como as coisas funcionam e para que servem.
Desse questionamento, surgem a filosofia e as ciências, que, dentro dos li-
mites do conhecimento de cada época, especularam e formularam diversas con-
cepções sobre o que é o homem, o que é a natureza e o que um tem a ver com a
outra. Em linhas gerais, pode-se dizer que a filosofia, as ciências e as teorias da
sociedade contemporânea herdaram a influência de duas concepções de ciência e
filosofia universais: a grega e a hebraica.
A filosofia grega, denominada monista, parte do princípio da imanência do
ser, ou seja, homem e natureza são inseparáveis, pertencem ao mundo das coisas
concretas, materiais, e formam um todo. A filosofia hebraica, denominada dualis-
ta, ao contrário, baseia-se na transcendência, isto é, o homem pertence à natureza,
mas a natureza foi criada por Deus, que é um ser superior que se coloca acima das
coisas materiais. Como o homem foi criado à imagem de Deus, ele pode se trans-
Douto r a n d a e m M e i o
formar em senhor da natureza para respeitar a vontade divina. Na epistemologia1 A mbiente e D e s e n v o l-
vimento p e la U n iv e r-
antiga (século V a.C. até século XVI d.C.), predomina o monismo; na epistemolo-
sidade F e d e ra l d o Pa -
gia moderna (século XVII a século XIX), predomina a concepção dualista, base- raná (U FPR ). M e s tre
em H istó ria d o B ra s il.
ada na dominação da natureza, evidenciada no pensamento de Descartes, Kant,
Professo ra d o c u rs o d e
Hegel. Na parte final do Discurso do método (1637), Descartes diz o seguinte: História d a s F a c u l d a d e s
Integrad a s Es p írita . H is -
[...] conhecendo a força e ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os toriadora .
outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres
de nossos artífices, poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para
os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. 1 Epistemologia é a teoria
do conhecimento – refle-
xão geral sobre o desenvol-
(DESCARTES, 1983, p. 63, grifo nosso). vimento do conhecimento
humano em suas diferentes
etapas.
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Teoria social e ambiente I
a reprodução biológica dos pobres seria mais rápida que o incremento agrícola para
abastecer a população. Tanto David Ricardo5 como John Stuart Mill6 identificaram 4 Thomas Robert Malthus
(1766-1884): economista
inglês. Suas ideias se
os potenciais limites do crescimento e dos recursos naturais em uma economia tornaram uma doutrina. O
malthusianismo afirmava
agrícola em expansão. Baseados em argumentos diferentes, ambos concluem que ser o controle da natalidade
necessário, tendo em vista
o crescimento econômico explosivo do século XIX redundaria num esgotamento a desproporção entre o
crescimento da população e
da fertilidade dos solos e na queda das taxas de rendimento da terra. o aumento da produção dos
bens de consumo. Hoje, os
Em meados do século XIX, o crescente ritmo da industrialização tornou princípios malthusianos têm
sido rejeitados pelo mundo
os prognósticos de Malthus e de Ricardo redundantes. As taxas de crescimento científico, sendo considerados
demográfico continuavam a aumentar, assim como a produtividade agrária, mas falsos e em desacordo
com o desenvolvimento da
humanidade.
esta produtividade apresentava um papel cada vez mais reduzido no processo de
5
crescimento econômico. Com a crescente importância da industrialização no des- David Ricardo (1772-
1823): economista inglês.
tino da humanidade, juntamente com a especialização das ciências, é compreensí-
vel que esses estudos – que, de um modo ou de outro, procuravam entender os elos
entre a sociedade e o ambiente – fossem desviados para outros enfoques.
6 John Stuart Mill (1806-
1873): filósofo e econo-
mista inglês.
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se colocavam como capacidade de criar abundância material e não havia nas socieda- Ramo das ciências
humanas que estuda a
des modernas limitações naturais evidentes. Esse trio de pensadores clássicos reagiu estrutura e o desenvolvimen-
contra teorias sociais de fundo biológico, mas não necessariamente negou o papel to das comunidades humanas
em suas relações com o meio
da natureza nas transformações históricas. Por certo, desenvolveram um pensamento ambiente e a sua consequen-
te adaptação a ele, assim
relativamente antropocêntrico12 em que a natureza aparecia muito mais como cenário como novos aspectos que
os processos tecnológicos
onde se realizava a trama histórica do que como sujeito/objeto ativo do processo his- ou sistemas de organização
social possam acarretar para
tórico. as condições de vida do ho-
mem.
Suas teorias, no entanto, não apresentam um retrocesso em relação às ante-
riores: ao contrário, representam um avanço sobre as teorias sociais de sua época
porque colocaram a questão social no centro da reflexão sobre a humanidade. Se
12 O pensamento antro-
pocêntrico considera
que a natureza não tem va-
e do meio ambiente vão certamente ter maior importância no futuro. Os povos do mundo
estão começando, de formas variadas e às vezes contraditórias, a levar em conta as relações
entre si e com o resto da natureza. (REVISTA CAPITALISM, NATURE, SOCIALISM apud
DIEGUES, 1996, p. 50-51).
Discuta em grupo essa citação, relacionando-a com o texto apresentado, identificando as razões
pelas quais somente a partir do século XX as questões ecológicas passam a ser relacionadas
com as questões sociais.
DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. In: RODRIGUES, José Albertino. Durkheim:
sociologia. São Paulo: Ática, 1968.
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos e Outros Textos. São Paulo: Abril Cultural,
1983. (Coleção Os Pensadores).
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Mestre Jou, 1985.
DESCARTES, René. Discurso do Método. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pen-
sadores).
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1996.
DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. In: RODRIGUES, José Albertino. Durkheim:
sociologia. São Paulo: Ática.
GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade con-
temporânea. Petrópolis/Florianópolis: Vozes/UFSC, 1999.
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos e Outros Textos. São Paulo: Abril Cultural,
1983. (Coleção Os Pensadores).
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Mestre Jou, 1985.
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Teoria social e ambiente II
Cynthia Roncaglio
A
Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Inglaterra e expandida para vastas regiões
do planeta no decorrer do século XIX e no início do século XX, transformou de modo signifi-
cativo, e inigualável a qualquer outro momento anterior, a história das sociedades humanas. O
impacto das atividades humanas sobre a natureza também ocorreu em uma escala e uma intensidade
sem precedentes na história do mundo natural.
Especialmente no “breve” século XX, como conceitua o historiador inglês Eric Hobsbawm
referindo-se ao período da história mundial que compreende do início da Primeira Guerra Mundial
(1914) até o fim da Era Soviética (1991), a aceleração das mudanças sociais e econômicas correspon-
deu à aceleração da degradação do ambiente. Isso, porém, não era uma evidência para a maioria das
pessoas que viveram no século XX. Apenas alguns entusiastas da vida silvestre e outros protetores
de raridades humanas e naturais preocupavam-se com os problemas ambientais derivados do pro-
gresso industrial e tecnológico (HOBSBAWM, 1995, p. 257).
Pode-se atrelar esse fato, por um lado, ao efeito do crescimento econômico – entre os anos 1950
e 1970 – que expandia a crença na ideologia do progresso dominante, sendo a natureza representada
como uma fonte de recursos inesgotáveis a satisfazer as “necessidades” humanas. Por outro lado, as
estratégias de modernização e desenvolvimento desse período – organizados em dois modelos: um
centrado no papel do mercado e o outro no do Estado – começavam a propiciar em âmbito mundial
inquietações de ordem cultural, social e política que iriam deflagrar movimentos sociais voltados para
lutas específicas como os movimentos pela paz, a favor da emancipação feminina, contra o racismo,
pela conservação da natureza.
Nos ditos anos dourados, a economia mundial crescia a uma taxa explosiva e o mundo indus-
trial avançava por todo o globo terrestre: nas regiões capitalistas, nas regiões socialistas e no chamado
Terceiro Mundo. Nas regiões socialistas e no Terceiro Mundo, a industrialização maciça se deu sob
um sistema industrial arcaico baseado em ferro e fumaça. Os países socialistas, ainda que imbuídos
de uma ideologia oposta ao capitalismo, ignoraram as consequências ecológicas do sistema industrial
que estavam implantando.
Mesmo no Ocidente, o velho lema do homem de negócios do século XIX, “onde tem lama, tem grana” (ou seja,
poluição quer dizer dinheiro), ainda era convincente, sobretudo para construtores de estradas e “incorporadores”
imobiliários, que descobriram os incríveis lucros a serem obtidos numa era de boom secular de especulação que
não podia dar errado. (HOBSBAWM, 1995, p. 257)
Nesse período, a paisagem natural foi drasticamente alterada pela especulação imobiliária, que,
usando métodos industriais inovadores, construía a curto prazo conjuntos habitacionais baratos nos
arredores das cidades, erguendo prédios que alterariam para sempre o processo de urbanização.
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passaram a dar séria atenção às consequências do impacto do Havia uma crença de que
tráfego movido a petróleo. As emissões de dióxido de carbono a tecnologia e a própria
que aquecem a atmosfera também quase triplicaram entre 1950 consciência ecológica
e 1973, ou seja, a concentração de gás na atmosfera cresceu
resolveriam os antigos
quase 1% ao ano. A produção de clorofluorcarbonato, produto
químico que afeta a camada de ozônio, subiu quase que verti- problemas.
calmente. Ao mesmo tempo, havia uma crença de que a tecnolo-
gia e a própria consciência ecológica resolveriam os antigos problemas.
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Habermas, racionalidade e
movimentos ambientalistas
Jürgen Habermas10, famoso teórico da ação comunicativa11, é um dos críticos
da obra de Marx. Segundo Habermas, a ênfase dada por Marx à exploração do ho-
mem sobre o homem pelas relações de trabalho e à necessidade de abolir as classes
sociais pelo progresso contínuo das forças produtivas indica uma limitação do so-
cialismo clássico12 em relação aos problemas e políticas de degradação ambiental.
Ou seja, Marx condena no capitalismo a exploração humana, mas não o modelo de
desenvolvimento econômico calcado na exploração dos recursos naturais.
Para Habermas, o desenvolvimento das sociedades humanas deveria ser
considerado a partir de dois polos autônomos, mas interdependentes: sucesso na
reprodução material e progressos na evolução moral. A obtenção de níveis supe-
riores de consciência moral depende da capacidade de assumir a perspectiva de
outros participantes, de refletir sobre os seus próprios interesses e de concordar
com a justiça das normas com base na discussão e no consenso.
Esse potencial de racionalização, por meio da ação comunicacional, pro-
1 0 Jürgen Habermas
(1929), filósofo alemão,
vocou a emergência das sociedades modernas. Habermas, porém, desenvolve a
pertence à segunda gera- teoria da modernidade a partir da distinção entre sistema e mundo natural. O sis-
ção da Escola de Frankfurt,
conhecida como aquela tema é o domínio da ação instrumental e estratégica, que não se baseia na ação e
que desenvolveu um teoria
crítica da sociedade, e da na orientação individuais, nem na mediação da linguística. O sistema é o dinheiro
qual fazem parte filósofos e
cientistas sociais importan- e o poder político institucionalizado. A crescente capacidade para se utilizar o
tes como Walter Benjamim,
Max Horkheimer, Theodor
discurso racional entre a população pode levar, segundo Habermas, a uma não
Adorno, Herbert Marcuse aceitação dos sistemas atuais. Quanto maior é a racionalidade, maior é a perda
e Erich Fromm. Habermas
desenvolve sua teoria no de legitimação de um sistema que se baseia, por exemplo, no poder desigual de
sentido de que esta deve ser
crítica, engajada nas lutas distribuição de riqueza. O mundo natural ou o mundo da vida é o domínio do ato
políticas do presente. Rejeita
o positivismo e a ideologia
de comunicação, na qual a reprodução social é alcançada por meio da cultura, da
dele resultante, o tecnicismo.
Como analista da comunica-
sociedade e da personalidade. Habermas diz que as crises contemporâneas das
ção, Habermas busca promo- sociedades modernas resultam na colonização do mundo natural.
ver normas para a relação de
não dominação sobre os ou-
tros e uma noção mais ampla
Habermas observa a transformação política no Ocidente após a Segunda
de razão. Guerra Mundial. O declínio de políticas de classes e a emergência de novos
movimentos sociais que diferem dos movimentos das classes trabalhadoras, não
1 1A teoria da ação co-
municativa consiste em
uma crítica do uso da razão
só na sua composição social mas também nas formas de organização, métodos
na modernidade. A razão de ação e objetivos políticos. Ao contrário das formas dominantes de política
deve ser criticada, mas deve
ser também defendida no seu social democrática,
caráter universal, como ideal
de comunicação entre os ho- [...] a questão principal não se trata das compensações que o Estado-previdência pode
mens, independente das dife- proporcionar, mas de defender e recuperar formas de vida ameaçadas. Em suma, os novos
renças regionais.
conflitos não são inflamados por problemas de distribuição, mas por questões que têm a
1 2O socialismo, no século
XIX, passou a indicar um
conjunto de doutrinas e teo-
ver com a gramática das formas de vida. (HABERMAS apud GOLDBLATT, 1998, p.
185)
rias políticas e econômicas
que visavam à transformação Segundo Habermas, há duas categorias distintas de movimentos sociais: movi-
da sociedade por meio de um
novo conceito de proprie-
mentos de emancipação e movimentos de resistência e retirada. O movimento das mu-
dade. O socialismo critica a
injustiça social inerente ao
lheres é um movimento de emancipação por excelência. O movimento ecológico é um
sistema capitalista, propon- movimento de resistência. Os movimentos de resistência podem se subdividir na defesa
do-se substituí-lo por uma
sociedade sem classes. das classes sociais e tradicionais e uma defesa que já atua na base de um mundo natural
racionalizado e experimenta novas formas de cooperação e de vida em conjunto.
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Teoria social e ambiente II
A invisibilidade não é mais uma desculpa para sempre adiar a decisão e a ação, na medida
em que o poder de causar dano da produção industrial tem consequências crescentes para cada
um de nós. Esse poder é engendrado pelo caráter indeterminado dos riscos, o qual já tornou qua-
se caducas as políticas de segurança do complexo financeiro-securitário sobre o qual repousa o
capitalismo contemporâneo.
No que essas mutações modificam o equilíbrio dos poderes, da política e da democracia?
A sociedade de risco tem, de fato, um imenso impacto político. Pode-se até dizer que os
riscos produzem uma situação quase revolucionária: a ordem social é invertida na medida em
que o risco entra em contradição com o conceito de cidadania limitada à nação. A cidadania foi
concebida no Ocidente em termos de riscos “nacionais”, quer dizer, que dizem respeito a todas as
pessoas que habitam um dado território.
A globalização dos riscos ilumina a imensa dificuldade que o Estado-nação tem de prever,
organizar e controlar o risco num mundo de redes mundiais interativas e de fenômenos híbridos,
sobretudo quando ninguém se responsabiliza pelos resultados. A crise da vaca louca é um lem-
brete explosivo disso.
Os tomadores de decisão política afirmam que não são responsáveis: no máximo, eles “re-
gulam o desenvolvimento”. Os especialistas científicos dizem que criam novas oportunidades
tecnológicas, mas não decidem sobre a maneira como são utilizadas. Os empresários explicam
que estão apenas atendendo a demanda do consumidor. É o que eu chamo de irresponsabi-
lidade organizada. A sociedade virou um laboratório onde ninguém se responsabiliza pelo
resultado das experiências.
Pode-se imaginar uma nova regulamentação dos riscos?
As questões seguintes são cruciais para regular os conflitos ligados à gestão dos riscos: quem
deve provar o quê? A quem cabe o ônus da prova? O que pode ser considerado prova em condições
de incerteza? Quais são as normas de responsabilidade em vigor? Quem é moralmente responsá-
vel? E, finalmente, quem paga a conta?
Se uma política de gestão de riscos responder a essas interrogações, ela dará um caráter con-
creto à ideia de evolução social. Porque mudar as políticas de risco implica mudar as relações de
poder que atravessam hoje em dia a regulamentação dos riscos.
Precisamos de uma cultura da incerteza que seja claramente distinta das culturas do risco
marginal, de um lado, e da segurança absoluta, do outro. Ela difere profundamente da “cultura do
não risco”, que consiste em barrar a inovação com dispositivos de segurança desde a origem.
Leia a entrevista “A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial” con-
cedida por Ulrich Beck ao jornalista Antoine Reverchon, do Le Monde, publicada pela Folha
de S.Paulo (20 nov. 2001). Discuta com seu grupo quais são os “bens” e os “males” que a sua
cidade produz.
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Teoria social e ambiente II
Filme: Metrópolis
Diretor: Fritz Lang
Produção: Alemanha, 1926
Sinopse: Metrópolis é um filme clássico de ficção científica da época do cinema mudo. A his-
tória se passa em 2026, numa cidade marcada pela brutal diferença entre as classes sociais. Enquanto
os operários, fundamentais para a manutenção das máquinas e da própria cidade, vivem nos subter-
râneos de Metrópolis, os mestres (a classe dominadora) vivem na superfície, levando uma existência
de prazeres e despreocupação. O filme também remete às consequências do industrialismo para o
mundo social e natural.
BECK, Ulrich. A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial. Folha de S.Paulo,
20 nov. 2001. Entrevista concedida a Antoine Reverchon.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1995.
GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.
______. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.
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Modernidade,
racionalidade e ordem
Cynthia Roncaglio
A
questão da razão ou da modernidade é inaugurada como problema his-
tórico, pode-se dizer, na sociedade europeia do final do século XVIII,
quando Kant1, em 1784, pergunta-se: o que é o Iluminismo? A partir de
então, boa parte do pensamento filosófico ocidental tem sido perseguido por
essas questões: o que é a razão? O que é ser moderno? Ser moderno é se colo-
car questões que os antigos não se colocaram ou ser moderno é pensar na sua
própria civilização? Michel Foucault2 (1984, p. 103-112), na década de 1980,
retoma a questão filosófica colocada por Kant: o que são as Luzes? O que é ser
culto? Está de acordo que ser culto é conhecer a si mesmo, mas refletir sobre os
conhecimentos e os saberes é refletir sobre a sua própria civilização, é refletir
sobre sua atualidade. O que é novo no mundo atual? Estamos numa sociedade 1 Immanuel Kant (1724-
técnico-científica que nos sujeita, somos governados pelo poder técnico. Ser 1804), filósofo alemão.
culto é refletir sobre a modernidade e assumir ações que vão propiciar modifi-
cações dessa civilização. 2 Michel Foucault (1926-
1984), filósofo francês.
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Modernidade, racionalidade e ordem
cípio de que todos os indivíduos são aptos a pensar por si mesmos, sem a tutela
da religião ou de uma ideologia, a agir no espaço público e pelo seu trabalho
adquirir os bens e serviços necessários à sobrevivência material.
Cabe observar que Rouanet compreende o Iluminismo não como uma épo-
ca ou um movimento, mas como um projeto de civilização neomoderna capaz de
manter o que há de positivo na modernidade e corrigir suas patologias (1993, p. 13).
O Iluminismo, portanto, é entendido como um campo conceitual, um conjunto de
ideias que emergiu da Ilustração no século XVIII, este sim um momento na história
cultural do Ocidente e que, assim como o liberalismo e o socialismo, realizou par-
cialmente os ideais iluministas.
Rouanet faz um balanço de como a Ilustração, o liberalismo e o socialismo se
apropriaram das três concepções fundamentais do Iluminismo para fundar a moder-
nidade. Por meio dessa análise, apresentada aqui sucintamente, pode-se compreender
melhor as bases sobre as quais o antropocentrismo dos últimos dois séculos e meio le-
vou a humanidade a perder de vista que não bastava buscar a emancipação do homem,
mas compreender sua dependência e integração com a natureza.
o feminismo do século XVIII foi abafado pela moral burguesa, que sustentava a
inferioridade da mulher. O pacifismo foi substituído pela prática da guerra.
Quanto à individualidade, as sociedades liberal-democráticas concretizaram
em grande parte o ideal individualista do enciclopedismo. Com o triunfo da burgue-
sia, a individualidade deixou de ser um privilégio de classe e, com a propagação da
ideologia liberal em todos os países, a mobilidade social parecia – em muitos casos,
especialmente nos Estados Unidos da América – um sonho passível de ser realizado.
Um dos mitos da ideologia liberal norte-americana é que, dependendo de sua capa-
cidade, um office-boy poderia ocupar o principal cargo da Casa Branca. Na prática,
porém, evidenciou-se que os herdeiros das grandes fortunas teriam mais chances de
chegar à presidência dos Estados Unidos da América do que os self-made men8.
A autonomia política nas sociedades liberal-democráticas foi a princípio
restrita, tendo menos ênfase a democracia do que a garantia contra a ação arbi-
trária do Estado (havia mais preocupação com o direito do cidadão de ir e vir, de
expressar opiniões, de se associar com outros). O acesso à liberdade política era
também restrito aos proprietários ou aos homens instruídos. A primeira geração
de liberais, como Benjamim Constant9 e Tocqueville10, temia a democracia – medo
que a tirania de um só fosse substituída pela tirania da “vontade geral”. Mas tal
receio diminuiu à medida que o conceito de representação das minorias ganhava
legitimidade contra o temor da tirania majoritária. A instituição do sufrágio uni-
versal também não propiciou grandes alterações do status quo11, temidas pelos
liberais, nem foi capaz de provocar as transformações sonhadas pelos democratas.
Afinal, a liberdade de votar, por si só, como se sabe, não é suficiente para garantir
autonomia política. Como disse Tocqueville, os indivíduos “consolam-se de estar
sob tutela, pensando que escolheram eles próprios os seus tutores” (apud ROUA-
NET, 1993, p. 25).
A autonomia econômica, por sua vez, na perspectiva liberal, pressupunha o
livre exercício da atividade econômica. Os liberais contemporâneos da Revolução
Industrial não ignoravam a extrema pobreza das classes trabalhadoras do início
do século XIX, mas acreditavam que, se grande parte da massa de assalariados
estava excluída do progresso econômico, a única saída seria eliminar todas as
restrições à ação dos capitalistas e dos operários. O desenvolvimento da indústria,
a livre concorrência e o próprio mercado regulariam as atividades econômicas e
permitiriam aumentos do salário real e melhores condições de vida para os ope-
rários. Certos liberais, como Ricardo e Malthus, eram pessimistas em relação a
8 Pessoas que se fazem por
si mesmas, isto é, que al-
cançam uma situação social
essa ascensão econômica, pois acreditavam que o progresso econômico levaria à
superior graças aos seus pró- explosão demográfica, o que impeliria os salário ao seu nível “natural”, ou seja, o
prios esforços.
estritamente necessário para garantir a sobrevivência dos trabalhadores.
9 Benjamim Constant de
Rebecque (1767-1830),
escritor e político francês.
As previsões pessimistas de alguns economistas liberais do século XIX não
se efetivaram. O capitalismo mantém-se dinâmico e, por meio do movimento sin-
10 Charles Alexis Henri
Clérel de Tocqueville
dical e da intervenção do Estado, conseguiu evitar uma pauperização irreversível,
(1805-1859), político e histo- bem como elevar o padrão de vida médio em muitos países, sobretudo nos de capi-
riador francês.
talismo avançado. Porém, paradoxalmente, persistem os contrastes de renda entre
11 Significa o estado em
que se achava ante-
os países ricos e pobres, como também dentro dos próprios países desenvolvidos
riormente certa questão. e “subdesenvolvidos”. De acordo com Rouanet (1993, p. 27-28),
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Modernidade, racionalidade e ordem
[...] assim como explora a mão de obra sem reservas éticas, o capitalismo explora a natu-
reza sem escrúpulos ambientais. Segundo seus críticos, ele se baseia num modelo produti-
vista intrinsecamente perdulário e destrutivo dos recursos naturais e dos ecossistemas. A
despeito do extraordinário progresso material ocorrido nos países industrializados, por-
tanto, podemos dizer que globalmente o modelo liberal-capitalista está muito longe de ter
aproximado a humanidade como um todo da autonomia econômica.
autonomia se afirma por meio da crítica à religião, por exemplo. Mas, para uma so-
na declaração oriunda da Re-
volução Francesa (1789).
ciedade que se vê como marxista, a crítica não se faz só à tradição (seja ela religiosa
ou secular), mas também à classe que condena a razão a uma falsa consciência. A 14 O socialismo, embora
historicamente tenha
se subdividido em várias
autonomia só pode ser alcançada pela classe proletária que tomar consciência de si correntes teóricas e políti-
cas, possui alguns traços
e pelos membros de outras classes que assumirem a perspectiva proletária. A crítica comuns, como a crença no
da tradição se torna, portanto, a crítica da ideologia – entendida como um conjunto predomínio do bem comum
em detrimento do individual,
de ideias que apresenta a realidade como ela parece ser e não como é. O socialis- a planificação da economia,
a eliminação das classes so-
mo critica inclusive a ideologia ilustrada e liberal, cujos ideais são compreendidos ciais, a manutenção de certa
modalidade de propriedade.
como expressões particularistas de interesses de classe nos quais estão imersos. O socialismo real é conside-
rado aqui não a teoria ou a
Sob o ponto de vista teórico, a crítica à ideologia significou um avanço. Na política ideal, mas o socialis-
mo praticado nas sociedades
prática, porém, a autonomia intelectual foi apenas parcialmente conquistada, se que tentaram implantar esse
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Modernidade, racionalidade e ordem
Capitalismo, transformação
da natureza e a sociedade de risco
Como foi visto até aqui, as concepções teóricas de uma civilização mo-
derna, racional, baseada na manutenção de uma suposta ordem social, política
e cultural, efetivou-se de diferentes formas na história mundial nos últimos
200 anos. Cada racionalidade instaurada concretamente, seja a da Ilustração,
a do liberalismo ou a do socialismo, causou impactos positivos ou negativos na
humanidade e revelou também as contradições da própria razão, ou as “insanida-
des” da própria razão humana. Mais do que isso, revelou-se incapaz de perceber
que os “males” produzidos por essas concepções de razão e modernidade não
trouxeram prejuízos somente para grande parte da população humana – a qual
não alcançou nem liberdade, nem autonomia, nem segurança – mas também cau-
sou prejuízos e riscos para a própria preservação da natureza, na qual se inclui a
preservação da espécie humana.
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Modernidade, racionalidade e ordem
A natureza tem sua própria história, sua própria dinâmica, ordens e de-
sordens. As alterações e transformações naturais que, em geral, ocorreram em
milhares de anos, como as eras glaciais, o aparecimento e o desaparecimento
de espécies de animais e plantas, entre outros acontecimentos, existiram inde-
pendentemente da ação humana. A intervenção humana no curso da natureza
começou lentamente, há pouco mais de dez mil anos. Porém, sobretudo com o
desenvolvimento do capitalismo nos últimos 200 anos, a natureza passou a sofrer
uma grande alteração dos seus ciclos biológicos e a sua crescente exploração pelas
atividades humanas gerou uma avassaladora destruição dos ecossistemas15.
Entre as transformações da natureza causadas pelo capitalismo, indepen-
dentemente das características e feições que esse sistema socioeconômico assu-
miu em diversas partes do planeta, pode-se apontar o uso intensivo dos recursos
e da energia encontrados na natureza (terra, sementes, madeira, vento, água e
animais) para satisfazer a crescente e complexa demanda da população mundial.
O uso da natureza primeiramente para alimentar, aquecer, vestir e transportar a
população humana gerou impactos sobre as florestas, as águas e os animais, ainda
que fatores climáticos, sociais e políticos não tenham conseguido até hoje erradi-
car a fome e a desnutrição de milhares de pessoas em todo o mundo.
O aumento demográfico, a urbanização e a industrialização propiciaram a
busca de novas tecnologias agrícolas e industriais que aumentaram ainda mais a
pressão sobre os recursos naturais – a expansão da agricultura e da criação de gado,
o uso de combustíveis fósseis (lenha, carvão e petróleo); a exploração dos animais
(pelos, peles e a própria caça como diversão cultural); a extração de metais (maté-
ria-prima para indústrias metalúrgicas); a construção de barragens e hidrelétricas.
Em consequência desse crescente “progresso” produzido pela modernidade,
tudo que é intrínseco à história da natureza – a curva dos rios, a distribuição da
fauna e da flora, a morfologia do solo, as ondulações do relevo e até mesmo as
variações climáticas – foi submetido a procedimentos técnicos, racionais e econô-
micos com consequências crescentes e indeterminadas para a natureza (diminui-
ção da fertilidade e erosão dos solos, extermínio de espécies animais e vegetais,
poluição das águas, chuvas ácidas etc.) e para os seres humanos (acesso desigual à
riqueza e ao alimento, problemas de saúde e de moradia, riscos de contaminação
causados por acidentes nucleares etc.).
O mal-estar na modernidade
Desde o início do século XX, vários pensadores têm se referido ao mal-estar
na civilização, ao mal-estar na modernidade. Esse mal-estar tem se manifestado sob 15 Um ecossistema é
constituído por ele-
mentos vivos e inorgânicos
várias formas na natureza (poluição atmosférica, envenenamento do solo, alterações como a flora, a fauna, mi-
climáticas, extinção de espécies animais) e na sociedade (guerras civis, terrorismo, croorganismos, solo, água
e atmosfera, os quais estão
corrupção nas instituições públicas, depressão, síndrome do pânico etc.). De certa ligados entre si por um pro-
cesso dinâmico e interde-
forma, é como se esse mal-estar fosse um ressentimento contra o modelo civilizató- pendente como as cadeias
alimentares, os ciclos mi-
rio proposto pelo Iluminismo. O projeto iluminista, calcado nos ideais de raciona- nerais e hidrológicos e pela
lismo, universalismo e individualismo de civilização, prometia a emancipação do circulação de energia.
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Modernidade, racionalidade e ordem
Feira de conceitos: a turma divide-se em vários grupos que vão discutir e elaborar conceitos de
modernidade, racionalidade, individualidade e sociedade para o século XXI. Em seguida, será
feito um debate na turma sobre as propostas elaboradas por cada grupo.
