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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

Sociedade Contemporânea Sociedade Contemporânea


e e
Desenvolvimento Sustentável Desenvolvimento Sustentável
Cynthia Roncaglio
Nadja Janke

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-2973-0

9 788538 729730

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Cynthia Roncaglio
Nadja Janke

Sociedade Contemporânea e
Desenvolvimento Sustentável

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012

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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
R676s

Roncaglio, Cynthia, 1964-


Sociedade contemporânea e desenvolvimento sustentável / Cynthia Roncaglio, Nadja
Janke. - [1.ed., rev.]. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012.
234p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2973-0

1. Gestão ambiental. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Política ambiental - Brasil. 4.


Proteção ambiental - Brasil. 5. Civilização moderna - Século XXI. I. Janke, Nadja

12-5047. CDD: 363.7


CDU: 504.06

16.07.12 30.07.12 037464


__________________________________________________________________________________

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Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

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Sumário
Teoria social e ambiente I...........................................................................................................9
Sociedade e natureza.....................................................................................................................................9
Teoria social clássica..................................................................................................................................10
Marx, Durkheim e Weber: entre o social e o natural..................................................................................13

Teoria social e ambiente II......................................................................................................17


Sociedade contemporânea e degradação ambiental....................................................................................17
Teoria social contemporânea......................................................................................................................19

Modernidade, racionalidade e ordem......................................................................................29


Os preceitos da racionalidade política, econômica e cultural da sociedade moderna................................29
Capitalismo, transformação da natureza e a sociedade de risco.................................................................34
O mal-estar na modernidade.......................................................................................................................35

Pós-modernidade, irracionalidade e desordem.......................................................................39


As incertezas da racionalidade política, econômica e cultural...................................................................39
Globalização e políticas ambientais............................................................................................................41
O mal-estar na “pós-modernidade”............................................................................................................43
A natureza como sujeito ............................................................................................................................44

Desenvolvimento sustentável..................................................................................................47
Desenvolvimento e ambiente......................................................................................................................47
Compreendendo conceitos: ecologia, meio ambiente,
ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável...................................................................................49
Nosso futuro comum e os princípios de sustentabilidade...........................................................................53

Sustentabilidade para quem?...................................................................................................59


Desenvolvimento econômico X desenvolvimento sustentável...................................................................59
Globalização e discursos de sustentabilidade.............................................................................................61
É possível sustentabilidade como alternativa de desenvolvimento?..........................................................64

Políticas públicas e desenvolvimento sustentável..................................................................69


A política e seus significados......................................................................................................................69
Política e multidimensionalidade dos problemas humanos.........................................................................71
Globalização e políticas ambientais............................................................................................................73
O esverdeamento das políticas públicas ....................................................................................................74

Estado e ambiente no Brasil....................................................................................................79


A emergência da questão ambiental no Brasil............................................................................................79
Evolução das políticas públicas ambientais................................................................................................81
Posicionamentos do Estado brasileiro face à questão ambiental................................................................84

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Sociedade e ambiente no Brasil..............................................................................................91
A força do ambientalismo na sociedade contemporânea............................................................................91
A criação de organizações não governamentais ambientalistas..................................................................95
Movimentos sociais e ambientalismo no Brasil.........................................................................................97

Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I..............................................................101


Origens e transformações das cidades......................................................................................................101
Representações do campo e da cidade......................................................................................................103
Problemas urbanos....................................................................................................................................104
Limites da sustentabilidade urbana...........................................................................................................106

Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II.............................................................109


Transformações urbanas...........................................................................................................................109
Práticas de sustentabilidade urbana em cidades brasileiras......................................................................110
Desafios para as cidades contemporâneas................................................................................................117

Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I.................................................................. 119


O mundo rural...........................................................................................................................................119
Desenvolvimento rural no Brasil..............................................................................................................120
Desenvolvimento territorial sustentável: uma nova abordagem...............................................................123
Os atores do desenvolvimento rural sustentável.......................................................................................126

Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II.................................................................131


Sistemas de produção sustentáveis...........................................................................................................131
Práticas de sustentabilidade rural no Brasil..............................................................................................135
Desafios para a vida rural contemporânea no Brasil................................................................................138

Cuidando da natureza............................................................................................................143
Preservação ou conservação?...................................................................................................................143
Preservando o ambiente............................................................................................................................143
O movimento conservacionista.................................................................................................................145
A natureza como recurso..........................................................................................................................147
Gerenciamento sustentável dos ecossistemas...........................................................................................148
A natureza como patrimônio.....................................................................................................................150

Saberes em jogo na qualidade ambiental..............................................................................153


Saberes científicos e tecnológicos............................................................................................................153
Saberes tradicionais e modernos...............................................................................................................155
Quem detém o saber ambiental?...............................................................................................................157

Gestão participativa e ambiente............................................................................................161


Sustentabilidade: conciliando participação social e cuidado com o ambiente.....................................................161
Agenda 21: uma proposta de gestão.........................................................................................................164
Gestão de unidades de conservação: o papel dos atores sociais...............................................................165

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Ações ambientais globais......................................................................................................173
Relatório Brundtland................................................................................................................................174
Eco-92, Agenda 21e a Convenção da Biodiversidade..............................................................................175
Dez anos depois: a Rio+10.......................................................................................................................177
Protocolo de Kyoto...................................................................................................................................178
O Projeto do Milênio das Nações Unidas.................................................................................................179

Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais...........................................185


Políticas públicas em unidades de conservação........................................................................................186
Políticas públicas e desenvolvimento rural...............................................................................................187
Políticas públicas em educação................................................................................................................189

Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania................195


Exemplos de construção da Agenda 21....................................................................................................195
Exemplos de ONGs da área socioambiental.............................................................................................198
Exemplos institucionaisnas áreas da educação e da saúde.......................................................................200
Concluindo................................................................................................................................................202

Experiências de ações ambientais nas empresas privadas....................................................205


O papel dos estudos de impacto ambiental / relatórios de impacto ambiental.........................................205
Exemplos de relatórios de impacto em grandes empresas........................................................................207
Exemplos de ações ambientais em empresas............................................................................................208
Concluindo................................................................................................................................................210

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade.......................213


Conceituando Educação Ambiental..........................................................................................................213
Educação Ambiental no âmbito escolar....................................................................................................217
Educação Ambiental em espaços não formais..........................................................................................218
Educação Ambiental e cidadania..............................................................................................................220

Educação Ambientalem perspectiva.....................................................................................223


Educação Ambiental em escolas...............................................................................................................223
Educação Ambiental e movimentos sociais..............................................................................................225
Educação Ambiental e políticas públicas.................................................................................................227
Educação Ambiental e empresas privadas................................................................................................231

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Apresentação
Caro aluno,

A partir deste material, faremos juntos uma viagem por um tema fascinante e complexo: a socie-
dade ocidental contemporânea e a perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Para compreender os problemas sociais e ambientais contemporâneos, precisamos fazer uma traves-
sia que inclua algumas paradas em lugares e tempos estratégicos, onde e quando transformações históricas
importantes anunciaram mudanças no modo de nos relacionar e de compreender a natureza.
Assim, faremos logo no início da nossa viagem um passeio pela teoria social a fim de apreender
as reflexões essenciais acerca da relação entre sociedade e natureza que surgiram num tempo em que
a natureza ainda não se sentia ameaçada pelas nossas ações e nós não tínhamos a consciência coletiva
de que podíamos colocar em risco não somente a natureza mas também a natureza humana.
Tendo em mente essas ferramentas teóricas essenciais, faremos uma incursão pela sociedade
ocidental moderna e pós-moderna, buscando alguns elementos que nos ajudem a compreender como
se estabeleceram a ordem e o caos, as racionalidades e as irracionalidades no âmbito da política, da
economia e da cultura contemporâneas. A abordagem que aqui faremos, de alguns momentos cruciais
da evolução da ciência e da sociedade, é fundamental para compreendermos o tipo de contato que
estabelecemos com a natureza e o ambiente que cercamos e que nos cerca.
A partir disso, poderemos compreender melhor porque a questão ambiental se colocou como
um dos principais problemas, senão o principal e mais abrangente, no decorrer do século XX e no
início do XXI. A análise de conceitos como desenvolvimento sustentável, ecodesenvolvimento e sus-
tentabilidade, usados com frequência por políticos, cientistas e cidadãos em geral, será apresentada
aqui com o intuito de estimular a sua reflexão sobre um tema que desperta muitas polêmicas e ações
diversas no âmbito do governo, das empresas privadas, das organizações sociais.
As experiências globais e locais na área ambiental, quer ocorram no campo ou na cidade, re-
presentam uma ponte entre a teoria e a prática, a sociedade e a natureza, os interesses individuais e
os coletivos, a destruição e a preservação. Você terá oportunidade, em vários momentos de leitura e
reflexão, assim como no decorrer das atividades propostas, de fazer essa ligação entre os conteúdos.
Não poderíamos deixar de salientar também a importância da Educação Ambiental para a for-
mação de cidadãos mais sensíveis e atentos aos problemas ambientais e o fato de ela poder estar pre-
sente em todas as instâncias da vida social, na educação formal e na informal.
Certamente, quando chegarmos ao fim da nossa viagem, você perceberá que o assunto trata-
do é vasto e profundo e que o nosso objetivo aqui é tão somente despertar, por meio dos conteúdos
abordados, da indicação de leituras, filmes e atividades, o desenvolvimento da consciência crítica e a
curiosidade para você continuar nos seus estudos a explorar e desvendar o mundo social e natural em
toda a sua diversidade.
Boa viagem!
Cynthia Roncaglio

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Teoria social e ambiente I
Cynthia Roncaglio*

Sociedade e natureza

D
urante milhares de anos, a existência e a sobrevivência da humanidade de-
penderam das condições ditadas pela natureza. Isolados, fracos, repletos
de necessidades e assustados diante da grandeza e da imprevisibilidade
dos fenômenos naturais, durante muito tempo os seres humanos submeteram-se
às forças da natureza e as trataram com respeito e temor. Até poucos séculos atrás,
a natureza abrigava o homem, constituía o seu habitat.
Ao longo da história da humanidade, porém, a relação entre sociedade e
natureza foi se alterando na medida em que o homem se percebe diferenciado
(a natureza humana como diferente da natureza) ou até mesmo afastado do
mundo natural (quando surgem, por exemplo, as cidades e acelera-se o pro-
cesso de urbanização). Essa transformação lenta, mas progressiva, propicia
uma reflexão – um movimento de retorno sobre o saber, sobre o que é o ser,
como as coisas funcionam e para que servem.
Desse questionamento, surgem a filosofia e as ciências, que, dentro dos li-
mites do conhecimento de cada época, especularam e formularam diversas con-
cepções sobre o que é o homem, o que é a natureza e o que um tem a ver com a
outra. Em linhas gerais, pode-se dizer que a filosofia, as ciências e as teorias da
sociedade contemporânea herdaram a influência de duas concepções de ciência e
filosofia universais: a grega e a hebraica.
A filosofia grega, denominada monista, parte do princípio da imanência do
ser, ou seja, homem e natureza são inseparáveis, pertencem ao mundo das coisas
concretas, materiais, e formam um todo. A filosofia hebraica, denominada dualis-
ta, ao contrário, baseia-se na transcendência, isto é, o homem pertence à natureza,
mas a natureza foi criada por Deus, que é um ser superior que se coloca acima das
coisas materiais. Como o homem foi criado à imagem de Deus, ele pode se trans-
Douto r a n d a e m M e i o
formar em senhor da natureza para respeitar a vontade divina. Na epistemologia1 A mbiente e D e s e n v o l-
vimento p e la U n iv e r-
antiga (século V a.C. até século XVI d.C.), predomina o monismo; na epistemolo-
sidade F e d e ra l d o Pa -
gia moderna (século XVII a século XIX), predomina a concepção dualista, base- raná (U FPR ). M e s tre
em H istó ria d o B ra s il.
ada na dominação da natureza, evidenciada no pensamento de Descartes, Kant,
Professo ra d o c u rs o d e
Hegel. Na parte final do Discurso do método (1637), Descartes diz o seguinte: História d a s F a c u l d a d e s
Integrad a s Es p írita . H is -
[...] conhecendo a força e ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os toriadora .
outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres
de nossos artífices, poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para
os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. 1 Epistemologia é a teoria
do conhecimento – refle-
xão geral sobre o desenvol-
(DESCARTES, 1983, p. 63, grifo nosso). vimento do conhecimento
humano em suas diferentes
etapas.

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Teoria social e ambiente I

Pode-se dizer que o desenvolvimento da técnica e da ciência no contexto das


relações de produção e reprodução das sociedades capitalistas nos séculos seguintes
foi permeado pela ideia cartesiana de que é possível explorar a natureza (entendida
como uma quantidade de recursos disponíveis e ilimitados) e dominá-la (a partir do
uso eficaz de instrumentos técnicos e conhecimentos científicos).
Tal atitude em relação aos recursos naturais, no entanto, tem provocado, ao
longo do tempo, danos irreparáveis ao ambiente. Em graus variáveis, e em épocas
e espaços diferentes, pode-se tomar como exemplo de degradação do ambiente a
escassez de recursos naturais não renováveis na era industrial, a alteração das es-
tações e do clima, a erosão do solo e o desmatamento. Diante dessas constatações
surgiu, entre o final do século XIX e o início do século XX, a epistemologia socio-
econômica e uma crise ecológica, que podem ser caracterizadas filosoficamente
como a tensão constante entre modos monista e dualista de compreender e viver a
relação entre sociedade e natureza.
A mesma civilização que A mesma civilização que construiu o progresso tec-
construiu o progresso nológico e científico baseado na exploração e na dominação
da natureza encontra-se diante de uma crise de paradigmas.
tecnológico e científico
A crise ecológica é uma crise da razão, uma crise de ligação
baseado na exploração e limite: o que nos liga à natureza, o que liga o homem, os
e na dominação da animais e os seres vivos? O que nos distingue dos animais,
natureza encontra-se dos seres vivos, da natureza? Os ecologistas reatualizam a
diante de uma crise discussão sobre a relação entre sociedade e natureza modi-
de paradigmas. ficando a frase de Descartes: o homem deve ser mestre e
protetor da natureza.

Teoria social clássica


O que significa a teoria social e por que estudá-la para compreender o am-
biente? Como foi visto até aqui, existiram muitas correntes da filosofia que, de
certa forma, pensaram a relação entre o homem e a natureza. Ou melhor, conce-
beram determinadas ideias sobre a natureza e a humanidade a partir de uma ou
outra concepção filosófica.
A filosofia, assim como a A filosofia, assim como a ciência, constitui um modo de
ciência, constitui um conhecimento produzido historicamente por sociedades que a re-
modo de conhecimento conhecem como válida. O mundo ocidental, ao longo dos séculos
XIX e XX, conferiu ao saber produzido pela ciência um estatuto
produzido historicamente
superior aos demais, assim como possibilitou o pleno desenvol-
por sociedades que a vimento e a consequente especialização do conhecimento cientí-
reconhecem como válida. fico. A ciência obteve, a partir daí, a possibilidade de aprofundar
conhecimentos sobre o universo, a vida, os seres humanos e a sociedade em um
grau que não poderia ser abrangido por uma única disciplina ou pelo estudo de um
único indivíduo. O surgimento e o desenvolvimento da biologia, da filologia, da
economia, da psicologia e da sociologia, entre outras, no campo epistemológico,
propiciou igualmente aperfeiçoamento teórico-metodológico, rigor intelectual e sis-
tematização de conhecimentos sem igual.
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Teoria social e ambiente I

A ciência, entretanto, é tecida pelas e nas relações sociais. Em nome da razão,


Não paira sobre os indivíduos – ao contrário, é entremeada de constituiu-se uma ciência
representações, crenças e valores subjacentes à sociedade e aos
poderosa para alcançar
indivíduos que a legitimam. Ou, em outras palavras, o fazer-se
da ciência não ocorre separado dos interesses sociopolíticos e
os seus fins e uma ciência
do aparato tecnológico que lhe dá suporte e sustentação. É fruto determinista para justificar
do conhecimento dos homens e ligada à necessidade de produ- os seus meios.
ção material dos homens. Em nome da razão, constituiu-se uma
ciência poderosa para alcançar os seus fins e uma ciência determinista para justi-
ficar os seus meios.
Portanto, a teoria social clássica, desenvolvida no decorrer do século XIX na
Europa, construiu um modelo explicativo da realidade que, sob determinada pers-
pectiva, ampliou a compreensão sobre sua própria época, mas, ao mesmo tempo,
foi condicionada por ela. No decorrer do século XIX e até meados do século XX,
a teoria social voltou-se fundamentalmente para o estudo dos fenômenos sociais,
inclusive porque a crescente especialização e a competitividade das ciências exi-
gia a demarcação da estrutura conceitual e metodológica de cada disciplina, até
certo ponto impedindo que florescessem questionamentos mais profundos sobre
as relações entre a sociedade e o seu substrato “natural” ou “material”.
Isso não quer dizer que não houve defensores de uma estreita relação entre a
biologia e a sociologia para se compreender a sociedade. Augusto Comte2, assim
como Herbert Spencer3, considerava que os princípios e os procedimentos meto-
dológicos da biologia deveriam ser aplicados na análise sociológica. Comte esta-
beleceu, por exemplo, analogia entre a forma e a função dos organismos vivos e 2 Augusto Comte (1798-
1857): considerado o pai
da sociologia e fundador da
seus órgãos para explicar a correlação entre indivíduos e instituições nas socie- doutrina positivista, que
consiste na crença em uma
dades modernas. Spencer transpôs os modelos de evolução, seleção e variação de ciência objetiva que seria o
estágio mais avançado da
Darwin para o desenvolvimento social. civilização.

Os economistas políticos clássicos (1770-1830), em especial, procuraram


apontar a relação entre as possibilidades econômicas do homem e as limitações es- 3 Herbert Spencer (1820-
1903): entendia a huma­
nidade na sua realidade
tabelecidas pelas condições ambientais. Malthus4, de modo mais direto, dedicou-se social, psíquica, moral, como
produto da evolução, tal qual
a estudar os efeitos sociais do crescimento demográfico e a escassez de alimentos – a definiu Darwin.

a reprodução biológica dos pobres seria mais rápida que o incremento agrícola para
abastecer a população. Tanto David Ricardo5 como John Stuart Mill6 identificaram 4 Thomas Robert Malthus
(1766-1884): economista
inglês. Suas ideias se
os potenciais limites do crescimento e dos recursos naturais em uma economia tornaram uma doutrina. O
malthusianismo afirmava
agrícola em expansão. Baseados em argumentos diferentes, ambos concluem que ser o controle da natalidade
necessário, tendo em vista
o crescimento econômico explosivo do século XIX redundaria num esgotamento a desproporção entre o
crescimento da população e
da fertilidade dos solos e na queda das taxas de rendimento da terra. o aumento da produção dos
bens de consumo. Hoje, os
Em meados do século XIX, o crescente ritmo da industrialização tornou princípios malthusianos têm
sido rejeitados pelo mundo
os prognósticos de Malthus e de Ricardo redundantes. As taxas de crescimento científico, sendo considerados
demográfico continuavam a aumentar, assim como a produtividade agrária, mas falsos e em desacordo
com o desenvolvimento da
humanidade.
esta produtividade apresentava um papel cada vez mais reduzido no processo de

5
crescimento econômico. Com a crescente importância da industrialização no des- David Ricardo (1772-
1823): economista inglês.
tino da humanidade, juntamente com a especialização das ciências, é compreensí-
vel que esses estudos – que, de um modo ou de outro, procuravam entender os elos
entre a sociedade e o ambiente – fossem desviados para outros enfoques.
6 John Stuart Mill (1806-
1873): filósofo e econo-
mista inglês.

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Teoria social e ambiente I

A fim de compreender as origens e os efeitos da degradação ambiental na


sociedade contemporânea, cabe analisar, ainda que de modo amplo e geral, a con-
tribuição da teoria social clássica, que não tomou como principal viés de análise
a relação entre sociedade e natureza, seja porque havia uma disjunção entre os
conhecimentos do mundo natural e do mundo social, seja porque a percepção dos
potenciais problemas ecológicos não tinha ainda contornos claros como hoje. De
acordo com Goldblatt (1996, p. 21),
[...] para a teoria social clássica, o problema ecológico fundamental não era as origens da
degradação do ambiente, mas o modo como as sociedades pré-modernas haviam sido con-
troladas pelos seus ambientes naturais, e o modo como as sociedades modernas haviam
conseguido ultrapassar esses limites ou, em certa medida, se haviam desligado das suas
origens “naturais”.

Teoria social sob o signo da Revolução Industrial


Dá-se o nome de Revolução Industrial às profundas transformações econô-
micas e sociais que ocorreram na Europa a partir da segunda metade do século
XVIII. Basicamente, a Revolução Industrial consistiu, e ainda hoje consiste, na
busca de novas fontes de energia e sua aplicação em máquinas capazes de produ-
zir bens. Iniciada na Inglaterra, a industrialização estendeu-se à França em torno
de 1810 e, em seguida, à Alemanha. Aproximadamente em 1840, começava a
industrialização dos Estados Unidos da América; a partir da segunda metade do
século XIX, também se transformavam a Rússia, o Japão e a Itália.
O processo de industrialização tornou-se um fenômeno mundial e consolidou
definitivamente o modo de produção capitalista. A mecanização do processo de
produção de bens alterou drasticamente a natureza e a sociedade, com a introdução
da maquinaria e de novas formas de organização do trabalho. Na Inglaterra do início
do século XVIII, por exemplo, ainda predominava uma forma de trabalho baseada
na produção familiar. Uma das principais atividades da época era a produção de
tecidos. A família funcionava como uma pequena unidade industrial em que cada
membro dedicava-se a uma ocupação – uns fiavam, outros cardavam, outros te-
ciam. A família era então proprietária da produção, dos instrumentos de trabalho
que utilizava e das matérias-primas que transformava. As peças de tecido eram
depois comercializadas nas cidades próximas pelo chefe da família. Com a ex-
pansão do mercado consumidor, e com o surgimento dos comerciantes manufatu-
reiros, que intermediavam as relações comerciais, modificaram-se pouco a pouco
as relações de trabalho e a vida social. Surgiram as fábricas e muitos camponeses
deslocaram-se do campo para a cidade em busca de emprego. As condições de
vida nas cidades industriais, no entanto, causaram sérias alterações na rotina de
camponeses e artesãos. Num primeiro momento, a urbanização não acompanhou
o grande contingente de pessoas que migravam para as cidades. Péssimas condi-
ções de higiene e saneamento básico, moradias insalubres e falta de água eram
alguns dos fatores negativos do processo inicial da industrialização, assim como
os operários eram submetidos a condições de trabalhos sub-humanas.
Do ponto de vista tecnológico, o impulso definitivo dado à Revolução In-
dustrial foi a invenção do tear mecânico (que antecedeu todas as máquinas indus-
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Teoria social e ambiente I

triais modernas), o coque metalúrgico (usado como combustível nos altos-fornos


para a produção de ferro e aço) e a máquina a vapor. Um dos maiores impactos
causados pela industrialização, no entanto, foi a invenção da locomotiva e o con-
sequente desenvolvimento das estradas de ferro. Paralelamente à produção têxtil,
cresceram a mineração, a siderurgia e as indústrias metalúrgica e mecânica (que
produziam as máquinas para as demais indústrias). Houve também um grande
avanço na indústria de construção naval e em todos os setores ligados aos meios
de transporte, indispensáveis ao escoamento das mercadorias.
Como a produção de máquinas exigia grandes somas de dinheiro, desenvol-
veu-se também toda uma rede de relações comerciais, sistemas bancários e a par-
ticipação direta dos governos para arrecadação das quantias necessárias. O Estado
assumiu ainda o papel de regulador das leis trabalhistas e de entidades de classe,
fornecendo subsídios à indústria e formulando regulamentos bancários.
Todas essas transformações causaram impacto também sobre a produção
do conhecimento e geraram reflexões teóricas acerca do modo como as socie-
dades modernas haviam conseguido ultrapassar os limites naturais ou, em certa
medida, haviam se desligado de suas origens “naturais”, embora os problemas
ambientais não se colocassem ainda como variáveis importantes para a análise
social. Cabe, no entanto, analisar alguns aspectos da contribuição de três pen-
sadores clássicos da sociologia moderna para os posteriores modelos de análise
que surgirão no século XX.

Marx, Durkheim e Weber:


entre o social e o natural
Para Karl Marx7, o homem é um animal racional, mas o que o distingue dos
outros animais, mais do que a razão, é o trabalho. Por meio do trabalho, o homem
transforma a natureza. Os animais fabricam instrumentos, mas não trabalham. Os
homens fabricam os meios de suprir suas necessidades, que mudam no tempo e no
espaço. A divisão social do trabalho leva à divisão de classes sociais. Esta divisão
só ocorre em sociedades que produzem excedentes, isto é, que obtêm mais do que
o necessário para garantir a sua subsistência e, dessa forma, geram lucro sobre o
que produzem. 7 Karl Marx (1818, Trier,
Alemanha – 1883, Lon-
dres, Inglaterra): fundador
Nessa linha de interpretação, a sociedade de classes inevitavelmente produz do materialismo dialético e
do materialismo científico.
a luta de classes – a luta entre aqueles que não detêm os meios de produção e, por- Seus estudos e sua atua-
ção junto aos movimentos
tanto, são obrigados a vender a sua força de trabalho para aqueles que detêm os operários europeus gerou
meios de produção e o capital. Segundo Marx, é possível construir uma sociedade o Marxismo – conjunto de
concepções e reflexões rea-
rica sem divisão de classes porque os trabalhadores podem trabalhar e participar lizado com Friedrich Engels
que atraiu muitos seguidores.
da gestão da sociedade. As ideias que os homens têm estão sempre definidas pela Marx considera que as cau-
sas da exploração humana
posição que ocupam no espaço do trabalho: há aqueles que vivem o tempo do ocorrem por causa das condi-
ções materiais da existência
trabalho e há aqueles que têm o tempo para pensar no trabalho. e a consciência dos homens
é determinada pela realidade
social, ou seja, pelo conjunto
dos meios de produção.

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Teoria social e ambiente I

Para Marx, a natureza é compreendida enquanto objeto de transformação


do homem por meio do trabalho para obter as condições naturais desse trabalho
e como meio de subsistência. Conforme os estudiosos da filosofia marxista, essa
visão estática da natureza, ou de submissão aos interesses do homem, decorre do
fato de Marx se dedicar essencialmente à compreensão do sistema capitalista, no
qual a natureza já aparecia como simples mercadoria, e secundariamente com as
sociedades primitivas, nas quais o mundo natural foi pouco modificado por causa
do escasso desenvolvimento das forças produtivas e da veneração com que era
tratado. Nas sociedades capitalistas, a natureza não é revestida de poder nem con-
siderada como sujeito, e sim como objeto de consumo ou meio de produção.
Durkheim8 compreende a divisão do trabalho como sendo uma estrutura de
toda a sociedade moderna, calcada na propriedade privada e na diferenciação so-
cial das pessoas, sendo a divisão técnica ou econômica apenas uma manifestação
8 Durkheim (1858, Épinal,
Alsácia – 1917, Paris,
França): considerado fun-
dessa realidade histórica. Assim, discorda-se de que os homens teriam anterior-
dador da escola francesa de mente consciência da sua individualidade e dividiriam o trabalho atribuindo uma
sociologia.
ocupação específica para cada um a fim de aumentar o rendimento coletivo. Para
9 Conceito cunhado por
Durkheim para explicar
a construção da consciência
Durkheim, a consciência da individualidade não poderia existir antes da solida-
riedade orgânica9 e da divisão do trabalho. Em seu conhecido estudo Da divisão
individual e coletiva. A so-
lidariedade orgânica é uma do trabalho social, o autor analisa e destaca o papel de fatores como a densidade
característica das socieda-
des em que ocorre a divisão
demográfica e a escassez de recursos no processo de divisão do trabalho. Ou seja,
econômica do trabalho. Uma
estrutura segmentária pressu-
identifica a importância do mundo natural na evolução das sociedades humanas,
põe uma diferenciação social na medida em que relaciona a densidade populacional com os recursos materiais
que possibilita o crescimento
da individualidade. Nessa disponíveis e daí surge a estratificação social.
sociedade, o indivíduo é vis-
to como uma coisa de que a
sociedade dispõe. Nas socie-
Assim como Marx, Durkheim rejeita o determinismo biológico, afirmando que
dades primitivas, prevalece os fenômenos sociais não podem ser estudados a partir do evolucionismo biológico ou
a solidariedade mecânica,
pois a consciência individual de variáveis como raça, instinto, clima etc. Ao contrário, ambos os autores salientam
decorre do próprio desenvol-
vimento histórico, cada indi- o ponto de contato econômico entre as sociedades humanas e o mundo natural e a sua
víduo é o que os outros são,
praticamente não havendo importância para as transformações históricas. Durkheim, em suas análises, deteve-se
divisão do trabalho, somente
a divisão sexual do trabalho.
mais sobre o papel da industrialização do que na escassez de recursos, evidentemente
Nas sociedades primitivas, porque estava mais interessado em descobrir como a industrialização influenciava a
dominadas pela solidariedade
mecânica, a consciência cole- sociedade e não como a sociedade influenciava o meio ambiente.
tiva é maior que a consciência
individual. Já nas sociedades
em que ocorre a diferenciação
Entre os teóricos sociais clássicos, Weber10 é o que menos se volta para as
dos indivíduos, a consciência questões referentes ao mundo natural. Inserido no rol dos cientistas sociais que
individual se sobrepõe à cons-
ciência coletiva. se opunham a utilizar os marcos metodológicos definidos pelas ciências naturais,
entende o objeto da sociologia como, fundamentalmente, “a captação da relação
10 Weber nasceu em Er-
furt, em 1864, e mor-
reu em Munique, 1920. Eco-
de sentido” da ação humana. Ou, em outras palavras, Weber diz que não basta ex-
nomista, filósofo e sociólogo plicar um fenômeno social: é preciso compreender o conteúdo simbólico da ação
alemão. Foi um dos autores
mais influentes no estudo ou das ações que o configuram. Nessa perspectiva, não é possível explicar pro-
do surgimento e do funcio-
namento do capitalismo e priamente o fato social como resultado de um relacionamento de causas e efeitos
da burocracia, bem como da
sociologia da religião. Dete-
(procedimento das ciências naturais), e sim compreendê-lo como fato carregado
ve sua análise na tendência
à racionalização progressiva
de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função
da sociedade moderna. Evi- dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.
dencia que as sociedades in-
dustrialmente desenvolvidas
são cada vez mais racionais.
Em alguns dos seus estudos, encontram-se algumas referências indiretas
A consequência disso seria
uma crescente desagregação
sobre o mundo natural, como na sua análise sobre o judaísmo, na qual faz algumas
religiosa. reflexões sobre as origens e as consequências ecológicas do nomadismo; ou nas
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Teoria social e ambiente I

suas investigações históricas sobre os modos de produção agrária da Antiguidade


– mas não são estudos que indicam algum tipo de reconhecimento do impacto das
atividades sociais sobre os diversos ambientes naturais. Nos seus trabalhos mais
conhecidos, como A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e Economia e
Sociedade, não existem referências ecológicas, mas em sua Histórica Econômica
Geral ele desenvolveu alguns elementos que certamente apontam para a direção
de uma ecologia humana11. Nesse estudo, Weber indica alguns fatores ambientais
que podem ser considerados, dentro de modelos multicausais, como prováveis
fatores de sobrevivência de algumas camadas sociais sobre as outras.
Em suma, embora entre suas concepções teóricas haja divergências, Marx,
Durkheim e Weber contribuíram significativamente para a compreensão das relações
sociais sob o sistema capitalista e das influências da industrialização na forma de as
sociedades se organizarem do ponto de vista econômico e político, assim como indi-
caram possibilidades de transformações culturais a partir do socialismo. A limitação
das suas análises sobre a relação entre sociedade e natureza se dá muito mais em
função de que na sociedade em que viveram o capitalismo e a tecnologia industrial

11
se colocavam como capacidade de criar abundância material e não havia nas socieda- Ramo das ciências
humanas que estuda a
des modernas limitações naturais evidentes. Esse trio de pensadores clássicos reagiu estrutura e o desenvolvimen-
contra teorias sociais de fundo biológico, mas não necessariamente negou o papel to das comunidades humanas
em suas relações com o meio
da natureza nas transformações históricas. Por certo, desenvolveram um pensamento ambiente e a sua consequen-
te adaptação a ele, assim
relativamente antropocêntrico12 em que a natureza aparecia muito mais como cenário como novos aspectos que
os processos tecnológicos
onde se realizava a trama histórica do que como sujeito/objeto ativo do processo his- ou sistemas de organização
social possam acarretar para
tórico. as condições de vida do ho-
mem.
Suas teorias, no entanto, não apresentam um retrocesso em relação às ante-
riores: ao contrário, representam um avanço sobre as teorias sociais de sua época
porque colocaram a questão social no centro da reflexão sobre a humanidade. Se
12 O pensamento antro-
pocêntrico considera
que a natureza não tem va-

as estruturas conceituais desses pensadores já não parecem suficientes para com-


lor em si, pois constitui os
“recursos naturais” a serem
explorados pelos homens.
preender e explicar o século em que as inovações sociais, tecnológicas e comuni- Baseia-se numa visão dico-
cacionais alteraram sensivelmente as estruturas sociais, as formas de produção, a tômica de homem e natureza,
na qual o primeiro tem domí-
organização institucional, as relações de trabalho, a percepção de tempo e espaço, nio, por meio da ciência e da
técnica, sobre a última.
a degradação dos ecossistemas, entre tantas outras mudanças inusitadas, constituí-
ram um ponto de partida fundamental para a epistemologia do século XX.

Os temas da ecologia humana e do meio ambiente estão tornando-se rapi-


damente o assunto dos anos vindouros do século XX, e são considerados
como tais não somente pelas organizações governamentais e internacio-
nais, mas por milhões de pessoas que descobriram que suas lutas eco-
nômicas, sociais, políticas e culturais, tendo em vista sua sobrevivência
contra a pobreza e a miséria, são simultaneamente lutas ecológicas. O si-
nal prático de que a ecologia humana pode transformar-se nos temas do-
minantes do século XXI é o rápido crescimento dos movimentos sociais
que de uma maneira ou de outra estão combatendo a tendência mundial
de destruição da natureza no universo. Os temas mundiais da ecologia
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Teoria social e ambiente I

e do meio ambiente vão certamente ter maior importância no futuro. Os povos do mundo
estão começando, de formas variadas e às vezes contraditórias, a levar em conta as relações
entre si e com o resto da natureza. (REVISTA CAPITALISM, NATURE, SOCIALISM apud
DIEGUES, 1996, p. 50-51).

Discuta em grupo essa citação, relacionando-a com o texto apresentado, identificando as razões
pelas quais somente a partir do século XX as questões ecológicas passam a ser relacionadas
com as questões sociais.

DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. In: RODRIGUES, José Albertino. Durkheim:
sociologia. São Paulo: Ática, 1968.
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos e Outros Textos. São Paulo: Abril Cultural,
1983. (Coleção Os Pensadores).
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Mestre Jou, 1985.

DESCARTES, René. Discurso do Método. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pen-
sadores).
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1996.
DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho. In: RODRIGUES, José Albertino. Durkheim:
sociologia. São Paulo: Ática.
GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade con-
temporânea. Petrópolis/Florianópolis: Vozes/UFSC, 1999.
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos e Outros Textos. São Paulo: Abril Cultural,
1983. (Coleção Os Pensadores).
WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo: Mestre Jou, 1985.

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Teoria social e ambiente II
Cynthia Roncaglio

Sociedade contemporânea e degradação ambiental

A
Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Inglaterra e expandida para vastas regiões
do planeta no decorrer do século XIX e no início do século XX, transformou de modo signifi-
cativo, e inigualável a qualquer outro momento anterior, a história das sociedades humanas. O
impacto das atividades humanas sobre a natureza também ocorreu em uma escala e uma intensidade
sem precedentes na história do mundo natural.
Especialmente no “breve” século XX, como conceitua o historiador inglês Eric Hobsbawm
referindo-se ao período da história mundial que compreende do início da Primeira Guerra Mundial
(1914) até o fim da Era Soviética (1991), a aceleração das mudanças sociais e econômicas correspon-
deu à aceleração da degradação do ambiente. Isso, porém, não era uma evidência para a maioria das
pessoas que viveram no século XX. Apenas alguns entusiastas da vida silvestre e outros protetores
de raridades humanas e naturais preocupavam-se com os problemas ambientais derivados do pro-
gresso industrial e tecnológico (HOBSBAWM, 1995, p. 257).
Pode-se atrelar esse fato, por um lado, ao efeito do crescimento econômico – entre os anos 1950
e 1970 – que expandia a crença na ideologia do progresso dominante, sendo a natureza representada
como uma fonte de recursos inesgotáveis a satisfazer as “necessidades” humanas. Por outro lado, as
estratégias de modernização e desenvolvimento desse período – organizados em dois modelos: um
centrado no papel do mercado e o outro no do Estado – começavam a propiciar em âmbito mundial
inquietações de ordem cultural, social e política que iriam deflagrar movimentos sociais voltados para
lutas específicas como os movimentos pela paz, a favor da emancipação feminina, contra o racismo,
pela conservação da natureza.
Nos ditos anos dourados, a economia mundial crescia a uma taxa explosiva e o mundo indus-
trial avançava por todo o globo terrestre: nas regiões capitalistas, nas regiões socialistas e no chamado
Terceiro Mundo. Nas regiões socialistas e no Terceiro Mundo, a industrialização maciça se deu sob
um sistema industrial arcaico baseado em ferro e fumaça. Os países socialistas, ainda que imbuídos
de uma ideologia oposta ao capitalismo, ignoraram as consequências ecológicas do sistema industrial
que estavam implantando.
Mesmo no Ocidente, o velho lema do homem de negócios do século XIX, “onde tem lama, tem grana” (ou seja,
poluição quer dizer dinheiro), ainda era convincente, sobretudo para construtores de estradas e “incorporadores”
imobiliários, que descobriram os incríveis lucros a serem obtidos numa era de boom secular de especulação que
não podia dar errado. (HOBSBAWM, 1995, p. 257)

Nesse período, a paisagem natural foi drasticamente alterada pela especulação imobiliária, que,
usando métodos industriais inovadores, construía a curto prazo conjuntos habitacionais baratos nos
arredores das cidades, erguendo prédios que alterariam para sempre o processo de urbanização.

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Teoria social e ambiente II

Os processos Os processos revolucionários do século XX estão ligados


revolucionários do século diretamente às duas grandes guerras mundiais, que demanda-
XX estão ligados vam altas tecnologias. As inovações tecnológicas militares do
breve século XX, portanto, preparam o terreno para o uso civil
diretamente às duas
de vários artefatos industriais: o radar, o motor a jato e várias
grandes guerras mundiais. outras ideias e técnicas que culminaram na invenção da eletrôni-
ca e da tecnologia de informação, como os primeiros computadores digitais civis
e o transistor na década de 1940, os circuitos integrados na década de 1950 e os
lasers na década de 1960, e ainda os vários subprodutos dos foguetes. Antes disso,
no período entre as guerras, já haviam aparecido alguns produtos revolucionários:
os materiais sintéticos, mais conhecidos como plásticos, que começaram a entrar
em produção comercial, como o náilon (1935)1, o poliestireno2 e o polietileno3. No
campo da diversão e dos meios de comunicação, o triunfo do rádio de massa e
da indústria do cinema em Hollywood e no mundo anglo-saxônico, assim como a
televisão e a gravação em fita magnética.
Como salienta Hobsbawm, essas revoluções tecnológicas transformaram o
cotidiano do mundo rico e também, embora com menos impacto, o do mundo
pobre. O rádio, graças ao transistor e a miniaturizada bateria de longa duração,
podia chegar às mais remotas regiões; a revolução verde4 transformou o cultivo do
arroz e do trigo; e as sandálias de plástico substituíram os pés descalços. A maior
parte dos que tinham geladeira e freezer no mundo europeu, somente após 1945
pôde experimentar produtos novos: comida desidratada congelada, hortigranjeiros
industrializados, carne recheada de enzimas, bem como vários produtos químicos
para alterar o seu gosto (HOBSBAWM, 1995, p. 260).
Portanto, o impacto das atividades industriais e urbanas, mas também das
1 Fibra têxtil sintética, de-
rivada da resina poliami-
da, e que se caracteriza por
atividades agrícolas, aumentou acentuadamente a partir de meados do século XX,
ser imputrescível, elástica assim como aumentou o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural
e de notável resistência aos
agentes atmosféricos. etc.). Descobriam-se, inclusive, novas fontes de energia mais rapidamente do que
se podia usá-las.
2 Estireno polimerizado
que pode ser produzido
sob forma rígida, para uso Após a Segunda Guerra Mundial, houve ainda, conforme destaca Fritjof
em peças e utensílios domés-
ticos, ou sob forma celular,
Capra (1995, p. 190-221), um investimento na construção de usinas nucleares. A
para uso em embalagens e
isolantes térmicos (isopor).
energia nuclear, chamada pelos líderes mundiais de átomos para a paz, passou
a ser considerada a fonte energética do futuro: confiável, limpa e barata. Hoje,
3 Polímero de etileno usa-
do para isolamento em
sabe-se que a energia nuclear não é segura, nem limpa e nem barata. Os elementos
condutores de corrente elétri-
ca, tubos, próteses, materiais
radiativos liberados por centenas de reatores nucleares que operam no mundo in-
de embalagem, tanques etc. teiro são os mesmos que caem sobre a terra após a explosão de bombas atômicas.
Vários acidentes, como explosões nucleares e vazamentos de reatores, já ocorre-
4 Transformação tecno-
lógica e econômica da
agricultura dos países do Ter­
ram no mundo, tendo como consequência o despejo de milhões de toneladas de
ceiro Mundo nos anos 1960, material tóxico no ambiente. Esses elementos radiativos se acumulam no ar que os
promovida por organismos
nacionais, internacionais e seres humanos respiram, nos alimentos que comem e na água que bebem. O risco
multinacionais, baseada no
desenvolvimento e na distri- de contrair câncer e doenças genéticas aumentou.
buição de variedades geneti-
camente alteradas do trigo, Entre 1950 e 1973, o consumo de energia triplicou nos Estados Unidos
arroz e milho, além de fertili-
zantes químicos, inseticidas, da América. Só depois da crise mundial do petróleo, em 1973, os ecologistas
pesticidas e herbicidas.

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Teoria social e ambiente II

passaram a dar séria atenção às consequências do impacto do Havia uma crença de que
tráfego movido a petróleo. As emissões de dióxido de carbono a tecnologia e a própria
que aquecem a atmosfera também quase triplicaram entre 1950 consciência ecológica
e 1973, ou seja, a concentração de gás na atmosfera cresceu
resolveriam os antigos
quase 1% ao ano. A produção de clorofluorcarbonato, produto
químico que afeta a camada de ozônio, subiu quase que verti- problemas.
calmente. Ao mesmo tempo, havia uma crença de que a tecnolo-
gia e a própria consciência ecológica resolveriam os antigos problemas.

Teoria social contemporânea


Todas essas inovações tecnológicas e os processos econômicos, sociais e
culturais que lhes deram condições de existir provocaram, mais uma vez, a ne-
cessidade de se buscar novos modelos de explicação e interpretação pela teoria
social. A teoria social clássica, embora tivesse estabelecido algumas correlações
entre o mundo social, a partir da análise econômica, e o mundo natural, a partir
da análise demográfica e do desenvolvimento agrário, produziu um saber compar-
timentado, dissociado das disciplinas das ciências naturais e das ciências exatas.
Esse desenvolvimento científico baseado na compartimentação dos saberes – em
busca de precisar melhor os fenômenos, enquadrá-los, dissecá-los, esmiuçá-los –
permaneceu ou até mesmo se acentuou durante boa parte do século XX.
No lugar de teorias abrangentes, surgiram teorias especializadas, voltadas
para aspectos da natureza ou da sociedade, buscando maior aprofundamento so-
bre cada objeto de análise. Em conjunto com a criação de diversos aparelhos e ins-
trumentos de investigação e perscrutação, isso propiciou a criação de um banco
de conhecimentos inigualável ao de qualquer momento histórico anterior. Porém,
um conhecimento profundo sobre assuntos específicos.
Assim, neste último quarto de século, com a crescente e rápida transforma-
ção da história mundial, impulsionada pela urbanização, o ressurgimento de conflitos
étnico-religiosos, as novas descobertas científicas e tecnológicas e a eclosão de pro-
blemas ambientais sem precedentes, surgiu, não por acaso, a interdisciplinaridade5. A
história da sociedade e de suas inter-relações com a natureza provoca a revisão
dos paradigmas científicos, éticos, políticos e sociais que norteiam a ação humana 5 Interdisciplinaridade:
estabelecimento de rela­
e que mais ou menos contribuíram para o processo de degradação socioambiental ções entre duas ou mais ci-
ências.
que se percebe nos quatro cantos do planeta. Nesse contexto, não é possível dar
respostas (ou soluções) antigas para novos problemas. Ou, segundo Edgar Morin
(1995, p. 165), um dos aspectos do problema planetário é que as respostas científi-
cas e filosóficas às quais se recorre para solucionar os problemas são um dos proble-
mas mais graves e urgentes a resolver.
Portanto, para dar conta de problemas complexos, também é preciso desen-
volver um conhecimento complexo. E essa complexificação do conhecimento, de
acordo com Morin (1995, p. 159-170), está inseparavelmente ligada a uma reforma

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Teoria social e ambiente II

A questão ambiental tem do pensamento, entendida como o desenvolvimento de um co-


apresentado o mérito de nhecimento complexo e contextualizado .
6

impulsionar a discussão Que os problemas tornaram-se mais complexos, a história


interdisciplinar. não deixa dúvidas. Que caminha-se em direção a essa reforma
do pensamento, é ainda uma possibilidade. Mas, se há possibili-
dade de êxito nessa empreitada, a questão ambiental tem apresentado o mérito de
impulsionar a discussão interdisciplinar, mobilizar diversos setores da sociedade
e, o que parece mais fundamental, interligar teoria e prática, não apenas no sen-
tido da produção do conhecimento contextualizado mas também da necessidade
de cooperação entre saberes e experiências, geralmente compreendidos como ex-
cludentes.
No campo da teoria social, a partir dos anos 1980 principalmente, alguns pen-
sadores cuja formação foi influenciada por autores como Marx, Durkheim e Weber
procuram revisitar os clássicos não mais como modelo teórico a ser seguido, mas
como ponto de partida para negar, reformular ou ampliar os modelos de explicação
que dessem conta dessas lacunas do conhecimento disciplinar. Certamente ainda
não houve muitos avanços, mas, como se perceberá por meio da análise de alguns
pensadores contemporâneos, a questão ambiental já não pode mais ser ignorada.
Os autores aqui abordados – Anthony Giddens, Ulrich Beck e Jürgen Ha-
bermas – possuem uma extensa e complexa obra. Trata-se, no âmbito deste texto,
de indicar apenas algumas reflexões da teoria social contemporânea relacionadas
à questão ambiental e perceber suas contribuições e limites.

Giddens, industrialismo e degradação ambiental


Anthony Giddens7, em seus primeiros estudos, em especial The national-
state and violence, explica a degradação do ambiente a partir da interação que
ocorreu historicamente entre capitalismo e industrialismo. Dedica-se especial-
mente ao estudo de como o espaço geográfico influenciou os processos sociais e
6 Cabe ao pensamento con-
textual, segundo Morin,
buscar a inseparabilidade e
como os fenômenos do urbanismo e da globalização contribuíram para os proble-
a inter-retroação entre todo mas ambientais. Posteriormente, seus estudos voltaram-se para o tema da moder-
fenômeno e o seu contexto,
e de todo contexto com o nidade em detrimento do capitalismo, que continua sendo o tema por excelência
contexto planetário. Ou seja,
reconhecer que os problemas da teoria social contemporânea.
são interdependentes e a cau-
salidade é cíclica. Nota-se no Giddens rejeita as explicações do materialismo histórico, especialmente os mo-
pensamento de Morin a in-
fluência da física (a realidade delos evolutivos de progresso social ou de explicação histórica. Sua tese aponta, ao
contextual de Bohr).
contrário, para a descontinuidade dos processos sociais e considera que ocorreram dife-
7 Anthony Giddens (1938),
sociólogo inglês, diretor
da London School of Eco-
rentes percursos de progresso social. Rejeita igualmente as teorias que apontam o fato
econômico como única causa do progresso social, salientando em seu lugar o papel da
nomics. Publicou mais de 20
obras acerca de temas políti- relação entre diferentes organizações sociais ao longo dos limites de tempo e espaço.
cos, sociológicos e psicológi-
cos inerentes às sociedades
Em outras palavras, analisa como a concepção de tempo e espaço influiu na consti-
contemporâneas. tuição de estruturas sociais (calendários e a invenção do relógio mecânico), a natu-

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Teoria social e ambiente II

reza das cidades, a natureza do dinheiro, a importância do Estado absolutista e do


Estado-nação na formação do capitalismo ocidental e o fenômeno da globalização.
Conforme análise de Goldblatt (1998, p. 38), ao mudar o seu foco de in-
teresse do capitalismo para a modernidade, em seu livro As Consequências da
Modernidade, Giddens reavalia a origem das causas da degradação do ambiente
e demonstra que, seja qual for a origem da modernidade8, o mundo moderno é o
arauto da maior transformação da natureza que as sociedades humanas consegui- 8 O conceito geral de
modernidade usado por
Giddens refere-se “às insti-
ram atingir. Giddens considera o industrialismo como responsável pelos atuais tuições e modos de compor-
tamento estabelecidos pela
problemas ambientais e não o capitalismo ou o capitalismo industrial, posto que primeira vez na Europa de-
os países do Leste Europeu, sobretudo entre as décadas de 1940 e 1980, apre- pois do feudalismo, mas que
no século XX se tornaram
sentaram crescimento econômico e demográfico insustentável do ponto de vista mundiais em seu impacto”
(GIDDENS, 2002. p. 21).
ambiental. Embora baseados em regime de propriedade e estrutura econômica
diferentes daqueles das sociedades europeias capitalistas, eles apresentam seme-
lhantes problemas de degradação ambiental decorrentes do aumento dos níveis
de produção de matéria-prima. Como indica Goldblatt (1998, p. 78), nos países
socialistas o crescimento industrial representou a solução para dois problemas
políticos: satisfazer a necessidade da população, propiciando níveis de vida com-
paráveis aos do Ocidente, e obter segurança por meio de níveis de ocupação mi-
litar comparáveis aos do Ocidente. Mas, retornando à reflexão inicial de Giddens
(1991, p. 66),
[...] o industrialismo se torna o eixo principal da interação dos seres humanos com a na-
tureza em condições da modernidade. Na maior parte das culturas pré-modernas, mesmo
nas grandes civilizações, os seres humanos se viam em continuidade com a natureza.
Suas vidas estavam atadas aos movimentos e disposições da natureza – a disponibilidade
das fontes naturais de sustento, a prosperidade das plantações e dos animais de pasto, e
o impacto dos desastres naturais. A indústria moderna, modelada pela aliança da ciência
com a tecnologia, transforma o mundo da natureza de maneiras inimagináveis às gerações
anteriores.

O impacto globalizante do industrialismo, diz ainda o autor, é a difusão


mundial das tecnologias modernas. Esse impacto não se limita à esfera da pro-
dução, mas afeta vários aspectos da vida cotidiana e a interação, de modo mais
geral, do ser humano com a natureza. Mesmo nas sociedades de caráter eminen-
temente agrícola, a aplicação da tecnologia moderna como, por exemplo, o uso de
fertilizantes e outros métodos artificiais de lavoura, assim como a introdução de
máquinas agrícolas, repercute na organização social humana e no ambiente.
Goldblatt, ao fazer uma análise crítica da obra de Giddens, considera que a
ênfase dada ao industrialismo como principal causa das transformações da nature-
za limita a contribuição da obra de Giddens: segundo Goldblatt, é necessário reli-
gar o industrialismo ao capitalismo, ao socialismo de Estado, à política e à cultura
para se entender as origens da degradação ambiental. Conforme suas palavras,
[...] é possível acreditar que o capitalismo e o socialismo de Estado tenham provocado os
mesmos efeitos no meio ambiente, por razões diferentes, que se devem às naturezas pecu-
liares de sua organização econômica e política, e não em virtude da tecnologia industrial
que lhes é comum. (GOLDBLATT, 1995, p. 44)

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Teoria social e ambiente II

Beck, sociedade de risco e ambiente


Ulrich Beck9 é o teórico social que se dedica mais diretamente a analisar o
potencial catastrófico da degradação ambiental global. Ele argumenta que a mo-
dernidade descrita pelos teóricos sociais clássicos transformou-se numa socie-
dade de risco. Mas que riscos são esses? Beck se utiliza das noções de risco e
perigo para se referir a muitas áreas da vida social (justiça, mercado de trabalho,
família). Em consonância com o modelo teórico de Giddens, Beck constata que
certos perigos e azares sempre acompanharam as sociedades humanas. O fato de
determinadas circunstâncias ou eventos serem considerados riscos reside no fato
de que são riscos e perigos conhecidos, cuja ocorrência pode ser prevista e cuja
probabilidade pode ser calculada.
Para explicar o modelo de desenvolvimento social segundo as noções de
risco e perigo, Beck caracteriza-os segundo três fases históricas distintas.
Na primeira fase, das sociedades pré-industriais ou pré-modernas, o risco
se reveste de perigos naturais como os tremores de terra, a seca, as enchentes. Os
perigos, nesse caso, são externos e inevitáveis. Não ocorrem intencionalmente
nem são voluntariamente produzidos pelos indivíduos. O âmbito de influência
desses perigos pode ser tanto localizado como ultrapassar fronteiras regionais. É
o caso, por exemplo, da Peste Negra, que assolou a Europa durante cerca de 400
anos. A explicação social para a origem desses perigos é buscada, em geral, em
forças externas, divinas. Portanto, para Beck, as sociedades pré-industriais são
visivelmente inseguras.
Na segunda fase, das sociedades industriais clássicas, as características dos
riscos mudam, como também suas origens e explicações sociais. Os riscos e os
acidentes são derivados da ação dos indivíduos ou de forças sociais mais amplas.
Podem ser riscos decorrentes do trabalho, como acidentes provocados pelo manu-
seio de máquinas ou produtos químicos perigosos, ou a ameaça do desemprego e da
carestia ocasionados pelas incertezas dos ciclos econômicos ou pela transformação
econômica. Então os riscos já não são causados pelas forças externas ou irresponsa-
bilidades individuais. As sociedades industriais, segundo Beck, previnem-se, crian-
do instituições que partilhem as responsabilidades coletivas e leis a fim de tratar e
atenuar o impacto dos riscos e dos perigos localizados, como, por exemplo, a criação
de indenizações e apólices de seguro contra acidentes de trabalho e desemprego.
Já na terceira fase, das sociedades contemporâneas, consideradas socieda-
des de risco, segundo Beck, os impactos dos riscos e perigos não são passíveis de
se determinar e perceber tal como nas sociedades industriais, tornando difícil ou
mesmo impossível detectar as causas ou pagar indenizações. Primeiramente, por-
que os riscos nas sociedades industriais clássicas, embora fossem importantes em
âmbito local e devastadores do ponto de vista pessoal, tinham os seus efeitos limi-
tados no espaço, não ameaçavam sociedades inteiras. Tomemos o exemplo dado
por Goldblatt (1996, p. 232): a poluição gerada por uma indústria siderúrgica no
9 Ulrich Beck (1944), so-
ciólogo alemão, chefe do
Instituto de Sociologia da
século XIX ou meados do século XX. A emissão de gases poluentes e a produção
Universidade de Munique. de dejetos poderiam afetar as pessoas que trabalhavam na fábrica, a população

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Teoria social e ambiente II

local que vivia no entorno da fábrica e respirava o ar contaminado por partículas


tóxicas e as pessoas que bebiam a água contaminada da rede local. Essa indústria,
no entanto, assim como todas as indústrias de siderurgia de todos os países indus-
trializados, não ameaçava populações inteiras nem o planeta todo.
Na sociedade contemporânea, os problemas ecológicos sugerem que as im-
plicações e os riscos contemporâneos são diferentes daqueles que ameaçavam as
sociedades industriais modernas. Beck acena para o fato de que as toxidades cau-
sadas pelas formas de degradação contemporânea extrapolam os espaços onde são
produzidas, bem como as comunidades diretamente afetadas. Em primeiro lugar,
porque a toxidade das formas contemporâneas de degradação são quantitativamente
maiores do que as formas de degradação provocadas pelas indústrias. Em segundo
lugar, o impacto dessas toxinas no corpo humano e em todos os ecossistemas são
irreversíveis e seus efeitos, cumulativos – portanto, excedendo também as fronteiras
temporais, intensificando-se os riscos para as gerações futuras. Além dos efeitos
tóxicos progressivos, Beck salienta os riscos de potenciais catástrofes ecológicas
decorrentes, por exemplo, de acidentes nucleares e da libertação de químicos em
grande escala e alterações e manipulações genéticas da flora e da fauna do planeta.
O fato de os riscos ecológicos contemporâneos não se limitarem ao seu
ponto de origem, ou melhor, os seus potenciais impactos extrapolarem o seu ponto
de origem, torna-os muitas vezes invisíveis e insondáveis na vida cotidiana. De
acordo com Goldblatt (1996, p. 233),
[...] esta invisibilidade social [reconhecida por Beck] significa que, ao contrário de mui-
tas outras questões políticas, deve-se primeiro tomar claramente consciência dos riscos
ecológicos, e só depois se pode dizer que estes constituem uma verdadeira ameaça, e isso
compreende um processo de raciocínio científico e de constatação cultural.

Pode-se questionar também o funcionamento e a legitimidade das burocra-


cias, Estados, economia e ciência, que nas sociedades industriais podiam calcular
os riscos e decretar medidas preventivas ou atestar responsabilidades. Já a socie-
dade de risco não possui mais essas certezas e garantias.
Cabe ainda considerar a comparação feita por Beck a respeito das posições
de classe e as posições de risco nas sociedades industriais e nas sociedades de ris-
co. Nas sociedades industriais, as posições de classe e de risco são mais ou menos
relacionadas. Os ricos vivem em zonas urbanas e trabalham em locais onde não
estão abertamente expostos aos perigos. Já as classes trabalhadoras e os pobres
estão mais expostos. A partir do momento em que os riscos e perigos não se li-
mitam mais a um tempo e um espaço determinados, a riqueza, o status social, o
privilégio econômico deixam de ser garantias para a fuga. O envenenamento por
pesticidas e a acumulação de gases tóxicos na cadeia de alimentos, assim como a
fusão nuclear, atingem todas as classes sociais.
Se a política convencional, baseada nos interesses de classe, tem seu poder
diminuído na sociedade de risco, a importância do conhecimento e a função
daqueles que produzem, interpretam e divulgam o conhecimento aumentam de
modo considerável, gerando a necessidade de se realizar uma mudança na políti-
ca do conhecimento e nos valores éticos dos profissionais que estudam os riscos
na sociedade de risco.
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Teoria social e ambiente II

Habermas, racionalidade e
movimentos ambientalistas
Jürgen Habermas10, famoso teórico da ação comunicativa11, é um dos críticos
da obra de Marx. Segundo Habermas, a ênfase dada por Marx à exploração do ho-
mem sobre o homem pelas relações de trabalho e à necessidade de abolir as classes
sociais pelo progresso contínuo das forças produtivas indica uma limitação do so-
cialismo clássico12 em relação aos problemas e políticas de degradação ambiental.
Ou seja, Marx condena no capitalismo a exploração humana, mas não o modelo de
desenvolvimento econômico calcado na exploração dos recursos naturais.
Para Habermas, o desenvolvimento das sociedades humanas deveria ser
considerado a partir de dois polos autônomos, mas interdependentes: sucesso na
reprodução material e progressos na evolução moral. A obtenção de níveis supe-
riores de consciência moral depende da capacidade de assumir a perspectiva de
outros participantes, de refletir sobre os seus próprios interesses e de concordar
com a justiça das normas com base na discussão e no consenso.
Esse potencial de racionalização, por meio da ação comunicacional, pro-
1 0 Jürgen Habermas
(1929), filósofo alemão,
vocou a emergência das sociedades modernas. Habermas, porém, desenvolve a
pertence à segunda gera- teoria da modernidade a partir da distinção entre sistema e mundo natural. O sis-
ção da Escola de Frankfurt,
conhecida como aquela tema é o domínio da ação instrumental e estratégica, que não se baseia na ação e
que desenvolveu um teoria
crítica da sociedade, e da na orientação individuais, nem na mediação da linguística. O sistema é o dinheiro
qual fazem parte filósofos e
cientistas sociais importan- e o poder político institucionalizado. A crescente capacidade para se utilizar o
tes como Walter Benjamim,
Max Horkheimer, Theodor
discurso racional entre a população pode levar, segundo Habermas, a uma não
Adorno, Herbert Marcuse aceitação dos sistemas atuais. Quanto maior é a racionalidade, maior é a perda
e Erich Fromm. Habermas
desenvolve sua teoria no de legitimação de um sistema que se baseia, por exemplo, no poder desigual de
sentido de que esta deve ser
crítica, engajada nas lutas distribuição de riqueza. O mundo natural ou o mundo da vida é o domínio do ato
políticas do presente. Rejeita
o positivismo e a ideologia
de comunicação, na qual a reprodução social é alcançada por meio da cultura, da
dele resultante, o tecnicismo.
Como analista da comunica-
sociedade e da personalidade. Habermas diz que as crises contemporâneas das
ção, Habermas busca promo- sociedades modernas resultam na colonização do mundo natural.
ver normas para a relação de
não dominação sobre os ou-
tros e uma noção mais ampla
Habermas observa a transformação política no Ocidente após a Segunda
de razão. Guerra Mundial. O declínio de políticas de classes e a emergência de novos
movimentos sociais que diferem dos movimentos das classes trabalhadoras, não
1 1A teoria da ação co-
municativa consiste em
uma crítica do uso da razão
só na sua composição social mas também nas formas de organização, métodos
na modernidade. A razão de ação e objetivos políticos. Ao contrário das formas dominantes de política
deve ser criticada, mas deve
ser também defendida no seu social democrática,
caráter universal, como ideal
de comunicação entre os ho- [...] a questão principal não se trata das compensações que o Estado-previdência pode
mens, independente das dife- proporcionar, mas de defender e recuperar formas de vida ameaçadas. Em suma, os novos
renças regionais.
conflitos não são inflamados por problemas de distribuição, mas por questões que têm a

1 2O socialismo, no século
XIX, passou a indicar um
conjunto de doutrinas e teo-
ver com a gramática das formas de vida. (HABERMAS apud GOLDBLATT, 1998, p.
185)
rias políticas e econômicas
que visavam à transformação Segundo Habermas, há duas categorias distintas de movimentos sociais: movi-
da sociedade por meio de um
novo conceito de proprie-
mentos de emancipação e movimentos de resistência e retirada. O movimento das mu-
dade. O socialismo critica a
injustiça social inerente ao
lheres é um movimento de emancipação por excelência. O movimento ecológico é um
sistema capitalista, propon- movimento de resistência. Os movimentos de resistência podem se subdividir na defesa
do-se substituí-lo por uma
sociedade sem classes. das classes sociais e tradicionais e uma defesa que já atua na base de um mundo natural
racionalizado e experimenta novas formas de cooperação e de vida em conjunto.
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Teoria social e ambiente II

Assim, por meio dessa distinção, Habermas separa os movimentos de


protesto da classe média e os movimentos a favor da autonomia regional se-
gundo os seus interesses principais: a juventude, a paz e os movimentos eco-
lógicos. O autor salienta que esses movimentos assemelham-se pela “crítica
do crescimento” (percepção da crescente complexidade do sistema e seus
efeitos sobre o mundo natural). Essa crítica aumenta a resistência à coloni-
zação do mundo natural e as exigências quanto à descolonização do mundo
natural. Os movimentos ecológicos inicialmente não estão interessados na
integridade do mundo natural, mas estão sensibilizados para o problema da
colonização. Estão sensibilizados com a dinâmica da economia e do Estado
que levou a uma escala e uma complexidade quase incontroláveis – por exem-
plo, a energia nuclear e a engenharia genética.
Resumindo, em primeiro lugar, os movimentos ambientais se colocam con-
tra os efeitos do desenvolvimento econômico e tecnológico descontrolado e contra
a atividade política e econômica sem obstáculos morais. Em segundo lugar, a des-
truição material, tangível, do ambiente natural e urbano propicia o surgimento de
uma política ambiental que não se refere somente a preocupações de habitabilida-
de ou saúde, mas também a preocupações estéticas em relação ao mundo natural.
Em terceiro lugar, Habermas associa aspectos da política do movimento ecológico
com uma resposta àquilo que chama de “sobrecarga da infraestrutura comunicati-
va”. A consciência fragmentada, a perda da compreensão totalizante do mundo e
a burocratização do processo de formação de vontade na esfera pública produzem
aspectos característicos dos movimentos ambientalistas: revalorização do particu-
lar, do natural, do rústico, de espaços sociais pequenos que se tornam familiares,
de formas descentralizadas de comércio etc.
O filósofo afirma ainda que as pessoas mais jovens, com mais acesso à edu-
cação formal, e as classes médias são mais suscetíveis a esses movimentos. Isso
acontece porque esses segmentos não estão diretamente ligados aos centros de
produção das sociedades capitalistas modernas, nem tiram proveito ou estão com-
prometidas com negociações políticas e seus interesses não estão incluídos em
sistemas de tomada de decisão.
De modo geral, pode-se dizer, em relação aos argumentos Tanto Giddens e Beck como
e reflexões dos autores aqui citados, que todos eles convergem Habermas entendem que
quanto à necessidade de democratizar o poder do Estado e da so-
a base democrática deve
ciedade civil. Tanto Giddens e Beck como Habermas entendem
sustentar a reafirmação do
que a base democrática deve sustentar a reafirmação do poder
político sobre o poder econômico, das normas éticas e culturais poder político sobre o poder
sobre os imperativos do sistema, para que se possa encontrar econômico, das normas
uma resposta adequada e justa para o problema da degradação éticas e culturais sobre os
ambiental. Beck, de acordo com Habermas, defende que a demo- imperativos do sistema.
cracia, assim como a democratização, tanto do processo político
convencional como dos centros de decisão econômica, previamente despolitiza-
dos, constituem um elemento essencial de uma política ambiental sustentada.