Filme: Powaaqatsi
Diretor: Godfrey Reggio
Duração: 90 minutos
Produção: EUA, 1988
ESCOBAR, Carlos Henrique (Org.). Michel Foucalt: o dossier – últimas entrevistas. Rio de Janeiro:
Taurus, 1984.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Pós-modernidade,
irracionalidade e desordem
Cynthia Roncaglio
As incertezas da racionalidade
política, econômica e cultural
A
té pouco tempo atrás, entre o final dos anos 1960 e início dos 70, sabia-
-se que o mundo estava mudando muito rapidamente. Evidência maior,
e mais diretamente perceptível para a maioria das pessoas, eram as ino- 1 Herbert Marshall MacLuhan
(1911-1980), professor ca-
nadense considerado “guru
vações tecnológicas difundidas após a Segunda Guerra Mundial, incrementadas da comunicação” nos anos
1960. Naquela época, suas
especialmente pelos meios de comunicação de massa como rádio, televisão, cine- ideias sobre os impactos das
novas tecnologias no coti-
ma e livros (traduzidos quase simultaneamente em vários países), que difundiam diano do homem causaram
controvérsias e polêmicas no
informações e propagandas das mais variadas: ideologias de partidos políticos, meio acadêmico.
comportamento individual, moda, carros, aparelhos eletrônicos, refrigerantes e
sabonetes. O turismo tornava-se uma atividade lucrativa, relativamente barata e 2 Diz-se que a expressão
foi cunhada em 1952
para designar as dezenas de
banal. Incluía-se no cotidiano de milhares de pessoas o cruzamento de continentes Estados pós-coloniais que
e oceanos. Ir de São Paulo a Paris, de Praga a La Paz, de Nova York a Madri fazia surgiram depois da Segunda
Guerra Mundial, junto com a
parte do roteiro comum de estudantes, executivos, políticos, cientistas e cidadãos maior parte da América La-
tina, que também pertencia
de classe média em geral. Realizava-se então a profecia de Marshall McLuhan1, às regiões dependentes do
mundo imperial e industrial,
que disse que o mundo estava se transformando numa aldeia global. em contraste com o “pri-
meiro mundo”, dos países
Politicamente, o globo se dividia em dois blocos hegemônicos e antagônicos capitalistas desenvolvidos
e o “segundo mundo”, dos
que disputavam o domínios territoriais: os sistemas capitalista (EUA) e socialista países desenvolvidos comu-
nistas.
(URSS). A chamada Guerra Fria mantinha a população do planeta em constante
estado de alerta, pois a hipótese de um dos inimigos apertar o botão e detonar uma
bomba nuclear com capacidade para destruir o planeta era considerada plausível.
3 Movimento político-mili-
tar que em 1959 derrubou
o regime ditatorial de Fulgen-
cio Batista, substituindo-o
No chamado Terceiro Mundo2 (Ásia, África e América Latina), vivia-se um perío- pelo socialismo marxista lide-
rado por Fidel Castro.
do de descolonização e revolução. Como diz o historiador inglês Eric Hobsbawm
4
(1995, p. 337) sobre a descolonização, Crise mundial ocorrida
em 1973, provocada pelo
[...] o número de Estados internacionalmente reconhecidos como independentes na Ásia embargo ao fornecimento de
quintuplicou. Na África, onde havia um em 1939, agora eram cerca de 50. Mesmo nas petróleo aos Estados Unidos
e às potências europeias esta-
Américas, onde a descolonização no início do século XIX deixara para trás umas 20 repú- belecido pelas nações árabes,
blicas latinas, a de então acrescentou mais uma dúzia. membros da Organização
dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep). A medida
O êxito da Revolução Cubana3 entusiasmou muitos países do Terceiro Mun- é tomada em represália ao
apoio dos Estados Unidos da
do e sobretudo os países da América Latina viram-se sacudidos por golpes milita- América e da Europa Oci-
res apoiados pelos Estados Unidos da América, a fim de combater o comunismo. dental à ocupação, no mesmo
ano, de territórios palestinos
por Israel, durante a Guerra
Em 1973, a crise mundial do petróleo4 acabava com a crença dos anos do Yom Kipur. Após o em-
bargo, a Opep estabelece
dourados em uma prosperidade e um progresso crescentes, bem como revelava cotas de produção e quadru-
a instabilidade e as incertezas econômicas, políticas e ecológicas das sociedades plica os preços.
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem
industriais modernas. Assim como o carvão havia sido a principal fonte de ener-
gia para a expansão industrial do século XIX, o petróleo tornou-se, junto com o
carvão e o gás natural, o principal combustível para a geração de energia elétri-
ca, produção industrial e transporte de mercadorias do século XX. O consumo
mundial de petróleo cresceu vertiginosamente entre 1890 (aproximadamente dez
milhões de toneladas) e a década de 1970 (cerca de 2 500 milhões de toneladas por
ano). Em 1900, o uso do petróleo para suprir as necessidades de energia mundial
verificava-se em torno de 4%. Na década de 1970, alcançava aproximadamente
50% (PONTING, 1995, p. 462). Posteriormente, em 1979, ocorreu uma nova crise
mundial do petróleo, causada pela Revolução Iraniana, que derrubou o xá Reza
Pahlevi e instalou uma república islâmica. A produção de petróleo foi gravemente
afetada e não conseguiu atender sequer às necessidades do próprio país. O preço
do barril de petróleo atingiu níveis recordes e agravou a recessão econômica mun-
dial no início da década de 1980.
Do ponto de vista demográfico, os números cresceram espantosamente no
decorrer dos últimos dois séculos. O total de habitantes do mundo alcançou o
primeiro bilhão em 1825. O segundo bilhão foi alcançado 100 anos depois. Já o
terceiro bilhão foi alcançado apenas em 35 anos, em torno de 1960. Em 1975, ou
seja, 15 anos depois, já havia 4 bilhões de pessoas no mundo. As taxas de maior
crescimento se verificaram, sobretudo, nos países do Terceiro Mundo, os quais,
entre as décadas de 1950 e 1970, tiveram crescimento de 2,5%. A passagem dos 4
para os 5 bilhões levou apenas 12 anos. No entanto, ao contrário das estimativas
alarmantes da década de 1970, o crescimento da população tem se reduzido no
mundo todo em 1,3%.
Durante os últimos dois séculos, variaram muito o padrão e a distribuição
geográfica do crescimento demográfico, assim como as razões históricas para
essas diferenças. Contudo, em 2001, o mundo contava com uma população de
cerca de 6 bilhões de pessoas, ou seja, um crescimento em torno de 75 milhões
ao ano. Apenas 20% vivem nas regiões mais desenvolvidas do planeta. O restan-
te, cerca de 80% (4,8 bilhões de pessoas), vive em países em desenvolvimento.
Países desenvolvidos como Alemanha, Inglaterra e França, onde as taxas de na-
talidade são baixas, são obrigados a apelar para a mão de obra imigrante para
não estagnarem suas economias. E para os jovens dos países pobres a imigração
para os países ricos é a única saída para obter melhores oportunidades. Desse
modo, assim como um crescimento constante da população é uma preocupação
por causa da instabilidade econômica e social mundial, uma queda na população
global pode também introduzir complexidades ainda maiores em decorrência do
desequilíbrio entre as regiões.
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem
à desigualdade não poderiam ser resolvidas pelo livre mercado e que “o grande
problema político mundial, e certamente do mundo desenvolvido, não era como
multiplicar a riqueza das nações, mas como distribuí-la em benefício de seus ha-
bitantes” (HOBSBAWM, 1995, p. 555).
Até o final da Era de Ouro (1947-1973), o compromisso político dos gover-
nos com o pleno emprego e, em menor medida, com a diminuição da desigual-
dade econômica, estabelecendo planos de seguridade social e de previdência,
proporcionou um mercado de consumo de massa para bens de luxo que agora
podiam ser aceitos como de consumo diário. Assim, países ricos como os Es-
tados Unidos, por exemplo, que na década de 1930 detinham gastos domésticos
com comida em torno de 30%, no início da década de 1980 gastavam apenas
13% (HOBSBAWM, 1995, p. 264). Na maior parte das sociedades industriais,
dos países desenvolvidos, as políticas de bem-estar social6 e pessoal e a economia
de mercado são combinadas graças à intervenção do Estado democrático, que
garante as exigências da economia e das demandas sociais.
Nas duas últimas décadas do século XX, no entanto, vários fatores contribu-
íram para uma “desordem” econômica mundial. A queda do Muro de Berlim7, em
1989, e o fim da URSS, em 1991, desestatizando a economia dos países do Leste
Europeu e introduzindo reformas políticas e econômicas, simbolizam o fim do co-
munismo, a entrada desses países na economia de mercado e o fortalecimento de
blocos econômicos8 regionais. A crescente abertura dos Estados nacionais ao flu-
6 Políticas de controle
direto ou indireto das
sociedades capitalistas que xo internacional de mercadorias e capitais, bem como a transferência geográfica
protegem o trabalhador e
seus dependentes quando
de fábricas e a inovação nas tecnologias da informação, têm gerado desemprego e
este perde sua fonte de renda, inflação em maior ou menor escala em todos os países industrializados.
por problemas de saúde, falta
de oportunidade de empre-
go, velhice ou morte. O eixo De modo geral, a economia mundial, por meio da tecnologia, continua a forçar
principal dessas políticas é o
sistema de seguridade social,
a mão de obra na produção de bens e serviços, mas não gera crescimento econômico
que garantem uma pensão
aos desempregados. Essas
suficiente para evitar a grande massa de desempregados. Para aumentar sua produtivi-
políticas integram também, dade e seus lucros, transfere as indústrias dos países ricos, onde a mão de obra é mais
em geral, sistemas de educa-
ção e saúde. cara, para os países pobres, onde ela é mais barata. Há um recuo das intervenções
estatais e ameaças aos sistemas de seguridade social e previdenciária. No lugar de
7 Muro construído em Ber-
lim, Alemanha, em 1961,
por tropas da União Soviética
emprego estável, previsão de carreira ou de aposentadoria, vive-se uma mudança per-
e da República Democrática da manente, as regras do jogo não são mais preestabelecidas e tudo se resume a conviver
Alemanha (RDA). O muro era
o símbolo da divisão ideológi- com possibilidades, oportunidades e riscos. A crença da economia neoclássica de que
ca da Europa e do mundo entre
as superpotências, Estados
o comércio internacional irrestrito permitiria aos países pobres chegar mais perto do
Unidos da América e URSS, desenvolvimento dos países ricos, sem dúvida, não se confirmou historicamente.
durante a Guerra Fria.
[...] uma ideologia que mascara as relações de dominação econômicas introduzindo a ima-
gem de um conjunto econômico mundial autorregulado ou fora de alcance da intervenção
dos centros de decisão políticos. (TOURAINE, 1999, p. 40)
O mal-estar na “pós-modernidade”
Nas últimas décadas do século XX, o acesso à informática e à internet por
um grande número de pessoas em todo mundo tornou as noções de tempo e espa-
ço quase inexistentes. O mundo não se tornou mais igual do ponto de vista da
distribuição de renda, nem mais universal por conta disso. Ao contrário, multi-
plicam-se identidades culturais (étnicas, sexuais, regionais, religiosas) legitima-
das pela sociedade de consumo. Segundo Touraine (1999, p. 47), nestes tempos
modernos experimenta-se o que ele denomina de desmodernização, uma degrada-
ção dupla: da atividade econômica, que deixou de unir técnicas, relações sociais de
produção e mercado e reduz-se a um mercado internacionalizado; e a degradação das
identidades culturais, que servem para legitimar poderes autoritários. A perversão é a
economia reduzida ao mercado e as culturas utilizadas como ideologias.
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem
Filme: Naqoyqatsi
Direção: Godfrey Reggio
Duração: 92 min
Produção: EUA, 2002
Último filme da trilogia qatsi (significa “vida” no idioma da tribo indígena norte-americana
hopi). Discute, como os outros dois filmes (Koyaanisqatsi e Powaqqatsi), temas contemporâneos
como modernização, globalização, guerra, sociedade e natureza.
BERMAN, Marshall. Tudo o que É Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1994.
BERMAN, Marshall. Tudo o que É Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.
______. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1994.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
PONTING, Clive. Uma História Verde do Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SERRES, Michel. Contrato Natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
TOURAINE, Alain. Poderemos Viver Juntos? Petrópolis: Vozes, 1999.
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Desenvolvimento
sustentável
Cynthia Roncaglio
Desenvolvimento e ambiente
A
ideia de desenvolvimento e o agravamento ou a percepção do agravamento dos problemas
ambientais ganhou força e expressão principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando
emergiu no cenário internacional o confronto entre duas superpotências: Estados Unidos da
América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Embora a história mundial desse período não
fosse homogênea e facilmente compreensível, pode-se dizer, genericamente, que a Guerra Fria entre
esses dois blocos hegemônicos e antagônicos dividiu o globo em duas partes: uma controlada pela
URSS, que abrangia os territórios ocupados pelo Exército Vermelho e as forças armadas comunistas
ao fim da guerra; e a outra, com os Estados Unidos da América dominando o resto do mundo capita-
lista. Ambos propunham ao Terceiro Mundo o seu modelo de desenvolvimento.
Embora sob ameaça constante de uma guerra nuclear, que se acreditava possível resultar do
confronto entre as superpotências, as atividades econômicas prosperaram em muitas partes do mundo
entre os anos 1950 e 1970, renovando as esperanças de progresso e prosperidade da humanidade, seja
pelo viés da ideologia comunista ou da capitalista. No então denominado Terceiro Mundo, a ideia de
desenvolvimento parecia embutir a ideia de um futuro liberto dos piores entraves que pesam sobre a
condição humana, como a pobreza e o desemprego.
Contudo, já no início da década de 1970, o sistema político e econômico internacional entrou em
colapso e as disparidades entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos demonstrou a esgotabilidade
de um futuro grandioso e pleno de alternativas diante dos resultados da revolução socialista na China, na
URSS, no Vietnã e até mesmo em Cuba (considerada por muitos a revolução que deu certo) e das fases
depressivas das economias ocidentais. As crises do desenvolvimento no Terceiro Mundo refletiam-se na
estagnação econômica, na fome e nas guerras civis.
Sob a ótica do ambiente, desde que os Estados Unidos jogaram bombas atômicas sobre as cida-
des de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, constatou-se que o ser humano podia intervir radicalmente no
curso da natureza, a ponto de modificar ou colocar em risco a existência do planeta. Algumas iniciati-
vas, como a criação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), em 1948, apon-
tavam para os problemas ambientais que a crise político-econômica (dissociada de outras instâncias)
e um forte antropocentrismo impediam, e ainda impedem, de considerar relevante. O reconhecimento
do agravamento se dá progressivamente com o anúncio da morte do oceano pelo biólogo Paul Ehrlich,
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Desenvolvimento sustentável
nacionais: Edgar Morin (1995), entre outros autores, lembra Bhopal2, Three Mile
Island e Chernobyl3, secagem do mar de Aral4, poluição do lago Baikal5, altos ín-
dices de poluição atmosférica em cidades como Atenas e México. 2 Em dezembro de 1984,
40 toneladas de gases
letais vazaram da fábrica de
agrotóxicos da Union Carbi-
Esses eventos e suas consequências para os diversos ecossistemas, incluindo de Corporation, em Bhopal,
Índia. Estima-se que cerca de
o ser humano, remetem a outros problemas mais gerais que já vinham ocorrendo oito mil pessoas morreram
nos países industrializados e não industrializados. Nos primeiros, evidencia-se a devido à exposição direta aos
gases. Hoje, estima-se que
contaminação das águas superficiais e subterrâneas, envenenamento dos solos por cerca de 150 000 sobreviven-
tes adquiriram doenças crô-
pesticidas e fertilizantes, urbanização maciça das zonas costeiras, proliferação de nicas e necessitam de cuida-
dejetos industriais. Nos países não industrializados, aumenta a desertificação, o dos médicos e uma segunda
geração de crianças continua
desmatamento, a erosão dos solos, as inundações e o aumento da emissão de gases a sofrer os efeitos da herança
tóxica deixada pela indústria.
tóxicos com o desenvolvimento das megalópoles. Globalmente, a antropização dos Foi considerado o maior de-
sastre químico da história.
meios naturais se reflete no aumento do efeito estufa, que altera os ciclos vitais,
decomposição gradativa da camada de ozônio estratosférica, buraco de ozônio na 3 Acidentes nos reatores
nucleares em Three Mile
Antártida, excesso de ozônio na troposfera (camada mais baixa da atmosfera). Island, na Pennsilvânia,
EUA, em 1979, e em Cher-
nobyl, na Ucrânia, em 1986,
A (re)incidência desses eventos, cada vez mais salientes e perceptíveis, faz parte da União Soviética. Na
com que a consciência ecológica torne-se, como diz Morin, “a tomada de consci- usina de Chernobyl, a quan-
tidade de radiação foi equi-
ência do problema global e do perigo global que ameaçam o planeta”. Se, a princí- valente a dez vezes a bomba
de Hiroshima e Nagasaki.
pio, as reações diante desses problemas são locais e técnicas, ao longo do tempo, A poeira radioativa se espa-
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Desenvolvimento sustentável
que uma sociedade pode dispensar. De outro, é uma concepção redutora, em que o cresci-
mento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais,
psíquicos e morais. Essa concepção tecnoeconômica ignora os problemas humanos da
identidade, comunidade, da solidariedade, da cultura. Assim, a noção de desenvolvimento
se apresenta gravemente subdesenvolvida. A noção de subdesenvolvimento é um produto
pobre e abstrato da noção pobre e abstrata de desenvolvimento.
Assim, buscando ampliar o sentido restrito do termo ao longo das últimas duas
décadas do século XX, conceitos antigos como o de ecologia foram reformulados
ou ampliados e outros passaram a ser adotados para exprimir e dar conta da com-
plexidade que envolve o desenvolvimento das sociedades humanas e a preservação
da natureza. Tratar-se-á aqui de referenciar algumas definições. Tanto as expres-
sões ecologia, meio ambiente e ambiente quanto as expressões desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade, por exemplo, são usadas ora como sinônimas, ora
com diferentes acepções por políticos, cientistas e filósofos. Cabe ao leitor identifi-
car nos discursos, caso não sejam evidentes as utilizações conceituais, as filiações
ideológicas ou políticas dos autores e os sentidos e significados implícitos.
Conceito de ecologia
O termo ecologia deriva de oikos (“casa”) + logos (“estudo”) e significa “es-
tudo da casa”. O termo foi cunhado pelo biólogo Ernst Haeckel em 1870 para criar
uma disciplina científica que se tornaria um ramo da biologia. Essa disciplina, a
ecologia, serviria para investigar as relações totais dos animais, tanto com seu
ambiente inorgânico quanto com o orgânico.
O conceito passou a ser reconhecido e utilizado entre o final do século XIX
e o início do século XX. Com algumas variações, o conceito de ecologia foi sin-
teticamente definido na década de 1960 pelo ecólogo norte-americano Eugene
Odum como “o estudo da estrutura e função dos ecossistemas” (ODUM apud
KORMONDY, 2002, p. 29). Os ecossistemas, para Odum (1988), abrangem todos
os organismos que funcionam em conjunto em uma determinada área, as inte-
rações biológicas que eles estabelecem e todos os processos físico-químicos que
sobre eles se refletem.
Porém, a tendência dessa disciplina das ciências naturais, em decorrência do
estudo de sistemas complexos e da sua necessária relação com a geologia, a física,
a química e a matemática, foi a de transpor fronteiras disciplinares. Com isso, foi
se ampliando a noção de ecologia na medida em que se pode estabelecer, inclusi-
ve, interfaces com as sociedades humanas em vários aspectos (sociologia, econo-
mia, ética, política etc.). Dessa forma, a ecologia pode significar desde um estudo
de espécies individualizadas quanto a totalidade dos ambientes do planeta Terra
(KORMONDY, 2002, p. 28). Daí derivaram especializações e expressões como
ecologia humana, ecologia cultural, ecologia sociológica. Na área das ciências
sociais, da filosofia e da história, há uma tendência a usar as expressões ecologia,
meio ambiente ou ambiente como sinônimas e entendidas genericamente como
as interações que se estabelecem da sociedade com a natureza. Há controvérsias
sobre os limites e a abrangência da ecologia. Para alguns estudiosos, a ecologia é
uma ciência aplicada que se dedica ao estudo de uma enorme e difusa variedade de
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Desenvolvimento sustentável
Conceito de ecodesenvolvimento
No ano seguinte à primeira Conferência sobre o Meio Ambiente em Esto-
colmo, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), o termo ecode-
senvolvimento foi lançado pelo canadense Maurice Strong6, em reunião realizada
em Genebra em junho de 1973. Mas o conceito, com princípios reformulados, foi
consolidado e disseminado pelo economista francês Ignacy Sachs.
A origem do conceito se deve a uma polêmica entre duas correntes teóricas
com ideais extremos: os partidários do crescimento selvagem, que o defendem 6 Diretor executivo do Pro-
grama das Nações Uni-
das para o Ambiente.
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Desenvolvimento sustentável
como meio para corrigir os seus próprios males, e os zeristas, que defendem o
crescimento zero com a finalidade de preservar a natureza. Colocando-se entre
essas duas linhas extremas, o ecodesenvolvimento, no lugar de postular o não
crescimento, defende novas modalidades de crescimento, baseadas tanto na re-
visão de suas finalidades como nos seus instrumentais, procurando aproveitar as
contribuições culturais das populações e os recursos do seu meio.
Em síntese, ecodesenvolvimento é “um estilo de desenvolvimento que, em
cada ecorregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares,
levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessi-
dades imediatas como também aquelas a longo prazo.” (SACHS, 1986, p. 15).
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Desenvolvimento sustentável
2 – A viabilidade econômica, tornada possível pela repartição e pela gestão mais eficiente dos re-
cursos, e por um fluxo regular de investimentos públicos e privados. É essencial superar as configura-
ções externas negativas criadas pelo peso da dívida e as saídas líquidas dos recursos financeiros do Sul
para o Norte, assim como pelos termos de troca desfavoráveis, as barreiras protecionistas ainda em voga
no Norte e as restrições de acesso à ciência e à tecnologia. A eficiência econômica deveria ser avaliada
de preferência em função de critérios macrossociais e não no micronível do benefício das empresas.
3 – A viabilidade ecológica, que poderia ser melhorada com as seguintes medidas:
aumentar a capacidade de carga da nave Terra, procurando os meios de intensificar a ex-
ploração do potencial dos recursos dos diversos ecossistemas, causando os menores danos
possíveis aos sistemas de manutenção da vida;
limitar o consumo de combustíveis fósseis e outros recursos e produtos em via de esgota-
mento, ou cuja utilização seja nefasta ao meio ambiente, substituindo-os por recursos ou pro-
dutos renováveis e/ou abundantes, utilizados de modo a respeitar o meio ambiente, reduzir o
volume dos resíduos e o nível de poluição, economizando e reciclando energia e recursos;
incitar os ricos, em escala nacional e individual, a limitar voluntariamente o consumo de
bens materiais;
intensificar a pesquisa de tecnologias que produzam poucos resíduos e que assegurem um
bom rendimento dos recursos para o desenvolvimento urbano, rural e industrial;
definir as regras para uma adequada proteção do meio ambiente, elaborar os mecanismos
institucionais e escolher a combinação de instrumentos econômicos, jurídicos e adminis-
trativos necessários a sua aplicação.
4 – A viabilidade espacial, que deverá ter como objetivo obter um melhor equilíbrio entre ci-
dade e campo, e uma melhor repartição populacional e da atividade econômica sob o conjunto do
território, enfatizando os seguintes pontos:
reduzir a alta densidade nas zonas metropolitanas;
cessar a destruição pela colonização incontrolada dos ecossistemas frágeis cuja importân-
cia é vital;
promover o emprego de métodos modernos de agricultura e de agroflorestamento regene-
rativos pelos pequenos exploradores, fornecendo particularmente módulos técnicos apro-
priados e possibilidades de crédito e de acesso aos mercados;
explorar as possibilidades de industrialização descentralizada oferecidas pelas tecnologias
de nova geração, em se tratando particularmente de indústrias utilizando a biomassa, que
podem contribuir à criação de empregos rurais não agrícolas – M. S. Swaminathan estima
que uma nova forma de civilização baseada na utilização ecologicamente viável de recur-
sos renováveis é não somente possível como indispensável (MCNEELY);
criar uma rede de reservas naturais da biosfera a fim de preservar a biodiversidade.
5 – A viabilidade cultural, que implica a pesquisa das raízes endógenas dos modelos de mo-
dernização e dos sistemas agrícolas integrados, assim como dos processos que buscam mudança na
continuidade cultural, e tradução dos conceitos normativos de ecodesenvolvimento em uma plura-
lidade de soluções locais específicas para cada ecossistema, cada cultura e cada situação.
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Desenvolvimento sustentável
Do conceito à ação
Na prática, a imaginação ecológica deve guiar a reflexão sobre o desenvolvimento. O objetivo
é o de melhorar o destino de mais de um bilhão de indivíduos que vivem abaixo do limiar da pobre-
za, começando por assegurar-lhes “meios viáveis de existência” (CHAMBERS), qualquer que seja
o contexto ambiental ou cultural em que vivam, mostrando que as populações locais são capazes
de respeitar o meio ambiente, desde que sejam eliminados os obstáculos que as impedem de adotar
uma visão a longo prazo de conservação da sua base de recursos.
Tais obstáculos são principalmente de ordem política e institucional. Esses são frequentemen-
te ligados a regimes agrários desiguais, ausência de reformas tributárias adequadas, privatização
de propriedades comunais, marginalização das populações das regiões florestais, ou exploração
predatória dos recursos naturais que visam a maximizar lucros imediatos. É somente nas regiões
de alta densidade populacional que as pressões impostas pelo meio ambiente e o nível de recursos
constituem um limite absoluto. Gallopin, Gutman e Winograd, por exemplo, mostram que a Amé-
rica Latina dispõe de um enorme potencial de biomassa cuja exploração poderia levar em conta os
imperativos ecológicos, o que contribuiria para atender a necessidades sociais, satisfazendo ainda
o critério da eficiência econômica.
A Índia, por outro lado, é menos rica em recursos. Alagh cita, no entanto, vários exemplos
de projetos de organização de bacias hidrográficas que permitem recuperar rapidamente o capital
investido. As técnicas necessárias à execução de tais projetos são conhecidas, e as repercussões no
nível das coletividades podem ser muito interessantes. Esses projetos exigem porém um financia-
mento dos poderes públicos para atender aos investimentos iniciais. Alagh defende uma planifica-
ção agroclimática, usando sistemas de exploração inovadores, para superar os inconvenientes de
uma visão que privilegia uma cultura ou uma região.
A garantia de meios de existência viáveis deve tornar-se parte integrante das estratégias de de-
senvolvimento, mas a realização desse objetivo supõe que os grupos locais adquiram a capacidade
de se responsabilizar e de valorizar seus próprios produtos. A noção de proteção primária do meio
ambiente (HOLMBERG), por analogia aos cuidados primários de saúde, repousa essa premissa.
Por mais importante que seja, o desenvolvimento rural não conseguirá assegurar meios de
sobrevivência viáveis a todos os habitantes dos países do Sul; a população ativa destes países, em
1990, aproximava-se de 1,8 bilhões de habitantes (dos quais mais de meio bilhão de desempregados
ou subempregados), cifra que deverá atingir 2,1 bilhões no ano 2000, e 3,1 bilhões em 2025. Daí a
importância dada ao tratamento dos problemas urbanos.
Administrar a exploração urbana
Uma das mais marcantes características da nossa época é uma explosão urbana sem preceden-
tes, que se manifesta sobretudo no Sul. No começo do século XXI, os habitantes de baixa renda das
cidades do Terceiro Mundo formarão a nova maioria da população do globo terrestre. Segundo as
estimativas mais recentes, o número de cidadãos dos países do Sul terá dobrado durante o período
de 1980 a 2000, passando de um a dois bilhões. Durante os 25 anos seguintes, podemos contar com
uma nova duplicação, o que significa que em menos de meio século três bilhões de pessoas virão
somar-se à população urbana do Sul.
Só a amplidão dessa explosão urbana, agravada pelo atraso das necessidades não satisfeitas,
mostra que a imitação por esses países dos métodos utilizados pelo Norte só aumentaria as desi-
gualdades atuais, beneficiando uma minoria de privilegiados e marginalizando a maior parte dos
habitantes das cidades. Além disso, o modelo do Norte não pode ser tomado como um êxito total.
A proliferação dos guetos intraurbanos, as periferias deserdadas agravando a exclusão, a segre-
gação social associada ao desemprego crônico, as tensões raciais e étnicas, a violência urbana, o
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Desenvolvimento sustentável
consumo de drogas, a situação de quase falência de algumas das cidades mais ricas do mundo, são
elementos que não ajudam a testemunhar a capacidade dos países industrializados de administrar
suas aglomerações.
É claro que a urbanização acompanha e, em grande medida, promove o progresso econômico,
social e cultural dos países principalmente agrícolas, mas ela não tem só consequências positivas.
Lembremos a esse respeito o debate sobre as cidades tentaculares e parasitas e sobre o “viés urba-
no” das políticas de desenvolvimento, viés ampliado ainda pelo crescimento urbano sem preceden-
tes devido ao afluxo de “refugiados” do campo.