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A ciência é causa dos principais problemas


da sociedade industrial
(BECK, 2001)
Em 1986, o sociólogo alemão Ulrich Beck, da Universidade de Munique, Alemanha, publi-
cou seu já clássico A Sociedade de Risco, que recalculava a extensão do domínio da incerteza
aberto pela tecnologia – o qual, desde então, só fez crescer, como se tornou evidente depois de 11
de setembro, mas também de Chernobil, da vaca louca etc.
Esse alargamento, para o sociólogo, é contemporâneo da mundialização da economia ociden-
tal: “A ciência e a tecnologia são a causa dos principais problemas da sociedade industrial.”
Como evoluiu a natureza dos riscos nesses 30 anos?
No livro A Sociedade de Risco, eu desenvolvi uma argumentação segundo a qual a ciência
e a tecnologia são hoje a causa dos principais problemas da sociedade industrial. A produção e a
distribuição dos “bens”, das riquezas, baseiam-se num princípio regulador de escassez.
O problema vem do fato de que as instituições da sociedade industrial não foram pensa-
das para tratar da produção e da distribuição dos “males”, isto é, dos riscos e acasos ligados
à produção industrial.
Minha tese principal é que esses riscos e acasos, que eram consequências latentes e não pes-
quisadas da industrialização em seu surgimento, começaram a sabotar – ao se globalizar, a partir
do início dos anos 1970 – as instituições do Estado-nação moderno.
Em resumo, em certo momento do passado recente, modificou-se a percepção da ordem
social: ela não se basearia mais no intercâmbio apenas de bens, mas sim de bens e de “males”.
Essa mutação da percepção conduziu a uma crise das instituições e do funcionamento das
sociedades ocidentais.
As posições tradicionais da luta de classes se tornam irrisórias diante das ameaças à saúde e
à segurança. Diante da catástrofe nuclear ou de um desastre genético, de um terremoto financeiro
ou, para ser atual, de ameaças terroristas globais, a luta de classes deixa de ser um conceito uni-
versal.
Os especialistas e cientistas estão hoje em condições de identificar causas e probabilidades
desses riscos? Os administradores de riscos podem ajudar a reduzir consequências negativas?
Não! O que torna a produção e a distribuição dos “males” tão determinantes no mundo con-
temporâneo é a impossibilidade de escapar de suas consequências. Os sistemas fechados de expli-
cação que a ciência oferece, na forma da especialização, ou a política, na do direito, ou os meios
de comunicação, na de “pânico moral”, não são mais opções válidas, na medida em que estamos
todos retidos na malha mundial de riscos tecnológicos.
Pode parecer paradoxal, mas é precisamente o progresso da ciência que mina o papel dos
especialistas. A ciência e suas tecnologias de visualização dos “sinais tênues” transformaram de
modo fundamental o princípio “não vejo o problema, portanto não há problema”, que por muito
tempo focalizou a atenção nos aspectos quantificáveis e visíveis dos riscos industriais. “Deixe isso
com os especialistas” é um slogan tão pouco aceitável quanto “Confie em mim, eu sou médico.”

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Teoria social e ambiente II

A invisibilidade não é mais uma desculpa para sempre adiar a decisão e a ação, na medida
em que o poder de causar dano da produção industrial tem consequências crescentes para cada
um de nós. Esse poder é engendrado pelo caráter indeterminado dos riscos, o qual já tornou qua-
se caducas as políticas de segurança do complexo financeiro-securitário sobre o qual repousa o
capitalismo contemporâneo.
No que essas mutações modificam o equilíbrio dos poderes, da política e da democracia?
A sociedade de risco tem, de fato, um imenso impacto político. Pode-se até dizer que os
riscos produzem uma situação quase revolucionária: a ordem social é invertida na medida em
que o risco entra em contradição com o conceito de cidadania limitada à nação. A cidadania foi
concebida no Ocidente em termos de riscos “nacionais”, quer dizer, que dizem respeito a todas as
pessoas que habitam um dado território.
A globalização dos riscos ilumina a imensa dificuldade que o Estado-nação tem de prever,
organizar e controlar o risco num mundo de redes mundiais interativas e de fenômenos híbridos,
sobretudo quando ninguém se responsabiliza pelos resultados. A crise da vaca louca é um lem-
brete explosivo disso.
Os tomadores de decisão política afirmam que não são responsáveis: no máximo, eles “re-
gulam o desenvolvimento”. Os especialistas científicos dizem que criam novas oportunidades
tecnológicas, mas não decidem sobre a maneira como são utilizadas. Os empresários explicam
que estão apenas atendendo a demanda do consumidor. É o que eu chamo de irresponsabi-
lidade organizada. A sociedade virou um laboratório onde ninguém se responsabiliza pelo
resultado das experiências.
Pode-se imaginar uma nova regulamentação dos riscos?
As questões seguintes são cruciais para regular os conflitos ligados à gestão dos riscos: quem
deve provar o quê? A quem cabe o ônus da prova? O que pode ser considerado prova em condições
de incerteza? Quais são as normas de responsabilidade em vigor? Quem é moralmente responsá-
vel? E, finalmente, quem paga a conta?
Se uma política de gestão de riscos responder a essas interrogações, ela dará um caráter con-
creto à ideia de evolução social. Porque mudar as políticas de risco implica mudar as relações de
poder que atravessam hoje em dia a regulamentação dos riscos.
Precisamos de uma cultura da incerteza que seja claramente distinta das culturas do risco
marginal, de um lado, e da segurança absoluta, do outro. Ela difere profundamente da “cultura do
não risco”, que consiste em barrar a inovação com dispositivos de segurança desde a origem.

Leia a entrevista “A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial” con-
cedida por Ulrich Beck ao jornalista Antoine Reverchon, do Le Monde, publicada pela Folha
de S.Paulo (20 nov. 2001). Discuta com seu grupo quais são os “bens” e os “males” que a sua
cidade produz.

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Teoria social e ambiente II

Filme: Metrópolis
Diretor: Fritz Lang
Produção: Alemanha, 1926
Sinopse: Metrópolis é um filme clássico de ficção científica da época do cinema mudo. A his-
tória se passa em 2026, numa cidade marcada pela brutal diferença entre as classes sociais. Enquanto
os operários, fundamentais para a manutenção das máquinas e da própria cidade, vivem nos subter-
râneos de Metrópolis, os mestres (a classe dominadora) vivem na superfície, levando uma existência
de prazeres e despreocupação. O filme também remete às consequências do industrialismo para o
mundo social e natural.

BECK, Ulrich. A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial. Folha de S.Paulo,
20 nov. 2001. Entrevista concedida a Antoine Reverchon.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1995.
GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.
______. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.

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Modernidade,
racionalidade e ordem
Cynthia Roncaglio

Os preceitos da racionalidade política,


econômica e cultural da sociedade moderna

A
questão da razão ou da modernidade é inaugurada como problema his-
tórico, pode-se dizer, na sociedade europeia do final do século XVIII,
quando Kant1, em 1784, pergunta-se: o que é o Iluminismo? A partir de
então, boa parte do pensamento filosófico ocidental tem sido perseguido por
essas questões: o que é a razão? O que é ser moderno? Ser moderno é se colo-
car questões que os antigos não se colocaram ou ser moderno é pensar na sua
própria civilização? Michel Foucault2 (1984, p. 103-112), na década de 1980,
retoma a questão filosófica colocada por Kant: o que são as Luzes? O que é ser
culto? Está de acordo que ser culto é conhecer a si mesmo, mas refletir sobre os
conhecimentos e os saberes é refletir sobre a sua própria civilização, é refletir
sobre sua atualidade. O que é novo no mundo atual? Estamos numa sociedade 1 Immanuel Kant (1724-
técnico-científica que nos sujeita, somos governados pelo poder técnico. Ser 1804), filósofo alemão.

culto é refletir sobre a modernidade e assumir ações que vão propiciar modifi-
cações dessa civilização. 2 Michel Foucault (1926-
1984), filósofo francês.

É necessário construir que saberes para uma civilização tecnológica?


3 Voltaire (1694-1778), es-
O século XVIII, conhecido como o Século das Luzes ou do Iluminismo, é critor francês.

o período em que surgem as correntes de ideias de enciclopedistas como Voltai-


re3 e Diderot4, que discutem e propõem valores civilizatórios que inauguram 4 Denis Diderot (1713-
1784), escritor francês.
a modernidade, não só como projeto filosófico mas também como regras e
normas a serem adotadas num determinado período histórico, quando surgem 5 Nome dado ao sistema
utilizado pelos pensado-
os “herdeiros” dessa corrente como o liberalismo e o socialismo, os quais – a res do Iluminismo que elabo-
raram uma obra – a Enciclo-
partir da incorporação de certas ideias do Enciclopedismo5, ou da Ilustração, pédia – na qual se registrava o
conhecimento da humanida-
como é também denominado – levaram a cabo uma proposta de emancipação de. O projeto, impulsionado
por Diderot e D’Alembert,
do homem. contou com a participação
de numerosos intelectuais
Mas quais são os valores civilizatórios propostos pela modernidade? Se- da burguesia francesa que na
obra encontravam o espaço
gundo Sérgio Paulo Rouanet, a herança do Iluminismo para a sociedade moder- para expor suas novas e po-
lêmicas teorias, contrárias à
na consiste em três conceitos fundamentais: universalidade, individualidade e monarquia e à Igreja Católica.
A primeira edição da Enci-
autonomia. A universalidade visa a atingir todos os homens, independentemen- clopédia compunha-se de 35
te de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A individualidade considera os volumes. O trabalho atraves-
sou a Revolução Francesa,
seres humanos como pessoas concretas, e não como integrantes de uma coleti- formando-se um verdadeiro
estado de espírito – o enciclo-
vidade, e estimula a crescente individualização. A autonomia baseia-se no prin- pedismo.

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Modernidade, racionalidade e ordem

cípio de que todos os indivíduos são aptos a pensar por si mesmos, sem a tutela
da religião ou de uma ideologia, a agir no espaço público e pelo seu trabalho
adquirir os bens e serviços necessários à sobrevivência material.
Cabe observar que Rouanet compreende o Iluminismo não como uma épo-
ca ou um movimento, mas como um projeto de civilização neomoderna capaz de
manter o que há de positivo na modernidade e corrigir suas patologias (1993, p. 13).
O Iluminismo, portanto, é entendido como um campo conceitual, um conjunto de
ideias que emergiu da Ilustração no século XVIII, este sim um momento na história
cultural do Ocidente e que, assim como o liberalismo e o socialismo, realizou par-
cialmente os ideais iluministas.
Rouanet faz um balanço de como a Ilustração, o liberalismo e o socialismo se
apropriaram das três concepções fundamentais do Iluminismo para fundar a moder-
nidade. Por meio dessa análise, apresentada aqui sucintamente, pode-se compreender
melhor as bases sobre as quais o antropocentrismo dos últimos dois séculos e meio le-
vou a humanidade a perder de vista que não bastava buscar a emancipação do homem,
mas compreender sua dependência e integração com a natureza.

Valores iluministas na Ilustração


Os homens ilustrados ou enciclopedistas atacavam a monarquia e a Igreja
Católica. Defendiam o primado da razão, do progresso, da tolerância e do huma-
nismo. Todos os homens eram considerados iguais, independentemente da cultura
ou da raça. Os homens que abdicavam da razão podiam ser considerados bárba-
ros6 (inclusive os europeus) porque estavam imbuídos de uma razão bárbara, mo-
vidos pela fé religiosa. Mas todos os seres humanos podiam transitar da barbárie
à civilização, desde os “selvagens” da América aos europeus. Nenhuma época
foi menos etnocêntrica, como diz Rouanet, porque não interessava a cor, o sexo,
a origem social. Dentro do princípio da universalidade, há uma natureza humana
igualmente universal, no sentido de que os homens têm uma estrutura passional
idêntica, com afetos e interesses constantes, e uma razão uniforme, independente
do lugar ou do tempo em que vivem.
A força libertadora desse universalismo foi real. Reafirmando a igualdade de todos os
seres diante da razão, ela transpõe para o terreno secular da luta filosófica e política a
ideia religiosa de que todos são filhos de Deus e iguais diante do Criador, o que teve con-
sequências explosivas. (ROUANET, 1993, p. 15)

Esse conceito abstrato de homem, que de certa forma ignorou as diferenças


reais entre os homens, foi a força e a fragilidade do universalismo. Força porque
propiciou a visão revolucionária dos direitos do homem, condenando politicamen-
te toda forma de racismo, colonialismo e sexismo. Fragilidade por não perceber
6 A palavra bárbaro era
empregada originalmente
pelos gregos para indicar o
que justamente as diferenças impedem os homens de agir racionalmente.
estrangeiro, aquele que não
falava o grego. Depois, pas- O conceito de individualidade também foi importante no enciclopedismo.
sou a ser usada pelos romanos
e também por outros povos
Nas sociedades tradicionais, o homem só existe como parte do seu clã, da sua co-
para desqualificar aquele que munidade, da sua cidade, da sua nação. Tanto o cristianismo como a Reforma ha-
não possui a mesma língua, os
mesmos costumes e crenças viam contribuído para o processo de individualização no plano transcendente da
dos povos ditos civilizados.
relação do homem com Deus, mas somente com a Ilustração o homem se libertou
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Modernidade, racionalidade e ordem

definitivamente da sua matriz coletiva. Partia-se da hipótese de homens isolados,


que uniam-se por razões utilitárias para formarem a sociedade civil. O contrato
social rege a sociedade. As leis desse contrato podem ser severas e a elas devem
se sujeitar todos os indivíduos, mas eles continuam sendo pensados como uma
agregação mecânica de indivíduos e não como uma comunidade orgânica.
O individualismo ilustrado gerou consequências importantes: o indivíduo
passou a ter direitos e não só obrigações. Entre esses direitos, avultava o direito à
felicidade e à autorrealização. Os homens passaram a se colocar em posição de ex-
terioridade em relação ao mundo social, o que lhes permitia serem observadores
e juízes da sua própria sociedade. Por outro lado, o individualismo confundiu-se,
no século XVIII, com o interesse pessoal, ignorando-se a sua utilidade coletiva.
Perdeu-se de vista também que todo indivíduo é social e que o resultado da indi-
viduação crescente só pode ser alcançado socialmente.
Quanto à autonomia, os enciclopedistas a compreendiam de modo abrangen-
te. A autonomia intelectual baseava-se em libertar a razão do preconceito, isto é,
da opinião sem julgamento. A religião, ou ideias supersticiosas, principalmente,
era combatida por aprisionar a liberdade de pensar e por manter o homem num es-
tágio de infantilização. Nesse sentido, a educação era fundamental na luta contra
o obscurantismo. A ciência deveria substituir o dogma pelo saber. Já a autonomia
política consistia na liberdade de ação do homem no espaço público. Contra a
tirania do Estado, era preciso garantir um sistema de proteção (na vertente liberal
da Ilustração) ou contribuir para a formação do governo, fazer parte do governo
(vertente democrática). A autonomia econômica só poderia ser obtida a partir do
igualitarismo. Embora se reconhecesse que o estado de civilização exigia a criação
de desigualdades inexistentes no estado de natureza, reconhecia-se que todos ti-
nham direito de garantir as condições mínimas de sobrevivência e que para garan-
tir uma ordem social era preciso garantir uma ordem de igualdade que consistiria
minimamente, segundo Rousseau7, em que “ninguém fosse tão pobre que preci-
sasse vender-se nem tão rico que pudesse comprar os outros” (apud ROUANET,
1993, p. 18).

Valores iluministas no liberalismo


Para os liberais, a natureza humana era considerada igual em toda parte. Em-
bora alguns povos fossem considerados mais primitivos do que outros, todos tinham
seus talentos e sua capacidade de progredir, independentemente do sexo ou da raça.
O liberalismo econômico pregava uma comunidade mundial interdependente, ba-
seada na divisão internacional do trabalho. O liberalismo político combatia o impe-
rialismo, a imposição da vontade de um povo sobre o outro. Na esfera do saber e da
moral, havia uma preocupação com os direitos das mulheres (Stuart Mill apoiava
as feministas na Inglaterra), dos negros (campanha contra a escravidão nos Estados
Unidos da América e no Brasil) e dos povos subjugados, colocando-se contra o
colonialismo. Na prática, porém, esse universalismo tornou-se extremamente pro-
blemático: propagaram-se teorias baseadas numa suposta hierarquia, separando os
povos europeus – no topo da escala – dos povos não europeus. Legitimou-se a supe- 7 Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), f ilósofo
francês.
rioridade da raça branca, o cosmopolitismo ilustrado deu lugar aos nacionalismos,
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Modernidade, racionalidade e ordem

o feminismo do século XVIII foi abafado pela moral burguesa, que sustentava a
inferioridade da mulher. O pacifismo foi substituído pela prática da guerra.
Quanto à individualidade, as sociedades liberal-democráticas concretizaram
em grande parte o ideal individualista do enciclopedismo. Com o triunfo da burgue-
sia, a individualidade deixou de ser um privilégio de classe e, com a propagação da
ideologia liberal em todos os países, a mobilidade social parecia – em muitos casos,
especialmente nos Estados Unidos da América – um sonho passível de ser realizado.
Um dos mitos da ideologia liberal norte-americana é que, dependendo de sua capa-
cidade, um office-boy poderia ocupar o principal cargo da Casa Branca. Na prática,
porém, evidenciou-se que os herdeiros das grandes fortunas teriam mais chances de
chegar à presidência dos Estados Unidos da América do que os self-made men8.
A autonomia política nas sociedades liberal-democráticas foi a princípio
restrita, tendo menos ênfase a democracia do que a garantia contra a ação arbi-
trária do Estado (havia mais preocupação com o direito do cidadão de ir e vir, de
expressar opiniões, de se associar com outros). O acesso à liberdade política era
também restrito aos proprietários ou aos homens instruídos. A primeira geração
de liberais, como Benjamim Constant9 e Tocqueville10, temia a democracia – medo
que a tirania de um só fosse substituída pela tirania da “vontade geral”. Mas tal
receio diminuiu à medida que o conceito de representação das minorias ganhava
legitimidade contra o temor da tirania majoritária. A instituição do sufrágio uni-
versal também não propiciou grandes alterações do status quo11, temidas pelos
liberais, nem foi capaz de provocar as transformações sonhadas pelos democratas.
Afinal, a liberdade de votar, por si só, como se sabe, não é suficiente para garantir
autonomia política. Como disse Tocqueville, os indivíduos “consolam-se de estar
sob tutela, pensando que escolheram eles próprios os seus tutores” (apud ROUA-
NET, 1993, p. 25).
A autonomia econômica, por sua vez, na perspectiva liberal, pressupunha o
livre exercício da atividade econômica. Os liberais contemporâneos da Revolução
Industrial não ignoravam a extrema pobreza das classes trabalhadoras do início
do século XIX, mas acreditavam que, se grande parte da massa de assalariados
estava excluída do progresso econômico, a única saída seria eliminar todas as
restrições à ação dos capitalistas e dos operários. O desenvolvimento da indústria,
a livre concorrência e o próprio mercado regulariam as atividades econômicas e
permitiriam aumentos do salário real e melhores condições de vida para os ope-
rários. Certos liberais, como Ricardo e Malthus, eram pessimistas em relação a
8 Pessoas que se fazem por
si mesmas, isto é, que al-
cançam uma situação social
essa ascensão econômica, pois acreditavam que o progresso econômico levaria à
superior graças aos seus pró- explosão demográfica, o que impeliria os salário ao seu nível “natural”, ou seja, o
prios esforços.
estritamente necessário para garantir a sobrevivência dos trabalhadores.
9 Benjamim Constant de
Rebecque (1767-1830),
escritor e político francês.
As previsões pessimistas de alguns economistas liberais do século XIX não
se efetivaram. O capitalismo mantém-se dinâmico e, por meio do movimento sin-
10 Charles Alexis Henri
Clérel de Tocqueville
dical e da intervenção do Estado, conseguiu evitar uma pauperização irreversível,
(1805-1859), político e histo- bem como elevar o padrão de vida médio em muitos países, sobretudo nos de capi-
riador francês.
talismo avançado. Porém, paradoxalmente, persistem os contrastes de renda entre
11 Significa o estado em
que se achava ante-
os países ricos e pobres, como também dentro dos próprios países desenvolvidos
riormente certa questão. e “subdesenvolvidos”. De acordo com Rouanet (1993, p. 27-28),
32
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[...] assim como explora a mão de obra sem reservas éticas, o capitalismo explora a natu-
reza sem escrúpulos ambientais. Segundo seus críticos, ele se baseia num modelo produti-
vista intrinsecamente perdulário e destrutivo dos recursos naturais e dos ecossistemas. A
despeito do extraordinário progresso material ocorrido nos países industrializados, por-
tanto, podemos dizer que globalmente o modelo liberal-capitalista está muito longe de ter
aproximado a humanidade como um todo da autonomia econômica.

Valores iluministas no socialismo


Para o socialismo, a universalidade não é uma categoria genérica, como de-
finida pela Ilustração, nem é o elo estabelecido entre indivíduo e nação sob a égide
de nação livre proposta pelo liberalismo, mas é uma universalidade mediada pela
classe social. Também para o marxismo o homem tem uma natureza universal,
mas a unidade do homem não é um dado, mas sim uma conquista. Nesta perspec-
tiva, o proletariado12 encarnava a classe universal, cujos interesses transcendiam
as fronteiras nacionais. E a sua missão, segundo Marx, era abolir sua própria
condição de classe trabalhadora para assim abolir em geral a sociedade de classes,
emancipando o gênero humano enquanto sujeito unitário da história (ROUANET,
1993, p. 28).
Já a individualidade, ao contrário do que se poderia supor, era considerada im-
portante para os principais socialistas. A crítica de Marx ao “indivíduo egoísta” das
declarações dos direitos humanos13 não envolve crítica ao conceito de indivíduo. O
que ele critica é uma concepção de indivíduo que ignora o fato de que sempre se está
inserido num conjunto definido de relações sociais. Na sociedade capitalista, essas
relações levam ao declínio do indivíduo e à atrofia das suas potencialidades. Não se
trata, portanto, de ignorar ou desfazer o indivíduo, mas desfazer uma certa sociedade
para emancipar o indivíduo. 12 Na acepção marxista,
é o nome dado aos
assalariados industriais e
O ideal da individualização socialista, na prática, foi deturpado pelo socialismo agrícolas cujo trabalho, ex-
14 plorado pelo capital, provoca
real . Nos países socialistas, assim como no Ocidente, prevaleceu o anti-individua- antagonismo e contradições
com a categoria social que
lismo e o hiperindividualismo. O anti-individualismo consiste na ideia de que cada possui o capital – no caso, a
homem é membro da sua classe antes de ser um indivíduo, sua vontade subordina- burguesia.

se à do partido, e cada membro do partido é funcionário do todo. O hiperindividu-


alismo consiste no oportunismo, no carreirismo e no consumo exacerbado. 13 Refere-se aqui ao con-
junto de princípios
presentes tanto na declaração
de direitos oriunda da Revolu-
O socialismo real assumiu em parte a bandeira da autonomia intelectual. Essa ção Americana (1776) quanto

autonomia se afirma por meio da crítica à religião, por exemplo. Mas, para uma so-
na declaração oriunda da Re-
volução Francesa (1789).
ciedade que se vê como marxista, a crítica não se faz só à tradição (seja ela religiosa
ou secular), mas também à classe que condena a razão a uma falsa consciência. A 14 O socialismo, embora
historicamente tenha
se subdividido em várias
autonomia só pode ser alcançada pela classe proletária que tomar consciência de si correntes teóricas e políti-
cas, possui alguns traços
e pelos membros de outras classes que assumirem a perspectiva proletária. A crítica comuns, como a crença no
da tradição se torna, portanto, a crítica da ideologia – entendida como um conjunto predomínio do bem comum
em detrimento do individual,
de ideias que apresenta a realidade como ela parece ser e não como é. O socialis- a planificação da economia,
a eliminação das classes so-
mo critica inclusive a ideologia ilustrada e liberal, cujos ideais são compreendidos ciais, a manutenção de certa
modalidade de propriedade.
como expressões particularistas de interesses de classe nos quais estão imersos. O socialismo real é conside-
rado aqui não a teoria ou a
Sob o ponto de vista teórico, a crítica à ideologia significou um avanço. Na política ideal, mas o socialis-
mo praticado nas sociedades
prática, porém, a autonomia intelectual foi apenas parcialmente conquistada, se que tentaram implantar esse

for considerado, por exemplo, o significativo desenvolvimento científico da URSS


sistema social, como é o caso
da URSS.

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Modernidade, racionalidade e ordem

nas áreas das ciências exatas e biomédicas e da pesquisa espacial. Mas se no


campo da ciência a autonomia intelectual foi estimulada, em outras áreas, como
educação e artes, foi cerceada. Numa sociedade totalitária, como se mostrou ser a
soviética, o ideal da razão livre foi submetido à ideologia do partido, que definia o
que ou quanto a população deveria saber.
Sobre a autonomia econômica, a principal contribuição do socialismo foi
ter questionado a ideia da igualdade de condições a priori de cada indivíduo para
crescer e se desenvolver. Isso quer dizer, em tese, que qualquer indivíduo pode
adquirir uma mansão em Miami ou comprar uma rede de hotéis em Las Vegas,
desde que enfrente a livre concorrência do mercado. Em vez desse conceito de
autonomia como liberdade, o socialismo considera o conceito de autonomia como
segurança: “autônomo não é quem tem o direito abstrato de atuar como agente
econômico, mas quem tem poder efetivo de obter pelo trabalho os bens necessá-
rios à própria sobrevivência” (ROUANET, 1993, p. 31).
Esse entendimento de que mais importante do que uma liberdade abstrata
era a segurança de obter moradia, educação, saúde e emprego para todos mobi-
lizou, em várias partes do mundo, as esperanças dos cidadãos, imbuídos de um
pensamento progressista, na Revolução Russa. Mesmo quando o regime soviético
mostrou sua face totalitária, ainda acreditava-se que mais importante do que a au-
tonomia intelectual e política eram as conquistas sociais a serem obtidas. Todavia,
o que aconteceu foi que não se obteve nem autonomia econômica nem segurança
econômica, pois este conceito não inclui apenas as conquistas sociais mas também
o acesso a bens e serviços. E nesse ponto o regime socialista falhou: não conse-
guiu produzir mercadorias em escala comparável à do capitalismo, como também
não eliminou os privilégios político-econômicos.

Capitalismo, transformação
da natureza e a sociedade de risco
Como foi visto até aqui, as concepções teóricas de uma civilização mo-
derna, racional, baseada na manutenção de uma suposta ordem social, política
e cultural, efetivou-se de diferentes formas na história mundial nos últimos
200 anos. Cada racionalidade instaurada concretamente, seja a da Ilustração,
a do liberalismo ou a do socialismo, causou impactos positivos ou negativos na
humanidade e revelou também as contradições da própria razão, ou as “insanida-
des” da própria razão humana. Mais do que isso, revelou-se incapaz de perceber
que os “males” produzidos por essas concepções de razão e modernidade não
trouxeram prejuízos somente para grande parte da população humana – a qual
não alcançou nem liberdade, nem autonomia, nem segurança – mas também cau-
sou prejuízos e riscos para a própria preservação da natureza, na qual se inclui a
preservação da espécie humana.

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Modernidade, racionalidade e ordem

A natureza tem sua própria história, sua própria dinâmica, ordens e de-
sordens. As alterações e transformações naturais que, em geral, ocorreram em
milhares de anos, como as eras glaciais, o aparecimento e o desaparecimento
de espécies de animais e plantas, entre outros acontecimentos, existiram inde-
pendentemente da ação humana. A intervenção humana no curso da natureza
começou lentamente, há pouco mais de dez mil anos. Porém, sobretudo com o
desenvolvimento do capitalismo nos últimos 200 anos, a natureza passou a sofrer
uma grande alteração dos seus ciclos biológicos e a sua crescente exploração pelas
atividades humanas gerou uma avassaladora destruição dos ecossistemas15.
Entre as transformações da natureza causadas pelo capitalismo, indepen-
dentemente das características e feições que esse sistema socioeconômico assu-
miu em diversas partes do planeta, pode-se apontar o uso intensivo dos recursos
e da energia encontrados na natureza (terra, sementes, madeira, vento, água e
animais) para satisfazer a crescente e complexa demanda da população mundial.
O uso da natureza primeiramente para alimentar, aquecer, vestir e transportar a
população humana gerou impactos sobre as florestas, as águas e os animais, ainda
que fatores climáticos, sociais e políticos não tenham conseguido até hoje erradi-
car a fome e a desnutrição de milhares de pessoas em todo o mundo.
O aumento demográfico, a urbanização e a industrialização propiciaram a
busca de novas tecnologias agrícolas e industriais que aumentaram ainda mais a
pressão sobre os recursos naturais – a expansão da agricultura e da criação de gado,
o uso de combustíveis fósseis (lenha, carvão e petróleo); a exploração dos animais
(pelos, peles e a própria caça como diversão cultural); a extração de metais (maté-
ria-prima para indústrias metalúrgicas); a construção de barragens e hidrelétricas.
Em consequência desse crescente “progresso” produzido pela modernidade,
tudo que é intrínseco à história da natureza – a curva dos rios, a distribuição da
fauna e da flora, a morfologia do solo, as ondulações do relevo e até mesmo as
variações climáticas – foi submetido a procedimentos técnicos, racionais e econô-
micos com consequências crescentes e indeterminadas para a natureza (diminui-
ção da fertilidade e erosão dos solos, extermínio de espécies animais e vegetais,
poluição das águas, chuvas ácidas etc.) e para os seres humanos (acesso desigual à
riqueza e ao alimento, problemas de saúde e de moradia, riscos de contaminação
causados por acidentes nucleares etc.).

O mal-estar na modernidade
Desde o início do século XX, vários pensadores têm se referido ao mal-estar
na civilização, ao mal-estar na modernidade. Esse mal-estar tem se manifestado sob 15 Um ecossistema é
constituído por ele-
mentos vivos e inorgânicos
várias formas na natureza (poluição atmosférica, envenenamento do solo, alterações como a flora, a fauna, mi-
climáticas, extinção de espécies animais) e na sociedade (guerras civis, terrorismo, croorganismos, solo, água
e atmosfera, os quais estão
corrupção nas instituições públicas, depressão, síndrome do pânico etc.). De certa ligados entre si por um pro-
cesso dinâmico e interde-
forma, é como se esse mal-estar fosse um ressentimento contra o modelo civilizató- pendente como as cadeias
alimentares, os ciclos mi-
rio proposto pelo Iluminismo. O projeto iluminista, calcado nos ideais de raciona- nerais e hidrológicos e pela
lismo, universalismo e individualismo de civilização, prometia a emancipação do circulação de energia.

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Modernidade, racionalidade e ordem

homem – um salto para a felicidade eterna por meio do progresso econômico e


social ilimitado e irreversível. Como isso não aconteceu – ou aconteceu de modo
enviesado e com consequências positivas e negativas para a própria humanidade
e, de modo geral, negativas para a natureza –, há uma tendência “regressiva” ou
um certo “desconforto” individual e social pairando sobre o mundo atual.
De acordo com Rouanet (1993, p. 97), o universalismo foi sabotado pelos
particularismos – nacionais, raciais, culturais, religiosos. O racionalismo consistia
em ter fé na razão e na capacidade de estabelecer a ordem social a partir da razão,
crença na ciência para transformar a natureza e satisfazer as necessidades huma-
nas. Tanto a razão como a ciência poderiam emancipar o homem, libertando-o da
religião, da tradição e dos valores herdados historicamente que tolhiam, na con-
cepção dos iluministas, a liberdade do homem “como produtor e consumidor de
cultura, como agente econômico e como cidadão”. E, sobretudo, razão e ciência
combatiam todos os preconceitos de raça, cor, religião, sexo ou nação que pudes-
sem gerar a guerra e a violência.
O individualismo, que não significava egoísmo ou satisfação dos interesses
individuais sem limites, mas um desprendimento de velhas formas comunitárias
de vida, em que o indivíduo só existia como parte do clã ou da tribo, submerge
cada vez mais no anonimato do conformismo e da sociedade de consumo. No
lugar de um indivíduo emancipado, que pudesse exercer a intersubjetividade e
desenvolver laços de cooperação e objetivos comuns na sociedade da qual faz
parte, há um indivíduo que sente-se conformado em eleger seus representantes
para assuntos dos quais não participa efetivamente, assim como o conceito de
felicidade consiste em adquirir o último CD que todos vão ouvir, assistir ao fil-
me que todos veem ou comprar o novo modelo de carro que todos cobiçam. A
autonomia intelectual, por sua vez, está sendo subvertida pelo reencantamento,
no sentido negativo do termo, como uma volta ao passado mágico, quando os ho-
mens acreditavam que todos os fenômenos ocorriam pela graça ou pela fúria dos
deuses. Redescobrem-se assim os poderes mágicos no culto a duendes, nos livros
de autoajuda que se tornam best sellers, nos efeitos benéficos da pirâmide para
equilibrar a energia espiritual.
Enfim, esses são algumas sintomas do mal-estar na modernidade que re-
velam uma fúria contra a razão, um repúdio a uma promessa não cumprida de
felicidade. O que não quer dizer que o homem não deva ter uma religião, se isso
de alguma forma lhe torna menos infeliz, ou, como diz Rouanet, que consultar
um baralho de tarô seja tão grave quanto incendiar uma aldeia croata. O que está
em discussão aqui é o colapso de uma forma de modernidade, da crença na razão
como projeto civilizatório, de um modelo de racionalidade que já não serve para
compreender e viver o mundo do século XXI. No entanto, a velha pergunta feita
por Kant e reeditada por Foucault continua atual: o que é ser moderno hoje? E
que modernidade serve para o mundo atual? Se estamos vivendo no limite entre
a civilização e a barbárie, se as noções de progresso e desenvolvimento colocam
sob risco a natureza e a própria humanidade, se os valores éticos e morais do
Iluminismo servem ou não para a atualidade são questões das quais não se pode
escapar se pretendemos continuar habitando o planeta Terra.
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Modernidade, racionalidade e ordem

Feira de conceitos: a turma divide-se em vários grupos que vão discutir e elaborar conceitos de
modernidade, racionalidade, individualidade e sociedade para o século XXI. Em seguida, será
feito um debate na turma sobre as propostas elaboradas por cada grupo.

Filme: Powaaqatsi
Diretor: Godfrey Reggio
Duração: 90 minutos
Produção: EUA, 1988

ESCOBAR, Carlos Henrique (Org.). Michel Foucalt: o dossier – últimas entrevistas. Rio de Janeiro:
Taurus, 1984.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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Pós-modernidade,
irracionalidade e desordem
Cynthia Roncaglio

As incertezas da racionalidade
política, econômica e cultural

A
té pouco tempo atrás, entre o final dos anos 1960 e início dos 70, sabia-
-se que o mundo estava mudando muito rapidamente. Evidência maior,
e mais diretamente perceptível para a maioria das pessoas, eram as ino- 1 Herbert Marshall MacLuhan
(1911-1980), professor ca-
nadense considerado “guru
vações tecnológicas difundidas após a Segunda Guerra Mundial, incrementadas da comunicação” nos anos
1960. Naquela época, suas
especialmente pelos meios de comunicação de massa como rádio, televisão, cine- ideias sobre os impactos das
novas tecnologias no coti-
ma e livros (traduzidos quase simultaneamente em vários países), que difundiam diano do homem causaram
controvérsias e polêmicas no
informações e propagandas das mais variadas: ideologias de partidos políticos, meio acadêmico.
comportamento individual, moda, carros, aparelhos eletrônicos, refrigerantes e
sabonetes. O turismo tornava-se uma atividade lucrativa, relativamente barata e 2 Diz-se que a expressão
foi cunhada em 1952
para designar as dezenas de
banal. Incluía-se no cotidiano de milhares de pessoas o cruzamento de continentes Estados pós-coloniais que
e oceanos. Ir de São Paulo a Paris, de Praga a La Paz, de Nova York a Madri fazia surgiram depois da Segunda
Guerra Mundial, junto com a
parte do roteiro comum de estudantes, executivos, políticos, cientistas e cidadãos maior parte da América La-
tina, que também pertencia
de classe média em geral. Realizava-se então a profecia de Marshall McLuhan1, às regiões dependentes do
mundo imperial e industrial,
que disse que o mundo estava se transformando numa aldeia global. em contraste com o “pri-
meiro mundo”, dos países
Politicamente, o globo se dividia em dois blocos hegemônicos e antagônicos capitalistas desenvolvidos
e o “segundo mundo”, dos
que disputavam o domínios territoriais: os sistemas capitalista (EUA) e socialista países desenvolvidos comu-
nistas.
(URSS). A chamada Guerra Fria mantinha a população do planeta em constante
estado de alerta, pois a hipótese de um dos inimigos apertar o botão e detonar uma
bomba nuclear com capacidade para destruir o planeta era considerada plausível.
3 Movimento político-mili-
tar que em 1959 derrubou
o regime ditatorial de Fulgen-
cio Batista, substituindo-o
No chamado Terceiro Mundo2 (Ásia, África e América Latina), vivia-se um perío- pelo socialismo marxista lide-
rado por Fidel Castro.
do de descolonização e revolução. Como diz o historiador inglês Eric Hobsbawm

4
(1995, p. 337) sobre a descolonização, Crise mundial ocorrida
em 1973, provocada pelo
[...] o número de Estados internacionalmente reconhecidos como independentes na Ásia embargo ao fornecimento de
quintuplicou. Na África, onde havia um em 1939, agora eram cerca de 50. Mesmo nas petróleo aos Estados Unidos
e às potências europeias esta-
Américas, onde a descolonização no início do século XIX deixara para trás umas 20 repú- belecido pelas nações árabes,
blicas latinas, a de então acrescentou mais uma dúzia. membros da Organização
dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep). A medida
O êxito da Revolução Cubana3 entusiasmou muitos países do Terceiro Mun- é tomada em represália ao
apoio dos Estados Unidos da
do e sobretudo os países da América Latina viram-se sacudidos por golpes milita- América e da Europa Oci-
res apoiados pelos Estados Unidos da América, a fim de combater o comunismo. dental à ocupação, no mesmo
ano, de territórios palestinos
por Israel, durante a Guerra
Em 1973, a crise mundial do petróleo4 acabava com a crença dos anos do Yom Kipur. Após o em-
bargo, a Opep estabelece
dourados em uma prosperidade e um progresso crescentes, bem como revelava cotas de produção e quadru-
a instabilidade e as incertezas econômicas, políticas e ecológicas das sociedades plica os preços.

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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

industriais modernas. Assim como o carvão havia sido a principal fonte de ener-
gia para a expansão industrial do século XIX, o petróleo tornou-se, junto com o
carvão e o gás natural, o principal combustível para a geração de energia elétri-
ca, produção industrial e transporte de mercadorias do século XX. O consumo
mundial de petróleo cresceu vertiginosamente entre 1890 (aproximadamente dez
milhões de toneladas) e a década de 1970 (cerca de 2 500 milhões de toneladas por
ano). Em 1900, o uso do petróleo para suprir as necessidades de energia mundial
verificava-se em torno de 4%. Na década de 1970, alcançava aproximadamente
50% (PONTING, 1995, p. 462). Posteriormente, em 1979, ocorreu uma nova crise
mundial do petróleo, causada pela Revolução Iraniana, que derrubou o xá Reza
Pahlevi e instalou uma república islâmica. A produção de petróleo foi gravemente
afetada e não conseguiu atender sequer às necessidades do próprio país. O preço
do barril de petróleo atingiu níveis recordes e agravou a recessão econômica mun-
dial no início da década de 1980.
Do ponto de vista demográfico, os números cresceram espantosamente no
decorrer dos últimos dois séculos. O total de habitantes do mundo alcançou o
primeiro bilhão em 1825. O segundo bilhão foi alcançado 100 anos depois. Já o
terceiro bilhão foi alcançado apenas em 35 anos, em torno de 1960. Em 1975, ou
seja, 15 anos depois, já havia 4 bilhões de pessoas no mundo. As taxas de maior
crescimento se verificaram, sobretudo, nos países do Terceiro Mundo, os quais,
entre as décadas de 1950 e 1970, tiveram crescimento de 2,5%. A passagem dos 4
para os 5 bilhões levou apenas 12 anos. No entanto, ao contrário das estimativas
alarmantes da década de 1970, o crescimento da população tem se reduzido no
mundo todo em 1,3%.
Durante os últimos dois séculos, variaram muito o padrão e a distribuição
geográfica do crescimento demográfico, assim como as razões históricas para
essas diferenças. Contudo, em 2001, o mundo contava com uma população de
cerca de 6 bilhões de pessoas, ou seja, um crescimento em torno de 75 milhões
ao ano. Apenas 20% vivem nas regiões mais desenvolvidas do planeta. O restan-
te, cerca de 80% (4,8 bilhões de pessoas), vive em países em desenvolvimento.
Países desenvolvidos como Alemanha, Inglaterra e França, onde as taxas de na-
talidade são baixas, são obrigados a apelar para a mão de obra imigrante para
não estagnarem suas economias. E para os jovens dos países pobres a imigração
para os países ricos é a única saída para obter melhores oportunidades. Desse
modo, assim como um crescimento constante da população é uma preocupação
por causa da instabilidade econômica e social mundial, uma queda na população
global pode também introduzir complexidades ainda maiores em decorrência do
desequilíbrio entre as regiões.

Os problemas ecológicos, Os problemas ecológicos, ignorados pela maioria dos ci-


dadãos nos anos dourados, passaram a constituir uma ameaça
ignorados pela maioria
crescente e a tomada de consciência do cidadão comum, bem
dos cidadãos nos anos como os debates públicos, assumiram um tom apocalíptico na
dourados, passaram a década de 1970. O ritmo com que o crescimento econômico e a
constituir uma ameaça aplicação da tecnologia moderna aumentaram a capacidade das
crescente. sociedades humanas para transformar a natureza demonstra que,

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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

mesmo que se leve em consideração a possibilidade de não ocorrer uma acelera-


ção da degradação ambiental, o tempo para tratar dos problemas deve ser medido
em décadas e não em séculos (Hobsbawm, 1995, p. 547). Levando-se em con-
ta apenas a poluição do ar, entre 1960 e 1996, a emissão de dióxido de carbono
(CO2), gás resultante da queima de combustíveis fósseis como o petróleo, mais que
dobrou. O transporte rodoviário é responsável por uma das maiores emissões de
CO2. Em 1950, havia 70 milhões de veículos no mundo. Em 1994, havia 630 mi-
lhões. A frota em circulação no mundo joga mais de 900 milhões de toneladas de
CO2 na atmosfera por ano, sendo que os países desenvolvidos são evidentemente
os maiores responsáveis pela poluição.
Tais transformações, observadas no século XX, de várias maneiras destoam
e solapam o modelo clássico de sociedade, refletido nos movimentos revolucioná-
rios europeus dos séculos XVII e XVIII, que defendiam o primado da razão sobre
a fé religiosa, a conquista dos direitos coletivos e individuais, a distinção entre a
vida pública e a vida privada, um progresso que atingisse toda a humanidade, em
que a igualdade se impusesse sobre as desigualdades. Todos esses ideais foram
superados no decorrer do século XIX e, sobretudo, no século XX por guerras
mundiais, uso de armas nucleares, busca desenfreada do lucro, competitividade
extremada, ascensão dos nacionalismos e totalitarismos5, exploração das classes
trabalhadoras.
O princípio da racionalidade e da ordem social das primeiras sociedades
modernas, influenciadas pelos ideais iluministas, baseava-se em um conjunto de
instituições que funcionavam segundo os princípios de um Estado de direito – di-
reito universalista e individualista, em que cada indivíduo, concebido como um
ser racional, consciente de seus deveres e direitos na vida pública e na privada,
deveria se submeter às leis que respeitam seus interesses legítimos e a liberdade
de sua vida privada, garantindo por sua vez a solidez da sociedade, mantida sadia
pelo funcionamento normal das suas instituições.
Do século XVIII até meados do século XX, o Estado desempenhou o papel
de agente ativo da modernização social. As atividades dos cidadãos eram quase
que exclusivamente determinadas pelo Estado, fossem os governos liberais, con-
servadores, social-democratas, fascistas ou comunistas. Então, a manutenção da
lei e da ordem pública foi solapada pela desordem da economia mundial. As forças
econômicas conquistaram cada vez mais autonomia, escaparam das regulações e
das prioridades impostas pelo Estado. “O espírito da empresa, o lucro capitalista,
o próprio dinheiro, segundo Georg Simmel, destroem as construções, os princí-
pios e os valores da ordem social anterior” (TOURAINE, 1999, p. 35).
5 Totalitarismo: é um re-
gime político não demo-
crático, no qual não existe a
separação de poderes, sendo
a totalidade do poder do Es-
tado concentrada numa só
Globalização e políticas ambientais pessoa ou num só partido.
A justificativa usada pelos
governantes para esse tipo
As duas últimas décadas do século XX e a primeira do século XXI, con- de regime é a incapacidade
da soberania popular para
substanciam-se como décadas de crise e, mais uma vez, de turbulência e ace- governar a si mesma. O to-
talitarismo é encarnado em
leração das mudanças. A crise evidencia-se no paradigma de desenvolvimento regimes ditatoriais como o
nazismo e o fascismo.
que vinha se impondo desde a década de 1970, o qual prova que as tendências
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

à desigualdade não poderiam ser resolvidas pelo livre mercado e que “o grande
problema político mundial, e certamente do mundo desenvolvido, não era como
multiplicar a riqueza das nações, mas como distribuí-la em benefício de seus ha-
bitantes” (HOBSBAWM, 1995, p. 555).
Até o final da Era de Ouro (1947-1973), o compromisso político dos gover-
nos com o pleno emprego e, em menor medida, com a diminuição da desigual-
dade econômica, estabelecendo planos de seguridade social e de previdência,
proporcionou um mercado de consumo de massa para bens de luxo que agora
podiam ser aceitos como de consumo diário. Assim, países ricos como os Es-
tados Unidos, por exemplo, que na década de 1930 detinham gastos domésticos
com comida em torno de 30%, no início da década de 1980 gastavam apenas
13% (HOBSBAWM, 1995, p. 264). Na maior parte das sociedades industriais,
dos países desenvolvidos, as políticas de bem-estar social6 e pessoal e a economia
de mercado são combinadas graças à intervenção do Estado democrático, que
garante as exigências da economia e das demandas sociais.
Nas duas últimas décadas do século XX, no entanto, vários fatores contribu-
íram para uma “desordem” econômica mundial. A queda do Muro de Berlim7, em
1989, e o fim da URSS, em 1991, desestatizando a economia dos países do Leste
Europeu e introduzindo reformas políticas e econômicas, simbolizam o fim do co-
munismo, a entrada desses países na economia de mercado e o fortalecimento de
blocos econômicos8 regionais. A crescente abertura dos Estados nacionais ao flu-
6 Políticas de controle
direto ou indireto das
sociedades capitalistas que xo internacional de mercadorias e capitais, bem como a transferência geográfica
protegem o trabalhador e
seus dependentes quando
de fábricas e a inovação nas tecnologias da informação, têm gerado desemprego e
este perde sua fonte de renda, inflação em maior ou menor escala em todos os países industrializados.
por problemas de saúde, falta
de oportunidade de empre-
go, velhice ou morte. O eixo De modo geral, a economia mundial, por meio da tecnologia, continua a forçar
principal dessas políticas é o
sistema de seguridade social,
a mão de obra na produção de bens e serviços, mas não gera crescimento econômico
que garantem uma pensão
aos desempregados. Essas
suficiente para evitar a grande massa de desempregados. Para aumentar sua produtivi-
políticas integram também, dade e seus lucros, transfere as indústrias dos países ricos, onde a mão de obra é mais
em geral, sistemas de educa-
ção e saúde. cara, para os países pobres, onde ela é mais barata. Há um recuo das intervenções
estatais e ameaças aos sistemas de seguridade social e previdenciária. No lugar de
7 Muro construído em Ber-
lim, Alemanha, em 1961,
por tropas da União Soviética
emprego estável, previsão de carreira ou de aposentadoria, vive-se uma mudança per-
e da República Democrática da manente, as regras do jogo não são mais preestabelecidas e tudo se resume a conviver
Alemanha (RDA). O muro era
o símbolo da divisão ideológi- com possibilidades, oportunidades e riscos. A crença da economia neoclássica de que
ca da Europa e do mundo entre
as superpotências, Estados
o comércio internacional irrestrito permitiria aos países pobres chegar mais perto do
Unidos da América e URSS, desenvolvimento dos países ricos, sem dúvida, não se confirmou historicamente.
durante a Guerra Fria.

O termo globalização, na sociedade contemporânea, passou a ser usado co-


8 Associações de países
que estabelecem relações
econômicas privilegiadas en-
mumente para explicar essas mudanças da modernidade. Embora seja impreciso,
tre si. Podem ser classificados é usado com diversas conotações, ora como resultado da mundialização da eco-
em zonas livre de comércio,
união aduaneira, mercado nomia, ora como efeito das inovações tecnológicas, e alguns teóricos sociais têm
comum e união econômica e
monetária. Exemplos de blo-
procurado definir esse fenômeno conceitualmente. Para Alain Touraine9, a globali-
cos econômicos são o Nafta zação é mais do que a mundialização das trocas econômicas: significa a destruição
e o Mercosul nas Américas,
a CEE, atual UE, na Europa, das mediações sociais e políticas que uniam a economia e a cultura e garantiam,
SADC na África e o Asean,
na Ásia. de acordo com o modelo clássico, uma forte integração de todos os elementos da
vida social. É a liberalização das trocas e das condições de produção e também um
9 Alain Touraine (1925),
sociólogo francês. processo de dessocialização e de despolitização. Segundo o autor, é também
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

[...] uma ideologia que mascara as relações de dominação econômicas introduzindo a ima-
gem de um conjunto econômico mundial autorregulado ou fora de alcance da intervenção
dos centros de decisão políticos. (TOURAINE, 1999, p. 40)

Para Antony Giddens (1991, p. 69-70), globalização é a intensificação das


relações sociais em escala mundial, os quais ligam localidades distantes de tal
maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas
milhas de distância (como dinheiro mundial e mercado de bens) e vice-versa. É
uma consequência e não uma superação da modernidade.
Na sociedade globalizada, a percepção dos riscos globais torna-se maior,
daí o surgimento de movimentos ambientalistas em escala mundial. Um maior
número de seres humanos tem acesso a informações sobre os problemas ecoló-
gicos e tem consciência das limitações do saber. Como diz Giddens, existe um
reconhecimento geral de que os sistemas de conhecimento de peritos, embora
especializados, são incapazes de prever as múltiplas consequências inesperadas
dos seus atos.
Entre as décadas de 1970 e 1980, os Estados Unidos da América e os demais
países altamente industrializados estabeleceram dezenas de políticas ambientais
e criaram instituições públicas e privadas para desenvolver programas voltados
para a questão ambiental. Os países em desenvolvimento também caminham para
isso, sobretudo a partir da década de 1990. Mas as políticas ambientais internacio-
nais refletem as profundas diferenças sobre o entendimento do processo de globa-
lização e dos seus efeitos sobre o ambiente. De modo simplificado, pode-se dizer
que a dinâmica da política internacional se divide em duas linhas de interesses e
orientações. A primeira se estabelece entre forças que se localizam dentro do Es-
tado-nação (nacionalistas) e os que se localizam na escala mundial (globalistas). A
segunda, entre forças que assumem a preservação ambiental como uma dimensão
fundamental (globalistas ambientalistas) contra os que são indiferentes ou contrá-
rios à preservação ambiental. As soluções para os problemas ambientais, locais
ou globais, nessa sociedade globalizada e caracterizada pela constante inovação
científica e tecnológica, são um desafio para a própria ciência, para o Estado, para
o mercado e para a sociedade civil.

O mal-estar na “pós-modernidade”
Nas últimas décadas do século XX, o acesso à informática e à internet por
um grande número de pessoas em todo mundo tornou as noções de tempo e espa-
ço quase inexistentes. O mundo não se tornou mais igual do ponto de vista da
distribuição de renda, nem mais universal por conta disso. Ao contrário, multi-
plicam-se identidades culturais (étnicas, sexuais, regionais, religiosas) legitima-
das pela sociedade de consumo. Segundo Touraine (1999, p. 47), nestes tempos
modernos experimenta-se o que ele denomina de desmodernização, uma degrada-
ção dupla: da atividade econômica, que deixou de unir técnicas, relações sociais de
produção e mercado e reduz-se a um mercado internacionalizado; e a degradação das
identidades culturais, que servem para legitimar poderes autoritários. A perversão é a
economia reduzida ao mercado e as culturas utilizadas como ideologias.
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

A sociedade de produção, nessa perspectiva, deu lugar à sociedade de con-


sumo. A sociedade não é mais um mundo de instituições que regulam as ativida-
des humanas, mas um mundo de mercados, de comunidades e de indivíduos que
interagem de acordo com suas necessidades de consumo. O cidadão dá lugar ao
consumidor, preocupado menos com seus direitos sociais e políticos e mais com
o direito de consumo. Importa muito mais ter direito ao consumo que exercer di-
reitos sociais. Touraine afirma que não se trata de condenar ou exaltar a sociedade
da informação, como se fosse uma época de perturbações ou um novo período
de vitórias técnicas, mas de tentar entender qual será a nova síntese decorrente
dessas mutações. “Poderemos fugir da escolha entre duas soluções igualmente
destruidoras, a saber, viver juntos pondo de lado nossas diferenças, ou viver sepa-
radamente em comunidades homogêneas que só se comunicarão pelo mercado e
pela violência?” (Touraine, 1999, p. 63).
Mas afinal, esses são sintomas da modernidade ou da pós-modernidade?
Giddens diz que o termo pós-modernidade é usado como se fosse sinônimo de
pós-industrial ou pós-modernismo. Pós-modernismo é mais apropriado quando
se refere a estilos e movimentos literários, artísticos ou da arquitetura e tem
a ver com aspectos da reflexão estética sobre a natureza da modernidade. A
pós-modernidade, de acordo com Giddens, significa que a trajetória do desen-
volvimento social está nos tirando das instituições da modernidade rumo a um
novo e diferente tipo de ordem social. O pós-modernismo pode exprimir uma
consciência de tal transição, mas não mostra que ela existe.
O termo pode ter, entre outros significados, os seguintes: nada pode ser
conhecido com alguma certeza, desde que todos os “fundamentos” preexistentes
da epistemologia se revelaram sem credibilidade; que a história é destituída de
teleologia10 e consequentemente nenhuma versão de “progresso” pode ser plau-
sivelmente defendida; que uma nova agenda política e social surgiu com a cres-
cente proeminência de preocupações ecológicas e de novos movimentos sociais
em geral. Ou seja, Giddens acredita que a modernidade está nesta fase buscando
entender a si mesma, em vez de superar-se enquanto tal.
Touraine, por sua vez, considera útil a noção de pós-modernismo como
instrumento crítico que ajuda a compreender a crise e o fim do modelo racio-
nalista do Iluminismo, mas considera o termo incapaz de dar conta das conse-
quências do estilhaçamento da modernidade com a separação da economia e da
cultura, das redes de trocas e das experiências culturais vividas. Prefere usar o
termo desmodernização para essa crise de um modelo de modernidade e tam-
bém para o próprio movimento dessa modernidade que aprofunda a separação
entre uma economia globalizada, cada vez menos controlada pelos Estados e
pelas identidades privadas ou comunitárias que se fecham sobre si mesmas.
10 No sentido de que o
processo histórico
da humanidade caminha em
direção a uma finalidade
que, em última instância, é
o desen­volvimento pleno do
ser humano. A natureza como sujeito
A análise de vários pensadores contemporâneos acerca dos problemas da
modernidade ou da pós-modernidade, que atingem de um modo ou de outro
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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

todos os países, quer os chamemos países do norte e do sul, ricos ou pobres,


na verdade discute qual futuro queremos para a humanidade e para a Terra ou
o que podemos esperar de um futuro próximo caminhando nessa direção que
ninguém hoje sabe exatamente qual é.
Michel Serres11, entre esses pensadores, apresenta uma perspectiva original
em seu livro Contrato natural. Sua tese pretende, mais do que inspirar a reflexão
teórica, lançar as bases de um contrato natural que seja compreendido por todos,
que substitua ou reforce o contrato social fundado pelos homens. O autor parte do
princípio de que a guerra é o motor da história e a paz tem sido entendida apenas
como uma trégua entre os homens, nações e povos que se sentem como únicos no
mundo. Nada e ninguém estariam acima deles. O contrato social foi uma forma
de deter a violência entre os homens, estabelecendo algumas regras para evitar a
guerra ou dirimi-la. Durante séculos, a natureza serviu apenas como cenário das
batalhas travadas entre os homens.
O que há de novo no mundo contemporâneo, segundo a tese de Serres, é
que a Terra corre risco de vida em sua totalidade, e os homens, em seu conjunto.
Assim, a história global entra na natureza e a natureza global entra na história.
A natureza torna-se sujeito da história e não mais mero objeto. Hoje, conforme
Serres, é preciso definir um contrato natural que substitua o contrato exclusiva-
mente social, estabelecendo reciprocidade e simbiose com o mundo, e não a sua
dominação e apropriação.
A própria expressão meio ambiente pressupõe que estamos no centro das
coisas que gravitam em torno de nós, senhores e possuidores da natureza, como
dizia Descartes. A razão tecnocientífica e suas práticas, sobretudo a partir da Re-
volução Industrial, levam-nos a enfrentar um conflito violento em que o inimigo
não é mais um grupo ou uma nação situada numa região ou local específicos, mas
é o próprio clima, a alta concentração de gás carbônico na atmosfera, a chuva
ácida, o desmatamento, a poluição dos mares.
O local afeta o global e vice-versa. A natureza se impõe como sujeito. Para-
doxalmente, a mesma ciência que por meio das suas técnicas e remédios nos pre-
serva da morte coloca-nos a possibilidade do fim de nós mesmos e do mundo. Não
podemos mais pensar em soluções de curto prazo. Se quisermos salvaguardar o
planeta Terra e a humanidade, precisamos pensar a vida a longo prazo, pensar o
tempo da natureza. Se durante séculos condicionamos a natureza para satisfazer e
realizar a natureza humana, agora somos condicionados por ela.
Serres descreve um mundo dilacerado, dividido, bipartido, exíguo. Mas
aponta uma saída, tem uma proposta, convida à aliança, à criação de novos laços,
imagina um novo homem político. Apesar de toda crítica à ciência, considera-a
o único projeto de futuro que nos resta. E, seguindo uma tendência de filósofos e
cientistas contemporâneos, defende a trans e a interdisciplinaridade, o desenvol- 11 Michel Serres (1930)
é professor de história
vimento de uma visão integrada em que o maior objeto das ciências e das práticas das ciências da Universidade
de Stanford e membro da Aca-
políticas seja o planeta Terra. demia Francesa.

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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

Filme: Naqoyqatsi
Direção: Godfrey Reggio
Duração: 92 min
Produção: EUA, 2002
Último filme da trilogia qatsi (significa “vida” no idioma da tribo indígena norte-americana
hopi). Discute, como os outros dois filmes (Koyaanisqatsi e Powaqqatsi), temas contemporâneos
como modernização, globalização, guerra, sociedade e natureza.

BERMAN, Marshall. Tudo o que É Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1994.

BERMAN, Marshall. Tudo o que É Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.
______. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1994.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
PONTING, Clive. Uma História Verde do Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SERRES, Michel. Contrato Natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
TOURAINE, Alain. Poderemos Viver Juntos? Petrópolis: Vozes, 1999.

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Desenvolvimento
sustentável
Cynthia Roncaglio

Desenvolvimento e ambiente

A
ideia de desenvolvimento e o agravamento ou a percepção do agravamento dos problemas
ambientais ganhou força e expressão principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando
emergiu no cenário internacional o confronto entre duas superpotências: Estados Unidos da
América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Embora a história mundial desse período não
fosse homogênea e facilmente compreensível, pode-se dizer, genericamente, que a Guerra Fria entre
esses dois blocos hegemônicos e antagônicos dividiu o globo em duas partes: uma controlada pela
URSS, que abrangia os territórios ocupados pelo Exército Vermelho e as forças armadas comunistas
ao fim da guerra; e a outra, com os Estados Unidos da América dominando o resto do mundo capita-
lista. Ambos propunham ao Terceiro Mundo o seu modelo de desenvolvimento.
Embora sob ameaça constante de uma guerra nuclear, que se acreditava possível resultar do
confronto entre as superpotências, as atividades econômicas prosperaram em muitas partes do mundo
entre os anos 1950 e 1970, renovando as esperanças de progresso e prosperidade da humanidade, seja
pelo viés da ideologia comunista ou da capitalista. No então denominado Terceiro Mundo, a ideia de
desenvolvimento parecia embutir a ideia de um futuro liberto dos piores entraves que pesam sobre a
condição humana, como a pobreza e o desemprego.
Contudo, já no início da década de 1970, o sistema político e econômico internacional entrou em
colapso e as disparidades entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos demonstrou a esgotabilidade
de um futuro grandioso e pleno de alternativas diante dos resultados da revolução socialista na China, na
URSS, no Vietnã e até mesmo em Cuba (considerada por muitos a revolução que deu certo) e das fases
depressivas das economias ocidentais. As crises do desenvolvimento no Terceiro Mundo refletiam-se na
estagnação econômica, na fome e nas guerras civis.
Sob a ótica do ambiente, desde que os Estados Unidos jogaram bombas atômicas sobre as cida-
des de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, constatou-se que o ser humano podia intervir radicalmente no
curso da natureza, a ponto de modificar ou colocar em risco a existência do planeta. Algumas iniciati-
vas, como a criação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), em 1948, apon-
tavam para os problemas ambientais que a crise político-econômica (dissociada de outras instâncias)
e um forte antropocentrismo impediam, e ainda impedem, de considerar relevante. O reconhecimento
do agravamento se dá progressivamente com o anúncio da morte do oceano pelo biólogo Paul Ehrlich,

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Desenvolvimento sustentável

em 1969, e a divulgação do relatório Limites do crescimento, encomendado pelo


Clube de Roma1, em 1972. Também conhecido como Relatório Meadows, por ter
sido o estudo coordenado pelo professor Dennis Meadows, esse documento apon-
tava o problema do aumento do consumo mundial em relação à capacidade do
ecossistema global. Utilizando um modelo de análise sistêmico, o estudo assina-
lava a preocupação com as principais tendências do ecossistema mundial, baseado
em cinco parâmetros: industrialização acelerada, forte crescimento populacional,
insuficiência crescente da produção de alimentos, esgotamento dos recursos natu-
rais não renováveis e degradação irreversível do meio ambiente.
Em síntese, o relatório, fortemente marcado por uma visão catastrófica e ne-
omalthusiana, previa que, se fosse mantido o ritmo de crescimento, os alimentos e
a produção industrial iriam declinar até 2010, sendo inevitáveis o esgotamento dos
recursos naturais, a poluição industrial e a diminuição da população. A divulgação
de Limites do crescimento teve repercussão mundial, sobretudo pela radicalidade
da sua tese de crescimento, favorável à limitação do crescimento da população e
da economia e pela previsão alarmante quanto à mortandade da população por
volta de 2050, provocada pelo esgotamento dos recursos naturais.
As análises do Clube de Roma foram bem recebidas entre os ambientalis-
tas radicais ou reformistas nos países do Norte, países capitalistas avançados,
mas, por outro lado, nos países em desenvolvimento, países do Sul, a tese do
limite do crescimento suscitou severas críticas e desconfiança quanto ao que re-
almente se pretendia apontando os problemas ambientais do crescimento. Para
muitos países do Sul, tratava-se de uma estratégia dos países do Norte para im-
pedir o seu rápido desenvolvimento. Também não faltaram reações contrárias à
tese do crescimento zero, como a dos chamados tecnocentristas extremados, que
minimizavam as previsões do Relatório Meadows, assegurando que o livre fun-
cionamento do mercado, conjugado à inovação tecnológica, evitaria a escassez a
longo prazo dos recursos naturais.