A tendência atual do nosso planeta em transformar-se em um arquipélago urbano não deve por-
tanto ser considerada como uma fatalidade. A noção de “economias de aglomeração” necessita ser
revisada para considerar as possibilidades de especialização flexível e de industrialização descentra-
lizada oferecidas pelas novas tecnologias. Daí a necessidade de encontrar no Sul, no Leste, e até no
Norte, estratégias ativas e inovadoras de desenvolvimento urbano. Essa busca deve centrar-se sobre
vários elementos ao mesmo tempo:
os modelos institucionais e modelos de gestão;
novas formas de colaboração entre a sociedade civil, as empresas e os poderes públicos;
a passagem de uma política assistencial a uma política que vise a estimular a iniciativa e a
criatividade das populações locais, tornando-as aptas a se autogerenciarem;
constantes esforços para economizar recursos e suprimir o desperdício;
uma hábil gestão do pluralismo tecnológico e da pesquisa mais ativa das novas soluções
tecnológicas, por um preço acessível aos países em desenvolvimento.
Cada grande cidade é em si um ecossistema dotado de um certo potencial de recursos.
Muitos desses recursos são latentes, subutilizados ou mal utilizados: terras suscetíveis de serem
destinadas ao cultivo no centro das cidades, resíduos recicláveis, possibilidades de economia
de energia e de recursos em água e em capital mediante uma melhor manutenção dos equipa-
mentos, das infraestruturas e do conjunto de habitações. A exploração desses recursos poderia
fornecer numerosos empregos financiados graças à economia realizada e permitiria o melhora-
mento do meio ambiente.
Um grau de prioridade deve então ser dado às tarefas seguintes:
melhorar o estado do meio ambiente e a condição social da maior parte dos cidadãos pela
reabilitação urbana, baseada em estratégias de ecodesenvolvimento de forte intensidade
de mão de obra;
estudar e concretizar novos tipos de aglomerações, concebidas de maneira a permitir a
economia de recursos;
reduzir o fluxo dos “refugiados” das regiões rurais, aproveitando as novas possibilidades de
industrialização descentralizada para reequilibrar as configurações entre cidade e campo.
As grandes cidades são como os seres humanos: cada uma tem sua personalidade. Para su-
perar o desafio urbano, deve-se levar em conta a configuração dos fatores naturais, culturais e so-
ciopolíticos próprios de cada cidade, assim como seu passado e suas tradições. Ao invés de propor
soluções uniformes, convém ver nessa diversidade um valor cultural da maior importância.
Deve-se tirar duas conclusões do que foi dito anteriormente:
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Desenvolvimento sustentável
as estratégias do desenvolvimento urbano não podem ser impostas de cima para baixo,
mas sim elaboradas e concretizadas pelas populações interessadas, com o apoio de uma
política eficaz para a emancipação destas populações;
as trocas de experiência entre cidades e estudos comparativos deveriam ocupar um lugar
importante nas políticas de cooperação, a ideia não sendo tanto a de fornecer modelos
prontos, mas sim a de estimular a imaginação social, permitindo encontrar nos acertos e
erros dos outros um reflexo de suas próprias interrogações.
FOLADORI, Guillermo. Los Límites del Desarollo Sustentable. Montevideo: Ediciones de La Ban-
da Oriental, 1999.
RESENDE, Paulo-Edgar Almeida (Org.). Ecologia, Sociedade e Estado. São Paulo: Educ/PUC-SP, 1995.
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Sustentabilidade
para quem?
Cynthia Roncaglio
Desenvolvimento econômico X
desenvolvimento sustentável
O
desenvolvimento das sociedades modernas, há pelo menos 200 anos,
tem se baseado essencialmente no desenvolvimento econômico. Teorias
e práticas econômicas empenharam-se em compreender e aplicar fór-
mulas e modelos de administração da casa (oikos), as quais seriam mais ou menos
eficientes para garantir a ordem da produção, da distribuição e do consumo de tudo
aquilo que se tornou necessidade para a sobrevivência e o bem-estar dos seres
humanos. Evidentemente, tais necessidades não são intrinsecamente necessárias à
natureza humana, mas foram desencadeadas pelas sociedades capitalistas, consti-
tuídas pela riqueza, baseadas no valor de troca e na obtenção do lucro.
O desenvolvimento econômico passou a ser considerado a medida do proje-
to civilizatório e do progresso humano, o meio pelo qual o homem se desprenderia
das limitações impostas pela natureza e alcançaria a sua emancipação. Todavia,
restrito à lógica da economia, o conceito de desenvolvimento se mostrou histori-
camente limitado, a civilização tornou-se um projeto inacabado (e corre o risco de
se transformar em barbárie) e a ideia de progresso econômico se evidenciou um
mito, uma racionalidade insustentável.
Ora, o progresso econômico é insustentável porque se ba- O progresso econômico
seia na acumulação de riqueza, e nas sociedades modernas ele se é insustentável porque se
baseia na acumulação exponencial de riqueza. Mas baseia na acumulação de
[...] para um indivíduo, uma família ou um país manter, sustentar riqueza.
certo nível de enriquecimento material requer uma sequência crí-
tica permanente de esforços dirigidos à neutralização de ameaças e perturbações que
tendem a pairar permanentemente sobre a riqueza. (CAVALCANTI, 1996, p. 325)
porânea, de uma razão que respeite os seus próprios limites e que integre raciona-
lidades distintas, como a econômica, a política, a cultural e a ecológica. Um estilo
de desenvolvimento, ou novos modelos de desenvolvimento, que, na concepção de
Sachs, apresentem as seguintes características:
valorização dos recursos específicos de cada região para satisfazer as
necessidades fundamentais da população em termos de alimentação, ha-
bitação, saúde e educação;
priorização da realização humana;
exploração dos recursos naturais dentro de uma perspectiva de solidarie-
dade sincrônica com todos os homens de nossa geração e diacrônica com
as gerações futuras;
redução do impacto das atividades humanas mediante adoção de proce-
dimentos de transformação de resíduos em insumos;
redução de consumo de energia proveniente de fontes comerciais;
adoção de estilo tecnológico particular, com aperfeiçoamento das ecotécnicas;
formação de quadro institucional que considere as especificidades locais,
a complementariedade das ações empreendidas, a participação efetiva
das populações locais e a garantia da não espoliação dessas populações;
fortalecimento de um processo educativo que sensibilize a população
quanto aos aspectos ecológicos do desenvolvimento, modificando o sis-
tema de valores em relação à dominação da natureza.
Em suma, a teoria do desenvolvimento sustentável é uma complexa equação en-
tre eficiência econômica, prudência ecológica e realização de uma sociedade justa e so-
lidária e, ao colocar a questão ambiental no centro do debate sobre o desenvolvimento,
[...] problematiza as próprias bases da produção; aponta para a desconstrução do paradig-
ma econômico da modernidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos
limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e
na criatividade humana. (LEFF, 2001, p. 17)
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Sustentabilidade para quem?
É possível sustentabilidade
como alternativa de desenvolvimento?
Desenvolvimento sustentável é um conceito em torno do qual se estabeleceu
um certo consenso mundial, que se coloca, hoje, como única alternativa para o
desenvolvimento baseado no crescimento econômico, material. Isso não significa
a crença generalizada de que é preciso abolir o crescimento econômico, mas que
é preciso revê-lo, modificá-lo, ajustá-lo às condições ditadas pela natureza, base
material que sustenta e garante a continuidade da vida humana. Não há garantia de
4 Capital natural pode ser
compreendido como o
estoque de materiais naturais
sustentabilidade total do planeta Terra. O processo de destruição e de degradação
(vegetais, minerais, águas ambiental geradas pelas atividades humanas no decorrer da história já gerou mui-
fluviais, atmosfera etc.) dis-
poníveis em determinado
tas perdas de capital natural. O que se reconhece hoje é a necessidade de desace-
lugar e momento. lerar o processo de degradação, evitando mais perdas em pouco tempo. Isso pode
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Sustentabilidade para quem?
ser considerado, por exemplo, quando se faz referência ao uso dos O processo de destruição e
recursos não renováveis de modo sustentável. Se uma fonte de re- de degradação ambiental
cursos não é renovável, pode-se garantir alguma sustentabilidade geradas pelas atividades
fazendo uso dela? Alguns estudiosos, especialmente economis-
humanas no decorrer da
tas, dizem que sim, desde que se considere que a sustentabilidade
não é um remédio para todos os males causada pela civilização, história já gerou muitas
mas sim uma alternativa operacional para enfrentar os problemas perdas de capital natural.
ambientais.
Grosso modo, dizem os especialistas, não basta substituir o uso de recursos
não renováveis por recursos renováveis. Substituir, por exemplo, energia fóssil
por energia solar (fotovoltaica, eólica, hidrelétrica etc.) para assegurar os atuais
padrões de consumo de energia das sociedades contemporâneas, em última aná-
lise, redundaria no mesmo problema de restrição imposto pelo tempo acelerado
em que ocorre a utilização (e destruição) dos recursos naturais e o tempo e a ve-
locidade necessários para a regeneração (daquilo que sobrou) da natureza. Tanto o
uso dos recursos não renováveis como o uso dos recursos renováveis precisam ser
gerenciados sob outros pressupostos de produção e consumo. Em todo caso, como
calcula Binswanger, reduzir a velocidade da extração de recursos não renováveis,
por exemplo, seria um progresso considerável. Supondo-se que, hoje,
[...] o estoque de uma fonte não renovável seja dez mil vezes o volume do consumo corren-
te. Se o consumo cresce 10% por ano, o estoque se esgota depois de 71 anos. Se ele cresce
por volta de apenas 1% p.a., o estoque esgotar-se-á somente após 463 anos. Se o nível de
consumo permanecer no patamar atual, o recurso durará dez mil anos. Mas se pudermos
dar um jeito de reduzir o nível de consumo, o recurso estará disponível por um período
ainda mais longo. (BINSWANGER, 1996, p. 51)
Tal afirmação, em concordância com o que vem sendo constatado por inú-
meros analistas, incide sempre sobre o mesmo ponto: para se obter um padrão
mínimo de sustentabilidade, é preciso reduzir o consumo de matéria e energia em
geral. Em outros termos, isso significa inevitavelmente mudar padrões pessoais e
societários de consumo de bens e serviços.
O cálculo matemático apresentado acima é um dos muitos Para se obter um padrão
que têm sido formulados quando se trata de analisar as relações
entre economia e ecologia. Expressões como capital natural, in-
mínimo de sustentabilidade,
sumos naturais, valor incremental dos serviços dos ecossiste- é preciso reduzir o consumo
mas e custo ambiental são usadas frequentemente para defender de matéria e energia.
argumentos de racionalidade econômica e ambiental.
São tentativas ou alternativas buscadas a fim de dar concretude ao conceito
de desenvolvimento sustentável. Mas, como também foi visto aqui, não há uma
hegemonia em torno do conceito de desenvolvimento sustentável ou da noção
de sustentabilidade. São ideias, representações e valores morais que coexistem,
disputam espaços sociais e políticos, reafirmam umas posições, rejeitam outras.
Entidades abstratas como Estado e mercado também se articulam, envolvem-se,
fazem parte desse sistema social no qual se debatem pessoas, categorias profissio-
nais, grupos com interesses diversos, convergentes ou divergentes.
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Sustentabilidade para quem?
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Sustentabilidade para quem?
Discuta em grupo e indique dez atitudes que podem contribuir para que o cotidiano seu e do
ambiente onde você vive possa se tornar sustentável.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des)caminhos do Meio Ambiente. São Paulo: Contexto, 1989.
Q
uando se ouve falar em política é quase impossível não se aperceber de alguns paradoxos.
Se trabalhadores fazem uma passeata para exigir melhores salários, alguns dirão que “eles
deviam estar no seu local de trabalho e não na rua, fazendo política, atrapalhando o trânsito.”
Mas se os trabalhadores aceitam e se contentam com as suas condições de trabalho, haverá outros que
dirão “esses trabalhadores são passivos, não sabem fazer política, não lutam por seus direitos.”
Observa-se implicitamente, nessas opiniões contraditórias, dois modos de compreender a
política: no primeiro caso, ela é considerada uma atividade que deve ser realizada por pessoas espe-
cializadas no assunto – os políticos profissionais –, enquanto no segundo compreende-se que é uma
atividade da qual todos devem participar, pois todos os cidadãos devem se manifestar a respeito dos
seus interesses. Ou seja, surge um paradoxo da política: ela é uma atividade específica realizada por
alguns profissionais ou ela é uma atividade praticada por todos que vivem em sociedade?
De modo similar, pode-se dizer que política é uma palavra usada tanto como sinônimo
de governo, sendo este constituído por profissionais gabaritados para fazer política (os políticos)
quanto para indicar uma ação coletiva (a passeata dos trabalhadores nas ruas) ou qualquer outra
reivindicação feita por membros da sociedade e dirigida ao governo ou ao Estado. Mas há ainda
outras expressões que usamos para a política. É comum ouvir falar em “política da escola”, “polí-
tica empresarial”, “política partidária”. Nesses casos, tais expressões não remetem à ação daqueles
políticos profissionais ou à ação do governo. Referem-se antes a um modo de gerir, administrar
as instituições. Quando se fala em “política da escola”, por exemplo, está-se referindo à definição
de um caminho que esta instituição (pública ou privada) irá tomar para alcançar seus objetivos:
como será feita a gestão escolar, como se dará a participação dos professores e alunos, como será
a forma de avaliação de professores e alunos, como serão distribuídos os recursos provenientes de
fundos (caso seja pública) ou mensalidades (caso seja particular).
No caso da “política empresarial”, trata-se de estabelecer como será o funcionamento de uma
empresa, como se dará a divisão dos lucros e investimentos, quem tem poderes e autoridade para
responder pela empresa, como serão estabelecidas as relações com outras empresas, a definição dos
cargos e salários dos funcionários, as metas de produção etc. Já a “política partidária” irá definir
o perfil ideológico do partido, quais são seus planos e projetos prioritários, como angariar fundos,
atrair militantes, divulgar suas ideias e conquistar posições no governo e apoio da sociedade na
qual se insere.
Mas, então, afinal, o que é política? Política é uma atividade do governo, é uma atividade de
profissionais especializados, é tudo que diga respeito à organização e administração de uma empresa,
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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável
1 Recursos financeiros do
Poder Público.
presidente ou a mudança de sistema de governo senão por meio da política, isto é,
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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável
senão pela mudança na forma e no conteúdo do poder. Então, como observa Chauí
(2001, p. 371), mesmo quando as pessoas, decepcionadas e desiludidas com o mal
uso que se faz do poder político, recusam-se a ouvir falar em política ou a partici-
par de atividades sociais que possam ter finalidade ou cunho político, ainda assim
tais pessoas estão fazendo política, porque estão aceitando que as coisas fiquem
como estão e que a política existente permaneça da mesma forma. A apatia social,
assim, é também uma forma de fazer política.
Política e multidimensionalidade
dos problemas humanos
A política perpassa toda a sociedade e é perpassada por ela. Desde a sua inven-
ção e durante séculos, a política tem apresentado muitas faces. Na história da socieda-
de ocidental, a política liberal do século XIX, implantada pelas revoluções burguesas2,
deu origem ao Estado assistencialista, assim como as revoluções socialistas3 do
século XX, impregnadas de uma ideia mítica providencialista, baseada no pres-
suposto de que a revolução marxista-leninista colocaria um fim à sociedade de
classes e às injustiças sociais, acabaram inspirando o seu avesso: uma política
totalitária. A política, baseada na lei e no direito, estabeleceu os rumos das econo-
mias nacionais, estabelecendo primeiro as medidas protecionistas do século XIX,
depois as leis antitruste4 e, em seguida, ditando a condução do crescimento e do
desenvolvimento, estimulando hoje a globalização e a criação de uma sociedade
da informação.
A política passou a interferir cada vez mais e a estabelecer modos de
atendimento às crescentes necessidades dos indivíduos e das populações. Haja
vista alguns exemplos: a política de assistência aos trabalhadores pelo Esta-
do previdenciário baseado em proteção e auxílios diversos (seguro de vida,
auxílio à doença, morte ou velhice, salário-desemprego); serviços de creches,
asilos, funerárias; estabelecimento de políticas públicas voltadas para a cons-
trução de obras (estradas, pontes, viadutos, hospitais, escolas etc.); educação,
cultura e lazer dependentes de incentivos e projetos governamentais para aten-
der às populações carentes, que não dispõem dos recursos financeiros para ter
acesso à escola, a bibliotecas, computadores, espetáculos, arte e diversão. Os
governos assumem a reparação de danos causados por catástrofes naturais
2 Entre as revoluções bur-
guesas, podem ser cita-
das a Revolução Francesa e
a Revolução Industrial, na
(maremotos, terremotos, inundações etc.), enquanto a liberdade ou controle Inglaterra, entre os séculos
dos meios de comunicação atuais depende de uma política de acesso. XVIII e XIX.
Como diz Morin (1995, p. 142), o viver e o sobreviver, no sentido biológico 3 Entre as revoluções so-
cialistas do século XX,
dos termos, passaram a ter maior relevância política. A política de saúde substi- podem ser citadas a Revolu-
ção Russa, a Revolução Cul-
tuiu a política assistencialista que, até pouco tempo atrás, voltava-se preferencial- tural Chinesa e a Revolução
Cubana.
mente para o atendimento aos doentes e inválidos e hoje dedica-se ao conjunto da
população e ao combate ao câncer, à Aids e até mesmo ao tabagismo. Assim como
a política de garantia do mínimo vital tornou-se generalizada nos países ricos, o
4 Contra o acordo ou com-
binação entre empresas,
geralmente ilegal, com o objeti-
vo de restringir a concorrência
combate à fome nos países pobres passou a ser um caso de política internacional. e controlar os preços.
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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável
De certa forma, pode-se dizer que não foi o Estado que politizou o ambien-
talismo, mas o ambientalismo que se politizou gradativamente para alterar, ou ao
menos obter influência, sobre as formas tradicionais de governar e de atender às
demandas provocadas pelos problemas ambientais. A singularidade do ambien-
talismo, que alcança a sua maturidade na década de 1970, como apontam alguns
autores (LEIS, 1999, p. 117), reside na capacidade de articular fatores emocionais e
argumentos racionais, pensamento e ação, numa intensidade que outras mobiliza-
ções sociais raramente conseguem. Mesmo aqueles partidários do ambientalismo
que se consideram “apolíticos”, nem à esquerda nem à direita, mas à frente, cola-
boraram, talvez sem saber que eram portadores de uma nova visão e sensibilidade
da política, para a disseminação de ideias e valores verdes que propiciaram posicio-
namentos tanto nas escolhas pessoais como a mobilização de ações coletivas que
levaram a um crescente esverdeamento das políticas públicas.
Cabe observar, segundo Leis (1999, p. 118) que as ideias verdes ou o ambien-
talismo como expressão política não se referem à política partidária e à criação
de partidos verdes, embora estes partidos tenham sua importância política dentro
do movimento ambientalista, especialmente em alguns países, como a Alemanha.
Tanto é que os partidos verdes em geral não recebem grande quantidade de votos
em comparação com a adesão pública ao ambientalismo, nem são expressivos em
termos de influência sobre as políticas públicas ambientais, sobretudo em países
como o Brasil ou os Estados Unidos.
Outro fator preponderante para a premência de políticas ambientais é que o
ambientalismo e, sobretudo, a assimilação do que posteriormente seria chamado de
desenvolvimento sustentável incorporaram uma série de princípios à ideia de pre-
servação da natureza, muito mais amplos em termos de direitos e reivindicações.
Entre esses princípios, pode-se apontar, além da ecologia, a questão da responsa-
bilidade ou justiça social, a democracia direta ou participativa e a não violência.
O princípio da ecologia, de modo geral, engloba o conjunto de políticas voltadas
para a qualidade de vida ambiental que abranja a sustentabilidade da natureza e da
sociedade; o princípio da justiça social, que visa a atenuar os efeitos da economia
sobre a natureza e sobre os mais pobres, que indiretamente são levados a degradar
o ambiente para sobreviver; o princípio da democracia participativa, que emergiu
com os diversos movimentos dos anos 1960 e 1970 (além do ambientalismo, paci-
fismo, feminismo, direitos humanos, minorias étnicas etc.), que rejeitam o sistema
político existente e propugnam políticas participativas e descentralizadas. O lema,
cunhado nos anos 1970, “pensar globalmente, agir localmente” expressa essa des-
confiança no poder das políticas setoriais e centralizadas. O princípio da não
violência foi aplicado também como uma rejeição à política dominante, seja o viés 5 Os assuntos tratados na
Conferência de Estocol-
mo resultaram na Declaração
da violência revolucionária ou a violência capitalista e das diversas elites contra as sobre o Ambiente Humano e
produziu um Plano de Ação
classes populares. Assim, emerge paulatinamente, de um movimento considerado Mundial, com o objetivo de
influenciar e orientar o mun-
“apolítico”, uma nova teorização política, ou uma nova forma e um novo conteúdo do na preservação e melho-
do poder, como já dito aqui, que se opõem ao sistema político tradicional. ria do ambiente humano. As
grandes preocupações, den-
tre elas a poluição e a questão
No âmbito do Estado, cresceu o número de países que criaram instituições da chuva ácida na Europa, le-
varam à ampla reflexão sobre
e incluíram programas ambientais em suas agendas. Antes da Conferência da as questões políticas, sociais
Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano5, conhecida como e econômicas envolvidas.
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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável
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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável
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Estado e
ambiente no Brasil
Cynthia Roncaglio
A
o longo da sua história, durante vários séculos, o Brasil experimentou um desenvolvimento
baseado no crescimento econômico temporário: estoques de recursos naturais foram ex-
plorados à exaustão no que ficou conhecido como ciclos econômicos (pau-brasil, açúcar,
café), baseados em uma produção de monocultura agroexportadora que propiciou prosperidade
econômica às custas da devastação de grandes áreas florestais, apropriação criminosa de terras
públicas, exploração do trabalho escravo indígena e africano e, posteriormente, do trabalho dos
imigrantes europeus. Se nos períodos colonial e imperial essa forma de desenvolvimento foi con-
siderada inevitável, por razões ligadas ao processo histórico de colonização e dominação do ter-
ritório brasileiro, a partir do momento em que o Brasil se constituiu como uma nação, um Estado
soberano, sob o sistema de governo republicano, o desenvolvimento passou a ser imbuído dos va-
lores positivos de independência e autorrealização: o tradicionalismo daria lugar à modernização
e a nação brasileira se faria representar no concerto das nações civilizadas.
Apesar de ter continuado a exploração indiscriminada dos recursos naturais no decorrer da con-
solidação da República, surgiram várias instituições oficiais e não oficiais preocupadas em preservar
a natureza ou evitar sua total degradação. Dentre as entidades conservacionistas, destacam-se, por
exemplo, a Sociedade dos Amigos das Árvores (SP) em 1930; a Associação de Defesa da Flora
e da Fauna (SP), depois Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo (Ademasp) em
1954; e a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN-RJ) em 1958. No âmbito
das instituições governamentais, foram criados o Serviço Florestal (1921), o Instituto Nacional do
Mate (1938); o Serviço Florestal, responsável pelos parques nacionais (1944); o Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal – IBDF (1967), entre outros. No plano das normas e da legislação
visando à instauração de mecanismo de proteção e regulação do uso dos recursos naturais, foram
criados o Código Florestal Brasileiro (1934; 1965), o Código de Caça e de Pesca (1967), a Lei
de Proteção à Fauna (1969), o Código de Mineração (1968) e, somente em 1980, o Código das
Águas.
A legislação nacional, ao longo do século XX, contribuiu para a definição de critérios de pre-
servação da natureza por meio da criação da floresta nacional, de reservas biológicas, dos parques na-
cionais, das estações ecológicas e outras unidades de conservação como monumentos naturais, hortos
florestais, jardins botânicos e zoológicos (URBAN, 1998; FERREIRA, 1998).
Isso não foi suficiente, no entanto, para impedir, a depleção1 de recursos naturais considera-
dos infinitos pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil a partir da década de 1950. Esse
modelo, baseado na industrialização como uma das principais metas de crescimento econômico,
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Estado e ambiente no Brasil
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Estado e ambiente no Brasil
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Estado e ambiente no Brasil
questões ambientais terem obtido destaque na reunião dos sete países mais indus-
trializados do mundo, o Grupo dos Sete (G7)5, realizada em Paris.
Além disso, a Eco-92 mobilizou o movimento ambientalista local e vários
setores da sociedade no período que antecedeu a sua realização. Nas vésperas do
evento, o fórum brasileiro já tinha realizado sete encontros plenários nacionais
e contava com a filiação de 1 200 organizações (VIOLA, p. 50). A Eco-92 teve
como principais objetivos:
identificar estratégias regionais e globais para ações referentes às princi-
pais questões ambientais;
examinar a situação ambiental do mundo e as mudanças ocorridas depois
da Conferência de Estocolmo;
examinar estratégias de promoção de desenvolvimento sustentado e de
eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento.
O governo brasileiro, preocupado com a repercussão internacional das teses
discutidas na Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, determinou, ainda em
1992, a criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o objetivo de estru-
turar a política do meio ambiente no Brasil. Além de iniciativas de preservação da
Floresta Amazônica, outros projetos governamentais foram desenvolvidos, como,
em parceria com bancos nacionais e internacionais, os de despoluição ambiental
das águas dentre os quais se destacam baía de Guanabara, rio Tietê, baías Norte e
Sul de Florianópolis, rio Guaíba (Porto Alegre) e rio Iguaçu (Curitiba). Obras de
saneamento passaram a ocupar lugar central no orçamento das políticas públicas
de vários estados, demonstrando se não a consciência ambiental por parte dos
político pelo menos o reconhecimento da importância da questão ecológica para a
sociedade brasileira. Em outros tempos, os políticos afirmavam que investimentos
em redes de esgoto e saneamento básico não valiam a pena porque eram obras que
não apareciam, ou seja, canos e tubulações não davam votos.
Outros projetos e programas vêm sendo desenvolvidos em parceria com
ONGs, como o Projeto Biodiversidade do Brasil (Probio), que estuda todos os
grandes biomas brasileiros e o Programa Nacional de Biodiversidade (Pronabio),
que estabelece as diretrizes nacionais para o cumprimento das metas definidas na
Eco-92 para a biodiversidade. Em 2000, foi instituído pelo Decreto 3.420, de 20 de
abril, e lançado pelo governo federal em 21 de setembro, o Programa Nacional de
Florestas (PNF). Seu objetivo geral era “a promoção do desenvolvimento sustentá-
vel, conciliando a exploração com a proteção dos ecossistemas e a compatibilização
da política florestal com os demais setores de modo a promover a ampliação do mer-
cado interno e externo e o desenvolvimento institucional do setor”.
Envolvendo aspectos ambientais, sociais e econômicos do setor florestal bra-
sileiro, o PNF estipulava, entre seus objetivos específicos, o estímulo do uso susten-
tável de florestas nativas e plantadas; o fomento das atividades de reflorestamento,
5 São membros do grupo:
Alemanha, Canadá, Esta-
dos Unidos, França, Grã-Bre-
notadamente em pequenas propriedades rurais; a recuperação das florestas de tanha, Itália e Japão. A Fede-
ração Russa também participa
das reuniões do grupo, mas
preservação permanente, de reserva legal e áreas alteradas; o apoio às iniciativas não das discussões econômi-
econômicas e sociais das populações que vivem em florestas; a repreensão de des- cas. O G-7 tem como objetivo
coordenar a política econômi-
matamentos ilegais e da extração predatória de produtos e subprodutos florestais, ca e monetária mundial.
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Estado e ambiente no Brasil
Posicionamentos do Estado
brasileiro face à questão ambiental
Na década de 1970, o posicionamento do Estado brasileiro diante da questão
ambiental era ao mesmo tempo nacionalista e desenvolvimentista. Nacionalista por-
que, perante a política internacional e os seus respectivos acordos de cooperação, ti-
nha-se receio de invasão de interesses estrangeiros sobre as riquezas nacionais e uma
grande preocupação em manter a soberania nacional sobre o uso dos recursos naturais.
Ademais, conforme Ferreira (1998, p. 84), os “líderes nacionais não reconhecem que
a segurança da nação depende de estratégias de desenvolvimento ecologicamente sus-
tentáveis; ao contrário, o critério ambiental é subordinado aos interesses da segurança
nacional definidos militarmente”. Desenvolvimentista porque se baseava num modelo
de crescimento econômico em que a alocação dos recursos naturais, considerados
ilimitados, era dada como parte essencial desse desenvolvimento.
No decorrer da década de 1980, persistiu no Estado brasileiro, segundo Vio-
la (1996, p. 48), o predomínio de um “nacionalismo-conservador”, especialmente
em alguns setores fundamentais, como as forças armadas. Sobretudo após o co-
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Estado e ambiente no Brasil
Sob o ponto de vista Sob o ponto de vista ambiental, os conflitos de interesse são
ambiental, os conflitos inúmeros e o poder de negociação entre os atores sociais (ribei-
rinhos, seringueiros, indígenas, ambientalistas, associações de
de interesse
moradores, operários etc.) e protagonistas envolvidos (Estado,
são inúmeros. mercado e empresários) são prejudicados pelas desigualdades de
condições do controle social sobre os recursos naturais. Nesse sentido, ainda há um
longo caminho a ser percorrido, sendo necessário brotar novas formas políticas de
atuação e negociação dos diferentes atores sociais envolvidos para que os atuais pa-
drões desejados de sustentabilidade socioambiental possam ser alcançados.
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Estado e ambiente no Brasil
Conflitos socioambientais
(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 1997, p. 25-28)
Os conflitos entre interesses privados e interesses coletivos ou públicos relacionados aos pro-
blemas ambientais são conflitos sociais porque envolvem a natureza e a sociedade, mas acontecem
a partir de um tipo determinado de organização da sociedade. No exemplo dos agrotóxicos, o
conflito se dá entre o interesse do empresário em obter o maior ganho possível com a sua produção
e os interesses das pessoas que trabalham na empresa – e cuja saúde se encontra ameaçada pela
manipulação dos agrotóxicos –, das que vivem nas imediações e das que, vivendo nas cidades,
compram o que foi produzido para comer. No caso de Cubatão, estão em jogo os interesses da
indústria de transformação do petróleo contra os interesses da população pobre que mora nas
imediações e os dos próprios trabalhadores da refinaria.
O conflito surge mais claramente quando a comunidade de trabalhadores e/ou moradores
percebe que a empresa, a fábrica etc. está ganhando, enquanto a qualidade de suas vidas está se
deteriorando. Mas essa percepção pode não ser direta (o caso do comprador de legumes e verduras
nas cidades) nem imediata (o caso dos moradores de Vila Socó).
Existem conflitos de interesses que não são evidentes, ou explícitos. Nesse caso, as comuni-
dades são agredidas por um processo de degradação ambiental do qual elas não tomam consciên-
cia, ou do qual têm consciência, mas não conseguem relacionar de maneira direta com as práticas
de certos agentes sociais. Isso porque algumas alterações do meio ambiente não aparecem imedia-
tamente, ou não são percebidas à primeira vista.
Na Grande São Paulo, 83 mil toneladas de lixo perigoso são depositados irregularmente,
por ano, nos solos ou nas águas. A população que consome essas águas ou que vive próxima aos
depósitos sofre as consequências sem saber. Às vezes, ela só passa a saber quando aparecem os
primeiros sintomas de contaminação, sem que as verdadeiras causas sejam identificadas. Para
que as coisas não cheguem a esse ponto, é preciso que os órgãos públicos de fiscalização sejam
eficientes, ou que a própria população atingida exerça vigilância direta e reclame.
Durante 45 anos, uma empresa do ramo químico, no Rio de Janeiro, usou mercúrio em seu
processo produtivo, depositando os resíduos no subsolo da fábrica. Até que aparecessem várias
vezes os mesmos sintomas de doença na população que habitava os arredores da fábrica, ninguém
percebeu que havia riscos para a saúde naquele local.
A derrubada das matas nas bacias de rios, riachos e córregos e a implantação de grandes pro-
jetos de irrigação estão esgotando as nascentes e diminuindo o nível de água dos rios do norte de
Minas Gerais. A morte dos rios está obrigando as populações ribeirinhas a alterar suas atividades
econômicas, quando não a se mudarem.
Calcula-se que sejam despejados por dia, no rio Paraíba do Sul, 47 mil toneladas de esgoto
e de resíduos líquidos das indústrias. Cerca de 20 milhões de pessoas consomem a água que vem
desse rio. A maioria delas desconhece as condições da água que bebe.
A derrubada de árvores de floresta provocou, nos últimos 25 anos, uma queda no volume
anual das chuvas no Pará, aumentando o intervalo entre as chuvas. Os agricultores daquele
estado, que plantavam espécies de ciclo curto, foram obrigados a mudar suas rotinas de cultivo, já
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que não dispõem de água de chuva em volume suficiente. Mas esses agricultores não sabem por
que isso está acontecendo.
Nesses exemplos todos, comunidades urbanas e rurais foram vítimas de mudanças no meio
ambiente que alteraram suas condições de vida e de trabalho. Mas em geral essas mudanças não
são identificadas como problemas ambientais. As pessoas por vezes não percebem as ligações
entre a degradação ambiental e os efeitos que ela tem sobre suas atividades ou sua saúde.
Mas existem também conflitos explícitos e evidentes, quando a comunidade conhece o vín-
culo entre os danos causados ao meio ambiente e a ação de certas empresas.
Os pescadores da baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, atribuíram a mortandade dos peixes
aos despejos de minerais como sílica, ferro, zinco, cádmio e sulfato de cálcio por uma indústria
local e exigiram medidas que protegessem seu direito de pescar.
Nesse caso, os responsáveis procuraram mostrar que a contaminação era ocasional, que fora
resultado de um acidente. Mas, como no caso de Vila Socó, um acidente ambiental sempre é uma
demonstração de que há um risco permanente. Em Igarassu, Pernambuco, a má vedação de um ve-
ículo de carga intoxicou 108 pessoas. A empresa responsável alegou um acidente. Na verdade, ela
já havia sido multada por lançar resíduos tóxicos nos rios e por enterrar lixo químico de maneira
inadequada.
Poderíamos então chamar os conflitos que têm elementos da natureza como objeto e que
expressam relações de tensão entre interesses coletivos e interesses privados de conflitos socioam-
bientais. Em geral, eles se dão pelo uso ou apropriação de espaços e recursos coletivos por agentes
econômicos particulares, pondo em jogo interesses que disputam o controle dos recursos naturais
e o uso do meio ambiente comum, sejam esses conflitos implícitos ou explícitos.
Realize uma pesquisa em sua cidade para saber quais são os projetos ou programas de po-
líticas ambientais adotadas pelo município. Em grupo, discuta quais são os problemas e as
soluções encontrados para viabilizar tais projetos ou programas.
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Sociedade
e ambiente no Brasil
Cynthia Roncaglio
A força do ambientalismo
na sociedade contemporânea
O
s movimentos ambientalistas que surgiram no último quartel do século XX talvez sejam a
maior expressão da revitalização cultural que invade os quatro cantos do planeta e a indicação
de novos valores políticos, sociais, éticos e estéticos que orientam a sociedade contemporânea
e convidam para a criação de novas formas de interação entre sociedade, indivíduo e natureza. Mas não
é exclusividade do século XX a preocupação com a preservação da natureza, o sentimento de responsa-
bilidade em relação às outras espécies e o anseio por uma qualidade de vida mais saudável. Já no século
XIX, embora restritos às elites econômicas e culturais dos países dominantes, surgiram movimentos
preservacionistas que partiam tanto de elementos de uma aristocracia que se via dilapidada pela processo
de industrialização como de grupos políticos socialistas e anarquistas que acreditavam na utopia de uma
vida comunal em harmonia com a natureza e, ainda – de grande importância para a disseminação dos ide-
ais preservacionistas –, os escritores românticos que enalteciam o valor estético da “natureza selvagem”,
lugar da descoberta da alma humana, paraíso perdido, refúgio da intimidade, da beleza e do sublime
(CASTELLS, 1999, p. 148-153; DIEGUES, 1996, p. 23-25).
Foi sobretudo nos Estados Unidos da América do século XIX que surgiram correntes teóricas
defendendo duas posições distintas de proteção ao mundo natural, as quais influenciaram outros
países e futuras gerações acerca do tema. Uma é a corrente conservacionista, que pode ser sinte-
tizada na proposta de Gifford Pinchot, engenheiro florestal que criou o movimento de conservação
dos recursos baseado no seu uso racional. Fundamentalmente, Pinchot criticava o desenvolvimento
a qualquer custo e defendia o que hoje é conhecido como desenvolvimento sustentável: o uso racio-
nal pela geração presente, a prevenção do desperdício e o uso adequado dos recursos naturais para
benefício da maioria dos cidadãos. A corrente oposta, preservacionista, sintetizada na proposta de
John Muir, que criou a organização Sierra Club, em 1891, baseava-se na reverência à natureza tanto
no sentido espiritual como estético. A proteção da natureza se colocava contra a modernidade, a in-
dustrialização e a urbanização. Na história ambiental norte-americana, a diferença entre essas duas
correntes é geralmente sintetizada como a diferença entre conservação dos recursos e preservação
pura da natureza (DIEGUES, 1996, p. 30).
A partir daí, foram criadas diversas organizações que, independentemente de suas aborda-
gens e propostas de solução para os impasses ambientais, formaram alianças ao longo do século
XX em defesa da preservação da natureza mediante os rumos incertos e descontrolados da eco-
nomia, da política e das instituições contemporâneas.
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Sociedade e ambiente no Brasil
Entretanto, foi somente no final dos anos 1960 que os movimentos ambientalis-
tas ampliaram as suas fronteiras – antes restritas a alguns membros das elites econô-
micas, das universidades e de alguns entusiastas anônimos – para tornarem-se inte-
resse também das classes médias e populares, principalmente nos Estados Unidos,
na Alemanha e na Europa Ocidental. Nesse período, há uma grande efervescência
de ideias e acontecimentos que alimentam diversos tipos de movimentos sociais
como o pacifismo, o feminismo e o próprio ecologismo. A força do ambientalismo
nas décadas seguintes, em detrimento dos movimentos sindicais e de trabalha-
dores, movimentos de contracultura1 como o dos hippies, relacionados à questão
de gênero, à defesa de minorias étnicas ou movimentos pela paz não significa,
como sugerem alguns analistas, o esvaziamento ou a derrota desses movimentos
políticos e sociais. Esse argumento revela-se apenas parcialmente verdadeiro. O
que se percebe com mais frequência não é um desmantelamento de outros movi-
mentos sociais, mas um entrelaçamento dos interesses desses movimentos (eco-
feminismo, indígenas, povos da floresta etc.) e a percepção mais abrangente dos
valores éticos que norteiam a relação entre sociedade e natureza, tornando seu
enfoque mais complexo e mais amplo do que os movimentos desencadeados pela
sociedade moderna. Portanto, faz-se necessário considerar que não há um movi-
mento ambientalista, mas diversos e multifacetados movimentos ambientalistas se
Não há um movimento manifestam de diferentes formas e apresentam especificidades
decorrentes do contexto social e cultural em que surgem.
ambientalista, mas
diversos e multifacetados Alguns autores fazem inclusive uma distinção entre os
movimentos movimentos ecologistas e ambientalistas que surgiram a partir
ambientalistas. da década de 1960, na tentativa de agrupar e distinguir algumas
dessas especificidades. Manuel Castells (1999, p. 143-144), por
exemplo, compreende que o ambientalismo inclui “todas as formas de comporta-
mento coletivo que, tanto em seus discursos como em sua prática, visam a corrigir
formas destrutivas de relacionamento entre o homem e seu ambiente natural, con-
trariando a lógica estrutural e institucional dominante”. Quanto à ecologia, sob
a perspectiva sociológica, o autor entende que é “o conjunto de crenças, teorias
e projetos que contempla o gênero humano como parte de um ecossistema mais
amplo, e visa a manter o equilíbrio desse sistema em uma perspectiva dinâmica e
evolucionária”.
Já Enrique Leff (2001, p. 114) faz uma distinção em termos geográficos
desses movimentos, comparando os “ecologistas do Norte” aos “ambientalistas do
Sul”. O ecologismo dos países industrializados surgiu
[...] como uma ética e uma estética da natureza, como uma busca de novos valores que sur-
giriam das condições da “pós-materialidade” que produziria uma sociedade da abundân-
1 Segundo Castells (1999,
p. 147), contracultura é
toda tentativa deliberada de
cia, livre das necessidades básicas e da sobrevivência. São “movimentos de consciência”
que desejariam salvar o planeta do desastre ecológico, recuperar o contato com a natureza,
viver segundo normas diver- mas que não questionam a ordem econômica dominante.
sas e, até certo ponto, contra-
ditórias em relação às normas
institucionalmente reconhe-
Por sua vez, os movimentos ambientalistas dos países do Sul surgem da
cidas pela sociedade, e de se destruição da natureza em decorrência da usurpação das suas formas de vida e de
opor a essas instituições com
bases em princípios e crenças seus meios de produção. E, ainda,
alternativas.
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Sociedade e ambiente no Brasil
[...] são movimentos desencadeados por conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos;
são movimentos pela reapropriação social da natureza vinculados a processos de demo-
cratização, à defesa dos seus territórios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia po-
lítica e sua capacidade de autogerir suas formas de vida e seus estilos de desenvolvimento.
São movimentos que definem condições materiais de produção e os valores culturais das
comunidades locais.
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A criação de organizações
não governamentais ambientalistas
O crescente impacto que as atividades humanas geram na natureza e a per-
cepção da degradação ambiental em escala local e mundial deu origem não só
a movimentos de conscientização ecológica, com diferentes paradigmas de ra-
cionalidade ambiental, mas também a ações diversas com o objetivo de influir
na legislação, nas atitudes tomadas pelo Estado, pelos governos e pelo mercado.
Tais ações surgem de grupos ambientalistas organizados, na sociedade civil, que
passaram a usar a expressão organizações não governamentais (ONGs) nos anos
1960 e 1970. Em âmbito mundial, a expressão foi usada pela primeira vez pela
Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial, para
designar organizações supranacionais e internacionais que não foram estabeleci-
das por acordos governamentais.
A primeira ONG ambientalista internacional, a World Wildlife Fund
(WWF), foi criada em 1961, para dar apoio a uma outra instituição ambien-
tal científica, chamada International Union for Conservation of Nature and Na-
tural Resources (IUCN), que encontrava-se em dificuldades financeiras. Mas a
WWF acabou por enveredar por caminhos mais autônomos, menos subordinados
à IUCN. Em poucos anos, já havia formado bases na Inglaterra, Áustria, Estados
Unidos da América, Suíça, Holanda e Alemanha. Em dez anos, possuía base em
20 países (LEIS, 1999, p. 102). A WWF é uma organização de caráter eminen-
temente conservacionista, com projetos voltados para espécies individuais, áreas
virgens, educação ambiental etc.
Outra organização mundial importante é o Greenpeace. Fundado em Van-
couver, no Canadá, em 1971, e tendo sua sede transferida posteriormente para
Amsterdã, na Holanda, é provavelmente a organização mundial mais conhecida
pelas ações espetaculares e não violentas, orientadas propositadamente para cau-
sar impacto na mídia mundial sobre os problemas ambientais globais e pressionar
governos e empresas a tomarem iniciativas cabíveis diante das denúncias ou en-
frentarem a publicidade negativa em decorrência de suas ações prejudiciais ao am-
biente (CASTELLS, 1999, p. 150). O Greenpeace, segundo Castells, diferencia-se
da maior parte dos movimentos ambientalistas por três razões.
1.a Noção de urgência em relação ao iminente desaparecimento da vida no
planeta, inspirada na lenda de índios norte-americanos que diziam que
[...] quando a terra cair doente e os animais tiverem desaparecido, surgirá uma tribo de
pessoas de todos os credos, raças e culturas que acreditará em ações e não em palavras
e devolverá à Terra sua beleza perdida. A tribo se chamará Guerreiros do Arco-íris.
(EYRMAN; JANISON apud CASTELLS, 1999, p. 150)
2.a Coloca-se como testemunha dos fatos, tanto como princípio para a ação
como estratégia de comunicação.
3.a Adota uma atitude pragmática, do tipo empresarial. Agir é fundamental:
não há tempo para discussões filosóficas.
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Sociedade e ambiente no Brasil
tanto o uso de biocidas e pesticidas como a concentração de terra e renda nas zonas
rurais, com a consequente expulsão de milhares de trabalhadores do campo para as
cidades, gerando aumento de favelas e miséria nos grandes centros urbanos.
Em 1976, José Lutzemberger (que mais tarde seria ministro do Meio Am-
biente, no governo Collor) lançou o Manifesto ecológico brasileiro: o fim do futuro
(1976), representando dez organizações ecologistas. Semelhante ao discurso das en-
tidades preservacionistas norte-americanas e europeias, e influenciado pelo relató-
rio do Clube de Roma, esse manifesto atacava a tecnocracia2 brasileira, responsável
pelos grandes projetos, sobretudo os que começavam a ser implantados na Amazô-
nia, o militarismo, a sociedade do desperdício, o consumismo. Destacava, em con-
traposição ao modelo de colonização predatória, a relação entre homem e natureza
estabelecida pelas sociedades tradicionais, como as dos índios e dos camponeses.
Defendia ainda a criação de áreas naturais protegidas e criticava o abandono em
que estavam os poucos parques nacionais brasileiros. O manifesto propunha como
solução para os males da ideologia do progresso, seja de esquerda ou de direita, uma
sociedade que se assemelhasse ao funcionamento da natureza, homeostática, equi-
librada, de acordo com as leis naturais.
Em meados da década de 1980, com o fim da ditadura mili-
Em meados da década
tar e com o processo de redemocratização do país, desponta o eco-
de 1980, com o fim da logismo social (também denominado no Brasil como ambientalis-
ditadura militar e com o mo camponês) com uma crítica ao modelo de desenvolvimento
processo de redemocra- altamente concentrador de renda e destruidor da natureza, que
tização do país, desponta teve o seu apogeu durante os anos 1970 e foi conhecido como
o ecologismo social. “milagre econômico”. A grande destruição da Floresta Ama-
zônica por meio da construção de barragens, da destruição dos
seringais etc. propiciou a emergência de um ecologismo entre aqueles que lutam
por manter o acesso aos recursos naturais dos seus territórios, valorizam o extrati-
vismo e o sistema de produção baseado em tecnologias alternativas. O ecologismo
social é representado pelo Conselho Nacional de Seringueiros, Movimentos dos
Atingidos pelas Barragens, Movimento dos Pescadores Artesanais, movimentos
indígenas etc. Para esses movimentos de cunho social e ambientalista, é preciso
repensar a função dos parques nacionais e reservas ecológicas, incluindo os seus
moradores tradicionais (DIEGUES, 1999, p. 130).
Como se pode observar, o ambientalismo que emerge no Brasil é de cunho
conservacionista, voltado para proteção da natureza, não da sociedade. Em parte,
isso se deve aos vínculos e à influência, nos ambientalistas locais, dos movimentos
ambientalistas norte-americanos, mas deve-se também à própria compartimenta-
ção da ciência. Como a maioria dessas organizações são criadas por estudantes
ou cientistas, cabe (ou cabia) aos biólogos a defesa das plantas e dos animais; aos
antropólogos, a defesa dos índios; aos engenheiros, das bacias hidrográficas; aos
urbanistas, a defesa dos ambientes criados e assim por diante.
2 Tecnocracia: sistema de
organização política e
social fundado na suprema-
A complexidade da questão ambiental no Brasil começou a ser internalizada
pelos diversos atores sociais somente no final da década de 1990. E o diálogo é
cia de técnicos que buscam
apenas soluções técnicas ou
quase sempre tenso, não só pelas diferentes abordagens ideológicas existentes so-
racionais para os problemas, bre o tema mas sobretudo porque do ponto de vista econômico e político, e apesar
sem levar em conta aspectos
humanos ou sociais. de todos os discursos oficiais e oficiosos sobre sustentabilidade ambiental, o meio
98 ambiente ainda é visto como uma pedra no caminho do desenvolvimento. Somente
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Sociedade e ambiente no Brasil
99
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Sociedade e ambiente no Brasil
Com base no texto principal e no texto complementar, relacione os aspectos negativos e positi-
vos da constituição de ONGs para a preservação ambiental.
CAPOBIANCO, João Paulo R. (Coord.). Ambientalismo no Brasil: passado, presente e futuro. São
Paulo: IEA/Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, 1997.
VIOLA, Eduardo. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.1, n.3.
VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctor Ricardo. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-
92: o desafio de uma estratégia globalista viável. In: VIOLA, Eduardo et al. Meio Ambiente, Desen-
volvimento e Cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.
CAPOBIANCO, João Paulo R. (Coord.). Ambientalismo no Brasil: passado, presente e futuro. São
Paulo: IEA/Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, 1997.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: a era da informação – economia, sociedade e cultura.
Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1996.
LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis:
Vozes, 2001.
LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade con-
temporânea. Petrópolis/Florianópolis: Vozes/UFSC, 1999.
VIOLA, Eduardo. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. Re-
vista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 1, n.1.
VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctor Ricardo. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-
92: o desafio de uma estratégia globalista viável. In: VIOLA, Eduardo et al. Meio Ambiente, Desen-
volvimento e Cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.
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Ambiente urbano
e desenvolvimento
sustentável I
Cynthia Roncaglio
N
ão há uma definição única e simples do que seja a cidade, como surge,
quais são as suas formas e funções. Para Lewis Munford (1998, p. 9-36),
a origem das cidades ocorre fisicamente a partir das últimas fases da cul-
tura neolítica1 e é sustentada pela última grande fase da revolução agrícola, com
a domesticação dos cereais e a introdução da cultura do gado e da irrigação. No
entanto, segundo o autor, o germe da cidade pode ser detectado em um período
anterior e está relacionado a vários fatores de conteúdo social, religioso, econômi-
co e cultural. Entre esses fatores, pode-se assinalar, antes de tudo, a predisposição
do homem, assim como de outras espécies animais, para a vida social; depois, a
utilização de cavernas e os acampamentos como esconderijo e moradia ocasional;
mais tarde, a necessidade de estabelecer santuários, aldeias e povoamentos, locais
onde as finalidades espirituais e materiais levam ao surgimento das cidades – o
ponto de encontro cerimonial, para onde as pessoas voltam a intervalos determi-
nados e regulares por encontrarem, além de quaisquer vantagens naturais, certas
faculdades “espirituais” ou sobrenaturais, de significado cósmico, mais amplo
que os processos ordinários da vida.
A revolução agrícola – como é frequentemente chamada a transição que
durou cerca de cinco mil anos, efetuada pelos seres humanos que sobreviviam da
coleta, da caça e do pastoreio, para a agricultura – baseava-se na colonização e do-
mesticação de plantas, animais, homem e paisagem natural. Essa transição impli-
ca duas mudanças significativas para o surgimento das cidades. A primeira delas
é a permanência e a continuidade da residência: os homens combinam a ocupação
de um espaço e sua fixidez, o que implica inclusive uma crescente valorização da
sexualidade e da reprodução com intervalos de mobilidade para a caça e a coleta 1 Neolítico ou Idade da
Pedra Polida: o final do
período neolítico é também
e outras atividades. A segunda mudança é o crescente exercício do controle e a chamado de Proto-história.
previsão dos processos antes sujeitos aos caprichos da natureza, como a utilização Os vestígios mais antigos até
hoje encontrados nas regiões
e o cuidados com o plantio de sementes, o acompanhamento do crescimento das onde atualmente situa-se o
Iraque, a Palestina e a Tur-
árvores, a criação dos animais e assim por diante. quia remetem a 8.000 a 5.000
anos a.C. o fim do período
Jacques Le Goff (1998, p. 9-21), por sua vez, considera que há muito mais neolítico, remetendo também
ao início do uso dos metais,
semelhanças entre as funções da cidade medieval e a cidade contemporânea (ape- sendo o cobre o primeiro a
ser utilizado.
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I
sar das grandes transformações destas) do que daquela com a cidade antiga. As
funções e os monumentos das cidades antigas não podem ser comparados aos das
cidades medievais, segundo Le Goff, por algumas razões: o templo foi substituído
ou reutilizado pela Igreja. E com a Igreja surge o sino (e o campanário), que servirá
de ponto de referência da cidade, a partir do século VII no Ocidente, sendo em par-
te responsável por uma nova forma de marcar e perceber o tempo; os anfiteatros e
o estádio deixam de existir ou de apresentar a utilidade que tinham anteriormente,
seja porque o cristianismo ocidental não admite mais o circo, seja porque os espor-
tes assumem novas e diferentes formas; as termas onde as pessoas se lavavam nas
cidades antigas são abandonadas por novas formas de relação com o corpo, com a
higiene e com novas formas de sociabilidade, preferindo-se fazer a higiene pessoal
no âmbito privado e mais tarde em estabelecimentos especiais, como as saunas; as
praças também mudam de função, não são mais lugares onde os cidadãos se reú-
nem para discutir os assuntos de interesse público. Em geral, na cidade medieval,
os assuntos e negócios públicos ou privados, quando discutidos em conjunto, serão
debatidos em lugares fechados, frequentemente nas dependências da igreja.
A cidade medieval e a cidade contemporânea se assemelham porque a cida-
de medieval é um espaço concentrado onde as pessoas se encontram motivadas
por interesses diversos e, como bem representa Le Goff (1998, p. 25),
[...] um lugar de produção e de trocas em que se mesclam o artesanato e o comércio ali-
mentados por uma economia monetária. É também o cadinho de um novo sistema de
valores nascidos da prática laboriosa e criadora do trabalho, do gosto pelo negócio e pelo
dinheiro. [...] Mas a cidade concentra também os prazeres, os da festa, os dos diálogos na
rua, nas tabernas, nas escolas, nas igrejas e mesmo nos cemitérios.
[...] os ecologistas foram, mais que outros, nos anos 1970, progressivamente fantasiados
de [...] valores negativos, imediatamente após os camponeses. Sua crítica da agricultura
industrial, do recurso maciço às energias fósseis, da sociedade de consumo e, mais
geralmente, do produtivismo, sua defesa das culturas locais, dos “interiores” e das pai-
sagens, das atividades “autônomas”, do auxílio mútuo e das relações de vizinhança, seu
interesse, enfim, pelas comunidades pós-68 levaram-nos a serem vistos como represen-
tantes de um neorruralismo nostálgico e reacionário.
Problemas urbanos
Os problemas enfrentados pelas cidades têm se alterado ao longo da his-
tória. A partir do século XIX, observam-se melhorias na saúde dos seres hu-
manos e ao mesmo tempo deterioração do ambiente. No início do século XX,
mudanças socioeconômicas e técnico-sanitárias tornaram possível o transporte
de resíduos para as áreas rurais, no entorno das cidades, e novas ideias urbanís-
ticas provocaram a adoção de um zoneamento funcional, conforme assinalou,
em 1933, a Carta de Atenas3. Isso força muitas indústrias a se localizarem longe
de áreas residenciais e os problemas ambientais locais/urbanos passam a atingir
proporções regionais, alterando, inclusive, a noção de espaço urbano. Ou seja,
o espaço urbano não é constituído apenas pelos limites político-administrativos
de uma cidade, mas também abrange o espaço social e geográfico (incluindo o
rural) que permite a produção e o desenvolvimento da cidade.
Em muitos países desenvolvidos, esse fato fez da questão ambiental das
cidades um problema não mais aparente – as cidades sob essa nova condição
3 Carta de Atenas – As-
sembleia do Congresso
Internacional de Arquitetura
urbanística parecem ter eliminado os impactos negativos sobre o seu ambien-
Moderna (Ciam), Atenas, te (poluição industrial, resíduos industriais e hospitalares, sub-habitações etc.).
novembro de 1933. O zonea-
mento funcional, conforme Diante do processo de globalização, unindo mercados e transformando a pro-
conclusões obtidas nesse
evento, deve harmonizar dução e o consumo em fatos espacialmente distintos, os impactos ambientais
as quatro funções-chave da
cidade: habitar, trabalhar, tornaram-se ainda maiores. Essa mudança tem feito dos problemas ambientais
recrear-se (nas horas livres),
circular.
urbanos algo de difícil percepção, ou melhor, eles passam a ser mais facilmente
observáveis fora dos limites das cidades.
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I
SANTOS, Milton. Ensaios sobre a Urbanização Latino-Americana. São Paulo: Hucitec, 1982.
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos de Pensamento sobre a Cidade. Ihéus: Editus,
1999.
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I
ALPHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O Equívoco Ecológico: riscos políticos
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LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Edunesp,
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cas públicas e cidadania. Desenvolvimento e Meio Ambiente: cidade e ambiente urbano. Curitiba,
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MUNFORD, Lewis. A Cidade na História: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo:
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SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. 14. ed. São Paulo: Contexto, 1998.
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1999.
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Letras, 1989.
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Ambiente urbano e
desenvolvimento sustentável II
Cynthia Roncaglio
Transformações urbanas
A
s cidades, em especial as metrópoles, têm passado por grandes transformações nos últimos
200 anos. A modernidade e os princípios de racionalidade que as sustentaram tiveram reflexos
sobre os planos urbanos, o desenho da cidade e como ele foi traçado em decorrência das rela-
ções de poder que se configuraram sob a égide da regulação do Estado-nação, da atuação do mercado
e da intervenção técnica que, aliada à ciência, realizou e ainda realiza reformas urbanas e projetos
urbanísticos que transformam a natureza e a identidade dos cidadãos que habitam a cidade.
A urbanização, sob o ponto de vista histórico, tem um sentido mais amplo que o utilizado, por
exemplo, na geografia. Para essa disciplina, a urbanização surge, em geral, com a industrialização e,
portanto, relacionada ao crescimento populacional e à aglomeração habitacional num determinado
tempo e espaço. Entre os historiadores, entretanto, é comum se referir, por exemplo, ao processo de
urbanização das cidades brasileiras do início do século XX – as quais só experimentariam a indus-
trialização efetivamente a partir dos anos 1950. A utilização mais flexível do conceito de urbanização
deve-se ao fato de que, independentemente do grau de industrialização, os espaços urbanos das cida-
des oitocentistas da Europa ou das cidades brasileiras do final do século XIX e do início do século XX
experimentaram alterações crescentes no ritmo das suas atividades, na sua densidade populacional,
na intensidade com que circulavam as mercadorias, nas alterações físicas do seu ambiente. A esses
aspectos visíveis, soma-se o imaginário de seus cidadãos, o qual, para além das condições materiais
da sua existência, forjam representações – ideias e valores – sobre o espaço em que vivem e projetam,
motivados pelo passado e pelo presente, o futuro que desejam. Para os historiadores, isso também é
relevante para compreender o processo de urbanização.
Quando se fala em urbanismo, em geral está-se referindo mais ao mundo das representações so-
ciais interagindo com o espaço físico da cidade e desta interação entre sociedade e natureza extraem-se
linhas, traços, ângulos que constituem os planos, projetos e ações de planejamento e intervenção urbana.
Em síntese, teoricamente, a urbanização é o processo em que se desenrolam as interações das atividades
humanas com as não humanas e o urbanismo é a concepção, historicamente determinada, de como se
deve realizar essa interação. Na prática, como se verá aqui em alguns exemplos, esses termos e as vivên-
cias decorrentes deles se confundem e se confluem na produção da cidade.