Entre 1969 e 1972, Entre 1969 e 1972, proliferaram retóricas


apocalípticas, como a do Clube de Roma, sobre
proliferaram retóricas
os desastres ecológicos mundiais e a possibilida-
apocalípticas, como a de de destruição do planeta caso não se tomassem
do Clube de Roma, medidas drásticas para salvar a natureza e conter
sobre os desastres o crescimento populacional. Tais manifestações,
ecológicos mundiais. embora exageradas e fundamentadas apenas nos
limites naturais, sem levar em conta que os pro-
1 O Clube de Roma, funda-
do em 1968, consistia em
uma associação de cientistas,
blemas ecológicos não podiam ser dissociados dos problemas políticos e sociais,
políticos e empresários preo- foram importantes porque incluíram a questão ambiental no debate global sobre o
cupados com a governabili-
dade dos problemas globais. desenvolvimento social e econômico, tornando-se um desafio ao qual teriam que
Essa agremiação encomen-
dou um ambicioso plano reagir pensadores sociais, políticos e economistas nas décadas seguintes.
de trabalho ao Massachus-
sets Institute of Technology
(MIT), baseado no método
Os movimentos ambientalistas radicais e a crescente preocupação das auto-
da dinâmica de sistemas de ridades oficiais e dos cientistas não impediram, entretanto, que se multiplicassem
os desastres e degradações ambientais dos oceanos, lagos e rios, das florestas e
Jay Forrester, que permitiu
o processamento de grandes
quantidades de variáveis por
meio da utilização de compu- campos, dos aglomerados urbanos. Nos anos 1980, novos alertas foram dados por
tadores.
catástrofes locais com consequências, que às vezes, extrapolavam as fronteiras
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Desenvolvimento sustentável

nacionais: Edgar Morin (1995), entre outros autores, lembra Bhopal2, Three Mile
Island e Chernobyl3, secagem do mar de Aral4, poluição do lago Baikal5, altos ín-
dices de poluição atmosférica em cidades como Atenas e México. 2 Em dezembro de 1984,
40 toneladas de gases
letais vazaram da fábrica de
agrotóxicos da Union Carbi-
Esses eventos e suas consequências para os diversos ecossistemas, incluindo de Corporation, em Bhopal,
Índia. Estima-se que cerca de
o ser humano, remetem a outros problemas mais gerais que já vinham ocorrendo oito mil pessoas morreram
nos países industrializados e não industrializados. Nos primeiros, evidencia-se a devido à exposição direta aos
gases. Hoje, estima-se que
contaminação das águas superficiais e subterrâneas, envenenamento dos solos por cerca de 150 000 sobreviven-
tes adquiriram doenças crô-
pesticidas e fertilizantes, urbanização maciça das zonas costeiras, proliferação de nicas e necessitam de cuida-
dejetos industriais. Nos países não industrializados, aumenta a desertificação, o dos médicos e uma segunda
geração de crianças continua
desmatamento, a erosão dos solos, as inundações e o aumento da emissão de gases a sofrer os efeitos da herança
tóxica deixada pela indústria.
tóxicos com o desenvolvimento das megalópoles. Globalmente, a antropização dos Foi considerado o maior de-
sastre químico da história.
meios naturais se reflete no aumento do efeito estufa, que altera os ciclos vitais,
decomposição gradativa da camada de ozônio estratosférica, buraco de ozônio na 3 Acidentes nos reatores
nucleares em Three Mile
Antártida, excesso de ozônio na troposfera (camada mais baixa da atmosfera). Island, na Pennsilvânia,
EUA, em 1979, e em Cher-
nobyl, na Ucrânia, em 1986,
A (re)incidência desses eventos, cada vez mais salientes e perceptíveis, faz parte da União Soviética. Na
com que a consciência ecológica torne-se, como diz Morin, “a tomada de consci- usina de Chernobyl, a quan-
tidade de radiação foi equi-
ência do problema global e do perigo global que ameaçam o planeta”. Se, a princí- valente a dez vezes a bomba
de Hiroshima e Nagasaki.
pio, as reações diante desses problemas são locais e técnicas, ao longo do tempo, A poeira radioativa se espa-

com a intensificação e a universalização dos problemas, surgem associações, par-


lhou pela Europa Oriental e,
pela circulação atmosférica
normal, chegou poucos dias
tidos ecológicos e instituições governamentais nacionais e internacionais criadas depois à Groelândia. O nú-
especificamente para gerenciar os problemas referentes ao ambiente. Ministérios mero oficial de mortos foi de
31 pessoas, entre funcioná-
do Meio Ambiente, por exemplo, foram criados em 70 países. Vários programas rios da usina e bombeiro, os
afetados pela explosão ou por
internacionais são estabelecidos a fim de realizar pesquisas e definir ações que doenças derivadas da expo-
sição à radiação. Estima-se,
possam conter ou retardar os efeitos da degradação ambiental. porém, extraoficialmente,
valores entre cinco mil e
Ao mesmo tempo em que a dinâmica econômica do pós-guerra renovava dez mil mortes. Entre 1986 e
1994, houve um crescimento
as esperanças de se construir um mundo mais justo, menos desigual, a noção de câncer de tireoide, sobre-
tudo em crianças, nas três re-
de desenvolvimento parecia se tornar, acentuadamente ao longo das décadas de giões mais afetadas: Rússia,
Bielo-Rússia e Ucrânia.
1960 e 70, incapaz de dar conta da complexidade do mundo. Outras noções, ou-
tros termos e outras propostas de desenvolvimento precisariam surgir para ser
possível compreender o ponto em que havia chegado a relação entre sociedade e
4 O mar de Aral situa-se
entre o Uzbzequistão e
o Cazaquistão e constituía
o quarto maior mar interior
natureza. da Terra, com cerca de 66
mil quilômetros quadrados.
Suas águas eram renovadas e
alimentadas pelos rios Amu

Compreendendo conceitos: ecologia, Daria e Sir Daria. O desvio


da água desses dois rios para
os projetos de irrigação das
plantações de algodão, reali-
meio ambiente, ecodesenvolvimento, zados pelo governo da URSS,
consumiram e secaram 90%
da água que chegava ao Aral,

desenvolvimento sustentável sendo considerado um dos


piores desastres ambientais
do século XX.
A noção de desenvolvimento é muito valiosa, supostamente, para todos
aqueles que estão imbuídos da vontade de melhorar, promover mudanças, aper- 5 Localizado na Sibéria,
com 636 quilômetros de
comprimento, é um dos lagos
feiçoar, crescer. No entanto, usada inadvertidamente por governantes, políticos e com águas mais profundas,
intelectuais durante séculos, tornou-se uma expressão desgastada e amiúde con- sendo responsável por 20%
da água doce do planeta. No
trovertida. Como diz Morin (1995, p. 83), processo de industrialização
da URSS, foi contaminado e
[...] de um lado é um mito global no qual as sociedades industrializadas atingem o bem- teve uma redução massiva de
sua extensão.
estar, reduzem suas desigualdades e dispensam aos indivíduos o máximo de felicidade

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Desenvolvimento sustentável

que uma sociedade pode dispensar. De outro, é uma concepção redutora, em que o cresci-
mento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais,
psíquicos e morais. Essa concepção tecnoeconômica ignora os problemas humanos da
identidade, comunidade, da solidariedade, da cultura. Assim, a noção de desenvolvimento
se apresenta gravemente subdesenvolvida. A noção de subdesenvolvimento é um produto
pobre e abstrato da noção pobre e abstrata de desenvolvimento.

Assim, buscando ampliar o sentido restrito do termo ao longo das últimas duas
décadas do século XX, conceitos antigos como o de ecologia foram reformulados
ou ampliados e outros passaram a ser adotados para exprimir e dar conta da com-
plexidade que envolve o desenvolvimento das sociedades humanas e a preservação
da natureza. Tratar-se-á aqui de referenciar algumas definições. Tanto as expres-
sões ecologia, meio ambiente e ambiente quanto as expressões desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade, por exemplo, são usadas ora como sinônimas, ora
com diferentes acepções por políticos, cientistas e filósofos. Cabe ao leitor identifi-
car nos discursos, caso não sejam evidentes as utilizações conceituais, as filiações
ideológicas ou políticas dos autores e os sentidos e significados implícitos.

Conceito de ecologia
O termo ecologia deriva de oikos (“casa”) + logos (“estudo”) e significa “es-
tudo da casa”. O termo foi cunhado pelo biólogo Ernst Haeckel em 1870 para criar
uma disciplina científica que se tornaria um ramo da biologia. Essa disciplina, a
ecologia, serviria para investigar as relações totais dos animais, tanto com seu
ambiente inorgânico quanto com o orgânico.
O conceito passou a ser reconhecido e utilizado entre o final do século XIX
e o início do século XX. Com algumas variações, o conceito de ecologia foi sin-
teticamente definido na década de 1960 pelo ecólogo norte-americano Eugene
Odum como “o estudo da estrutura e função dos ecossistemas” (ODUM apud
KORMONDY, 2002, p. 29). Os ecossistemas, para Odum (1988), abrangem todos
os organismos que funcionam em conjunto em uma determinada área, as inte-
rações biológicas que eles estabelecem e todos os processos físico-químicos que
sobre eles se refletem.
Porém, a tendência dessa disciplina das ciências naturais, em decorrência do
estudo de sistemas complexos e da sua necessária relação com a geologia, a física,
a química e a matemática, foi a de transpor fronteiras disciplinares. Com isso, foi
se ampliando a noção de ecologia na medida em que se pode estabelecer, inclusi-
ve, interfaces com as sociedades humanas em vários aspectos (sociologia, econo-
mia, ética, política etc.). Dessa forma, a ecologia pode significar desde um estudo
de espécies individualizadas quanto a totalidade dos ambientes do planeta Terra
(KORMONDY, 2002, p. 28). Daí derivaram especializações e expressões como
ecologia humana, ecologia cultural, ecologia sociológica. Na área das ciências
sociais, da filosofia e da história, há uma tendência a usar as expressões ecologia,
meio ambiente ou ambiente como sinônimas e entendidas genericamente como
as interações que se estabelecem da sociedade com a natureza. Há controvérsias
sobre os limites e a abrangência da ecologia. Para alguns estudiosos, a ecologia é
uma ciência aplicada que se dedica ao estudo de uma enorme e difusa variedade de
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Desenvolvimento sustentável

problemas ambientais. Dispõe de princípios e métodos de investigação que podem


servir para a solução de problemas práticos ou para ajudar a sociedade a escolher
entre ações alternativas. Para outros, como a ecologia se situa na perspectiva do
sistema global – porque analisa as interações dos sistemas vivos (no qual se inclui
os seres humanos) com o ambiente –, ela constitui uma abordagem ampla, múlti-
pla e restabelece o diálogo e a confrontação entre homens e natureza.

Conceito de meio ambiente


Como demonstram Marcel Jollivet e Alain Pavé (1995), a definição do
que é meio ambiente ou a sua definição enquanto objeto científico é uma operação
complicada. A noção de meio ambiente está relacionada a um objeto central e este
objeto difere segundo as disciplinas científicas. Ou seja, a noção de ambiente ou
meio ambiente pressupõe a necessidade de um sujeito ou referencial central que
percebe ou interage com o entorno. Esse sujeito pode ser uma população humana,
animal ou vegetal, um indivíduo, um ecossistema. Esse sujeito interage com o
meio de maneira mais ou menos intensa e pode perturbá-lo ou ser influenciado
por ele. Ambiente ou meio ambiente, portanto, é aquilo que está em volta, mas
necessariamente, de algo ou alguém.
Embora a expressão meio ambiente seja complexa, polissêmica, mutável no
tempo e no espaço, envolvendo fenômenos de características científicas e técnicas
difíceis de precisar, em geral tem sido usada como tudo aquilo que circunscreve os
seres vivos e as coisas e a percepção e a intervenção do homem sobre o meio natural.
Para Jollivet e Pavé (1995, p. 7), meio ambiente é o “[...] conjunto de meios naturais
ou artificializados da ecosfera onde o homem se instalou, que explora e administra,
e os conjuntos dos meios não antropizados necessários à sua sobrevivência”.
Em outros termos, o economista francês Ignacy Sachs (1986, p. 12) define o
conceito de ambiente ou meio ambiente como a articulação entre três subcon-
juntos: o meio natural, as tecnoestruturas criadas pelo homem e o meio social.
Ambiente, portanto, abrange o equilíbrio dos recursos naturais e a qualidade do
ambiente e implica o reconhecimento das inter-relações dos processos naturais
com os processos sociais. A partir do reconhecimento dessas inter-relações, Sachs
defende que o ambiente é uma dimensão do desenvolvimento e que, por meio das
técnicas disponíveis, o homem transforma os recursos em produto apropriado ao
consumo e à reprodução social.

Conceito de ecodesenvolvimento
No ano seguinte à primeira Conferência sobre o Meio Ambiente em Esto-
colmo, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), o termo ecode-
senvolvimento foi lançado pelo canadense Maurice Strong6, em reunião realizada
em Genebra em junho de 1973. Mas o conceito, com princípios reformulados, foi
consolidado e disseminado pelo economista francês Ignacy Sachs.
A origem do conceito se deve a uma polêmica entre duas correntes teóricas
com ideais extremos: os partidários do crescimento selvagem, que o defendem 6 Diretor executivo do Pro-
grama das Nações Uni-
das para o Ambiente.

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Desenvolvimento sustentável

como meio para corrigir os seus próprios males, e os zeristas, que defendem o
crescimento zero com a finalidade de preservar a natureza. Colocando-se entre
essas duas linhas extremas, o ecodesenvolvimento, no lugar de postular o não
crescimento, defende novas modalidades de crescimento, baseadas tanto na re-
visão de suas finalidades como nos seus instrumentais, procurando aproveitar as
contribuições culturais das populações e os recursos do seu meio.
Em síntese, ecodesenvolvimento é “um estilo de desenvolvimento que, em
cada ecorregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares,
levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessi-
dades imediatas como também aquelas a longo prazo.” (SACHS, 1986, p. 15).

Conceito de desenvolvimento sustentável


A expressão tem sua origem nos debates sobre o ecodesenvolvimento. Sachs
utiliza esse conceito no contexto de uma dura crítica ao modelo de desenvolvi-
mento forjado pelas sociedades industriais e às condições de desenvolvimento das
regiões subdesenvolvidas. Para as sociedades alcançarem o desenvolvimento de
modo ecologicamente satisfatório, segundo Sachs, é necessário levar em conside-
ração seis aspectos:
a satisfação das necessidades básicas das pessoas;
a solidariedade com as gerações futuras;
a participação da população envolvida nas decisões;
a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente;
a elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social
e respeito à diversidade cultural;
o estabelecimento de programas de educação.
Ainda nos anos 1970, a Declaração de Cocoyok, das Nações Unidas, intro-
duz a análise da pobreza7 como causa da explosão demográfica e principal induto-
ra da rápida deterioração dos recursos naturais. O modelo de consumo dos países
industrializados também é apontado como fator de agravamento desse quadro,
7 A pobreza “é o nível de
renda abaixo do qual uma
pessoa ou uma família não
podendo-se, portanto, falar em limites máximos e mínimos de crescimento. Em
é capaz de atender regular­ 1975, outro relatório internacional, o da Fundação Dag-Hammarskjold, com a
mente às necessidades da
vida” (COMISSÃO MUN- participação de políticos e pesquisadores de 48 países, complementa as recomen-
DIAL SOBRE MEIO AM-
BIENTE E DESENVOLVI- dações de mudanças nas estruturas de propriedade rural e o repúdio às posturas
MENTO, 1991, p. 54).
governamentais dos países industrializados.
8 O Relatório Brundtland
recebeu esse nome em
referência à primeira-minis-
Esse panorama prepara terreno fértil para que, em 1987, com a intensifica-
tra da Noruega, Gro Harlem
ção da preocupação mundial sobre as questões ambientais, o conceito de desen-
Brundtland, que presidiu a volvimento sustentável ganhe contornos mais definidos, porém ainda genéricos.
Comissão.
No relatório Nosso futuro comum, conhecido como Relatório Brundtland8, a Co-
9 A Organização das Na-
ções Unidas (ONU) tem
missão Mundial da Onu9 sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Unced),
como objetivos manter a paz,
defender os direitos humanos
ao examinar a ligação entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental,
e as liberdades funda­mentais, afirma: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do pre-
bem como promover o desen-
volvimento dos países em sente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas
escala mundial.

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próprias necessidades”. Essa definição contém dois conceitos-chave: 1) o conceito


de necessidades, sobretudo as essenciais dos pobres do mundo, que devem receber
a máxima prioridade; 2) a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da
organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessi-
dades presentes e futuras (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE
E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 46).

Nosso futuro comum


e os princípios de sustentabilidade
A partir da definição de desenvolvimento sustentável pelo relatório Nosso
futuro comum, entender-se-á que, ao se definirem os objetivos do desenvolvimen-
to econômico e social, faz-se necessário levar em conta a sua sustentabilidade
em todos os países – desenvolvidos ou em desenvolvimento, com economia de
mercado ou de planejamento central.
Entre os princípios básicos de sustentabilidade apontados pelo relatório, es-
tão os que apresentamos abaixo.
Que todos devem ter atendidas as suas necessidades básicas e devem
ser proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma
vida melhor. Essas necessidades são determinadas social e culturalmen-
te, e o desenvolvimento sustentável requer a promoção de valores que
mantenham os padrões de consumo dentro do limite das possibilidades
ecológicas a que todos podem aspirar.
Que haja crescimento econômico em regiões onde as necessidades básicas
não estão sendo atendidas. Onde já são atendidas, o desenvolvimento sus-
tentável é compatível com o crescimento econômico, desde que ele reflita
os princípios amplos da sustentabilidade e da não exploração dos outros.
Mas o simples desenvolvimento econômico não basta: o desenvolvimen-
to sustentável exige que as sociedades atendam às necessidades humanas,
tanto aumentando o potencial de produção quanto assegurando a todos as
mesmas oportunidades. Aponta-se que muitos problemas derivam de de-
sigualdades de acesso aos recursos, como por exemplo uma estrutura não
equitativa de propriedade da terra que pode levar à exploração excessiva
dos recursos das propriedades menores, com efeitos danosos para o meio
ambiente e para o desenvolvimento. Destaca-se que “quando um sistema
se aproxima de seus limites ecológicos, as desigualdades se acentuam”.
Que, no mínimo, não sejam postos em risco os sistemas naturais que susten-
tam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. O de-
senvolvimento sustentável exige que o índice de destruição dos recursos não
renováveis mantenha o máximo de opções futuras possíveis. É preciso que se
minimizem os impactos adversos sobre a qualidade do ar, da água e de outros
elementos naturais, a fim de manter a integridade global do ecossistema (a
Terra não deve ser deteriorada além de um limite razoável de recuperação).
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Que o desenvolvimento tecnológico seja orientado para as premissas an-


teriores.
Em síntese, o relatório Nosso futuro comum aponta que o desenvolvimento
sustentável
[...] é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos
investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se
harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e
aspirações humanas. (1991, p. 49)

Ou seja, para a Comissão, o desenvolvimento sustentável não é um estado


permanente de harmonia, mas um processo de mudança, que depende do empe-
nho político. A Comissão certamente avançou na reflexão e no diagnóstico sobre
a questão econômico-ambiental ao destacar a interdependência global das ma-
nifestações físicas e econômicas, tais como a relação entre os efeitos globais da
poluição e os preços dos produtos agrícolas em uma economia internacionalizada.
Por isso defende, além do fortalecimento político e comunitário local e regional, a
cooperação internacional.
Mas a principal contribuição desse relatório, conforme Leis (1999, p.
150), não são as formulações técnicas sobre o que deve ser o desenvolvimento
sustentável e as recomendações de ações para os governos, até porque havia di-
ferenças de critérios entre os membros dos países participantes, mas o principal
mérito do relatório foi o seu posicionamento ético. Leis lembra que, em geral,
os princípios éticos são lembrados em grandes documentos como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, após o fim da Segunda Guerra Mundial, mas
não em textos técnicos voltados para instrumentalizar ações políticas e econômi-
cas de instituições governamentais.
Ao afirmar os princípios do desenvolvimento sustentável, entendendo que
o desenvolvimento deve atender às necessidades presentes sem prejudicar as pos-
sibilidades de atender às das gerações futuras, o relatório vai além do reconheci-
mento da complexidade e interdependência dos países e dos fenômenos naturais e
sociais: os homens têm responsabilidade frente à natureza e o ser humano não é a
medida de todas as coisas.

Estratégias de transição para o século XXI


(SACHS, 1994)
Os cinco aspectos do ecodesenvolvimento
Qualquer planificação do desenvolvimento deve tomar em consideração simultaneamente os
seguintes cinco aspectos de viabilidade.
1 – A viabilidade social, considerada como a instauração de um processo de desenvolvimento
apoiando-se sobre um “outro” crescimento e inspirando-se em uma nova concepção sobre o que de-
veria ser uma sociedade melhor. O objetivo é o de construir uma civilização caracterizada por uma
maior justiça na repartição das riquezas e das rendas, tendo como objetivo a redução da distância
no nível de vida entre providos e deserdados.
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2 – A viabilidade econômica, tornada possível pela repartição e pela gestão mais eficiente dos re-
cursos, e por um fluxo regular de investimentos públicos e privados. É essencial superar as configura-
ções externas negativas criadas pelo peso da dívida e as saídas líquidas dos recursos financeiros do Sul
para o Norte, assim como pelos termos de troca desfavoráveis, as barreiras protecionistas ainda em voga
no Norte e as restrições de acesso à ciência e à tecnologia. A eficiência econômica deveria ser avaliada
de preferência em função de critérios macrossociais e não no micronível do benefício das empresas.
3 – A viabilidade ecológica, que poderia ser melhorada com as seguintes medidas:
aumentar a capacidade de carga da nave Terra, procurando os meios de intensificar a ex-
ploração do potencial dos recursos dos diversos ecossistemas, causando os menores danos
possíveis aos sistemas de manutenção da vida;
limitar o consumo de combustíveis fósseis e outros recursos e produtos em via de esgota-
mento, ou cuja utilização seja nefasta ao meio ambiente, substituindo-os por recursos ou pro-
dutos renováveis e/ou abundantes, utilizados de modo a respeitar o meio ambiente, reduzir o
volume dos resíduos e o nível de poluição, economizando e reciclando energia e recursos;
incitar os ricos, em escala nacional e individual, a limitar voluntariamente o consumo de
bens materiais;
intensificar a pesquisa de tecnologias que produzam poucos resíduos e que assegurem um
bom rendimento dos recursos para o desenvolvimento urbano, rural e industrial;
definir as regras para uma adequada proteção do meio ambiente, elaborar os mecanismos
institucionais e escolher a combinação de instrumentos econômicos, jurídicos e adminis-
trativos necessários a sua aplicação.
4 – A viabilidade espacial, que deverá ter como objetivo obter um melhor equilíbrio entre ci-
dade e campo, e uma melhor repartição populacional e da atividade econômica sob o conjunto do
território, enfatizando os seguintes pontos:
reduzir a alta densidade nas zonas metropolitanas;
cessar a destruição pela colonização incontrolada dos ecossistemas frágeis cuja importân-
cia é vital;
promover o emprego de métodos modernos de agricultura e de agroflorestamento regene-
rativos pelos pequenos exploradores, fornecendo particularmente módulos técnicos apro-
priados e possibilidades de crédito e de acesso aos mercados;
explorar as possibilidades de industrialização descentralizada oferecidas pelas tecnologias
de nova geração, em se tratando particularmente de indústrias utilizando a biomassa, que
podem contribuir à criação de empregos rurais não agrícolas – M. S. Swaminathan estima
que uma nova forma de civilização baseada na utilização ecologicamente viável de recur-
sos renováveis é não somente possível como indispensável (MCNEELY);
criar uma rede de reservas naturais da biosfera a fim de preservar a biodiversidade.
5 – A viabilidade cultural, que implica a pesquisa das raízes endógenas dos modelos de mo-
dernização e dos sistemas agrícolas integrados, assim como dos processos que buscam mudança na
continuidade cultural, e tradução dos conceitos normativos de ecodesenvolvimento em uma plura-
lidade de soluções locais específicas para cada ecossistema, cada cultura e cada situação.

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Do conceito à ação
Na prática, a imaginação ecológica deve guiar a reflexão sobre o desenvolvimento. O objetivo
é o de melhorar o destino de mais de um bilhão de indivíduos que vivem abaixo do limiar da pobre-
za, começando por assegurar-lhes “meios viáveis de existência” (CHAMBERS), qualquer que seja
o contexto ambiental ou cultural em que vivam, mostrando que as populações locais são capazes
de respeitar o meio ambiente, desde que sejam eliminados os obstáculos que as impedem de adotar
uma visão a longo prazo de conservação da sua base de recursos.
Tais obstáculos são principalmente de ordem política e institucional. Esses são frequentemen-
te ligados a regimes agrários desiguais, ausência de reformas tributárias adequadas, privatização
de propriedades comunais, marginalização das populações das regiões florestais, ou exploração
predatória dos recursos naturais que visam a maximizar lucros imediatos. É somente nas regiões
de alta densidade populacional que as pressões impostas pelo meio ambiente e o nível de recursos
constituem um limite absoluto. Gallopin, Gutman e Winograd, por exemplo, mostram que a Amé-
rica Latina dispõe de um enorme potencial de biomassa cuja exploração poderia levar em conta os
imperativos ecológicos, o que contribuiria para atender a necessidades sociais, satisfazendo ainda
o critério da eficiência econômica.
A Índia, por outro lado, é menos rica em recursos. Alagh cita, no entanto, vários exemplos
de projetos de organização de bacias hidrográficas que permitem recuperar rapidamente o capital
investido. As técnicas necessárias à execução de tais projetos são conhecidas, e as repercussões no
nível das coletividades podem ser muito interessantes. Esses projetos exigem porém um financia-
mento dos poderes públicos para atender aos investimentos iniciais. Alagh defende uma planifica-
ção agroclimática, usando sistemas de exploração inovadores, para superar os inconvenientes de
uma visão que privilegia uma cultura ou uma região.
A garantia de meios de existência viáveis deve tornar-se parte integrante das estratégias de de-
senvolvimento, mas a realização desse objetivo supõe que os grupos locais adquiram a capacidade
de se responsabilizar e de valorizar seus próprios produtos. A noção de proteção primária do meio
ambiente (HOLMBERG), por analogia aos cuidados primários de saúde, repousa essa premissa.
Por mais importante que seja, o desenvolvimento rural não conseguirá assegurar meios de
sobrevivência viáveis a todos os habitantes dos países do Sul; a população ativa destes países, em
1990, aproximava-se de 1,8 bilhões de habitantes (dos quais mais de meio bilhão de desempregados
ou subempregados), cifra que deverá atingir 2,1 bilhões no ano 2000, e 3,1 bilhões em 2025. Daí a
importância dada ao tratamento dos problemas urbanos.
Administrar a exploração urbana
Uma das mais marcantes características da nossa época é uma explosão urbana sem preceden-
tes, que se manifesta sobretudo no Sul. No começo do século XXI, os habitantes de baixa renda das
cidades do Terceiro Mundo formarão a nova maioria da população do globo terrestre. Segundo as
estimativas mais recentes, o número de cidadãos dos países do Sul terá dobrado durante o período
de 1980 a 2000, passando de um a dois bilhões. Durante os 25 anos seguintes, podemos contar com
uma nova duplicação, o que significa que em menos de meio século três bilhões de pessoas virão
somar-se à população urbana do Sul.
Só a amplidão dessa explosão urbana, agravada pelo atraso das necessidades não satisfeitas,
mostra que a imitação por esses países dos métodos utilizados pelo Norte só aumentaria as desi-
gualdades atuais, beneficiando uma minoria de privilegiados e marginalizando a maior parte dos
habitantes das cidades. Além disso, o modelo do Norte não pode ser tomado como um êxito total.
A proliferação dos guetos intraurbanos, as periferias deserdadas agravando a exclusão, a segre-
gação social associada ao desemprego crônico, as tensões raciais e étnicas, a violência urbana, o
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consumo de drogas, a situação de quase falência de algumas das cidades mais ricas do mundo, são
elementos que não ajudam a testemunhar a capacidade dos países industrializados de administrar
suas aglomerações.
É claro que a urbanização acompanha e, em grande medida, promove o progresso econômico,
social e cultural dos países principalmente agrícolas, mas ela não tem só consequências positivas.
Lembremos a esse respeito o debate sobre as cidades tentaculares e parasitas e sobre o “viés urba-
no” das políticas de desenvolvimento, viés ampliado ainda pelo crescimento urbano sem preceden-
tes devido ao afluxo de “refugiados” do campo.
A tendência atual do nosso planeta em transformar-se em um arquipélago urbano não deve por-
tanto ser considerada como uma fatalidade. A noção de “economias de aglomeração” necessita ser
revisada para considerar as possibilidades de especialização flexível e de industrialização descentra-
lizada oferecidas pelas novas tecnologias. Daí a necessidade de encontrar no Sul, no Leste, e até no
Norte, estratégias ativas e inovadoras de desenvolvimento urbano. Essa busca deve centrar-se sobre
vários elementos ao mesmo tempo:
os modelos institucionais e modelos de gestão;
novas formas de colaboração entre a sociedade civil, as empresas e os poderes públicos;
a passagem de uma política assistencial a uma política que vise a estimular a iniciativa e a
criatividade das populações locais, tornando-as aptas a se autogerenciarem;
constantes esforços para economizar recursos e suprimir o desperdício;
uma hábil gestão do pluralismo tecnológico e da pesquisa mais ativa das novas soluções
tecnológicas, por um preço acessível aos países em desenvolvimento.
Cada grande cidade é em si um ecossistema dotado de um certo potencial de recursos.
Muitos desses recursos são latentes, subutilizados ou mal utilizados: terras suscetíveis de serem
destinadas ao cultivo no centro das cidades, resíduos recicláveis, possibilidades de economia
de energia e de recursos em água e em capital mediante uma melhor manutenção dos equipa-
mentos, das infraestruturas e do conjunto de habitações. A exploração desses recursos poderia
fornecer numerosos empregos financiados graças à economia realizada e permitiria o melhora-
mento do meio ambiente.
Um grau de prioridade deve então ser dado às tarefas seguintes:
melhorar o estado do meio ambiente e a condição social da maior parte dos cidadãos pela
reabilitação urbana, baseada em estratégias de ecodesenvolvimento de forte intensidade
de mão de obra;
estudar e concretizar novos tipos de aglomerações, concebidas de maneira a permitir a
economia de recursos;
reduzir o fluxo dos “refugiados” das regiões rurais, aproveitando as novas possibilidades de
industrialização descentralizada para reequilibrar as configurações entre cidade e campo.
As grandes cidades são como os seres humanos: cada uma tem sua personalidade. Para su-
perar o desafio urbano, deve-se levar em conta a configuração dos fatores naturais, culturais e so-
ciopolíticos próprios de cada cidade, assim como seu passado e suas tradições. Ao invés de propor
soluções uniformes, convém ver nessa diversidade um valor cultural da maior importância.
Deve-se tirar duas conclusões do que foi dito anteriormente:
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Desenvolvimento sustentável

as estratégias do desenvolvimento urbano não podem ser impostas de cima para baixo,
mas sim elaboradas e concretizadas pelas populações interessadas, com o apoio de uma
política eficaz para a emancipação destas populações;
as trocas de experiência entre cidades e estudos comparativos deveriam ocupar um lugar
importante nas políticas de cooperação, a ideia não sendo tanto a de fornecer modelos
prontos, mas sim a de estimular a imaginação social, permitindo encontrar nos acertos e
erros dos outros um reflexo de suas próprias interrogações.

Analise as definições dos conceitos de ecologia, meio ambiente, ecodesenvolvimento e desen-


volvimento sustentável e estabeleça suas semelhanças e diferenças.

FOLADORI, Guillermo. Los Límites del Desarollo Sustentable. Montevideo: Ediciones de La Ban-
da Oriental, 1999.
RESENDE, Paulo-Edgar Almeida (Org.). Ecologia, Sociedade e Estado. São Paulo: Educ/PUC-SP, 1995.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso Futuro


Comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1991.
FOLADORI, Guillermo. Los Límites del Desarollo Sustentable. Montevideo: Ediciones de La Ban-
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HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das
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FLORIANI, Dimas (Org.). Coletânea de Textos Traduzidos: o programa de meio ambiente do Cen-
tre Nationale de la Recherche Scientifique da França. Curitiba: IAP/GTZ, 1995.
KORMONDY, Edward J. Ecologia Humana. São Paulo: Atheneu, 2002.
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Sustentabilidade
para quem?
Cynthia Roncaglio

Desenvolvimento econômico X
desenvolvimento sustentável

O
desenvolvimento das sociedades modernas, há pelo menos 200 anos,
tem se baseado essencialmente no desenvolvimento econômico. Teorias
e práticas econômicas empenharam-se em compreender e aplicar fór-
mulas e modelos de administração da casa (oikos), as quais seriam mais ou menos
eficientes para garantir a ordem da produção, da distribuição e do consumo de tudo
aquilo que se tornou necessidade para a sobrevivência e o bem-estar dos seres
humanos. Evidentemente, tais necessidades não são intrinsecamente necessárias à
natureza humana, mas foram desencadeadas pelas sociedades capitalistas, consti-
tuídas pela riqueza, baseadas no valor de troca e na obtenção do lucro.
O desenvolvimento econômico passou a ser considerado a medida do proje-
to civilizatório e do progresso humano, o meio pelo qual o homem se desprenderia
das limitações impostas pela natureza e alcançaria a sua emancipação. Todavia,
restrito à lógica da economia, o conceito de desenvolvimento se mostrou histori-
camente limitado, a civilização tornou-se um projeto inacabado (e corre o risco de
se transformar em barbárie) e a ideia de progresso econômico se evidenciou um
mito, uma racionalidade insustentável.
Ora, o progresso econômico é insustentável porque se ba- O progresso econômico
seia na acumulação de riqueza, e nas sociedades modernas ele se é insustentável porque se
baseia na acumulação exponencial de riqueza. Mas baseia na acumulação de
[...] para um indivíduo, uma família ou um país manter, sustentar riqueza.
certo nível de enriquecimento material requer uma sequência crí-
tica permanente de esforços dirigidos à neutralização de ameaças e perturbações que
tendem a pairar permanentemente sobre a riqueza. (CAVALCANTI, 1996, p. 325)

Tais esforços são notoriamente evidentes, por exemplo, quando se observa


a dinâmica das economias mundiais. Os governos, sob a direção de especialistas,
elaboram planos econômicos, delineiam estratégias de crescimento, executam cál-
culos mirabolantes para controle dos juros e verificam as alterações que possam
colocar em risco o planejamento econômico. Porém, uma pequena elevação no
nível dos preços, o inesperado desaquecimento de um setor-chave da produção ou
uma flutuação do mercado de câmbio são elementos suficientes para tirar a econo-
mia do rumo, gerar a necessidade de um ajuste, estimular a ocorrência de inflação
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Sustentabilidade para quem?

As formas de ou recessão, dois inimigos mortais de qualquer plano econômico


desenvolvimento na e da economia de qualquer país (CAVALCANTI, 1996).
natureza não se baseiam Ou seja, o progresso econômico, nas sociedades moder-
no crescimento, mas sim nas, baseia-se no crescimento e na percepção de que esse cres-
na evolução biológica. cimento é ilimitado. Dessa forma, o desenvolvimento não flui
naturalmente porque as formas de desenvolvimento na natureza
não se baseiam no crescimento, mas sim na evolução biológica,
a qual comporta mudança e transformação homeostática1.
A crise ecológica, a partir dos anos 1960, evidencia os limites do cresci-
mento e as desordens globais derivadas de uma racionalidade técnica e econômica
que se mostrou incapaz de garantir, em âmbito mundial, a produtividade crescente
sem que ocorressem danos para o ambiente e para sociedade. E, certamente, isso
não aconteceu porque não foram empregadas medidas econômicas adequadas,
mas porque se dissociou a economia (administração da casa) da ecologia (estudo
da casa), ignorando suas interações e interdependências.
É preciso compreender que o sistema econômico é um subsistema aberto
nos ecossistemas. Para suprir as suas necessidades, os seres humanos se apro-
priam dos elementos disponíveis (matéria e energia), transformam a natureza e a
utilizam ainda como espaço onde lançam os dejetos resultantes de todas as ativi-
dades de produção e de consumo. Em outras palavras, a economia, nas sociedades
modernas, marcadas pelo crescimento da produção em escala industrial e pela
substantiva densidade demográfica global, sobrecarrega a capacidade de suporte
da natureza, seja como fornecedora de recursos, retirados intensivamente, seja
como receptáculo do lixo reciclável ou não reciclável, que, em última instância,
demanda mais matéria e energia para ser destruído. O nível de capacidade de re-
generação e assimilação de elementos contaminantes tem se mostrado limitado2.
Depreende-se daí que o processo econômico mundial, tal como se confi-
gura hoje, fundamenta-se na acumulação de riquezas por meio da produção e do
consumo de bens e serviços em larga escala com emprego de alta quantidade de
matéria e energia. O processo natural baseia-se, no entanto, no estoque de riqueza
(recursos naturais) antes da utilização humana e, embora disponha de mecanis-
1 Homoestático: que se
refere à homeostase, pro-
priedade autorreguladora de
mos autorreguladores e capacidade de regeneração, não consegue repor matéria e
um sistema ou organismo que
energia no desenfreado ritmo provocado pelo consumo das atividades humanas.
o permite manter em um es-
tado de equilíbrio dinâmico. Aludir ao desenvolvimento sustentável significa compreender que alguns
comportamentos econômicos devem ser abandonados em favor de uma conduta
2 A explicação para os pro-
cessos de degradação dos
sistemas naturais baseia-se
mais equilibrada diante da natureza, o que significa, em última análise, buscar
nos princípios da termodi- eficiência máxima dos recursos com o mínimo de perdas físicas. Como os ideais
nâmica, vinculados à física
newtoniana. O segundo prin- e as práticas de desenvolvimento econômico e social, delineados pelas sociedades
cípio da termodinâmica, ou
lei da entropia, baseia-se na europeia e norte-americana, tornaram-se parâmetros mundiais, as partes do globo
explicação de que a energia
mecânica irreversivelmente
que não alcançaram os mesmos patamares de desenvolvimento são forçadas a
se transforma em calor, e que
este só parcialmente pode se
rever suas políticas econômicas e estabelecer políticas ambientais para não repro-
transformar em trabalho. A duzir localmente problemas que as sociedades capitalistas “avançadas” geraram
parte da energia que se de-
grada provoca não só perda em âmbito global. Daí ser o ecodesenvolvimento, proposto por Sachs, e hoje mais
física mas também desordem
na natureza. conhecido como desenvolvimento sustentável, a busca, para a sociedade contem-
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porânea, de uma razão que respeite os seus próprios limites e que integre raciona-
lidades distintas, como a econômica, a política, a cultural e a ecológica. Um estilo
de desenvolvimento, ou novos modelos de desenvolvimento, que, na concepção de
Sachs, apresentem as seguintes características:
valorização dos recursos específicos de cada região para satisfazer as
necessidades fundamentais da população em termos de alimentação, ha-
bitação, saúde e educação;
priorização da realização humana;
exploração dos recursos naturais dentro de uma perspectiva de solidarie-
dade sincrônica com todos os homens de nossa geração e diacrônica com
as gerações futuras;
redução do impacto das atividades humanas mediante adoção de proce-
dimentos de transformação de resíduos em insumos;
redução de consumo de energia proveniente de fontes comerciais;
adoção de estilo tecnológico particular, com aperfeiçoamento das ecotécnicas;
formação de quadro institucional que considere as especificidades locais,
a complementariedade das ações empreendidas, a participação efetiva
das populações locais e a garantia da não espoliação dessas populações;
fortalecimento de um processo educativo que sensibilize a população
quanto aos aspectos ecológicos do desenvolvimento, modificando o sis-
tema de valores em relação à dominação da natureza.
Em suma, a teoria do desenvolvimento sustentável é uma complexa equação en-
tre eficiência econômica, prudência ecológica e realização de uma sociedade justa e so-
lidária e, ao colocar a questão ambiental no centro do debate sobre o desenvolvimento,
[...] problematiza as próprias bases da produção; aponta para a desconstrução do paradig-
ma econômico da modernidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos
limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e
na criatividade humana. (LEFF, 2001, p. 17)

Globalização e discursos de sustentabilidade


O debate sobre a questão ambiental afirma-se no cenário mundial a partir da
crise do paradigma de racionalidade da sociedade ocidental, do modelo de desen-
volvimento e do processo de globalização militar, econômica, política, cultural,
tecnológica e informacional.
A expressão desenvolvimento sustentável ganhou mais força com a elabo-
ração e a ampla divulgação do Relatório Brundtland, no final dos anos 1980, e a
partir de então vem sendo usada, legitimada e oficializada por entidades públicas
e privadas, tornou-se um discurso, ou melhor, a base para diversos discursos de
sustentabilidade nem sempre convergentes. Acselrad (1999, p. 79), por exemplo,
destaca cinco matrizes de discursos associados à noção de sustentabilidade:

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matriz da eficiência, que pretende combater o desperdício da base mate-


rial do desenvolvimento, estendendo a racionalidade econômica ao “es-
paço não mercantil” planetário;
matriz da escala, que propugna um limite quantitativo ao crescimento
econômico e à pressão que ele exerce sobre os “recursos ambientais”;
matriz da equidade, que articula analiticamente princípios de justiça e
ecologia;
matriz da autossuficiência, que prega a desvinculação de economias na-
cionais e sociedades tradicionais dos fluxos do mercado mundial como
estratégia para garantir a capacidade de autorregulação comunitária das
condições de reprodução da base material de desenvolvimento;
matriz da ética, que inscreve a apropriação social do mundo material em
um debate sobre os valores de bem e de mal, evidenciando as interações
da base material do desenvolvimento com as condições de continuidade
da vida no planeta.
O autor, ao apontar algumas matrizes de discursos de sustentabilidade, está a
observar o seguinte: que os discursos de sustentabilidade não são neutros;
Os discursos de que eles têm, implícita ou explicitamente, o poder de objetivar representa-
sustentabilidade ções sociais de agências financiadoras, técnicos, governantes, ideólogos do
não são neutros. desenvolvimentismo, ecólogos, membros de organizações não governamen-
tais (ONGs), entre outros atores sociais, que estabelecem uma luta simbólica
pelo reconhecimento de quem pode falar em sustentabilidade. As percepções desses
atores sociais são também produto das estratégias e práticas sociais que tendem a
impor uma autoridade às custas das outras, justificar escolhas e posições individu-
ais. Cabe, assim, de acordo com a perspectiva do autor, compreender que
[...] associar a noção de “sustentabilidade” à ideia de que existe uma forma social durável
de apropriação e uso do meio ambiente dada pela própria natureza das formações bioló-
gicas significa ignorar a diversidade de formas sociais de duração dos elementos da base
material do desenvolvimento. Colocar o debate sobre sustentabilidade fora dos marcos
do determinismo ecológico requer que se questione a ideia de que o espaço e os recursos
ambientais possam ter um único modo sustentável de uso, inscrito na própria natureza
do território. A perspectiva não determinística, portanto, pressupõe que se diferencie so-
cialmente a temporalidade dos elementos da base material do desenvolvimento. Ou seja,
que se reconheça que há várias maneiras de as coisas durarem, sejam elas ecossistemas,
recursos naturais ou cidades. (ACSELRAD, 1999, p. 87)

Henri Acselrad considera que os discursos de sustentabilidade, desencade-


ados pela emergência da questão ambiental, geram novos nomes e novos concei-
tos sobre velhas práticas. Daí o esverdeamento das políticas públicas urbanas, por
exemplo, que se apropriam de um discurso inovador para, às vezes, reproduzir prá-
ticas antigas. Sua preocupação é entender quais processos sociopolíticos estão por
trás dessas práticas, sobretudo porque o meio ambiente, em geral, é pensado como
algo que está fora, tem objetividade. Mas o entendimento dos fenômenos ambien-
tais, a potencialidade dos recursos naturais ou o processo entrópico (processo de de-
gradação) derivado de uma determinada forma de desenvolvimento são construídos
por discursos técnicos, científicos e políticos que detêm ou conquistam autoridade e
legitimidade para dizer qual é a prática “boa” ou “ruim” para o meio ambiente.
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Assim, por exemplo, o planejador aparece como intérprete legítimo da de-


fesa do território na inserção mundial e não um debatedor de alternativas para o
processo de globalização. E quando se pergunta, como Vandana Shiva3, o que é
global? Preservar a biodiversidade é global e controlar o uso da energia nuclear
não é? O controle da energia nuclear está nas mãos dos países centrais enquan-
to o da biodiversidade está nas mãos dos países periféricos? Essas perguntas
remetem diretamente ao problema de quem decide o que deve ser sustentável e
quais são os países que tem poder para decidir o que deve ser preservado e/ou
degradado.
Quando se refere ao limites do determinismo ecológico e à necessidade de
se diferenciar a sustentabilidade no tempo, Acselrad está chamando atenção para
um cuidado que se deve tomar para não sucumbir à tentação de reconstruir um
presente a partir de supostas exigências do futuro. Quando se recorre à ideia de
que uma coisa é sustentável, toma-se como referência a comparação entre dois
momentos: entre o passado e o presente, entre o presente e o futuro. O atual mo-
delo de desenvolvimento mostrou-se insustentável comparando-se o passado e
o presente. Então, parte-se para uma comparação do presente com o futuro. As
práticas de sustentabilidade adotadas no presente devem ser compatíveis com a
qualidade de vida desejável no futuro ou para que sejam garantidas as condições
satisfatórias das gerações futuras e assim por diante.
Nesse sentido, a sustentabilidade se insere no campo da causalidade tele-
ológica – ou seja, as causas se definem pelos seus fins. Determinadas práticas
são consideradas sustentáveis hoje porque garantirão sustentabilidade no futuro.
Esse tipo de recurso torna-se questionável se for observado à luz da experiência
histórica que “registra exemplos no mínimo discutíveis dessa atualização políti-
ca do futuro como: ‘é preciso crescer para depois distribuir’, ‘estabilizar a eco-
nomia para depois crescer’, ‘sacrificar o presente para conquistar o futuro’ etc.”
(ACSELRAD, 1999, p. 81).
Sob a ótica de Henrique Leff (2001, p. 15), que corrobora em certa medida a
análise política de Acselrad, o conceito ambivalente de desenvolvimento sustentável
e a imprecisão do termo sustentabilidade acabam por dissolver o potencial crítico
e transformador das práticas do ecodesenvolvimento. Isso se dá no contexto de
crises econômicas que ameaçam os países do Terceiro Mundo, em especial da
América Latina, emparedados por dívida externa, recessão e inflação nas décadas
de 1980 e 1990. Nesse processo, configuram-se programas neoliberais em diver-
sos países e, ao mesmo tempo, os problemas ambientais mundiais agravam-se e
tornam-se mais complexos.
Sem querer abrir mão do desenvolvimento por meio do crescimento ilimitado,
as estratégias de poder da ordem econômica dominante submetem o discurso am-
biental crítico aos ditames da globalização econômica, e “o discurso da ‘sustentabili-
dade’ leva portanto a lutar por um crescimento sustentado, sem uma justificação rigorosa 3 Vandana Shiva, doutora
em física, é militante do
movimento Chipko (Abraço),
da capacidade do sistema econômico de internalizar as condições ecológicas (de susten- na Índia, que é uma iniciativa
tabilidade, equidade, justiça e democracia) desse processo” (LEFF, 2001, p. 19-20). de resistência das mulheres
do norte do país, que abraça-
vam as árvores para impedir
Na verdade, a natureza, na perspectiva da economia neoliberal, não é con- a destruição de seus bosques
por empresas madeireiras.
siderada como um fator restritivo, mas um fator de “externalidade” que deve ser
calculado e embutido no custo final dos produtos.
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A lógica que orienta a economia neoliberal pressupõe que a concorrência é


o mecanismo para o equilíbrio geral e as travas do crescimento são provenientes
das imperfeições do mercado. Nessa perspectiva, o mercado competitivo tende
a incorporar os custos ambientais. No entanto, isso implica produção crescente,
controle da contaminação e da degradação pelo mercado, papel secundário dos
governos, sendo que a tecnologia daria conta de usar os recursos de forma mais
eficiente, gerando menos resíduo e buscando inovações tecnológicas que substitu-
am as fontes de energia tradicionais. Mas essa tecnologia visa, em última instân-
cia, ao lucro e não à melhoria das condições de vida, do ambiente e do trabalho.
Pode-se dizer que Leff enquadra os discursos da sustentabilidade ambiental
em duas grandes correntes.
Uma delas é a corrente dos ambientalistas que, a partir da década de 1970,
motivados pelos limites da racionalidade e os desafios da degradação ambien-
tal do projeto civilizatório da modernidade, colocaram a questão ambiental no
centro de uma nova proposta de desenvolvimento humano, baseado na valoriza-
ção das potencialidades e na integração da natureza, na redescoberta de saberes
subjugados, na diversidade de culturas, na construção de um mundo democrático,
igualitário, mas que respeite a diversidade ecológica e cultural e admita a comple-
xidade do mundo, sendo todos esses fatores negados pela racionalidade mecânica,
mecanicista, simplificadora, unidimensional e fragmentadora que conduziu o pro-
cesso de modernização.
E a outra é a corrente dos neoliberais, em sua maioria representados por
membros do Estado, grandes empresários e ideólogos do desenvolvimentismo,
que articulam um discurso de sustentabilidade dissonante da proposta anterior,
permeado por sentidos contraditórios, diferenciados e com interesses opostos na
apropriação da natureza. A natureza é apropriada mais um vez – não só mate-
rialmente mas também simbolicamente – como valor de mercado, convertida em
capital natural4 a ser assimilado pelo capital globalizado e pela ecologia genera-
lizada (LEFF, 2001, p. 25).

É possível sustentabilidade
como alternativa de desenvolvimento?
Desenvolvimento sustentável é um conceito em torno do qual se estabeleceu
um certo consenso mundial, que se coloca, hoje, como única alternativa para o
desenvolvimento baseado no crescimento econômico, material. Isso não significa
a crença generalizada de que é preciso abolir o crescimento econômico, mas que
é preciso revê-lo, modificá-lo, ajustá-lo às condições ditadas pela natureza, base
material que sustenta e garante a continuidade da vida humana. Não há garantia de
4 Capital natural pode ser
compreendido como o
estoque de materiais naturais
sustentabilidade total do planeta Terra. O processo de destruição e de degradação
(vegetais, minerais, águas ambiental geradas pelas atividades humanas no decorrer da história já gerou mui-
fluviais, atmosfera etc.) dis-
poníveis em determinado
tas perdas de capital natural. O que se reconhece hoje é a necessidade de desace-
lugar e momento. lerar o processo de degradação, evitando mais perdas em pouco tempo. Isso pode

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ser considerado, por exemplo, quando se faz referência ao uso dos O processo de destruição e
recursos não renováveis de modo sustentável. Se uma fonte de re- de degradação ambiental
cursos não é renovável, pode-se garantir alguma sustentabilidade geradas pelas atividades
fazendo uso dela? Alguns estudiosos, especialmente economis-
humanas no decorrer da
tas, dizem que sim, desde que se considere que a sustentabilidade
não é um remédio para todos os males causada pela civilização, história já gerou muitas
mas sim uma alternativa operacional para enfrentar os problemas perdas de capital natural.
ambientais.
Grosso modo, dizem os especialistas, não basta substituir o uso de recursos
não renováveis por recursos renováveis. Substituir, por exemplo, energia fóssil
por energia solar (fotovoltaica, eólica, hidrelétrica etc.) para assegurar os atuais
padrões de consumo de energia das sociedades contemporâneas, em última aná-
lise, redundaria no mesmo problema de restrição imposto pelo tempo acelerado
em que ocorre a utilização (e destruição) dos recursos naturais e o tempo e a ve-
locidade necessários para a regeneração (daquilo que sobrou) da natureza. Tanto o
uso dos recursos não renováveis como o uso dos recursos renováveis precisam ser
gerenciados sob outros pressupostos de produção e consumo. Em todo caso, como
calcula Binswanger, reduzir a velocidade da extração de recursos não renováveis,
por exemplo, seria um progresso considerável. Supondo-se que, hoje,
[...] o estoque de uma fonte não renovável seja dez mil vezes o volume do consumo corren-
te. Se o consumo cresce 10% por ano, o estoque se esgota depois de 71 anos. Se ele cresce
por volta de apenas 1% p.a., o estoque esgotar-se-á somente após 463 anos. Se o nível de
consumo permanecer no patamar atual, o recurso durará dez mil anos. Mas se pudermos
dar um jeito de reduzir o nível de consumo, o recurso estará disponível por um período
ainda mais longo. (BINSWANGER, 1996, p. 51)

Tal afirmação, em concordância com o que vem sendo constatado por inú-
meros analistas, incide sempre sobre o mesmo ponto: para se obter um padrão
mínimo de sustentabilidade, é preciso reduzir o consumo de matéria e energia em
geral. Em outros termos, isso significa inevitavelmente mudar padrões pessoais e
societários de consumo de bens e serviços.
O cálculo matemático apresentado acima é um dos muitos Para se obter um padrão
que têm sido formulados quando se trata de analisar as relações
entre economia e ecologia. Expressões como capital natural, in-
mínimo de sustentabilidade,
sumos naturais, valor incremental dos serviços dos ecossiste- é preciso reduzir o consumo
mas e custo ambiental são usadas frequentemente para defender de matéria e energia.
argumentos de racionalidade econômica e ambiental.
São tentativas ou alternativas buscadas a fim de dar concretude ao conceito
de desenvolvimento sustentável. Mas, como também foi visto aqui, não há uma
hegemonia em torno do conceito de desenvolvimento sustentável ou da noção
de sustentabilidade. São ideias, representações e valores morais que coexistem,
disputam espaços sociais e políticos, reafirmam umas posições, rejeitam outras.
Entidades abstratas como Estado e mercado também se articulam, envolvem-se,
fazem parte desse sistema social no qual se debatem pessoas, categorias profissio-
nais, grupos com interesses diversos, convergentes ou divergentes.

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Sustentabilidade para quem?

Em um mundo globalizado, orientado aparentemente por forças econômicas


supranacionais cuja concorrência nos mercados mundiais tende a baixar a pro-
teção ambiental, percebendo-se uma deterioração crescente do papel do Estado
como regulador das atividades econômicas e mediador de conflitos e no horizonte
não há, ainda, perspectivas de diminuição das desigualdades sociais, seja entre
os países dos hemisférios Norte e Sul, seja no interior de um mesmo país, como
o Brasil ou os Estados Unidos da América, ainda cabe uma pergunta de ordem
geral: sustentabilidade para quem? Os países que alcançaram um determinado
patamar de riqueza e, consequentemente, são os que mais contribuem para a de-
gradação ambiental, como os chamados países do hemisfério Norte, do Primeiro
Mundo ou ricos, estão dispostos a manter seus níveis de crescimento ou diminuir
seus padrões de consumo? E os chamados países do hemisfério Sul, de Terceiro
Mundo, em desenvolvimento ou pobres, estão dispostos a abrir mão do modelo de
desenvolvimento adotado pelos países ricos para satisfazer as suas necessidades,
manter ou redefinir seu crescimento em benefício da natureza?
A globalização é um fenômeno ainda em curso e contém muitas variáveis e
aspectos negativos e positivos que podem propiciar sustentabilidade ou favorecer
o desenvolvimento de uma sociedade sustentável em âmbito local, regional ou na-
cional. Em alguns países, conforme Ferreira e Viola (1996, p. 13), a globalização
tem favorecido a busca de sustentabilidade, como Costa Rica, Chile, Holanda,
Dinamarca. Em outros, os potenciais de sustentabilidade têm sido minados pela
globalização, como China, Tailândia e Israel. O Brasil tem se mostrado ambiva-
lente, ora reagindo favoravelmente à especulação do capital estrangeiro, à promo-
ção do consumismo e ao incremento do desemprego estrutural, ora realizando
investimentos industriais transnacionais em tecnologias limpas, estimulando o
crescimento da sociedade civil transnacionalizada e causando impacto na opinião
pública internacional ambientalizada.
Ainda sobre problemas ambientais de ordem global, como é o caso do efeito
estufa5, as reações de países como os Estados Unidos geram mais incertezas so-
bre quem está disposto a pagar a conta pelos processos de degradação ambiental
acelerados pelo sistema capitalista e a industrialização. Em reunião sobre o clima
realizada em Kyoto, no Japão, em dezembro de 1997, 159 países decidiram redu-
zir a emissão de dióxido de carbono e outros gases similares que, segundo vários
estudos, estão provocando uma mudança climática global. O acordo firmado en-
tre países desenvolvidos, conhecido como Protocolo de Kyoto, estabelece, para o
período de 2008 a 2012, a redução da emissão de gases em cerca de 5,2% com
5 Aquecimento da atmos-
fera terrestre em decor-
rência da redução da camada
relação aos níveis de 1990.
vegetal e da diminuição das Os custos para adotar tal medida foram estimados entre 10 e 50 bilhões de
chuvas.
dólares6. Porém, o governo dos Estados Unidos em 2001 (então sob a presidência
6 O índice de redução de
emissão de gases na
de George W. Bush), país que responde por quase 25% da emissão de gases po-
atmos­fera, em relação a 1990,
foi definido em 8% para os
luentes, recusou-se a ratificar o acordo, alegando que isto custaria cerca de 400
países da União Europeia, bilhões de dólares aos cofres norte-americanos; um abalo financeiro que acarre-
7% para os Estados Unidos e
6% para o Japão. Para países taria no fechamento de 4,9 milhões de postos de trabalho. Mesmo que tal decisão
em desenvolvimento, como
China, Brasil, Índia e Méxi- tenha encontrado repercussão negativa em todas as partes do mundo, inclusive
co, não foram estabelecidos
índices de redução.
nos Estados Unidos, a medida não foi de todo impopular internamente porque o

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Sustentabilidade para quem?

argumento utilizado contra a assinatura do acordo – aumento das taxas de desem-


prego – sensibiliza diretamente todos aqueles que veem ameaçada a dinâmica da
economia.
Tal como se colocou aqui, a compreensão da inter-relação da economia e da
ecologia para a promoção de um desenvolvimento sustentável, a globalização em
curso, não só dos problemas ambientais ou das inovações tecnológicas mas tam-
bém das diferentes formas de compreender a cultura, a economia e a sociedade,
além das disputas pelo poder entre atores sociais diversos, são alguns dos princi-
pais desafios enfrentados pelo mundo contemporâneo na busca de uma sociedade
economicamente viável e ecologicamente sustentável: combinar alternativas sa-
tisfatórias para a complexa manutenção da vida compreendida em sua plenitude
tanto biofísica como social.

Discuta em grupo e indique dez atitudes que podem contribuir para que o cotidiano seu e do
ambiente onde você vive possa se tornar sustentável.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des)caminhos do Meio Ambiente. São Paulo: Contexto, 1989.

ACSELRAD, Henri. Discursos da sustentabilidade urbana. Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, maio,


1999, p. 79-88.
BINSWANGER, Hans Christoph. Fazendo a sustentabilidade funcionar. In: FERREIRA, Leila da
Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Campinas: Uni-
camp, 1996.
CAVALCANTI, Clóvis. Desenvolvimento e respeito à natureza: uma introdução termodinâmica subs-
tantiva à economia da sustentabilidade. In: FERREIRA, Leila da Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.).
Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Campinas: Unicamp, 1996.
FERREIRA, Leila da Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globali-
zação. Campinas: Unicamp, 1996.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des)caminhos do Meio Ambiente. São Paulo: Contexto, 1989.
LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis:
Vozes, 2001.
SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.
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Políticas públicas e
desenvolvimento sustentável
Cynthia Roncaglio

A política e seus significados

Q
uando se ouve falar em política é quase impossível não se aperceber de alguns paradoxos.
Se trabalhadores fazem uma passeata para exigir melhores salários, alguns dirão que “eles
deviam estar no seu local de trabalho e não na rua, fazendo política, atrapalhando o trânsito.”
Mas se os trabalhadores aceitam e se contentam com as suas condições de trabalho, haverá outros que
dirão “esses trabalhadores são passivos, não sabem fazer política, não lutam por seus direitos.”
Observa-se implicitamente, nessas opiniões contraditórias, dois modos de compreender a
política: no primeiro caso, ela é considerada uma atividade que deve ser realizada por pessoas espe-
cializadas no assunto – os políticos profissionais –, enquanto no segundo compreende-se que é uma
atividade da qual todos devem participar, pois todos os cidadãos devem se manifestar a respeito dos
seus interesses. Ou seja, surge um paradoxo da política: ela é uma atividade específica realizada por
alguns profissionais ou ela é uma atividade praticada por todos que vivem em sociedade?
De modo similar, pode-se dizer que política é uma palavra usada tanto como sinônimo
de governo, sendo este constituído por profissionais gabaritados para fazer política (os políticos)
quanto para indicar uma ação coletiva (a passeata dos trabalhadores nas ruas) ou qualquer outra
reivindicação feita por membros da sociedade e dirigida ao governo ou ao Estado. Mas há ainda
outras expressões que usamos para a política. É comum ouvir falar em “política da escola”, “polí-
tica empresarial”, “política partidária”. Nesses casos, tais expressões não remetem à ação daqueles
políticos profissionais ou à ação do governo. Referem-se antes a um modo de gerir, administrar
as instituições. Quando se fala em “política da escola”, por exemplo, está-se referindo à definição
de um caminho que esta instituição (pública ou privada) irá tomar para alcançar seus objetivos:
como será feita a gestão escolar, como se dará a participação dos professores e alunos, como será
a forma de avaliação de professores e alunos, como serão distribuídos os recursos provenientes de
fundos (caso seja pública) ou mensalidades (caso seja particular).
No caso da “política empresarial”, trata-se de estabelecer como será o funcionamento de uma
empresa, como se dará a divisão dos lucros e investimentos, quem tem poderes e autoridade para
responder pela empresa, como serão estabelecidas as relações com outras empresas, a definição dos
cargos e salários dos funcionários, as metas de produção etc. Já a “política partidária” irá definir
o perfil ideológico do partido, quais são seus planos e projetos prioritários, como angariar fundos,
atrair militantes, divulgar suas ideias e conquistar posições no governo e apoio da sociedade na
qual se insere.
Mas, então, afinal, o que é política? Política é uma atividade do governo, é uma atividade de
profissionais especializados, é tudo que diga respeito à organização e administração de uma empresa,

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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável

de um partido, de um grupo? A política, em geral, pode ser entendida sob dois


aspectos: é uma atividade de gestão e organização das instituições públicas ou
privadas e é também uma atividade que envolve relações de poder para decidir os
rumos da gestão e da organização, seja do governo, de um grupo partidário ou dos
sócios de uma empresa privada.
A palavra política foi originalmente inventada pelos gregos e romanos. Em
grego, Política (ta politika) deriva de polis, que quer dizer “cidade”, comunidade
organizada, formada pelos cidadãos (politikos) que nasceram no solo da cidade,
são livres e iguais e têm direitos de isonomia, ou igualdade perante a lei, e isego-
ria, ou direito de expor e discutir em público opiniões sobre como a cidade deve
ser gerida (CHAUÍ, 2001, p. 371). Para os romanos, política era a res publica,
significando os negócios públicos da civitas (correspondente à polis), realizados
pelos romanos homens livres e iguais que nasceram no solo romano.
Ta politika e res publica correspondem atualmente ao que se designa como
governo, programas e projetos que uma parte da sociedade (comunidade política)
propõe ao todo que a compõe. Envolve formas de participação no poder, conflitos
e acordos nas tomadas de decisão, definição das leis e sua aplicação, direitos e
deveres dos membros da comunidade política e decisões referentes ao destino do
erário público ou fundo público. Polis e civitas correspondem ao que atualmente
se designa como Estado, um conjunto de instituições públicas permanentes (leis,
erário público1, serviços públicos) e sua administração pelos membros da cida-
de que permite a ação dos governos. A política, nesse sentido, refere-se “à ação
dos governantes que detêm autoridade para dirigir a coletividade organizada em
Estado, bem como às ações da coletividade em apoio ou contrárias à autoridade
governamental e mesmo à forma do Estado” (CHAUÍ, 2001, p. 368).
No senso comum social, todavia, como já foi apontado, prevalece uma vi-
são ora favorável, ora desfavorável sobre a política. Quanto à política realizada
pelo governo ou pelo Estado, não há discordância de que é preciso existir. Po-
rém, quanto à classe política, aqueles profissionais que disputam o direito de go-
vernar e de ocupar cargos e postos no Estado, surgem dúvidas e desconfianças
sobre a sua atuação, se são movidos por interesses pessoais e escusos, contrários
aos interesses da sociedade, se usam de meios lícitos ou ilícitos para realizar
obras e assim por diante. Nesse caso, “a política é feita por ‘eles’ [políticos pro-
fissionais] e não por ‘nós’, ainda que ‘eles’ se apresentem como representantes
‘nossos’” (CHAUÍ, 2001, p. 369).
Dessa forma, a política, inventada pelos seres humanos justamente para ex-
pressar suas diferenças e conflitos de modo justo e democrático, sem o uso da força
e da violência, e sendo o instrumento de regulação e ordenação dos seus interesses
conflitantes, passa a ser considerada de modo pejorativo, na sociedade contem-
porânea, deparando-se no cotidiano com comentários do tipo “Política é um mal
necessário” ou “Políticos são todos iguais”, “Eles só pensam em fazer política.”
Diante desse paradoxo, curiosamente, percebe-se que não há outro modo de,
por exemplo, ocorrer uma guerra civil ou uma revolução, o impeachment de um

1 Recursos financeiros do
Poder Público.
presidente ou a mudança de sistema de governo senão por meio da política, isto é,

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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável

senão pela mudança na forma e no conteúdo do poder. Então, como observa Chauí
(2001, p. 371), mesmo quando as pessoas, decepcionadas e desiludidas com o mal
uso que se faz do poder político, recusam-se a ouvir falar em política ou a partici-
par de atividades sociais que possam ter finalidade ou cunho político, ainda assim
tais pessoas estão fazendo política, porque estão aceitando que as coisas fiquem
como estão e que a política existente permaneça da mesma forma. A apatia social,
assim, é também uma forma de fazer política.