O paradigma da racionalidade moderna buscou tornar viável a igualdade social, conjugando
urbanização e urbanismo. Tal busca de uma racionalidade global evidencia-se, por exemplo, nos
planos de zoneamento urbano, que racionalizam as atividades individuais e coletivas e definem sua
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II
Práticas de sustentabilidade
urbana em cidades brasileiras
A maioria das cidades A maioria das cidades brasileiras tem enfrentado um proces-
brasileiras tem enfrentado so de crescimento acelerado e desordenado ao longo da sua his-
um processo de tória e isso contribui para a tendência negativa de urbanização
como carência de infraestrutura, degradação ambiental e segre-
crescimento acelerado
gação socioespacial. Esses fatores refletem-se substancialmente
e desordenado. na qualidade de vida dos seus habitantes e usuários, sobretudo
da população mais carente. A insustentabilidade do ambiente urbano se apresen-
ta, portanto, não só em decorrência da incapacidade das cidades para exercerem
satisfatoriamente as suas funções estruturais urbanas, relacionadas à habitação,
circulação, trabalho e recreação, mas também no que se refere aos impactos das
transformações de uso e ocupação do solo, densidade populacional e relações so-
ciais de produção do ambiente urbano que geram desigualdades evidenciadas, por
exemplo, nas “ilhas de riqueza e bolsões de miséria” (PEREIRA, 2001, p. 33-39).
Assim, a diferenciação socioeconômica é acentuada pela diferenciação
espacial. Pode-se observar isso nos investimentos feitos em melhoria da infra-
estrutura nos espaços onde já se dispõe de condições muito boas ou razoáveis
em detrimento daqueles onde os investimentos são raros ou inexistentes. Desse
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II
Dessa forma, tudo aquilo que não foi prevenido ou controlado a tempo (ocupação
desordenada do solo, crescimento populacional, periferização) tomou grandes di-
mensões na década de 1990.
O ambiente urbano de Curitiba, comparado a metrópoles nacionais como
Rio de Janeiro e São Paulo, apresenta ainda um caráter reversível. Mas o recente
boom de shopping centers construídos nas regiões centrais da cidade, o incentivo
à instalação de indústrias internacionais de automotores, a migração de novos
contingentes populacionais1 e a pressão do mercado imobiliário sinalizam um
crescimento econômico desvinculado de uma política ambiental consequente,
embora seja enfatizada pela mídia local, e difundida em âmbito nacional, a ima-
gem de uma “Curitiba ecológica” – combinação entre a satisfação das exigências
humanas e um meio ambiente urbano saudável.
Parece haver, portanto, duas imagens (reais) concorrentes e antagônicas so-
bre Curitiba. Uma é a da cidade que progride, oferecendo novos equipamentos e
serviços de infraestrutura para a população – enxerga-se apenas parcialmente os
problemas ambientais (poluição do ar e sonora, congestionamentos de tráfego e,
conforme as estações e o lugar, as enchentes). A outra é a da cidade cuja mancha
urbana não se distingue muito bem dos arredores mal cuidados, das habitações
precárias, do esgoto a céu aberto, dos córregos usados como lixeira. Nesta ima-
gem, todos os problemas ambientais são visíveis.
Em setembro de 1990, durante o Congresso Mundial de Autoridades
Locais para um Futuro Sustentável, Curitiba recebeu o prêmio, considerado
o Oscar do Meio Ambiente, oferecido a programas e políticas sobre o geren-
ciamento de recursos sólidos – o lixo no contexto do planejamento urbano.
Certamente, a partir dos anos 1970, as administrações municipais, como as
de Jaime Lerner e Maurício Fruet, contribuíram para “institucionalizar”, por
exemplo, o ofício dos catadores de papel – intermediários entre os compra-
dores do “lixo que não é lixo” e as empresas de reciclagem. Os catadores, até
então parcela considerável dos subempregados, ganharam um certo respeito
da população, guiando seus carrinhos de madeira, às vezes com o auxílio
de um cavalo, na maioria empurrados por homens, mulheres e seus filhos.
Muitas vezes, a família se lança em uma viagem a pé, de dia ou de noite,
carregando nos ombros toneladas de lixo reciclável. O habitante apressado
da grande Curitiba parece, no entanto, já não ter mais paciência com os en-
garrafamentos causados pelos catadores, nem estes parecem ter melhorado a
sua qualidade de vida nos últimos anos. De qualquer modo, o prêmio deve 1 É interessante ressaltar
que, na década de 1990,
a migração não é motiva-
ter levado em consideração, entre outros fatores, a comparação com outras da pela expulsão do campo
(como ocorria 1950), pela
grandes cidades e o fato de se “resolver” simultaneamente um problema socio- industrialização e a terceiri-
zação (como em 1970-1980),
ambiental e a integração social dos catadores e a “conscientização” e a colabo- mas principalmente, além
dos fatores socioeconômi-
ração da população para o problema do lixo. Há, no entanto, sérios problemas cos, pela ampla divulgação
publicitária, em âmbito na-
que ainda não foram bem resolvidos, referentes tanto à extensão dos benefícios cional, das vantagens de se
da coleta de lixo para a população da região metropolitana de Curitiba quanto ao morar em Curitiba, “a Capi-
tal ecológica”, de “primeiro
tratamento final de resíduos hospitalar e industrial. mundo”, “da qualidade de
vida”. Sobre a construção da
imagem urbana, ver artigo de
Fernanda Garcia (1997).
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II
A administração pública da época deu ênfase aos parques e áreas verdes do mu-
nicípio, buscando integrar uma atividade de preservação, por meio da conscientização
da população, em torno da importância desses espaços e da necessidade do seu apro-
veitamento comunitário. A Secretaria de Serviços e Obras ficou responsável por essa
atividade também. A manutenção e o controle dessas áreas era a principal atribuição
do órgão. Essa secretaria também coordenou programas de educação ambiental infor-
mais, promovendo trabalhos de sensibilização junto à comunidade em áreas públicas.
Em relação aos problemas ambientais, a Secretaria de Habitação desenvolveu ativi-
dades relacionadas à problemática de urbanização de favelas, enfatizando problemas
de saneamento básico e esgoto, além dos problemas vinculados aos altos índices de
precipitações que provocaram enchentes e desmoronamentos de grande repercussão.
A prefeitura dedicou-se mais especificamente aos problemas das encostas, encami-
nhando pessoal técnico que fiscalizava as zonas de risco.
Em suma, o que Ferreira procurou destacar é que por um lado, frente às
demandas ambientais e em decorrência dos graves problemas socioambientais de
São Paulo, a Assessoria criada não teve a eficiência necessária e faltaram meca-
nismos de participação popular mais eficientes. Entretanto, no que pese a falta
de importância política da questão ambiental em meio às prioridades da admi-
nistração municipal, foi possível realizar alguns trabalhos, mobilizando órgãos
municipais, ONGs e população em torno de um projeto comum. A criação, em
momento posterior, de uma Secretaria Municipal do Meio Ambiente, assim como
o Condema, por si só não garantem a otimização de políticas públicas ambientais
de âmbito municipal. Faz-se necessário, de qualquer modo, o diálogo permanente
com os diversos atores sociais envolvidos na gestão urbana, inclusive com os ór-
gãos das esferas estadual e federal, com os quais surgem ocasionalmente conflitos
de caráter legal, administrativo ou mesmo político.
No caso do período analisado, o que surpreende, segundo Ferreira (1996,
p. 156), é a dificuldade para se implantar uma política municipal de meio am-
biente em uma metrópole como São Paulo, uma “cidade globalizada”, que dispõe
de recursos técnicos e humanos para tal, universidades altamente qualificadas,
uma classe média intelectualizada que tem uma consciência ecológica refinada:
mesmo assim, a questão ambiental teve papel secundário, como se os problemas
“prioritários” não estivessem vinculados ou fizessem parte do processo de degra-
dação ambiental da metrópole.
Entre os principais fatores relacionados à degradação ambiental urbana estão a água, o lixo
e o transporte. Faça uma lista de atitudes pessoais que podem colaborar para diminuir esses
problemas ambientais.
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II
GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1997.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica-tempo, razão-emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
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Ambiente rural e
desenvolvimento sustentável I
Cynthia Roncaglio
O mundo rural
É
quase impossível pensar as transformações do mundo rural sem considerá-lo em contra-
posição ao mundo urbano. Sobretudo a partir do século XIX, com a Segunda Revolução
Industrial na Europa, ocorreu um grande afluxo de trabalhadores do campo para as cidades.
Especialmente entre os trabalhadores de grandes propriedades, temporários e mal pagos, a cida-
de representava a chance de novas e melhores condições de vida.
Mesmo para aqueles que ficaram no campo, nas relações de trabalho ocorreram transformações
decorrentes do modo de produção capitalista. Além da crescente falta de mão de obra campesina,
as grandes propriedades exigiam um método mais complexo de controle e organização da produ-
ção agrícola e trabalhadores assalariados mais qualificados, diferentemente da pequena propriedade
camponesa, controlada e administrada pela unidade familiar com mais domínio dos processos de
trabalho e menos perdas e depredações dos produtos agrícolas. Diante dos problemas colocados pelas
impessoais relações de produção capitalistas, que substituíram as relações de compromisso e enga-
jamento das sociedades feudais, a saída para enfrentar a escassez de mão de obra foi reduzir ao mí-
nimo esta necessidade e investir na monocultura, na qual as operações agrícolas eram simplificadas
(ROMEIRO, 1992, p. 217). Com o processo de mecanização e expansão da monocultura, investe-se
cada vez mais em uma mão de obra barata, pouco qualificada e transitória. Portanto, naquele período,
a industrialização causou alterações profundas na forma de viver dos camponeses, muita pobreza e
desmoralização da vida camponesa.
Tais circunstâncias e o desenvolvimento das sociedades A vida rural, a ligação
industrializadas levaram à produção de discursos variados sobre com o solo e
a cidade e o campo. Num primeiro momento, o processo de in- o enraizamento
dustrialização e urbanização provocou uma rejeição da vida no
significavam
campo. A exaltação da razão, da ciência e da técnica vinha acom-
uma vida obscura,
panhada de uma exaltação das cidades e da vida urbana, fermento
de todas as novidades, da mobilidade social, da liberdade. A vida sedentária, imóvel.
rural, a ligação com o solo e o enraizamento significavam uma vida obscura, sedentária, imóvel, presa
às tradições e à comunidade local, na qual não havia espaço para a individualidade e a autonomia.
Mas, diante dos crescentes problemas em decorrência da vida nos centros urbanos, expressos com
mais contundência no século XX, e marcados até então pelo afastamento da terra e pelo desenraiza-
mento, surge uma necessidade de ligação com a terra e reenraizamento e também uma idealização
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
va-se basicamente de uma rotação pedológica, que consiste em plantar uma única
cultura em uma grande área até o esgotamento da terra pela erosão. Partia-se então
para a ocupação de uma nova área virgem. A monocultura do café é um exemplo
disso: iniciada no Rio de Janeiro no século XIX, ela se estendeu até o noroeste do
Paraná um século depois, deixando um rastro de terras degradadas. Exemplo mais
recente é a monocultura da soja, que apresenta semelhante perfil de amplitude
geográfica e alcance de devastação ambiental (ROMEIRO, 1992, p. 220).
A riqueza e o poder social estiveram, portanto, desde o início da ocupação
do território brasileiro, concentrados nas mãos de senhores de engenho, usineiros
ou fazendeiros que estabeleceram (e em certas regiões ainda mantêm) uma relação
de hierarquia e desigualdade social que caracteriza a origem de vários conflitos no
campo, existentes até hoje.
Diante da pressão internacional pelo fim da escravidão e o incentivo dado
a políticas de imigração que substituíssem o braço escravo (negros e índios), ocu-
passem os “vazios demográficos” e possibilitassem o “branqueamento” da popu-
lação (ideologia que teve forte penetração na região Sul – Paraná, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul), a questão social foi ignorada, apontando para a tendência da
elite brasileira para ver as questões socioeconômicas em termos exclusivamente
legais, em vez de percebê-la em termos estruturais ou de classes sociais (SKID-
MORE, 2000, p. 104). Ou seja: as relações sociais no campo permaneceram du-
rante longo tempo sob o controle de grandes proprietários de terra (latifundiários).
O desenvolvimento do campesinato só ocorreu em áreas periféricas ou marginais
à “grande lavoura”, por influência dos imigrantes europeus, que estabeleceram
sistemas de pequenas propriedades familiares voltadas para a subsistência e para
o mercado consumidor interno.
Até 1930, o Brasil continuou a ser um país predominantemente agrícola.
Conforme o censo de 1920, havia 9,1 milhões de pessoas em atividade, sendo que
6,3 milhões (69,7%) se dedicavam à agricultura; 1,2 milhão (13,8%), à indústria; e
1,5 milhão (16,5%), aos serviços. A partir daí, o excedente de capital acumulado
pela cafeicultura (principal produto de exportação) e o financiamento estrangeiro
favoreceram o desenvolvimento das indústrias nacionais e do comércio urbano e
a modernização das cidades (FAUSTO, 2000, p. 97-130). Em 1940, 70% da popu-
lação brasileira ainda viviam no ambiente rural. Quarenta anos depois, 70% da
população viviam, ao contrário, nas cidades.
O inchaço das cidades se deu, sobretudo, a partir década de 1970, quando
os países desenvolvidos fizeram grandes investimentos em países em desenvolvi-
mento. Recursos financeiros exteriores foram deslocados para o estabelecimento
de indústrias de bens de consumo e indústrias de bens de capitais no Brasil. A
agricultura, incentivada pela industrialização, passou a ser mecanizada e aumen-
taram as áreas de pastagem, voltadas para a criação extensiva, expulsando grande
quantidade de trabalhadores para as grandes cidades, em busca de novas oportu-
nidades, principalmente com a instalação de indústrias nos grandes centros. Em
2000, apenas 22% da população residia no espaço rural.
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
Desenvolvimento territorial
sustentável: uma nova abordagem
Como se destacou anteriormente, há novos olhares sobre o meio rural,
ou seja, nas últimas décadas há uma emergência de novas ruralidades. O que
isso significa? Entre os principais significados, está o fato de que o rural já não
pode mais ser visto somente como o lugar da produção agrícola, ou seja, o rural
não é somente o espaço onde se produzem os alimentos, a matéria-prima da
agroindústria. O rural não é somente um setor produtivo, conhecido como setor
primário: é muito mais do que isso, sendo cada vez mais valorizado como o espa-
ço do ambiente natural (nele é que estão as principais áreas de preservação e con-
servação ambiental, como as distintas unidades de conservação, os mananciais
de águas, fundamentais para o abastecimento das populações urbanas e rurais),
como um lugar de lazer (onde predomina a valorização da estética, da paisagem
cênica, da qualidade do ar, das sensações de tranquilidade e de silêncio), como
um lugar que guarda formas diferentes de se viver (cada vez se busca conhecer
mais ou se reencontrar os modos de vida característicos das populações rurais por
aqueles que vivem nas cidades, seja pelas lembranças que trazem, seja pela busca
de uma outra qualidade de vida).
Se o rural for visto sob o ponto de vista da produção, perceber-se-á que
os grandes conflitos que persistem no ambiente rural brasileiro tem a ver, en-
tre outros fatores, com as disparidades existentes entre a produção agrícola para
exportação e a que atende o mercado interno. As lavouras pequenas e voltadas
basicamente para o mercado interno sofrem com as altas taxas de juro, que invia-
bilizam financiamentos e investimentos, e pela própria abertura comercial, que
oferece produtos importados, inclusive tradicionais, como arroz, milho e feijão,
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
Os atores do
desenvolvimento rural sustentável
A partir do final da década de 1970, aumentou o número de manifestações
no campo, o que representa pluralidade de atores sociais e diversidade de interes-
ses coletivos. A atitude de indignação e insatisfação face às condições de vida e
aos caminhos da economia e das políticas públicas são expressas nos boicotes e
bloqueios de estradas pelos trabalhadores rurais (criadores de suínos, plantadores
de soja etc.) que exigem melhor política agrícola e fixação de preços mínimos; nas
greves de assalariados e boias-frias (cortadores de cana e picadores de laranja) pela
melhoria de salário e das condições de trabalho; pelos acampamentos e passeatas
dos trabalhadores rurais sem-terra que lutam por uma reforma agrária imediata;
no movimento das mulheres agricultoras que reivindicam direto à sindicalização
e à previdência social (SCHERER-WARREN, 1990, p. 209-210).
Todos esses movimentos marcam uma nova época do sindicalismo no
campo, que se opõe ao sindicalismo assistencialista que predominou historica-
mente até então no Brasil. Trata-se de um sindicalismo combativo, que se une
a outros movimentos sociais e a movimentos ecológicos e de defesa do meio
ambiente, assumindo proporções regionais, nacionais e até mesmo internacio-
nais. Dentre esses movimentos, destacam-se os de agricultores que foram atingi-
dos por barragens e lutam por indenização justa ou tentam impedir a construção
de tais obras, sob o argumento de não ser possível garantir a reprodução do seu
grupo social em outras terras que não aquelas onde criaram raízes e estabele-
ceram sua identidade cultural; o movimento dos indígenas que foram atingidos
por grandes obras como barragens e rodovias e lutam pela manutenção de suas
terras, sua comunidade e identidade étnica; o movimento dos seringueiros que
defendem a preservação das reservas extrativistas e de um modo peculiar de se
relacionar com a Floresta Amazônica; o movimento de gênero4 que luta pelo
reconhecimento e a valorização do papel da mulher na agricultura familiar, não
só como “ajudante” na unidade de consumo (parte da produção voltada para a
subsistência da família) mas também como coadjuvante na unidade de produção
4 O conceito de gênero
parte do pressuposto de
que as desigualdades entre
(parte da produção voltada para o mercado).
homens e mulheres não são De modo geral, até pouco tempo atrás, entre as populações rurais, não havia
dadas biologicamente, mas
sim construídas socialmente, uma grande penetração da consciência ecológica, que se tornava relevante apenas
a partir das definições esta-
belecidas do que sejam os quando se colocava de algum modo em risco a sobrevivência do grupo. Espe-
papéis masculinos e femini-
nos. Como as desigualdades
cialmente entre os agricultores familiares, a consciência ecológica é despertada
entre homens e mulheres quando, por exemplo, o uso de agrotóxicos coloca em risco a sua própria saúde.
não são determinadas pela
natureza, as relações sociais Mesmo assim, há aqueles que continuam a utilizá-los indiscriminadamente, para
entre os gêneros construídas
historicamente podem ser obter um aumento da produção e garantir a competitividade no mercado. Ou seja,
modificadas.
a luta pela sobrevivência econômica obscurece possíveis lutas pelas condições de
saúde e do meio ambiente (SCHERER-WARREN, 1990, p. 212).
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
Discuta e elabore em grupo um quadro comparativo entre cidade e campo (aspectos positivos e
negativos de cada um) e compare com as visões correntes apontadas no texto.
O cântico da terra
(Cora Coralina)
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.
GRAZIANO, Francisco. A tragédia da terra: o fracasso da reforma agrária no Brasil. São Paulo:
Iglu/Funep/Unesp, 1991.
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Ambiente rural e
desenvolvimento sustentável II
Cynthia Roncaglio
N
as sociedades industrializadas ou em processo de industrialização crescente, sobretudo a
partir dos anos 1950, o sistema de produção adotado na agricultura baseou-se fundamental-
mente no modelo agroquímico, isto é, no uso de conhecimentos científicos e tecnológicos
voltados para maior produtividade dos recursos agrícolas em menor tempo e com menos custos. A
agricultura intensiva, que ficou conhecida como revolução verde, baseia-se no uso intensivo de
maquinários e insumos químicos sintéticos como fertilizantes, pesticidas e herbicidas e no uso
de extensas áreas de produção. Esse sistema desenvolvido primeiramente nos Estados Unidos da
América e, nas décadas seguintes, expandido para outras regiões como Europa, Ásia e América
Latina, apresentou por um lado um aumento significativo na produção e na produtividade por
área, possibilitando em vários casos conciliar aumento da produção agrícola e crescimento po-
pulacional. Por outro lado, a promessa de que a revolução verde acabaria com a fome nos países
do Terceiro Mundo não se concretizou. Além disso, do ponto de vista ambiental, tais métodos de
produção causam problemas aos ecossistemas agrícolas (solo, água, florestas e fauna) e à saú-
de dos seres humanos, que, em contato direto ou indireto com os produtos químicos utilizados
para a produção de alimentos, vêm desenvolvendo uma série de doenças. Afora esses fatores, a
mecanização da agricultura expulsou a população do campo e/ou excluiu aqueles que vivem da
agricultura familiar.
Os questionamentos sobre essas práticas agrícolas e os efeitos negativos que elas podiam
ter sobre os seres humanos e sobre o ambiente existem desde o século XIX. Havia cientistas, téc-
nicos e produtores que discordavam do processo de industrialização que tomava conta do campo,
discordavam do uso de fertilizantes químicos sintéticos e pregavam o uso de biofertilizantes e a
produção controlada por pequenos agricultores que usavam técnicas de rotação de culturas e per-
mitiam ao solo o descanso necessário para obter a sua regeneração. Entre 1920 e 1950, surgiram
diversos movimentos de defesa da agricultura sustentável (embora o termo sustentável só tenha
sido disseminado posteriormente) em várias regiões do planeta e sob nomes diversos: agricul-
tura biodinâmica na Alemanha; as bases da agricultura orgânica, na Índia, na Inglaterra e nos
Estados Unidos; agricultura biológica na Suíça e na França; agricultura natural no Japão; e
permacultura na Austrália.
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
Agroecologia
A agroecologia, ou agricultura alternativa, é uma ciência que propõe um
novo paradigma científico para o desenvolvimento da agricultura. Ao contrário
das agriculturas industrial, agroquímica ou biotecnológica, voltadas para os in-
teresses comerciais das empresas transnacionais, a agroecologia se baseia não
somente nos métodos e técnicas da ciência moderna, mas também na etnociência,
ou seja, no conhecimento adquirido ao longo do tempo pelos próprios agriculto-
res. O desenvolvimento inicial da agroecologia se deu na década de 1930, quando
pesquisadores já alertavam sobre os equívocos do modelo convencional de pro-
dução agrícola (uso de insumos químicos, alta mecanização das lavouras, entre
outras práticas). A partir da análise das relações complexas entre a agricultura e
os ecossistemas e de estudos sobre sistemas de produção das populações campo-
nesas e indígenas na América latina, desenvolveu-se a concepção de etnociência,
que é uma combinação de saberes que tem como resultado a adoção de uma série
de princípios que se transformam em modos tecnológicos que culminam no que
se denomina hoje investigação participativa. Os agricultores fazem parte do pro-
cesso de investigação juntamente com universitários e técnicos especializados. A
agroecologia, que se fundamenta com mais rigor científico a partir dos anos 1980,
quando ocorreu maior mobilização para as questões ambientais no mundo inteiro,
constitui uma mudança do paradigma científico que se baseia em integrar princí-
pios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e à avaliação do
efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e sobre os sistemas sociais.
Agricultura orgânica
A agricultura orgânica é um sistema de produção que exclui o uso de ferti-
lizantes sintéticos de alta solubilidade, agrotóxicos, reguladores de crescimento e
aditivos para a alimentação animal. Também não usa nenhum tipo de corante ou
conservante artificial nem faz uso de sementes transgênicas1. Baseia-se no uso de
estercos animais, rotação de culturas, adubação verde, compostagem e controle
biológico de pragas e doenças. Busca manter a estrutura e a produtividade do solo,
respeitando os ciclos da natureza.
O conceito de agricultura orgânica foi utilizado primeiramente por sir Al-
bert Howard, o inglês que, entre 1925 e 1930, desenvolveu trabalhos e pesquisas
sobre agricultura na Índia, sobre a importância da utilização da matéria orgânica
para a manutenção da vida biológica do solo. A crescente utilização de produtos
1 Transgênico: organismo
cujo material genético foi
alterado artificialmente. O
químicos, após a Segunda Guerra Mundial, teve repercussão também na agri-
objetivo inicial da modifica- cultura convencional, que passou a usar agrotóxicos para combater pragas e au-
ção genética era aumentar a
resistência da planta a doen- mentar a produtividade. No entanto, a partir dos anos 1960, começaram a surgir
ças e pragas; hoje, advoga-se
que os organismos genetica- indícios de que a agricultura convencional apresenta sérios problemas energéticos
mente modificados possuem e econômicos e causa danos ambientais. Cresceu, a partir dos anos 1970, tanto por
maior durabilidade e maior
valor nutricional. O cultivo parte dos produtores como dos consumidores, a consciência dos riscos causados
e o consumo de alimentos
transgênicos, no entanto, sus- ao ambiente e à saúde das pessoas pela contaminação de agrotóxicos.
citam polêmicas em virtude
dos riscos à saúde humana e
ao ambiente.
No Brasil, a produção orgânica tem crescido cerca de 50% ao ano. Estima-se
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
que ela ocupe cerca de 100 mil hectares em cerca de 4 500 unidades espalhadas
principalmente pelos estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e Espírito Santo. A maior parte da produção orgânica, cerca de 85%, é
exportada para Europa, Estados Unidos e Japão, e cerca de 15% são voltados para
o consumo interno. A alta porcentagem de exportação deve-se ao fato de que es-
pecialmente nos países do Norte há maior conscientização ambiental e exigência
do consumidor quanto à origem dos produtos consumidos. No Brasil, os produtos
orgânicos são utilizados ainda, preferencialmente, por consumidores que vivem
nas regiões metropolitanas, possuem nível de instrução elevado e têm maior nível
de renda familiar (DAROLT, 2005).
Agricultura biodinâmica
Na década de 1920, na Polônia, o filósofo Rudolf Steiner (1861-1925) apre-
sentou uma nova concepção filosófica que podia ser aplicada tanto na medicina,
como na pedagogia e nas artes: a antroposofia. Tal filosofia pretende captar, por
meio de métodos experimentais, fatos suprassensoriais, ou elementos de natureza
espiritual que estão além da matéria no meio natural. Na área da agricultura, o
nome dado a essa corrente filosófica foi biodinâmica. De acordo com essa corrente,
a saúde do solo, das plantas e dos animais depende da sua conexão com as forças
de origem cósmica da natureza. Para restabelecer o elo entre as formas de matéria
e de energia presentes no ambiente natural, é preciso considerar a propriedade
agrícola como um organismo, um ser indivisível. Por meio do equilíbrio entre as
várias atividades (lavoura, criação de animais, uso de reservas naturais), busca-se
alcançar a maior independência possível de energia e de materiais externos à fa-
zenda. Esse é o princípio chamado de autossustentabilidade, que vale tanto para a
agricultura biodinâmica como para todas as outras correntes da agroecologia.
Permacultura
A permacultura foi desenvolvida no começo dos anos 1970, pelos austra-
lianos Bill Mollison e David Holmgren. O termo surge da expressão em inglês
permanent agriculture (“agricultura permanente”). Alarmados com as conse-
quências ecológicas da sociedade de consumo, Mollison e Holmgren percebem
que nem os cantos remotos do interior australiano onde moravam seriam pou-
pados do iminente colapso planetário – o desaparecimento da flora e da fauna.
Daí surgiu a ideia de implantar sistemas de florestas produtivas para substituir
as monoculturas de trigo e soja, responsáveis pelo desmatamento mundial. Por
meio da observação e da imitação das formas de florestas naturais do lugar,
revelou-se possível a criação de sistemas altamente produtivos, estáveis e recu-
peradores dos ecossistemas locais.
Os conceitos da agricultura permanente começaram a ser expandidos na
Austrália como uma cultura permanente, envolvendo fatores sociais, econômicos
e sanitários para desenvolver uma disciplina holística de organização de sistemas.
Desde então, diversos países, como o Brasil, vêm adotando a permacultura como
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
Experiências da permacultura
Um dos enfoques da permacultura é que os problemas observados nos ecos-
sistemas apontam para as possíveis soluções. Em uma área árida, por exemplo,
podem-se utilizar plantas da família dos cactos, como o figo-da-índia, ou a co-
chonilha, um inseto que produz uma tinta valiosa e que se desenvolve no cactos
Opuntia. No caso de uma propriedade que tenha uma encosta pedregosa, essa
encosta pode se tornar apropriada para o cultivo de certas plantas que não se
adaptariam em outras áreas mais férteis da propriedade. Se as lavouras sofrem
ataques de caracóis, isso é um indicativo para que a região seja adequada para a
sua criação. Ou seja, todo problema aponta para uma oportunidade de solução.
Assim, algumas pesquisas e experiências práticas têm sido feitas em regiões do
Brasil utilizando enfoque da permacultura.
Em relação aos sistemas agroflorestais, foram testadas, nos estados de Per-
nambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia – regiões semiáridas brasi-
leiras –, 25 espécies e 160 procedências de eucalipto. Constatou-se, a partir daí, que
as espécies E. camaldulensis e E. tereticornis se destacam das demais, com um
rendimento médio de 70 m³/ha, aos sete anos de idade, o que corresponde a uma
produtividade quatro vezes maior que a da vegetação nativa. Nessa região, também
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
3 Consorciação: pastagem
com mais de uma espécie
forrageira.
Experiências da biodinâmica
A biodinâmica tem sido disseminada no Brasil, especialmente a partir de
4 Diâmetro à altura do pei-
to: medida utilizada para
o corte e/ou manejo de espé-
1982, com a fundação do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, hoje
cies florestais. denominado Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), situa-
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
deve ser centrado na relação entre homem e natureza como partes do mesmo pro-
cesso, no qual a garantia de sustentabilidade deve ser buscada, conforme Kitamura
(2001) num planejamento orientado para a segurança alimentar e a subsistência dos
agricultores familiares, para sistemas de produção menos nocivos ao meio ambien-
te e capazes de atender a uma clientela cada vez mais consciente e demandante de
produtos agrícolas e processos de produção mais limpos.
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
A agricultura natural pode ser praticada na Europa ou na América, onde os campos são
muito maiores do que no Japão?
Sim. Pode ser praticada em qualquer lugar. Em campos maiores, vai necessitar de mais gente.
Porém, quando se considera o número de pessoas empregadas na fabricação de fertilizantes, pes-
ticidas, maquinário etc., o tempo total gasto para produzir safras pelo método natural é menor.
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II
Faça uma pesquisa identificando diferenças e semelhanças entre a agricultura orgânica, a agri-
cultura biodinâmica e a permacultura.
ALMEIDA, Jalcione. A construção social de uma nova agricultura. Porto Alegre: UFRGS,
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Cuidando da natureza
Nadja Janke*
Preservação ou conservação?