Política e multidimensionalidade
dos problemas humanos
A política perpassa toda a sociedade e é perpassada por ela. Desde a sua inven-
ção e durante séculos, a política tem apresentado muitas faces. Na história da socieda-
de ocidental, a política liberal do século XIX, implantada pelas revoluções burguesas2,
deu origem ao Estado assistencialista, assim como as revoluções socialistas3 do
século XX, impregnadas de uma ideia mítica providencialista, baseada no pres-
suposto de que a revolução marxista-leninista colocaria um fim à sociedade de
classes e às injustiças sociais, acabaram inspirando o seu avesso: uma política
totalitária. A política, baseada na lei e no direito, estabeleceu os rumos das econo-
mias nacionais, estabelecendo primeiro as medidas protecionistas do século XIX,
depois as leis antitruste4 e, em seguida, ditando a condução do crescimento e do
desenvolvimento, estimulando hoje a globalização e a criação de uma sociedade
da informação.
A política passou a interferir cada vez mais e a estabelecer modos de
atendimento às crescentes necessidades dos indivíduos e das populações. Haja
vista alguns exemplos: a política de assistência aos trabalhadores pelo Esta-
do previdenciário baseado em proteção e auxílios diversos (seguro de vida,
auxílio à doença, morte ou velhice, salário-desemprego); serviços de creches,
asilos, funerárias; estabelecimento de políticas públicas voltadas para a cons-
trução de obras (estradas, pontes, viadutos, hospitais, escolas etc.); educação,
cultura e lazer dependentes de incentivos e projetos governamentais para aten-
der às populações carentes, que não dispõem dos recursos financeiros para ter
acesso à escola, a bibliotecas, computadores, espetáculos, arte e diversão. Os
governos assumem a reparação de danos causados por catástrofes naturais
2 Entre as revoluções bur-
guesas, podem ser cita-
das a Revolução Francesa e
a Revolução Industrial, na
(maremotos, terremotos, inundações etc.), enquanto a liberdade ou controle Inglaterra, entre os séculos
dos meios de comunicação atuais depende de uma política de acesso. XVIII e XIX.

Como diz Morin (1995, p. 142), o viver e o sobreviver, no sentido biológico 3 Entre as revoluções so-
cialistas do século XX,
dos termos, passaram a ter maior relevância política. A política de saúde substi- podem ser citadas a Revolu-
ção Russa, a Revolução Cul-
tuiu a política assistencialista que, até pouco tempo atrás, voltava-se preferencial- tural Chinesa e a Revolução
Cubana.
mente para o atendimento aos doentes e inválidos e hoje dedica-se ao conjunto da
população e ao combate ao câncer, à Aids e até mesmo ao tabagismo. Assim como
a política de garantia do mínimo vital tornou-se generalizada nos países ricos, o
4 Contra o acordo ou com-
binação entre empresas,
geralmente ilegal, com o objeti-
vo de restringir a concorrência
combate à fome nos países pobres passou a ser um caso de política internacional. e controlar os preços.

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A demografia também tornou-se uma preocupação política forte, no que concerne


a uma tendência tanto ao despovoamento quanto à superpopulação.
Crescem os problemas políticos relacionados às intervenções biomédicas que afe-
tam e transformam a vida e a morte, a identidade e o comportamento social – fecunda-
ção artificial, conservação de espermatozoides, aborto, eutanásia, doação de órgãos
e manipulações genéticas – e poderão definir o sexo, as qualidades físicas e talvez
até psicológicas de um ser humano, envolvem questões morais e éticas, relacionadas
às noções de pai, mãe, família, masculino e feminino. Ou seja, os pilares sobre os
quais se constituiu a organização da família e da sociedade estão sendo abalados e
as inovações científicas nessa área estão a exigir a criação de normas políticas.
Do mesmo modo que as transformações na vida dos indivíduos e da socie-
dade reinventam a política e os problemas relacionados à natureza humana e à na-
tureza da sociedade tornam-se uma preocupação política, os problemas ambien-
tais, evidenciados nos últimos 30 anos, tornam-se também um problema político,
seja em escala local (degradação dos ecossistemas) ou em escala global (alteração
da biosfera). A política do homem se planetariza e os problemas planetários, a vida
em todas as suas dimensões (social e natural), colocam-se no centro da política.
Assim, conclui Morin (1995, p. 143) “a política deve tratar da multidimensionali-
dade dos problemas humanos”.
Na sociedade contemporânea, a política adquiriu características totalizantes,
no sentido de que as preocupações e os problemas políticos se tornaram mais am-
plos, mais complexos e interligados. No entanto, persiste uma visão política tradi-
cional que trata cada uma das dimensões separadamente, de modo estanque. Na
esfera das políticas públicas, desempenhadas pelo governo e instituídas pelo Estado,
as várias dimensões políticas – finanças, saúde, educação, obras, meio ambiente,
urbanismo, administração, recursos humanos etc. – tendem a ser tratadas por téc-
nicos e burocratas especializados (economistas, ecólogos, urbanistas, engenheiros,
administradores) que abordam os problemas, frequentemente, de modo comparti-
mentado, fragmentado e dissociado das políticas das outras áreas.
A área de meio ambiente Sobretudo a área de meio ambiente envolve uma pluralidade
envolve uma pluralidade de fatores que devem ser analisados, administrados e solucionados
em consonância com outras áreas. Observe-se, por exemplo, a ofer-
de fatores que devem ser
ta de água potável. Considerada um recurso renovável, a obtenção
analisados, administrados e
de água, com a crescente e diversificada demanda, passa a ter na
solucionados em sua obtenção um desafio para o suporte da vida e do bem-estar das
consonância com outras populações atuais e futuras do planeta. O acesso à água e o seu uso
áreas. para as mais diversas finalidades está ligado a uma complexa rede
de ações (e relações de poder) que implica conhecimento técnico de
engenheiros, arquitetos, médicos e sanitaristas que definem o traçado das ruas, explo-
ram os espaços subterrâneos da cidade, constróem canos, tanques e diques, analisam
o grau de pureza da água, definem padrões de higiene e saúde a serem seguidos pelos
habitantes da cidade. No entanto, em geral, as políticas voltadas para a execução de
programas de abastecimento e tratamento da água são setorizadas, ignorando-se ou
não, por exemplo, as relações existentes entre os problemas de saúde da população e

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as condições de potabilidade da água, a relação da potabilidade da água com a acu-


mulação de lixo próximo a áreas de mananciais, a relação do lixo com a fiscalização
de assentamentos irregulares e assim por diante.
Ou seja, a política deve reaver o seu papel de resolver A política deve reaver o
conflitos de interesses, buscar atender aos interesses da socie- seu papel de resolver
dade e da natureza, sem contudo ser devorada pela técnica, conflitos de interesses.
pela economia, pela administração, pela burocracia. Estas são
especialidades, instrumentos de apoio para se fazer política, mas não deve co-
mandá-la, assim como a política não deve ser soberana, colocar-se acima da
sociedade e de suas necessidades, mas interagir com ela, dessa forma recons-
truindo a si mesma. A evidência da degradação ambiental em escala mundial é
um dos principais acontecimentos na história da humanidade e está a exigir um
novo homem político e uma política multidimensional.

Globalização e políticas ambientais


Frequentemente, associa-se a degradação ambiental às transformações eco-
nômicas e demográficas, mas o processo de urbanização capitalista, a luta pelo
poder político e seu exercício são fatores que também contribuíram tanto para
aumentar como para impedir a degradação ambiental. Em outras palavras, a ex-
ploração de recursos naturais, a crescente complexidade dos sistemas de produ-
ção e consumo e o aumento explosivo da população nos últimos 200 anos por si
só não justificam o modo como os indivíduos e as sociedades se apropriaram da
natureza, mas só podem ser exaustivamente compreendidos dentro de uma lógica
de acumulação da riqueza, de urbanização crescente, em que as relações sociais e
as relações políticas – relações de poder – são tecidas e ganham autoridade para
definir as estratégias de desenvolvimento.
Como então surgem as políticas ambientais no século XX? Por que a natu-
reza passa a ser uma preocupação do governo, do Estado, das empresas privadas,
de associações diversas? Segundo Giddens (apud GOLDBLATT, 1998, p. 110), as
alterações das atitudes dos homens em relação ao ambiente tem a ver com a difu-
são de conhecimentos ecológicos especializados, reconhecimento das forças glo-
balizantes que penetraram e transformaram os ambientes locais e a compreensão
de que os estilos de vida da sociedade contemporânea ocidentais se tornaram um
instrumento poderoso de produção da degradação ambiental.
Antes do século XX, existiram lutas políticas envolvendo Antes do século XX,
decisões ambientais. Embora no século XIX não se usassem ex- existiram lutas políticas
pressões como ecologia ou meio ambiente, os industriais, sindica- envolvendo decisões
listas, organizações de contribuintes, biólogos e “amantes da natu-
ambientais.
reza”, entre outros, manifestavam-se sobre o tema e, dependendo
da sua posição política, podiam intervir nos rumos que estavam sendo tomados. O
resultado dessas lutas sempre causou algum tipo de impacto ambiental, tais como as
intervenções no mercado (cobrança de impostos, taxas, leis estabelecendo direitos

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e deveres da sociedade, regulação e fiscalização das atividades econômicas), nas


indústrias (mediação entre patrões e empregados, legislação trabalhista, incentivos
tecnológicos, uso de materiais poluentes, saúde dos trabalhadores em particular e da
população em geral) e na demografia (incentivo à imigração, controle da natalidade
e da mortalidade, planejamento familiar), na provisão ou não de bens públicos (in-
fraestrutura e serviços tais como sistema de esgoto, fornecimento de água e energia,
coleta de lixo etc.).
Ou seja, ações voltadas para avaliação, controle, proibição ou não de fatores
que pudessem aumentar ou diminuir os problemas ambientais já existiam, em graus
variáveis, em diversos países, especialmente os mais industrializados, mas tais me-
didas não se voltavam para a garantia de água ou ar mais puro, e sim para a definição
dos índices máximos permitidos para determinados poluentes, e com penalidades
mínimas para as prováveis infrações. A poluição, nesse sentido, é tratada como o
preço que se deve pagar pelo acesso a bens e serviços produzidos pela indústria.
Em meados do século XX, no entanto, a poluição cresceu rapidamente, mais
do que o aumento populacional e o consumo material no mundo industrializado.
A indústria passou a produzir cada vez mais itens químicos sintéticos – em ge-
ral, mais tóxicos e resistentes à degradação por processos naturais, sendo assim
acumulados no ambiente. Entre os produtos industriais que contribuíram para o
aumento da poluição estão os plásticos, detergentes, fibras sintéticas, fertilizantes
e pesticidas, que passaram a ser mais consumidos, no lugar de produtos naturais
menos poluentes como o sabão, fibras naturais e fertilizantes orgânicos. Os efeitos
desses poluentes, individualmente ou combinados, nem sempre foram testados em
animais, ou no meio ambiente, de modo que não se sabe até que ponto são letais
para os organismos vivos que os absorvem nos locais em que se acumulam.
A crescente evidência da insustentabilidade ambiental mostrou, acima de
tudo, que a poluição industrial, os acidentes nucleares e os riscos para a saúde
humana não eram apenas um problema nacional, a ser tratado dentro dos limi-
tes político-administrativos de cada país, mas haviam se tornado um problema
internacional, que exigia novas formas de exercer a política e de compreender os
problemas, locais e globais, nas suas múltiplas dimensões.

O esverdeamento das políticas públicas


Embora evidências de degradação ambiental em escala mundial ameaças-
sem a vida na Terra em diferentes graus, e estudantes, cientistas e pacifistas, entre
outros, nos anos 1960 e 70, assumissem posturas radicais e fizessem previsões
alarmistas e catastróficas sobre a durabilidade do planeta, não se pode dizer que
são causas diretas do surgimento de uma preocupação do Estado com a preser-
vação da natureza. Conforme Leis (1999, p. 116), “para chegar ao ponto onde o
sistema político está disposto a encarar a solução de um problema é necessário
previamente chamar a atenção do público, justificar a necessidade de intervenção
política e avaliar os custos e alternativas de modo realista.”

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De certa forma, pode-se dizer que não foi o Estado que politizou o ambien-
talismo, mas o ambientalismo que se politizou gradativamente para alterar, ou ao
menos obter influência, sobre as formas tradicionais de governar e de atender às
demandas provocadas pelos problemas ambientais. A singularidade do ambien-
talismo, que alcança a sua maturidade na década de 1970, como apontam alguns
autores (LEIS, 1999, p. 117), reside na capacidade de articular fatores emocionais e
argumentos racionais, pensamento e ação, numa intensidade que outras mobiliza-
ções sociais raramente conseguem. Mesmo aqueles partidários do ambientalismo
que se consideram “apolíticos”, nem à esquerda nem à direita, mas à frente, cola-
boraram, talvez sem saber que eram portadores de uma nova visão e sensibilidade
da política, para a disseminação de ideias e valores verdes que propiciaram posicio-
namentos tanto nas escolhas pessoais como a mobilização de ações coletivas que
levaram a um crescente esverdeamento das políticas públicas.
Cabe observar, segundo Leis (1999, p. 118) que as ideias verdes ou o ambien-
talismo como expressão política não se referem à política partidária e à criação
de partidos verdes, embora estes partidos tenham sua importância política dentro
do movimento ambientalista, especialmente em alguns países, como a Alemanha.
Tanto é que os partidos verdes em geral não recebem grande quantidade de votos
em comparação com a adesão pública ao ambientalismo, nem são expressivos em
termos de influência sobre as políticas públicas ambientais, sobretudo em países
como o Brasil ou os Estados Unidos.
Outro fator preponderante para a premência de políticas ambientais é que o
ambientalismo e, sobretudo, a assimilação do que posteriormente seria chamado de
desenvolvimento sustentável incorporaram uma série de princípios à ideia de pre-
servação da natureza, muito mais amplos em termos de direitos e reivindicações.
Entre esses princípios, pode-se apontar, além da ecologia, a questão da responsa-
bilidade ou justiça social, a democracia direta ou participativa e a não violência.
O princípio da ecologia, de modo geral, engloba o conjunto de políticas voltadas
para a qualidade de vida ambiental que abranja a sustentabilidade da natureza e da
sociedade; o princípio da justiça social, que visa a atenuar os efeitos da economia
sobre a natureza e sobre os mais pobres, que indiretamente são levados a degradar
o ambiente para sobreviver; o princípio da democracia participativa, que emergiu
com os diversos movimentos dos anos 1960 e 1970 (além do ambientalismo, paci-
fismo, feminismo, direitos humanos, minorias étnicas etc.), que rejeitam o sistema
político existente e propugnam políticas participativas e descentralizadas. O lema,
cunhado nos anos 1970, “pensar globalmente, agir localmente” expressa essa des-
confiança no poder das políticas setoriais e centralizadas. O princípio da não
violência foi aplicado também como uma rejeição à política dominante, seja o viés 5 Os assuntos tratados na
Conferência de Estocol-
mo resultaram na Declaração
da violência revolucionária ou a violência capitalista e das diversas elites contra as sobre o Ambiente Humano e
produziu um Plano de Ação
classes populares. Assim, emerge paulatinamente, de um movimento considerado Mundial, com o objetivo de
influenciar e orientar o mun-
“apolítico”, uma nova teorização política, ou uma nova forma e um novo conteúdo do na preservação e melho-
do poder, como já dito aqui, que se opõem ao sistema político tradicional. ria do ambiente humano. As
grandes preocupações, den-
tre elas a poluição e a questão
No âmbito do Estado, cresceu o número de países que criaram instituições da chuva ácida na Europa, le-
varam à ampla reflexão sobre
e incluíram programas ambientais em suas agendas. Antes da Conferência da as questões políticas, sociais
Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano5, conhecida como e econômicas envolvidas.

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Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, somente 12 países tinham agências


estatais relacionadas ao meio ambiente, a maioria constituída por países desenvol-
vidos. Em 1981, mais de 140 países haviam criado órgãos administrativos nessa
área, sendo quase proporcional a relação entre os países mais “desenvolvidos” e
os menos “desenvolvidos”.
Pode-se questionar a efetiva atuação e a eficiência das instituições públicas
criadas, assim como das políticas ambientais implantadas: serão essas apenas res-
postas “oficiais” à pressão dos setores organizados da sociedade? Até que ponto
os governos se apropriaram do discurso ambientalista ou estão repetindo velhos
discursos com nova roupagem? De acordo com Castells (2000, p. 164-165),
[...] com o aumento extraordinário da consciência, influência e organização ambientalista,
o movimento tornou-se, sobretudo, cada vez mais diversificado, tanto do ponto de vista
social quanto temático, chegando às mesas de reuniões das grandes empresas, aos recôn-
ditos da contracultura e às prefeituras e Assembleias Legislativas. Ao longo desse proces-
so, os temas têm sofrido distorções, sendo às vezes submetidos a manipulações. Contudo,
essa é a marca de qualquer movimento social relevante.

A essa conclusão poder-se-ia acrescentar ainda que, se há riscos, por um


lado, de as políticas públicas ambientais realizarem programas e projetos aquém
dos princípios desejáveis e implícitos no conceito de desenvolvimento sustentável,
por outro lado há também chances de se criarem e consolidarem novas alternati-
vas de poder, a partir da reconsideração da política como um espaço de poder de-
mocratizante, voltado para os interesses da esfera pública, que diz respeito a toda
sociedade e não somente aos interesses privados ou aos políticos profissionais.

Discuta com seus colegas os significados que cada um de vocês dá à política.

MOENA, Sérgio Gonzalez. A complexidade da política e a política da complexidade. In: CASTRO,


Gustavo; CARVALHO, Edgar de Assis; ALMEIDA, Maria da Conceição de. Ensaios de Complexi-
dade. Porto Alegre: Sulina, 1997.

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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: a era da informação – economia, sociedade e cultura.


v. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2001.
GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade con-
temporânea. Petrópolis/Florianópois: Vozes/UFSC, 1999.
MOENA, Sérgio Gonzalez. A complexidade da política e a política da complexidade. In: CASTRO,
Gustavo; CARVALHO, Edgar de Assis; ALMEIDA, Maria da Conceição de. Ensaios de Complexi-
dade. Porto Alegre: Sulina, 1997.
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.

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Estado e
ambiente no Brasil
Cynthia Roncaglio

A emergência da questão ambiental no Brasil

A
o longo da sua história, durante vários séculos, o Brasil experimentou um desenvolvimento
baseado no crescimento econômico temporário: estoques de recursos naturais foram ex-
plorados à exaustão no que ficou conhecido como ciclos econômicos (pau-brasil, açúcar,
café), baseados em uma produção de monocultura agroexportadora que propiciou prosperidade
econômica às custas da devastação de grandes áreas florestais, apropriação criminosa de terras
públicas, exploração do trabalho escravo indígena e africano e, posteriormente, do trabalho dos
imigrantes europeus. Se nos períodos colonial e imperial essa forma de desenvolvimento foi con-
siderada inevitável, por razões ligadas ao processo histórico de colonização e dominação do ter-
ritório brasileiro, a partir do momento em que o Brasil se constituiu como uma nação, um Estado
soberano, sob o sistema de governo republicano, o desenvolvimento passou a ser imbuído dos va-
lores positivos de independência e autorrealização: o tradicionalismo daria lugar à modernização
e a nação brasileira se faria representar no concerto das nações civilizadas.
Apesar de ter continuado a exploração indiscriminada dos recursos naturais no decorrer da con-
solidação da República, surgiram várias instituições oficiais e não oficiais preocupadas em preservar
a natureza ou evitar sua total degradação. Dentre as entidades conservacionistas, destacam-se, por
exemplo, a Sociedade dos Amigos das Árvores (SP) em 1930; a Associação de Defesa da Flora
e da Fauna (SP), depois Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo (Ademasp) em
1954; e a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN-RJ) em 1958. No âmbito
das instituições governamentais, foram criados o Serviço Florestal (1921), o Instituto Nacional do
Mate (1938); o Serviço Florestal, responsável pelos parques nacionais (1944); o Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal – IBDF (1967), entre outros. No plano das normas e da legislação
visando à instauração de mecanismo de proteção e regulação do uso dos recursos naturais, foram
criados o Código Florestal Brasileiro (1934; 1965), o Código de Caça e de Pesca (1967), a Lei
de Proteção à Fauna (1969), o Código de Mineração (1968) e, somente em 1980, o Código das
Águas.
A legislação nacional, ao longo do século XX, contribuiu para a definição de critérios de pre-
servação da natureza por meio da criação da floresta nacional, de reservas biológicas, dos parques na-
cionais, das estações ecológicas e outras unidades de conservação como monumentos naturais, hortos
florestais, jardins botânicos e zoológicos (URBAN, 1998; FERREIRA, 1998).
Isso não foi suficiente, no entanto, para impedir, a depleção1 de recursos naturais considera-
dos infinitos pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil a partir da década de 1950. Esse
modelo, baseado na industrialização como uma das principais metas de crescimento econômico,

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em sistemas industriais poluentes e intensa exploração de mão de obra barata e


desqualificada, foi intensificado, durante a década de 1970, com a implantação
de indústrias muito poluentes, provenientes do Norte, onde o avanço da consci-
ência ecológica já era significativo (VIOLA, 1996, p. 39-40).
A Conferência de Estocolmo, realizada na Assembleia Geral das Nações
Unidas, em junho de 1972, foi a primeira reunião de governos internacionais,
congregando países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que o meio am-
biente se colocava como tema central da agenda. O assunto gerou numerosas
polêmicas e discussões entre os representantes dos 113 países presentes, espe-
cialmente entre os dos países periféricos, como Brasil, Índia e China, que viam
na proposta dos países do Norte – discutir os problemas ambientais sob a óptica
da poluição industrial e da conservação dos recursos naturais – uma tentativa
de impedir o desenvolvimento dos países do Sul, que só se dispunham a discu-
tir meio ambiente para reivindicar seu direito ao uso dos recursos naturais para
obter maior desenvolvimento econômico.
É interessante notar que a proposta inicial da Conferência de Estocolmo
era discutir o meio ambiente no sentido estrito da expressão, mas, diante da
reação extremada dos países do Sul, acabou-se ampliando a noção de meio am-
biente, abrangendo também problemas relacionados à fome e à pobreza. Assim,
ainda que com muitas desconfianças e sem propor soluções para os problemas
ambientais evidenciados nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, foi
obtido um consenso relativo à necessidade de rever as políticas internacionais,
que a partir de então não poderiam ser guiadas somente por interesses nacio-
nais e ideológicos, devendo se buscar consensos globais, incluindo ações am-
bientalistas no cenário político dos governos internacionais.
Outro aspecto notável, como salienta Leis (1999, p. 133), foi que
[...] nos anos 1970, enquanto os encontros para tratar das questões econômicas faziam-
-se exclusivamente através de representantes dos governos, em Estocolmo (antecipan-
do claramente o que depois iria ser um dos traços mais notáveis da Rio-92), a conferên-
cia oficial estava marcada pelo debate e ação ambientalista da sociedade civil mundial.
Tanto estava isto presente que os setores do ambientalismo que já tinham emergido no
cenário público internacional (principalmente cientistas e não governamentais) fize-
ram várias reuniões paralelas à conferência oficial.

Embora os princípios evocados pela Declaração de Estocolmo não fossem


mais do que uma declaração de intenções, pois não eram dispositivos legais,
obrigatórios, indicavam a necessidade de políticas estatais com enfoque inte-
grado e coordenado de planejamento do desenvolvimento com medidas de pro-
teção ambiental e melhoria da qualidade da vida da população e estimulavam a
criação de políticas ambientais nos países que ainda não as tinham criado.
O Brasil, vivendo então sob o governo militar e adotando com reservas as
preocupações ambientalistas internacionais, resolveu, diante das críticas estran-
geiras ao seu posicionamento na Conferência de Estocolmo, atenuar sua posição,
instalando, em 1974, uma Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), encar-
1 Depleção: estado ou con-
dição de esgotamento dos
recursos naturais provocado
regada de monitorar e controlar a poluição assim como a prevenção da extin-
por excessiva perda de ma- ção de plantas e animais, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Desenvol-
téria.

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Estado e ambiente no Brasil

vimento Florestal (IBDF). Foram nomeados ambientalistas comprometidos e


capazes para dirigir essas instituições. Esses órgãos dedicaram quase toda sua
atenção à região amazônica, em detrimento da Mata Atlântica, que já parecia
bastante degradada e com pouco a proteger, sendo no máximo um lembrete do
que poderia acontecer se não fossem tomadas medidas urgentes na região Nor-
te. A Amazônia mostrava-se, além disso, ameaçada de imediato pelos planos
agressivos de desenvolvimento de outros órgãos federais (DEAN, 1997, p. 319).
O período que se seguiu, como diz Urban (1998, p. 108),
[...] foram anos de ouro e de chumbo para a conservação da natureza no Brasil. De um
lado, as áreas protegidas cresceram em número, extensão e organização. Do outro,
a expansão da fronteira agrícola para a Amazônia abre um novo ciclo de destruição,
seguindo a trilha já bem conhecida da Mata Atlântica, reduzida, a ferro e fogo, a pe-
quenos fragmentos da sua área original.

Evolução das políticas públicas ambientais


Entre as décadas de 1970 e 1980, afora as grandes trans-
Em 1987, ganhou
formações mundiais no plano econômico, político, social e am-
biental, o governo brasileiro manteve a posição defendida em
destaque na mídia
Estocolmo: considerava o argumento da crise ambiental pelos internacional o grave
países do Norte uma tentativa de ingerência nos assuntos in- problema do
ternos do país e entendia que desenvolvimento e proteção am- desmatamento.
biental eram incompatíveis. Tal atitude por parte da diploma-
cia brasileira não impediu, entretanto, a mobilização de vários
setores da sociedade, na década de 1980, para que fossem criadas instituições
voltadas especialmente para a questão ambiental e elaboradas e/ou redefinidas
leis sobre o meio a ambiente.
Em 1987, ganhou destaque na mídia internacional o grave problema do des-
matamento na Amazônia e nas regiões fronteiriças do Cerrado, em grande parte
por causa das queimadas2. Naquele ano, aproximadamente 20 mil quilômetros
quadrados foram desmatados na Amazônia e no Cerrado. Organizações não Go-
vernamentais (ONGs) internacionais e nacionais, de cunho ambientalista e socio-
ambientalista, mobilizaram-se contra o projeto Polonoroeste e a pavimentação da
BR-364 (trecho Porto Velho–Rio Branco) e suscitaram o alerta da opinião pública
internacional para os problemas globais decorrentes do desmatamento da Amazô-
nia. Por outro lado, o verão seco e quente de 1988 nos Estados Unidos da América,
junto com declarações alarmante de James Hansen3 sobre alterações climáticas,
2 A queimada é uma das
mais antigas técnicas
para limpeza e preparo do
solo para plantio e pastagem.
despertou a preocupação da opinião pública norte-americana. Nesse contexto, o É a forma mais barata e tam-
bém a mais nociva de exe-
Brasil se transformou no grande vilão dos problemas ambientais globais, ainda cutar essa tarefa. A fumaça
que se saiba desde então que as principais emissões de dióxido de carbono são liberada causa danos à saúde
das pessoas que moram e/ou
produzidas pelos processos industriais e de transporte dos países ricos. Contribuiu trabalham nas proximidades,
além de contribuir para o
ainda para piorar a imagem do governo brasileiro, tanto no âmbito internacional aquecimento do planeta.

como no nacional, o assassinato, em dezembro de 1988, no Acre, do líder serin-


gueiro Chico Mendes, que se tornou um dos principais defensores de um modelo 3 Renomado climatolo-
gista, diretor do Instituto
Godard, que é o mais impor-
de extrativismo sustentável para a Amazônia. tante do centro de pesquisa
especializado no tema em
todo o mundo.

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Estado e ambiente no Brasil

Naquele mesmo ano, foi promulgada a nova Constituição Federal, que


simbolizou os esforços para restabelecer o processo de redemocratização do
país após 21 anos de ditadura militar e dedica um capítulo ao tema do meio
ambiente. A Constituição de 1988 é considerada uma das legislações mais avan-
çadas sobre o meio ambiente, embora muito dos seus princípios ainda não se-
jam cumpridos na prática. O governo brasileiro de então, mesmo respondendo
lentamente às críticas à gestão ambiental, criou, em 1989, o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), fundindo a
Sema, a Superintendência da Borracha (Sudhevea), a Superintendência da Pesca
(Sudepe), e o IBDF. A criação do Ibama significou uma reforma organizacional
e conceitual, já que pela primeira vez se associou a proteção ambiental ao uso
conservacionista de alguns recursos naturais.
A abordagem do governo brasileiro durante a década de 1980
A abordagem do governo caracteriza-se por uma visão nacionalista, ignorando qualquer re-
brasileiro durante a lação das problemáticas ambientais nacionais com os problemas
década de 1980 globais. Em relação à Amazônia, tentou-se, inclusive no governo
caracteriza-se por uma Sarney, deslanchar uma campanha nacionalista na qual se enfati-
visão nacionalista. zava que a Amazônia era dos brasileiros e que somente eles teriam
direito a desenvolver a região como bem quisessem. Embora essa
campanha tivesse um conteúdo estreito e limitado da problemática ambiental, apon-
tava corretamente que os culpados pela devastação das florestas brasileiras foram
os países do Norte, que lograram o desenvolvimento às custas da exploração dos
recursos naturais do Brasil durante séculos. Esse argumento abriu um flanco para a
complexa discussão sobre quem devia pagar a conta pela proteção da biosfera4.
Em 1989, o governo federal criou um programa de defesa do complexo de
ecossistemas da Amazônia Legal, denominado Programa Nossa Natureza, com a
finalidade de estabelecer condições para a utilização e a preservação do meio am-
biente e dos recursos naturais renováveis na Amazônia Legal, mediante a concen-
tração de esforços de todos os órgãos governamentais e a cooperação dos demais
segmentos da sociedade com atuação na preservação do meio ambiente. Com esse
programa, tentou-se, nesse período, criar a imagem de um governo ambiental-
mente responsável.
Em 1990, foi (re)criada a Secretaria do Meio Ambiente (Semam), ligada à
Presidência da República, que tinha no Ibama o órgão gerenciador da questão am-
biental, responsável por formular, coordenar, executar e fazer executar a política
nacional do meio ambiente e da preservação, da conservação e do uso racional,
da fiscalização, do controle e do fomento dos recursos naturais renováveis. Dois
anos depois, foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento, da ONU, da qual participaram 170 países. No final dos anos
1980, o governo já havia apoiado partidários a candidatar o Brasil para ser a sede
da conferência. Esse evento ficou conhecido como Eco-92. Sua confirmação e sua
realização na cidade do Rio de Janeiro foram um importante marco de projeção
do Brasil no cenário internacional. No início dos anos 1990, o ambientalismo
havia aumentado sua força e sua expressão na opinião pública do hemisfério Nor-
4 Biosfera: conjunto de
ecossistemas existentes
no planeta Terra.
te, estando entre as três principais prioridades na maioria dos países, além de as

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questões ambientais terem obtido destaque na reunião dos sete países mais indus-
trializados do mundo, o Grupo dos Sete (G7)5, realizada em Paris.
Além disso, a Eco-92 mobilizou o movimento ambientalista local e vários
setores da sociedade no período que antecedeu a sua realização. Nas vésperas do
evento, o fórum brasileiro já tinha realizado sete encontros plenários nacionais
e contava com a filiação de 1 200 organizações (VIOLA, p. 50). A Eco-92 teve
como principais objetivos:
identificar estratégias regionais e globais para ações referentes às princi-
pais questões ambientais;
examinar a situação ambiental do mundo e as mudanças ocorridas depois
da Conferência de Estocolmo;
examinar estratégias de promoção de desenvolvimento sustentado e de
eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento.
O governo brasileiro, preocupado com a repercussão internacional das teses
discutidas na Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, determinou, ainda em
1992, a criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o objetivo de estru-
turar a política do meio ambiente no Brasil. Além de iniciativas de preservação da
Floresta Amazônica, outros projetos governamentais foram desenvolvidos, como,
em parceria com bancos nacionais e internacionais, os de despoluição ambiental
das águas dentre os quais se destacam baía de Guanabara, rio Tietê, baías Norte e
Sul de Florianópolis, rio Guaíba (Porto Alegre) e rio Iguaçu (Curitiba). Obras de
saneamento passaram a ocupar lugar central no orçamento das políticas públicas
de vários estados, demonstrando se não a consciência ambiental por parte dos
político pelo menos o reconhecimento da importância da questão ecológica para a
sociedade brasileira. Em outros tempos, os políticos afirmavam que investimentos
em redes de esgoto e saneamento básico não valiam a pena porque eram obras que
não apareciam, ou seja, canos e tubulações não davam votos.
Outros projetos e programas vêm sendo desenvolvidos em parceria com
ONGs, como o Projeto Biodiversidade do Brasil (Probio), que estuda todos os
grandes biomas brasileiros e o Programa Nacional de Biodiversidade (Pronabio),
que estabelece as diretrizes nacionais para o cumprimento das metas definidas na
Eco-92 para a biodiversidade. Em 2000, foi instituído pelo Decreto 3.420, de 20 de
abril, e lançado pelo governo federal em 21 de setembro, o Programa Nacional de
Florestas (PNF). Seu objetivo geral era “a promoção do desenvolvimento sustentá-
vel, conciliando a exploração com a proteção dos ecossistemas e a compatibilização
da política florestal com os demais setores de modo a promover a ampliação do mer-
cado interno e externo e o desenvolvimento institucional do setor”.
Envolvendo aspectos ambientais, sociais e econômicos do setor florestal bra-
sileiro, o PNF estipulava, entre seus objetivos específicos, o estímulo do uso susten-
tável de florestas nativas e plantadas; o fomento das atividades de reflorestamento,
5 São membros do grupo:
Alemanha, Canadá, Esta-
dos Unidos, França, Grã-Bre-

notadamente em pequenas propriedades rurais; a recuperação das florestas de tanha, Itália e Japão. A Fede-
ração Russa também participa
das reuniões do grupo, mas
preservação permanente, de reserva legal e áreas alteradas; o apoio às iniciativas não das discussões econômi-
econômicas e sociais das populações que vivem em florestas; a repreensão de des- cas. O G-7 tem como objetivo
coordenar a política econômi-
matamentos ilegais e da extração predatória de produtos e subprodutos florestais, ca e monetária mundial.

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fazendo contenção de queimadas acidentais e prevenindo incêndios florestais; o


estímulo à proteção da biodiversidade e dos ecossistemas florestais.
O documento básico do PNF afirmava que, ao longo do tempo, as ações de
governo foram implementadas cometendo-se três tipos de falhas, causadoras de
um descompasso com o desenvolvimento florestal sustentável. Essas falhas são
apontadas e as suas ações corretivas são também premissas do Programa. A pri-
meira falha seria a inadequação das políticas públicas, voltadas ao favorecimento
da expansão agropecuária e ao desmatamento. Para correção, previa-se o apoio
às atividades de uso sustentado da cobertura florestal e a inibição das práticas de
conversão das áreas florestadas para outros fins. Instrumentos econômicos, como
crédito, deveriam ser dirigidos para o fortalecimento das iniciativas de uso sus-
tentado das florestas nativas e reflorestamento. A segunda falha seriam as dificul-
dades de informação, ou seja, escassez de dados econômicos sobre custos e bene-
fícios do manejo de florestas nativas e plantadas, bem como a falta de divulgação
das informações existentes, gerando uma visão equivocada de que o manejo de
florestas é economicamente menos atraente do que as atividades agropecuárias.
A correção desse aspecto estava relacionada à disponibilização de dados sobre
estoques florestais, pela efetivação de inventários; de diretrizes e zoneamento am-
biental; de procedimentos e técnicas de manejo florestal; de dados econômicos,
envolvendo custos e benefícios; e de oportunidades de mercado. A terceira falha,
denominada falha de mercado, referia-se ao fato de que os proprietários rurais
não recebem compensação pelos serviços ambientais da floresta, como a conser-
vação dos solos e recursos hídricos, conservação da biodiversidade, regulação do
clima etc. A correção das falhas de mercado seriam previstas pelo reconhecimen-
to e a valorização dos serviços ambientais e sociais da floresta, pela instituição de
mecanismos inovadores que permitam sua remuneração.

Posicionamentos do Estado
brasileiro face à questão ambiental
Na década de 1970, o posicionamento do Estado brasileiro diante da questão
ambiental era ao mesmo tempo nacionalista e desenvolvimentista. Nacionalista por-
que, perante a política internacional e os seus respectivos acordos de cooperação, ti-
nha-se receio de invasão de interesses estrangeiros sobre as riquezas nacionais e uma
grande preocupação em manter a soberania nacional sobre o uso dos recursos naturais.
Ademais, conforme Ferreira (1998, p. 84), os “líderes nacionais não reconhecem que
a segurança da nação depende de estratégias de desenvolvimento ecologicamente sus-
tentáveis; ao contrário, o critério ambiental é subordinado aos interesses da segurança
nacional definidos militarmente”. Desenvolvimentista porque se baseava num modelo
de crescimento econômico em que a alocação dos recursos naturais, considerados
ilimitados, era dada como parte essencial desse desenvolvimento.
No decorrer da década de 1980, persistiu no Estado brasileiro, segundo Vio-
la (1996, p. 48), o predomínio de um “nacionalismo-conservador”, especialmente
em alguns setores fundamentais, como as forças armadas. Sobretudo após o co-
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lapso do comunismo, em 1989, simbolizado pela queda do muro de Berlim, com


a consequente política exterior norte-americana favorável à menor intervenção
dos militares na América Latina, as forças armadas brasileiras perderam um dos
seus principais elementos de justificativa histórica. Tenderam, por outro lado, a
compor uma aliança com as elites amazônicas, colocando-se contra as políticas
de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável defendidas pelo governo
Collor6, o que aponta já para uma mudança do posicionamento do Estado brasi-
leiro, denominado por Viola de “globalismo conservador”. Tal posição das forças
armadas, segundo o mesmo autor, ficou evidente em duas ocasiões: 1) quando
“vazou” um documento da Escola Superior de Guerra (ESG) no qual movimentos
indigenistas e ambientalistas eram definidos como agentes de forças internacio-
nais que pretendiam minar a soberania brasileira sobre a Amazônia e 2) quando,
um ano depois, o comandante militar da Amazônia fez críticas públicas à atuação
dos ambientalistas, posicionando-se em convergência com um movimento cívico
antiambientalista em gestação, liderado pelo governador da Amazônia.
Segundo Ferreira (1998, p. 87), a Escola Superior de Guerra, em 1990,
[...] recomenda que se tratem as organizações não governamentais ambientalistas como
objetivos nacionais estratégicos, a serem exterminados na celeuma que trava a respeito
da Amazônia. Nessa perspectiva, as entidades ambientalistas são tão perigosas quanto os
grupos de narcotraficantes e, como tal, devem ser convertidas em alvos de guerra.

Mesmo assim, concomitante a essas posições, começa a haver um processo


de reorientação das forças armadas quanto à questão ambiental, mais de acordo
com as posições políticas que vêm prevalecendo no sistema mundial, as quais, se-
gundo Viola, são o globalismo conservador, o nacionalismo conservador susten-
tabilista e o globalismo conservador sustentabilista. Em linhas gerais, os aspectos
dessas tendências são os que seguem.
O globalismo conservador defende economias abertas ao mercado mundial,
um papel central para as corporações transnacionais, um desarmamento par-
cial e um avanço gradual da ONU limitando parcialmente o poder dos Esta-
dos-nação. Os globalistas conservadores são a força dominante no sistema
mundial e representam comumente o que se chama de neoliberalismo.
O nacionalismo conservador sustentabilista é favorável à proteção am-
biental em escala nacional, é receoso em relação à ONU e às corporações
transnacionais e favorável às forças armadas poderosas.
O globalismo conservador sustentabilista defende uma economia aber-
ta ao mercado mundial, um papel central para as corporações transna- 6 Conforme análise de
Viola, embora a história
política de Fernando Collor
cionais, um desarmamento parcial e uma rápida construção de institui- anterior a 1990 não registre
nenhuma sensibilidade para
ções de governabilidade global, especialmente na área ambiental, com a questão ambiental, a sua
um caminho oligárquico tendo como eixo o princípio da capacidade súbita defesa do ambienta-
lismo durante a campanha
financeira dos países. presidencial de 1989 relacio-
na-se à sua necessidade de
ganhar a confiança da opi-
A década de 1990, em termos da atuação do Estado na esfera ambiental, foi nião pública do hemisfério
certamente marcada pela realização da Eco-92. O fato de o Brasil ter sido o anfitrião Norte (onde o ambientalismo
havia avançado significativa-
da maior conferência já realizada pelas Nações Unidas até aquele momento, reunin- mente) para o seu programa
econômico globalista con-
do 178 países, com a presença de 114 chefes de Estado e centenas de participan- servador, baseado no estí-
mulo de novos investimentos
tes e observadores de organizações governamentais e não governamentais de todo estrangeiros no Brasil.

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o mundo, colocou o Brasil numa posição de destaque na política internacional e ao


mesmo tempo corrigiu a imagem negativa deixada pela posição do governo brasileiro
na Conferência de Estocolmo, em 1972. Sobretudo, o governo brasileiro confirmou
uma posição política, adotada no final de 1989, direcionada para uma postura respon-
sável concernente aos problemas ambientais globais, atuando como um dos países
líderes na elaboração de duas convenções multilaterais (a Convenção Quadro sobre
Mudanças Climáticas e a Convenção da Biodversidade) e participando da elaboração
da Agenda 21, um programa de ação para o século XXI baseado no desenvolvimento
sustentável.
No entanto, o mesmo ano da reunião da Cúpula da Terra, 1992, foi marcado por
uma séria crise de continuidade na política ambiental decorrente de uma crise de gover-
nabilidade geral do país, em razão do impeachment de Fernado Collor7. A partir daí,
gradativamente a questão ambiental foi sendo posta em segundo plano, diante de
outros temas que se colocaram na arena política: novo plano de estabilização econô-
mica (Plano Real), reformas constitucionais e outras demandas sociais, econômicas,
políticas e tecnológicas que, embora se inter-relacionem com a questão ambiental,
nem sempre são devidamente relacionadas às políticas públicas ambientais.
De modo geral, as críticas dos especialistas à atuação do Estado e do gover-
no brasileiros na área ambiental dizem respeito às características de formação da
sociedade brasileira, baseada no paternalismo e no autoritarismo. O paternalismo
implica a constituição de uma sociedade formalista, marcada por leis, normas e re-
gulamentos que são negadas pelas práticas clientelistas. Isso se observa em relação
às leis ambientais brasileiras: condizem com a visão mais progressista sobre o am-
7 Após uma série de de-
núncias de tráfico de in-
fluências e irregularidades
biente, porém são solapadas na prática pelos interesses do mercado, de elites locais
financeiras do governo, de-
e regionais e de segmentos do governo que estabelecem pactos de atuação opostos
flagrada pelo próprio irmão à preservação ambiental. O autoritarismo se manifesta na maneira concentrada e
do presidente, Pedro Collor,
a Câmara dos Deputados, exclusivista como é exercido o poder. Há uma forte distância entre os indivíduos e o
em outubro de 1992, aprova
a abertura do processo de Estado. O modo como a sociedade brasileira se faz representar pelo Estado depende
impeachment e o presidente
é afastado. Em dezembro,
de privilégios e status social. Os grupos mais organizados, movidos por interesses
Collor renuncia antes de o particulares, intervêm nos processos decisórios em detrimento da maioria, menos
Senado destituí-lo das suas
funções e suspender seus di- articulada e organizada socialmente, enfrentando o formalismo, a burocracia e a
rigidez dos órgãos estatais para resolver seus conflitos.
reitos políticos por oito anos.

Sob o ponto de vista Sob o ponto de vista ambiental, os conflitos de interesse são
ambiental, os conflitos inúmeros e o poder de negociação entre os atores sociais (ribei-
rinhos, seringueiros, indígenas, ambientalistas, associações de
de interesse
moradores, operários etc.) e protagonistas envolvidos (Estado,
são inúmeros. mercado e empresários) são prejudicados pelas desigualdades de
condições do controle social sobre os recursos naturais. Nesse sentido, ainda há um
longo caminho a ser percorrido, sendo necessário brotar novas formas políticas de
atuação e negociação dos diferentes atores sociais envolvidos para que os atuais pa-
drões desejados de sustentabilidade socioambiental possam ser alcançados.

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Conflitos socioambientais
(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 1997, p. 25-28)

Os conflitos entre interesses privados e interesses coletivos ou públicos relacionados aos pro-
blemas ambientais são conflitos sociais porque envolvem a natureza e a sociedade, mas acontecem
a partir de um tipo determinado de organização da sociedade. No exemplo dos agrotóxicos, o
conflito se dá entre o interesse do empresário em obter o maior ganho possível com a sua produção
e os interesses das pessoas que trabalham na empresa – e cuja saúde se encontra ameaçada pela
manipulação dos agrotóxicos –, das que vivem nas imediações e das que, vivendo nas cidades,
compram o que foi produzido para comer. No caso de Cubatão, estão em jogo os interesses da
indústria de transformação do petróleo contra os interesses da população pobre que mora nas
imediações e os dos próprios trabalhadores da refinaria.
O conflito surge mais claramente quando a comunidade de trabalhadores e/ou moradores
percebe que a empresa, a fábrica etc. está ganhando, enquanto a qualidade de suas vidas está se
deteriorando. Mas essa percepção pode não ser direta (o caso do comprador de legumes e verduras
nas cidades) nem imediata (o caso dos moradores de Vila Socó).
Existem conflitos de interesses que não são evidentes, ou explícitos. Nesse caso, as comuni-
dades são agredidas por um processo de degradação ambiental do qual elas não tomam consciên-
cia, ou do qual têm consciência, mas não conseguem relacionar de maneira direta com as práticas
de certos agentes sociais. Isso porque algumas alterações do meio ambiente não aparecem imedia-
tamente, ou não são percebidas à primeira vista.
Na Grande São Paulo, 83 mil toneladas de lixo perigoso são depositados irregularmente,
por ano, nos solos ou nas águas. A população que consome essas águas ou que vive próxima aos
depósitos sofre as consequências sem saber. Às vezes, ela só passa a saber quando aparecem os
primeiros sintomas de contaminação, sem que as verdadeiras causas sejam identificadas. Para
que as coisas não cheguem a esse ponto, é preciso que os órgãos públicos de fiscalização sejam
eficientes, ou que a própria população atingida exerça vigilância direta e reclame.
Durante 45 anos, uma empresa do ramo químico, no Rio de Janeiro, usou mercúrio em seu
processo produtivo, depositando os resíduos no subsolo da fábrica. Até que aparecessem várias
vezes os mesmos sintomas de doença na população que habitava os arredores da fábrica, ninguém
percebeu que havia riscos para a saúde naquele local.
A derrubada das matas nas bacias de rios, riachos e córregos e a implantação de grandes pro-
jetos de irrigação estão esgotando as nascentes e diminuindo o nível de água dos rios do norte de
Minas Gerais. A morte dos rios está obrigando as populações ribeirinhas a alterar suas atividades
econômicas, quando não a se mudarem.
Calcula-se que sejam despejados por dia, no rio Paraíba do Sul, 47 mil toneladas de esgoto
e de resíduos líquidos das indústrias. Cerca de 20 milhões de pessoas consomem a água que vem
desse rio. A maioria delas desconhece as condições da água que bebe.
A derrubada de árvores de floresta provocou, nos últimos 25 anos, uma queda no volume
anual das chuvas no Pará, aumentando o intervalo entre as chuvas. Os agricultores daquele
estado, que plantavam espécies de ciclo curto, foram obrigados a mudar suas rotinas de cultivo, já

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que não dispõem de água de chuva em volume suficiente. Mas esses agricultores não sabem por
que isso está acontecendo.
Nesses exemplos todos, comunidades urbanas e rurais foram vítimas de mudanças no meio
ambiente que alteraram suas condições de vida e de trabalho. Mas em geral essas mudanças não
são identificadas como problemas ambientais. As pessoas por vezes não percebem as ligações
entre a degradação ambiental e os efeitos que ela tem sobre suas atividades ou sua saúde.
Mas existem também conflitos explícitos e evidentes, quando a comunidade conhece o vín-
culo entre os danos causados ao meio ambiente e a ação de certas empresas.
Os pescadores da baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, atribuíram a mortandade dos peixes
aos despejos de minerais como sílica, ferro, zinco, cádmio e sulfato de cálcio por uma indústria
local e exigiram medidas que protegessem seu direito de pescar.
Nesse caso, os responsáveis procuraram mostrar que a contaminação era ocasional, que fora
resultado de um acidente. Mas, como no caso de Vila Socó, um acidente ambiental sempre é uma
demonstração de que há um risco permanente. Em Igarassu, Pernambuco, a má vedação de um ve-
ículo de carga intoxicou 108 pessoas. A empresa responsável alegou um acidente. Na verdade, ela
já havia sido multada por lançar resíduos tóxicos nos rios e por enterrar lixo químico de maneira
inadequada.
Poderíamos então chamar os conflitos que têm elementos da natureza como objeto e que
expressam relações de tensão entre interesses coletivos e interesses privados de conflitos socioam-
bientais. Em geral, eles se dão pelo uso ou apropriação de espaços e recursos coletivos por agentes
econômicos particulares, pondo em jogo interesses que disputam o controle dos recursos naturais
e o uso do meio ambiente comum, sejam esses conflitos implícitos ou explícitos.

Realize uma pesquisa em sua cidade para saber quais são os projetos ou programas de po-
líticas ambientais adotadas pelo município. Em grupo, discuta quais são os problemas e as
soluções encontrados para viabilizar tais projetos ou programas.

BRASIL. Presidência da República. Comissão Interministerial para Preparação da Conferência das


Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Desafio do Desenvolvimento Sustentá-
vel. Brasília: Cima, 1991.

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BRASIL. Presidência da República. Comissão Interministerial para Preparação da Conferência das


Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Desafio do Desenvolvimento Sustentá-
vel. Brasília: Cima, 1991.
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
FERREIRA, Leila da Costa. A Questão Ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 1998.
INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS. Conflitos Ambientais no
Brasil: natureza para todos ou somente para alguns? Rio de Janeiro: Ibase, 1997.
LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade con-
temporânea. Petrópolis/Florianópolis: Vozes/UFSC, 1999.
LIMA, Myriam del Vecchio de; RONCAGLIO, Cynthia. Degradação socioambiental urbana, políticas pú-
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RESENDE, Paulo-Edgar (Org.). Ecologia, Sociedade e Estado. São Paulo: Educ, 1994.
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Sociedade
e ambiente no Brasil
Cynthia Roncaglio

A força do ambientalismo
na sociedade contemporânea

O
s movimentos ambientalistas que surgiram no último quartel do século XX talvez sejam a
maior expressão da revitalização cultural que invade os quatro cantos do planeta e a indicação
de novos valores políticos, sociais, éticos e estéticos que orientam a sociedade contemporânea
e convidam para a criação de novas formas de interação entre sociedade, indivíduo e natureza. Mas não
é exclusividade do século XX a preocupação com a preservação da natureza, o sentimento de responsa-
bilidade em relação às outras espécies e o anseio por uma qualidade de vida mais saudável. Já no século
XIX, embora restritos às elites econômicas e culturais dos países dominantes, surgiram movimentos
preservacionistas que partiam tanto de elementos de uma aristocracia que se via dilapidada pela processo
de industrialização como de grupos políticos socialistas e anarquistas que acreditavam na utopia de uma
vida comunal em harmonia com a natureza e, ainda – de grande importância para a disseminação dos ide-
ais preservacionistas –, os escritores românticos que enalteciam o valor estético da “natureza selvagem”,
lugar da descoberta da alma humana, paraíso perdido, refúgio da intimidade, da beleza e do sublime
(CASTELLS, 1999, p. 148-153; DIEGUES, 1996, p. 23-25).
Foi sobretudo nos Estados Unidos da América do século XIX que surgiram correntes teóricas
defendendo duas posições distintas de proteção ao mundo natural, as quais influenciaram outros
países e futuras gerações acerca do tema. Uma é a corrente conservacionista, que pode ser sinte-
tizada na proposta de Gifford Pinchot, engenheiro florestal que criou o movimento de conservação
dos recursos baseado no seu uso racional. Fundamentalmente, Pinchot criticava o desenvolvimento
a qualquer custo e defendia o que hoje é conhecido como desenvolvimento sustentável: o uso racio-
nal pela geração presente, a prevenção do desperdício e o uso adequado dos recursos naturais para
benefício da maioria dos cidadãos. A corrente oposta, preservacionista, sintetizada na proposta de
John Muir, que criou a organização Sierra Club, em 1891, baseava-se na reverência à natureza tanto
no sentido espiritual como estético. A proteção da natureza se colocava contra a modernidade, a in-
dustrialização e a urbanização. Na história ambiental norte-americana, a diferença entre essas duas
correntes é geralmente sintetizada como a diferença entre conservação dos recursos e preservação
pura da natureza (DIEGUES, 1996, p. 30).
A partir daí, foram criadas diversas organizações que, independentemente de suas aborda-
gens e propostas de solução para os impasses ambientais, formaram alianças ao longo do século
XX em defesa da preservação da natureza mediante os rumos incertos e descontrolados da eco-
nomia, da política e das instituições contemporâneas.

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Entretanto, foi somente no final dos anos 1960 que os movimentos ambientalis-
tas ampliaram as suas fronteiras – antes restritas a alguns membros das elites econô-
micas, das universidades e de alguns entusiastas anônimos – para tornarem-se inte-
resse também das classes médias e populares, principalmente nos Estados Unidos,
na Alemanha e na Europa Ocidental. Nesse período, há uma grande efervescência
de ideias e acontecimentos que alimentam diversos tipos de movimentos sociais
como o pacifismo, o feminismo e o próprio ecologismo. A força do ambientalismo
nas décadas seguintes, em detrimento dos movimentos sindicais e de trabalha-
dores, movimentos de contracultura1 como o dos hippies, relacionados à questão
de gênero, à defesa de minorias étnicas ou movimentos pela paz não significa,
como sugerem alguns analistas, o esvaziamento ou a derrota desses movimentos
políticos e sociais. Esse argumento revela-se apenas parcialmente verdadeiro. O
que se percebe com mais frequência não é um desmantelamento de outros movi-
mentos sociais, mas um entrelaçamento dos interesses desses movimentos (eco-
feminismo, indígenas, povos da floresta etc.) e a percepção mais abrangente dos
valores éticos que norteiam a relação entre sociedade e natureza, tornando seu
enfoque mais complexo e mais amplo do que os movimentos desencadeados pela
sociedade moderna. Portanto, faz-se necessário considerar que não há um movi-
mento ambientalista, mas diversos e multifacetados movimentos ambientalistas se
Não há um movimento manifestam de diferentes formas e apresentam especificidades
decorrentes do contexto social e cultural em que surgem.
ambientalista, mas
diversos e multifacetados Alguns autores fazem inclusive uma distinção entre os
movimentos movimentos ecologistas e ambientalistas que surgiram a partir
ambientalistas. da década de 1960, na tentativa de agrupar e distinguir algumas
dessas especificidades. Manuel Castells (1999, p. 143-144), por
exemplo, compreende que o ambientalismo inclui “todas as formas de comporta-
mento coletivo que, tanto em seus discursos como em sua prática, visam a corrigir
formas destrutivas de relacionamento entre o homem e seu ambiente natural, con-
trariando a lógica estrutural e institucional dominante”. Quanto à ecologia, sob
a perspectiva sociológica, o autor entende que é “o conjunto de crenças, teorias
e projetos que contempla o gênero humano como parte de um ecossistema mais
amplo, e visa a manter o equilíbrio desse sistema em uma perspectiva dinâmica e
evolucionária”.
Já Enrique Leff (2001, p. 114) faz uma distinção em termos geográficos
desses movimentos, comparando os “ecologistas do Norte” aos “ambientalistas do
Sul”. O ecologismo dos países industrializados surgiu
[...] como uma ética e uma estética da natureza, como uma busca de novos valores que sur-
giriam das condições da “pós-materialidade” que produziria uma sociedade da abundân-
1 Segundo Castells (1999,
p. 147), contracultura é
toda tentativa deliberada de
cia, livre das necessidades básicas e da sobrevivência. São “movimentos de consciência”
que desejariam salvar o planeta do desastre ecológico, recuperar o contato com a natureza,
viver segundo normas diver- mas que não questionam a ordem econômica dominante.
sas e, até certo ponto, contra-
ditórias em relação às normas
institucionalmente reconhe-
Por sua vez, os movimentos ambientalistas dos países do Sul surgem da
cidas pela sociedade, e de se destruição da natureza em decorrência da usurpação das suas formas de vida e de
opor a essas instituições com
bases em princípios e crenças seus meios de produção. E, ainda,
alternativas.

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[...] são movimentos desencadeados por conflitos sobre o acesso e o controle dos recursos;
são movimentos pela reapropriação social da natureza vinculados a processos de demo-
cratização, à defesa dos seus territórios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia po-
lítica e sua capacidade de autogerir suas formas de vida e seus estilos de desenvolvimento.
São movimentos que definem condições materiais de produção e os valores culturais das
comunidades locais.

Todos esses movimentos originaram-se e deram origem a teorias e práticas


que têm se consolidado no que se pode chamar de escolas atuais do pensamento
ecológico. Segundo Diegues (1996, p. 39-51), o novo ecologismo baseia-se na crí-
tica da sociedade tecnoindustrial, cerceadora das liberdades individuais, homoge-
neizadora das culturas e, sobretudo, destruidora da natureza. Nos Estados Unidos,
ele foi inspirado por escritores como Henry Thoreau e Gary Snyder, como tam-
bém por Barry Commoner, Ehrlich e Rachel Carson. Na França, por Ivan Illich,
Serge Moscovici e René Dumont. Alguns temas, como a luta contra as centrais
nucleares, uniu as diferentes concepções de ecologismo. Porém, outros, como a
proteção do mundo selvagem e o crescimento populacional, provocam divergên-
cias inconciliáveis. Há atualmente dois principais enfoques sobre a relação entre
homem e natureza. O primeiro, biocêntrico ou ecocêntrico, considera a natureza
como um valor em si mesma, independente do interesse humano. O ser humano é
considerado como qualquer outro ser vivo. Os ecologistas biocêntricos advogam
também uma diminuição do crescimento populacional e a redução da população
em termos absolutos. Já o enfoque antropocêntrico não considera a natureza como
um valor em si, mas como “recursos naturais” a serem explorados pelos homens.
Baseia-se numa visão dicotômica de homem e natureza, na qual o primeiro tem
domínio, por meio da ciência e da técnica, sobre a última.
Com base nesses enfoques, ainda segundo Diegues (1996), pode-se con-
siderar três principais correntes do ecologismo, surgidas a partir dos anos 1960,
em contraposição à “proteção da natureza” nos moldes das instituições e pensa-
mento do século XIX (sociedades de proteção da natureza, da vida selvagem, dos
animais etc.). Sucintamente, essas correntes podem ser caracterizadas conforme
abaixo.
Ecologia profunda – A expressão foi cunhada pelo filósofo Arne Naess,
em 1972, com o sentido de ampliar a noção de ecologia somente como
ciência e destacar um nível mais profundo da consciência ecológica. É
um enfoque preponderantemente biocêntrico, mas influenciado por re-
ligiões orientais e ocidentais, aproximando-se frequentemente de uma
quase adoração da natureza. Adere aos princípios dos direitos intrínsecos
da natureza, dando grande importância aos princípios éticos que devem
reger as relações entre homem e natureza. Alguns princípios da ecolo-
gia profunda são criticados pelos ecologistas sociais, por serem consi-
deradas posições neomalthusianas (defesa do decréscimo da população,
por exemplo) e o perigo do ecofascismo embutido na ideia de um certo
biologicismo das relações sociais que deveriam se inspirar na natureza
como modelos para a sociedade humana.

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Ecologia social – O principal mentor desta corrente é Murray Bookchin,


professor norte-americano de ecologia social e conhecido ativista am-
biental. Ele criou a expressão em 1964. Para esta corrente, a degradação
ambiental é vista como diretamente ligada ao capitalismo. Como os mar-
xistas, os defensores da ecologia social veem na acumulação capitalista
a força motriz da devastação do planeta, mas se afastam dos marxistas
clássicos ao criticarem a noção de Estado e ao proporem uma sociedade
democrática, descentralizada e baseada na propriedade comunal da pro-
dução. São considerados, por isso, anarquistas e utópicos. Consideram
os seres humanos primeiramente como seres sociais e não uma espécie
diferenciada, como o fazem os ecologistas profundos. Sob um enfoque
ecocêntrico, considera o equilíbrio e a integridade da biosfera como um
fim em si mesmo e que o homem deve mostrar respeito à natureza.
Ecossocialismo/ecomarxismo – Decorre da crítica interna dos marxistas
ao marxismo clássico, a partir da década de 1960, referente à concepção
do mundo natural. Para os ecomarxistas, a visão de Marx sobre a natureza
é estática, pois a considera apenas em virtude da ação transformadora do
homem, por meio do processo do trabalho. Segundo Hobsbawm, um dos
que defendem tal ponto de vista, Marx se preocupou fundamentalmente
com a explicação do sistema capitalista, no qual a natureza já era merca-
doria, objeto de consumo ou meio de produção, e marginalmente com as
sociedades primitivas, nas quais o mundo natural foi pouco modificado
por causa do pouco desenvolvimento das forças produtivas. Outros au-
tores definem o conceito de forças produtivas da natureza (fotossíntese,
cadeias tróficas, depuração de ecossistemas) para entender as sociedades
capitalistas. Um conclamado autor dessa corrente é o neomarxista Mos-
covici, que em 1969 escreveu La societé contre nature, influenciando
grande parte do movimento estudantil. Moscovici, na década de 1970,
reaproveitou os trabalhos de juventude de Marx para entender a rela-
ção entre homem e natureza. Ele critica a oposição entre culturalismo e
naturalismo. Situa o primeiro como uma visão ortodoxa na história das
ideias ocidentais e o segundo como heterodoxa e minoritária no conjunto
dessas ideias. Afirma, porém, que o naturalismo está em plena mutação,
deixando de ser uma negação do culturalismo, passando de uma proteção
ingênua do mundo para a afirmação de uma nova relação entre homem e
natureza. Esse novo naturalismo, segundo Moscovici, baseia-se em três
ideias principais: 1) o homem produz o meio que o cerca e é ao mesmo
tempo seu produto; 2) a natureza é histórica (o problema que se coloca
hoje é encontrar o estado da natureza conforme nossa situação histórica);
3) a coletividade e não o indivíduo se relaciona com a natureza. O que
Moscovici propõe é uma nova utopia, segundo Diegues, na qual é neces-
sário não um retorno à natureza, mas uma nova relação entre homem e
natureza, baseada numa nova aliança, na qual a separação seja substituí-
da pela unidade.

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A criação de organizações
não governamentais ambientalistas
O crescente impacto que as atividades humanas geram na natureza e a per-
cepção da degradação ambiental em escala local e mundial deu origem não só
a movimentos de conscientização ecológica, com diferentes paradigmas de ra-
cionalidade ambiental, mas também a ações diversas com o objetivo de influir
na legislação, nas atitudes tomadas pelo Estado, pelos governos e pelo mercado.
Tais ações surgem de grupos ambientalistas organizados, na sociedade civil, que
passaram a usar a expressão organizações não governamentais (ONGs) nos anos
1960 e 1970. Em âmbito mundial, a expressão foi usada pela primeira vez pela
Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial, para
designar organizações supranacionais e internacionais que não foram estabeleci-
das por acordos governamentais.
A primeira ONG ambientalista internacional, a World Wildlife Fund
(WWF), foi criada em 1961, para dar apoio a uma outra instituição ambien-
tal científica, chamada International Union for Conservation of Nature and Na-
tural Resources (IUCN), que encontrava-se em dificuldades financeiras. Mas a
WWF acabou por enveredar por caminhos mais autônomos, menos subordinados
à IUCN. Em poucos anos, já havia formado bases na Inglaterra, Áustria, Estados
Unidos da América, Suíça, Holanda e Alemanha. Em dez anos, possuía base em
20 países (LEIS, 1999, p. 102). A WWF é uma organização de caráter eminen-
temente conservacionista, com projetos voltados para espécies individuais, áreas
virgens, educação ambiental etc.
Outra organização mundial importante é o Greenpeace. Fundado em Van-
couver, no Canadá, em 1971, e tendo sua sede transferida posteriormente para
Amsterdã, na Holanda, é provavelmente a organização mundial mais conhecida
pelas ações espetaculares e não violentas, orientadas propositadamente para cau-
sar impacto na mídia mundial sobre os problemas ambientais globais e pressionar
governos e empresas a tomarem iniciativas cabíveis diante das denúncias ou en-
frentarem a publicidade negativa em decorrência de suas ações prejudiciais ao am-
biente (CASTELLS, 1999, p. 150). O Greenpeace, segundo Castells, diferencia-se
da maior parte dos movimentos ambientalistas por três razões.
1.a Noção de urgência em relação ao iminente desaparecimento da vida no
planeta, inspirada na lenda de índios norte-americanos que diziam que
[...] quando a terra cair doente e os animais tiverem desaparecido, surgirá uma tribo de
pessoas de todos os credos, raças e culturas que acreditará em ações e não em palavras
e devolverá à Terra sua beleza perdida. A tribo se chamará Guerreiros do Arco-íris.
(EYRMAN; JANISON apud CASTELLS, 1999, p. 150)

2.a Coloca-se como testemunha dos fatos, tanto como princípio para a ação
como estratégia de comunicação.
3.a Adota uma atitude pragmática, do tipo empresarial. Agir é fundamental:
não há tempo para discussões filosóficas.

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Os “guerreiros do arco-íris”, inimigos do modelo de desenvolvimento que


ignora os seus efeitos sobre a vida no planeta, desenvolvem suas ações em torno
do princípio da sustentabilidade ambiental e possuem uma rede de escritórios na
América do Norte, na América Latina, na Europa e na região do Pacífico.

Levantamentos realizados Levantamentos realizados no início dos anos 1980 indi-


cavam que as ONGs haviam se espalhado pelo mundo inteiro,
no início dos anos 1980
sendo que cerca de 80% dessas ONGs eram atuantes nos países
indicavam que as ONGs do Norte e 20% nos países do Sul. Tais estimativas evidente-
haviam se espalhado pelo mente não incluem os inúmeros movimentos ambientalistas que
mundo inteiro. atuam de maneira informal, sem registro jurídico nos países do
Sul. De qualquer modo, além da diferença dos números das organizações, as
estratégias e ideologias dessas ONGs também diferem entre si. Conforme Leis
(1999, p. 109), nos países do Norte, inicialmente predominava uma certa visão
etnocêntrica, o que levava algumas organizações ambientalistas a considerarem
mais graves os problemas ambientais do Sul – crescimento da população ou
desaparecimento das florestas tropicais – do que os modelos de consumo ou de
uso intensivo de combustíveis fósseis exportados mundialmente pelos países do
Norte. Nos países do Sul, ao contrário, a percepção da crise ecológica era rela-
tivizada diante dos problemas da pobreza e da falta de infraestrutura e serviços
básicos. No Norte, também há uma tendência a enfocar os problemas globais,
enquanto o Sul volta-se para os problemas domésticos.
Na década de 1980, quando o processo de globalização e do ambientalismo
ainda não era tão visível e/ou definitivo, podia-se pensar em alternativas para es-
ses impasses entre Norte e Sul. Hoje, no entanto,
[...] a partir da progressiva constituição de numerosas redes ambientalistas globais e da ar-
ticulação mundial de diversos setores da sociedade em defesa do meio ambiente, não resta
dúvida de que o ambientalismo é cada vez mais uma realidade global na qual seus diversos
aspectos e setores se interpenetram profundamente, alterando assim suas identidades e
visões orginais. (LEIS, 1999, p. 109)

A maioria das ONGs No Brasil, entre as primeiras organizações de caráter mais


conservacionista, constam a Associação de Defesa do Meio
brasileiras surgiu,
Ambiente de São Paulo (Ademasp), criada em 1954 por três jo-
em grande parte, nas vens estudantes, e a Fundação Brasileira para a Conservação da
décadas de 1970 e Natureza (FBCN), criada em 1958, no Rio de Janeiro, por um
1980. grupo variado de pessoas entre os quais botânicos, zoólogos,
jornalistas e “amantes da natureza”. Em 1986, foi criada a SOS Mata Atlântica.
A maioria das ONGs brasileiras surgiu, em grande parte, nas décadas de 1970 e
1980, em geral vinculadas a outras organizações de apoio a movimentos sociais e
organizações populares e de base comunitária, com o objetivo de promover a cida-
dania e lutar pela democracia política e social. Os números acerca da quantidade
de ONGs ambientalistas e ativistas são vagos e imprecisos. Dean (1996, p. 345)
registra que em 1984 havia notícia de 55 organizações não governamentias preo-
cupadas com meio ambiente. Em 1992, durante a Eco-92, contabilizava-se cerca
de duas mil organizações não governamentais, das quais a SOS Mata Atlântica
era a maior, com cerca de cinco mil membros. A média, no entanto, seria muito
menor, em torno de cem membros.
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As primeiras ONGs ambientalistas brasileiras, portanto, são de caráter mais


preservacionista e, posteriormente, emergiram outras associadas a movimentos
sociais diversos, buscando desenvolver ações ambientais, atuação política no cam-
po da construção e consolidação de direitos sociais e do fortalecimento da socie-
dade civil. Ao longo da década de 1990, surgiram novas organizações privadas
sem fins lucrativos com perfis e perspectivas de atuação e transformação social
muito diversas. A expressão ONG passou a encampar um grande conjunto de or-
ganizações que muitas vezes não guardam semelhanças entre si.
Ainda que as ONGs tenham perdido suas características originais de uma
espécie de contraponto às políticas públicas governamentais ou de coadjuvante
na elaboração e monitoramento de projetos e programas de empresas e governos,
não resta dúvida de que elas trouxeram uma contribuição original para a política
mundial contemporânea, ampliando e dando um novo significado ao papel dos
indivíduos e dos grupos sociais na esfera pública. Mas, conforme Leis (1999, p.
110-111), o papel das ONGs no plano local, embora importante, não chega a ser tão
significativo quanto no plano mundial, porque
O Estado ainda possui (e seguirá possuindo) legitimidade e uma capacidade relativa (maior
ou menor, dependendo dos casos) para enfrentar os problemas locais. Porém, frente aos
problemas globais socioambientais e a globalização econômica, o sistema político inter-
nacional baseado em Estados soberanos não possui (nem possuirá) nenhuma capacidade
efetiva para abordá-los no futuro fora do plano retórico. Por essa razão, a governabilidade
dos problemas globais depende hoje mais da sociedade civil mundial do que dos Estados.

Movimentos sociais e ambientalismo no Brasil


No Brasil, as entidades de conservação mais antigas como a FBCN, e outras
mais recentes, como Fundação Biodiversitas, Pronatura etc., são mais ligadas a enti-
dades internacionais de preservação e sofreram bastante influência da corrente preser-
vacionista norte-americana. Em geral, seus membros são constituídos por profissio-
nais provenientes da área de ciências naturais, para os quais qualquer interferência
humana no curso da natureza é negativa e permanece o mito da natureza intocada e
intocável, que deve ser preservada a qualquer custo. Assim, as unidades de conser-
vação, para esses preservacionistas, não podem proteger a diversidade biológica e
a diversidade cultural ao mesmo tempo. Tal posição tem gerado polêmicas e ques-
tionamentos num país como o Brasil, em que populações indígenas, ribeirinhos,
seringueiros e pescadores dependem dos recursos naturais para sobreviver e, simul-
taneamente, mantêm fortes vínculos culturais com o mundo natural.
Por outro lado, no início da década de 1970, sob a ditadura militar que repri-
mia os movimentos sociais e todas as formas de protesto, surgiu uma brecha para
um ecologismo de denúncia no Brasil, desvinculado dos partidos e movimentos
políticos de esquerda, então severamente combatidos pelo governo. Tais entidades
e movimentos criticavam o modelo econômico brasileiro, baseado na implantação
de projetos governamentais e de empresas privadas que causavam grandes impactos
sobre a natureza, como a instalação de centros químicos e petroquímicos, implanta-
dos ou ampliados nas zonas litorâneas do país (Cubatão, Rio de Janeiro, e Aratu, na
Bahia). Outro alvo dos ambientalistas era o avanço da agroindústria, que aumentou

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tanto o uso de biocidas e pesticidas como a concentração de terra e renda nas zonas
rurais, com a consequente expulsão de milhares de trabalhadores do campo para as
cidades, gerando aumento de favelas e miséria nos grandes centros urbanos.
Em 1976, José Lutzemberger (que mais tarde seria ministro do Meio Am-
biente, no governo Collor) lançou o Manifesto ecológico brasileiro: o fim do futuro
(1976), representando dez organizações ecologistas. Semelhante ao discurso das en-
tidades preservacionistas norte-americanas e europeias, e influenciado pelo relató-
rio do Clube de Roma, esse manifesto atacava a tecnocracia2 brasileira, responsável
pelos grandes projetos, sobretudo os que começavam a ser implantados na Amazô-
nia, o militarismo, a sociedade do desperdício, o consumismo. Destacava, em con-
traposição ao modelo de colonização predatória, a relação entre homem e natureza
estabelecida pelas sociedades tradicionais, como as dos índios e dos camponeses.
Defendia ainda a criação de áreas naturais protegidas e criticava o abandono em
que estavam os poucos parques nacionais brasileiros. O manifesto propunha como
solução para os males da ideologia do progresso, seja de esquerda ou de direita, uma
sociedade que se assemelhasse ao funcionamento da natureza, homeostática, equi-
librada, de acordo com as leis naturais.
Em meados da década de 1980, com o fim da ditadura mili-
Em meados da década
tar e com o processo de redemocratização do país, desponta o eco-
de 1980, com o fim da logismo social (também denominado no Brasil como ambientalis-
ditadura militar e com o mo camponês) com uma crítica ao modelo de desenvolvimento
processo de redemocra- altamente concentrador de renda e destruidor da natureza, que
tização do país, desponta teve o seu apogeu durante os anos 1970 e foi conhecido como
o ecologismo social. “milagre econômico”. A grande destruição da Floresta Ama-
zônica por meio da construção de barragens, da destruição dos
seringais etc. propiciou a emergência de um ecologismo entre aqueles que lutam
por manter o acesso aos recursos naturais dos seus territórios, valorizam o extrati-
vismo e o sistema de produção baseado em tecnologias alternativas. O ecologismo
social é representado pelo Conselho Nacional de Seringueiros, Movimentos dos
Atingidos pelas Barragens, Movimento dos Pescadores Artesanais, movimentos
indígenas etc. Para esses movimentos de cunho social e ambientalista, é preciso
repensar a função dos parques nacionais e reservas ecológicas, incluindo os seus
moradores tradicionais (DIEGUES, 1999, p. 130).
Como se pode observar, o ambientalismo que emerge no Brasil é de cunho
conservacionista, voltado para proteção da natureza, não da sociedade. Em parte,
isso se deve aos vínculos e à influência, nos ambientalistas locais, dos movimentos
ambientalistas norte-americanos, mas deve-se também à própria compartimenta-
ção da ciência. Como a maioria dessas organizações são criadas por estudantes
ou cientistas, cabe (ou cabia) aos biólogos a defesa das plantas e dos animais; aos
antropólogos, a defesa dos índios; aos engenheiros, das bacias hidrográficas; aos
urbanistas, a defesa dos ambientes criados e assim por diante.

2 Tecnocracia: sistema de
organização política e
social fundado na suprema-
A complexidade da questão ambiental no Brasil começou a ser internalizada
pelos diversos atores sociais somente no final da década de 1990. E o diálogo é
cia de técnicos que buscam
apenas soluções técnicas ou
quase sempre tenso, não só pelas diferentes abordagens ideológicas existentes so-
racionais para os problemas, bre o tema mas sobretudo porque do ponto de vista econômico e político, e apesar
sem levar em conta aspectos
humanos ou sociais. de todos os discursos oficiais e oficiosos sobre sustentabilidade ambiental, o meio
98 ambiente ainda é visto como uma pedra no caminho do desenvolvimento. Somente
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com a pressão de diversos segmentos sociais, nacionais e interna- A complexidade da


cionais, as empresas públicas e privadas passaram a formalizar, questão ambiental no
no discurso e na lei, a necessidade de pensar o desenvolvimento Brasil começou a ser
sustentado. No âmbito do planejamento e do gerenciamento do
internalizada pelos
Estado e das empresas, incluindo aí a necessidade de recursos
materiais e humanos, há um longo e difícil caminho a percorrer. diversos atores sociais.

O joio e o trigo entre as ONGs


Vilmar Berna1
A sociedade civil, ao se organizar em defesa de seus direitos, cria as chama-
das ONGs, organizações não governamentais, que reúnem cidadãos quase sempre
voluntários em torno de um conjunto de objetivos e princípios consolidados em
estatutos, assembleias, reuniões, diretorias. Entretanto, o compromisso e a luta pelo
bem comum não tornam os indivíduos necessariamente melhores. As ONGs são
conduzidas por seres humanos e seres humanos erram. Um desses erros é a existên-
cia de “ONGs de cartório”, ou seja, instituições que existem apenas em caixa postal,
cujos diretores assinam atas de reuniões que não existiram etc. Essas falsas ONGs
disputam poder de voto em igualdade de condições com outras ONGs realmente
constituídas, gerando distorções no processo democrático e dificuldades na cons-
trução e fortalecimento desse segmento na sociedade, além de servirem de verda-
deiros “laranjas” para desvio de dinheiro público. Existem ainda empresas privadas
que criam ONGs de cartório para beneficiarem-se de isenções fiscais e agregarem
valor às suas marcas institucionais, desvirtuando e confundindo a noção de ONGs 1 Fundador e editor do
Jornal do Meio Am-
biente e do site <www.
como organizações que representam os interesses da sociedade civil. jor naldomeioambiente.
com.br>, considerados
Existem ainda as ONGs “de combate”, cujo objetivo principal é reivindicar importantes referências
melhor qualidade de vida e ambiental, e “ONGs profissionais”, que se propõem na democratização da
informação ambiental no
a irem além da simples reivindicação e buscam se capacitar para a elaboração Brasil. É autor de mais
de 13 livros publicados.
e a execução de projetos em parceria com governos e empresas ou usando re- Como ambientalista,
fundou diversas associa-
cursos públicos ou privados destinados a projetos. Nem sempre a compreensão ções ambientalistas sem
fins lucrativos, como os
entre o trabalho de uma e de outra é bem entendido e não é raro verem-se como Defensores da Terra, Uni-
adversárias. As ONGs que optaram pela profissionalização argumentam que verde e o IBVA – Instituto
Brasileiro de Volun­t ários
se elas têm a vontade de defender o meio ambiente, comprometimento cida- Ambientais, do qual é o
atual presidente. Em 1999,
dão com a causa ambiental, a compreensão sobre o que é preciso para o meio no Japão, recebeu pela
Organização das Nações
ambiente, e detêm ainda a capacitação técnica e a experiência em execução de Unidas o Prêmio Global
projetos, então por que têm de se limitar apenas a cobrar responsabilidade de 500 para o Meio Ambien-
te, concedido antes a per-
governos e empresas. Por que as próprias ONGs não podem também capacitar- sonalidades como Chico
Mendes e Betinho. Em
-se para executar projetos e serviços ambientais? Por que as ONGs têm de se li- setembro de 2003, Vilmar
recebeu também o Prê-
mitar apenas a dizer o que está errado? Por que não podem também se oferecer mio Verde das Américas.
Contatos: vilmarberna
para dar solução concreta aos problemas que as próprias ONGs apontam? @jornaldomeioambien-
O problema é quando, para forçar os governos ou empresas a contratarem te.com.br. Site: <www.
jornaldo meioambiente.
seus serviços, as ONGs profissionais se comportam num primeiro momento como com.br>.

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“de combate”, pressionando e criando dificuldades, e aliando-se a outras organizações de combate na


sociedade, para num segundo momento abandonarem essas alianças e negociarem suas posições em
troca de um contrato para prestação de serviços ou projetos, oferecendo aos empreendedores a falsa
ilusão de que estarão limpando sua imagem ambiental ou pacificando suas relações com as ONGs.
Saber a diferença, separar o joio do trigo, ainda será um longo caminho.

Com base no texto principal e no texto complementar, relacione os aspectos negativos e positi-
vos da constituição de ONGs para a preservação ambiental.

CAPOBIANCO, João Paulo R. (Coord.). Ambientalismo no Brasil: passado, presente e futuro. São
Paulo: IEA/Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, 1997.
VIOLA, Eduardo. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.1, n.3.
VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctor Ricardo. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-
92: o desafio de uma estratégia globalista viável. In: VIOLA, Eduardo et al. Meio Ambiente, Desen-
volvimento e Cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.

CAPOBIANCO, João Paulo R. (Coord.). Ambientalismo no Brasil: passado, presente e futuro. São
Paulo: IEA/Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, 1997.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: a era da informação – economia, sociedade e cultura.
Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1996.
LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis:
Vozes, 2001.
LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade con-
temporânea. Petrópolis/Florianópolis: Vozes/UFSC, 1999.
VIOLA, Eduardo. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. Re-
vista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 1, n.1.
VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctor Ricardo. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-
92: o desafio de uma estratégia globalista viável. In: VIOLA, Eduardo et al. Meio Ambiente, Desen-
volvimento e Cidadania: desafios para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.
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Ambiente urbano
e desenvolvimento
sustentável I
Cynthia Roncaglio

Origens e transformações das cidades

N
ão há uma definição única e simples do que seja a cidade, como surge,
quais são as suas formas e funções. Para Lewis Munford (1998, p. 9-36),
a origem das cidades ocorre fisicamente a partir das últimas fases da cul-
tura neolítica1 e é sustentada pela última grande fase da revolução agrícola, com
a domesticação dos cereais e a introdução da cultura do gado e da irrigação. No
entanto, segundo o autor, o germe da cidade pode ser detectado em um período
anterior e está relacionado a vários fatores de conteúdo social, religioso, econômi-
co e cultural. Entre esses fatores, pode-se assinalar, antes de tudo, a predisposição
do homem, assim como de outras espécies animais, para a vida social; depois, a
utilização de cavernas e os acampamentos como esconderijo e moradia ocasional;
mais tarde, a necessidade de estabelecer santuários, aldeias e povoamentos, locais
onde as finalidades espirituais e materiais levam ao surgimento das cidades – o
ponto de encontro cerimonial, para onde as pessoas voltam a intervalos determi-
nados e regulares por encontrarem, além de quaisquer vantagens naturais, certas
faculdades “espirituais” ou sobrenaturais, de significado cósmico, mais amplo
que os processos ordinários da vida.
A revolução agrícola – como é frequentemente chamada a transição que
durou cerca de cinco mil anos, efetuada pelos seres humanos que sobreviviam da
coleta, da caça e do pastoreio, para a agricultura – baseava-se na colonização e do-
mesticação de plantas, animais, homem e paisagem natural. Essa transição impli-
ca duas mudanças significativas para o surgimento das cidades. A primeira delas
é a permanência e a continuidade da residência: os homens combinam a ocupação
de um espaço e sua fixidez, o que implica inclusive uma crescente valorização da
sexualidade e da reprodução com intervalos de mobilidade para a caça e a coleta 1 Neolítico ou Idade da
Pedra Polida: o final do
período neolítico é também
e outras atividades. A segunda mudança é o crescente exercício do controle e a chamado de Proto-história.
previsão dos processos antes sujeitos aos caprichos da natureza, como a utilização Os vestígios mais antigos até
hoje encontrados nas regiões
e o cuidados com o plantio de sementes, o acompanhamento do crescimento das onde atualmente situa-se o
Iraque, a Palestina e a Tur-
árvores, a criação dos animais e assim por diante. quia remetem a 8.000 a 5.000
anos a.C. o fim do período
Jacques Le Goff (1998, p. 9-21), por sua vez, considera que há muito mais neolítico, remetendo também
ao início do uso dos metais,
semelhanças entre as funções da cidade medieval e a cidade contemporânea (ape- sendo o cobre o primeiro a
ser utilizado.

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

sar das grandes transformações destas) do que daquela com a cidade antiga. As
funções e os monumentos das cidades antigas não podem ser comparados aos das
cidades medievais, segundo Le Goff, por algumas razões: o templo foi substituído
ou reutilizado pela Igreja. E com a Igreja surge o sino (e o campanário), que servirá
de ponto de referência da cidade, a partir do século VII no Ocidente, sendo em par-
te responsável por uma nova forma de marcar e perceber o tempo; os anfiteatros e
o estádio deixam de existir ou de apresentar a utilidade que tinham anteriormente,
seja porque o cristianismo ocidental não admite mais o circo, seja porque os espor-
tes assumem novas e diferentes formas; as termas onde as pessoas se lavavam nas
cidades antigas são abandonadas por novas formas de relação com o corpo, com a
higiene e com novas formas de sociabilidade, preferindo-se fazer a higiene pessoal
no âmbito privado e mais tarde em estabelecimentos especiais, como as saunas; as
praças também mudam de função, não são mais lugares onde os cidadãos se reú-
nem para discutir os assuntos de interesse público. Em geral, na cidade medieval,
os assuntos e negócios públicos ou privados, quando discutidos em conjunto, serão
debatidos em lugares fechados, frequentemente nas dependências da igreja.
A cidade medieval e a cidade contemporânea se assemelham porque a cida-
de medieval é um espaço concentrado onde as pessoas se encontram motivadas
por interesses diversos e, como bem representa Le Goff (1998, p. 25),
[...] um lugar de produção e de trocas em que se mesclam o artesanato e o comércio ali-
mentados por uma economia monetária. É também o cadinho de um novo sistema de
valores nascidos da prática laboriosa e criadora do trabalho, do gosto pelo negócio e pelo
dinheiro. [...] Mas a cidade concentra também os prazeres, os da festa, os dos diálogos na
rua, nas tabernas, nas escolas, nas igrejas e mesmo nos cemitérios.

Em uma obra clássica sobre a urbanização na América Latina, escrita nos


anos 1970, Paul Singer (1998), com sólida formação marxista, caracteriza o surgi-
mento da cidade em oposição ao campo. Se o campo é o lugar por excelência de
onde se retira o produto primário para a subsistência dos seres humanos e pode ser
considerado, como ainda muitas vezes tem sido, autossuficiente, a cidade depende
de uma produção alimentar excedente para vir a existir. No entanto, isso não é
suficiente para que surja a cidade. Faz-se necessário ainda, nas palavras do autor,
2 O que autor quer dizer é
que mesmo nas socieda-
des rurais existem diferen- [...] que se criem instituições sociais, uma relação de dominação e de exploração, que as-
ciações de classe, quando um
segmento, por exemplo, passa segure a transferência do mais-produto do campo à cidade. Isso significa que a existência
a se dedicar a uma atividade da cidade pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção
não produtiva, como a guerra
ou a religião, recebendo do
e de distribuição, ou seja, uma sociedade de classes. Pois, de outro modo, a transferência
resto da sociedade o seu sus- do mais-produto não seria possível. (SINGER, 1998, p. 9)
tento material. Mas enquanto
guerreiros e sacerdotes não
criam fortes e templos e seus
Em torno dessa ideia, Singer fará um apanhado da origem da cidade e
criados passam a viver ao seu da sua forte imbricação com a origem da sociedade de classes. Embora esta
redor, e deixam de ser produ-
tores diretos, só então a estru- a preceda historicamente2, a consolidação de uma sociedade de classes ocorre
tura de classe se consolida e a
diferenciação entre campo e quando se estabelece uma diferenciação entre o campo e a cidade, que passa a se
cidade se estabelece.
apresentar como uma nova técnica de dominação e de organização da produção.

As cidades adquirem Ou seja: as cidades adquirem variados significados e fun-


variados significados ções no tempo e no espaço, mas, entre as funções essenciais que se
podem identificar como características da cidade, além das condi-
e funções no tempo
ções de produção e do trabalho, estão a troca, a informação, a vida
e no espaço. cultural e o poder. Evidentemente que se comparadas às formas
das cidades atuais, as cidades antigas e medievais não passariam
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de pequenas aldeias ou vilas. Sobretudo, sob o ponto de vista demográfico, apenas


uma pequena parte da população mundial vivia nas cidades até 1800. Em 1900,
uma em cada dez pessoas no mundo vivia em cidade e no decorrer do século XX
as cidades continuaram a crescer em número, tamanho e importância econômica e
política. Em 2000, 47% da população mundial viviam nas cidades. Estima-se que,
em torno de 2030, cerca de 60% da população mundial viverão nas cidades, algo
em torno de 4,9 bilhões de pessoas. Em alguns países, como Cingapura e Israel,
mais de 90% da população já vivem em áreas urbanas. No Brasil, cerca de 80% da
população vivem nas cidades.

Representações do campo e da cidade


Os temas da urbanização, da produção da cidade, das relações entre campo
e cidade e das territorialidades têm inspirado a reflexão de muitos historiadores,
economistas, geógrafos e arquitetos nas últimas três décadas. O desafio atual de
se viver em grandes centros urbanos e os problemas com os quais se depara a so-
ciedade contemporânea propiciam a manifestação de discursos em geral antiurba-
nos que veem na aglomeração urbana, entre outros aspectos, a causa da violência,
do desemprego ou da baixíssima qualidade de vida.
Mas como a humanidade extrai matéria e energia da natureza e dela depen-
de para sobreviver, não apenas discursos científicos se constroem sobre a cidade
e o campo mas também mitos, conceitos, percepções, atitudes e práticas relacio-
nados com a dinâmica e as inter-relações do mundo natural com o mundo social,
o que podem ser verificado desde a Pré-história.
Na Antiguidade, os termos relacionados à cidade denotavam a Na Antiguidade, os
educação, a cultura, os bons costumes, a elegância. Urbanidade vem termos relacionados à
de urbs, “polidez”. A Idade Média herda e reforça o preconceito con- cidade denotavam a
tra o campo, considerado lugar dos bárbaros e rústicos. A cidade me- educação, a cultura,
dieval é o lugar de produção e das trocas comerciais e monetárias e, os bons costumes,
ao mesmo tempo, ideal de igualdade e divisão social (mercadores, ar-
a elegância.
tesãos e senhores feudais), concentração de prazeres, festas, diálogos,
criatividade, lugar de civilização em oposição à rusticidade do campo.
Nos séculos XVII e XVIII, repletos de novidades trazidas pelas descobertas cien-
tíficas e tecnológicas, proliferaram pensamentos, imagens e valores acerca do mundo
urbano e do mundo rural. As mutações produzidas pela urbanização sedimentaram e
generalizaram atitudes emocionais poderosas em relação ao campo e a cidade.
O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e vir-
tudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações – de saber, comu-
nicações, luz. Também constelaram-se associações negativas: a cidade como lugar de
barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação.
(WILLIAMS, 1989, p. 11)

No século XX, especialmente nos anos 1970, o ambiente urbano é des-


denhado, provocando, sobretudo nos Estados Unidos da América, uma ten-
dência que seria chamada de “retorno à natureza”. Como sublinha Alphandérx
(1992, p. 156),
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[...] os ecologistas foram, mais que outros, nos anos 1970, progressivamente fantasiados
de [...] valores negativos, imediatamente após os camponeses. Sua crítica da agricultura
industrial, do recurso maciço às energias fósseis, da sociedade de consumo e, mais
geralmente, do produtivismo, sua defesa das culturas locais, dos “interiores” e das pai-
sagens, das atividades “autônomas”, do auxílio mútuo e das relações de vizinhança, seu
interesse, enfim, pelas comunidades pós-68 levaram-nos a serem vistos como represen-
tantes de um neorruralismo nostálgico e reacionário.

Hoje, essas associações combinam-se com outras, não menos poderosas,


como as que vinculam violência, poluição e estresse ao urbano e qualidade de
vida, saúde e longevidade ao rural. Mas o rural, especialmente em países do
Sul, também está associado a meio ambiente degradado pelo uso intensivo de
agrotóxicos, baixa qualidade de vida e saúde, problemas de sanidade mental,
desemprego etc.
De qualquer modo, prevalece uma percepção da cidade no mundo con-
temporâneo, como resultado do trabalho humano, expressão material do pro-
gresso de uma civilização, símbolo da modernidade e da capacidade de trans-
formar a natureza. Como o trabalho humano é mediado pela técnica, a cidade
expressa, ainda, o avançado grau de desenvolvimento da ciência e da tecno-
logia produzida na cidade. O tipo de organização política, econômica e social
das cidades faz delas espaços privilegiados nas decisões da produção, difusão
de valores e ideias.

Problemas urbanos
Os problemas enfrentados pelas cidades têm se alterado ao longo da his-
tória. A partir do século XIX, observam-se melhorias na saúde dos seres hu-
manos e ao mesmo tempo deterioração do ambiente. No início do século XX,
mudanças socioeconômicas e técnico-sanitárias tornaram possível o transporte
de resíduos para as áreas rurais, no entorno das cidades, e novas ideias urbanís-
ticas provocaram a adoção de um zoneamento funcional, conforme assinalou,
em 1933, a Carta de Atenas3. Isso força muitas indústrias a se localizarem longe
de áreas residenciais e os problemas ambientais locais/urbanos passam a atingir
proporções regionais, alterando, inclusive, a noção de espaço urbano. Ou seja,
o espaço urbano não é constituído apenas pelos limites político-administrativos
de uma cidade, mas também abrange o espaço social e geográfico (incluindo o
rural) que permite a produção e o desenvolvimento da cidade.
Em muitos países desenvolvidos, esse fato fez da questão ambiental das
cidades um problema não mais aparente – as cidades sob essa nova condição
3 Carta de Atenas – As-
sembleia do Congresso
Internacional de Arquitetura
urbanística parecem ter eliminado os impactos negativos sobre o seu ambien-
Moderna (Ciam), Atenas, te (poluição industrial, resíduos industriais e hospitalares, sub-habitações etc.).
novembro de 1933. O zonea-
mento funcional, conforme Diante do processo de globalização, unindo mercados e transformando a pro-
conclusões obtidas nesse
evento, deve harmonizar dução e o consumo em fatos espacialmente distintos, os impactos ambientais
as quatro funções-chave da
cidade: habitar, trabalhar, tornaram-se ainda maiores. Essa mudança tem feito dos problemas ambientais
recrear-se (nas horas livres),
circular.
urbanos algo de difícil percepção, ou melhor, eles passam a ser mais facilmente
observáveis fora dos limites das cidades.

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Nesse contexto, é preciso assinalar que a percepção dos problemas am-


bientais é profundamente influenciada pelas características so-
A percepção dos
cioeconômicas e culturais de cada país e de sua população. De
fato, os países desenvolvidos, ao contrário dos países em desen-
problemas ambientais é
volvimento, têm sido bem-sucedidos na transformação de pro- profundamente
blemas ambientais em fenômenos não aparentes nas áreas urba- influenciada pelas
nas – pelo simples fato de expandirem seu ecological footprint4. características socio-
Isso pode explicar as diferenças entre as agendas ambientais dos econômicas e culturais
países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento. A insus- de cada país e de sua
tentabilidade de cidades em países desenvolvidos evidencia-se, população.
principalmente, em regiões mais distantes desses centros. É que
a satisfação das crescentes necessidades das populações urbanas levam a impac-
tos ambientais em áreas localizadas a muitos quilômetros das cidades. Muitos
centros progrediram no sentido do desenvolvimento sustentável, como reflexo do
desenvolvimento socioeconômico dos seus países, porém esses resultados positi-
vos são encontrados apenas no interior de suas próprias fronteiras.
Assim, nos países desenvolvidos, os grupos preocupados com a questão
ambiental deixam de ter como prioridade os problemas ambientais não aparentes,
dirigindo seus esforços para uma agenda de ações globais mais preocupada com
os recursos naturais do planeta. Essa agenda, formulada sob influência de polí-
ticas e ações preconizadas por organismos de ajuda internacional, empréstimos
multilaterais e declarações universais, é caracterizada por questões planetárias
como a redução da camada de ozônio na atmosfera terrestre, a destruição de gran-
des ecossistemas como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, a exportação do
lixo tóxico, as mudanças climáticas.
Nos países em desenvolvimento, as agendas ambientais são ou deveriam ser
mais voltadas para os problemas locais (ocupações irregulares, falta de saneamen-
to básico, problemas de abastecimento de água etc.), os quais, por sua gravidade,
são prioritários em relação às questões globais. Nesses países, os problemas so-
ciais urbanos merecem uma ação urgente, muitas vezes às custas da exploração de
recursos ou habitats naturais. São exemplos dessa realidade a necessidade de uma
maior flexibilidade das normas e exigências urbanísticas para que se viabilizem
programas de habitação popular – menor tamanho dos lotes, maior taxa de ocu-
pação, entre outros índices que exigem crescentes demandas do ambiente natural.
Também é exemplo disso a política de atração de unidades industriais, justificada
pela necessidade de criação de empregos e aumento da arrecadação de impostos
e taxas públicas.
Conforme pesquisas divulgadas pelos meios de comunicação, entre os
4 Pegadas ecológicas são
uma ferramenta para me-
dir e comunicar os impactos
ambientais das atividades
principais problemas das grandes cidades brasileiras5 apresentam-se o acúmulo, (produção de bens e serviços)
manuseio e destinação final do lixo urbano, a degradação do patrimônio históri- no ambiente e a sustentabili-
dade dessas atividades.
co-cultural e a conservação dos equipamentos e espaços públicos; os problemas
de trânsito e educação no trânsito; a poluição sonora, visual, do ar e dos recursos 5 A partir de pesquisa feita
no site da internet: Infra-
estrutura e meio ambiente.
hídricos; a falta e os problemas de transporte coletivo; a ocupação irregular de In: <www.gcsnet.com.br/oa-
áreas ambientalmente frágeis; o desabastecimento e a contaminação da água; a mis/civitas/ci150220.html>,
julho de 1999 (apud LIMA;
RONCAGLIO, 2001, p. 57).

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diminuição da cobertura vegetal; a falta de espaços públicos de lazer; a falta de


infraestrutura e saneamento básico; os problemas de uso e ocupação irregular ou
inadequada do solo.
No entanto, se existem diferenças entre as agendas, determinadas sobretudo
pelo descompasso socioeconômico entre países desenvolvidos e países em desenvol-
vimento, trata-se também de aprofundar a discussão da sustentabilidade em cidades.
Uma das perguntas a ser feita é, pois, quais as ações possíveis para que se caminhe
em direção ao desenvolvimento sustentável nos espaços urbanos quando tais espa-
ços são comumente caracterizados pela sua insustentabilidade ambiental?

Limites da sustentabilidade urbana


Com relação às cidades, o uso da noção de sustentabilidade urbana torna-se
ainda mais complexa, pois os espaços urbanos são incapazes de satisfazer todas
as necessidades humanas, sendo dependentes de outras espacialidades, próximas
ou distantes; são grandes consumidores de energia; produzem enorme quantidade
de resíduos, que não podem ser inteiramente eliminados ou reaproveitados; pro-
vocam profundas mudanças na ocupação da terra e no uso do solo, decorrentes
da transformação de áreas naturais ou rurais em áreas urbanas, gerando diversos
impactos ambientais e socioeconômicos.
As diferentes noções de desenvolvimento sustentável em cidades têm sido
empregadas pelo poder público e pelas empresas privadas no âmbito urbano. As
estratégias baseadas na noção de sustentabilidade, além de serem meios para se
alcançar uma pretendida combinação sustentável de desenvolvimento e conserva-
ção ambiental, são também uma forma participativa de planejamento e execução
de políticas públicas que envolvem vários atores sociais do espaço urbano – Esta-
do, ONGs, empresas privadas, associação de moradores etc. Suas estratégias, ins-
trumentos e políticas para a construção da sustentabilidade ambiental nas cidades
são fundamentais para se identificar o comprometimento de cada agente no pro-
cesso de degradação urbana e/ou na busca de equacionar os problemas decorren-
tes da interação do ambiente natural com o ambiente criado ou ambiente artificial,
como são denominadas as cidades por alguns autores.
Cidades são sistemas No entanto, cidades são sistemas abertos, com uma depen-
abertos, com uma dência profunda e complexa de recursos externos. Tal característica
impõe dificuldade aos esforços de se preparar o caminho para a sus-
dependência profunda
tentabilidade ambiental urbana – um princípio relacionado com a
e complexa de recur- autossuficiência nas atividades de produção e de consumo de bens,
sos externos. materiais e serviços e na disposição de resíduos gerados por esses
binômio, constituindo um ciclo que deve ocorrer no interior de um mesmo espaço.
A proposta de desenvolvimento sustentável nas cidades contém contra-
dições impostas por aspectos intrínsecos a esses espaços, aspectos estes que
parecem constituir perfis contrários ao desejado e caracterizam as cidades en-
quanto sistemas que não podem sobreviver se limitados às suas fronteiras. E
quais são as características dos sistemas urbanos? Podem-se apontar quatro
características essenciais:
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são incapazes de satisfazer todas as necessidades humanas – portanto,


são dependentes de outras espacialidades, próximas ou distantes;
são grandes consumidores de energia (exemplos de energia sendo produ-
zida localmente são ainda raros e até o momento nunca experimentados
em grande escala com resultados positivos);
produzem enorme quantidade de resíduos que não podem ser inteiramen-
te eliminados ou reaproveitados;
provocam profundas mudanças na ocupação da terra e no uso do solo,
decorrentes das transformações de áreas naturais ou rurais em áreas ur-
banas, gerando impactos ambientais e socioeconômicos.
A somatória desses aspectos e limitações sugere a conclusão de que a
expressão desenvolvimento urbano sustentável é contraditória em si mesma. Um
grande número de conceitos atrelados ao de desenvolvimento sustentável em cida-
des tem sido disseminado desde que as questões urbanas tornaram-se uma preo-
cupação generalizada e amplamente divulgada pela mídia impressa e eletrônica:
cidade ecológica, cidade sustentável, cidade saudável, ecossistema urbano du-
rável. Tais conceitos vêm sendo usados para caracterizar algumas iniciativas dos
poderes públicos/empresariais no âmbito urbano. No entanto, eles só se efetivam
em práticas quando acompanhados da ideia de transformação contínua e de avan-
ços na gestão e nas práticas ambientais urbanas convivendo com deteriorações
talvez irreparáveis.
É preciso ver a urbanização, o crescimento das cidades e a consequente
dinâmica da transformação da natureza como processo e não como produto. É
preciso valorizar os espaços públicos para a vida, como uma das formas de ver a
natureza não somente como recurso ou paisagem para contemplação, mas como
ambiente. Antes mesmo da discussão, da elaboração e da aplicação de leis que
expressam um conjunto de atos, juízos e valores escolhidos por uma sociedade
para pautar suas formas de intervenção na realidade, é preciso refletir sobre qual
é o ambiente urbano em que queremos viver.

Faça um levantamento em grupo de quais são os principais problemas ambientais percebidos na


sua cidade.

SANTOS, Milton. Ensaios sobre a Urbanização Latino-Americana. São Paulo: Hucitec, 1982.
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos de Pensamento sobre a Cidade. Ihéus: Editus,
1999.

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

ALPHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O Equívoco Ecológico: riscos políticos
da inconseqüência. São Paulo: Brasiliense, 1992.
LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Edunesp,
1998.
LIMA, Myriam del Vecchio de; RONCAGLIO, Cynthia. Degradação socioambiental urbana, políti-
cas públicas e cidadania. Desenvolvimento e Meio Ambiente: cidade e ambiente urbano. Curitiba,
n. 3, 2001.
MUNFORD, Lewis. A Cidade na História: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
SANTOS, Milton. Ensaios Sobre a Urbanização Latino-Americana. São Paulo: Hucitec, 1982.
SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. 14. ed. São Paulo: Contexto, 1998.
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos de Pensamento sobre a Cidade. Ilhéus: Editus,
1999.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.

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Ambiente urbano e
desenvolvimento sustentável II
Cynthia Roncaglio

Transformações urbanas

A
s cidades, em especial as metrópoles, têm passado por grandes transformações nos últimos
200 anos. A modernidade e os princípios de racionalidade que as sustentaram tiveram reflexos
sobre os planos urbanos, o desenho da cidade e como ele foi traçado em decorrência das rela-
ções de poder que se configuraram sob a égide da regulação do Estado-nação, da atuação do mercado
e da intervenção técnica que, aliada à ciência, realizou e ainda realiza reformas urbanas e projetos
urbanísticos que transformam a natureza e a identidade dos cidadãos que habitam a cidade.
A urbanização, sob o ponto de vista histórico, tem um sentido mais amplo que o utilizado, por
exemplo, na geografia. Para essa disciplina, a urbanização surge, em geral, com a industrialização e,
portanto, relacionada ao crescimento populacional e à aglomeração habitacional num determinado
tempo e espaço. Entre os historiadores, entretanto, é comum se referir, por exemplo, ao processo de
urbanização das cidades brasileiras do início do século XX – as quais só experimentariam a indus-
trialização efetivamente a partir dos anos 1950. A utilização mais flexível do conceito de urbanização
deve-se ao fato de que, independentemente do grau de industrialização, os espaços urbanos das cida-
des oitocentistas da Europa ou das cidades brasileiras do final do século XIX e do início do século XX
experimentaram alterações crescentes no ritmo das suas atividades, na sua densidade populacional,
na intensidade com que circulavam as mercadorias, nas alterações físicas do seu ambiente. A esses
aspectos visíveis, soma-se o imaginário de seus cidadãos, o qual, para além das condições materiais
da sua existência, forjam representações – ideias e valores – sobre o espaço em que vivem e projetam,
motivados pelo passado e pelo presente, o futuro que desejam. Para os historiadores, isso também é
relevante para compreender o processo de urbanização.
Quando se fala em urbanismo, em geral está-se referindo mais ao mundo das representações so-
ciais interagindo com o espaço físico da cidade e desta interação entre sociedade e natureza extraem-se
linhas, traços, ângulos que constituem os planos, projetos e ações de planejamento e intervenção urbana.
Em síntese, teoricamente, a urbanização é o processo em que se desenrolam as interações das atividades
humanas com as não humanas e o urbanismo é a concepção, historicamente determinada, de como se
deve realizar essa interação. Na prática, como se verá aqui em alguns exemplos, esses termos e as vivên-
cias decorrentes deles se confundem e se confluem na produção da cidade.
O paradigma da racionalidade moderna buscou tornar viável a igualdade social, conjugando
urbanização e urbanismo. Tal busca de uma racionalidade global evidencia-se, por exemplo, nos
planos de zoneamento urbano, que racionalizam as atividades individuais e coletivas e definem sua

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

O paradigma da racio- organização espacial a partir de criação de zonas de serviços, zo-


nalidade moderna nas industriais, zonas residenciais etc. Mas, na sociedade contem-
buscou tornar viável a porânea, o que se percebe é uma crise desse paradigma de moder-
nidade. O processo de globalização, que gerou uma confluência
igualdade social,
de mercados, informações e pessoas, transforma a alienação da
conjugando urbanização modernidade, assentada sobretudo na compulsão pelo trabalho,
e urbanismo. numa alienação do consumo.
O planejamento urbano, nessa nova configuração social, reduz o desenho
urbano a um formalismo do consumo. O aumento da densidade humana, as al-
terações e diversificações dos usos espaciais, a confusão entre espaços públicos e
privados geram amplas reformas urbanas e novas concepções territoriais.
A metrópole, tão celebrada pelo modernismo, aponta para espaços pulverizados, concen-
tração em áreas suburbanas, redes caracterizadas não mais pelo mote da produção in-
dustrial concentrada, mas por redes tecnológicas de informação e “áreas ambientalistas”
de preservação e prevenção no uso de recursos naturais nas cidades mundiais dos países
desenvolvidos. (VICENTINI, 2001, p. 11)

Percebe-se nas reformas urbanas contemporâneas, de qualquer modo, a ex-


clusão da população urbana não mais pertencente ao mundo do trabalho ou
do consumo. Na periferia do mundo globalizado (não mais a periferia de um
capitalismo do progresso extensivo), misturam-se a exclusão e os interesses
públicos e privados.

Práticas de sustentabilidade
urbana em cidades brasileiras
A maioria das cidades A maioria das cidades brasileiras tem enfrentado um proces-
brasileiras tem enfrentado so de crescimento acelerado e desordenado ao longo da sua his-
um processo de tória e isso contribui para a tendência negativa de urbanização
como carência de infraestrutura, degradação ambiental e segre-
crescimento acelerado
gação socioespacial. Esses fatores refletem-se substancialmente
e desordenado. na qualidade de vida dos seus habitantes e usuários, sobretudo
da população mais carente. A insustentabilidade do ambiente urbano se apresen-
ta, portanto, não só em decorrência da incapacidade das cidades para exercerem
satisfatoriamente as suas funções estruturais urbanas, relacionadas à habitação,
circulação, trabalho e recreação, mas também no que se refere aos impactos das
transformações de uso e ocupação do solo, densidade populacional e relações so-
ciais de produção do ambiente urbano que geram desigualdades evidenciadas, por
exemplo, nas “ilhas de riqueza e bolsões de miséria” (PEREIRA, 2001, p. 33-39).
Assim, a diferenciação socioeconômica é acentuada pela diferenciação
espacial. Pode-se observar isso nos investimentos feitos em melhoria da infra-
estrutura nos espaços onde já se dispõe de condições muito boas ou razoáveis
em detrimento daqueles onde os investimentos são raros ou inexistentes. Desse

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

modo, a diferenciação espacial agudiza a diferenciação socioeconômica. Essas


condições de produção e apropriação do espaço urbano levam ao aumento das
formas de violência, à multiplicação de demandas socioespaciais e à desumani-
zação da vida cotidiana.
No Brasil, especialmente na década de 1990, em consonância com tendên-
cias do pensamento urbanístico mundial, embora numa escala de execução ainda
embrionária, vem ocorrendo um novo processo de planejamento e atuação nas
cidades, o qual privilegia a descentralização da gestão urbana e as políticas urba-
nas vinculadas às políticas sociais e ambientais. Assim, as cidades devem elaborar
planos estratégicos para obterem financiamentos e empréstimos de instituições
internacionais e nacionais. E, nesse contexto, a questão ambiental tem sido, em-
bora mais no plano retórico do que na prática, um elemento fundamental nos pro-
jetos de renovação urbana. Planos estratégicos se baseiam em reformas urbanas
que vêm sendo discutidas e implementadas a partir das mudanças desencadeadas
pela era da informação. Segundo Castells (1999, p. 419),
[...] o desenvolvimento da comunicação eletrônica e dos sistemas de informação propicia
uma crescente dissociação entre a proximidade espacial e o desempenho das funções
rotineiras: trabalho, compras, entretenimento, assistência à saúde, educação, serviços pú-
blicos, governo e assim por diante.

Apresentam-se a seguir alguns exemplos de práticas de sustentabilida-


de em cidades brasileiras, compreendendo-se que há várias formas de sus-
tentabilidade das cidades. Cada cidade é constituída de um tecido urbano
criado no tempo e no espaço por um processo histórico que lhe deu sentidos
e significados diferenciados, assim como detém peculiaridades territoriais e
formas institucionais variadas. As intervenções urbanas e os projetos urba-
nísticos fazem parte desse processo. Por outro lado, “a interatividade entre os
lugares rompe os padrões espaciais de comportamento em uma rede fluida de
intercâmbios que forma a base para o surgimento de um novo tipo de espaço,
o espaço de fluxos” (CASTELLS, 1999, p. 423).
Tornar as cidades sustentáveis nesse contexto requer, portanto, estratégias
urbanas que levem em consideração ao mesmo tempo o enfoque ambiental global
das cidades mundiais e as singularidades políticas, econômicas, sociais e ambien-
tais de cada cidade/região.

O planejamento urbano de Curitiba


A metropolização de Curitiba, como em outras cidades, não é definida ape-
nas pelo crescimento demográfico ou pela aglomeração habitacional, pois também
abrange um complexo de riquezas, população e atividades atuando juntas e pro-
duzindo impactos ambientais diversos, de ordem natural ou social, em pequena ou
grande escala, positivos ou negativos. Um dos aspectos mais visíveis da metropo-
lização de Curitiba é o fenômeno de periferização, definida como “extrapolação
dos limites de ocupação do solo sobre áreas limítrofes de municípios vizinhos,

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nem sempre incorporando a ocupação das sedes” (ULTRAMARI, 1994, p. 129).


Com esse processo, demarca-se não apenas uma distância física entre o centro e a
periferia da cidade, mas uma diminuição da qualidade de vida dos moradores na
medida em que ocorre uma crescente distância das moradias em relação à cidade-
-polo. A desigualdade social, evidenciada na periferização, afeta em maior grau
e, em primeiro lugar, aqueles que não têm condições de pagar o alto valor do solo
e, portanto, também não dispõem da infraestrutura e dos serviços ofertados pela
administração pública àqueles que pagam mais pelo uso do solo.
No entanto, considerando o problema numa perspectiva ambiental, os re-
sultados da periferização podem atingir em longo, senão em médio prazo, todos
os moradores da cidade, na medida em que o ambiente degradado se amplia e
atinge, ainda que em diferentes graus, pobres e ricos, seja pela poluição das bacias
hidrográficas, a contaminação do solo em virtude do não tratamento do lixo etc.
No ambiente urbano, um dos impactos mais evidentes dessa metropolização são
os assentamentos humanos em conjuntos habitacionais e favelas em áreas inade-
quadas como fundos de vale e áreas alagadiças. Segundo levantamento realizado
pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), entre 1971
e 1987, o número de barracos em favelas passou de 2 207 para cerca de 20 mil. O
incremento mais expressivo ocorreu entre 1971-1979, mas em 1984 houve um au-
mento de 40% na população favelada, em decorrência das grandes inundações de
1983 (INSTITUTO GAIA DO BRASIL, 1989). A estimativa do Ippuc era de 200
mil pessoas vivendo em “sub-habitações”. Organizações não governamentais, no
entanto, calculavam 300 mil pessoas vivendo em favelas.
Diante do agravamento do quadro socioambiental, uma das soluções en-
contradas pela administração pública municipal, ao longo desses últimos 20 anos,
foi a criação de parques e bosques. As áreas sujeitas a grandes enchentes e ala-
gamentos transformaram-se em grandes parques com lagos, constituindo-se em
solução para múltiplos problemas: preservar fundos de vales, impedir a ocupação
irregular e o favelamento, conter a especulação imobiliária (ou redirecioná-la),
promover o saneamento urbano.
A ação de preservar e criar áreas verdes em Curitiba coincide e foi influen-
ciada pelo discurso ecológico em escala planetária, difundido no Brasil com mais
ênfase a partir dos anos 1980, e pela política de preservação ambiental e melhoria
da qualidade de vida presente no Plano Nacional de Desenvolvimento de 1976,
que contribuiu especialmente para justificar a conservação de parques, bosques,
praças e jardins em Curitiba, menos em termos de obras de saneamento e drena-
gem – questão ambiental de fundo – e mais com o que passou a ser associado à
questão ambiental nos meios de comunicação: preservação da natureza, qualidade
de vida, interação entre homem e natureza etc.
A cidade de Curitiba, ao longo da sua história, conviveu com intervenções
urbanas moderadas e certa continuidade no planejamento urbano. Entretanto, as
decisões político-econômicas e técnicas muitas vezes não levaram em considera-
ção a questão ambiental, seja com qual nome ela tenha se colocado no passado.

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

Dessa forma, tudo aquilo que não foi prevenido ou controlado a tempo (ocupação
desordenada do solo, crescimento populacional, periferização) tomou grandes di-
mensões na década de 1990.
O ambiente urbano de Curitiba, comparado a metrópoles nacionais como
Rio de Janeiro e São Paulo, apresenta ainda um caráter reversível. Mas o recente
boom de shopping centers construídos nas regiões centrais da cidade, o incentivo
à instalação de indústrias internacionais de automotores, a migração de novos
contingentes populacionais1 e a pressão do mercado imobiliário sinalizam um
crescimento econômico desvinculado de uma política ambiental consequente,
embora seja enfatizada pela mídia local, e difundida em âmbito nacional, a ima-
gem de uma “Curitiba ecológica” – combinação entre a satisfação das exigências
humanas e um meio ambiente urbano saudável.
Parece haver, portanto, duas imagens (reais) concorrentes e antagônicas so-
bre Curitiba. Uma é a da cidade que progride, oferecendo novos equipamentos e
serviços de infraestrutura para a população – enxerga-se apenas parcialmente os
problemas ambientais (poluição do ar e sonora, congestionamentos de tráfego e,
conforme as estações e o lugar, as enchentes). A outra é a da cidade cuja mancha
urbana não se distingue muito bem dos arredores mal cuidados, das habitações
precárias, do esgoto a céu aberto, dos córregos usados como lixeira. Nesta ima-
gem, todos os problemas ambientais são visíveis.
Em setembro de 1990, durante o Congresso Mundial de Autoridades
Locais para um Futuro Sustentável, Curitiba recebeu o prêmio, considerado
o Oscar do Meio Ambiente, oferecido a programas e políticas sobre o geren-
ciamento de recursos sólidos – o lixo no contexto do planejamento urbano.
Certamente, a partir dos anos 1970, as administrações municipais, como as
de Jaime Lerner e Maurício Fruet, contribuíram para “institucionalizar”, por
exemplo, o ofício dos catadores de papel – intermediários entre os compra-
dores do “lixo que não é lixo” e as empresas de reciclagem. Os catadores, até
então parcela considerável dos subempregados, ganharam um certo respeito
da população, guiando seus carrinhos de madeira, às vezes com o auxílio
de um cavalo, na maioria empurrados por homens, mulheres e seus filhos.
Muitas vezes, a família se lança em uma viagem a pé, de dia ou de noite,
carregando nos ombros toneladas de lixo reciclável. O habitante apressado
da grande Curitiba parece, no entanto, já não ter mais paciência com os en-
garrafamentos causados pelos catadores, nem estes parecem ter melhorado a
sua qualidade de vida nos últimos anos. De qualquer modo, o prêmio deve 1 É interessante ressaltar
que, na década de 1990,
a migração não é motiva-
ter levado em consideração, entre outros fatores, a comparação com outras da pela expulsão do campo
(como ocorria 1950), pela
grandes cidades e o fato de se “resolver” simultaneamente um problema socio- industrialização e a terceiri-
zação (como em 1970-1980),
ambiental e a integração social dos catadores e a “conscientização” e a colabo- mas principalmente, além
dos fatores socioeconômi-
ração da população para o problema do lixo. Há, no entanto, sérios problemas cos, pela ampla divulgação
publicitária, em âmbito na-
que ainda não foram bem resolvidos, referentes tanto à extensão dos benefícios cional, das vantagens de se
da coleta de lixo para a população da região metropolitana de Curitiba quanto ao morar em Curitiba, “a Capi-
tal ecológica”, de “primeiro
tratamento final de resíduos hospitalar e industrial. mundo”, “da qualidade de
vida”. Sobre a construção da
imagem urbana, ver artigo de
Fernanda Garcia (1997).

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

As contradições urbanas de São Paulo


A cidade de São Paulo, uma das principais metrópoles da América Latina,
concentra cerca de 10% da população do Brasil. O processo de deterioração
dessa importante metrópole preocupa seus habitantes há muito tempo, embora
o poder público tenha demonstrado uma negligência histórica com o seu de-
senvolvimento urbano. Um dos principais problemas que aflige São Paulo hoje
é a qualidade do ar. A grande circulação de veículos, somada à escassez de
área verde, compromete drasticamente a qualidade do ar e, consequentemente,
a saúde da população. O monitoramento do ar é feito há cerca de duas décadas
e na região metropolitana os níveis de poluição do ar registrados estão acima da
média aceitável pela legislação brasileira.
Conforme expõe Ferreira (1996), embora haja controvérsias a respeito do
índice recomendável de áreas verdes por habitante (entre 12 m²/hab e 16 m²/hab), o
índice de São Paulo está muito abaixo. Segundo dados oficiais de 1990, 300 favelas
encontram-se em áreas de proteção de mananciais. Além do que, elas carecem de
serviços de infraestrutura básica: 60% têm esgoto a céu aberto e 60% localizam-se
à beira de córregos. Assim sendo, os próprios mananciais de água que abastecem a
cidade estão comprometidos. Verifica-se localmente uma evidência global: a água
para consumo humano é um bem escasso nas grandes áreas urbanizadas.
A ocupação desordenada do solo na região metropolitana, com sua alta con-
centração demográfica, colabora substancialmente para o agravamento da polui-
ção hídrica, incluindo a região estuarina da Baixada Santista, cujo sistema hídri-
co integra os corpos receptores de esgoto da região metropolitana de São Paulo.
Enfim, são problemas ambientais de diversas ordens que afligem os habitantes de
São Paulo, sendo o problema da degradação dos recursos hídricos talvez o que
apresenta o quadro mais agravante. Mas há também outros problemas de ordem
ambiental semelhantes às paisagens de outras grandes cidades, como a poluição
sonora e visual e a deficiência dos serviços de manutenção urbana. Conforme
relata Ferreira (1996), durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, entre 1989 e
1992, não havia ainda uma pasta específica para lidar com a área ambiental nem
um Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema). Optou-se, na época, por
criar uma Asessoria Especial de Meio Ambiente, diretamente ligada ao gabinete
da prefeita. Embora essa assessoria contasse com uma estrutura administrativa
pequena, coordenava a distância os projetos discutidos e desenvolvidos por outros
órgãos municipais e os subsidiava com informações especializadas.
Em consulta à população, foi detectado um interesse por problemas urba-
nos e sociais de cunho mais tradicional, como saúde, habitação, educação etc.
Os problemas de degradação ambiental, no processo tanto de discussão como de
implementação de políticas públicas, não entraram no rol de interesses chamados
“prioritários”. O projeto de coleta seletiva do lixo foi talvez o que mais teve visi-
bilidade. Implementado desde o início da gestão, como projeto-piloto em áreas de
classe média intelectualizada – como o bairro de Vila Madalena, na Zona Oeste
da cidade –, a coleta seletiva foi coordenada pela Secretaria de Serviços e Obras e
teve apoio de entidades ambientalistas do bairro, as quais participaram diretamen-
te da organização do projeto.
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

A administração pública da época deu ênfase aos parques e áreas verdes do mu-
nicípio, buscando integrar uma atividade de preservação, por meio da conscientização
da população, em torno da importância desses espaços e da necessidade do seu apro-
veitamento comunitário. A Secretaria de Serviços e Obras ficou responsável por essa
atividade também. A manutenção e o controle dessas áreas era a principal atribuição
do órgão. Essa secretaria também coordenou programas de educação ambiental infor-
mais, promovendo trabalhos de sensibilização junto à comunidade em áreas públicas.
Em relação aos problemas ambientais, a Secretaria de Habitação desenvolveu ativi-
dades relacionadas à problemática de urbanização de favelas, enfatizando problemas
de saneamento básico e esgoto, além dos problemas vinculados aos altos índices de
precipitações que provocaram enchentes e desmoronamentos de grande repercussão.
A prefeitura dedicou-se mais especificamente aos problemas das encostas, encami-
nhando pessoal técnico que fiscalizava as zonas de risco.
Em suma, o que Ferreira procurou destacar é que por um lado, frente às
demandas ambientais e em decorrência dos graves problemas socioambientais de
São Paulo, a Assessoria criada não teve a eficiência necessária e faltaram meca-
nismos de participação popular mais eficientes. Entretanto, no que pese a falta
de importância política da questão ambiental em meio às prioridades da admi-
nistração municipal, foi possível realizar alguns trabalhos, mobilizando órgãos
municipais, ONGs e população em torno de um projeto comum. A criação, em
momento posterior, de uma Secretaria Municipal do Meio Ambiente, assim como
o Condema, por si só não garantem a otimização de políticas públicas ambientais
de âmbito municipal. Faz-se necessário, de qualquer modo, o diálogo permanente
com os diversos atores sociais envolvidos na gestão urbana, inclusive com os ór-
gãos das esferas estadual e federal, com os quais surgem ocasionalmente conflitos
de caráter legal, administrativo ou mesmo político.
No caso do período analisado, o que surpreende, segundo Ferreira (1996,
p. 156), é a dificuldade para se implantar uma política municipal de meio am-
biente em uma metrópole como São Paulo, uma “cidade globalizada”, que dispõe
de recursos técnicos e humanos para tal, universidades altamente qualificadas,
uma classe média intelectualizada que tem uma consciência ecológica refinada:
mesmo assim, a questão ambiental teve papel secundário, como se os problemas
“prioritários” não estivessem vinculados ou fizessem parte do processo de degra-
dação ambiental da metrópole.

O plano estratégico do Rio de Janeiro


Conforme Vicentini (2001, p. 28-29), o Rio de Janeiro foi uma das pri-
meiras cidades brasileiras a assimilar as perspectivas contemporâneas interna-
cionais de planejamento, baseada particularmente no modelo de planejamento
estratégico de Barcelona. O Plano Estratégico I da cidade do Rio de Janeiro –
Rio sempre Rio – foi elaborado no final de 1995 em uma parceria do município
com a iniciativa privada. Esse plano passou a ser uma referência nacional como
forma inovadora de planejar, ultrapassando os limites das intervenções urbanís-
ticas anteriores e indicando novos caminhos, tendências e aspirações. Segundo
uma avaliação do Banco Mundial, em seu relatório de 1999, foi “um sucesso sem
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

precedentes enquanto exercício de construção de consenso e parceria”2. O Plano


Estratégico II – As Cidades da Cidade – voltou-se para um estudo das suas re-
giões, buscando encontrar um caminho que permitisse respeitar e valorizar cada
uma das suas regiões, identificando suas vocações regionais e seu papel específico
na cidade, bem como as formas de desempenhar esse papel, definindo as suas es-
tratégias e formulando propostas para a consecução de seus objetivos centrais.
As Cidades da Cidade buscou ainda os caminhos para fomentar o desen-
volvimento local das 12 regiões, formadas por conjuntos de bairros agrupados
segundo critérios geográficos, históricos e demográficos. Ao mesmo tempo em
que visa a respeitar as diferenças regionais e potencializar suas características
históricas e culturais, este método urbano entende que é preciso diminuir as de-
sigualdades, de modo a possibilitar a construção de uma cidade mais solidária e
com igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos.
Foram elaborados 12 planos estratégicos regionais, tendo sido estabelecidos
12 objetivos centrais – um para cada região – e formuladas 68 estratégias, geran-
do 1 151 propostas que foram homologadas por pessoas de todos os segmentos
da sociedade, estabelecendo-se assim o curso para a definição do futuro das 12
regiões da cidade.
Segundo Vicentini (2001, p. 28), o plano estratégico para o Rio de Janeiro
incluiu a possibilidade de reverter o quadro de desordem urbana e estabelecer
uma nova matriz de poder social na cidade. Sobretudo, o modelo de gestão ado-
tado passou a ver as favelas urbanas históricas do Rio de Janeiro como bairros,
depois de quase um século de exclusão e tentativas de expulsão. O Programa
Favela-Bairro, que surgiu em 1993 e posteriormente foi incorporado ao plano es-
tratégico da cidade, resultou de um contrato de empréstimo entre prefeitura e
Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid), abrangendo aspectos diversos
como urbanização de favelas, regularização de ocupações em loteamentos, mo-
nitoramento e avaliação permanente, educação sanitária etc. Segundo o censo
de 1991, até aquela data vivia, em favelas no Rio de Janeiro, cerca de um milhão
de pessoas, 18% da população. Desse montante, cerca de 30 mil pessoas viviam
em áreas de risco, à beira de rios, ou em áreas de desabamento nas encostas dos
morros.
A transposição de um modelo de planejamento estratégico europeu certa-
mente exige algumas adequações e possui algumas diferenças no seu alcance,
sobretudo no que concerne à participação democrática, posto que ainda ocorre
no Brasil um abismo social que dificulta a integração entre Estado e população
e a melhoria da qualidade de vida em cidades como o Rio de Janeiro. A efetiva
participação dos diversos atores sociais envolvidos nas decisões sobre o desti-
no da cidade requer um refinamento dos mecanismos de participação. Porém,
indubitavelmente há um avanço significativo, na medida em que se elabora um
plano estratégico que envolve instituições de pesquisa, universidades e centros
de excelência existentes nas regiões e adota-se a perspectiva de que o processo
2 Ve r d e t a l h e s s o b r e o
plano estratégico para
cidade do Rio de Janeiro
de transformação da cidade envolve também a implantação de métodos perma-
em <www.rj.gov.br>. nentes e democráticos de interação com os seus cidadãos, independentemente de
mudanças administrativas e gestões políticas.
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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

Desafios para as cidades contemporâneas


A produção da cidade, no tempo e no espaço, transforma a natureza. A
desnaturalização da natureza parece mesmo o fundamento da urbanização. Tudo
que é intrínseco à história da natureza – a curva dos rios, a distribuição da fauna
e da flora, a morfologia do solo, as ondulações do relevo e até mesmo as variações
climáticas – é submetido a procedimentos técnicos, racionais e econômicos que
constroem uma espécie de segunda natureza: a natureza urbana.
Dentre os principais impactos ambientais aparentes ou não aparentes ex-
perimentados com mais intensidade nos últimos 30 anos pela natureza e pelos
cidadãos que vivem nas grandes e médias cidades do Brasil, destacam-se o das
águas, do lixo e do transporte. Certamente esses problemas se entrelaçam e
as soluções buscadas são, em geral, paliativas e temporárias. Além do que, os
projetos urbanos sofrem influência de financiamentos internacionais, das con-
junturas socioeconômicas, de decisões técnico-administrativas submetidas a
injunções políticas, do respaldo popular e outras tantas variáveis, mais ou me-
nos importantes, para reverter ou controlar o quadro de degradação do meio
ambiente urbano.
Conforme apontam diversos autores, a noção de susten-
Um dos principais
tabilidade urbana implica uma complexa inter-relação de justiça
social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental e um estilo de de-
desafios colocados para
senvolvimento baseado no respeito à capacidade de suporte da na- a sociedade brasileira
tureza. Quanto às grandes cidades brasileiras, fazem-se necessário como um todo é acelerar
investimentos em infraestrutura básica e em políticas públicas de a democratização dos
recuperação da qualidade de vida urbana e de renda da população, processos decisórios.
assim como uma visão integrada das políticas urbanas, rompendo
com a tradicional setorialização do planejamento urbano. Um dos principais desa-
fios colocados para a sociedade brasileira como um todo é acelerar a democrati-
zação dos processos decisórios, desenvolvendo, por meio da educação ambiental
formal e informal, a consciência ambiental de todos os cidadãos para que eles se
reconheçam como agentes produtores da cidade e corresponsáveis pela fiscaliza-
ção e o controle dos agentes responsáveis pela degradação socioambiental.