N
ada permanece imutável. Os objetos, as pessoas, as paisagens... As atitudes,
os conceitos, as ideias, as concepções mudam! Todas essas mudanças são
fruto da incorporação de novas culturas, de novas práticas sociais e políti-
cas, de novas situações ambientais e psicológicas, de novos discursos e discussões.
A temática ambiental está recheada dessas mudanças. Basta salientar que
a questão da imutabilidade já é, por si só, um ponto de discussão no que se
refere ao patrimônio ambiental. E é nesse sentido que surge a questão: afinal,
preservar ou conservar?
Não, não se trata de discussão semântica, como poderia parecer. Aliás, é
preciso dizer que no dicionário (AURÉLIO, 2003), por exemplo, encontramos os
dois termos diretamente relacionados, como sinônimos. Então, como e por que
tornou-se necessária tal distinção?
Essa é na verdade uma antiga discussão relacionada à problemática ambien-
tal. Observemos que, de tempos em tempos, a criação de novos termos se trans-
forma em motivo de disputas e detalhamentos no desvelar das intenções sublimi-
nares que esses termos representam. É o caso também do que conhecemos como
desenvolvimento sustentável, em oposição a sociedades sustentáveis ou sustenta-
bilidade. Atualmente, uma nova discussão vem se desenvolvendo em relação às
expressões educação ambiental e educação para o desenvolvimento sustentável.
No entanto, é importante que se diga que esses são debates significativos no alar-
gamento do entendimento e da criação de saberes sobre as questões ambientais,
porque acrescentam novas ideias e conceitos ao debate.
Mas, afinal, o que representa preservar e conservar? Ao avaliarmos o
cunho do discurso de defesa de cada um dos termos, percebemos facilmente que
eles demonstram muito mais do que o significado que possuem para a língua. A
defesa do uso das palavras preservação ou conservação é tanto mais política, éti-
ca, econômica, ideológica. Ou seja, a intenção do discurso é o termômetro para o
entendimento do que pode significar ou diferenciar preservação de conservação.
Preservando o ambiente
Nos primórdios do movimento ambientalista, a questão se propunha muito Mestr e e m E d u c a ç ã o
clara. A degradação ambiental era evidente e precisava ser freada. Segundo Grün pela U n iv e rs id a d e Es -
tadual P a u lis ta (U n e s p
(1996), a bomba atômica foi o primeiro passo para a percepção humana de que a
- Bauru).
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Cuidando da natureza
nossa forma de atuação no ambiente poderia acabar por nos destruir a todos. Essa
constatação e a publicação de Silent Spring, em 1962, por Rachel Carson, que
detalha o desaparecimento de espécies pelo uso de pesticidas agrícolas, são os
primeiros sinais do surgimento do pensamento ambientalista das décadas de 1960
e 1970. Mais do que isso, esses acontecimentos ampararam uma espécie de ca-
tastrofismo relacionado ao fim inevitável do planeta e da vida, caso não houvesse
redução drástica do uso de recursos naturais e uma alteração radical do modo de
vida. Surge assim o pensamento preservacionista, elaborado sob o ponto de vista
da intocabilidade da natureza.
Vejamos: em 1972, o Relatório Meadows, encomendado pelo Clube de
Roma, recomendava, por meio de suas propostas, o que chamou de “cresci-
mento zero” (GRÜN, 1996). Em atenção a essa recomendação, já podemos
observar a preocupação com a preservação, uma vez que a falta de crescimento
representa a diminuição drástica da extração dos chamados recursos naturais,
numa atitude preservacionista. Portanto, o que fica claro nos discursos é que
a preservação representa a manutenção do ambiente como algo “intocado”,
visando a garantir a integridade e a perenidade, numa espécie de sacralização
da natureza. Obviamente que essa visão foi importante para o crescimento
histórico do movimento ambientalista, porque chamava a atenção para o valor
da natureza, iniciando o processo que daria início aos estragos que estavam
ocorrendo. No entanto, revela também algumas questões de cunho político e
social que merecem ser salientadas.
A crítica à visão preservacionista reside no fato de que essa atitude somente
aumentaria a desigualdade norte-sul, dos blocos econômicos, uma vez que os paí-
ses subdesenvolvidos, impossibilitados de produzir, pela diminuição da extração de
recursos, empobreceriam cada vez mais. Mas vale lembrar que essas análises são
feitas sempre sob o ponto de vista da manutenção do modelo econômico capitalista,
em que estamos inseridos. Ou seja, sob a égide do sistema capitalista qualquer tenta-
tiva preservacionista não passa de mero discurso, não encontrando alicerces práticos
para efetivação, porque sem a produção de bens de consumo, os quais se convertem
em valor de troca no mercado, o capitalismo não resistiria. Complementando essa
ideia, para Ultramari (2001), “a escala mesmo das atividades econômicas é confli-
tante aos interesses ambientais, pois a escala com a qual a economia (o mercado,
enfim) trabalha é a escala do lucro, e essa deve ser imediata e sempre garantida”.
Do ponto de vista filosófico, o discurso preservacionista foi fortemente in-
fluenciado por pensadores naturalistas, como o norte-americano John Muir (1890-
-1914), que propunha preservar a natureza diante do desenvolvimento, ou seja,
preservar áreas naturais diante da ação humana, oferecendo possibilidades de
recreação. O pensamento preservacionista ganhou novo fôlego, posteriormente,
com o surgimento da ecologia profunda, nas contribuições de Arne Naess, que
defendia a rejeição da imagem antropocêntrica de mundo em favor da importância
das relações, a equidade biosférica, a oposição à poluição e à degradação ambien-
tal, a complexidade, entre outros (ALEXANDRE, 2001).
Para esses teóricos, portanto, o ser humano passa a ser mais uma espécie e
não mais “a espécie”, em oposição ao antropocentrismo. Essa visão acaba sendo
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Cuidando da natureza
O movimento conservacionista
Em que pesem as críticas, as teorias preservacionistas, por sua impossibili-
dade stricto sensu, e por muitas vezes suscitarem um retorno total a uma espécie
de primitivismo, no qual todos os atuais meios de vida a que estamos acostuma-
dos teriam que ser extintos, a conservação também tem seus pontos críticos.
O termo conservação pode ser entendido como a possibilidade de inter-
venção humana, inclusive na exploração de recursos naturais como água e ou-
tros minerais, solo, fauna e flora, de forma racional para possibilitar seu uso às
gerações futuras.
Um dos primeiros defensores do conservacionismo ambiental foi Giffort
Pinchot, o primeiro chefe do serviço florestal dos Estados Unidos da América,
no século XX, que defendia um desenvolvimento por meio da utilização racional
dos recursos, da prevenção dos desperdícios, para o benefício de muitos e não
somente para o lucro de poucos, e a redução de resíduos, entre outras iniciativas.
Alexandre (2001) classifica essa linha de pensamento como antropocentrista, pois
defende a conservação para fins e uso humanos.
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Cuidando da natureza
rais e não o bem-estar social das populações que ali habitam. Para Ferreira (2004),
além de reforçar posições preservacionistas, essa teoria reforça também a ideia do
modelo de conservação em mosaicos, em que áreas de proteção são interligadas e
circunvizinhas a espaços de uso controlado, como reservas extrativistas, de desen-
volvimento sustentável, agroflorestas, entre outros.
Essas ideias abriram novamente o palco para a discussão do tema. Para Die-
gues (1996), as características das comunidades tradicionais locais viabilizariam
sua atuação no manejo comunitário dos recursos e da biodiversidade dessas áreas
protegidas. A característica apropriada para um ideal de manejo sustentável seria
alcançada por meio do empoderamento dos indivíduos e das comunidades locais,
revertendo a eles a responsabilidade pela manutenção e a conservação da bio-
diversidade. Para isso, Ferreira (2004) argumenta que a orientação das políticas
públicas deveria se concentrar no fortalecimento do saber ambiental local, propi-
ciando condições socioeconômicas de sustentabilidade para esses grupos.
A crítica ao manejo sustentável em áreas de proteção ambiental é em geral ad-
vinda de estudiosos de países industrializados, que na maioria das vezes possuem
uma outra visão ambientalista. De fato, esses países não convivem com situações con-
flitantes de fundo socioambiental, como os países em desenvolvimento e subdesenvol-
vidos. Para estes, a questão ambiental é muito mais complexa e profunda. Trata-se de
uma outra visão de ambiente, integrada, para a qual não faz sentido separar o social e
o político do ambiental. Isso significa dizer que, para os países industrializados, o pro-
blema ambiental está muito mais na ordem da preservação, da manutenção irrestrita
dos ambientes naturais. Já para os países em desenvolvimento, a problemática procura
ocupar o espaço tanto da luta preservacionista quanto da democratização do ambien-
te, da qualidade de vida, da participação política, da diminuição das desigualdades,
entre outros. Nesse sentido, esses países têm uma grande possibilidade de fundarem
uma nova ordem, uma nova categoria de prioridades, e uma nova maneira de lidar
com o ambiente, com os recursos, com a natureza, a partir de seus próprios saberes
e potencialidades. É por isso que a questão da sustentabilidade, tanto para ambien-
tes urbanos como para ambientes rurais, como para áreas de proteção, caracteriza-se
como uma nova proposta, potencial, no sentido de melhorar as condições de vida e a
qualidade ambiental.
Frente a essa perspectiva, só a experiência poderá colocar um ponto final na
discussão. Longe de oferecer aqui uma posição conclusiva sobre a questão, o valor
está em compreender o teor das duas posições e entender em que fundo político
elas podem estar amparadas.
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Cuidando da natureza
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Saberes em jogo
na qualidade ambiental
Nadja Janke
S
egundo Auler (2001), nos países capitalistas centrais, em meados do século XX, iniciou-se uma
série de discussões sobre a falta de convicção de que o desenvolvimento científico, tecnológico e
econômico estivesse avançando, linear e necessariamente, para o bem-estar social. Para esse au-
tor, a euforia tecnocientífica das décadas de 1960 e 1970 foi perdendo fôlego e sendo substituída por um
olhar muito mais crítico acerca das questões de ciência e tecnologia (C&T). Contribuíram para essa crise
a degradação ambiental, aliada ao crescimento científico e tecnológico relacionado às guerras (bombas
atômicas, napalm desfolhante na Guerra do Vietnã, entre outras), além de publicações importantes como
Silent Spring (CARLSON, 1962) e A Estrutura das Revoluções Científicas (KUHN, 1962).
É nesse contexto histórico que C&T passa a fazer parte do debate político e social mundial e
dele surgem os movimentos denominados ciência, tecnologia e sociedade (CTS). Para Luján (1996), a
questão seria desassociar a ideia de melhorias ambientais, sociais e econômicas do conceito de desen-
volvimento científico e tecnológico. Ou seja, a solução para as crises ambientais, econômicas e sociais
se postula não em mais e mais C&T, mas em um tipo diferenciado de C&T, baseado principalmente
em uma grande participação da sociedade global e local.
E com essas bases se instauram novas concepções e papéis na manutenção da qualidade am-
biental, pelos quais se legitimam e se reconfiguram os lugares dos Estados, da sociedade global e das
comunidades locais.
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Saberes em jogo na qualidade ambiental
suas próprias crises filosóficas. É preciso acabar, por exemplo, com a consciência
ingênua de que fazer ciência é sempre uma coisa boa. Afinal, a ciência não cami-
nha isolada das contradições sociais. Pelo contrário, ela tanto se estrutura por essas
contradições como pode ser responsável por elas. Fazer ciência é também um ato
político.
Para Santos (1995), o caminho para a ciência moderna é o da superação,
mas não como total esquecimento do que se conhece como ciência, e sim uma
superação que incorpore e vá além no pensamento e na criatividade pela busca
de uma ciência pós-moderna. Denomino pós-moderno, como conceitua Santos
(1989), dada a impossibilidade de melhor designação para o paradigma científico
emergente. Uma superação que reconheça os conhecimentos populares, que não
mascare as ideologias, que incorpore as necessárias discussões políticas e sociais,
por meio da participação de novos atores no cenário da discussão científica, entre
outros.
Santos coloca a questão da superação não somente para a ciência, mas para
todo olhar que se lança ao mundo, às coisas, às relações, em que se quebrem as
dicotomias entre homem e natureza, ciência e senso comum, racionalidade e sub-
jetividade. “A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhe-
cimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve
traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em
sabedoria de vida” (Santos, 1995, p. 57).
É claro que os conhecimentos tecnocientíficos são importantes. Aliás, eles
são o tema atual de muitas discussões, segundo nos relata Gouvêa (2001, p. 68).
A autora situa o discussão de C&T entre “o determinismo da sociedade sobre a
tecnologia versus a autonomia da tecnologia sobre a ordem social”. O problema,
portanto está em saber se é a tecnologia que molda a sociedade ou vice-versa.
“A técnica corresponde à Para Gouvêa, podemos encontrar exemplos do determi-
relação entre os homens, nismo tecnológico em Marx, uma vez que em A Miséria da
os instrumentos e o Filosofia (1847) o autor relaciona a criação das máquinas à ge-
ambiente, no momento ração da sociedade e do capitalismo. Nessa perspectiva, fica
claro como a tecnologia tem impactos diretos tanto nas relações
do processo de produção
sociais macro (transporte, energia, alimentação etc.) quanto na
e de consumo; e os intimidade da vida técnica cotidiana, quando se refere às novas
grandes sistemas técni- formas de uso da técnica pelo homem moderno, num encontro
cos são sistemas sociais.” entre o objeto e a forma como deve ser usado.
(GRAS apud GOUVÊA; Já os críticos do determinismo tecnológico, segundo
LEAL, 2001, p. 69). Gouvêa (2001), defendem que o social e o político são muito
mais fortes que o tecnológico, pois é preciso saber antes quem são os sujeitos da
ação, para que utilizarão a tecnologia, o que representa essa tecnologia nas estru-
turas de poder etc.
Entender e se posicionar frente a essas questões é necessário, pois determina
o caminho e a importância da ciência e da tecnologia na construção dos novos sa-
beres ambientais. Mais interessante ainda seria entender de que forma esses saberes
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Saberes em jogo na qualidade ambiental
devem se aliar aos conhecimentos tradicionais, na busca por uma atuação mais res-
ponsável e sustentável sobre o ambiente.
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Saberes em jogo na qualidade ambiental
Essa talvez seja a contribuição mais efetiva dessa nova ordem: a impor-
tância da escolha, da participação. O conhecimento não deve mais ser constru-
ído sozinho, descontextualizado, longe da vida e da prática cotidiana. O saber
ambiental é aquele que nasce das características do próprio ambiente, de suas
necessidades, de suas possibilidades.
Segundo Leff (2004), a consciência do sujeito representa um dos pilares
dessa nova racionalidade ambiental, numa recuperação do sentido real das coisas,
que não represente o esquecimento dos interesses sociais e de produção, mas na
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Saberes em jogo na qualidade ambiental
compreensão da atual ordem sócio-histórica, pela busca dos novos saberes. Essa
carência por novos saberes vem de encontro à ordem globalizante do pensamento,
tentando, ao invés disso, buscar alternativas mais regionais, locais. Por isso, no
plano individual, filosófico, existencialista, existencial, o caminho é o da recons-
trução das necessidades da vida. Ao mesmo tempo, as questões práticas devem
ser pensadas e relacionadas a essas necessidades, ao manejo do ambiente, da qua-
lidade de vida, no engrandecimento do processo participativo, da cidadania e da
gestão da vida social. Devemos nos perguntar, portanto, por que e como fazer.
Nesse sentido, é importante lançar um novo olhar para as discussões inter-
nacionais. Elas são importantes, e muitas vezes norteiam os trabalhos no plano
nacional, mas devem ser vistas de forma muito crítica, para não se perder o caráter
regional das necessidades ambientais. Assim, as diretrizes internacionais devem
facilitar e incentivar a diminuição das desigualdades econômicas regionais, que
são um grande entrave para as propostas de melhoria ambiental, por meio da co-
operação entre os países, da diminuição das dívidas, do combate à pobreza, entre
outros. O plano deve ser o de recuperar a autonomia das nações.
No plano público, gestor, as coisas também não são diferentes. A importância
da participação é fundamental, e os governos devem incentivar a discussão e escla-
recer as contradições para que a sociedade, como um todo, seja responsável pelas
escolhas e pelas ações. Também é papel do Estado ser o mediador dessa discussão
e do contrato do cidadão com o novo conhecimento, com as suas necessidades am-
bientais e com as possibilidades de superação dos problemas. Claro que isso pode
construir uma nova forma de fazer política e de governar e a descentralização é um
ponto-chave nessa discussão, já que uma maior autonomia deverá ser delegada a
outros setores da sociedade civil, na criação de grupos locais responsáveis por gerir
suas necessidades ambientais. Esse é um bom caminho para a participação. O que
fica claro, portanto, é que o grande papel das políticas públicas está em socializar a
responsabilidade e os benefícios por um ambiente mais saudável. E assim construir
uma sociedade efetivamente inserida no contexto das questões ambientais.
Mas como colocar nas mãos de tantos a responsabilidade pela construção
desse saber ambiental? A proposta que se faz urgente é a incorporação de uma
Educação Ambiental capaz de inserir o sujeito nesse contexto de discussão e de
criação, capacitando-o e convidando-o a participar do processo, de forma legítima.
É claro que não basta colocar nas mãos de todos a tarefa de construir um futuro
mais harmônico e justo, sem ao menos integrá-los, por meio de conhecimento, de
discussão e de participação, nesse novo contexto sócio-histórico. É preciso que a
Educação Ambiental seja a responsável por socializar as necessidades, reencontrar
os interesses, as tradições e os novos conhecimentos, e recoloque para o sujeito seu
poder decisório, sua possibilidade de mudança, fazendo do saber ambiental uma
construção coletiva, um ato de equipe. Todos nós somos parte disso, cada um com
sua especificidade, com seus conhecimentos, com suas vivências. Todos juntos
constituímos o saber ambiental em suas múltiplas convergências. O nível está tanto
no individual quanto no coletivo, com sua família, seus vizinhos, em seu bairro, seu
trabalho, com seu grupo de amigos. Todos somos responsáveis pela criação de um
novo ambiente de diálogo, compartilhando ideias, decisões, no caminho por uma
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Saberes em jogo na qualidade ambiental
gestão de vida mais sustentável. E à Educação Ambiental cabe a tarefa de rejuvenescer essa vontade em
todos nós. A vontade de fazer parte, e de criar um novo cenário social e ambiental. Esse é o ambiente
do saber ambiental, no qual todos construímos juntos o futuro do planeta e juntos, compartilhamos com
tantos outros a responsabilidade por criar e repercutir uma nova forma de viver a vida em sociedade.
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Gestão participativa
e ambiente
Nadja Janke
S
egundo Libâneo (2003), cada vez mais percebemos a necessidade de um grande investimento na
preparação para a vida social, comunitária, já que as novas possibilidades de vivência humana es-
tão fortemente localizadas em movimentos comunitários, no engajamento em pequenos grupos,
comunidades tradicionais, associações civis, ONGs, entre outros. A própria questão da sustentabilidade é
discutida, em grande parte, sob o ponto de vista da participação. Isso fica claro funcionalmente, uma vez
que as políticas públicas voltadas para a gestão ambiental devem contar com a participação comunitária
para que sejam implementadas.
Para Leff (2004), a sustentabilidade põe em voga, novamente, a questão da luta de classes, in-
corporando-a ao cenário social. Porém, não mais pela apropriação dos meios de produção industrial,
como acostumamos ouvir. Agora, a luta está voltada para a reapropriação da natureza, não apenas por
meio de elementos tecnológicos, mas na busca por alternativas para o uso de recursos baseados tanto
em tecnologia como em elementos ecológicos, culturais, sociais.
Diante do esbulho e marginalização de grupos majoritários da população, da ineficácia do Estado e da lógica do mer-
cado para prover os bens e serviços básicos, a sociedade se levanta reclamando seu direito de participar na tomada
de decisões das políticas públicas e na autogestão dos recursos produtivos que afetam suas condições de existência.
(LEFF, 2001, p. 79)
Nesse sentido, a reivindicação é por uma autonomia local e regional, entendida como o direito
ao controle compartilhado na autogestão dos processos de acesso e aproveitamento dos recursos. Para
os ambientes naturais, esse processo determina novas formas de sustentabilidade, relacionadas não
mais aos interesses de grandes empresas e multinacionais, mas sim às potencialidades e necessidades
do próprio ambiente e da comunidade residente. Isso ressignifica o lugar da cultura no âmbito da rela-
ção entre o homem e o ambiente, dando maior autonomia aos grupos populares de gerirem, por força
de suas tradições, de seus conceitos, de suas experiências e de maneira sustentável, seus próprios
recursos.
Sustentabilidade: conciliando
participação social e cuidado com o ambiente
Observemos outro trecho de Leff (2004, p. 57):
A gestão ambiental do desenvolvimento sustentável exige novos conhecimentos interdisciplinares e o plane-
jamento intersetorial do desenvolvimento; mas é sobretudo um convite à ação dos cidadãos para participar na
produção de suas condições de existência e em seus projetos de vida. O desenvolvimento sustentável é um projeto
social e político que aponta para o ordenamento ecológico e a descentralização territorial da produção, assim
como para a diversificação dos tipos de desenvolvimento e dos modos de vida das populações que habitam o
planeta. Nesse sentido, oferece novos princípios aos processos de democratização da sociedade que induzem à
participação direta das comunidades na apropriação e transformação de seus recursos ambientais.
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Gestão participativa e ambiente
É claro que esse tipo de participação social não é de fácil instituição. Para
que seja definitivamente efetivado, ainda vai um longo caminho. A participação é
compromisso importante não somente na manutenção dos recursos naturais mas
também em todos os âmbitos da experiência comunitária, como nas cidades, nas
paisagens rurais, nas aldeias, por meio da busca por um ambiente mais saudável e
com mais qualidade de vida.
Em geral, o discurso da participação se mostra muito conveniente, e por isso
se tornou um instrumento muito usado, ideologicamente. Mas devemos entender
o real propósito desse discurso, pois, como nos diria Loureiro (2004), não pode-
mos inocentemente acreditar que o sentido de participação que sugere o Fundo
Monetário Internacional ou o Banco Mundial seja o mesmo promovido pelo MST
ou pelo Fórum Social Mundial. Segundo esse autor, muitos dos discursos partici-
pativos têm como pano de fundo a cooptação, o assistencialismo e o paternalismo
como formas de manter a dominação política.
A participação pensada sob o ponto de vista da emancipação política é um ato
de conquista, e por isso a dificuldade de implantação. Devemos entender que a par-
ticipação legítima se faz como processo, a ser conquistado com o outro, infinitamen-
te, sempre se fazendo (DEMO, 2001). Sob a participação, Demo defende a ideia de
que o desenvolvimento comunitário, sendo essencial para a política social de forma
geral e também para as políticas públicas, tem na identificação cultural a motivação
para a participação. No caso das questões ambientais, a participação tem como mo-
tivador cultural essencial a ligação do sujeito com o seu ambiente, com o seu espaço,
com o que conhece dele e nele produz. A cultura que o torna pertencente ao meio
capacita-o para estar naquele ambiente. Demo (2001) identifica então a participação
como um ato de fé na potencialidade do outro e ainda na capacidade criativa e de
autogestão de um grupo social. Além disso, a participação sugere a possibilidade
do encontro com a realidade da qual o próprio sujeito é o agente, colocando-o em
posição de assumir sua responsabilidade e sua própria luta em favor da participação
e, por consequência, das melhorias ambientais. Para esse autor, a participação é,
portanto a promoção da autonomia, do reconhecimento da cidadania, das regras
democráticas, do controle do poder, da burocracia e do entendimento do papel de
negociação. Assim, participação não se ganha, mas se constrói, conquista-se:
A participação possui característica de ser meio e fim, porquanto é instrumento de autopro-
moção, mas é igualmente a própria autopromoção. Prevalece, porém, a conotação instrumen-
tal, no sentido de que é vista como caminho para se alcançarem objetivos [...] Se usássemos
outra linguagem, diríamos que participação é metodologia. (DEMO, 2001, p. 66)
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Gestão participativa e ambiente
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Gestão participativa e ambiente
Gestão de unidades
de conservação: o papel dos atores sociais
A questão primeira que se coloca, quando pensada a possibilidade de cria-
ção de uma área ou unidade de conservação, é quanto à permanência ou não da
população local nesse ambiente. Ou seja, se essas unidades devem contar com um
sistema de planejamento sustentável ou se devem ter características de áreas de
preservação integral.
De qualquer forma, na maioria das vezes as unidades de conservação en-
contram-se muito afastadas dos grandes centros de decisão e carecem de uma boa
fiscalização para a manutenção desses ambientes. O envolvimento das comunida-
des locais torna-se elemento crucial no manejo dos recursos, facilitando a criação
dessas áreas. Além disso, o incentivo à inclusão da comunidade pode trazer para
esses indivíduos novos valores, novas condutas cidadãs, encadeados pelo proces-
so participativo, ajudando a transformar essas áreas em símbolo de orgulho e,
portanto, aumentando o envolvimento na conservação do ambiente.
Aliás, no que diz respeito a populações tradicionais, retirá-las da região po-
deria representar uma perda de etnodiversidade, pois muitas dessas comunidades
possuem relações intrínsecas com o ambiente em que vivem. Tais comunidades, 165
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Gestão participativa e ambiente
apoio das comunidades locais são elementos essenciais para o sucesso de tal abordagem.
Os progressos realizados recentemente no campo da biotecnologia apontam o provável
potencial do material genético contido nas plantas, nos animais e nos micro-organismos
para a agricultura, a saúde, o bem-estar e para fins ambientais. Ao mesmo tempo, é parti-
cularmente importante nesse contexto sublinhar que os Estados têm o direito soberano de
explorar seus próprios recursos biológicos de acordo com suas políticas ambientais, bem
como a responsabilidade de conservar sua diversidade biológica, de usar seus recursos
biológicos de forma sustentável e de assegurar que as atividades empreendidas no âmbito
de sua jurisdição ou controle não causem dano à diversidade biológica de outros Estados
ou de áreas além dos limites de jurisdição nacional.
Planejamento participativo
(DEMO, 2001)
Poderá se estranhar que consideremos o planejamento como instrumento de participação.
Entretanto, assim o cremos, não somente no sentido de pelo menos não estorvar processos parti-
cipativos mas igualmente no sentido de colaborar em sua participação.
A possível estranheza tem muita razão de ser. O planejamento, sobretudo quando entendido
como função do Estado, possui tendência clássica de impor-se à população, principalmente em
sua face tecnocrática. Possui natural propensão tecnocrática, sistêmica e impositiva.
A propensão tecnocrática manifesta-se na posição do poder do técnico, às vezes maior, às
vezes menor, no sentido de influenciar fluxos de recursos, construções de planos e programas,
formas de avaliação e acompanhamento, em nome de um Estado que pode ser mais ou menos
autoritário. Ao mesmo tempo, o planejamento estereotipa um modo próprio de conceber e realizar
políticas sociais, tendo prevalecido de longe configurações ligadas ao assistencialismo, ao residu-
alismo, ao controle social, e assim por diante.
A tendência tecnocrática se prende, ademais, à distinção entre os trabalhos intelectual e ma-
nual. Este é marcado pela execução braçal, de gosto servil. Aquele é nobre, e se restringe a super-
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Gestão participativa e ambiente
visionar e a avaliar, coordenar, programar etc. Para fazer isso, é mister hoje pelo menos formação
– dita não por acaso – superior, quando não o domínio sofisticado de técnicas quantitativas de teor
sumamente formal e acadêmico. O que virou em nossa sociedade uma fonte de poder, ainda que
de um poder bem menos forte que o poder oriundo da posse dos grandes meios de produção ou do
comando político estatal. A própria sofisticação de linguagem faz parte do rito desta corte, com
vistas a obter certa reverência a partir da ignorância popular. No mínimo, conseguiu-se entronizar
no Estado a função quase intocável do planejamento, por mais que a finalidade primeira de um
plano não seja resolver problemas sociais, mas justificar uma gestão. Aqui temos um exemplo
claro de que saber é poder, sobretudo numa sociedade ainda impregnada de analfabetos e semi-
analfabetos.
A propensão sistêmica significa a tendência natural de o planejamento não supor a superação
do sistema em questão. Sequer é necessariamente um defeito, porque nenhum governo planejaria
sua própria superação. Mesmo na maior crise, qualquer sistema imagina encontrar uma saída e
luta para sobreviver. Propõem-se mudanças dentro do sistema, mas não do sistema.
A tendência reformista será mais característica, no sentido de buscar superar conflitos in-
ternos, sem conduzir à transformação do sistema. A busca de transformação do sistema, se for
o caso, não poderá ser colocado dentro de um planejamento comprometido com determinado
sistema e será quase sempre uma farsa imaginar-se revolucionário no planejamento governamen-
tal. Nem por isso precisa ser reacionário, como se sua sina fosse somente colaborar na ruína dos
marginalizados.
Trata-se de divergências ideológicas que é preferível enfrentar a camuflar. Uma ideologia re-
formista pode ser justificada, seja porque não haveria outra opção mais viável para o momento, ou
porque uma opção mais forte provavelmente produziria efeito contrário, ou porque se prefere um
acúmulo de reformas capazes de conduzir ao amadurecimento histórico da situação, ou porque se
assume abertamente a postura pequeno-burguesa, e assim por diante. Não deve, porém, ser ven-
dida como se fora revolucionária, nem deve desconhecer as chances de se tornar mera justificação
do poder, oportunismo e conivência.
No espaço de um governo que nunca é monolítico, há lugar para iniciativas reais de partici-
pação, como é, por exemplo, a luta pela universalização do Primeiro Grau: embora seja proposta
sistêmica, é absolutamente descente e dignifica qualquer planejador. Enfim, é uma espécie de
prática, entre outras práticas. Tem seus méritos, seus defeitos, seus riscos.