Entre os principais fatores relacionados à degradação ambiental urbana estão a água, o lixo
e o transporte. Faça uma lista de atitudes pessoais que podem colaborar para diminuir esses
problemas ambientais.

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

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Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II

GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1997.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica-tempo, razão-emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.


______. A sociedade em rede: a era da informação – economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz
e Terra, 1999. v. 1.
FERREIRA, Leila da Costa. A busca de alternativas de sustentabilidade no poder local. In: FERREI-
RA, Leila da Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.). Incertezas de sustentabilidade na globalização.
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GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1997.
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PEREIRA, Gislene. A natureza (dos) nos fatos urbanos: produção do espaço e degradação ambiental.
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ULTRAMARI, Clóvis; MOURA, Rosa (Orgs.). Metrópole: Grande Curitiba – teoria e prática. Curi-
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VICENTINI, Yara. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas. Desenvolvimento e
meio ambiente. Curitiba, n. 3, 2001.

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Ambiente rural e
desenvolvimento sustentável I
Cynthia Roncaglio

O mundo rural

É
quase impossível pensar as transformações do mundo rural sem considerá-lo em contra-
posição ao mundo urbano. Sobretudo a partir do século XIX, com a Segunda Revolução
Industrial na Europa, ocorreu um grande afluxo de trabalhadores do campo para as cidades.
Especialmente entre os trabalhadores de grandes propriedades, temporários e mal pagos, a cida-
de representava a chance de novas e melhores condições de vida.
Mesmo para aqueles que ficaram no campo, nas relações de trabalho ocorreram transformações
decorrentes do modo de produção capitalista. Além da crescente falta de mão de obra campesina,
as grandes propriedades exigiam um método mais complexo de controle e organização da produ-
ção agrícola e trabalhadores assalariados mais qualificados, diferentemente da pequena propriedade
camponesa, controlada e administrada pela unidade familiar com mais domínio dos processos de
trabalho e menos perdas e depredações dos produtos agrícolas. Diante dos problemas colocados pelas
impessoais relações de produção capitalistas, que substituíram as relações de compromisso e enga-
jamento das sociedades feudais, a saída para enfrentar a escassez de mão de obra foi reduzir ao mí-
nimo esta necessidade e investir na monocultura, na qual as operações agrícolas eram simplificadas
(ROMEIRO, 1992, p. 217). Com o processo de mecanização e expansão da monocultura, investe-se
cada vez mais em uma mão de obra barata, pouco qualificada e transitória. Portanto, naquele período,
a industrialização causou alterações profundas na forma de viver dos camponeses, muita pobreza e
desmoralização da vida camponesa.
Tais circunstâncias e o desenvolvimento das sociedades A vida rural, a ligação
industrializadas levaram à produção de discursos variados sobre com o solo e
a cidade e o campo. Num primeiro momento, o processo de in- o enraizamento
dustrialização e urbanização provocou uma rejeição da vida no
significavam
campo. A exaltação da razão, da ciência e da técnica vinha acom-
uma vida obscura,
panhada de uma exaltação das cidades e da vida urbana, fermento
de todas as novidades, da mobilidade social, da liberdade. A vida sedentária, imóvel.
rural, a ligação com o solo e o enraizamento significavam uma vida obscura, sedentária, imóvel, presa
às tradições e à comunidade local, na qual não havia espaço para a individualidade e a autonomia.
Mas, diante dos crescentes problemas em decorrência da vida nos centros urbanos, expressos com
mais contundência no século XX, e marcados até então pelo afastamento da terra e pelo desenraiza-
mento, surge uma necessidade de ligação com a terra e reenraizamento e também uma idealização

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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

da vida dos camponeses e da natureza. Assim, como dizem Alphandéry, Bitoun e


Dupont (1992, p. 159):
[...] a imagem do camponês oscila, nas nossas sociedades tecnológicas, entre a figura de
um ser rude, limitado e egoísta e, embelezado pela história e um pouquinho nostálgico,
a de um sábio vivendo saudavelmente e cercado pelos seus em vilarejos onde as relações
sociais permanecem cordiais e autênticas.

Atualmente, é mais difícil demarcar as fronteiras entre o rural e o urbano,


entre a cidade e o campo. As novas formas de assentamento humano, sinaliza-
das pela desmetropolização (redefinição do par centro-periferia), instalação de
cidades-satélite, loteamentos de chácaras e investimentos em condomínios rurais
pelas classes médias e altas, deslocamentos de indústrias e áreas de serviços, entre
tantas outras modificações na configuração do espaço e do ambiente, não permi-
tem mais distinguir a morfologia urbana da rural. Qualquer previsão para o século
XXI, como as que indicam o fim do campo (sob o argumento de que a maior parte
da população mundial vive nas cidades) ou o fim das cidades (sob o argumento de
que diante da era da informação as cidades perdem suas funções urbanas), corre
o risco de se tornar obsoleta rapidamente. O afastamento ou a ligação com a terra,
conforme Alphandéry, Bitoun e Dupont (1992), são antes de tudo modos de expres-
são de como se constituem as relações entre as pessoas e o ambiente. A reinvenção
dos espaços e do modo de os seres humanos se relacionarem com o ambiente ainda
depende da emergência de novos modelos de desenvolvimento humano.
Mesmo diante de um discurso sistemático sobre o fim do rural, verificou-se
nas últimas décadas do século XX a revitalização do meio social rural ou, como
mencionam muitos autores, percebe-se hoje a emergência de novas ruralidades.
A ideia de que o rural estaria definitivamente submetido ao urbano, como seu
continuum, tem sido cada vez mais contestada por muitos que estudam o rural em
várias partes do planeta. O que a realidade vem demonstrando é que o meio rural é
fundamentalmente um meio social, a partir do qual os homens se veem, concebem-se
como seres sociais, ao mesmo tempo em que é o espaço a partir do qual tais homens
veem a vida. No meio rural, há formas de relações que são específicas, mas é na inter-
relação dele com o meio urbano que se completa a noção de sociedade, ou seja, é
impossível falar ou pensar no rural sem mencionar o urbano e vice-versa.

Desenvolvimento rural no Brasil


Nos últimos cem anos, ocorreram algumas mudanças significativas no mun-
do rural brasileiro. No início do século XX, a economia brasileira baseava-se nas
grandes plantações voltadas para o abastecimento dos mercados internacionais,
particularmente Europa e Estados Unidos da América. Lavouras de café, cana-de-
-açúcar, borracha, cacau e fumo foram responsáveis pelo desenvolvimento econô-
mico baseado no sistema de plantation, que ademais havia sido o modelo de explo-
ração agrícola desde a colonização portuguesa, sendo responsável pela devastação
das florestas e a deterioração irreversível de vastas parcelas do solo agrário. Trata-

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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

va-se basicamente de uma rotação pedológica, que consiste em plantar uma única
cultura em uma grande área até o esgotamento da terra pela erosão. Partia-se então
para a ocupação de uma nova área virgem. A monocultura do café é um exemplo
disso: iniciada no Rio de Janeiro no século XIX, ela se estendeu até o noroeste do
Paraná um século depois, deixando um rastro de terras degradadas. Exemplo mais
recente é a monocultura da soja, que apresenta semelhante perfil de amplitude
geográfica e alcance de devastação ambiental (ROMEIRO, 1992, p. 220).
A riqueza e o poder social estiveram, portanto, desde o início da ocupação
do território brasileiro, concentrados nas mãos de senhores de engenho, usineiros
ou fazendeiros que estabeleceram (e em certas regiões ainda mantêm) uma relação
de hierarquia e desigualdade social que caracteriza a origem de vários conflitos no
campo, existentes até hoje.
Diante da pressão internacional pelo fim da escravidão e o incentivo dado
a políticas de imigração que substituíssem o braço escravo (negros e índios), ocu-
passem os “vazios demográficos” e possibilitassem o “branqueamento” da popu-
lação (ideologia que teve forte penetração na região Sul – Paraná, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul), a questão social foi ignorada, apontando para a tendência da
elite brasileira para ver as questões socioeconômicas em termos exclusivamente
legais, em vez de percebê-la em termos estruturais ou de classes sociais (SKID-
MORE, 2000, p. 104). Ou seja: as relações sociais no campo permaneceram du-
rante longo tempo sob o controle de grandes proprietários de terra (latifundiários).
O desenvolvimento do campesinato só ocorreu em áreas periféricas ou marginais
à “grande lavoura”, por influência dos imigrantes europeus, que estabeleceram
sistemas de pequenas propriedades familiares voltadas para a subsistência e para
o mercado consumidor interno.
Até 1930, o Brasil continuou a ser um país predominantemente agrícola.
Conforme o censo de 1920, havia 9,1 milhões de pessoas em atividade, sendo que
6,3 milhões (69,7%) se dedicavam à agricultura; 1,2 milhão (13,8%), à indústria; e
1,5 milhão (16,5%), aos serviços. A partir daí, o excedente de capital acumulado
pela cafeicultura (principal produto de exportação) e o financiamento estrangeiro
favoreceram o desenvolvimento das indústrias nacionais e do comércio urbano e
a modernização das cidades (FAUSTO, 2000, p. 97-130). Em 1940, 70% da popu-
lação brasileira ainda viviam no ambiente rural. Quarenta anos depois, 70% da
população viviam, ao contrário, nas cidades.
O inchaço das cidades se deu, sobretudo, a partir década de 1970, quando
os países desenvolvidos fizeram grandes investimentos em países em desenvolvi-
mento. Recursos financeiros exteriores foram deslocados para o estabelecimento
de indústrias de bens de consumo e indústrias de bens de capitais no Brasil. A
agricultura, incentivada pela industrialização, passou a ser mecanizada e aumen-
taram as áreas de pastagem, voltadas para a criação extensiva, expulsando grande
quantidade de trabalhadores para as grandes cidades, em busca de novas oportu-
nidades, principalmente com a instalação de indústrias nos grandes centros. Em
2000, apenas 22% da população residia no espaço rural.

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Atualmente, portanto, grande parte da população brasileira vive nas cidades


e o processo de industrialização, entre 1930 e 1980, fez dos grandes centros ur-
banos o polo dinâmico da economia e dos poderes social, cultural e político. Nas
principais metrópoles do país, ocorreu a reestruturação do Estado nacional e re-
definiram-se as suas áreas de intervenção, investiu-se na criação de universidades
e na reorganização do sistema de ensino em bases nacionais, surgiram os partidos
políticos e os movimentos associativos em escala especificamente nacional (GAR-
CIA; PALMEIRA, 2001, p. 41). O mundo rural não permaneceu alheio a essas
mudanças. Ao contrário, ele incorporou estilos de vida, concepções de mundo,
processos de decisão e de trabalho que se constroem nos meios urbanos e também
influenciou o mundo urbano na política, por exemplo, posto que representantes
políticos rurais ainda têm peso significativo nas decisões políticas nacionais.
Todavia, no ambiente rural brasileiro predomina um modelo político-eco-
nômico de desenvolvimento que resulta em dois processos sociais antagônicos,
conforme Scherer-Warren (1990, p. 214): um de integração e outro de exclusão.
A integração é resultado do incentivo dado pelo capitalismo no campo, por meio
da agropecuária e da agroindústria, formando uma classe empresarial rural que
se beneficia dessa política e de uma classe de agricultores familiares integrados
que se adapta às novas condições de produção no campo. Tais agricultores fa-
miliares possuem mais autonomia, fazem uso de crédito agrícola para moderni-
zar sua produção e se apoiam em sistemas cooperativos para desenvolver seus
negócios. Os agricultores familiares integrados à agroindústria (fumo, suínos,
aves etc.) também se modernizam tecnicamente e têm a segurança da boa co-
locação do seu produto. Em ambos os casos, ocorre a utilização predatória dos
recursos naturais e o abuso de agrotóxicos, em geral sem haver uma autocrítica
acerca desse modelo de produção.
Porém, esse processo de integração do capitalismo no ambiente rural tem
sua face igualmente excludente. Há uma parcela de agricultores familiares que
1 O MST teve influência
de movimentos sociais
rurais anteriores, como as
por insuficiência de terra ou endividamento não consegue se reproduzir nas no-
Ligas Camponesas, surgidas vas condições de competição. Ocorre, assim, a exclusão individual ou familiar,
em 1956, em Pernambuco,
decorrentes de pequenas que pode formar uma identidade coletiva que se organiza em movimentos sociais
organizações de plantado-
res e foreiros (aqueles que
como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)1. E há também a
recebem pagamento por dia exclusão coletiva, quando comunidades inteiras de agricultores ou indígenas são
de trabalho) dos grandes en-
genhos de açúcar da Zona da expulsas ou deslocadas por causa da implantação de grandes projetos na área rural
Mata. Em poucos anos, as Li-
gas espalharam-se por todo (hidrelétricas, mineração, madeireiras e agropecuária de grande escala).
o Nordeste, com apoio do
Partido Socialista, do Partido Quando essas populações (agricultores, indígenas, seringueiros, ribeirinhos)
Comunista e de setores da
Igreja Católica e consegui- percebem ameaçadas as suas terras, a sua fonte de sobrevivência e a sua identida-
ram mobilizar milhares de
trabalhadores rurais em defe- de cultural, passam a compreender melhor a necessidade de preservação do meio
sa dos direitos do homem do
campo e da reforma agrária.
ambiente. Ou, em outras palavras, quando defendem suas terras, as florestas e os
A partir de 1964, com a di-
tadura militar, o movimento
rios como fonte de sua sobrevivência, percebem também que estão defendendo as
foi enfraquecido e desarticu- fontes da vida planetária (SCHERER-WARREN, 1990, p. 216).
lado. O MST foi fundado em
Cascavel (PR) em 1984, após
ocupação de terras na região O que está em jogo, portanto, nas relações sociais que se reproduzem no
Sul, em São Paulo e em Mato
Grosso do Sul. Tem apoio de
campo, é a defesa de um modelo de desenvolvimento sustentável em que ao valor
setores da Igreja Católica, real da terra (quantificável) seja agregado o valor simbólico daquela terra e do
por meio da Comissão Pasto-
ral da Terra. espaço socialmente construído naquele território pela comunidade. Quando os se-
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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

ringueiros (conforme exemplo citado por Scherer-Warren, 1990, p. 217), no docu-


mento final do seu 2.º Encontro Nacional defendem “modelos de desenvolvimento
que respeitem o modo de vida, as culturas e tradições dos povos das florestas,
sem destruir a natureza e melhorando a sua qualidade de vida”, estão articulando
a necessidade de preservação de um modo de vida (condição de sua humanização)
com a defesa de seu meio ambiente (condição para sua reprodução).
O mundo rural brasileiro, como se pode observar, não vive um processo
único e linear, e tampouco é marcado pela imobilidade. Várias mudanças sociais
têm ocorrido e hoje coexistem várias propostas de modelo de desenvolvimento do
mundo rural, as quais, de certa forma, disputam significados acerca do futuro do
mundo rural, explícitos nos próprios debates entre os que defendem a agricultura
familiar e os que defendem a agricultura empresarial e o complexo agroindustrial,
os que defendem a agricultura convencional e os que defendem a agricultura or-
gânica. De qualquer modo, o que isso demonstra é a “intensidade da competição
por terra, por recursos financeiros, por força de trabalho e, principalmente, pela
legitimidade de designar o futuro das relações no mundo rural e das configura-
ções cidade-campo” (GARCIA; PALMEIRA, 2001, p. 41).

Desenvolvimento territorial
sustentável: uma nova abordagem
Como se destacou anteriormente, há novos olhares sobre o meio rural,
ou seja, nas últimas décadas há uma emergência de novas ruralidades. O que
isso significa? Entre os principais significados, está o fato de que o rural já não
pode mais ser visto somente como o lugar da produção agrícola, ou seja, o rural
não é somente o espaço onde se produzem os alimentos, a matéria-prima da
agroindústria. O rural não é somente um setor produtivo, conhecido como setor
primário: é muito mais do que isso, sendo cada vez mais valorizado como o espa-
ço do ambiente natural (nele é que estão as principais áreas de preservação e con-
servação ambiental, como as distintas unidades de conservação, os mananciais
de águas, fundamentais para o abastecimento das populações urbanas e rurais),
como um lugar de lazer (onde predomina a valorização da estética, da paisagem
cênica, da qualidade do ar, das sensações de tranquilidade e de silêncio), como
um lugar que guarda formas diferentes de se viver (cada vez se busca conhecer
mais ou se reencontrar os modos de vida característicos das populações rurais por
aqueles que vivem nas cidades, seja pelas lembranças que trazem, seja pela busca
de uma outra qualidade de vida).
Se o rural for visto sob o ponto de vista da produção, perceber-se-á que
os grandes conflitos que persistem no ambiente rural brasileiro tem a ver, en-
tre outros fatores, com as disparidades existentes entre a produção agrícola para
exportação e a que atende o mercado interno. As lavouras pequenas e voltadas
basicamente para o mercado interno sofrem com as altas taxas de juro, que invia-
bilizam financiamentos e investimentos, e pela própria abertura comercial, que
oferece produtos importados, inclusive tradicionais, como arroz, milho e feijão,
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a preços competitivos. Já as lavouras voltadas para exportação se beneficiam de


créditos concedidos por importadores, que cobram juros bem mais baixos do que
os praticados no Brasil.
As inovações tecnológicas a partir da década de 1990 têm sido cada vez mais
rápidas. As regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste têm adquirido um alto pa-
drão tecnológico, investindo em máquinas modernas, insumos e fertilizantes, ao con-
trário das regiões Norte e Nordeste. Paralelamente à inovação tecnológica, cresce
também o desemprego. Entre 1985 e 1995, houve uma redução de 23% da mão de
obra agrícola, cerca de quatro milhões de pessoas desempregadas, engrossando o nú-
mero de pessoas e famílias marginalizadas ou subempregadas que vivem nas gran-
des cidades ou que participam dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária.
O grande desafio no Brasil continua a ser a diminuição da desigualdade
social, buscando soluções, quanto ao mundo rural, para os problemas da reforma
agrária, da marginalização de milhares de famílias que vivem em condições de
extrema pobreza, das irregularidades da ocupação territorial, dos danos causados
ao solo por séculos de práticas agrícolas predatórias e pelas atuais formas de ex-
ploração agropecuária em larga escala.
Na perspectiva destacada anteriormente, de ver o rural para além do espaço
da produção e em sintonia com a agenda internacional para o meio ambiente e o
desenvolvimento (Agenda 21), no âmbito federal foi criada recentemente, ligada
ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Secretaria Nacional de De-
senvolvimento Territorial (SDT). Ela tem como objetivos promover e apoiar os
processos de construção e implementação dos Planos Territoriais de Desenvol-
vimento Sustentável, contribuir para o desenvolvimento harmônico de regiões
onde predominem agricultores familiares e beneficiários da reforma e do reorde-
namento agrários, assim colaborando para a ampliação das capacidades humanas,
institucionais e de autogestão dos territórios2.
A meta da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Territorial é apoiar a
organização e o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão
participativa do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e promover a
implantação e a integração de políticas públicas. Nessa perspectiva, cabe aos pró-
prios habitantes dos territórios rurais definir e gerir a execução dos projetos. A
abordagem territorial pressupõe que os vários setores da sociedade civil e dos
movimentos sociais ampliem a sua capacidade de mobilização e organização e
que estabeleçam um diálogo com representantes do Estado, a fim de se planejar e
promover o desenvolvimento rural sustentável.
Essa proposta divide o Brasil em 98 territórios, sendo cada um deles defi-
nido como espaço geográfico caracterizado por aspectos comuns de cultura, solo,
clima, rios, organização e coesão social, marcados pelo sentimento de pertenci-
mento dos habitantes. Nessa visão, está implícita a ideia de fortalecer a relação
entre espaço e identidade, tornando maior a possibilidade de desenvolver ações
conjuntas e continuadas. Uma das estratégias dessa política implementada pela
Secretaria é o fortalecimento e o crescimento da agricultura familiar, favorecen-
do um desenvolvimento territorial descentralizado, interiorizado e participativo
2 Dados obtidos em <www.
gov.br/mda>.
como forma de contribuir para a inclusão social e combater a pobreza.

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Para o professor Antonio Cesar Ortega, do Instituto de Economia da Uni-


versidade Federal de Uberlândia (UFU), os princípios de acentuar a competiti-
vidade no mercado e ao mesmo tempo promover uma eqüidade social, política
e econômica não se contradizem. Conforme sua análise, ao longo dos anos,
o MDA vem incentivando a formação de conselhos municipais de desenvol-
vimento rural sustentável, cuja atribuição consiste em formular um plano de
desenvolvimento municipal3. Afirma Ortega:
A ideia é de que um plano realizado em um município muito pequeno ou com poucas
condições não alcança os objetivos desejados, mas reunindo alguns municípios, numa
forma de consórcio ou qualquer forma de arranjo institucional, podemos unir forças para
se alcançar objetivos mais amplos.

O grande desafio de uma política de desenvolvimento territorial, segundo


Ortega, é unir, em torno de um eixo comum, municípios que apresentam proje-
tos de desenvolvimento territorial diferentes. Para que seja possível elaborar um
plano comum, é necessário estabelecer um espaço de discussão entre os setores
representativos da sociedade local.
Segundo Ronaldo Weigand, consultor do Núcleo de Estudos Agrários e De-
senvolvimento Rural (Nead), ligado ao MDA, a Secretaria Nacional de Desenvol-
vimento Territorial está desenvolvendo um estudo denominado Mapeamento das
Iniciativas de Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável. Weigand afirma que
há iniciativas territoriais em todo o Brasil. Trezentas delas já foram identificadas,
mas o número pode ser bem maior, dependendo de como se define o que seja de-
senvolvimento territorial.
São exemplos de desenvolvimento rural territorial sustentável o trabalho
desenvolvido pela ONG Agreco junto aos agricultores que, na encosta da Serra
Geral, em Santa Catarina, estão formulando juntos uma noção de território e a
promoção do desenvolvimento sustentável da região; e o da Área de Proteção
Ambiental (Apa) de Itacaré, em Serra Grande, na Bahia. Como se trata de uma
unidade de conservação de uso sustentável, em que se permite a exploração racio-
nal e controlada, as ações têm se voltado para o funcionamento de uma indústria
turística sustentável, aos pequenos produtores sendo dado incentivo para o desen-
volvimento de projetos de artesanato, sistemas agroflorestais e recomposição de
matas nativas.
Essas experiências ainda se encontram em uma fase inicial, não sendo pos-
sível identificar os principais problemas que os consórcios apresentam. Mas al-
gumas questões iniciais já são vislumbradas, segundo Weigand, como as que se
referem à aceitação dos projetos, posto que
[...] as iniciativas territoriais arranjam o poder local de uma forma diferente, e leva um
tempo para as pessoas se sentirem confortáveis no novo ambiente político criado pela
iniciativa. Algumas pessoas, como os políticos mais tradicionais, devem se sentir amea-
çadas, enquanto outras (os participantes dos movimentos sociais, os políticos em ascensão
etc.) podem sentir-se atraídas pelas oportunidades de participação e poder que são trazi-
das trabalhando de forma territorial. Chamamos esse aumento de poder dos atores locais,
normalmente com uma promoção daqueles que não tinham muito poder anteriormente,
de empoderamento.
3 Os dados aqui apresen­
tados, inclusive depoi­
mentos, foram obtidos em
< w w w. c o m c i e n c i a . b r /
not icia s /20 03/25ju l03/
organizacaoterritorial.htm>.

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O desafio é harmonizar as estratégias de desenvolvimento territorial, ar-


ticulando políticas públicas nos diversos níveis de governo, em sintonia com as
necessidades das populações dos territórios e organizações da sociedade civil,
tendo como eixo a agricultura familiar e a reforma agrária.

Os atores do
desenvolvimento rural sustentável
A partir do final da década de 1970, aumentou o número de manifestações
no campo, o que representa pluralidade de atores sociais e diversidade de interes-
ses coletivos. A atitude de indignação e insatisfação face às condições de vida e
aos caminhos da economia e das políticas públicas são expressas nos boicotes e
bloqueios de estradas pelos trabalhadores rurais (criadores de suínos, plantadores
de soja etc.) que exigem melhor política agrícola e fixação de preços mínimos; nas
greves de assalariados e boias-frias (cortadores de cana e picadores de laranja) pela
melhoria de salário e das condições de trabalho; pelos acampamentos e passeatas
dos trabalhadores rurais sem-terra que lutam por uma reforma agrária imediata;
no movimento das mulheres agricultoras que reivindicam direto à sindicalização
e à previdência social (SCHERER-WARREN, 1990, p. 209-210).
Todos esses movimentos marcam uma nova época do sindicalismo no
campo, que se opõe ao sindicalismo assistencialista que predominou historica-
mente até então no Brasil. Trata-se de um sindicalismo combativo, que se une
a outros movimentos sociais e a movimentos ecológicos e de defesa do meio
ambiente, assumindo proporções regionais, nacionais e até mesmo internacio-
nais. Dentre esses movimentos, destacam-se os de agricultores que foram atingi-
dos por barragens e lutam por indenização justa ou tentam impedir a construção
de tais obras, sob o argumento de não ser possível garantir a reprodução do seu
grupo social em outras terras que não aquelas onde criaram raízes e estabele-
ceram sua identidade cultural; o movimento dos indígenas que foram atingidos
por grandes obras como barragens e rodovias e lutam pela manutenção de suas
terras, sua comunidade e identidade étnica; o movimento dos seringueiros que
defendem a preservação das reservas extrativistas e de um modo peculiar de se
relacionar com a Floresta Amazônica; o movimento de gênero4 que luta pelo
reconhecimento e a valorização do papel da mulher na agricultura familiar, não
só como “ajudante” na unidade de consumo (parte da produção voltada para a
subsistência da família) mas também como coadjuvante na unidade de produção
4 O conceito de gênero
parte do pressuposto de
que as desigualdades entre
(parte da produção voltada para o mercado).
homens e mulheres não são De modo geral, até pouco tempo atrás, entre as populações rurais, não havia
dadas biologicamente, mas
sim construídas socialmente, uma grande penetração da consciência ecológica, que se tornava relevante apenas
a partir das definições esta-
belecidas do que sejam os quando se colocava de algum modo em risco a sobrevivência do grupo. Espe-
papéis masculinos e femini-
nos. Como as desigualdades
cialmente entre os agricultores familiares, a consciência ecológica é despertada
entre homens e mulheres quando, por exemplo, o uso de agrotóxicos coloca em risco a sua própria saúde.
não são determinadas pela
natureza, as relações sociais Mesmo assim, há aqueles que continuam a utilizá-los indiscriminadamente, para
entre os gêneros construídas
historicamente podem ser obter um aumento da produção e garantir a competitividade no mercado. Ou seja,
modificadas.
a luta pela sobrevivência econômica obscurece possíveis lutas pelas condições de
saúde e do meio ambiente (SCHERER-WARREN, 1990, p. 212).
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Maior importância à agricultura familiar, no entanto, vem sendo dada pelas


políticas públicas no Brasil a partir de meados da década de 1990, em decorrência
da reforma do Estado. Dois fatores foram fundamentais para que isso ocorresse: a
necessidade de uma intervenção estatal frente ao crescente quadro de exclusão so-
cial e o fortalecimento dos movimentos sociais rurais. De acordo com a Secretaria
de Agricultura Familiar, em 2002 havia 13,8 milhões de pessoas em cerca de 4,1
milhões de estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da população
ocupada na agricultura. Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população
brasileira e 37,8% do Valor Bruto da Produção Agropecuária eram então produzi-
dos por agricultores familiares5.
Espera-se que o século XXI não seja um prolongamento do século XX no
que se refere às políticas de modernização agrícola que excluíram um vasto con-
tingente de trabalhadores rurais do acesso à terra e/ou aos meios de comerciali-
zação dos seus produtos e permitiram a especulação fundiária e a degradação da
terra pela utilização de técnicas agrícolas hoje consideradas incompatíveis com a
proposta de um desenvolvimento agrícola sustentável.
Da mesma forma, espera-se que o atual século reconheça definitivamente a
relevância do meio rural para o conjunto societário. Entendê-lo na perspectiva do
desenvolvimento territorial torna-se essencial, pois é a partir dela que se pode pen-
sar na qualidade dos territórios, com suas identidades específicas em que se articu-
lam os meios sociais rural e urbano. Cabe às populações de tais territórios assumir
o compromisso com a feição do desenvolvimento para as distintas regiões, articu-
lando os diversos recursos disponíveis, sejam eles econômicos, ambientais, sociais,
culturais ou políticos, por meio da atuação nos diferentes conselhos existentes. 5 Dados obtidos em <www.
comciencia.br >.

Desvelando a agricultura familiar


(ROSSETTO1, 2005)
Ainda hoje é possível identificar análises que usam como equivalentes as
esxpressões agricultura familiar, pequena produção e agricultura de baixa
renda, ou então que procuram caracterizar esse tipo de produtor como não pro-
fissional ou não comercial. Existem também aquelas abordagens que associam
a produção familiar ao atraso, em oposição à modernidade. Trata-se de visões
que podem induzir a um julgamento prévio sobre as possibilidades econômicas
do segmento familiar no campo. [...] muitas delas condenam à marginalidade
ou ao desaparecimento os agricultores que não possuem escala e tecnologia de
ponta. Em vários indicadores, isso não encontra sustentação.
Estudo realizado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômi-
cas), por solicitação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
do Ministério do Desenvolvimento Agrário, revela que em 2003 as cadeias
1 Miguel Soldatelli Ros-
setto é o ministro do
Desenvolvimento Agrário.
Foi vice-governador do Rio
produtivas da agricultura familiar foram responsáveis por 10,1% do PIB Grande do Sul (1999-2002).

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nacional, o que corresponde a um valor adicionado de R$ 156,6 bilhões. A metodologia uti-


lizada parte do cálculo já realizado pela Usp para o chamado agronegócio, segmento que des-
fruta de ampla divulgação nos meios de comunicação. Até então, essas apresentações, de forma
injustificada, não consideravam a parcela que cabe à agricultura familiar, inclusive na geração
de saldos comerciais internacionais.
Entre os anos de 2002 e 2003, a agricultura familiar apresentou maior dinamismo
que a patronal
Os dados complementam o estudo realizado pela Fao (Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e Alimentação) e pelo Incra com base nas informações do Censo Agropecuário
de 1995-96. O trabalho mostrou que, dispondo de só 30% da área, os estabelecimentos familiares
foram responsáveis por quase 38% do valor bruto da produção agropecuária nacional. Na produ-
ção de feijão, leite, milho, mandioca, suínos, cebola, banana e fumo, essa proporção foi superior
ou próxima a 50%.
Apesar de a área média dos estabelecimentos patronais ser quase 17 vezes maior que a dos
familiares, a renda total por hectare/ano nesses imóveis onde predomina o trabalho familiar foi
aproximadamente 2,4 vezes maior que a dos demais. Os estabelecimentos familiares foram res-
ponsáveis por praticamente 77% do pessoal ocupado no meio rural brasileiro.
O estudo da Fipe revela ainda que, entre os anos de 2002 e 2003, a agricultura familiar apre-
sentou maior dinamismo que a patronal. A primeira aumentou em 9,4% sua participação no PIB,
enquanto a segunda, apenas 5,1%. O crescimento foi puxado pela agropecuária, especialmente as
lavouras, que cresceram 18,4%, cerca de 3,8 pontos percentuais a mais que os demais empreendi-
mentos. Isso indica que a agricultura familiar foi capaz de responder com eficiência aos estímulos
públicos e privados, inclusive em relação aos produtos voltados à exportação, como a soja.
O dinamismo da agricultura familiar no último período pode ser atribuído, em grande parte,
ao resgate de diversas políticas públicas, especialmente o crédito subsidiado disponibilizado por
meio do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Na safra 2003-
2004, foram aplicados R$ 4,5 bilhões em 1,4 milhão de contratos, um crescimento de 100% e
47%, respectivamente, em relação à safra anterior.
Da mesma forma que é equivocado homogeneizar os agentes do chamado agronegócio –
como se todos eles produzissem com eficiência –, também não é correto ignorar que entre os
agricultores familiares há uma considerável diversidade do ponto de vista econômico e social. Em
ambas as situações, a ação do Estado se faz necessária para que se alcancem novos patamares de
crescimento com distribuição de renda.
É preciso incluir agricultores que se encontram fora do circuito econômico em virtude da
falta de acesso à terra suficiente ou do acesso precário a ela. Isso pode ser viabilizado pela re-
cuperação de ativos que não estão sendo utilizados em conformidade com a sua função social,
consideradas as suas dimensões econômica, ambiental e trabalhista.
É fundamental também garantir condições para que os agricultores familiares tenham mi-
nimizados os riscos para produzir e comercializar, bem como assegurar os meios para viabilizar
o financiamento, a infraestrutura, a pesquisa, a assistência técnica e a educação para desenvol-
ver o seu elevado potencial de geração de riqueza e de ocupação no meio rural. O Programa de
Aquisição de Alimentos, o recém-criado Seguro da Agricultura Familiar e a universalização da
assistência técnica são alguns desses instrumentos.

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O reconhecimento da importância econômica da agricultura familiar não esgota, evidente-


mente, as suas possibilidades como agente fundamental do desenvolvimento do país. A ela devem
ser agregados os componentes de valorização social, cultural e tecnológica das populações que
vivem e trabalham no meio rural.
A disponibilidade de boas informações e de avaliações abrangentes a seu respeito devem
orientar as decisões dos setores público e privado. Na esfera das políticas públicas, o Plano Safra
para Agricultura Familiar e o 2.º Plano Nacional de Reforma Agrária representam compromissos
do governo federal com o desenvolvimento sustentável e com a justiça social do país.

Discuta e elabore em grupo um quadro comparativo entre cidade e campo (aspectos positivos e
negativos de cada um) e compare com as visões correntes apontadas no texto.

O cântico da terra
(Cora Coralina)
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.


Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.


De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.


Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.


Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante


a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranquilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.

GRAZIANO, Francisco. A tragédia da terra: o fracasso da reforma agrária no Brasil. São Paulo:
Iglu/Funep/Unesp, 1991.
MEDEIROS, Leonilde S. de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro: Fase, 1989.

ALPHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O equívoco ecológico: riscos políticos.
São Paulo: Brasiliense, 1992.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2000.
GARCIA, Afrânio; PALMEIRA, Moacir. Transformação agrária. In: SACHS, Ignacy; WILHEIM, Jorge;
PINHEIRO, Paulo Sérgio (Orgs.). Brasil: um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
GRAZIANO, Francisco. A tragédia da terra: o fracasso da reforma agrária no Brasil. São Paulo:
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MEDEIROS, Leonilde S. de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro: Fase, 1989.
ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Agricultura e ecodesenvolvimento. In: MAIMON, Dalia (Coord.). Eco-
logia e ecodesenvolvimento. Rio de janeiro: Aped, 1992.
ROSSETTO, Miguel. Desvelando a agricultura familiar. Disponível em: <www.gov.br/mda>.
Acesso em: 25 ago. 2005.
SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais rurais e meio ambiente. In: UNIVERSIDADE e
sociedade face à política ambiental brasileira. IV Seminário Nacional sobre Universidade e Meio
Ambiente. Florianópolis: UFSC/Ibama, 1990.
SKIDMORE, Thomas E. Uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
130
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Ambiente rural e
desenvolvimento sustentável II
Cynthia Roncaglio

Sistemas de produção sustentáveis

N
as sociedades industrializadas ou em processo de industrialização crescente, sobretudo a
partir dos anos 1950, o sistema de produção adotado na agricultura baseou-se fundamental-
mente no modelo agroquímico, isto é, no uso de conhecimentos científicos e tecnológicos
voltados para maior produtividade dos recursos agrícolas em menor tempo e com menos custos. A
agricultura intensiva, que ficou conhecida como revolução verde, baseia-se no uso intensivo de
maquinários e insumos químicos sintéticos como fertilizantes, pesticidas e herbicidas e no uso
de extensas áreas de produção. Esse sistema desenvolvido primeiramente nos Estados Unidos da
América e, nas décadas seguintes, expandido para outras regiões como Europa, Ásia e América
Latina, apresentou por um lado um aumento significativo na produção e na produtividade por
área, possibilitando em vários casos conciliar aumento da produção agrícola e crescimento po-
pulacional. Por outro lado, a promessa de que a revolução verde acabaria com a fome nos países
do Terceiro Mundo não se concretizou. Além disso, do ponto de vista ambiental, tais métodos de
produção causam problemas aos ecossistemas agrícolas (solo, água, florestas e fauna) e à saú-
de dos seres humanos, que, em contato direto ou indireto com os produtos químicos utilizados
para a produção de alimentos, vêm desenvolvendo uma série de doenças. Afora esses fatores, a
mecanização da agricultura expulsou a população do campo e/ou excluiu aqueles que vivem da
agricultura familiar.
Os questionamentos sobre essas práticas agrícolas e os efeitos negativos que elas podiam
ter sobre os seres humanos e sobre o ambiente existem desde o século XIX. Havia cientistas, téc-
nicos e produtores que discordavam do processo de industrialização que tomava conta do campo,
discordavam do uso de fertilizantes químicos sintéticos e pregavam o uso de biofertilizantes e a
produção controlada por pequenos agricultores que usavam técnicas de rotação de culturas e per-
mitiam ao solo o descanso necessário para obter a sua regeneração. Entre 1920 e 1950, surgiram
diversos movimentos de defesa da agricultura sustentável (embora o termo sustentável só tenha
sido disseminado posteriormente) em várias regiões do planeta e sob nomes diversos: agricul-
tura biodinâmica na Alemanha; as bases da agricultura orgânica, na Índia, na Inglaterra e nos
Estados Unidos; agricultura biológica na Suíça e na França; agricultura natural no Japão; e
permacultura na Austrália.

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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II

Agroecologia
A agroecologia, ou agricultura alternativa, é uma ciência que propõe um
novo paradigma científico para o desenvolvimento da agricultura. Ao contrário
das agriculturas industrial, agroquímica ou biotecnológica, voltadas para os in-
teresses comerciais das empresas transnacionais, a agroecologia se baseia não
somente nos métodos e técnicas da ciência moderna, mas também na etnociência,
ou seja, no conhecimento adquirido ao longo do tempo pelos próprios agriculto-
res. O desenvolvimento inicial da agroecologia se deu na década de 1930, quando
pesquisadores já alertavam sobre os equívocos do modelo convencional de pro-
dução agrícola (uso de insumos químicos, alta mecanização das lavouras, entre
outras práticas). A partir da análise das relações complexas entre a agricultura e
os ecossistemas e de estudos sobre sistemas de produção das populações campo-
nesas e indígenas na América latina, desenvolveu-se a concepção de etnociência,
que é uma combinação de saberes que tem como resultado a adoção de uma série
de princípios que se transformam em modos tecnológicos que culminam no que
se denomina hoje investigação participativa. Os agricultores fazem parte do pro-
cesso de investigação juntamente com universitários e técnicos especializados. A
agroecologia, que se fundamenta com mais rigor científico a partir dos anos 1980,
quando ocorreu maior mobilização para as questões ambientais no mundo inteiro,
constitui uma mudança do paradigma científico que se baseia em integrar princí-
pios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e à avaliação do
efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e sobre os sistemas sociais.

Agricultura orgânica
A agricultura orgânica é um sistema de produção que exclui o uso de ferti-
lizantes sintéticos de alta solubilidade, agrotóxicos, reguladores de crescimento e
aditivos para a alimentação animal. Também não usa nenhum tipo de corante ou
conservante artificial nem faz uso de sementes transgênicas1. Baseia-se no uso de
estercos animais, rotação de culturas, adubação verde, compostagem e controle
biológico de pragas e doenças. Busca manter a estrutura e a produtividade do solo,
respeitando os ciclos da natureza.
O conceito de agricultura orgânica foi utilizado primeiramente por sir Al-
bert Howard, o inglês que, entre 1925 e 1930, desenvolveu trabalhos e pesquisas
sobre agricultura na Índia, sobre a importância da utilização da matéria orgânica
para a manutenção da vida biológica do solo. A crescente utilização de produtos
1 Transgênico: organismo
cujo material genético foi
alterado artificialmente. O
químicos, após a Segunda Guerra Mundial, teve repercussão também na agri-
objetivo inicial da modifica- cultura convencional, que passou a usar agrotóxicos para combater pragas e au-
ção genética era aumentar a
resistência da planta a doen- mentar a produtividade. No entanto, a partir dos anos 1960, começaram a surgir
ças e pragas; hoje, advoga-se
que os organismos genetica- indícios de que a agricultura convencional apresenta sérios problemas energéticos
mente modificados possuem e econômicos e causa danos ambientais. Cresceu, a partir dos anos 1970, tanto por
maior durabilidade e maior
valor nutricional. O cultivo parte dos produtores como dos consumidores, a consciência dos riscos causados
e o consumo de alimentos
transgênicos, no entanto, sus- ao ambiente e à saúde das pessoas pela contaminação de agrotóxicos.
citam polêmicas em virtude
dos riscos à saúde humana e
ao ambiente.
No Brasil, a produção orgânica tem crescido cerca de 50% ao ano. Estima-se

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que ela ocupe cerca de 100 mil hectares em cerca de 4 500 unidades espalhadas
principalmente pelos estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e Espírito Santo. A maior parte da produção orgânica, cerca de 85%, é
exportada para Europa, Estados Unidos e Japão, e cerca de 15% são voltados para
o consumo interno. A alta porcentagem de exportação deve-se ao fato de que es-
pecialmente nos países do Norte há maior conscientização ambiental e exigência
do consumidor quanto à origem dos produtos consumidos. No Brasil, os produtos
orgânicos são utilizados ainda, preferencialmente, por consumidores que vivem
nas regiões metropolitanas, possuem nível de instrução elevado e têm maior nível
de renda familiar (DAROLT, 2005).

Agricultura biodinâmica
Na década de 1920, na Polônia, o filósofo Rudolf Steiner (1861-1925) apre-
sentou uma nova concepção filosófica que podia ser aplicada tanto na medicina,
como na pedagogia e nas artes: a antroposofia. Tal filosofia pretende captar, por
meio de métodos experimentais, fatos suprassensoriais, ou elementos de natureza
espiritual que estão além da matéria no meio natural. Na área da agricultura, o
nome dado a essa corrente filosófica foi biodinâmica. De acordo com essa corrente,
a saúde do solo, das plantas e dos animais depende da sua conexão com as forças
de origem cósmica da natureza. Para restabelecer o elo entre as formas de matéria
e de energia presentes no ambiente natural, é preciso considerar a propriedade
agrícola como um organismo, um ser indivisível. Por meio do equilíbrio entre as
várias atividades (lavoura, criação de animais, uso de reservas naturais), busca-se
alcançar a maior independência possível de energia e de materiais externos à fa-
zenda. Esse é o princípio chamado de autossustentabilidade, que vale tanto para a
agricultura biodinâmica como para todas as outras correntes da agroecologia.

Permacultura
A permacultura foi desenvolvida no começo dos anos 1970, pelos austra-
lianos Bill Mollison e David Holmgren. O termo surge da expressão em inglês
permanent agriculture (“agricultura permanente”). Alarmados com as conse-
quências ecológicas da sociedade de consumo, Mollison e Holmgren percebem
que nem os cantos remotos do interior australiano onde moravam seriam pou-
pados do iminente colapso planetário – o desaparecimento da flora e da fauna.
Daí surgiu a ideia de implantar sistemas de florestas produtivas para substituir
as monoculturas de trigo e soja, responsáveis pelo desmatamento mundial. Por
meio da observação e da imitação das formas de florestas naturais do lugar,
revelou-se possível a criação de sistemas altamente produtivos, estáveis e recu-
peradores dos ecossistemas locais.
Os conceitos da agricultura permanente começaram a ser expandidos na
Austrália como uma cultura permanente, envolvendo fatores sociais, econômicos
e sanitários para desenvolver uma disciplina holística de organização de sistemas.
Desde então, diversos países, como o Brasil, vêm adotando a permacultura como

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metodologia agrícola e até mesmo escolas de todos os níveis estão incluindo a


permacultura no seu currículo básico.
Após ter implantado ao longo de dez anos esses sistemas florestais em
diferentes continentes, Mollison e seus colaboradores perceberam que os
sistemas naturais precisam ser considerados e interagir com outros sistemas
igualmente vitais para a existência humana, como os sistemas monetários, os
sistemas urbanos, os sistemas sociais e os sistemas de crenças que abrangem
a cultura permanente.
Baseada na prática de “cuidar da Terra, cuidar dos homens e compartilhar
os excedentes” (dinheiro, tempo ou informação), a permacultura acredita na pos-
sibilidade da abundância para toda a humanidade por meio do uso intensivo de
todos os espaços, do aproveitamento e da geração de energia, da reciclagem de to-
dos os produtos (acabando assim com a poluição) e por meio da cooperação entre
os homens para resolver os grandes e perigosos problemas planetários.
A permacultura, tal como a agroecologia, é uma visão integrada da relação
entre sociedade e natureza. Portanto, não se coloca apenas como uma técnica mas
também como um conjunto de princípios, relativos à sociedade e à natureza, que
devem ser combinados para alcançar uma melhoria da forma de viver planetária.
Sistema de produção
Características Convencional Hidropônico Orgânico
Intenso revolvimento do Utiliza apenas água Pouco revolvimento do
Preparo do solo solo (o solo apenas como (a planta não tem solo (o solo como um
suporte para as plantas) contato com o solo) organismo vivo)
Uso de adubos químicos Uso de adubos Uso de adubos
Adubação altamente solúveis químicos altamente orgânicos
solúveis
Uso de produtos químicos Uso de produtos À base de medidas
Controle de pragas e
(inseticidas e fungicidas) químicos (inseticidas preventivas e produtos
doenças
e fungicidas) naturais
O mato é considerado Não existe o O mato é considerado
como uma erva daninha e problema, pois como um amigo e o
Controle do mato se faz uso de herbicidas, o ambiente é controle é preventivo,
com controle mecânico ou controlado (estufas manual e mecânico
manual plásticas)
Teor de nitrato na Médio Alto Baixo
planta*
Poluição das águas e Poluição das águas Preservação do solo e
Alterações no meio
degradação do solo (elementos químicos das fontes de água
ambiente
residuais)
* O teor de nitrato está relacionado ao aumento da incidência de câncer.
Pesquisa do Instituto Agronômico do Paraná – Iapar (MIYAZAWA et al., 2001) Fonte: DAROLT, 2002.

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Práticas de sustentabilidade rural no Brasil


No Brasil, várias experiências vêm sendo bem-sucedidas em demonstrar as pos-
síveis formas de sustentabilidade rural que, em última instância, visam a promover a
justiça social, a qualidade de vida para os agricultores familiares, o manejo adequado
dos recursos naturais visando não só ao produto e à produtividade mas também ao
processo sustentável de produção. Algumas dessas práticas já têm sido regulamen-
tadas e apoiadas pelas políticas públicas, como é o caso das reservas extrativistas
florestais na Amazônia e das reservas extrativistas marinhas. Outras são apoiadas
por ONGs, como é o caso da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do
Maranhão (Assema), entidade organizada e dirigida por pequenos produtores rurais
e quebradeiras de coco babaçu que vivem na região do Médio Mearim e trabalham
em sistemas cooperativistas e associativistas, estimulando a agricultura familiar
para a produção de alimentos, tanto para o autoconsumo quanto para o mercado,
bem como atividades coletivas para geração de renda e desenvolvimento social local
centradas no agroextrativismo e no beneficiamento do coco babaçu.
São muitas as práticas e diferentes resultados têm se apresentado na bus-
ca da sustentabilidade. Serão apresentados aqui apenas alguns casos ilustrativos,
relacionados aos sistemas de produção alternativos abordados, os quais, de certa
forma, exemplificam as contribuições e os esforços que vêm sendo feitos em todo
o Brasil para uma vida rural sustentável.

Experiências da permacultura
Um dos enfoques da permacultura é que os problemas observados nos ecos-
sistemas apontam para as possíveis soluções. Em uma área árida, por exemplo,
podem-se utilizar plantas da família dos cactos, como o figo-da-índia, ou a co-
chonilha, um inseto que produz uma tinta valiosa e que se desenvolve no cactos
Opuntia. No caso de uma propriedade que tenha uma encosta pedregosa, essa
encosta pode se tornar apropriada para o cultivo de certas plantas que não se
adaptariam em outras áreas mais férteis da propriedade. Se as lavouras sofrem
ataques de caracóis, isso é um indicativo para que a região seja adequada para a
sua criação. Ou seja, todo problema aponta para uma oportunidade de solução.
Assim, algumas pesquisas e experiências práticas têm sido feitas em regiões do
Brasil utilizando enfoque da permacultura.
Em relação aos sistemas agroflorestais, foram testadas, nos estados de Per-
nambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia – regiões semiáridas brasi-
leiras –, 25 espécies e 160 procedências de eucalipto. Constatou-se, a partir daí, que
as espécies E. camaldulensis e E. tereticornis se destacam das demais, com um
rendimento médio de 70 m³/ha, aos sete anos de idade, o que corresponde a uma
produtividade quatro vezes maior que a da vegetação nativa. Nessa região, também

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se destacam pelo bom desempenho as espécies dos gêneros Prosopis (algaroba),


Leucaena (leucena), Mimosa (sabiá) e Gliciridia (glicirídia), com uma grande van-
tagem sobre as outras por serem árvores de múltiplo uso (lenha, carvão, estacas,
forragem, cercas-vivas, quebra-ventos, fixação de nitrogênio, sombreamento etc.).
Outra pesquisa, relativa aos sistemas silvipastoris, foi desenvolvida no
estado de Minas Gerais. Na sua região sudeste, foi desenvolvido um experimen-
to, iniciado no final de 1986 e com duração de 24 meses, numa área pertencen-
te à Companhia Agrícola e Florestal Santa Bárbara, no município de Dionísio.
Tratava-se de analisar o uso de extensas áreas de reflorestamento com eucaliptos
como potencial forrageiro2 para a alimentação de bovinos. A pesquisa levou ao
seguinte resultado:
a consorciação3 de bovinos e ovinos com Eucalyptus propicia redução
de 52 a 93% do custo de implantação e de manutenção dos povoamentos
florestais;
nos primeiros 24 meses de vida do povoamento florestal, a adoção de
qualquer um dos sistemas (pastejo de ovinos e/ou bovinos) não afetou o
desenvolvimento da espécie florestal, no que diz respeito ao incremento
em altura e DAP4;
a compactação do solo é influenciada pela carga animal, porém seu efeito
só é percebido nas camadas superficiais do solo;
houve um aumento considerável na taxa de mortalidade dos formiguei-
ros de acromyrmex nas parcelas pastejadas.
No sudeste da Bahia, região tropical úmida, há vários sistemas agroflo-
restais em desenvolvimento, entre os quais o sistema cacau, que é de grande
importância agronômica, socioeconômica e ecológica. Outros sistemas multi-
culturais de destaque envolvem as culturas de seringueira, banana e café, além
de pasto, bem como cultivos de macadâmia, pupunha, pimenta-do-reino, cra-
vo, citros e cultivos de ciclo curto. Tanto os sistemas desenvolvidos em larga
escala, como o cacau, quanto os sistemas desenvolvidos em pequena escala,
como consórcios com seringueira, macadâmia e cravo-da-índia, demonstram
que esses diversos sistemas agroflorestais praticados pelos agricultores apre-
sentam uma série de vantagens sobre os sistemas monoculturais, como por
exemplo maiores lucros por unidade de superfície cultivada; uso diversifica-
do mas racional dos fatores espaço e luz; mecanismos biológicos interativos;
fluxo de caixa mais favorável por causa das receitas obtidas com as culturas
intercalares de ciclo curto, antecipando, dessa forma, o ponto de nivelamento
2 Forrageiro: relativo a for-
ragem, planta que serve
para alimentação do gado.
econômico dos cultivos permanentes.

3 Consorciação: pastagem
com mais de uma espécie
forrageira.
Experiências da biodinâmica
A biodinâmica tem sido disseminada no Brasil, especialmente a partir de
4 Diâmetro à altura do pei-
to: medida utilizada para
o corte e/ou manejo de espé-
1982, com a fundação do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, hoje
cies florestais. denominado Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), situa-

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da em Botucatu, estado de São Paulo. O seu objetivo principal é impulsionar o


desenvolvimento da agricultura biodinâmica no Brasil. Por meio de pesquisas,
consultorias, publicações e cursos, e considerando a propriedade agrícola como
um organismo, a ABD procura divulgar que a saúde do solo, dos vegetais e dos
animais depende de um melhor inter-relacionamento da parte com o todo do or-
ganismo agrícola.
Assim, a ABD busca produzir alimentos de alto valor biológico, em quan-
tidades suficientes e isentos de contaminantes; conservar a capacidade dos meios
de produção, desgastando o mínimo das reservas de matérias-primas e energia;
preservar a qualidade do meio ambiente e estender suas possibilidades por meio
da formação de paisagens culturais equilibradas; estimular um relacionamento
mais profundo do agricultor com a Terra e com a sociedade.
Entre outras atividades, a ABD desenvolve pesquisas e propõe nova alter-
nativa para a compreensão dos sistemas biológicos naturais, em particular para
as condições do cerrado. Atua especialmente com o desenvolvimento de sistemas
agrossilvopastoris em aleias, com um trabalho intenso de reconstrução da paisa-
gem degradada. A ABD também desenvolveu a tecnologia do coquetel de adubos
verdes e a dissemina para agricultores da região e alunos da área agronômica.

Iniciativa de consumidores orgânicos


Entre o início da década de 1970 e o início da década de 1990, a agricultura
orgânica se desenvolveu de forma muito lenta no Brasil, ligada a movimentos
alternativos que se colocaram contra os métodos convencionais da agricultura
praticada no País. Esses movimentos manifestaram-se por meio da criação de
instituições, realização de eventos e formação de associações de agricultores e
consumidores ao longo das últimas décadas, tornando um pouco mais visível a
agricultura orgânica no Brasil.
Destacam-se, especialmente a partir dos anos 1990, a criação da Associação
dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio); a Cooperativa de
Consumidores e Produtores (Coolmeia), de Porto Alegre; a Associação de Agricul-
tura Ecológica (Aage), de Brasília; a Associação de Agricultura Natural de Cam-
pinas (ACN); a Associação Gurucaia de Londrina e a Associação de Agricultura
Orgânica do Paraná (Aopa). Segundo Adilson Paschoal (apud DAROLT, 2005),
um dos pioneiros do movimento orgânico brasileiro, apesar de todos os esforços, a
agricultura orgânica, até meados da década de 1990, ainda não conseguiu se con-
solidar no Brasil, no sentido de demonstrar seus propósitos, métodos e técnicas e
também no que se refere à organização do comércio de alimentos orgânicos.
Uma das iniciativas interessantes para a divulgação dos produtos orgânicos
surgiu dos próprios consumidores. Em meados de 1999, um grupo de consumi-
dores orgânicos que frequentavam a “feira verde”, na cidade de Curitiba, Paraná,
passou a promover reuniões e atividades com o intuito de estimular e fortale-
cer a existência das associações já existentes, como a Associação de Agricultura
Orgânica do Paraná e o então recém-criado Conselho Estadual de Agricultura

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Orgânica do Paraná, e contribuir para a divulgação da agricultura orgânica entre


os consumidores. Assim, foi criada oficialmente, em julho de 2002, a Associação
dos Consumidores de Produtos Orgânicos do Paraná (Acopa), que tem como obje-
tivos promover e estimular a relação entre consumidores e produtores orgânicos;
divulgar a importância da produção orgânica e elevar os padrões de qualidade de
vida dos consumidores orgânicos (KARAM, 2005; DAROLT, 2002). Desde o seu
início, a Acopa tem desenvolvido diversas atividades que têm contribuído para
dar visibilidade à agricultura orgânica, como passeios coletivos às propriedades
de agricultores orgânicos do estado; campanhas dos reciclados, para conscienti-
zar os consumidores acerca das embalagens utilizadas para as compras na feira
(estímulo ao uso de sacolas de pano, carrinhos etc., no lugar de sacolas plásticas e
descartáveis); participação em eventos e divulgação de atividades e propostas da
Associação nas mídias impressa e eletrônica.

Desafios para a vida


rural contemporânea no Brasil
A agricultura alternativa, seja sob qual etiqueta se apresente (agroecológi-
ca, orgânica, biodinâmica, natural etc.), surgiu motivada pela contestação políti-
ca, mística e/ou científica à agricultura moderna, baseada em uma racionalidade
instrumental que via a natureza apenas como recurso a ser cultivado de forma a
se obter o máximo de produtividade e lucro. Ao contrário da agricultura conven-
cional, a agricultura alternativa não tem como finalidade última a rentabilidade
econômica, mas é movida por racionalidades e dimensões diversas (econômica,
social, moral, religiosa, afetiva etc.) que representam formas diferentes de com-
preender e vivenciar a relação entre sociedade e natureza (BRANDEMBURG,
2005, p. 15).
Ao longo das últimas décadas, em diversos países, inclusive no Brasil, os
movimentos alternativos cresceram, na medida em que as questões ambientais,
em especial os riscos sociais ligados à saúde, passam a ser veiculadas insisten-
temente pelos meios de comunicação e os consumidores assumem uma postura
mais responsável e atenta aos seus próprios hábitos alimentares e ao comporta-
mento das empresas alimentícias em relação ao ambiente.
Isso fez com que os movimentos de agricultura alternativa crescessem
e também se articulassem e se organizassem perante a modernização conser-
vadora representada pela agricultura convencional. A agricultura ecológica foi
reconhecida internacionalmente, em 1972, com a criação da Federação Inter-
nacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam). Em 1991, foi regu-
lamentada e estimulada pela União Europeia, por meio de políticas de subsídio
que então pretendiam converter, até 2005, de 10 a 20% da área agrícola con-
vencional em orgânica.
No Brasil, ainda não há regulamentação da agricultura orgânica, o que se
faz necessário para que se possa fiscalizar e controlar a produção. Há, no entanto,
a Instrução Normativa 7, de 17 de maio 1999, editada pelo então Ministério da
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Agricultura e do Abastecimento, que estabelece as normas de produção, tipifica-


ção, processamento, envase, distribuição, identificação e certificação de qualidade
para os produtos orgânicos de origem vegetal e animal.
Várias instituições certificadoras e associações têm se responsabilizado
em todo o Brasil pelo acompanhamento e a fiscalização da produção. O Instituto
Biodinâmico (IBD) é o mais conhecido e tem abrangência nacional. Segundo
Eduardo Ribeiro Machado (COM CIÊNCIA, 1999-2000), produtor e presidente
da Associação da Agricultura Orgânica (Aao), há cerca de 17 mil produtores
orgânicos em âmbito mundial, sendo dez mil na Europa, cinco mil nos Estados
Unidos da América e dois mil nos demais países. No Brasil, há 1 500 com o
atestado de origem ecológica. Para comercializar um produto como orgânico e
obter o selo de garantia de uma instituição certificadora, o chamado selo verde,
o alimento precisa conter 95% ou mais de ingredientes da agricultura orgânica.
Recentemente, os agricultores orgânicos já podem contar também com finan-
ciamento do crédito rural feito pelo Banco do Brasil. Para que isso ocorra, o
agricultor deve ser certificado pelo IBD e pela Aao, que por sua vez são cre-
denciadas pela Ifoam.
Os alimentos orgânicos geraram formas alternativas não apenas de produ-
ção mas também de comercialização. Nas grandes cidades, em geral os produ-
tores orgânicos vendem diretamente seus produtos aos consumidores, por meio
de feiras livres, espaços em exposições e eventos ou com a entrega de sacolas
em casa. Esse tipo de comercialização gerou também proximidade e maior so-
lidariedade entre produtor e consumidor. Porém, diante do crescente interesse
dos consumidores pelos produtos orgânicos, é cada vez mais comum encontrar
produtos orgânicos nas gôndolas dos supermercados. Algumas modificações,
como o sistema de distribuição impessoal, são inevitáveis na medida em que
os ecoprodutos, para atingirem um número maior de consumidores, precisam
competir nos espaços tradicionais de comercialização. Mas até que ponto, de
acordo com Brandemburg (2005, p.16), para competir em preço, qualidade e
apresentação, alguns princípios da agricultura ecológica (como as múltiplas
racionalidades) não serão diluídos para se adaptarem à agricultura do consumo
massificado, regido pela racionalidade instrumental, na qual prevalece a lógi-
ca da produtividade e do lucro? O mais provável é que sistemas de produção
agroecológica tradicionais caminhem lado a lado com sistemas de produção
agroecológica mais voltados para o mercado convencional.
O que parece se destacar no cenário rural contemporâneo no Brasil, mesmo
que o processo de fiscalização e controle dos produtos orgânicos deva ser regu-
lamentado para que se possa obter garantia de procedência e qualidade desses
produtos e que ainda predominem em muitas regiões sistemas convencionais de
agricultura, é que há um esforço de diversos movimentos associativos de produ-
tores, técnicos e consumidores para cobrar mudanças nas políticas públicas de
Estado, a fim de propiciar um desenvolvimento rural sustentável.
Sob esse ângulo, as tecnologias de produção devem ser aplicadas em conso-
nância com programas de gestão ambiental, assim como o foco de desenvolvimento

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deve ser centrado na relação entre homem e natureza como partes do mesmo pro-
cesso, no qual a garantia de sustentabilidade deve ser buscada, conforme Kitamura
(2001) num planejamento orientado para a segurança alimentar e a subsistência dos
agricultores familiares, para sistemas de produção menos nocivos ao meio ambien-
te e capazes de atender a uma clientela cada vez mais consciente e demandante de
produtos agrícolas e processos de produção mais limpos.

Agricultura natural: a natureza ofereceu à semente um


ambiente perfeito
(KAWAGUCI, 2005)
O agricultor japonês Yoshikazu Kawaguci utiliza técnicas naturais e herdou o manto do
pioneiro Masanobu Fukuoka. Localizada ao sul de Nara, antiga capital do Japão, sua pequena
fazenda fica em um povoado para onde estão mudando habitantes urbanos. A velha casa de pau a
pique onde vive com a mulher, a mãe e três filhos está rodeada de casas modernas e uma estrada
movimentada atravessa um de seus campos.
Antes da entrevista, Kawaguchi guiou-nos por sua fazenda. O arroz havia sido colhido e as
cebolas, recentemente transplantadas. Diferentemente da terra nua de seus vizinhos, os campos
de Kawaguchi estão cobertos por um tapete verde. Ele arrancou um tufo de capim revelando uma
grossa camada de matéria orgânica em decomposição. Era isso, disse, que fornecia toda a nutrição
e umidade necessárias à vida de suas colheitas.
Na horta, fileiras e mais fileiras de cenouras, rabanetes, repolho, brócolis e verduras folhosas
crescem no meio da grama – um cenário de abundância e harmonia. Andamos ao lado de canais
rasos de drenagem cavados para levar o excesso de água de chuva. Fora esses canais, a terra não
é cavada nem o capim é retirado.
Mais tarde, em sua casa, tomamos chá acompanhado de bolinhos caseiros e conversamos
sobre sua vida, filosofia e técnica.

Qual é a história de sua família?


Por muitas gerações, os membros de minha família eram arrendatários. Eu, o filho mais
velho, nasci em 1939. Meu pai morreu quando eu tinha 11 anos. Quando terminei a escola, tomei
o seu lugar na fazenda da família. Naquela época, a agricultura mecanizada e os agroquímicos
estavam surgindo. Logo, fertilizantes e pesticidas, tratores e outras máquinas dominavam a agri-
cultura. Em minha juventude, usei esses métodos durante mais de 20 anos.

Por que passou para a agricultura natural?


Fiquei fisicamente doente por causa da maneira como vivia e trabalhava. Espiritualmente, eu
havia perdido qualquer esperança no futuro. Era como bater contra uma parede. Não sabia o que
fazer. Foi nessa época que li o livro Fukugo no osen (“Contaminação conjunta”), de Sawako Ario-
yoshi. Esse livro foi um marco na história do ambientalismo japonês, com impacto no Japão simi-
lar ao livro Primavera silenciosa no Ocidente. Aquele livro me ajudou a compreender onde estava
o meu erro. Vi, pela primeira vez, que meu método de agricultura prejudicava o meio ambiente e
destruía a vida.

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O que é agricultura natural?


Cada semente que plantamos tem sua própria vida. Deixamos essa vida se desenvolver assim
como é, respeitando o seu processo de crescimento natural. A natureza deu à semente um ambien-
te perfeito; interferimos o mínimo possível. Isso quer dizer, não aramos a terra nem removemos
os outros tipos de plantas e insetos do campo.

Onde foi que a agricultura natural se originou?


No Japão. Foi iniciada por algumas pessoas que perceberam que a agricultura orgânica ociden-
tal não oferecia uma solução para a preservação do meio ambiente e seus recursos. Sua filosofia e
prática foram desenvolvidas por três pessoas: Masanobu Fukuoka, Hirashi Fujii e Mokichi Okada.
Quais são as diferenças entre a agricultura orgânica e a agricultura natural?
Embora os agricultores orgânicos evitem substâncias artificiais, usam todo tipo de aditivos,
tais como composto e esterco, pesticidas orgânicos etc. Além disso, quando aram o solo, frequen-
temente usam máquinas que exigem muita energia artificial – não só o combustível usado para
operar a máquina, como também a energia necessária para fabricá-la. Já a agricultura natural é
isso mesmo, totalmente natural. Usa apenas o que se encontra no campo.

A agricultura natural pode ser praticada na Europa ou na América, onde os campos são
muito maiores do que no Japão?
Sim. Pode ser praticada em qualquer lugar. Em campos maiores, vai necessitar de mais gente.
Porém, quando se considera o número de pessoas empregadas na fabricação de fertilizantes, pes-
ticidas, maquinário etc., o tempo total gasto para produzir safras pelo método natural é menor.

Como a pessoa que quer praticar a agricultura natural vai começar?


Não deve arar o solo. Não deve usar composto, fertilizantes orgânicos ou quaisquer aditivos.
Não deve considerar a grama nativa como erva daninha que precisa ser removida, nem deve con-
siderar os insetos como predadores que precisam ser exterminados. Eles não são inimigos, são
essenciais à saúde do solo.
Existem algumas variações segundo as diferenças do solo e do clima. Por exemplo, o método de
plantar as sementes. Em alguns casos, elas podem ser espalhadas. Em outros, precisam ser plantadas
no solo. Em outras circunstâncias, talvez precisem ser criadas como mudas e protegidas até o trans-
plante. Às vezes, pode ser necessário cortar a grama ao redor quando ela ameaça a jovem planta.

Quanto os japoneses estão interessados em agricultura natural?


O interesse aumentou nos últimos cinco anos, mas o número de agricultores dedicados em
tempo integral à agricultura natural é muito pequeno. A maioria das pessoas interessadas é cons-
tituída de pequenos proprietários que plantam para consumo próprio. Eu estou em contato com
13 grupos que trabalham em diversas partes do Japão. O maior, ao redor de Osaka, é formado por
mais de 300 pessoas que plantam em campos nas montanhas.

Você acha difícil viver em harmonia com o mundo moderno?


Na minha juventude, eu estava muito preocupado com as contradições que via em volta.
Hoje, aceito o fato de que nasci neste mundo e pronto. Talvez não seja possível mudar o mundo,
mas podemos mudar a nós mesmos. Podemos tentar estabelecer nossas vidas naquilo que é natural
e bom.

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Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II

Faça uma pesquisa identificando diferenças e semelhanças entre a agricultura orgânica, a agri-
cultura biodinâmica e a permacultura.

ALMEIDA, Jalcione. A construção social de uma nova agricultura. Porto Alegre: UFRGS,
1999.
PASCHOAL, Adilson D. Produção orgânica de alimentos: agricultura sustentável para os séculos
XX e XXI – guia técnico e normativo para o produtor, o comerciante e o industrial de alimentos or-
gânicos e insumos naturais. Piracicaba: Esalq/Usp, 1994.

ALMEIDA, Jalcione. A construção social de uma nova agricultura. Porto Alegre: UFRGS,
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BRANDEMBURG, Alfio. Movimento agroecológico: trajetórias, contradições e perspectivas. Dis-
ponível em: <www.anppass.org.br/gt/agricultura_meio_ambiente>. Acesso em: 25 jul. 2005.
DAROLT, Moacir Roberto. Alimentos orgânicos: um guia para o consumidor inteligente. Curitiba:
Iapar, 2002.
_____. A evolução da agricultura orgânica no contexto brasileiro. Disponível em: <http://planetaor-
ganico.com.br/brasil.htm>. Acesso em: 10 out. 2005.
KARAM, Karen. Breve história da Acopa: Associação de Consumidores Orgânicos do Paraná.
Disponível em: <www.planetaorganico.com.br/trabalhos/htm>. Acesso em: 28 jul. 2005.
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Agricultura, Embrapa Meio Ambiente, São Paulo, ano IX, n. 35 jul.-set. 2001.
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Cuidando da natureza
Nadja Janke*

Preservação ou conservação?

N
ada permanece imutável. Os objetos, as pessoas, as paisagens... As atitudes,
os conceitos, as ideias, as concepções mudam! Todas essas mudanças são
fruto da incorporação de novas culturas, de novas práticas sociais e políti-
cas, de novas situações ambientais e psicológicas, de novos discursos e discussões.
A temática ambiental está recheada dessas mudanças. Basta salientar que
a questão da imutabilidade já é, por si só, um ponto de discussão no que se
refere ao patrimônio ambiental. E é nesse sentido que surge a questão: afinal,
preservar ou conservar?
Não, não se trata de discussão semântica, como poderia parecer. Aliás, é
preciso dizer que no dicionário (AURÉLIO, 2003), por exemplo, encontramos os
dois termos diretamente relacionados, como sinônimos. Então, como e por que
tornou-se necessária tal distinção?
Essa é na verdade uma antiga discussão relacionada à problemática ambien-
tal. Observemos que, de tempos em tempos, a criação de novos termos se trans-
forma em motivo de disputas e detalhamentos no desvelar das intenções sublimi-
nares que esses termos representam. É o caso também do que conhecemos como
desenvolvimento sustentável, em oposição a sociedades sustentáveis ou sustenta-
bilidade. Atualmente, uma nova discussão vem se desenvolvendo em relação às
expressões educação ambiental e educação para o desenvolvimento sustentável.
No entanto, é importante que se diga que esses são debates significativos no alar-
gamento do entendimento e da criação de saberes sobre as questões ambientais,
porque acrescentam novas ideias e conceitos ao debate.
Mas, afinal, o que representa preservar e conservar? Ao avaliarmos o
cunho do discurso de defesa de cada um dos termos, percebemos facilmente que
eles demonstram muito mais do que o significado que possuem para a língua. A
defesa do uso das palavras preservação ou conservação é tanto mais política, éti-
ca, econômica, ideológica. Ou seja, a intenção do discurso é o termômetro para o
entendimento do que pode significar ou diferenciar preservação de conservação.

Preservando o ambiente
Nos primórdios do movimento ambientalista, a questão se propunha muito Mestr e e m E d u c a ç ã o
clara. A degradação ambiental era evidente e precisava ser freada. Segundo Grün pela U n iv e rs id a d e Es -
tadual P a u lis ta (U n e s p
(1996), a bomba atômica foi o primeiro passo para a percepção humana de que a
- Bauru).

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nossa forma de atuação no ambiente poderia acabar por nos destruir a todos. Essa
constatação e a publicação de Silent Spring, em 1962, por Rachel Carson, que
detalha o desaparecimento de espécies pelo uso de pesticidas agrícolas, são os
primeiros sinais do surgimento do pensamento ambientalista das décadas de 1960
e 1970. Mais do que isso, esses acontecimentos ampararam uma espécie de ca-
tastrofismo relacionado ao fim inevitável do planeta e da vida, caso não houvesse
redução drástica do uso de recursos naturais e uma alteração radical do modo de
vida. Surge assim o pensamento preservacionista, elaborado sob o ponto de vista
da intocabilidade da natureza.
Vejamos: em 1972, o Relatório Meadows, encomendado pelo Clube de
Roma, recomendava, por meio de suas propostas, o que chamou de “cresci-
mento zero” (GRÜN, 1996). Em atenção a essa recomendação, já podemos
observar a preocupação com a preservação, uma vez que a falta de crescimento
representa a diminuição drástica da extração dos chamados recursos naturais,
numa atitude preservacionista. Portanto, o que fica claro nos discursos é que
a preservação representa a manutenção do ambiente como algo “intocado”,
visando a garantir a integridade e a perenidade, numa espécie de sacralização
da natureza. Obviamente que essa visão foi importante para o crescimento
histórico do movimento ambientalista, porque chamava a atenção para o valor
da natureza, iniciando o processo que daria início aos estragos que estavam
ocorrendo. No entanto, revela também algumas questões de cunho político e
social que merecem ser salientadas.
A crítica à visão preservacionista reside no fato de que essa atitude somente
aumentaria a desigualdade norte-sul, dos blocos econômicos, uma vez que os paí-
ses subdesenvolvidos, impossibilitados de produzir, pela diminuição da extração de
recursos, empobreceriam cada vez mais. Mas vale lembrar que essas análises são
feitas sempre sob o ponto de vista da manutenção do modelo econômico capitalista,
em que estamos inseridos. Ou seja, sob a égide do sistema capitalista qualquer tenta-
tiva preservacionista não passa de mero discurso, não encontrando alicerces práticos
para efetivação, porque sem a produção de bens de consumo, os quais se convertem
em valor de troca no mercado, o capitalismo não resistiria. Complementando essa
ideia, para Ultramari (2001), “a escala mesmo das atividades econômicas é confli-
tante aos interesses ambientais, pois a escala com a qual a economia (o mercado,
enfim) trabalha é a escala do lucro, e essa deve ser imediata e sempre garantida”.
Do ponto de vista filosófico, o discurso preservacionista foi fortemente in-
fluenciado por pensadores naturalistas, como o norte-americano John Muir (1890-
-1914), que propunha preservar a natureza diante do desenvolvimento, ou seja,
preservar áreas naturais diante da ação humana, oferecendo possibilidades de
recreação. O pensamento preservacionista ganhou novo fôlego, posteriormente,
com o surgimento da ecologia profunda, nas contribuições de Arne Naess, que
defendia a rejeição da imagem antropocêntrica de mundo em favor da importância
das relações, a equidade biosférica, a oposição à poluição e à degradação ambien-
tal, a complexidade, entre outros (ALEXANDRE, 2001).
Para esses teóricos, portanto, o ser humano passa a ser mais uma espécie e
não mais “a espécie”, em oposição ao antropocentrismo. Essa visão acaba sendo
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muito próxima ao holismo de Capra (Ponto de mutação) e de Lovelock (Teoria


de Gaia), que, embora tenha sido muito criticado no meio científico, encontrou
simpatizantes para a sua teoria quase poética de comparar o planeta a um ser vivo,
no qual tudo está conectado e precisa estar sadio para que o todo funcione e se
manifeste plenamente.
Segundo Grün (1996), as teorias holistas são fragilizadas, do ponto de vista
do entendimento da problemática ambiental, porque simplesmente propõem uma
inversão do discurso cartesiano (conhecer as partes a partir todo ao invés de o
todo pelas partes), o que não deixa de ser reducionista. Ou seja, ao não reconhecer
a especificidade humana, igualando todos os seres, o holismo reduz a complexi-
dade das questões ambientais, numa atitude que descarta da análise as múltiplas
características sociais, culturais e ideológicas que podem ser grandes responsá-
veis pelos discursos e ações predatórias. Já para Layrargues (2003), o fato de
as teorias holísticas conceberem o homem apenas como um ser biológico, com
características inatas, deterministas, também é um reducionismo, pois relaciona
as causas dos problemas ambientais à especificidade humana, e não a um ou outro
comportamento ou atuação racional predatória. Ou seja, segundo o autor, para
essas teorias holistas a espécie humana é, biologicamente, destrutiva.
Segundo Alexandre (2001), a vertente atual do preservacionismo ficou co-
nhecida como ecocentrismo, numa posição um pouco diferenciada em relação
às primeiras ideias preservacionistas, que pensaram a manutenção do ambiente
também para a contemplação e a exacerbação da espiritualidade humanas. Para
os ecocêntricos, segundo o autor, a defesa é de uma preservação incondicional das
populações, das espécies, habitats, independentemente de onde se situem ou de
sua utilidade para a espécie humana. Um exemplo desse movimento, internacio-
nalmente, é o Greenpeace.

O movimento conservacionista
Em que pesem as críticas, as teorias preservacionistas, por sua impossibili-
dade stricto sensu, e por muitas vezes suscitarem um retorno total a uma espécie
de primitivismo, no qual todos os atuais meios de vida a que estamos acostuma-
dos teriam que ser extintos, a conservação também tem seus pontos críticos.
O termo conservação pode ser entendido como a possibilidade de inter-
venção humana, inclusive na exploração de recursos naturais como água e ou-
tros minerais, solo, fauna e flora, de forma racional para possibilitar seu uso às
gerações futuras.
Um dos primeiros defensores do conservacionismo ambiental foi Giffort
Pinchot, o primeiro chefe do serviço florestal dos Estados Unidos da América,
no século XX, que defendia um desenvolvimento por meio da utilização racional
dos recursos, da prevenção dos desperdícios, para o benefício de muitos e não
somente para o lucro de poucos, e a redução de resíduos, entre outras iniciativas.
Alexandre (2001) classifica essa linha de pensamento como antropocentrista, pois
defende a conservação para fins e uso humanos.
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As diferenças na forma como pensamos o cuidado com a natureza re-


presentam em grande parte o nosso modo de entender a natureza. Portanto,
com relação ao discurso de cunho antropocêntrico, podemos observá-lo quando
são analisadas as representações sociais dos indivíduos sobre o ambiente. Uma
representação social, segundo Reigota (1995), é o senso comum sobre determi-
nado tema, constando de preconceitos, ideologias e características específicas
das atividades social e profissional de cada indivíduo. Para Gomes (1998), a
representação social diz respeito aos pensamentos, ações e sentimentos que ex-
pressam a realidade das pessoas, havendo a possibilidade de explicar, justificar
e questionar essa realidade.
Conhecer ecologia não Para Sato (2003), muitos representam a natureza como um
é suficiente para agirmos aglomerado de recursos que devemos gestionar, identificando que
com responsabilidade o grande problema ambiental, para esse tipo de representação, é a
irracionalidade humana no uso dos recursos naturais. Nesse dis-
ambiental.
curso, os problemas ambientais poderiam ser facilmente resolvidos
se fôssemos capazes de realizar um bom manejo e uma boa gestão ambiental.
Observamos, portanto, que para esse tipo de representação de ambiente a natureza
é um bem do qual devemos cuidar para podermos continuar utilizando. Ainda,
segundo Tozoni-Reis (2004), essas representações se amparam na ideia de que o
avanço do conhecimento científico sobre a natureza pode modificar a nossa forma
predatória de ação ambiental, ou seja, a produção de saberes tecnocientíficos, o
conhecimento sobre os fatores ecológicos, sobre os condicionantes naturais, se-
ria suficiente para brecar o avanço da destruição. Essa lógica fica clara quando
projetos pretendem ecologizar o ensino nas escolas, buscando com isso alcançar
uma pretensa Educação Ambiental. Sabemos, porém que conhecer ecologia não é
suficiente para agirmos com responsabilidade ambiental.
No que tange à questão tecnológica, ainda existem outros problemas. O fato de
apostar todas as fichas na adoção de novas tecnologias para obtenção de melhoria am-
biental pode, segundo Ultramari (2001), levar à crença de que tal tecnologia possa tudo
resolver. Segundo esse autor, isso se trata de uma falácia, porque novas tecnologias não
podem suprir as perdas de recursos e biodiversidade. Por si só, podem apenas criar
formas de otimizar a utilização desses recursos ou viabilizar o uso de novos produ-
tos, o que caracterizaria um ciclo constante de crise e resposta, não podendo ser o
único meio para a resolução dos problemas ambientais. O autor considera ainda que
a escala que deve ser adotada para o bem do ambiente é a do homem e sua sucessão,
porque para ele a ideia de preservar o ambiente por sua própria existência exigiria
uma escala infinita em que nada deveria ser alterado, o que seria impossível.
As críticas ao pensamento conservacionista também são claras, uma vez
que, para alguns, esse tipo de pensamento representa uma defesa do sistema de
crescimento capitalista, principal responsável pela crise ambiental mundial. Além
disso, o enfoque pode demonstrar um grande teor antropocentrista por referir-se
muitas vezes à natureza como recurso, a serviço do ser humano. Mas o que não
se pode negar é que a ideia de conservação, por aliar a manutenção da natureza à
utilização racional de recursos, propõe-se como um primeiro passo para o desen-
volvimento das teorias de sustentabilidade atuais.

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Aquém da crítica a um ou outro tipo de consciência ambientalista, a solu-


ção talvez seria a busca por um comportamento, um conhecimento, uma ação
ambiental que tanto procure garantir a sobrevivência de todos os seres vivos, suas
relações e os recursos naturais disponíveis, como também a melhoria para as po-
pulações humanas, buscando a justiça e a equidade social, para nós e para as
futuras gerações. Num espaço onde nos cabe pensar tanto as nossas necessidades
como as necessidades de outros seres vivos e a manutenção do planeta como um
todo, a defesa é para além de uma qualidade de vida, como nos diria Brandão
(2005), mas também a construção de uma vida de qualidade, em que se superem
os atuais esquemas e pensamentos científicos, econômicos e sociais, causadores
dos desequilíbrios ambientais.

A natureza como recurso


A atual preocupação da sociedade, com o crescimento do movimento am-
bientalista, tem sido contabilizar o preço real dos recursos naturais. É claro que
eles nos são indispensáveis, e seria muita inocência supor que haveria possibilida-
de real de decretar o fim total da utilização desses recursos. Muito difícil também
é contabilizar os custos ecológicos, sociais, culturais e econômicos da natureza
e reduzi-los a valores e preços de mercado. Essa tem sido a preocupação das dis-
cussões sobre sustentabilidade, tentar “restabelecer o lugar da natureza na teoria
econômica e nas práticas do desenvolvimento, internalizando condições ecológi-
cas da produção que assegurem a sobrevivência e um futuro para a humanidade”
(LEFF, 2004, p. 48).
Segundo Vieira (1997), 20% da população mundial, nos A grande poluição
países industrializados do hemisfério Norte, consomem 80% da causada pelos Estados
energia. A água é outro grande problema nesses países, porque, Unidos da América não
além de escassa, está contaminada. Como se não bastasse, muito é problema apenas para
desses países são os grandes responsáveis pela maior parte da eles: é problema
emissão de gases poluentes, causadores do efeito estufa. Traça-
para todos nós.
do esse quadro alarmante, constatamos que as externalidades,
ou seja, os potenciais negativos do processo de produção dessas grandes nações
industrializadas, são enfim sempre socializados, ou seja, não causam danos ou
prejuízos apenas à população local desses países, mas têm efeitos globalizantes.
Isso quer dizer que a grande poluição causada pelos Estados Unidos da América
não é problema apenas para eles: é problema para todos nós.
Quando se trata da descontrolada extração de recursos ambientais, o pro-
blema não é diferente. A escassez de água no mundo árabe, por exemplo, não é
problema só para eles, é problema também para nós. É um problema ambiental
em seu sentido mais amplo, entendendo ambiente a partir de seus componentes
naturais, ecológicos, sociais, culturais, entre outros. O que caracteriza tal dimen-
são é que um problema ambiental desse porte impõe desigualdades tanto de acesso
a esse bem como também aumenta a pobreza e a submissão desses países a outros,
para a obtenção do recurso. A situação de desigualdade entre os países pobres, com

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poucos recursos para superar a situação, e os ricos, altamente industrializados e


com dinheiro e tecnologia para superar, momentaneamente, a perda ambiental, só
aumenta a polaridade.
As populações locais, nesse sentido, sofrem ainda uma forma mais perversa
de prejuízo. O fato é que ao ser extraído um recurso, de forma irreversível, o pre-
juízo primeiro é do ambiente e da população local, que perde em biodiversidade,
produtividade e qualidade ambiental. Além do prejuízo natural irreversível, o am-
biente e a população local sofrem um empobrecimento também irreparável. São
aniquiladas, assim, muitas das formas tradicionais sustentáveis de vida nas regiões
e também toda a nova possibilidade de manutenção dessas populações a partir das
potencialidades do ambiente local. Sobre isso, Leff (2004, p. 285) enfatiza que
A natureza e a cultura, fontes de vida, significação e potencial produtivo foram deslocadas
pelo processo de globalização econômica que desencadeou um processo de degradação
ambiental e destruição das formas de organização da vida e da cultura. A eficiência tecno-
lógica e a maximização do lucro de curto prazo, que regem a economia globalizada, ace-
leraram processos de uniformização da paisagem, de produção de monoculturas, de perda
de diversidade biológica, de homogeneização cultural e de urbanização dos assentamentos
humanos. Dessa forma, o crescimento econômico se alimenta de um processo de extração
e transformação destrutiva de recursos naturais, de degradação da energia nos processos
de produção e consumo de mercadorias. Nesse sentido, a racionalidade econômica e a ur-
banização da civilização moderna precipitaram a morte entrópica do planeta, destruindo
o habitat como suporte das formas sustentáveis de habitalidade do mundo.

Portanto, o sentido filosófico profundo do pensamento moderno está em repen-


sar e refazer o modo de vida ocidental moderno, globalizado, em relação ao crescente
apelo pela manutenção dos recursos naturais e das diversidades culturais. As diretrizes
e políticas locais e globais têm agido no sentido de problematizar sobre esses temas e
trazer a campo melhores formas de gestão ambiental; maneiras ecologicamente sus-
tentáveis de lidar com o ambiente local e seus problemas ambientais tentando trazer o
foco não somente para as novas tecnologias mas também para o saber-fazer tradicio-
nal, regionalizado, conhecedor do seu ambiente e de suas potencialidades.

Gerenciamento sustentável dos ecossistemas


A Constituição brasileira, no Capítulo VI, “Do meio ambiente”, caput do
artigo 225, institui que
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Em seu parágrafo 1.0, I e II, assim diz:


Art. 225. [...]
§1.º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético;
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No parágrafo 4. o, diz ainda que


Art. 225. [...]
§4.0 A Floresta Amazônica Brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Retomando a discussão sobre preservação e conservação, podemos notar nesses


trechos da Constituição que a definição dos termos é um problema até mesmo para a
lei. Afinal, é frisado o termo preservação, mas o discurso parece ser conservacionis-
ta. Observe ainda que o Cerrado, por exemplo, importante ecossistema brasileiro,
não recebeu nenhuma indicação. Isso é só uma amostra do quanto é dificultoso criar
leis e gerir essas demandas ambientais de forma satisfatória e sem contradições.
Para a manutenção dos ecossistemas brasileiros, a lei trabalha no sentido
de estabelecer normatização para a criação, a implantação e a gestão desses am-
bientes, por meio da criação de unidades de conservação. Os critérios para tais
normas referem-se a padrões ecológicos e econômicos, o que muitas vezes pode
não garantir resultados em termos de conservação.
Segundo Ferreira (2004), a escolha dessas áreas e sua institucionalização têm pro-
vocado, periodicamente, crises e debates entre profissionais de vários campos do conhe-
cimento, além dos responsáveis pela normatização das leis. Esse processo de discussão
tem incentivado ainda muitas pesquisas em favor das decisões sobre o uso dos recursos
naturais dessas áreas protegidas e os possíveis conflitos acerca dessa utilização.
A discussão em voga é saber se essas áreas de proteção devem ou não ser
evacuadas da presença humana. Aprofundando a questão, o problema seria: as
áreas protegidas devem permanecer como áreas de preservação, ou devem contar,
contrariamente, com um plano de sustentabilidade em que as comunidades tradi-
cionais locais seriam as grandes responsáveis?
O discurso inicial a respeito do assunto defendia que essas áreas protegidas
deviam ser como ilhas de biodiversidade, resguardadas da ação humana predató-
ria, que ficaria restrita às regiões vizinhas. Durante o 21.° Simpósio sobre Áreas
Protegidas, organizado pela Comissão Mundial de Áreas Protegidas (WCPA), na
Austrália, em 1997, foi proposta a criação e a manutenção de redes de áreas pro-
tegidas integradas ao contexto regional em que se inserem.
Segundo Ferreira (2004), durante duas décadas essa posição que defendia
a não exclusão de populações humanas das áreas protegidas foi hegemônica.
Nessa época, nenhum documento oficial ou relatório de ONG autorizava a re-
tirada das populações como indicação de sucesso na criação das unidades de
conservação de ecossistemas.
Na década de 1990, no entanto, foram lançados os primeiros livros contrários
ao uso sustentável da biodiversidade em áreas de conservação. Segundo Brandon
(1998), as áreas protegidas não podem ser responsáveis pela incorporação do desen-
volvimento sustentável porque a elas cabe o papel da preservação do ecossistema e
da biodiversidade. Para essa autora, o uso sustentável dos recursos deve se incenti-
vado em áreas do entorno das unidades de conservação. Nas áreas de proteção, deve
ser assegurada somente a não interferência humana nos processos ecológicos natu-
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rais e não o bem-estar social das populações que ali habitam. Para Ferreira (2004),
além de reforçar posições preservacionistas, essa teoria reforça também a ideia do
modelo de conservação em mosaicos, em que áreas de proteção são interligadas e
circunvizinhas a espaços de uso controlado, como reservas extrativistas, de desen-
volvimento sustentável, agroflorestas, entre outros.
Essas ideias abriram novamente o palco para a discussão do tema. Para Die-
gues (1996), as características das comunidades tradicionais locais viabilizariam
sua atuação no manejo comunitário dos recursos e da biodiversidade dessas áreas
protegidas. A característica apropriada para um ideal de manejo sustentável seria
alcançada por meio do empoderamento dos indivíduos e das comunidades locais,
revertendo a eles a responsabilidade pela manutenção e a conservação da bio-
diversidade. Para isso, Ferreira (2004) argumenta que a orientação das políticas
públicas deveria se concentrar no fortalecimento do saber ambiental local, propi-
ciando condições socioeconômicas de sustentabilidade para esses grupos.
A crítica ao manejo sustentável em áreas de proteção ambiental é em geral ad-
vinda de estudiosos de países industrializados, que na maioria das vezes possuem
uma outra visão ambientalista. De fato, esses países não convivem com situações con-
flitantes de fundo socioambiental, como os países em desenvolvimento e subdesenvol-
vidos. Para estes, a questão ambiental é muito mais complexa e profunda. Trata-se de
uma outra visão de ambiente, integrada, para a qual não faz sentido separar o social e
o político do ambiental. Isso significa dizer que, para os países industrializados, o pro-
blema ambiental está muito mais na ordem da preservação, da manutenção irrestrita
dos ambientes naturais. Já para os países em desenvolvimento, a problemática procura
ocupar o espaço tanto da luta preservacionista quanto da democratização do ambien-
te, da qualidade de vida, da participação política, da diminuição das desigualdades,
entre outros. Nesse sentido, esses países têm uma grande possibilidade de fundarem
uma nova ordem, uma nova categoria de prioridades, e uma nova maneira de lidar
com o ambiente, com os recursos, com a natureza, a partir de seus próprios saberes
e potencialidades. É por isso que a questão da sustentabilidade, tanto para ambien-
tes urbanos como para ambientes rurais, como para áreas de proteção, caracteriza-se
como uma nova proposta, potencial, no sentido de melhorar as condições de vida e a
qualidade ambiental.
Frente a essa perspectiva, só a experiência poderá colocar um ponto final na
discussão. Longe de oferecer aqui uma posição conclusiva sobre a questão, o valor
está em compreender o teor das duas posições e entender em que fundo político
elas podem estar amparadas.

A natureza como patrimônio


Segundo nos indica Leff (2004), o ambientalismo é muito mais do que
os valores do conservacionismo e do biocentrismo: é uma luta que entende a
importância da equidade, da diversidade, da democracia, da sustentabilidade,
em respeito à cultura e ao direito tanto das comunidades tradicionais, rurais,
indígenas, dos excluídos, como das grandes cidades. O movimento é de reivin-
dicação do direito coletivo à natureza, por meio do acesso e da utilização dos
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recursos, em respeito aos saberes valorativos locais, na superação de uma ordem


globalizante e excludente, em respeito ao ambiente e à diversidade cultural.
Por isso, cada vez mais, as comunidades têm lutado por uma autonomia
local, pela possibilidade de criarem suas próprias necessidades, e não mais serem
reféns das necessidades capitalistas impostas pelo mercado, que torna a todos os
que não podem consumir verdadeiros excluídos sociais.
Nesta perspectiva, o desenvolvimento sustentável vai além do propósito de capitalizar a
natureza e de ecologizar a ordem econômica. A sustentabilidade ambiental implica um
processo de socialização da natureza e o manejo comunitário dos recursos, fundados em
princípios de diversidade ecológica e cultural. Neste sentido, a democracia e a equidade se
redefinem em termos dos direitos da propriedade e de acesso aos recursos, das condições
de reapropriação do ambiente. (LEFF, 2004, p. 82)

Nesse contexto, a incorporação de um sentido de pertencimento, criado a par-


tir do reconhecimento e do resgate do ambiente, é um primeiro passo para a manu-
tenção, o equilíbrio e a qualidade ambiental. Nesse resgate, o saber tradicional e os
saberes modernos, aliados ao fazer prático das atuações ambientais, são a porta para
essa nova racionalidade, fundada sobre outro patamar civilizatório, sobre uma nova
ética ambiental. Uma ética em que a qualidade de vida seja pensada sob o ponto de
vista da partilha, do direito de todos, mas acima de tudo do direito de construirmos
juntos, participativamente, as bases desse direito. E do dever de concedermos a to-
dos, sem distinção, o direito e a possibilidade da vida. E assim quem sabe a cultura
e a natureza passem a ser reconhecidas como patrimônio, não no sentido de ter,
possuir, mas no sentido da conquista do partilhar e do fazer parte de tudo o que
existe, em favor da vivência da vida.
A questão não está em estabelecer se as políticas devem ser conservacionis-
tas ou preservacionistas. A ordem dos problemas ambientais mundiais é complexa
demais para que sejam estabelecidos simples parâmetros de atuação, embora eles
sejam necessários para o fortalecimento das práticas. Mas a importância que se
coloca para cada um de nós, como participantes do processo de decisão que pode
dar continuidade ao projeto de vida, está justamente num novo estabelecimento
para o sentido do que representa esta vida, e de como devemos vivê-la. E se pen-
sarmos a questão ambiental sob esse ponto de vista, sob uma nova forma de viver,
veremos que é muito mais fácil traduzir nossa vontade e nossa ação em menos
pobreza, em novas relações de consumo, sem destruição e poluição, respeitando
o direito a todos os seres. A consciência de nossos desejos e de nossas vontades
nos dá instrumentos para a ação. Munidos então desses conceitos e objetivos que
são tão íntimos, mas também tão coletivos, a força cresce em favor da ação, da
vontade política, da participação coletiva por meio da escolha e da luta popular.
E assim, com luta e participação, podemos agir em prol das mudanças que dese-
jamos, local e globalmente.

1. Criar e redigir, coletivamente, um conceito de ambiente do grupo.

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Cuidando da natureza

2. A partir desse conceito coletivo de ambiente, discutir as possibilidades de “cuidado” deste


ambiente.

DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1996.

ALEXANDRE, Agripa Faria. Are ecologists able to do politics? Ambiente e sociedade, n. 8, p. 107-
134, jan./jun., 2001.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A canção das sete cores: educando para a paz. São Paulo: Contexto,
2005.
BRANDON, Katrina; REDFORD, Kent H.; SANDERSON, Steve E. (Eds.). Parks in peril: people,
politics and protected areas. Washnington/Covelo: The Nature Conservancy/Island Press, 1998.
DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada: populações tradicionais em
unidades de conservação. São Paulo: Hucitec, 1996.
FERREIRA, Lúcia da Costa. Dimensões humanas da biodiversidade: mudanças sociais e confli-
tos em torno de áreas protegidas no vale do Ribeira, SP, Brasil. Ambiente e sociedade, n. 1, VII,
p. 47-66, jan./jun. 2004.
GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília S. (Org.).
Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 51-80.
GRÜN, Mauro. Ética e educação ambiental: a conexão necessária. Campinas: Papirus, 1996.
LAYRARGUES, Philippe Pomier. Determinismo biológico: o desafio da alfabetização ecológica na
concepção de Fritjof Capra. Anais do 2.° Encontro em Educação Ambiental: abordagens epistemo-
lógicas e metodológicas. São Carlos, 2003.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis:
Vozes, 2001.
REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995.
SATO, Michèle. Educação ambiental. São Carlos: Rima, 2003.
TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação ambiental: natureza, razão e história. Cam-
pinas: Autores Associados, 2004.
ULTRAMARI, Clóvis. Das falácias naturalistas: banco de textos sobre desenvolvimento sustentá-
vel. Disponível em <www.bsi.com.br/unilivre/centro/textos/forum/falasias.htm>. Acesso em: 28 abr.
2005.
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997.

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Saberes em jogo
na qualidade ambiental
Nadja Janke

S
egundo Auler (2001), nos países capitalistas centrais, em meados do século XX, iniciou-se uma
série de discussões sobre a falta de convicção de que o desenvolvimento científico, tecnológico e
econômico estivesse avançando, linear e necessariamente, para o bem-estar social. Para esse au-
tor, a euforia tecnocientífica das décadas de 1960 e 1970 foi perdendo fôlego e sendo substituída por um
olhar muito mais crítico acerca das questões de ciência e tecnologia (C&T). Contribuíram para essa crise
a degradação ambiental, aliada ao crescimento científico e tecnológico relacionado às guerras (bombas
atômicas, napalm desfolhante na Guerra do Vietnã, entre outras), além de publicações importantes como
Silent Spring (CARLSON, 1962) e A Estrutura das Revoluções Científicas (KUHN, 1962).
É nesse contexto histórico que C&T passa a fazer parte do debate político e social mundial e
dele surgem os movimentos denominados ciência, tecnologia e sociedade (CTS). Para Luján (1996), a
questão seria desassociar a ideia de melhorias ambientais, sociais e econômicas do conceito de desen-
volvimento científico e tecnológico. Ou seja, a solução para as crises ambientais, econômicas e sociais
se postula não em mais e mais C&T, mas em um tipo diferenciado de C&T, baseado principalmente
em uma grande participação da sociedade global e local.
E com essas bases se instauram novas concepções e papéis na manutenção da qualidade am-
biental, pelos quais se legitimam e se reconfiguram os lugares dos Estados, da sociedade global e das
comunidades locais.

Saberes científicos e tecnológicos


A ciência passa por um longo período de crise de legitimidade e de hegemonia. Segundo
Santos (1995), o momento é de repensar qual o papel da ciência para o enriquecimento ou empo-
brecimento de nossas vidas, para nossa felicidade. Para o autor, até agora a ciência tem se compor-
tado como um modelo totalitarista, que nega todas as demais formas de racionalidade como sendo
legítimas e complementares ao olhar humano. A ciência, como a conhecemos, pretende-se onívora,
negativando o papel das subjetividades, das artes, das religiosidades, das tradições, entre outros.
Pensarmos o lugar da experiência humana não significa olharmos apenas para a dimensão cientí-
fica. E quanto ao conhecimento histórico-social, ao conhecimento do senso comum, aos saberes
tradicionais, comunitários, que têm construído tantas de nossas práticas sustentáveis e nosso modo
de viver a vida? Elas também não são legítimas?
Obviamente que há muitas potencialidades no saber tradicional. E a ciência Fazer ciência é
precisa se reconstruir dentro dessa perspectiva de aceitação do outro para poder também um
lidar com os problemas contemporâneos e também para entender o porquê de ato político.

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Saberes em jogo na qualidade ambiental

suas próprias crises filosóficas. É preciso acabar, por exemplo, com a consciência
ingênua de que fazer ciência é sempre uma coisa boa. Afinal, a ciência não cami-
nha isolada das contradições sociais. Pelo contrário, ela tanto se estrutura por essas
contradições como pode ser responsável por elas. Fazer ciência é também um ato
político.
Para Santos (1995), o caminho para a ciência moderna é o da superação,
mas não como total esquecimento do que se conhece como ciência, e sim uma
superação que incorpore e vá além no pensamento e na criatividade pela busca
de uma ciência pós-moderna. Denomino pós-moderno, como conceitua Santos
(1989), dada a impossibilidade de melhor designação para o paradigma científico
emergente. Uma superação que reconheça os conhecimentos populares, que não
mascare as ideologias, que incorpore as necessárias discussões políticas e sociais,
por meio da participação de novos atores no cenário da discussão científica, entre
outros.
Santos coloca a questão da superação não somente para a ciência, mas para
todo olhar que se lança ao mundo, às coisas, às relações, em que se quebrem as
dicotomias entre homem e natureza, ciência e senso comum, racionalidade e sub-
jetividade. “A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhe-
cimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve
traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em
sabedoria de vida” (Santos, 1995, p. 57).
É claro que os conhecimentos tecnocientíficos são importantes. Aliás, eles
são o tema atual de muitas discussões, segundo nos relata Gouvêa (2001, p. 68).
A autora situa o discussão de C&T entre “o determinismo da sociedade sobre a
tecnologia versus a autonomia da tecnologia sobre a ordem social”. O problema,
portanto está em saber se é a tecnologia que molda a sociedade ou vice-versa.
“A técnica corresponde à Para Gouvêa, podemos encontrar exemplos do determi-
relação entre os homens, nismo tecnológico em Marx, uma vez que em A Miséria da
os instrumentos e o Filosofia (1847) o autor relaciona a criação das máquinas à ge-
ambiente, no momento ração da sociedade e do capitalismo. Nessa perspectiva, fica
claro como a tecnologia tem impactos diretos tanto nas relações
do processo de produção
sociais macro (transporte, energia, alimentação etc.) quanto na
e de consumo; e os intimidade da vida técnica cotidiana, quando se refere às novas
grandes sistemas técni- formas de uso da técnica pelo homem moderno, num encontro
cos são sistemas sociais.” entre o objeto e a forma como deve ser usado.
(GRAS apud GOUVÊA; Já os críticos do determinismo tecnológico, segundo
LEAL, 2001, p. 69). Gouvêa (2001), defendem que o social e o político são muito
mais fortes que o tecnológico, pois é preciso saber antes quem são os sujeitos da
ação, para que utilizarão a tecnologia, o que representa essa tecnologia nas estru-
turas de poder etc.
Entender e se posicionar frente a essas questões é necessário, pois determina
o caminho e a importância da ciência e da tecnologia na construção dos novos sa-
beres ambientais. Mais interessante ainda seria entender de que forma esses saberes

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Saberes em jogo na qualidade ambiental

devem se aliar aos conhecimentos tradicionais, na busca por uma atuação mais res-
ponsável e sustentável sobre o ambiente.

Saberes tradicionais e modernos


Para Demo (1992, p. 253), a sabedoria é um tipo de saber alternativo que
representa um conhecimento oriundo sobretudo da prática, na qual o exemplo é
a maior autoridade, numa coincidência óbvia entre o que se diz e o que se faz.
À sabedoria cabe entender de felicidade, para o que o importante não é querer
demais, pois felicidade total não existe. Sabedoria é viver buscando a felicidade,
diferentemente do saber científico instrumental, que pouco se preocupa com os
fins, querendo saber da técnica pela técnica. Sabedoria é viver a felicidade real
“num compromisso entre o desejo ardente e sua possibilidade histórica concreta”
(DEMO, 1992, p. 253).
Emprestei as palavras desse autor, que de forma tão poética trata da questão
da sabedoria, para traçar um paralelo entre ela e o peso dos saberes tradicionais.
De fato, eles carregam muito dessa sabedoria, tanto em sua maneira de criação,
por meio da prática e do exercício repetido, experiente de anos, como em sua for-
ma de entender a ação, como seja um meio para o alcance da felicidade da vida,
que nem sempre significa ter tudo, mas o suficiente para ser feliz. Nesse caso, a
relação com o ambiente é o grande determinador dessas possibilidades.
Atualmente, a sabedoria anda perdendo muito do seu espaço. Anda sen-
do substituída, em grande parte, por um senso comum globalizado, resultado
das necessidades de consumo capitalista que o nosso modo de vida atual
impõe. Para sermos felizes, não precisamos mais de um carro, mas sim do
melhor carro, da melhor grife de roupa, da mais cara bebida etc. Pagamos
muito caro por uma felicidade que nos é embutida, e que nos faz pensar que
ser é ter, e nos subjuga a esse tipo de felicidade perversa que alija da sociedade
aqueles que, já excluídos, não têm suporte financeiro para possuir. Perdemos há
muito a sabedoria do prazer pela simplicidade, pelo engrandecimento intelectual,
espiritual, pela apreciação da vida, das coisas da vida e da natureza, pois a ma-
nutenção material nos ocupa todo o tempo. Em geral, para ter lazer, pela possibi-
lidade de passar horas consumindo em shoppings, passamos outras tantas horas
trabalhando, e não reivindicamos o direito de sermos mais do que seres feitos
apenas para o trabalho, como nos diria Ghandi: “essa corrida alucinada atrás
da riqueza deve cessar, e ao trabalhador deve ser assegurado não apenas um
salário condigno, mas uma tarefa diária que não seja mero trabalho pesado e
enfadonho” (TANAKA, 1998, p. 13).
A sabedoria também perdeu grande terreno para a ciência, portadora uni-
versal da verdade absoluta para a qual, e como nos disse Demo (1992), os fins
são pouco importantes. Não importa, afinal, qual a real necessidade da produção
de um novo material, muito mais resistente que qualquer material existente na
natureza, e que jamais se deteriora, mesmo passados séculos e séculos. Aliás, a
sabedoria nos diz que, neste ponto, somos muito mais eficientes que a natureza!

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Saberes em jogo na qualidade ambiental

Nessas circunstâncias, afinal, vai perdendo importância a real qualidade


de vida, ou, como diria Brandão (2005), a vida de qualidade. E se perdemos em
qualidade de vida, que dirá o ambiente que perde conosco em biodiversidade,
em qualidade do ar, da água, em manutenção dos mecanismos de ciclagem, dos
ciclos ecológicos, dos recursos naturais, perdemos junto muitos anos de uma
vida de qualidade para nossos filhos.
Perdemos em sabedoria, em conhecimentos populares. Não só os deixamos
de lado como fazemos de tudo para extingui-los. Segundo Ianni (1993), muito do co-
nhecimento gerado pelas populações indígenas no mundo, por exemplo, está desa-
parecendo frente à imposição de uma outra cultura, única, moderna e globalizante.
Para o autor, os conhecimentos tradicionais têm valor incalculável para a moderni-
dade porque serviriam de exemplo para a ideia de sustentabilidade tão desejada nos
dias de hoje. Basta dizer que, em se tratando de sustentabilidade, os índios domina-
vam perfeitamente técnicas como o cultivo no deserto sem irrigação, a navegação
de vastas distâncias, a utilização de plantas medicinais, o respeito à liberdade, ao
próximo e à igualdade, a utilização da floresta sem destruição, entre outros (PE-
DROZO, 2003).
Será possível entender Será possível entender uma modernidade sem sabedoria? É
uma modernidade possível conservar nossos modernos e globalizados padrões de vida
sem sabedoria? sem problematizar sobre o que já foi felicidade um dia e qual a pos-
sibilidade de felicidade que deixaremos às populações futuras?
É claro que a sabedoria também tem seus pontos negativos. Muitas ve-
zes, ela se contenta com pouco, esconde-se no conformismo, na mediocridade
(DEMO, 1992). Também o conhecimento moderno não é de todo ruim. Muitas
das boas invenções são criações da ciência, muitas das técnicas inovadoras, dos
materiais ecologicamente viáveis e baratos, das maneiras práticas de organizar
a vida, são conhecimentos importantes advindos da evolução tecnocientífica
dos nossos tempos. Mas então cabe aqui mais uma pergunta: não será possível
traçar uma vida que seja boa no que de bom tem a modernidade e no que de
bom há na sabedoria? Será que esses saberes não se misturam?
O painel que se desenhava até pouco tempo atrás era unânime: uma constante
contradição entre os saberes antigos, tradicionais, e os novos conhecimentos produ-
zidos na modernidade, sendo que estes muitas vezes levam vantagem sobre os pri-
meiros. Mas o movimento ambientalista tem mudado essa realidade sobremaneira.
A contradição entre o tradicional e o moderno é algo que tem sido muito
discutido no entendimento das questões ambientais. Sobretudo com o desenvolvi-
mento do pensamento da sustentabilidade, a cada um dos saberes tem-se atribuído
novos papéis, e novas dinâmicas entre eles, num claro processo de desmistificação
das separações, para além delas, na busca da criação de um novo saber. O movi-
mento é de superação da rivalidade, numa busca pela incorporação de um e outro
ao pensamento e à atuação sustentável.
Na prática, essa fusão representa uma maneira renovada de lidar com o am-
biente. Ela reaproxima o saber tradicional das novas necessidades ambientais, cria-
das pela expansão da sociedade, ao mesmo tempo em que recoloca para o pensa-
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mento moderno a reordenação das prioridades, a problematização sobre o modo de


vida, sobre o ponto de vista material e filosófico. Ou seja: recoloca a responsabili-
dade da existência em nossas mãos, sob o juízo de nossas reais necessidades e de
nossas possibilidades históricas e ambientais de materializar tais necessidades.

Quem detém o saber ambiental?


O princípio é o de reinventar – reinventar conhecimentos. Os saberes como
os conhecemos e da forma como temos utilizado estão fora de uso. Fora de uso
porque se provaram ineficazes. Ineficazes e prejudiciais. Como não pensar assim
ao assistir à crescente destruição ambiental, ao desequilíbrio social, à pobreza, à
fome, à falta de tudo para quase todos?
Diante dessas questões, surge um novo saber, ao qual Leff (2004) denomi-
nou saber ambiental, que, para esse autor, é o resultado de toda a discussão atual
acerca do ambiente, é a nova mentalidade inscrita nas concepções de mundo, de
sustentabilidade, de democracia. Os marcos da construção desse novo saber são
os mesmos que configuram os princípios do movimento ambientalista, e seu cres-
cimento, enquanto construção histórica, também advém desse processo.
Para esse novo saber, os interesses se constroem no sentido de buscar uma
integração transdisciplinar do conhecimento, em que todos os saberes estejam in-
terligados. Ou seja, não há saber científico que se apodere sozinho da realidade do
mundo. O novo saber deve aliar também as tradições, o simbólico, a cultura. Cada
realidade deve ser tratada de forma própria, contextualizada, e a transdisciplina-
ridade dos saberes é o ponto principal na construção dessa gestão, democrática e
sustentável.
Mas não se constrói sozinho a estrada do saber. Aprender ou ensinar algo
sempre pressupõe uma troca, um diálogo, como nos diria Brandão (2005, p. 99):
O que torna social essa estrada de mão dupla chamada ensino-aprendizagem é o fato
de que todo o conhecimento humano verdadeiramente significativo é o resultado frágil,
mutável e crescentemente enriquecido e aperfeiçoável de um contínuo processo de inter-
trocas de saberes. De saberes e de sentidos, de valores e de sensibilidades não apenas
entre pessoas, tomadas em sua individualidade identitária, mas, também, entre grupos
humanos, entre povos, entre culturas. Ali, onde o próprio conhecimento, em sua obje-
tividade transitória, é modificado pelo ensino e aprendizado a cada vez que isso ocorre.
Em que cada outro, individual, coletivo, interativo, social, cultural é reconhecido como
fonte original de saberes com a qual uma pessoa ou uma coletividade, pequena ou grande,
aprendem e ensinam.

Essa talvez seja a contribuição mais efetiva dessa nova ordem: a impor-
tância da escolha, da participação. O conhecimento não deve mais ser constru-
ído sozinho, descontextualizado, longe da vida e da prática cotidiana. O saber
ambiental é aquele que nasce das características do próprio ambiente, de suas
necessidades, de suas possibilidades.
Segundo Leff (2004), a consciência do sujeito representa um dos pilares
dessa nova racionalidade ambiental, numa recuperação do sentido real das coisas,
que não represente o esquecimento dos interesses sociais e de produção, mas na
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compreensão da atual ordem sócio-histórica, pela busca dos novos saberes. Essa
carência por novos saberes vem de encontro à ordem globalizante do pensamento,
tentando, ao invés disso, buscar alternativas mais regionais, locais. Por isso, no
plano individual, filosófico, existencialista, existencial, o caminho é o da recons-
trução das necessidades da vida. Ao mesmo tempo, as questões práticas devem
ser pensadas e relacionadas a essas necessidades, ao manejo do ambiente, da qua-
lidade de vida, no engrandecimento do processo participativo, da cidadania e da
gestão da vida social. Devemos nos perguntar, portanto, por que e como fazer.
Nesse sentido, é importante lançar um novo olhar para as discussões inter-
nacionais. Elas são importantes, e muitas vezes norteiam os trabalhos no plano
nacional, mas devem ser vistas de forma muito crítica, para não se perder o caráter
regional das necessidades ambientais. Assim, as diretrizes internacionais devem
facilitar e incentivar a diminuição das desigualdades econômicas regionais, que
são um grande entrave para as propostas de melhoria ambiental, por meio da co-
operação entre os países, da diminuição das dívidas, do combate à pobreza, entre
outros. O plano deve ser o de recuperar a autonomia das nações.
No plano público, gestor, as coisas também não são diferentes. A importância
da participação é fundamental, e os governos devem incentivar a discussão e escla-
recer as contradições para que a sociedade, como um todo, seja responsável pelas
escolhas e pelas ações. Também é papel do Estado ser o mediador dessa discussão
e do contrato do cidadão com o novo conhecimento, com as suas necessidades am-
bientais e com as possibilidades de superação dos problemas. Claro que isso pode
construir uma nova forma de fazer política e de governar e a descentralização é um
ponto-chave nessa discussão, já que uma maior autonomia deverá ser delegada a
outros setores da sociedade civil, na criação de grupos locais responsáveis por gerir
suas necessidades ambientais. Esse é um bom caminho para a participação. O que
fica claro, portanto, é que o grande papel das políticas públicas está em socializar a
responsabilidade e os benefícios por um ambiente mais saudável. E assim construir
uma sociedade efetivamente inserida no contexto das questões ambientais.
Mas como colocar nas mãos de tantos a responsabilidade pela construção
desse saber ambiental? A proposta que se faz urgente é a incorporação de uma
Educação Ambiental capaz de inserir o sujeito nesse contexto de discussão e de
criação, capacitando-o e convidando-o a participar do processo, de forma legítima.
É claro que não basta colocar nas mãos de todos a tarefa de construir um futuro
mais harmônico e justo, sem ao menos integrá-los, por meio de conhecimento, de
discussão e de participação, nesse novo contexto sócio-histórico. É preciso que a
Educação Ambiental seja a responsável por socializar as necessidades, reencontrar
os interesses, as tradições e os novos conhecimentos, e recoloque para o sujeito seu
poder decisório, sua possibilidade de mudança, fazendo do saber ambiental uma
construção coletiva, um ato de equipe. Todos nós somos parte disso, cada um com
sua especificidade, com seus conhecimentos, com suas vivências. Todos juntos
constituímos o saber ambiental em suas múltiplas convergências. O nível está tanto
no individual quanto no coletivo, com sua família, seus vizinhos, em seu bairro, seu
trabalho, com seu grupo de amigos. Todos somos responsáveis pela criação de um
novo ambiente de diálogo, compartilhando ideias, decisões, no caminho por uma

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gestão de vida mais sustentável. E à Educação Ambiental cabe a tarefa de rejuvenescer essa vontade em
todos nós. A vontade de fazer parte, e de criar um novo cenário social e ambiental. Esse é o ambiente
do saber ambiental, no qual todos construímos juntos o futuro do planeta e juntos, compartilhamos com
tantos outros a responsabilidade por criar e repercutir uma nova forma de viver a vida em sociedade.

1. Formar em sala dois grupos de estudo.


2. Um grupo deve discutir e pesquisar sobre os saberes tradicionais no manejo ambiental.
3. O outro grupo fica responsável por discutir e pesquisar sobre saberes modernos e novas tecno-
logias.
4. Monta-se uma plenária e cada grupo deve defender seu ponto de vista, em discussão, trazendo
o resultado da pesquisa.

LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Petrópolis:


Vozes, 2001.

AULER, Décio; BAZZO, Walter Antonio. Reflexões para a implementação do movimento CTS no
contexto educacional brasileiro. Ciência e Educação, v. 7, n. 1, 2001, p. 1-13.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A canção das sete cores: educando para a paz. São Paulo: Contexto,
2005.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 3. ed. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1992.
GOUVÊA, Guaracira; LEAL, Maria Cristina. Uma visão comparada do ensino em ciência, tecnolo-
gia e sociedade na escola e em um museu de ciência. Ciência e Educação, v. 7, n. 1, p. 67-84, 2001.
IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis:
Vozes, 2001.
LUJÁN, José Luis. Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia
y la tecnología. Madrid: Tecnos, 1996.
PEDROZO, Eugênio Avila; SILVA, Tânia Nunes. O desenvolvimento sustentável, a abordagem
sistêmica e as organizações. Disponível em: <http://read.adm.ufrgs/read18/artigo/artigo3.pdf>.
Acesso em: 25 ago. 2003.
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
______. Um Discurso sobre as Ciências. 7. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1995.
TANAKA, Beatrice. Gandhi: palavras essenciais. Rio de Janeiro: Agir, 1998.
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Gestão participativa
e ambiente
Nadja Janke

S
egundo Libâneo (2003), cada vez mais percebemos a necessidade de um grande investimento na
preparação para a vida social, comunitária, já que as novas possibilidades de vivência humana es-
tão fortemente localizadas em movimentos comunitários, no engajamento em pequenos grupos,
comunidades tradicionais, associações civis, ONGs, entre outros. A própria questão da sustentabilidade é
discutida, em grande parte, sob o ponto de vista da participação. Isso fica claro funcionalmente, uma vez
que as políticas públicas voltadas para a gestão ambiental devem contar com a participação comunitária
para que sejam implementadas.
Para Leff (2004), a sustentabilidade põe em voga, novamente, a questão da luta de classes, in-
corporando-a ao cenário social. Porém, não mais pela apropriação dos meios de produção industrial,
como acostumamos ouvir. Agora, a luta está voltada para a reapropriação da natureza, não apenas por
meio de elementos tecnológicos, mas na busca por alternativas para o uso de recursos baseados tanto
em tecnologia como em elementos ecológicos, culturais, sociais.
Diante do esbulho e marginalização de grupos majoritários da população, da ineficácia do Estado e da lógica do mer-
cado para prover os bens e serviços básicos, a sociedade se levanta reclamando seu direito de participar na tomada
de decisões das políticas públicas e na autogestão dos recursos produtivos que afetam suas condições de existência.
(LEFF, 2001, p. 79)

Nesse sentido, a reivindicação é por uma autonomia local e regional, entendida como o direito
ao controle compartilhado na autogestão dos processos de acesso e aproveitamento dos recursos. Para
os ambientes naturais, esse processo determina novas formas de sustentabilidade, relacionadas não
mais aos interesses de grandes empresas e multinacionais, mas sim às potencialidades e necessidades
do próprio ambiente e da comunidade residente. Isso ressignifica o lugar da cultura no âmbito da rela-
ção entre o homem e o ambiente, dando maior autonomia aos grupos populares de gerirem, por força
de suas tradições, de seus conceitos, de suas experiências e de maneira sustentável, seus próprios
recursos.

Sustentabilidade: conciliando
participação social e cuidado com o ambiente
Observemos outro trecho de Leff (2004, p. 57):
A gestão ambiental do desenvolvimento sustentável exige novos conhecimentos interdisciplinares e o plane-
jamento intersetorial do desenvolvimento; mas é sobretudo um convite à ação dos cidadãos para participar na
produção de suas condições de existência e em seus projetos de vida. O desenvolvimento sustentável é um projeto
social e político que aponta para o ordenamento ecológico e a descentralização territorial da produção, assim
como para a diversificação dos tipos de desenvolvimento e dos modos de vida das populações que habitam o
planeta. Nesse sentido, oferece novos princípios aos processos de democratização da sociedade que induzem à
participação direta das comunidades na apropriação e transformação de seus recursos ambientais.

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Gestão participativa e ambiente

É claro que esse tipo de participação social não é de fácil instituição. Para
que seja definitivamente efetivado, ainda vai um longo caminho. A participação é
compromisso importante não somente na manutenção dos recursos naturais mas
também em todos os âmbitos da experiência comunitária, como nas cidades, nas
paisagens rurais, nas aldeias, por meio da busca por um ambiente mais saudável e
com mais qualidade de vida.
Em geral, o discurso da participação se mostra muito conveniente, e por isso
se tornou um instrumento muito usado, ideologicamente. Mas devemos entender
o real propósito desse discurso, pois, como nos diria Loureiro (2004), não pode-
mos inocentemente acreditar que o sentido de participação que sugere o Fundo
Monetário Internacional ou o Banco Mundial seja o mesmo promovido pelo MST
ou pelo Fórum Social Mundial. Segundo esse autor, muitos dos discursos partici-
pativos têm como pano de fundo a cooptação, o assistencialismo e o paternalismo
como formas de manter a dominação política.
A participação pensada sob o ponto de vista da emancipação política é um ato
de conquista, e por isso a dificuldade de implantação. Devemos entender que a par-
ticipação legítima se faz como processo, a ser conquistado com o outro, infinitamen-
te, sempre se fazendo (DEMO, 2001). Sob a participação, Demo defende a ideia de
que o desenvolvimento comunitário, sendo essencial para a política social de forma
geral e também para as políticas públicas, tem na identificação cultural a motivação
para a participação. No caso das questões ambientais, a participação tem como mo-
tivador cultural essencial a ligação do sujeito com o seu ambiente, com o seu espaço,
com o que conhece dele e nele produz. A cultura que o torna pertencente ao meio
capacita-o para estar naquele ambiente. Demo (2001) identifica então a participação
como um ato de fé na potencialidade do outro e ainda na capacidade criativa e de
autogestão de um grupo social. Além disso, a participação sugere a possibilidade
do encontro com a realidade da qual o próprio sujeito é o agente, colocando-o em
posição de assumir sua responsabilidade e sua própria luta em favor da participação
e, por consequência, das melhorias ambientais. Para esse autor, a participação é,
portanto a promoção da autonomia, do reconhecimento da cidadania, das regras
democráticas, do controle do poder, da burocracia e do entendimento do papel de
negociação. Assim, participação não se ganha, mas se constrói, conquista-se:
A participação possui característica de ser meio e fim, porquanto é instrumento de autopro-
moção, mas é igualmente a própria autopromoção. Prevalece, porém, a conotação instrumen-
tal, no sentido de que é vista como caminho para se alcançarem objetivos [...] Se usássemos
outra linguagem, diríamos que participação é metodologia. (DEMO, 2001, p. 66)

Na questão da sustentabilidade, esse reconhecimento é fundamental. Em


primeiro lugar, quanto à questão da participação como método, a busca por uma
qualidade ambiental como principal objetivo orienta a ação por uma gestão ou um
planejamento participativos, na abertura de um diálogo para a problematização e o
enfrentamento dos problemas. Toda a comunidade, nesse momento, deve conquis-
tar seu direito participante, de forma individual e coletiva, no levantamento dos
problemas ambientais, no estudo e na escolha por melhores formas de atuação.

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A socialização do direito à participação não significa, no entanto, que exista


ausência, superação ou eliminação do poder: apenas outra forma de poder. Ou
seja, o discurso é o da negociação, do debate aberto, criando novas possibilida-
des políticas de descentralização desse poder, que não fica mais retido na figura
do Estado, mas sim em instâncias menores de deliberação, que contam com os
próprios agentes comunitários, ou mesmo intelectuais orgânicos. Isso determina
que as decisões não são obtidas de maneira hierárquica, e nem devem ser aceitas
como uma imposição, que muitas vezes está completamente alheia às necessi-
dades sustentáveis da própria comunidade ou às suas características ambientais.
As deliberações, nesse caso, refletem inevitavelmente aquilo que se observa na
prática desse ambiente.
O planejamento participativo não impede, por exemplo, que se busque convencer a comu-
nidade da necessidade de determinada ação, desde que o processo de convencimento se
faça dentro de um espaço conquistado de participação, ou seja, partindo-se dos interesses
da comunidade, levando em conta sua contribuição e sua potencialidade, deixando-se
também convencer do contrário. (DEMO, 2001, p. 21)
Nesse caso, sendo o papel das comunidades lutar por sua participação e
reivindicar melhores condições ambientais, o papel do Estado está na implemen-
tação de políticas públicas que garantam o acesso dessas pessoas às condições
necessárias para o manejo ambiental. Nesse sentido, fica claro que, possivelmente,
a reivindicação popular e o dever do Estado vão além do direito de participar.
Muitas vezes, para assumir uma postura sustentável frente ao ambiente, as comu-
nidades têm que lutar também por incentivos financeiros, técnicos, sociais, uma
vez que nem todos os grupos estão capacitados para trabalhar pela manutenção do
seu ambiente. Aí se configura, portanto, o papel do Estado, das universidades, de
instituições não governamentais etc.
O melhor caminho para a sustentabilidade está em aliar os conhecimentos tradi-
cionais, culturalmente adquiridos, aos novos conhecimentos tecnocientíficos produzi-
dos. A complexidade das formas de atuação aumenta muito quando da possibilidade
de gestão ambiental baseada na incorporação de todas as formas de saberes. Essa
aliança traz à tona um novo conhecimento, contextualizado, fruto da experiência e do
conhecimento locais e da inserção de novas e modernas tecnologias.
Um caminho para esse encontro está na criação de grupos multidisciplina-
res de estudo, dispostos a criar um conhecimento transdisciplinar sobre o ambien-
te em que pesem todos os saberes nessa contextualização. Esse talvez fosse um
primeiro passo para a capacitação desses sujeitos comunitários na valorização de
seus próprios conhecimentos e na incorporação de novos saberes, pela busca de
ações efetivas em prol da sustentabilidade. Brandão (2004, p. 117) sinaliza essa
possibilidade ao analisar que, num trabalho coletivo, todo grupo
[...] cria, possui, elabora e transforma um saber múltiplo e diferenciado. Todos ou quase
todos os seus integrantes de um modo ou de outro contribuem para criar o saber do grupo.
E cada um dos seus integrantes, interagindo com este saber, integra em si o seu modo
pessoal de saber com/através do grupo.

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É nesse sentido que a participação comunitária se torna imprescindível para


o caráter de sustentabilidade de qualquer projeto relacionado ao ambiente. Não bas-
ta criar áreas de manejo sustentável e impor um tipo de atuação para a comunidade
associada: é preciso criar, com essas pessoas, as diretrizes da sustentabilidade como
a melhor forma, tanto de capacitá-los para o agir como para criar uma consciência
de dever, de responsabilidade, mas também de desejo, de direito, pelo cuidado com
o ambiente, com as gerações futuras e com as demais formas de vida.

Agenda 21: uma proposta de gestão


A Agenda 21 é um programa de ação baseado num documento de 40 capítu-
los que discute em escala planetária um novo padrão de desenvolvimento, conci-
liando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.
Trata-se de um documento consensual para o qual contribuíram governos
e instituições da sociedade civil de 179 países, num processo preparatório que
durou dois anos e culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), em 1992, no Rio de Janeiro,
também conhecida como Eco-92.
Sobre a gestão ambiental, a Agenda 21 traduz o conceito de sustentabi-
lidade em um plano de ações que devem ser entendidas como diretrizes, para
a tomada de decisões governamentais, institucionais e da sociedade civil. Esse
documento tem como objetivo estabelecer princípios para a construção das
Agendas 21 dos países, regiões, estados, cidades, de modo que a adoção da
sustentabilidade por todos os cidadãos do mundo possa facilitar mudanças no
tipo de crescimento econômico global, ambientalmente predatório e socialmen-
te excludente. Dessa maneira, apontam-se as condições para uma nova ordem
mundial, pela viabilização da sustentabilidade. Para Gadotti (2000), a Agenda
21 possibilitou a promoção de um tipo de desenvolvimento que alia proteção
ambiental à equidade social e à eficiência econômica.
O tom do discurso da Agenda não é compulsório, mas facultativo. Ou seja:
não obriga os países signatários a colocarem em prática seus princípios e diretri-
zes, tratando-se, portanto, de um acordo político sem obrigação jurídica e de um
compromisso ético, de vontade política dos governantes.
Em suas características processuais, a Agenda 21 coloca de forma clara a ques-
tão da participação como sendo fundamental à possibilidade de caminhar rumo a so-
ciedades sustentáveis. Esse documento é, acima de tudo, um convite ao planejamento
participativo, engajando toda a sociedade na discussão sobre o futuro do seu patri-
mônio ambiental e a possibilidade de maior justiça social: “Criar ou melhorar me-
canismos que facilitem a participação, em todos os níveis do processo de tomada de
decisões, dos indivíduos, grupos e organizações interessados” (Agenda 21, cap. 8).
Ainda sobre os objetivos da Agenda 21 para o desenvolvimento sustentável,
podemos observar a abrangência das metas a serem alcançadas por meio do pla-
nejamento participativo, como enunciado no site do Ministério do Meio Ambiente
(MMA, Agenda 21):
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O enfoque desse processo de planejamento apresentado com o nome de Agenda 21 não


é restrito às questões ligadas à preservação e conservação da natureza, mas sim a uma
proposta que rompe com o desenvolvimento dominante, onde predomina o econômico,
dando lugar à sustentabilidade ampliada, que une a Agenda ambiental e a Agenda social,
ao enunciar a indissociabilidade entre os fatores sociais e ambientais e a necessidade de
que a degradação do meio ambiente seja enfrentada juntamente com o problema mundial
da pobreza. Enfim, a Agenda 21 considera, entre outras, questões estratégicas ligadas à
geração de emprego e renda, à diminuição das disparidades regionais e interpessoais de
renda, às mudanças nos padrões de produção e consumo, à construção de cidades susten-
táveis e à adoção de novos modelos e instrumentos de gestão.

Portanto, a Agenda 21 não pode ser considerada apenas um documento


ambiental, mas sim uma agenda para a sustentabilidade, tendo como objetivos,
nesse sentido,
promover padrões de consumo e produção que reduzam as pressões ambientais e aten-
dam às necessidades básicas da humanidade;
desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de se imple-
mentar padrões de consumo mais sustentáveis. A ideia que se consagrou foi “pensar
globalmente e agir localmente” (Agenda 21, cap. 4).

Segundo Sato (2003), o procedimento pautado pela Agenda não é o de es-


colher entre desenvolvimento e conservação, entre tecnologia e ambiente natural,
mas sim encontrar um equilíbrio em prol de um desenvolvimento “sensível” em
relação ao ambiente natural, levando em consideração as questões locais em sua
dimensão ambiental e cultural.
Enfim, sob o ponto de vista teórico, a Agenda 21 propõe a sustentabilidade
baseada na participação social e em políticas públicas locais para a superação da
crise ambiental.