A propensão impositiva aparece naturalmente na vontade de fazer acontecer. “Quem sabe faz
a hora. Não espera acontecer.” Precisamente acredita-se que a história pode ser feita sob influência
planejada, lançando mão de expedientes ditos racionais, a começar pela contribuição científica.
Assim, planejar sempre significa intervenção na realidade, traduzindo a expectativa de que a po-
demos manipular em nosso favor.
Não pode o planejamento participativo significar a desistência de intervenção na realidade,
mas certamente outro modo de intervenção, que esperamos seja alternativo.
Esta colocação inicial tem por finalidade preparar o terreno crítico para não fazermos do
planejamento participativo apenas a próxima farsa do poder. Não vale a pena camuflar essa reali-
dade. Antes, é mister partir dela. Somente pode ser participativo o planejador que tenha coragem
autocrítica de perceber que sua tendência é a contrária. Nem isso deve ser o problema, mas sempre
o ponto de partida, crítico e realista.
Ademais, não há porque fugirmos da condição de participantes de determinado governo ou
instituição. Qualquer poder não aprecia ser contestado. Mesmo o planejamento participativo pode
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Gestão participativa e ambiente
tornar-se mera legitimação do poder, à medida que reproduzir apenas uma farsa participativa.
Pode-se até aventar que a maioria das propostas de planejamento participativo é feita como ex-
pediente esperto para se evitar a participação efetiva das bases, no sentido de uma estratégia de
desmobilização.
O planejamento participativo busca ser uma forma de antiplanejamento, pois aposta em mu-
danças, mesmo que reformistas. Entretanto, é mister entender ainda que a participação não signi-
fica mecanicamente vontade de transformar. Em si, o conservador não precisa participar menos,
quando se envolve de corpo e alma em prol do sistema que imagina dever preservar. Dentro dos
partidos esta realidade é bem visível, até porque predomina a tendência a planejar como não mu-
dar. Na verdade, sabemos muito melhor como não mudar do que como mudar.
Em nosso contexto, aqui interessa ressaltar a característica de antiplanejamento em busca de
mudanças favoráveis aos desiguais. Mesmo que as ações preconizadas sejam, em si, reformistas,
procura-se sustentar um processo histórico de amadurecimento do sistema, já que nenhum sistema se
transforma sem amadurecer. Qualquer instituição reage à participação, se esta colocar em risco a or-
dem vigente, o que revela a marca típica sistêmica. Não é, pois, uma questão exclusiva do Estado. Isso
leva pelo menos à conclusão de que vale a pena suspeitar de todo projeto participativo institucional.
Três são os componentes básicos do planejamento participativo.
O processo inicial de formação de consciência crítica e autocrítica na comunidade, atra-
vés do qual se elabora o conhecimento adequado dos problemas que afetam o grupo, mas
sobretudo a visão de que pobreza é injustiça. Trata-se de saber interpretar, entender, pos-
tar diante de si e diante do mundo; muitos chamam esta fase de autodiagnóstico, através
do qual a comunidade formula, com seu saber, e em consórcio com o saber técnico, um
posicionamento crítico diante da realidade. O saber de fora, por vezes sofisticado, não é
secundário, mas só se torna parte deste tipo de planejamento se conseguir transformar-se
em autodiagnóstico, desfazendo a relação comum entre sujeito e objeto.
Tendo tomado consciência crítica e autocrítica, segue a necessidade de formulação de
uma estratégia concreta de enfrentamento dos problemas, que saiba destacar prioridades,
caminhos alternativos, propostas de negociação etc. Quer dizer, do nível do reconheci-
mento teórico, parte-se para a ação, dentro de um contexto planejado.
Consumando o terceiro ponto, aparece a necessidade de se organizar, como estratégia
fundamental para os dois passos anteriores. A competência se demonstra sobretudo na
capacidade de organização, que é um teste fundamental dos compromisso democráti-
cos do grupo, aliado ao desafio de fazer acontecer. O desigual sozinho não pode nada,
mas organizado é capaz de emergir, de ocupar a cena, de influenciar e, a partir daí, de
revestir-se da capacidade de mudar em seu favor.
Assim concebido, o planejamento participativo pode conter elementos alternativos reais e
mesmo produzir iniciativas radicais a nível localizado. Mas, para tanto, é mister olhar com cuida-
do a problemática tanto do lado do técnico, quanto do lado da comunidade.
Da parte do técnico pode provir de fato uma proposta alternativa de política social, mais crí-
tica e autocrítica, comprometida com a redistribuição da renda e do poder, avessa a assistencialis-
mos e a manipulações, desde que ele consiga elaborar suficiente consciência crítica e autocrítica,
o que não é um fenômeno simples. De modo geral, terá mais chances de manipular do que de ser
manipulado, valendo isso também para professores, pesquisadores, intelectuais etc. Participação
não funciona por atacado, nem por decreto. É ao mesmo tempo marca e problema o fato de que
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Gestão participativa e ambiente
DEMO, Pedro. Política social e participação. In: ______. Participação É Conquista. São Paulo:
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Ações
ambientais globais
Nadja Janke
A
emergência da crise ambiental, desde o início, produziu uma certeza: a de que é preciso
aliar um esforço conjunto, internacional, no posicionamento frente à crise. Se os pro-
blemas ambientais se traduzem globalmente, é preciso que sejam estruturadas soluções
também globais, pensadas de forma democrática, tentando atender também às necessidades
locais.
A questão da sustentabilidade foi introduzida no plano da discussão internacional de forma
decisiva. A preocupação da comunidade internacional com os limites do desenvolvimento do pla-
neta data da década de 1960, e a discussão ganhou tanta intensidade que levou a Onu a promover
a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, quando foram apresentados 27
princípios relativos à ação do homem frente à natureza. Segundo Pedrozo (2003), tais princípios
denunciam o subdesenvolvimento como responsável pela degradação ambiental, e estabelecem
a base teórica para a expressão desenvolvimento sustentável. Claro que a questão do subdesen-
volvimento deve ser vista de forma mais crítica, porque não podemos aceitar que os pobres do
mundo sejam os responsáveis pela destruição ambiental. Mas esse foi um primeiro momento para
a discussão da questão da desigualdade como ponto importante a ser combatido no que se refere
à situação ambiental mundial.
A partir daí, a sustentabilidade foi tema central de diversas conferências para a elaboração
de documentos oficiais a serem pactuados pelas diversas nações, como forma de aliar a comu-
nidade internacional no debate, no combate às causas da insustentabilidade e na superação dos
problemas ambientais globais. O plano de discussão é o da ordem política e econômica, e a Onu
tem sido a grande responsável por essas iniciativas. Claro que, na maioria das vezes, os docu-
mentos assinados por diversos dirigentes de Estado não são amplamente respeitados. O problema
a ser enfrentado, nesse sentido, é a questão do poder. Muitas nações não aceitam abrir mão de
seus postos de países econômica e militarmente mais poderosos em prol de uma nova relação de
poder mais democrática, em que os interesses nacionais sejam substituídos pelas necessidades
ecológicas, econômicas e políticas mundiais. Além disso, a Onu necessita de um processo de
reformulação, com incorporação de novos países, como as nações em desenvolvimento, para
ampliar a participação democrática criando maior possibilidade de criação de projetos a favor de
outras nações que não as desenvolvidas.
Esse é o quadro atual das questões internacionais. Vejamos como a sustentabilidade tem
sido defendida em alguns desses importantes encontros e documentos, e quais os desdobramen-
tos desses “contratos” para a realidade ambiental mundial.
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Ações ambientais globais
Relatório Brundtland
No ano de 1987, a Comissão Mundial da Onu sobre o Meio Ambien-
te e Desenvolvimento (Cnumad), presidida por Gro Harlem Brundtland e Man-
sour Khalid, apresentou um documento chamado Nosso futuro comum, também
conhecido como Relatório Brundtland, no qual os governos signatários se com-
prometiam a promover o desenvolvimento econômico e social em conformidade
com a preservação ambiental. O relatório diz que “desenvolvimento sustentável
é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.
Nesse contexto, podemos perceber a inserção do conceito de necessidades,
sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo – que, segundo o rela-
tório, devem receber a máxima prioridade. Além disso, também inclui a noção de
limitação do ambiental frente às tecnologias e ao tipo de organização social, o que
determina a impossibilidade de atender às necessidades presentes e futuras.
Eco-92, Agenda 21
e a Convenção da Biodiversidade
O ano de 1992 foi farto na elaboração de documentos internacionais em
favor da questão ambiental. A busca é por um consenso sobre o caminho a ser
trilhado em busca da sustentabilidade.
A Conferência da Onu sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92,
no Rio de Janeiro, foi essencial para a promoção do debate sobre a sustentabili-
dade ambiental. Apesar dos muitos problemas para se buscar o impossível mas
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Ações ambientais globais
Protocolo de Kyoto
O chamado Convênio Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática,
mais conhecido como Protocolo de Kyoto, assinado no Japão em 11 de dezembro
de 1997, é um acordo internacional que estabeleceu metas de redução de gases po-
luentes para os países industrializados. O objetivo do protocolo é reduzir, entre 2008
e 2012, uma média de 5,2% nas emissões atmosféricas dos seis gases que provocam
o efeito estufa: dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluocarbono, per-
fluorocarbono e o hexafluorocarbono de enxofre (Onu, 1997).
A ratificação do protocolo sofreu uma série de adiamentos, em razão da de-
sistência ou da falta de assinatura de alguns países. O fato é que para que o pacto se
tornasse juridicamente obrigatório era necessário que os países causadores de 55%
das emissões de dióxido de carbono o ratificassem. Mas em 2001 os Estados Uni-
dos, que são a maior nação poluidora do mundo e haviam assinado o documento
em 1997, não o ratificaram, o que fez com que o protocolo perdesse sua abrangên-
cia. O governo norte-americano se retirou das negociações sobre o protocolo em
2001, alegando que a sua implementação prejudicaria a economia do seu país.
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Ações ambientais globais
históricos, com motivações particulares, os repórteres da CNN, desde o primeiro momento, pude-
ram apresentar inúmeras explicações para os motivos subjacentes ao atentado, logo considerado
como um gesto de consequências trágicas. Repito: não me interessa discutir as análises, mas res-
salvar sua ocorrência, simultânea à transmissão do evento.
Já as catástrofes naturais apresentam um sério desafio à reflexão contemporânea, assim como
à própria cobertura jornalística. Numa cultura secularizada, como “narrativizar” a erupção vulcâ-
nica que deu origem ao tsunami? Como atribuir “sentido” aos ciclones tropicais migratórios que
se originam sobre os oceanos, provocando furacões? Se não cabe atribuir semelhantes desastres
naturais à Providência, e, ao mesmo tempo, se não faz sentido imputá-los a agentes históricos,
então, como representar “narrativamente” tais catástrofes? Contudo, numa época em que a técnica
tornou-se um fetiche em si mesmo, como aceitar a incapacidade nem tanto de previsão quanto de
controle dos efeitos das catástrofes?
Talvez essa seja uma distinção útil para começar a refletir sobre o problema. Deveríamos
evitar o termo tragédia ao descrever eventos como o tsunami ou o furacão Katrina – embora seja o
recurso favorito da cobertura da grande imprensa que, em geral, substitui o caráter propriamente ir-
representável da explosão de uma força natural pela produção em série de uma miríade de histórias
individuais de resgate, heroísmo, desespero, esperança. A dificuldade de lidar com tais catástrofes
relaciona-se precisamente à resistência que oferecem à narrativa. Diante da impossibilidade de
escolher prontamente adversários, bodes expiatórios, como contar histórias? Entretanto, sem rela-
tos, não mais podemos “humanizar” a natureza. Estamos, portanto, órfãos de modelos narrativos
satisfatórios.
O dilema não é nada novo. O terremoto de Lisboa, que literalmente lançou por terra o ideal
iluminista de um progresso constante e ininterrupto, foi encarado por Voltaire com a ironia de
Cândido – dado o ânimo secularizador das Luzes, a solução era adequada. Muito antes, porém,
na gênese de boa parte de nossos modelos narrativos, toda sorte de catástrofes naturais podia ser
imediatamente reduzida à narrativa-matriz: sinal inequívoco da ira divina, reedição do merecido
castigo que, desde o pecado original, regularmente se aplica à humanidade.
O dilema também interessou a Machado de Assis. Num conto pouco discutido, “Na arca:
três capítulos inéditos do Gênesis”, imaginou uma situação-limite, no entrelugar da tragédia e da
catástrofe que constitui o nó górdio a ser enfrentado hoje. Entre os escolhidos para recomeçar a
humanidade, após o terrível castigo do dilúvio, dois filhos de Noé, Jafé e Sem, iniciam uma dis-
puta relativa à futura divisão das terras ainda sob as águas. O calor da disputa faz com que não
cedam nem mesmo à autoridade paterna. Desiludido, Noé lança uma profecia, enigmática para
seus filhos, mas traduzível em momentos históricos os mais diversos: “Eles ainda não possuem a
terra e já estão brigando por causa dos limites. O que será quando vierem a Turquia e a Rússia?”
Destino manifesto
Enquanto existirem russos e turcos, enquanto houver promessa de inimigos, Jafé e Sem defenderão
seus pontos de vista e, assim, manterão o dilúvio longe dos olhos. Um dos problemas contemporâneos é
que a secularização da cultura obriga a enfrentar tsunamis, furacões e toda sorte de catástrofes sem recor-
rer aos tradicionais recursos de narrativização da natureza e à atribuição de culpas a bodes expiatórios – os
“inimigos”. De um lado, a catástrofe provocada pelo furacão Katrina evidencia esse problema, e, de ou-
tro, certa característica da cultura norte-americana talvez contribua para agravar sua complexidade.
A ideologia do “destino manifesto” supõe uma compreensão particular do relacionamento da
história do país com a natureza. Em 1893, Frederick Jackson Turner (1861-1932) realizou sua mais
famosa conferência, “The Significance of the Frontier in American History” (O Significado da
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Ações ambientais globais
Fronteira na História Americana), texto cuja influência se estendeu por décadas e que ainda hoje
sobrevive nas fantasias imperiais de George W. Bush.
Segundo Turner, até o final do século XIX, cada nova geração de norte-americanos defron-
tou-se com uma fronteira potencialmente móvel, pois o solo ainda não havia sido totalmente ocu-
pado. Desse modo, a civilização norte-americana plasmou-se no embate constante com vastas ex-
tensões de terra, incluindo-se nesse embate o genocídio das populações nativas, condição sine qua
non para a anexação crescente de territórios a um país em expansão aparentemente interminável.
Contudo, em 1893, as fronteiras já estavam definidas. Por isso mesmo, Turner decidiu estudar sua
importância na formação do homem norte-americano, uma vez que daí em diante uma nova forma
de convívio deveria impor-se (observe-se, de passagem, a semelhança com o método posterior de
Gilberto Freyre, que estudou a relevância da família patriarcal na gênese da civilização brasileira no
momento em que seu declínio era fato consumado). Na visão otimista de Turner, a fronteira instável
teria propiciado o surgimento do “individualismo democrático norte-americano”, com base na livre
iniciativa e na capacidade de adaptar as circunstâncias exteriores ao próprio interesse. A teoria da
fronteira implicava o domínio das forças da natureza, vistas como argila para a construção do país.
Nas artes plásticas, desde o final da década de 1840, esse sentimento já tinha dado frutos nas telas da
New Hudson River School, isto é, na pintura das paisagens naturais norte-americanas. Ao contrário
do dilema brasileiro oitocentista, em que a exuberância da natureza tropical ameaçava o projeto
civilizatório, nos Estados Unidos, a natureza, em princípio inesgotável, representava a promessa do
progresso infinito.
No momento em que as fronteiras nacionais se estabilizaram, um novo “limite” foi criado,
na imagem nada sutil da política do Big Stick, de Theodor Roosevelt (1858-1919), presidente dos
Estados Unidos de 1901 a 1909. No fundo, trata-se da política revivida pelos atuais falcões da “di-
plomacia” norte-americana. Roosevelt inaugurou sua política de intervenção na América Latina em
1905, invadindo a República Dominicana. A atual política externa do governo Bush, com base no
que denomina “ataque preventivo”, tem sua origem ideológica tanto na tese da fronteira de Turner
quanto na violência imperial de Roosevelt. Nessa tradição, não há lugar para refletir sobre a natureza
em si mesma; ela é um mero meio para o progresso, deve ser moldável aos propósitos imediatos,
numa espécie de atualização perversa e, sobretudo, anti-intelectual da “dialética da ilustração”, tal
como definida por Adorno e Horkheimer. Assim, o tsunami pôde render narrativas porque se trata
de um fenômeno ocorrido a grande distância, logo, “admirado” com toda segurança numa surpreen-
dente vulgarização da experiência do “sublime”, como imaginada pelos filósofos do século XVIII.
Já o furacão Katrina ocasionou uma paralisia temporária: como entender tal catástrofe no interior
das fronteiras norte-americanas? Paralisia semelhante tomou conta do governo norte-americano na
época dos ataques às Torres Gêmeas; entretanto a reação foi muito mais rápida, afinal, havia ad-
versários autodeclarados: a narrativização do episódio se fez praticamente por si mesma. A inércia
inicial do governo norte-americano talvez expresse mais que o óbvio: há uma questão étnica e eco-
nômica na negligência observada; ora, se a catástrofe ocorresse na Nova Inglaterra, o atendimento
às vítimas seria imediato. Há uma questão política: a dispersão de forças, decorrente da invasão
do Iraque. Contudo, por que não pensar em outra dimensão? A civilização norte-americana parece
despreparada para enfrentar catástrofes no interior de suas fronteiras. É como se não pudesse aceitar
a incapacidade da ação humana diante de um fenômeno natural de tais proporções. O descaso do
governo Bush com o Protocolo de Kyoto traduzia essa arrogância, típica do homem de fronteira e
definidora de sua política “externa”. Os tempos mudaram. Não se dispõe de turcos, tampouco de
russos que acusar. Eis como Machado de Assis concluiu o conto: “A arca, porém, continuava a boiar
sobre as águas do abismo.” A agudeza do relato finalmente se tornou clara no atual naufrágio da
compreensão norte-americana da natureza.
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Ações ambientais globais
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Ações ambientais globais
Quais são as dificuldades para implantação de projetos internacionais nas realidades nacionais
e regionais?
<www.pnud.org.br/>.
<www.onu-brasil.org.br/>.
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Experiências de ações
ambientais nas políticas
públicas locais
Nadja Janke
E
m geral, um dos grandes problemas das políticas públicas é que elas sempre trataram separada-
mente da questão do desenvolvimento econômico, da desigualdade social, da conservação da
natureza, entre outras. Esse pode ser considerado um dos motivos do insucesso dessas políticas
com relação à degradação, já que nunca se pensou em crescimento com proteção ambiental.
A expressão políticas públicas tem sido amplamente usada no tratamento das questões relati-
vas ao desenvolvimento sustentável. Porém, não existe uma definição única para essa expressão na
literatura acadêmica, mas algumas alternativas possibilitam certo esclarecimento.
Para Vianna Jr. (1994), uma política pública é uma tentativa de alcançar determinada finalidade
por uma ação planejada de processos que vão desde a elaboração dessas finalidades até o planejamento
do método de ação, de análise, de controle dos resultados. Para esse autor, no entanto, as ações coorde-
nadas nem sempre são realizadas por um mesmo organismo governamental: muitas vezes, esses órgãos
nem mesmo são articulados. O que fica claro é que as políticas públicas são fruto de muito planejamen-
to e de estudos complexos para definir as diretrizes de atuação.
A origem da política é que a define como pública. Isso é ressaltado na definição de Demo
(2001), que diz que nem toda política social é uma política pública porque uma política social
pode ser o trabalho de organizações não governamentais, da sociedade civil, entre outras. Já
a política pública, para este autor, é toda política de autoria e de responsabilidade do Estado.
Porém, é preciso distinguir entre políticas e simples decisões, já que estas são tomadas todos
os dias e não possuem o caráter de planejamento elaborado das políticas públicas. Para Moraes
(1994), as políticas públicas podem ser de ordem econômica, de ordem social (educação, saúde
etc.) e de ordem territorial (urbanização, meio ambiente).
Muitas dessas políticas públicas setoriais, como as de energia, ciência e educação, estão rela-
cionadas à questão ambiental, muitas vezes causando impactos para o ambiente, como é o caso da
construção de usinas hidrelétricas, que inundam grandes áreas, ocasionando uma irreparável perda
de biodiversidade (BRASIL, 1991). Esses problemas geralmente são tratados com outras políticas
que tentam amenizar o problema.
A Agenda 21 trouxe um novo olhar para as políticas públicas. Propôs que as ações fossem
tratadas de forma sistêmica, ou seja, todas as questões devem ser analisadas ao serem implantadas
políticas públicas nos estados, tanto as questões sociais, políticas, como as ambientais, econômicas,
culturais, entre outras. O próprio planejamento da política já deve ser amparado por essa perspectiva,
assim facilitando o entendimento dos problemas e as formas de resolução. Segundo Veiga (1998), as
políticas agrárias de assentamento de agricultores sem-terra, por exemplo, devem ser acompanhadas
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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais
Políticas públicas
em unidades de conservação
Em geral, embora as políticas públicas sejam de base governamental, muitas
dependem da participação não só dos órgãos públicos mas também da população
local. É preciso que se construa um planejamento participativo para a elaboração
e a consolidação desses planos de conservação. No planejamento participativo,
as necessidades das populações são ressaltadas durante a elaboração dos planos
de ação de longo prazo. A população elege as questões prioritárias para alcançar
a sustentabilidade, o que envolve aspectos ambientais, mas também econômicos
e sociais. Desse processo, também participam instituições públicas e não gover-
namentais. É o caso da implementação de reservas extrativistas na Amazônia.
Anteriormente, as unidades de conservação ambiental não respeitaram as comu-
nidades que habitavam essas áreas e muitos habitantes perderam o direito sobre
suas terras e mesmo os que puderam ficar foram impedidos de extrair os recursos
da mata para sobreviver. Atualmente, o conceito de reserva extrativista tem sido
um contraponto a esse modelo de gestão. Um exemplo é a Reserva Extrativista
Chico Mendes, no Acre, criada 1990. As terras pertencem à União, que, em vez
de implantar projetos agroflorestais, de mineração, madeireiros ou agropecuários,
criou planos de manejo, em conjunto com representantes do governo, da socieda-
de civil e das comunidades favorecidas. Isso possibilitou que a população local
pudesse usufruir o ambiente, desde que obedecesse ao plano de manejo.
Outros exemplos, em âmbito federal, podem ser encontrados no site do
Ibama (www.ibama.gov.br), no qual estão expostas várias iniciativas no manejo e
proteção da biodiversidade em unidades de conservação. É o caso da reserva do
Parque Cabo Orange, localizado no extremo norte do Brasil, na costa do estado
do Amapá. Foi um dos primeiros parques criados na Amazônia. Segundo o site
do Ibama, uma equipe composta por técnicos do órgão, de universidades e de
institutos de pesquisa do Amapá e do Pará vai percorrer o parque para levantar
dados biológicos e arqueológicos e encaminhar a elaboração do plano de manejo
da área protegida. Esse plano de manejo vai determinar como deve ser a utilização
e o funcionamento do parque.
Essa iniciativa faz parte das ações do Arpa, o programa Áreas Protegidas
da Amazônia, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e executado pelo
Ibama e pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Esse programa,
além de criar novos parques e reservas na Amazônia, está investindo na consoli-
dação de áreas protegidas já criadas. É claro que o Ibama tem muitos problemas
estruturais e de funcionamento, o que nem sempre possibilita uma boa atuação e a
implantação das políticas públicas em áreas muito afastadas. É o caso das reservas
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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais
na Amazônia, por exemplo, que sofrem muito com o desmatamento, e que por
sua longa extensão e a distância nem sempre são bem monitoradas pelos agentes
do Ibama, que são poucos e ainda sofrem ameaças das madeireiras. O processo é
complicado e vai além da aplicação das políticas públicas, requerendo um efetivo
de fiscalização e monitoramento muito maior.
Como exemplo de implantação de política pública em ordem estadual, pode-
mos citar o caso de São Paulo. Em 1995, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado
de São Paulo criou o Programa para a Conservação da Biodiversidade (Secretaria
do Meio Ambiente, 1997). O objetivo era implantar ações de proteção e utilização
da biodiversidade do estado de acordo com a Convenção de Diversidade Biológica
(CDB). As unidades de conservação do estado, sob responsabilidade da Secretaria
do Meio Ambiente, são predominantemente da Mata Atlântica, ecossistema muito
ameaçado pela expansão das cidades. Além disso, a maior parte da reserva está
contida em propriedades privadas, o que aumenta a dificuldade de conservação.
Para lidar com esses problemas, a Secretaria criou uma série de programas – como
o Probio-SP, uma rede de geração de informações, produção de estudos e de dados,
reunião e sistematização de dados, projetos, eventos, assessoria técnica e científi-
ca, subsídios para políticas públicas – que visam ao diagnóstico participativo da
situação atual da biodiversidade e sua conservação, à proposição de alternativas
para a sua manutenção e utilização sustentável e justa (Secretaria do meio
ambiente, 1998).
Das políticas públicas locais, muitas ações são realizadas em parceria com a
comunidade local e universidades e com o apoio de empresas e ONGs da área am-
biental e socioambiental, criando uma rede muito maior de informações e ações
na implementação das políticas públicas.
É o caso do projeto de Construção da Agenda 21 do Município de Taiaçu-
peba, em Mogi das Cruzes, vizinha ao parque do Pico da Neblina, que trabalhou
em parceria com a Associação de Moradores, a ONG Instituto Ecofuturo e a sub-
prefeitura do distrito. O objetivo era criar um plano de desenvolvimento local sus-
tentável em parceria com toda a comunidade, com diagnósticos socioambientais,
eventos, oficinas e discussões sobre a sustentabilidade do ambiente da cidade e do
entorno (ECOAR, 2005).
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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais
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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais
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Experiências de ações
ambientais envolvendo
participação popular
e cidadania
Nadja Janke
O
planejamento participativo já é uma realidade em muitos programas de políticas públicas.
Mas a participação popular não se resume a esse âmbito. A sociedade civil organizada tem
participado ativamente inclusive na estruturação de organizações não governamentais, de
grande influência no cenário político atual.
As razões são as mais variadas: o desmatamento, a pobreza, as doenças sexualmente transmis-
síveis, entre outras. As ONGs têm atuado em todos os âmbitos da experiência cotidiana, ajudando a
levantar questionamentos e resolvendo muita das questões que dificultam a vida e degredam o am-
biente natural e urbano.
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania
Além disso, as ONGs, nesses casos, configuram-se como única via de re-
cursos financeiros para esses ambientes esquecidos pela instituição pública, pois
recebem financiamentos do governo e de outras entidades públicas e privadas,
facilitando o acesso da população a alguns serviços. Além disso, o trabalho das
ONGs é muitas vezes catalisador das iniciativas democráticas por parte da comu-
nidade. Segundo Saragoussi (2001), a criação de associações de classe e de sindi-
catos na região amazônica foi uma das conquistas políticas da ação da sua ONG.
Quanto às muito frequentes críticas de que as ONGs são organismos de
atuação muito limitada, local, Saragoussi (2002) explica que esse problema pode
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania
ser resolvido com a criação de parcerias entre outras instituições e mesmo ou-
tras ONGs, procurando aumentar o número de trabalhos e projetos desenvolvidos,
além do aumento da área atendida por esses projetos. Isso também dá à organiza-
ção maior possibilidade de financiamentos e determina um processo de contínuo
trabalho, possibilitando a manutenção da ONG.
Para a autora, a principal qualidade de seu projeto está em favorecer um
grande espaço para a cidadania, além de estar também na descentralização do
poder e na possibilidade de fornecer a essas populações e a esse ambiente outras
formas de lidar com seus conflitos. Só assim o ambiente pode favorecer um es-
paço de reflorescimento das possibilidades individuais e coletivas para essa po-
pulação tão afastada da participação e das decisões sobre sua vida e seu futuro.
Exemplos institucionais
nas áreas da educação e da saúde
Muitas das políticas públicas atuais têm procurado inserir o indivíduo da
comunidade na resolução de seus problemas coletivos. A intenção, ao menos, deve
ser a de contribuir para que ele esteja consciente dos problemas do seu bairro, da
sua região, criando um vínculo maior entre a população e o ambiente.
No caso da educação, em relação às escolas, o mecanismo tem sido o de
trazer os pais e a comunidade para dentro do ambiente escolar, contribuindo para
a educação dos alunos, facilitando assim uma troca entre os conhecimentos de
fora da escola e aqueles apreendidos pelas crianças no ambiente escolar. É o caso,
com relação à rede escolar do estado de São Paulo, do programa Escola da Fa-
mília, pelo qual os pais e outros moradores do bairro, assim como os estudantes,
frequentam o ambiente escolar durante os fins de semana e têm a oportunidade
de realizar atividades diversas, promovidas pela própria comunidade ou pela es-
cola, como aulas de informática, esportes, recreação, entre outras. Esse tipo de
iniciativa aproxima a comunidade da escola, numa troca de conhecimentos e no
incentivo à possibilidade de lazer para a população do entorno escolar.
Porém, o que mais encontramos na literatura são as propostas de atividades
de aproximação entre a escola e a comunidade por meio da ação das universidades,
pela elaboração de projetos e de parcerias entre seus estudantes e a direção das es-
colas, ou mesmo por meio de representantes da comunidade do entorno da escola.
É o caso do projeto de Almeida (2005) e Janke (2005), que procuravam pro-
blematizar sobre a participação da comunidade na resolução de seus problemas am-
bientais. O trabalho foi desenvolvido na cidade de Bauru, São Paulo, e as pesqui-
sadoras propuseram a formação de um grupo de pesquisadores comunitários para
estudar a história de ocupação de seu bairro e os indicadores de qualidade de vida
mais significativos para aquela população. O envolvimento da comunidade na for-
mação do grupo foi significativo e os resultados da pesquisa coletiva foram sociali-
zados para os demais membros da comunidade por meio da atuação da escola. Nes-
se caso, especificamente, a comunidade procurou a escola para ensinar um pouco do
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania
que sabia às crianças. A ideia foi prontamente aceita pela diretoria da escola, que viu
nesse trabalho uma possibilidade de atuação da escola na comunidade do entorno, o
que facilitaria e propiciaria maior participação da escola na vida do bairro.
Dessa forma, os moradores foram incentivados a contar suas experiências
aos estudantes, trazendo novos conhecimentos sobre a história de vida da comu-
nidade e possibilitando a problematização sobre as questões de insatisfação que
poderiam ser alvo de reivindicação e melhorias por parte dos alunos e da comu-
nidade. Essa escola já possuía um histórico de atuação ambiental interessante,
pois, por meio de manifestações e abaixo-assinados, já havia conseguido que a
prefeitura resolvesse um problema antigo na tubulação de esgotos do bairro, que
estava poluindo o córrego que corta a região.
Nessa parceria, a escola ainda pôde entrar em contato com um outro grupo
de estudantes e professores da Faculdade de Arquitetura da cidade, possibilitando
a produção de outros projetos relacionados à construção das casas, praças e ruas
do bairro (ALMEIDA, 2005).
O resultado é uma atuação forte da comunidade e da escola em busca da
melhoria de sua qualidade de vida e na construção, cada vez mais democrática,
da participação de todos como ponto fundamental para a criação de uma comu-
nidade sustentável.
Em relação à saúde, os programas públicos mais abrangentes têm beneficiado
uma nova maneira de apresentar a questão para a população. É a promoção dos
agentes comunitários de saúde, que nasceu da necessidade de levar atenção a regiões
marginalizadas pelo atendimento ambulatorial ou hospitalar (SILVA, 2002). Segun-
do essa autora, a ideia é a de criar um elo entre a comunidade e o sistema de saúde,
no qual o papel do agente comunitário assume tanto uma dimensão técnica, relacio-
nada ao atendimento às famílias, como uma função política, no sentido de organiza-
ção da comunidade e de transformação das condições que causam as doenças.
Este é o caso de programas como o Saúde da Família, de 2001, e outros
programas que se assemelham a ele. A função é a de promover a saúde da comu-
nidade pela ação da própria comunidade, por meio da formação desses agentes
comunitários, em contato direto com a população. Essa é mais uma iniciativa que
vê na potencialidade da participação e da luta comunitária um princípio para a
construção e o aumento da cidadania.
Ser agente comunitário de saúde é, antes de tudo, ser alguém que se identifica, em todos
os sentidos, com a sua própria comunidade, principalmente na cultura, linguagem, costu-
mes; precisa gostar do trabalho. Precisamos lutar por outros fatores que são determinantes
para a saúde como: trabalho, salário justo, moradia, saneamento básico, terra para traba-
lhar, entre outros. (BRASIL, 1991, p. 6)
Nesse sentido, promover a saúde é muito mais do que cuidar da doença: é re-
alizar um trabalho educativo que incentive a participação na busca pela qualidade
de vida das populações humanas.
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania
Concluindo...
Mais uma vez, precisamos ressaltar que a participação é a grande responsá-
vel pelo estabelecimento de sociedades sustentáveis e harmônicas. Nos exemplos
citados anteriormente, a participação mostra sua importância, imprimindo ao ato
educativo, à promoção da saúde e à conservação do ambiente, uma efetividade
que jamais poderia ser conseguida sem a presença da comunidade.
Não precisamos esquecer, no entanto, que o incentivo à prática da cidadania
e da autonomia da população pela busca de mais qualidade de vida não exime o
Estado e as instituições públicas de seus deveres enquanto tais. Pelo contrário,
a busca é por um Estado cada vez mais democrático e atuante. O Estado possui
obrigações que são só suas e que não devem e não podem ser realizadas pela so-
ciedade civil organizada. Afinal, é papel do Estado promover a saúde, a educação,
a geração de empregos, a dissipação das desigualdades sociais, entre outros.
No entanto, uma população atuante e participativa pode ser um pilar de
sustentação da atuação do Poder Público. A comunidade consciente de seu papel
cidadão, de sua possibilidade de escolha, de seus direitos humanos e civis, realiza
um ato reivindicatório, de decisão, de atuação e de fiscalização muito mais demo-
crático, conhecedor e efetivo.
Esse é possivelmente o grande papel das organizações não governamen-
tais, da sociedade civil organizada, dos projetos de apoio à comunidade. Mais
do que empreender ações para resolver este ou aquele problema social, é sim
promover o conhecimento da importância da participação da comunidade frente
aos seus desejos e necessidades e a importância de enfrentar as situações adver-
sas com reivindicação e muita discussão democrática.
2. Discutam de que forma o grupo poderia se articular para solucionar um problema relacionado
ao tema na sua cidade (criar um projeto, discutindo metodologia, justificativa, objetivos etc.).
ALMEIDA, Isadora Puntel de. Recolorir o Presente pela Aquarela da Memória Ambiental: pes-
quisa-ação-participativa em um bairro de Bauru. Bauru, 2005. Dissertação. Mestrado em Ensino de
Ciências. Universidade Estadual Paulista.
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Experiências de ações
ambientais nas
empresas privadas
Nadja Janke
O
peso das ações humanas sobre o ambiente é conhecidamente o causador dos problemas am-
bientais. Essas ações podem causar repercussões ambientais de vários níveis. A isso chama-
mos impacto ambiental, ou seja, a alteração no meio ou em algum de seus componentes por
determinada ação ou atividade, produto da intervenção humana no ambiente. Tais alterações possuem
variações relativas, podendo ser grandes ou pequenas, ou ainda positivas ou negativas. É preciso que
essas alterações sejam estudadas para avaliar a consequência dessas ações no ambiente e de que for-
ma elas podem ser evitadas na implementação dos projetos e ações humanas.
A Resolução 1 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 23 de janeiro de 1986,
estabeleceu a lista de atividades que dependem de EIA, e seu respectivo Rima, para funcionar.
O EIA é o estudo de impacto ambiental. Trata-se de um trabalho multidisciplinar que estuda os
efeitos da ação do ser humano no ambiente, fazendo um balanço e uma previsão dos acontecimentos
ambientais, dessa forma recomendando ações de minimização ou mudança das atividades ou ações
de execução das obras.
Todo EIA possui seu respectivo Rima, ou seja, seu relatório de impacto ambiental. Ele é seme-
lhante ao EIA, porém deve ser redigido em linguagem mais simples, acessível tanto a técnicos como
à população em geral.
Os empreendimentos a seguir listados são aqueles que exigem um EIA, e seu relatório simpli-
ficado, o Rima, para que possam receber o licenciamento.
Estradas com duas ou mais faixas de rolamento.
Ferrovias.
Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos.
Aeroportos.
Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgoto sanitário.
Linhas de transmissão de energia elétrica acima de determinada voltagem.
Obras hidráulicas como barragens para fins de geração de energia, para irrigação e abasteci-
mento de água.
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Experiências de ações ambientais nas empresas privadas
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Experiências de ações ambientais nas empresas privadas
Para isso, possui características próprias. Ou seja, ele deve conter alguns pontos
importantes para possibilitar o entendimento de todos e as discussões sobre a im-
plantação dos empreendimentos. Suas características são
objetivos e justificativas do projeto e sua relação com políticas setoriais
e planos governamentais;
descrição e alternativas tecnológicas do projeto (matéria-prima, fontes
de energia, resíduos etc.);
síntese dos diagnósticos ambientais da área de influência do projeto;
descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação da ativida-
de e dos métodos, técnicas e critérios usados para sua identificação;
caracterização da futura qualidade ambiental da área, comparando as di-
ferentes situações da implementação do projeto, bem como a possibili-
dade da sua não realização;
descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras em relação aos
impactos negativos e o grau de alteração esperado;
programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;
conclusão e comentários gerais.
A importância do EIA/Rima é fundamental para o conhecimento do impac-
to das construções humanas no ambiente. Para que seja efetivo, ele deve ser o mais
multidisciplinar possível, conhecendo todas as implicações, em todos os âmbitos,
para o ambiente. Também é importante que seja socializado para o conhecimento
da população de uma forma geral, para que todos compreendam as implicações de
determinadas construções no meio.
Exemplos de relatórios
de impacto em grandes empresas
As usinas hidrelétricas são grandes empreendimentos que necessitam de
relatório de impacto para poderem ser efetivadas. Em geral, os danos ao ambiente
são irreversíveis e inevitáveis, mas os relatórios procuram diminuir o impacto da
ocupação por meio do controle das ações ambientais.
No entanto, muitas vezes os relatórios mascaram a realidade para facilitar a
implantação dos empreendimentos: eles confundem os dados coletados, fazendo
com que os danos ambientais fiquem imperceptíveis.
Este pode ser o caso da UHE Corumbá I, localizada a 196 quilômetros de
Goiânia, no curso principal do rio Corumbá, a 92 quilômetros de sua foz, na bacia
do rio Paranaíba, no estado de Goiás. A UHE Corumbá I teve sua construção lici-
tada em 1981 e a execução de suas obras foram iniciadas em 1982. A primeira fase
de enchimento do reservatório teve início em setembro de 1996, sendo atingida a
cota máxima em março do ano seguinte.
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Experiências de ações ambientais nas empresas privadas
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Experiências de ações ambientais nas empresas privadas
DIREITOS HUMANOS
1. Respeitar e proteger os direitos humanos.
2. Impedir violações de direitos humanos.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho.
4. Abolir o trabalho forçado.
5. Abolir o trabalho infantil.
6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho.
MEIO AMBIENTE
7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.
8. Promover a responsabilidade ambiental.
9. Encorajar tecnologias que não agridam o meio ambiente.
COMBATE À CORRUPÇÃO
10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extor-
são e propina.
Concluindo...
As empresas possuem um importante papel social na manutenção e na ges-
tão dos ambientes naturais. Elas possuem muita infraestrutura e financiamento
para colocarem em execução diversos projetos de proteção, manejo e fiscalização
na ação ambiental. O grande problema é que as empresas possuem compromissos
de outra ordem, como o financeiro e econômico, e não estão interessadas em co-
locar em primeiro plano as questões ambientais.
No que diz respeito às multinacionais, a situação se complica porque elas
não possuem qualquer vínculo com o ambiente e com a população local. Elas pro-
curam países em desenvolvimento, pois estão interessadas nos incentivos fiscais,
na mão de obra barata e na possibilidade de obtenção de matéria-prima. O resul-
tado é muito lucro. Por isso, muitas empresas recebem incentivos que facilitam a
sua gestão em troca de projetos que melhorem a condição ambiental.
Apesar disso, a população tem mais uma vez um papel central na fiscali-
zação dessas empresas, da sua gestão ambiental e dos resultados da sua implan-
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Experiências de ações ambientais nas empresas privadas
tação no ambiente. Precisamos valorizar as boas ações, os bons empreendimentos, mas também
tomar conta para que ações impactantes não prejudiquem o ambiente. É mais uma vez do cidadão
a responsabilidade pelo cuidado da biodiversidade, dos recursos naturais, e da qualidade de vida
para nós e para as futuras gerações.
Pesquisar em jornais e revistas reportagens que tratem de ações ambientais. Vamos analisar o
peso das políticas públicas, das empresas e da sociedade para a realização de cada uma dessas
ações?
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A Questão Ambiental: diferentes
abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A Questão Ambiental: diferentes
abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
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PETROBRAS. Meio Ambiente. Disponível em: <www2.petrobras.com.br/portal/meio_ambiente.
htm>. Acesso em: 20 ago. 2005.
TAUK, Samia Maria. Análise Ambiental: uma visão multidisciplinar. São Paulo: Unesp, 2004.
TEIXEIRA, Kharen de Araújo; SILVA JÚNIOR, Nelson Jorge. Análise Comparativa dos Estudos
Ambientais Sobre a Fauna de Vertebrados Terrestres: o caso da UHE Corumbá I, Goiás. Disponí-
vel em: <www.alfa.br/revista/turismo.php>. Acesso em: 20 ago. 2005.
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Educação Ambiental como
instrumento de superação da
insustentabilidade
Nadja Janke
E
ducação Ambiental talvez não seja a expressão mais correta. Não deve haver apenas um único
conceito para um ato tão amplo como educar. Digo educar porque me parece óbvio que Edu-
cação Ambiental e educação representam, em síntese, epistemologicamente, a mesma ação:
educar.
Aliás, quando falamos em Educação Ambiental, temos a é possível educar fora de
nítida impressão de que estamos lidando com uma expressão um ambiente, de um
redundante... Afinal, é possível educar fora de um ambiente, de
espaço, de uma cultura?
um espaço, de uma cultura? A impossibilidade é visível, mas a
expressão Educação Ambiental se justifica, afinal, pelo simples
fato de que serve para destacar dimensões esquecidas pelo fazer educativo, no que se refere ao enten-
dimento da vida e da natureza, em suas dimensões físicas, históricas, políticas, culturais etc.
Portanto, para entendermos Educação Ambiental, nosso primeiro olhar deve estar voltado à
educação. Afinal, qual o papel da educação? Saviani (1997) explica que o homem de hoje é resultado
daquilo que criou como espécie, mas, sobretudo, como ser histórico. Ou seja, ao transformar a na-
tureza para criar a humanidade em si, o homem construiu uma série de manifestações, de conheci-
mentos e técnicas cuja apropriação tornou-se imprescindível à adequação dos indivíduos no conjunto
da sociedade, para sobreviver no ambiente. Podemos entender essa apropriação, essa transmissão de
conhecimentos de geração a geração como um ato educativo.
Assim, a educação tem como objetivo a identificação da cultura, que deve ser apropriada para
que nos tornemos humanos. O fato de transcendermos as possibilidades de cada época, de modo que
novos conhecimentos e atitudes sejam criados e repassados a outros indivíduos, faz com que nossa ca-
pacidade de transformação seja intensa e constante e demonstra nossa dependência do ato educacio-
nal. Ademais, do ponto de vista sociopolítico, todos têm direito à apropriação desses conhecimentos,
fruto do trabalho histórico, para que se desenvolvam e estejam seguros quanto aos constrangimentos
e discriminações que a falta desses mesmos instrumentos possa ocasionar. Daí a importância e o valor
da educação.
Em suma, a educação corresponde aos processos de transmissão/assimilação de conhecimentos, va-
lores, condutas e práticas produzidos historicamente, necessários à compreensão das estruturas individu-
ais e coletivas, sem as quais o ser humano jamais se produziria como tal. Educar é possibilitar a apreensão
fundamental para a construção histórica humana em cada indivíduo.
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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade
“[...] o trabalho educativo é Onde fica o ambiente nesse contexto? O ambiente sempre
o ato de produzir, direta e existiu do ponto de vista educacional. Afinal, o próprio saber/
intencionalmente, em cada fazer humano só existe em consequência da transformação/
construção/entendimento desse ambiente. Ambiente é o lugar
indivíduo singular,
onde vivemos, suas dimensões naturais, tanto quanto a cons-
a humanidade que é truída pelo ser humano, individual e coletivamente, expressa
produzida histórica e fisicamente, culturalmente, simbolicamente, em termos de re-
coletivamente pelo lações.
conjunto dos homens” A educação nos ajudou, de certa forma, a construir nossa
(Saviani, 1997, p. 17). atual relação com o ambiente. Afinal, do ponto de vista históri-
co, podemos observar a existência de uma relação direta entre a
educação e o ambiente, o que torna possível um melhor entendimento dos proble-
mas ambientais com que hoje nos deparamos. Pois, se construímos ao longo dos
anos uma relação de exploração com o ambiente, a educação repassou esse tipo de
relação, construída historicamente, até os dias de hoje.
Saviani (1997) nos explica melhor essa relação ao abordar o conceito de
trabalho. Para esse autor, o homem, diferentemente dos demais animais, necessita
produzir continuamente sua existência para garantir a continuidade de sua espé-
cie. Para tanto, ele transforma a natureza, adaptando-a a sua realidade, e o faz por
meio do trabalho. Constrói assim atividades de ação intencional, transformando a
natureza de forma a criar um ambiente humano, o ambiente da cultura. Comple-
ta a ocupação humana do espaço em que o ambiente não é mais o natural e sim
aquele construído pelos homens, para os homens. Danosa ou não, essa ocupação
humana do espaço é transmitida de geração a geração, pela necessidade de manu-
tenção do modo de vida construído historicamente. Visto dessa forma, fica claro
como a evolução histórica desse conceito de trabalho, e a própria organização do
trabalho em nossa sociedade, transformou a natureza a ponto de colocar em risco
o planeta e todos os seres que o habitam.
Porém, se é possível reconhecermos a fonte desse problema em nossa cultura
e nos princípios educacionais que nos fazem repassar, continuamente, essa forma
de atuação humana que nos têm causado tantos problemas, é possível também en-
contrarmos parâmetros para as mudanças desses paradigmas e a consolidação de
uma forma de atuação mais respeitosa para com o ambiente. É nesse sentido que a
Educação Ambiental tornou-se uma necessidade indiscutível, uma das principais
formas participativas de incentivo às novas gerações para que estejam cientes e
atuem criticamente na manutenção dos ambientes, possibilitando uma melhoria
na qualidade de vida.
No processo educacional, em função da situação do ambiental atual, a
emergência de novas ideias e valores tornaram necessária a inclusão de uma
Educação Ambiental que se comprometa em formar indivíduos ambientalmen-
te mais conscientes. No entanto, não se pode dizer que a ação da Educação
Ambiental esteja ligada à questão educacional unicamente como uma forma de
transmissão de conhecimentos, sem qualquer atuação prática. É preciso lembrar
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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade
que os problemas ambientais não são resultado apenas da nossa “falta de conhe-
cimentos” mas também decorrem do tipo de interação, exploração e ocupação
que o homem faz do ambiente e que tem impedido as possibilidades de recons-
trução desse ambiente.
Segundo Rousset (2000), a origem da crise ecológica contemporânea está
no produtivismo e, portanto, as soluções devem se basear na modificação do fun-
cionamento ou produção das sociedades humanas, responsável pelas poluições,
contaminação das águas, escassez de matérias-primas e recursos, destruição de
ecossistemas naturais, além dos fatores sociais e políticos, todos intimamente li-
gados à desigualdade social, responsável por outra série de repercussões nas rela-
ções sociais e ambientais do nosso modo de vida.
Nesse contexto, é preciso que a educação forneça algo mais do que a forma-
ção da individualidade, sendo importante, dessa maneira, reformular parâmetros
para uma educação cidadã. Segundo Porto-Gonçalves (1990), o modo como co-
nhecemos e identificamos a natureza se reflete nas relações sociais e na cultura
de nossa sociedade, servindo de suporte ao nosso modo de vida e de produção.
Assim, a solução para os problemas ecológicos atuais está contida determinan-
temente na reformulação de nossos parâmetros de sociabilidade. Assim, não faz
sentido separar a problemática ecológica da social. “A Educação Ambiental surge
como uma necessidade quase inquestionável pelo simples fato de que não existe
ambiente na educação moderna. Tudo se passa como se fôssemos educados e edu-
cássemos fora de um ambiente” (Grün, 1996, p. 21).
O próprio movimento ambientalista surgiu a partir de um questionamento
sobre uma série de valores da sociedade capitalista. O consumismo exagerado, as
guerras e a destruição da natureza fizeram com que os homens se questionassem
sobre a relação intrínseca entre conservar e sobreviver.
É preciso entender, no entanto, que a ação frente aos problemas ambientais
demorou a se estruturar por depender, intrinsecamente, da concepção da relação
entre homem e natureza, fator determinante para o tipo de interação que o ser hu-
mano manteve com o ambiente ao longo dos anos. Lembremos que a organização
da sociedade moderna, inclusive na política, nas ciências e nas artes, foi marcada
pelo cartesianismo, o dualismo entre homem e natureza. Nesse contexto, a nature-
za era vista apenas como um objeto de estudo, já que o homem era o único “sujei-
to” em relação ao conhecimento. Essa característica representa um dos princípios
do antropocentrismo, do humanismo, pelo qual o homem configura o centro de
todas as relações. O homem era o sujeito do estudo ambiental e contemplava o
ambiente como algo externo a si. No entanto, a preocupação com a conservação
do ambiente foi se tornando forte demais. Atrelada a ela, vinha a necessidade de
se abandonar esse modelo maniqueísta, que distanciava o homem do ambiente nas
ciências e na sociedade de uma forma geral. Ao final dos anos 1980 e início dos
anos 1990, a preocupação da Educação Ambiental era trabalhar em integração
com a natureza. O homem é parte do ambiente e por isso reproduz em si toda a
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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade
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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade
médio, podendo ser adotada, somente quando necessário, apenas no Ensino Su-
perior. O caráter da EA deve ser sistêmico e integrador, e não acomodado a uma
disciplina (CARVALHO, 2004).
Sato (2003) ressalta ainda outra característica ou princípio da EA no que
se refere ao currículo escolar. A EA deve favorecer a ludicidade, a brincadeira, o
dinamismo, como método para o favorecimento do engajamento e da participação
na discussão ambiental. Nesse sentido, a autora ressalta que a inclusão da temática
ambiental nos currículos escolares deve acontecer a partir de atividades diferencia-
das que possam conduzir os alunos a serem agentes ativos no processo de formação
de conceitos. Sendo o professor o mediador do processo de ensino e aprendizagem,
cabe a ele propor novas metodologias que favoreçam a implementação da EA.
Nessa perspectiva, o uso de materiais sobre os temas ambientais em sala de
aula no processo de ensino e aprendizagem pode servir como fonte de informa-
ção. No entanto, não devem ser utilizados com exclusividade. A diversidade entre
esses materiais deve ser a mais ampla possível. A utilização de materiais diversi-
ficados como revistas, jornais, propagandas, filmes, faz com que o aluno sinta-se
inserido no mundo a sua volta (BRASIL, 1997).
Além disso, é preciso dizer que os conteúdos devem ser discutidos e traba-
lhados de forma coletiva, buscando conhecimentos não somente do professor, que
também possui uma leitura individual do mundo, mas também dos educandos,
como nos sugere Meyer (1991, p. 42):
Reconhecendo que a escola não é o único local de aprendizado e que o processo educativo
não se inicia nem se esgota no espaço escolar, torna-se fundamental dialogar com o conhe-
cimento que as pessoas têm acerca do ambiente, aprendido informalmente e empiricamente
em sua vivência e prática social, respeitando-as, questionando-as, levando-as a repensarem o
aprendido. Enfim, possibilitando que elas formulem e expressem suas ideias e descobertas, e
elaborem os seus próprios enunciados e propostas.
Educação Ambiental
em espaços não formais
Sabemos que educar não é exclusividade do ensino escolar. Todas as pes-
soas possuem uma leitura de mundo que é anterior e ulterior àquela do ambiente
escolar: as vivências práticas, do cotidiano, do mundo do trabalho, da espiritua-
lidade, que complementam o ser humano em todos os âmbitos de sua vida e de
sua relação com o ambiente. A Educação Ambiental, nesse sentido, pode ser uma
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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade
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Educação Ambiental
em perspectiva
Nadja Janke
A
Educação Ambiental em âmbito escolar tem sofrido muitas modificações ao longo dos anos.
De fato, por muito tempo acreditou-se que fazer Educação Ambiental era uma prática para o
ensino de ciências, de ecologia. Hoje, esse já é um conceito ultrapassado.
Outra questão que precisou ser ultrapassada é o falso entendimento de que a Educação Am-
biental é responsável por conscientizar os indivíduos para serem cidadãos mais responsáveis am-
bientalmente. É preciso ter certa ressalva com o termo conscientizar. Ele imprime a falsa impressão
de que as pessoas não têm consciência, não têm seus próprios valores de conduta. Isso não é verdade,
e a EA deve se preocupar em atender às diferenciações culturais, éticas e morais existentes na socie-
dade para assim exercer um trabalho de respeito às diferenças, partindo delas para reformulá-las. Isso
precisa ser levado em conta na escola, local de tantas diversidades culturais, filosóficas, sociais, entre
outras. Claro que é preciso trabalhar com as diferenças, respeitando-as, de modo a alcançar menor
desigualdade nas relações, o que não significa que as diferenças precisem ser homogeneizadas. Pelo
contrário, as diferenças precisam ser respeitadas para o alcance da igualdade.
No entanto, a Educação Ambiental escolar ainda tem seus pontos falhos. Em muitos casos, a
questão transdisciplinar ainda não foi bem interpretada na prática, o que causa problemas na imple-
mentação dos trabalhos.
Segundo Sato (2003), para se fazer Educação Ambiental de forma transdisciplinar é preciso
trabalhar com a adoção de temas geradores, assim facilitando a participação de muitas disciplinas no
contexto do trabalho, como demonstra o gráfico a seguir, extraído de Sato (2003, p. 45).
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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável
Português
- exercícios de vocabulário
- debate sobre a importância da árvore
- interpretação de textos, poesias
História
Artes
- tempo de vida das árvores
- pintura de folhas
- meio de vida dos povosda floresta
- formas das folhas
- cultura indígena
- colagem com flores
Geografia
- conservação das florestas
- florestas tropicais
- clima Matemática
- contagem de árvores no entorno da escola
- pesodas partes da árvore
- comparação de tamanhos e formas
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Educação Ambiental em perspectiva
O mundo
O outro
Eu
Construção
de identidade
Construção
de alteridade
Relações com
o meio da vida
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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável
Por outro lado, a observação direta das questões ambientais por parte
dos sujeitos sociais faz com que elas se tornem muito mais nítidas e o apren-
dizado seja mais facilmente elaborado. Ao ressaltar a questão do aprendi-
zado enfocamos, dessa forma, o objetivo imprescindível ao trabalho com
esse tipo de metodologia: seu caráter educativo. Segundo Thiollent (2000),
a pesquisa-ação não pode correr o risco de se transformar em ativismo e, no
entanto, sua pretensão é possibilitar o desenvolvimento do “nível de cons-
ciência” e do conhecimento dos envolvidos. Portanto, os princípios teórico-
metodológicos da pesquisa-ação-participativa se aproximam dos princípios
teórico-metodológicos da Educação Ambiental.
A primeira etapa de elaboração do projeto de pesquisa-ação-participativa
está na formação do próprio grupo de trabalho. Após a formação inicial do
grupo, seguem os processos de escolha do tema, do tipo de atuação necessária
para trabalhar sobre ele, e quais serão as formas de observação dos resultados
obtidos. Essas etapas foram sistematizadas por Angel (2000, p. 50): o desenho
da investigação; o desenvolvimento da investigação por meio de um processo
cíclico de planejamento, ação, observação e reflexão; e, por último, a elaboração
do informe final.
Essa metodologia favorece a ação de grupos e movimentos sociais porque
prioriza a problematização dos temas, sua pesquisa e seu entendimento, para fa-
cilitar a ação. Dessa maneira, produz novos conhecimentos para os grupos en-
volvidos e possibilita a construção da cidadania de forma consciente e estudada,
possibilitando a ampla estruturação dos princípios da Educação Ambiental:
participação efetiva de toda a comunidade na melhoria do ambiente;
articulação entre o conhecimento cientifico e o senso comum;
estruturação de uma práxis, isto é, a busca pela complementaridade entre
reflexão e ação;
consciência da intencionalidade política da ação ambiental;
garantia da continuidade do processo educativo.
Essa modalidade tem sido muito usada em diversos trabalhos de Educação
Ambiental, inclusive em escolas e com grupos de moradores de bairros, sindicatos
de empresas, entre outros.
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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável
Capítulo II
DA POLÍTICA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Seção I
Disposições Gerais
Art. 6.º É instituída a Política Nacional de Educação Ambiental.
Art. 7.º A Política Nacional de Educação Ambiental envolve em sua esfera
de ação, além dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de
Meio Ambiente – Sisnama, instituições educacionais públicas e privadas
dos sistemas de ensino, os órgãos públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e organizações não governamentais
com atuação em Educação Ambiental.
Art. 8.º As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Am-
biental devem ser desenvolvidas na educação em geral e na educação
escolar, por meio das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas:
I - capacitação de recursos humanos;
II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações;
III - produção e divulgação de material educativo;
IV - acompanhamento e avaliação.
§1.º Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambien-
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Educação Ambiental em perspectiva
Seção II
Da Educação Ambiental no Ensino Formal
Art. 9.º Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desen-
volvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas
e privadas, englobando:
I - educação básica:
a) educação infantil;
b) ensino fundamental e
c) ensino médio;
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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável
II - educação superior;
III - educação especial;
IV - educação profissional;
V - educação de jovens e adultos.
Art. 10 A educação ambiental será desenvolvida como uma prática edu-
cativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modali-
dades do ensino formal.
§1.º A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina es-
pecífica no currículo de ensino.
§2.º Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao as-
pecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessá-
rio, é facultada a criação de disciplina específica.
§3.º Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em
todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética am-
biental das atividades profissionais a serem desenvolvidas.
Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação
de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação
complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender
adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Políti-
ca Nacional de Educação Ambiental.
Art. 12. A autorização e supervisão do funcionamento de instituições de
ensino e de seus cursos, nas redes pública e privada, observarão o
cumprimento do disposto nos artigos 10 e 11 desta Lei.
Seção III
Da Educação Ambiental Não formal
Art. 13. Entendem-se por educação ambiental não formal as ações e prá-
ticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as
questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da
qualidade do meio ambiente.
Parágrafo único. O Poder Público, em níveis federal, estadual e munici-
pal, incentivará:
I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa,
em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de
informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente;
II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações
não governamentais na formulação e execução de programas e
atividades vinculadas à educação ambiental não formal;
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Educação Ambiental em perspectiva
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Anotações
9 788538 729730