Gestão de unidades
de conservação: o papel dos atores sociais
A questão primeira que se coloca, quando pensada a possibilidade de cria-
ção de uma área ou unidade de conservação, é quanto à permanência ou não da
população local nesse ambiente. Ou seja, se essas unidades devem contar com um
sistema de planejamento sustentável ou se devem ter características de áreas de
preservação integral.
De qualquer forma, na maioria das vezes as unidades de conservação en-
contram-se muito afastadas dos grandes centros de decisão e carecem de uma boa
fiscalização para a manutenção desses ambientes. O envolvimento das comunida-
des locais torna-se elemento crucial no manejo dos recursos, facilitando a criação
dessas áreas. Além disso, o incentivo à inclusão da comunidade pode trazer para
esses indivíduos novos valores, novas condutas cidadãs, encadeados pelo proces-
so participativo, ajudando a transformar essas áreas em símbolo de orgulho e,
portanto, aumentando o envolvimento na conservação do ambiente.
Aliás, no que diz respeito a populações tradicionais, retirá-las da região po-
deria representar uma perda de etnodiversidade, pois muitas dessas comunidades
possuem relações intrínsecas com o ambiente em que vivem. Tais comunidades, 165
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como os índios, caiçaras, pantaneiros, entre outros, resumem séculos de vivência,


de cultura e conhecimento sobre esses ambientes naturais. Nesse caso, a natureza
e o homem são fruto de uma coevolução (FOSTER, 2005), ou seja, as característi-
cas ambientais, ecológicas, culturais e sociais são resultado da própria relação do
homem com a natureza. Tais conhecimentos podem ser representados, por exem-
plo, pela utilização da biodiversidade para a elaboração de remédios e produtos
naturais, uso sustentável do ecossistema, do solo, da água, entre outros, atitudes
que muitas vezes ajudam na manutenção da própria biodiversidade do ambiente.
Tudo isso seria perdido, e uma grande diversidade cultural e biológica poderia
ser extinta, caso essas populações fossem impedidas de habitar em seu lugar de
origem. Até mesmo em termos de sustentabilidade, ideias tradicionais de manejo,
eficientes em seus ambientes, poderiam ser perdidas.
Segundo Ferreira (2004), para alguns estudiosos do assunto essa linha de
pensamento enfrenta oposições que garantem que essa abordagem, de certa for-
ma, naturaliza o sujeito e não contabiliza suas características sociais, políticas.
Acredita-se ainda que essa abordagem pode restringir as áreas a grupos preesta-
belecidos, numa situação politicamente excludente.
Em suma, em primeiro lugar seria preciso saber se essas populações real-
mente possuem características culturais que as capacitem a trabalhar em favor
do manejo sustentável. Interessante também seria saber se essas populações têm
interesse de participar de um plano de gestão ambiental. Para Ferreira (2004), o
problema maior a ser debatido e compreendido no escopo dessas discussões seria
justamente saber se esses grupos se qualificam ou se poderiam ser responsabili-
zados por essa atuação.
É claro que é preciso retomar a questão da participação e entender que, caso
permanecessem no local, essas populações precisariam receber incentivos e ter
suas necessidades mínimas, inclusive territoriais, atendidas pelo Estado. Além
disso, teriam que ser capacitadas, com a introdução de novos saberes tecnológicos
ambientais, para assim se tornarem responsáveis também pela implantação e fis-
calização em uma unidade de conservação.
Nas diretrizes da Agenda 21, em vários capítulos, encontramos ressaltada a
importância da participação das comunidades tradicionais no manejo de ambien-
tes naturais. Em todos os casos, o que o documento enfatiza é que essas comuni-
dades devem ser mantidas no ambiente de origem, com seus direitos assegurados.
Mas em qualquer caso, com ou sem a intervenção humana, o papel do Estado é
garantir a manutenção da biodiversidade (MMA, Agenda 21, 2005):
A despeito dos esforços crescentes envidados ao longo dos últimos 20 anos, a perda da
diversidade biológica no mundo – decorrente sobretudo da destruição de habitats, da
colheita excessiva, da poluição e da introdução inadequada de plantas e animais exógenos
– prosseguiu. Os recursos biológicos constituem um capital com grande potencial de pro-
dução de benefícios sustentáveis. Urge que se adotem medidas decisivas para conservar e
manter os genes, as espécies e os ecossistemas, com vistas ao manejo e uso sustentável dos
recursos biológicos. A capacidade de aferir, estudar e observar sistematicamente e avaliar
a diversidade biológica precisa ser reforçada no plano nacional e no plano internacional.
É preciso que se adotem ações nacionais eficazes e que se estabeleça a cooperação inter-
nacional para a proteção in situ dos ecossistemas, para a conservação ex situ dos recursos
biológicos e genéticos e para a melhoria das funções dos ecossistemas. A participação e o
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apoio das comunidades locais são elementos essenciais para o sucesso de tal abordagem.
Os progressos realizados recentemente no campo da biotecnologia apontam o provável
potencial do material genético contido nas plantas, nos animais e nos micro-organismos
para a agricultura, a saúde, o bem-estar e para fins ambientais. Ao mesmo tempo, é parti-
cularmente importante nesse contexto sublinhar que os Estados têm o direito soberano de
explorar seus próprios recursos biológicos de acordo com suas políticas ambientais, bem
como a responsabilidade de conservar sua diversidade biológica, de usar seus recursos
biológicos de forma sustentável e de assegurar que as atividades empreendidas no âmbito
de sua jurisdição ou controle não causem dano à diversidade biológica de outros Estados
ou de áreas além dos limites de jurisdição nacional.

De qualquer forma, embora a Agenda 21 seja um documento universal, os


limites e possibilidades de sua implantação estão relacionados às realidades lo-
cais. Esse e outros documentos oficiais internacionais veem a questão sob um
ponto de vista único, homogeneizado. O contexto do “pensar globalmente, agir
localmente” também deve ser complementado por seu corolário – “pensar local-
mente, agir globalmente” – porque neste exercício as particularidades de cada
nação, em todas as suas diferenças culturais, serão levadas em consideração. Por
esse motivo, cada nação, cada Estado deve encontrar sua própria maneira de lidar
com esses confrontos. O fato é que a participação popular – seja das comunidades
tradicionais, seja da população local – não deve ser esquecida nem negligenciada.
Ela deve ser permanentemente discutida, implementada, pois nada que se refira à
questão ambiental pode ser feito de forma isolada. Para isso, as políticas públicas
locais devem auxiliar e favorecer a participação do cidadão no processo. E a pro-
moção da Educação Ambiental é um bom caminho para essa implementação.

Planejamento participativo
(DEMO, 2001)
Poderá se estranhar que consideremos o planejamento como instrumento de participação.
Entretanto, assim o cremos, não somente no sentido de pelo menos não estorvar processos parti-
cipativos mas igualmente no sentido de colaborar em sua participação.
A possível estranheza tem muita razão de ser. O planejamento, sobretudo quando entendido
como função do Estado, possui tendência clássica de impor-se à população, principalmente em
sua face tecnocrática. Possui natural propensão tecnocrática, sistêmica e impositiva.
A propensão tecnocrática manifesta-se na posição do poder do técnico, às vezes maior, às
vezes menor, no sentido de influenciar fluxos de recursos, construções de planos e programas,
formas de avaliação e acompanhamento, em nome de um Estado que pode ser mais ou menos
autoritário. Ao mesmo tempo, o planejamento estereotipa um modo próprio de conceber e realizar
políticas sociais, tendo prevalecido de longe configurações ligadas ao assistencialismo, ao residu-
alismo, ao controle social, e assim por diante.
A tendência tecnocrática se prende, ademais, à distinção entre os trabalhos intelectual e ma-
nual. Este é marcado pela execução braçal, de gosto servil. Aquele é nobre, e se restringe a super-

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visionar e a avaliar, coordenar, programar etc. Para fazer isso, é mister hoje pelo menos formação
– dita não por acaso – superior, quando não o domínio sofisticado de técnicas quantitativas de teor
sumamente formal e acadêmico. O que virou em nossa sociedade uma fonte de poder, ainda que
de um poder bem menos forte que o poder oriundo da posse dos grandes meios de produção ou do
comando político estatal. A própria sofisticação de linguagem faz parte do rito desta corte, com
vistas a obter certa reverência a partir da ignorância popular. No mínimo, conseguiu-se entronizar
no Estado a função quase intocável do planejamento, por mais que a finalidade primeira de um
plano não seja resolver problemas sociais, mas justificar uma gestão. Aqui temos um exemplo
claro de que saber é poder, sobretudo numa sociedade ainda impregnada de analfabetos e semi-
analfabetos.
A propensão sistêmica significa a tendência natural de o planejamento não supor a superação
do sistema em questão. Sequer é necessariamente um defeito, porque nenhum governo planejaria
sua própria superação. Mesmo na maior crise, qualquer sistema imagina encontrar uma saída e
luta para sobreviver. Propõem-se mudanças dentro do sistema, mas não do sistema.
A tendência reformista será mais característica, no sentido de buscar superar conflitos in-
ternos, sem conduzir à transformação do sistema. A busca de transformação do sistema, se for
o caso, não poderá ser colocado dentro de um planejamento comprometido com determinado
sistema e será quase sempre uma farsa imaginar-se revolucionário no planejamento governamen-
tal. Nem por isso precisa ser reacionário, como se sua sina fosse somente colaborar na ruína dos
marginalizados.
Trata-se de divergências ideológicas que é preferível enfrentar a camuflar. Uma ideologia re-
formista pode ser justificada, seja porque não haveria outra opção mais viável para o momento, ou
porque uma opção mais forte provavelmente produziria efeito contrário, ou porque se prefere um
acúmulo de reformas capazes de conduzir ao amadurecimento histórico da situação, ou porque se
assume abertamente a postura pequeno-burguesa, e assim por diante. Não deve, porém, ser ven-
dida como se fora revolucionária, nem deve desconhecer as chances de se tornar mera justificação
do poder, oportunismo e conivência.
No espaço de um governo que nunca é monolítico, há lugar para iniciativas reais de partici-
pação, como é, por exemplo, a luta pela universalização do Primeiro Grau: embora seja proposta
sistêmica, é absolutamente descente e dignifica qualquer planejador. Enfim, é uma espécie de
prática, entre outras práticas. Tem seus méritos, seus defeitos, seus riscos.
A propensão impositiva aparece naturalmente na vontade de fazer acontecer. “Quem sabe faz
a hora. Não espera acontecer.” Precisamente acredita-se que a história pode ser feita sob influência
planejada, lançando mão de expedientes ditos racionais, a começar pela contribuição científica.
Assim, planejar sempre significa intervenção na realidade, traduzindo a expectativa de que a po-
demos manipular em nosso favor.
Não pode o planejamento participativo significar a desistência de intervenção na realidade,
mas certamente outro modo de intervenção, que esperamos seja alternativo.
Esta colocação inicial tem por finalidade preparar o terreno crítico para não fazermos do
planejamento participativo apenas a próxima farsa do poder. Não vale a pena camuflar essa reali-
dade. Antes, é mister partir dela. Somente pode ser participativo o planejador que tenha coragem
autocrítica de perceber que sua tendência é a contrária. Nem isso deve ser o problema, mas sempre
o ponto de partida, crítico e realista.
Ademais, não há porque fugirmos da condição de participantes de determinado governo ou
instituição. Qualquer poder não aprecia ser contestado. Mesmo o planejamento participativo pode

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tornar-se mera legitimação do poder, à medida que reproduzir apenas uma farsa participativa.
Pode-se até aventar que a maioria das propostas de planejamento participativo é feita como ex-
pediente esperto para se evitar a participação efetiva das bases, no sentido de uma estratégia de
desmobilização.
O planejamento participativo busca ser uma forma de antiplanejamento, pois aposta em mu-
danças, mesmo que reformistas. Entretanto, é mister entender ainda que a participação não signi-
fica mecanicamente vontade de transformar. Em si, o conservador não precisa participar menos,
quando se envolve de corpo e alma em prol do sistema que imagina dever preservar. Dentro dos
partidos esta realidade é bem visível, até porque predomina a tendência a planejar como não mu-
dar. Na verdade, sabemos muito melhor como não mudar do que como mudar.
Em nosso contexto, aqui interessa ressaltar a característica de antiplanejamento em busca de
mudanças favoráveis aos desiguais. Mesmo que as ações preconizadas sejam, em si, reformistas,
procura-se sustentar um processo histórico de amadurecimento do sistema, já que nenhum sistema se
transforma sem amadurecer. Qualquer instituição reage à participação, se esta colocar em risco a or-
dem vigente, o que revela a marca típica sistêmica. Não é, pois, uma questão exclusiva do Estado. Isso
leva pelo menos à conclusão de que vale a pena suspeitar de todo projeto participativo institucional.
Três são os componentes básicos do planejamento participativo.
O processo inicial de formação de consciência crítica e autocrítica na comunidade, atra-
vés do qual se elabora o conhecimento adequado dos problemas que afetam o grupo, mas
sobretudo a visão de que pobreza é injustiça. Trata-se de saber interpretar, entender, pos-
tar diante de si e diante do mundo; muitos chamam esta fase de autodiagnóstico, através
do qual a comunidade formula, com seu saber, e em consórcio com o saber técnico, um
posicionamento crítico diante da realidade. O saber de fora, por vezes sofisticado, não é
secundário, mas só se torna parte deste tipo de planejamento se conseguir transformar-se
em autodiagnóstico, desfazendo a relação comum entre sujeito e objeto.
Tendo tomado consciência crítica e autocrítica, segue a necessidade de formulação de
uma estratégia concreta de enfrentamento dos problemas, que saiba destacar prioridades,
caminhos alternativos, propostas de negociação etc. Quer dizer, do nível do reconheci-
mento teórico, parte-se para a ação, dentro de um contexto planejado.
Consumando o terceiro ponto, aparece a necessidade de se organizar, como estratégia
fundamental para os dois passos anteriores. A competência se demonstra sobretudo na
capacidade de organização, que é um teste fundamental dos compromisso democráti-
cos do grupo, aliado ao desafio de fazer acontecer. O desigual sozinho não pode nada,
mas organizado é capaz de emergir, de ocupar a cena, de influenciar e, a partir daí, de
revestir-se da capacidade de mudar em seu favor.
Assim concebido, o planejamento participativo pode conter elementos alternativos reais e
mesmo produzir iniciativas radicais a nível localizado. Mas, para tanto, é mister olhar com cuida-
do a problemática tanto do lado do técnico, quanto do lado da comunidade.
Da parte do técnico pode provir de fato uma proposta alternativa de política social, mais crí-
tica e autocrítica, comprometida com a redistribuição da renda e do poder, avessa a assistencialis-
mos e a manipulações, desde que ele consiga elaborar suficiente consciência crítica e autocrítica,
o que não é um fenômeno simples. De modo geral, terá mais chances de manipular do que de ser
manipulado, valendo isso também para professores, pesquisadores, intelectuais etc. Participação
não funciona por atacado, nem por decreto. É ao mesmo tempo marca e problema o fato de que

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processos participativos qualitativos tendem a ser tópicos, localizados, federativos. Quantidade


não é signo, porque é no âmago processo, não produto.
É preciso discutir acuradamente o trajeto de formação acadêmica, marcada pela qualidade
formal apenas, que prima por métodos, instrumento e quantidades. De modo geral, coloca-se
muito mal a dimensão da qualidade, definida apenas por exclusão e tratada de modo amador. Na
própria formação dita científica embute-se a resistência à qualidade política, dedicada aos fins, às
práticas, aos compromissos ideológicos, inevitáveis para quem quer fazer acontecer. Como tem
mostrado o esforço de metodologias alternativas, o tratamento do fenômeno participativo, por ser
o próprio cerne do que chamamos qualidade na realidade social, exige revisão acerba em plano
teórico e metodológico, em muitos sentidos: supressão da relação verticalizada entre sujeito e
objeto; união dialética entre teoria e prática; pelo menos convivência com o fenômeno participa-
tivo, ou, melhor ainda, vivência, e, no estágio mais alto, identificação ideológica prática; atitude
equilibrada diante dos métodos clássicos, que também são importantes, embora restritos a uma
face da realidade, buscando impulsionar os avanços na dimensão qualitativa com profissionalismo
e seriedade ainda maiores.
Ademais, é mister superar alienações naturais do técnico. Partindo do fato de que não é
pobre, de que é formado na universidade, tendo pois educação dita superior, de que trabalha no
governo, de que é pequeno-burguês etc. Conclui-se cristalinamente que é um ser tendencialmente
alienado, frente aos interessados na política social. Tudo isso, no entanto, não é obstáculo cabal.
Porque é antes o ponto de partida. São nossas formas normais de alienação. Se não as levarmos em
conta, teremos os efeitos negativos conhecidos: não sabemos aprender da comunidade; não acredi-
tamos em suas potencialidades; planejamos em nossos gabinetes e dispensamos o teste da prática
que não pode ser apenas teste, mas parte integrante, nem maior, nem menor, do processo; descon-
fiamos da capacidade comunitária de assumir seu destino; pelo menos em parte; refletimos nas
propostas muito mais nossas inquietações, como se fossem dos interessados, e assim por diante.
Querer ser condutor das políticas, enquanto deveria assumir a posição de agente motivador,
mobilizador, assessor. Requer isto dose de modéstia, que incomoda a muitos técnicos acostuma-
dos a pontificar sobre as necessidades alheias. Entretanto, não há, por outra, nenhuma necessidade
de negar sua identidade. Para trabalhar com comunidades é mister identificar-se com elas, ideolo-
gicamente, na prática, mas não faz sentido comer do lixo, morar debaixo da ponte, ou andar sujo.
Identificar-se ideologicamente na prática não é fantasiar-se de proletário.
Na postura da comunidade pode ser alternativa a coparticipação nas propostas de política
social, desde a concepção até a execução, em graus e modos muito diversos, dependendo das
circunstâncias históricas, e sobretudo do teor organizativo dela. Muda-se a postura de recebi-
mento de favores para aquela de reivindicação de direitos e de soluções próprias dos problemas.
Não é certamente alternativa a postura que apenas vê direitos, porque esconde outra forma de
assistencialismo. Mas é alternativa a postura que se apresenta como parte integrante das soluções
possíveis, incluindo a cooperação através dos mais variados recursos.
Existem também as formas próprias de alienação comunitária, porque a comunidade está ex-
posta – por vezes com extrema violência – aos efeitos-demonstração, aos meios de comunicação,
à manipulação das ideologias etc. Não é, assim, que sua palavra seja bíblica, ao contrário, poderá
ser mais da novela que passa na televisão em horário nobre do que uma real necessidade básica.
Mas vale a máxima: quem mais sabe das necessidades é o necessitado.
A postura alternativa estaria, sobretudo na mudança de população-objeto, de alvo, de cliente,
de paciente, para sujeito principal das políticas, como autênticos interessados. Porquanto, não é
concebível tratar da pobreza sem o pobre.
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É mister fugir de purismos e de populismos. De purismos, no sentido de colocar condições esotéri-


cas de contato com a comunidade, como se o técnico fosse algo sujo, por definição impositivo e manipu-
lador. De populismos, no sentido de não superestimar o saber popular e a própria condição comunitária,
como se passasse de repente a ser o centro do universo. Cada lado tem seu espaço próprio, sem imitações
e reducionismos. Assim, o técnico pode questionar uma proposta comunitária como também pode ser
questionado pela comunidade. Alienação não é privilégio exclusivo de um outro ou de outro lado.
O técnico não deve camuflar que, por mais que se identifique com a comunidade, pratique
uma forma de intervenção, ainda que considerada alternativa. Sua função pode ser importante, em
muitos sentidos, a começar pela postura certamente gasta e muitas vezes farsante do intelectual
orgânico. A autocrítica não deve levar a apagar-se. Ao contrário, deve levar a ocupar seu lugar
adequado no processo, que é nos bastidores, não no centro da cena.
Ao lado disso, é importante ressaltar a tentação das promessas excessivas que o planejamen-
to facilmente dissemina. Não há quem resolva todos os problemas. Nenhuma instituição pode
apresentar-se como capaz de atacar todos os problemas da comunidade. Além de ser uma postura
demagógica, invade o terreno de outras instituições, podendo armar outra farsa: desmobilizar a
comunidade no sentido de que lhe basta confiar no tutor.
Planejamento participativo é possível. Nenhum estado é tão monolítico que a participação
seja de todo inevitável. Uma visão tão monolítica não é histórica, porque é facílimo mostrar que
todos pereceram, sobretudo aqueles que se queriam perenes. Ao mesmo tempo, é uma postura
contraditória defender a impossibilidade total de participação dentro do Estado, porque retira o
próprio tapete do crítico, se um dia chegar ao poder. Uma vez no poder, terá de reconhecer, ade-
mais, que nem todo processo participativo é necessariamente revolucionário. O fenômeno, em
si, admite qualquer coloração ideológica, porque o reacionário atuante não precisa “participar”
menos. A insistência obsessiva sobre processos participativos absolutamente avessos ao poder do
Estado recai quase sempre na banalização típica de se imaginar um poder que não seja poder.

Para todo o grupo: existe um plano de Agenda 21 em sua cidade?

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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21. Disponível em: <http://www.mma.gov.br>.
Acesso em: 20 ago. 2005.
SATO, Michèle. Educação ambiental. São Carlos: Rima, 2003.

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Ações
ambientais globais
Nadja Janke

A
emergência da crise ambiental, desde o início, produziu uma certeza: a de que é preciso
aliar um esforço conjunto, internacional, no posicionamento frente à crise. Se os pro-
blemas ambientais se traduzem globalmente, é preciso que sejam estruturadas soluções
também globais, pensadas de forma democrática, tentando atender também às necessidades
locais.
A questão da sustentabilidade foi introduzida no plano da discussão internacional de forma
decisiva. A preocupação da comunidade internacional com os limites do desenvolvimento do pla-
neta data da década de 1960, e a discussão ganhou tanta intensidade que levou a Onu a promover
a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, quando foram apresentados 27
princípios relativos à ação do homem frente à natureza. Segundo Pedrozo (2003), tais princípios
denunciam o subdesenvolvimento como responsável pela degradação ambiental, e estabelecem
a base teórica para a expressão desenvolvimento sustentável. Claro que a questão do subdesen-
volvimento deve ser vista de forma mais crítica, porque não podemos aceitar que os pobres do
mundo sejam os responsáveis pela destruição ambiental. Mas esse foi um primeiro momento para
a discussão da questão da desigualdade como ponto importante a ser combatido no que se refere
à situação ambiental mundial.
A partir daí, a sustentabilidade foi tema central de diversas conferências para a elaboração
de documentos oficiais a serem pactuados pelas diversas nações, como forma de aliar a comu-
nidade internacional no debate, no combate às causas da insustentabilidade e na superação dos
problemas ambientais globais. O plano de discussão é o da ordem política e econômica, e a Onu
tem sido a grande responsável por essas iniciativas. Claro que, na maioria das vezes, os docu-
mentos assinados por diversos dirigentes de Estado não são amplamente respeitados. O problema
a ser enfrentado, nesse sentido, é a questão do poder. Muitas nações não aceitam abrir mão de
seus postos de países econômica e militarmente mais poderosos em prol de uma nova relação de
poder mais democrática, em que os interesses nacionais sejam substituídos pelas necessidades
ecológicas, econômicas e políticas mundiais. Além disso, a Onu necessita de um processo de
reformulação, com incorporação de novos países, como as nações em desenvolvimento, para
ampliar a participação democrática criando maior possibilidade de criação de projetos a favor de
outras nações que não as desenvolvidas.
Esse é o quadro atual das questões internacionais. Vejamos como a sustentabilidade tem
sido defendida em alguns desses importantes encontros e documentos, e quais os desdobramen-
tos desses “contratos” para a realidade ambiental mundial.

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Relatório Brundtland
No ano de 1987, a Comissão Mundial da Onu sobre o Meio Ambien-
te e Desenvolvimento (Cnumad), presidida por Gro Harlem Brundtland e Man-
sour Khalid, apresentou um documento chamado Nosso futuro comum, também
conhecido como Relatório Brundtland, no qual os governos signatários se com-
prometiam a promover o desenvolvimento econômico e social em conformidade
com a preservação ambiental. O relatório diz que “desenvolvimento sustentável
é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.
Nesse contexto, podemos perceber a inserção do conceito de necessidades,
sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo – que, segundo o rela-
tório, devem receber a máxima prioridade. Além disso, também inclui a noção de
limitação do ambiental frente às tecnologias e ao tipo de organização social, o que
determina a impossibilidade de atender às necessidades presentes e futuras.

A estratégia de Em seu sentido mais amplo, a estratégia de desenvolvi-


desenvolvimento mento sustentável visa a promover a harmonia entre os seres
humanos e deles com a natureza. No contexto específico da
sustentável visa a
crise do desenvolvimento e do meio ambiente, surgida nos úl-
promover a harmonia timos anos e insuperada até agora, o relatório propõe que a
entre os seres humanos e busca por um desenvolvimento sustentável requer um sistema
deles com a natureza. (SORRENTINO, 2002, p. 97)
político que assegure a participação decisiva dos cidadãos;
econômico capaz de gerar excedentes e técnicas eficazes;
social ajustado para resolver as desigualdades;
de produção baseado na conservação;
tecnológico que busque novas soluções;
internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento;
administrativo flexível e capaz de corrigir-se.
A partir da definição de desenvolvimento sustentável pelo Relatório Brun-
dtland, pode-se perceber que tal conceito não diz respeito apenas ao impacto da
atividade econômica no meio ambiente. Desenvolvimento sustentável se refere prin-
cipalmente às consequências dessa relação na qualidade de vida e no bem-estar da
sociedade, tanto presente quanto futura. Atividade econômica, meio ambiente e
bem-estar da sociedade formam o tripé básico no qual se apoia a ideia de desenvol-
vimento sustentável. A aplicação do conceito à realidade requer, no entanto, uma
série de medidas, tanto por parte do Poder Público como da iniciativa privada,
assim como exige um consenso internacional. É preciso frisar ainda a participa-
ção de movimentos sociais, constituídos principalmente na forma de organizações
não governamentais (ONGs), na busca por melhores condições de vida associadas
à preservação do meio ambiente e a uma condução da economia adequada a tais
exigências.
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Segundo o Relatório Brundtland (CNUMAD, 1991), uma série de medidas


deve ser tomada pelos Estados nacionais:
limitação do crescimento populacional;
garantia de alimentação em longo prazo;
preservação da biodiversidade e dos ecossistemas;
diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias
que admitem o uso de fontes energéticas renováveis;
aumento da produção industrial nos países não industrializados a partir
de tecnologias ecologicamente adaptadas;
controle da urbanização selvagem e integração entre campo e cidades
menores;
as necessidades básicas devem ser satisfeitas.
No nível internacional, as metas propostas pelo Relatório são as seguintes:
as organizações do desenvolvimento devem adotar a estratégia de desen-
volvimento sustentável;
a comunidade internacional deve proteger os ecossistemas supranacio-
nais como a Antártida, os oceanos, o espaço;
guerras devem ser banidas;
a Onu deve implantar um programa de desenvolvimento sustentável.
Segundo Pedrozo (2003), as ONGs dos países do Sul têm feito muitas críti-
cas ao Relatório Brundtland por considerarem que ele ignora as disparidades nas
relações entre Norte e Sul, impondo aos países em desenvolvimento os custos
sociais e ambientais do crescimento dos países desenvolvidos, em razão de este
crescimento estar permeado pela crença de que as forças de mercado são suficien-
tes para resolver os problemas ambientais. Tanto o Relatório Brundtland quanto
os demais documentos produzidos pelo Clube de Roma sobre o desenvolvimento
sustentado foram fortemente criticados porque creditaram a situação de insus-
tentabilidade do planeta principalmente à condição de descontrole da população
e à miséria dos países do Terceiro Mundo, efetuando uma crítica muito branda à
poluição ocasionada durante os últimos séculos pelos países do Primeiro Mundo.

Eco-92, Agenda 21
e a Convenção da Biodiversidade
O ano de 1992 foi farto na elaboração de documentos internacionais em
favor da questão ambiental. A busca é por um consenso sobre o caminho a ser
trilhado em busca da sustentabilidade.
A Conferência da Onu sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92,
no Rio de Janeiro, foi essencial para a promoção do debate sobre a sustentabili-
dade ambiental. Apesar dos muitos problemas para se buscar o impossível mas
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necessário consenso sobre as questões ambientais globais, os representantes de pra-


ticamente todos os países do mundo assinaram a conhecida Agenda 21. Trata-se de
um documento que trata de forma complexa a questão da sustentabilidade, propondo
diretrizes para todas as áreas, inclusive a adoção de uma Educação Ambiental, no
capítulo 36. Em forma de síntese, podemos dizer que ali encontramos a Educação
Ambiental voltada para o desenvolvimento sustentável.
Simultaneamente à Eco-92 aconteceu, também no Rio de Janeiro, o Fórum
Internacional das ONGs, no qual foi elaborado o Tratado de Educação Ambien-
tal para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Esse documento das
ONGs propõe princípios, planos de ação e recursos que devem ser utilizados para
o caminho da sustentabilidade segundo a perspectiva não mais dos governos, como
na Agenda 21, mas da sociedade civil organizada em ONGs. A grande importância
desse evento, segundo Carvalho (2002), está na força que imprimiu à participação
da sociedade na elaboração de princípios e modos de ação em favor da sustentabi-
lidade. Isso foi importante para o fortalecimento da sociedade civil no contexto da
crise ambiental, porque, além de colocá-la dentro da discussão, atribuiu um papel
participativo à comunidade, imprescindível para o sucesso dos planos de gestão
ambiental.
A importância desses documentos é indiscutível no que diz respeito à sus-
tentabilidade. Historicamente, esses eventos também foram decisivos para o en-
tendimento da questão ambiental no mundo. A Agenda 21, por exemplo, foi am-
plamente divulgada e é a base para muitos projetos que vêm acontecendo ao longo
desses anos. Mas esses não foram os últimos encontros internacionais que procu-
raram discutir a questão da sustentabilidade.
Também simultaneamente à Eco-92 ou Rio-92, outro importante evento se
transformou em documento a ser pactuado pelos países. A Convenção da Biodi-
versidade, ocorrida também no Rio de Janeiro, dita princípios gerais, e não nor-
mas diretamente aplicáveis pelos Estados, devendo ser implementada em nível
nacional por cada parte contratante.
Neste documento, a aplicação do princípio relativo à preocupação comum
da humanidade sobre os recursos da biodiversidade é finalmente avaliada sob o
ponto de vista da soberania nacional sobre os recursos. O artigo 3.º da Convenção,
que trata especificamente desse assunto, é uma reprodução do princípio 21 da De-
claração de Estocolmo, de 1972, que representa o primeiro acordo internacional
sobre a questão.
Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de
Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo
suas políticas ambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua juris-
dição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além
dos limites da jurisdição nacional. (Ministério do Meio Ambiente, 2005)

Segundo Dias (1996), a questão da soberania nacional sobre os recursos natu-


rais em contraposição à ideia de patrimônio comum da humanidade foi finalmente
discutida. Para essa autora, o conceito de patrimônio comum da humanidade da
Declaração de Estocolmo evoluiu para preocupação comum da humanidade e,
muito mais do que reconhecer a autonomia dos Estados, responsabilizou-os pelo
cuidado com esse patrimônio.
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Na Convenção, também foram tratados outros temas, como o desenvolvi-


mento sustentado, nos artigos 8.o, 9.o e 10.o; o acesso e a distribuição dos recursos
genéticos, nos artigos 15, 16 e 19 – sendo que esses temas também podem ser en-
contrados em outros documentos internacionais. Segundo Dias (1996), a Conven-
ção da Biodiversidade possui uma óptica ecossistêmica, ou seja, as questões são
pensadas a partir de todos os componentes da biodiversidade, de forma complexa,
examinando o ecossistema e todas as suas interações como um só conjunto, de
uma forma global. Assim sendo, todos os demais componentes tratados na Con-
venção – como agricultura, floresta, agrointeriores – têm influência direta sobre a
biodiversidade. Dessa forma, as propostas são tratadas no sentido de contabilizar
todos os componentes do ecossistema para garantir a preservação da biodiversi-
dade.
Como outros documentos, este também precisa ser tratado sob a óptica lo-
cal, ou nacional, e por isso cada país deve ter seu plano de aplicação e gestão
da Convenção da Biodiversidade. Mas a sua grande contribuição para a susten-
tabilidade está em seu caráter sistêmico de atuação.

Dez anos depois: a Rio+10


A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), realizada
de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002, em Johannesburgo, África do Sul, teve
como principal objetivo avaliar e dar continuidade ao que foi proposto na Rio-92.
Aliás, o encontro é conhecido como Rio+10 porque aconteceu uma década de-
pois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Rio-92), no Rio de Janeiro.
O foco principal da Rio+10 foi a relação entre a sociedade e o meio am-
biente. Participaram da Cúpula Mundial, organizada pelas Nações Unidas, 190
países. Além dos chefes de Estado, reuniram-se milhares de participantes –au-
toridades oficiais, empresários e representantes da sociedade civil e de organiza-
ções não governamentais – para a assinatura de compromissos para a implantação
do desenvolvimento sustentável.
Sobre a questão da água potável, ficou estabelecido que 2015 será a data-li-
mite para reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso à água e ao sanea-
mento básico. Os países desenvolvidos devem providenciar recursos financeiros e
transferir tecnologias para cumprir esse compromisso. Alguns países prometeram
investir em programas de socialização desse recurso e a Organização Mundial
da Saúde se comprometeu a tratar da qualidade da água e do ar, do saneamento,
do controle de insetos e animais vetores de doenças, entre outros. Também ficou
acertado que os países se comprometeriam a adotar políticas de diminuição de
impacto da produção, como controle da extração de matéria-prima, destinação
dos resíduos, entre outros.
Para a problemática energética, Brasil e União Europeia discutiram metas
para unificação do uso de fontes de energia renováveis. Ficou acertado que até
2010 os países devem aumentar a porcentagem de uso de recursos renováveis, sen-
do que o documento inclui a criação de mecanismos de revisão periódica do cum-
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primento firmado pelos países. Os Estados Unidos da América, o Japão, a Austrália e


os países exportadores de petróleo – Arábia Saudita, entre outros – não permitiram a
adoção de uma meta única como base para todos os países, mas sim que cada país es-
tipulasse, de forma voluntária, sua própria meta. Mesmo assim, o documento foi apro-
vado pelos negociadores da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável.
Outra meta a ser cumprida é a redução da perda da biodiversidade para
2010, com a ajuda de recursos financeiros e técnicos adicionais. As mudanças
nos padrões insustentáveis de consumo devem ser o foco de programas de con-
servação do meio ambiente.
No último dia do encontro, o resultado final da Cúpula de Desenvolvimento
Sustentável da ONU não agradou aos países em desenvolvimento, muito menos
aos representantes de organizações não governamentais. A avaliação é que nada
havia avançado desde a Eco-92, e muito pouco mudaria após a Rio+10, porque fo-
ram tratadas pautas importantíssimas sobre os interesses das grandes corporações
e das nações desenvolvidas e poucas mudanças foram propostas para a situação
ambiental atual. O resultado final é que o documento aprovado não contém os
instrumentos necessários para agir contra a pobreza e nem para proteger o planeta
contra a degradação. Em que pese a questão da sustentabilidade, com meta para
os próximos dez anos, esse documento parece longe de propor alternativas viáveis
e confiáveis.
Indignadas, várias ONGs se retiraram simbolicamente da conferência e re-
alizaram um manifesto em frente ao centro de convenções. Além disso, durante a
Rio+10, a União Mundial para a Natureza (IUCN) e o Greenpeace se uniram ao
Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável com o objeti-
vo de fazer um apelo aos governos para que fosse assinado o Protocolo de Kyoto.

Protocolo de Kyoto
O chamado Convênio Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática,
mais conhecido como Protocolo de Kyoto, assinado no Japão em 11 de dezembro
de 1997, é um acordo internacional que estabeleceu metas de redução de gases po-
luentes para os países industrializados. O objetivo do protocolo é reduzir, entre 2008
e 2012, uma média de 5,2% nas emissões atmosféricas dos seis gases que provocam
o efeito estufa: dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluocarbono, per-
fluorocarbono e o hexafluorocarbono de enxofre (Onu, 1997).
A ratificação do protocolo sofreu uma série de adiamentos, em razão da de-
sistência ou da falta de assinatura de alguns países. O fato é que para que o pacto se
tornasse juridicamente obrigatório era necessário que os países causadores de 55%
das emissões de dióxido de carbono o ratificassem. Mas em 2001 os Estados Uni-
dos, que são a maior nação poluidora do mundo e haviam assinado o documento
em 1997, não o ratificaram, o que fez com que o protocolo perdesse sua abrangên-
cia. O governo norte-americano se retirou das negociações sobre o protocolo em
2001, alegando que a sua implementação prejudicaria a economia do seu país.

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Nesse protocolo, a meta de redução varia de um signatário para outro. Alguns


países que têm emissões baixas podem até aumentá-las. Ou seja, não há exigência so-
bre os países em desenvolvimento, como o Brasil, para reduzirem as suas emissões.
O acordo diz que os países em desenvolvimento, como o Brasil, são os que menos
contribuem para as mudanças climáticas e, no entanto, tendem a ser os mais afetados
pelos seus efeitos. Embora muitos tenham aderido ao protocolo, países em desenvol-
vimento não tiveram de se comprometer com metas específicas. Como signatários,
no entanto, eles precisam manter a Onu informada do seu nível de emissões e bus-
car o desenvolvimento de estratégias para as mudanças climáticas.
Nesse espaço de discussão, surgiu o comércio de emissão de gases, ou seja,
a compra e a venda de cotas de emissão de gás carbônico. Países que poluem mui-
to, e que não conseguirem diminuir suficientemente suas cotas de emissão, podem
comprar as cotas de países que podem emitir mais gases, cerca de 1% do seu total.
Esse é um dos mecanismos de flexibilidade do protocolo. Outra saída para os pa-
íses poluidores é o ganho de créditos por meio de atividades que aumentem a sua
capacidade de absorver carbono, ou mesmo mecanismos de redução de emissão,
como tecnologias limpas, plantio de árvores, conservação do solo, entre outras.
O Protocolo de Kyoto sofre algumas críticas relacionadas ao fato de a di-
minuição da emissão proposta ser insuficiente para diminuir a pressão do efeito
estufa. Além disso, se as principais nações poluidoras não aderirem, não haverá
uma parcela significativa de diminuição de emissão de gases, o que torna o pro-
tocolo ineficaz.

O Projeto do Milênio das Nações Unidas


O Projeto do Milênio é um órgão consultivo independente, especialmente
constituído pelo secretário geral das Nações Unidas, em 2002, para desenvolver
um plano de ação concreta que possibilite transformar o quadro mundial atual,
por meio do combate à pobreza, à fome, às doenças, entre outras iniciativas. Bus-
cando a consolidação dos objetivos do desenvolvimento do milênio, o documento
corresponde à produção de relatórios de 13 forças-tarefa que tiveram seus temas
de discussão e seus respectivos relatórios (PNUD, 2005b, p. 11).
Força-tarefa sobre a Fome: reduzir a fome pela metade – é plenamente
alcançável.
Força-tarefa sobre Educação e Igualdade de Gênero: pela educação pri-
mária universal – investimentos, incentivos e instituições.
Força-tarefa sobre Educação e Igualdade de Gênero: ação para atingir a
igualdade de gênero e empoderar as mulheres.
Força-tarefa sobre Saúde Infantil e Saúde Materna: quem tem o poder?
Transformando os sistemas de saúde para atender as mulheres e as crianças.
Força-tarefa sobre HIV/Aids, Malária, Tuberculose e Acesso a Medica-
mentos Essenciais, Grupo de Trabalho sobre HIV/Aids: combatendo a
aids no mundo em desenvolvimento.
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Força-tarefa sobre HIV/Aids, Malária, Tuberculose e Acesso a Medica-


mentos Essenciais, Grupo de Trabalho sobre Malária: lidando com a ma-
lária no novo milênio.
Força-tarefa sobre HIV/Aids, Malária, Tuberculose e Acesso a Medica-
mentos Essenciais, Grupo de Trabalho sobre Tuberculose: investindo em
estratégias para reverter a incidência global da tuberculose.
Força-tarefa sobre HIV/Aids, Malária, Tuberculose e Acesso a Medica-
mentos Essenciais, Grupo de Trabalho sobre Acesso a Medicamentos Es-
senciais: receita para o desenvolvimento saudável – aumentando o acesso
a medicamentos.
Força-tarefa sobre Sustentabilidade Ambiental, Meio ambiente e Bem-estar
Humano: uma estratégia prática.
Força-tarefa sobre Água e Saneamento, Saúde, Dignidade e Desenvolvi-
mento: o que é preciso?
Força-tarefa sobre Melhoria das Vidas dos Moradores de Assentamentos
Precários: um lar na cidade.
Força-tarefa sobre Comércio: comércio para o desenvolvimento.
Força-tarefa sobre Ciência, Tecnologia e Inovação: inovação – aplicando
o conhecimento no desenvolvimento.
A elaboração dos relatórios contou com a presença de políticos, cientistas,
economistas, representantes da sociedade civil, da Onu, do Banco Mundial, entre
outros. O relatório final foi apresentado no início de 2005, e propõe medidas para
cada uma das metas das Nações Unidas até 2015. Porém, os resultados ainda estão
longe de se apresentarem na prática, e os países precisam reverter essas considera-
ções para suas realidades particulares a fim de iniciarem o trabalho de compatibili-
zação das metas.

Eis aqui tudo de novo


(Rocha, 2005)1
Como o 11 de setembro e o tsunami, os efeitos do Katrina desafiam a capa-
cidade de reflexão da cultura contemporânea e colocam em xeque a compreensão
de mundo norte-americana, que vê no domínio da natureza e no avanço de suas
fronteiras o fundamento de sua grandeza e singularidade.
Num intervalo relativamente curto, um ato político e dois eventos naturais
desafiam a capacidade de reflexão contemporânea. O ataque às Torres Gêmeas
1 João Cezar de Castro
Rocha é professor de
Literatura Comparada na
em Nova York produziu uma avalanche de textos só comparável às recentes ca-
tástrofes: tsunami na África e na Ásia; furacão nos Estados Unidos. O ataque
Uerj e autor de Literatura
e Cordialidade (Eduerj), às Torres Gêmeas foi prontamente reduzido a um conjunto de teorizações. Na-
entre outras obras.
turalmente, não pretendo discuti-las, mas assinalar que isso ocorreu mediante a
“narrativização” do evento. Como se tratava de evento causado por agentes
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históricos, com motivações particulares, os repórteres da CNN, desde o primeiro momento, pude-
ram apresentar inúmeras explicações para os motivos subjacentes ao atentado, logo considerado
como um gesto de consequências trágicas. Repito: não me interessa discutir as análises, mas res-
salvar sua ocorrência, simultânea à transmissão do evento.
Já as catástrofes naturais apresentam um sério desafio à reflexão contemporânea, assim como
à própria cobertura jornalística. Numa cultura secularizada, como “narrativizar” a erupção vulcâ-
nica que deu origem ao tsunami? Como atribuir “sentido” aos ciclones tropicais migratórios que
se originam sobre os oceanos, provocando furacões? Se não cabe atribuir semelhantes desastres
naturais à Providência, e, ao mesmo tempo, se não faz sentido imputá-los a agentes históricos,
então, como representar “narrativamente” tais catástrofes? Contudo, numa época em que a técnica
tornou-se um fetiche em si mesmo, como aceitar a incapacidade nem tanto de previsão quanto de
controle dos efeitos das catástrofes?
Talvez essa seja uma distinção útil para começar a refletir sobre o problema. Deveríamos
evitar o termo tragédia ao descrever eventos como o tsunami ou o furacão Katrina – embora seja o
recurso favorito da cobertura da grande imprensa que, em geral, substitui o caráter propriamente ir-
representável da explosão de uma força natural pela produção em série de uma miríade de histórias
individuais de resgate, heroísmo, desespero, esperança. A dificuldade de lidar com tais catástrofes
relaciona-se precisamente à resistência que oferecem à narrativa. Diante da impossibilidade de
escolher prontamente adversários, bodes expiatórios, como contar histórias? Entretanto, sem rela-
tos, não mais podemos “humanizar” a natureza. Estamos, portanto, órfãos de modelos narrativos
satisfatórios.
O dilema não é nada novo. O terremoto de Lisboa, que literalmente lançou por terra o ideal
iluminista de um progresso constante e ininterrupto, foi encarado por Voltaire com a ironia de
Cândido – dado o ânimo secularizador das Luzes, a solução era adequada. Muito antes, porém,
na gênese de boa parte de nossos modelos narrativos, toda sorte de catástrofes naturais podia ser
imediatamente reduzida à narrativa-matriz: sinal inequívoco da ira divina, reedição do merecido
castigo que, desde o pecado original, regularmente se aplica à humanidade.
O dilema também interessou a Machado de Assis. Num conto pouco discutido, “Na arca:
três capítulos inéditos do Gênesis”, imaginou uma situação-limite, no entrelugar da tragédia e da
catástrofe que constitui o nó górdio a ser enfrentado hoje. Entre os escolhidos para recomeçar a
humanidade, após o terrível castigo do dilúvio, dois filhos de Noé, Jafé e Sem, iniciam uma dis-
puta relativa à futura divisão das terras ainda sob as águas. O calor da disputa faz com que não
cedam nem mesmo à autoridade paterna. Desiludido, Noé lança uma profecia, enigmática para
seus filhos, mas traduzível em momentos históricos os mais diversos: “Eles ainda não possuem a
terra e já estão brigando por causa dos limites. O que será quando vierem a Turquia e a Rússia?”

Destino manifesto
Enquanto existirem russos e turcos, enquanto houver promessa de inimigos, Jafé e Sem defenderão
seus pontos de vista e, assim, manterão o dilúvio longe dos olhos. Um dos problemas contemporâneos é
que a secularização da cultura obriga a enfrentar tsunamis, furacões e toda sorte de catástrofes sem recor-
rer aos tradicionais recursos de narrativização da natureza e à atribuição de culpas a bodes expiatórios – os
“inimigos”. De um lado, a catástrofe provocada pelo furacão Katrina evidencia esse problema, e, de ou-
tro, certa característica da cultura norte-americana talvez contribua para agravar sua complexidade.
A ideologia do “destino manifesto” supõe uma compreensão particular do relacionamento da
história do país com a natureza. Em 1893, Frederick Jackson Turner (1861-1932) realizou sua mais
famosa conferência, “The Significance of the Frontier in American History” (O Significado da
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Fronteira na História Americana), texto cuja influência se estendeu por décadas e que ainda hoje
sobrevive nas fantasias imperiais de George W. Bush.
Segundo Turner, até o final do século XIX, cada nova geração de norte-americanos defron-
tou-se com uma fronteira potencialmente móvel, pois o solo ainda não havia sido totalmente ocu-
pado. Desse modo, a civilização norte-americana plasmou-se no embate constante com vastas ex-
tensões de terra, incluindo-se nesse embate o genocídio das populações nativas, condição sine qua
non para a anexação crescente de territórios a um país em expansão aparentemente interminável.
Contudo, em 1893, as fronteiras já estavam definidas. Por isso mesmo, Turner decidiu estudar sua
importância na formação do homem norte-americano, uma vez que daí em diante uma nova forma
de convívio deveria impor-se (observe-se, de passagem, a semelhança com o método posterior de
Gilberto Freyre, que estudou a relevância da família patriarcal na gênese da civilização brasileira no
momento em que seu declínio era fato consumado). Na visão otimista de Turner, a fronteira instável
teria propiciado o surgimento do “individualismo democrático norte-americano”, com base na livre
iniciativa e na capacidade de adaptar as circunstâncias exteriores ao próprio interesse. A teoria da
fronteira implicava o domínio das forças da natureza, vistas como argila para a construção do país.
Nas artes plásticas, desde o final da década de 1840, esse sentimento já tinha dado frutos nas telas da
New Hudson River School, isto é, na pintura das paisagens naturais norte-americanas. Ao contrário
do dilema brasileiro oitocentista, em que a exuberância da natureza tropical ameaçava o projeto
civilizatório, nos Estados Unidos, a natureza, em princípio inesgotável, representava a promessa do
progresso infinito.
No momento em que as fronteiras nacionais se estabilizaram, um novo “limite” foi criado,
na imagem nada sutil da política do Big Stick, de Theodor Roosevelt (1858-1919), presidente dos
Estados Unidos de 1901 a 1909. No fundo, trata-se da política revivida pelos atuais falcões da “di-
plomacia” norte-americana. Roosevelt inaugurou sua política de intervenção na América Latina em
1905, invadindo a República Dominicana. A atual política externa do governo Bush, com base no
que denomina “ataque preventivo”, tem sua origem ideológica tanto na tese da fronteira de Turner
quanto na violência imperial de Roosevelt. Nessa tradição, não há lugar para refletir sobre a natureza
em si mesma; ela é um mero meio para o progresso, deve ser moldável aos propósitos imediatos,
numa espécie de atualização perversa e, sobretudo, anti-intelectual da “dialética da ilustração”, tal
como definida por Adorno e Horkheimer. Assim, o tsunami pôde render narrativas porque se trata
de um fenômeno ocorrido a grande distância, logo, “admirado” com toda segurança numa surpreen-
dente vulgarização da experiência do “sublime”, como imaginada pelos filósofos do século XVIII.
Já o furacão Katrina ocasionou uma paralisia temporária: como entender tal catástrofe no interior
das fronteiras norte-americanas? Paralisia semelhante tomou conta do governo norte-americano na
época dos ataques às Torres Gêmeas; entretanto a reação foi muito mais rápida, afinal, havia ad-
versários autodeclarados: a narrativização do episódio se fez praticamente por si mesma. A inércia
inicial do governo norte-americano talvez expresse mais que o óbvio: há uma questão étnica e eco-
nômica na negligência observada; ora, se a catástrofe ocorresse na Nova Inglaterra, o atendimento
às vítimas seria imediato. Há uma questão política: a dispersão de forças, decorrente da invasão
do Iraque. Contudo, por que não pensar em outra dimensão? A civilização norte-americana parece
despreparada para enfrentar catástrofes no interior de suas fronteiras. É como se não pudesse aceitar
a incapacidade da ação humana diante de um fenômeno natural de tais proporções. O descaso do
governo Bush com o Protocolo de Kyoto traduzia essa arrogância, típica do homem de fronteira e
definidora de sua política “externa”. Os tempos mudaram. Não se dispõe de turcos, tampouco de
russos que acusar. Eis como Machado de Assis concluiu o conto: “A arca, porém, continuava a boiar
sobre as águas do abismo.” A agudeza do relato finalmente se tornou clara no atual naufrágio da
compreensão norte-americana da natureza.
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Ações ambientais globais

Furacões crescem com aquecimento global,


diz especialista britânico
(MCCARTHY, 2005)2
Os furacões superpoderosos que atingem os Estados Unidos da América
são evidências incontestáveis do aquecimento global, diz um dos mais importan-
tes cientistas britânicos. A crescente violência de ciclones como o Katrina, que
destruiu New Orleans, e o Rita, que assusta o Texas, deve resultar das mudanças
climáticas, diz sir John Lawton, presidente da Comissão Real de Poluição Am-
biental. Para ele, os furacões se intensificam, como os modelos computadori-
zados previram, em função da elevação da temperatura do mar. “A intensidade
crescente desse tipo de tempestades extremas muito provavelmente se deve ao
aquecimento global.”
Em uma série de comentários muito francos em que fez um ataque pou-
co velado à administração Bush, Lawton criticou os neoconservadores nor-
te-americanos que ainda negam a realidade das transformações climáticas.
Referindo-se à chegada do furacão Katrina, ele disse: “Se isso fizer os malucos
climáticos nos Estados Unidos compreenderem que temos um problema, então
algo de bom terá saído de uma situação verdadeiramente pavorosa.”
Enquanto ele falava, pessoas fugiam da costa do Texas e o Rita, um dos
furacões mais intensos da história, aproximava-se de Houston, a quarta maior
cidade dos Estados Unidos.
Sobre que conclusão o governo Bush deveria tirar do fato de dois furacões
de intensidade tão alta atingirem os Estados Unidos em rápida sucessão, sir
John disse: “Se aquilo que, ao que tudo indica, será um caos horroroso levar
os céticos norte-americanos extremos em relação às mudanças climáticas a
reconsiderarem suas opiniões, isso será um resultado de grande valor.”
Quanto ao fato de chamar esses céticos de “malucos”, ele respondeu:
“Existe um grupo de pessoas em várias partes do mundo [...] que não quer
aceitar que as atividades humanas podem modificar o clima e estão modifi-
cando. Comparo-as às pessoas que negam que cigarro provoca câncer.” Os
comentários de sir John seguem pesquisas recentes, boa parte delas de origem
norte-americana, que indicam que a violência dos furacões vem aumentando.
Um artigo de pesquisadores norte-americanos publicado [...] no periódico
norte-americano Science mostra que nos últimos 35 anos dobrou a incidência
de tempestades com a intensidade do furacão Katrina. Embora a frequência
global das tempestades tropicais em todo o mundo mantenha-se estável desde
1970, o número de tempestades extremas, de categoria 4 ou 5, subiu muito. Na
década de 1970, ocorriam em média dez furacões de categoria 4 ou 5 por ano,
mas, desde 1990, a média atingiu 18 por ano. Durante o mesmo período, a tem-
peratura da superfície do mar, um dos fatores que determinam a intensidade
dos furacões, aumentou em média 0,5 grau centígrado. Segundo Lawton, “cada
vez mais, parece que temos uma prova inegável. É justo concluir que o aqueci-
mento global, provocado em grande medida pelo homem, provoca o aumento
da temperatura superficial do mar e o aumento da violência dos furacões.”
2 Jornalista do Independent.

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Ações ambientais globais

Quais são as dificuldades para implantação de projetos internacionais nas realidades nacionais
e regionais?

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Experiências de ações
ambientais nas políticas
públicas locais
Nadja Janke

E
m geral, um dos grandes problemas das políticas públicas é que elas sempre trataram separada-
mente da questão do desenvolvimento econômico, da desigualdade social, da conservação da
natureza, entre outras. Esse pode ser considerado um dos motivos do insucesso dessas políticas
com relação à degradação, já que nunca se pensou em crescimento com proteção ambiental.
A expressão políticas públicas tem sido amplamente usada no tratamento das questões relati-
vas ao desenvolvimento sustentável. Porém, não existe uma definição única para essa expressão na
literatura acadêmica, mas algumas alternativas possibilitam certo esclarecimento.
Para Vianna Jr. (1994), uma política pública é uma tentativa de alcançar determinada finalidade
por uma ação planejada de processos que vão desde a elaboração dessas finalidades até o planejamento
do método de ação, de análise, de controle dos resultados. Para esse autor, no entanto, as ações coorde-
nadas nem sempre são realizadas por um mesmo organismo governamental: muitas vezes, esses órgãos
nem mesmo são articulados. O que fica claro é que as políticas públicas são fruto de muito planejamen-
to e de estudos complexos para definir as diretrizes de atuação.
A origem da política é que a define como pública. Isso é ressaltado na definição de Demo
(2001), que diz que nem toda política social é uma política pública porque uma política social
pode ser o trabalho de organizações não governamentais, da sociedade civil, entre outras. Já
a política pública, para este autor, é toda política de autoria e de responsabilidade do Estado.
Porém, é preciso distinguir entre políticas e simples decisões, já que estas são tomadas todos
os dias e não possuem o caráter de planejamento elaborado das políticas públicas. Para Moraes
(1994), as políticas públicas podem ser de ordem econômica, de ordem social (educação, saúde
etc.) e de ordem territorial (urbanização, meio ambiente).
Muitas dessas políticas públicas setoriais, como as de energia, ciência e educação, estão rela-
cionadas à questão ambiental, muitas vezes causando impactos para o ambiente, como é o caso da
construção de usinas hidrelétricas, que inundam grandes áreas, ocasionando uma irreparável perda
de biodiversidade (BRASIL, 1991). Esses problemas geralmente são tratados com outras políticas
que tentam amenizar o problema.
A Agenda 21 trouxe um novo olhar para as políticas públicas. Propôs que as ações fossem
tratadas de forma sistêmica, ou seja, todas as questões devem ser analisadas ao serem implantadas
políticas públicas nos estados, tanto as questões sociais, políticas, como as ambientais, econômicas,
culturais, entre outras. O próprio planejamento da política já deve ser amparado por essa perspectiva,
assim facilitando o entendimento dos problemas e as formas de resolução. Segundo Veiga (1998), as
políticas agrárias de assentamento de agricultores sem-terra, por exemplo, devem ser acompanhadas

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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

de ações em outras áreas, como a educacional, buscando introduzir os indivíduos


nas questões da conservação da biodiversidade e da utilização racional da terra.

Políticas públicas
em unidades de conservação
Em geral, embora as políticas públicas sejam de base governamental, muitas
dependem da participação não só dos órgãos públicos mas também da população
local. É preciso que se construa um planejamento participativo para a elaboração
e a consolidação desses planos de conservação. No planejamento participativo,
as necessidades das populações são ressaltadas durante a elaboração dos planos
de ação de longo prazo. A população elege as questões prioritárias para alcançar
a sustentabilidade, o que envolve aspectos ambientais, mas também econômicos
e sociais. Desse processo, também participam instituições públicas e não gover-
namentais. É o caso da implementação de reservas extrativistas na Amazônia.
Anteriormente, as unidades de conservação ambiental não respeitaram as comu-
nidades que habitavam essas áreas e muitos habitantes perderam o direito sobre
suas terras e mesmo os que puderam ficar foram impedidos de extrair os recursos
da mata para sobreviver. Atualmente, o conceito de reserva extrativista tem sido
um contraponto a esse modelo de gestão. Um exemplo é a Reserva Extrativista
Chico Mendes, no Acre, criada 1990. As terras pertencem à União, que, em vez
de implantar projetos agroflorestais, de mineração, madeireiros ou agropecuários,
criou planos de manejo, em conjunto com representantes do governo, da socieda-
de civil e das comunidades favorecidas. Isso possibilitou que a população local
pudesse usufruir o ambiente, desde que obedecesse ao plano de manejo.
Outros exemplos, em âmbito federal, podem ser encontrados no site do
Ibama (www.ibama.gov.br), no qual estão expostas várias iniciativas no manejo e
proteção da biodiversidade em unidades de conservação. É o caso da reserva do
Parque Cabo Orange, localizado no extremo norte do Brasil, na costa do estado
do Amapá. Foi um dos primeiros parques criados na Amazônia. Segundo o site
do Ibama, uma equipe composta por técnicos do órgão, de universidades e de
institutos de pesquisa do Amapá e do Pará vai percorrer o parque para levantar
dados biológicos e arqueológicos e encaminhar a elaboração do plano de manejo
da área protegida. Esse plano de manejo vai determinar como deve ser a utilização
e o funcionamento do parque.
Essa iniciativa faz parte das ações do Arpa, o programa Áreas Protegidas
da Amazônia, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e executado pelo
Ibama e pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). Esse programa,
além de criar novos parques e reservas na Amazônia, está investindo na consoli-
dação de áreas protegidas já criadas. É claro que o Ibama tem muitos problemas
estruturais e de funcionamento, o que nem sempre possibilita uma boa atuação e a
implantação das políticas públicas em áreas muito afastadas. É o caso das reservas

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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

na Amazônia, por exemplo, que sofrem muito com o desmatamento, e que por
sua longa extensão e a distância nem sempre são bem monitoradas pelos agentes
do Ibama, que são poucos e ainda sofrem ameaças das madeireiras. O processo é
complicado e vai além da aplicação das políticas públicas, requerendo um efetivo
de fiscalização e monitoramento muito maior.
Como exemplo de implantação de política pública em ordem estadual, pode-
mos citar o caso de São Paulo. Em 1995, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado
de São Paulo criou o Programa para a Conservação da Biodiversidade (Secretaria
do Meio Ambiente, 1997). O objetivo era implantar ações de proteção e utilização
da biodiversidade do estado de acordo com a Convenção de Diversidade Biológica
(CDB). As unidades de conservação do estado, sob responsabilidade da Secretaria
do Meio Ambiente, são predominantemente da Mata Atlântica, ecossistema muito
ameaçado pela expansão das cidades. Além disso, a maior parte da reserva está
contida em propriedades privadas, o que aumenta a dificuldade de conservação.
Para lidar com esses problemas, a Secretaria criou uma série de programas – como
o Probio-SP, uma rede de geração de informações, produção de estudos e de dados,
reunião e sistematização de dados, projetos, eventos, assessoria técnica e científi-
ca, subsídios para políticas públicas – que visam ao diagnóstico participativo da
situação atual da biodiversidade e sua conservação, à proposição de alternativas
para a sua manutenção e utilização sustentável e justa (Secretaria do meio
ambiente, 1998).
Das políticas públicas locais, muitas ações são realizadas em parceria com a
comunidade local e universidades e com o apoio de empresas e ONGs da área am-
biental e socioambiental, criando uma rede muito maior de informações e ações
na implementação das políticas públicas.
É o caso do projeto de Construção da Agenda 21 do Município de Taiaçu-
peba, em Mogi das Cruzes, vizinha ao parque do Pico da Neblina, que trabalhou
em parceria com a Associação de Moradores, a ONG Instituto Ecofuturo e a sub-
prefeitura do distrito. O objetivo era criar um plano de desenvolvimento local sus-
tentável em parceria com toda a comunidade, com diagnósticos socioambientais,
eventos, oficinas e discussões sobre a sustentabilidade do ambiente da cidade e do
entorno (ECOAR, 2005).

Políticas públicas e desenvolvimento rural


O crescente quadro de exclusão social e o fortalecimento dos movimentos sociais
rurais são o pano de fundo para a implantação de políticas públicas no fortalecimento
do desenvolvimento rural, principalmente no que diz respeito à agricultura familiar.
Também a sociedade urbana – com o crescimento da miséria, da violência e da insegu-
rança nas grandes cidades – parece apoiar as políticas de valorização do meio rural.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio da Secretaria de Agri-
cultura Familiar, classifica os agricultores em três grupos:

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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

os capitalizados, integrados ao mercado;


os descapitalizados ou em transição, com algum nível de produção desti-
nada ao mercado;
os assalariados agrícolas e não agrícolas, com produção voltada quase
que exclusivamente para o autoconsumo.
Segundo cálculos da secretaria, a maioria dos produtores rurais não está
inserida no mercado e consegue apenas produzir para a sobrevivência (Ministério
do Desenvolvimento Agrário, 2005).
Para Abramovay (2000), o resultado dessa disparidade está justamente no
tipo de produção agrícola incentivada no país. Segundo esse autor, os países cuja
evolução da produção rural se deu em base familiar, e não patronal, prosperaram
na agricultura. Já os países que trabalharam a agricultura de forma patronal, dife-
renciando gestão de trabalho, causaram uma relação de imensa desigualdade.
O resultado é que grande parte das propriedades que produzem para o mer-
cado é do tipo patronal. No entanto, a maioria das pequenas propriedades, de es-
trutura familiar, sofre uma situação de pobreza e descaso, não conseguindo entrar
no mercado com a pouca produção que apresentam. Por essa razão, grande parte
das políticas públicas agrárias é localizada nesse tipo de propriedade rural, numa
tentativa de diminuir as disparidades.
Para Castilhos (2002), o desenvolvimento dos territórios rurais depende da
dinamização da agricultura familiar, da diversificação das economias, da capa-
cidade de criação de ocupações geradoras de novas fontes de renda agrícola ou
não agrícola. Porém, para o autor, o Estado deve atuar com mais força quando se
trata de promover o desenvolvimento, organizando ações para induzir a constru-
ção de relações sociais mais efetivas entre os agricultores familiares, entre estes
e outros espaços sociais fora dos seus municípios e entre estes agricultores fami-
liares e o Poder Público municipal, definindo estratégias com essa intenção.
No caso das políticas públicas rurais, um bom exemplo é o Programa Na-
cional da Agricultura Familiar (Pronaf), que surgiu em 1996, a partir da luta dos
trabalhadores rurais por uma política pública específica e diferenciada para a agri-
cultura familiar.
O Pronaf atua com linhas de crédito, na melhoria da infraestrutura e dos servi-
ços aos municípios, assistência técnica e extensão rural, capacitação e pesquisa. Em
2002, a linha de capacitação lançou um programa com 11 temas prioritários (coopera-
tivas de crédito, experiências inovadoras de assistência técnica, uso de tecnologias al-
ternativas, mulheres rurais, escolas com regime de alternância, agroecologia, agências
regionais de comercialização, agroindústria familiar rural, associativismo e coopera-
tivismo, atividades não agrícolas no meio rural, certificação de produtos de origem
familiar) em que organizações governamentais e não governamentais apresentaram
projetos (Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2005).
Ao analisar a infraestrutura do Pronaf, Castilhos (2001) conclui que, para
serem efetivas, as políticas públicas descentralizadas e voltadas para grupos so-

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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

ciais mais empobrecidos necessitam da presença constante de funcionários públi-


cos dos governos centrais, que orientem na formação da autonomia desses grupos
sem que eles sofram qualquer tipo de dominação pelos interesses dos governos
locais.
Uma boa alternativa para os produtores rurais, e com grande incentivo pe-
las políticas públicas, é a criação de cooperativas de produção, que aumentam o
poder dos associados nas negociações e no acesso ao crédito. As cooperativas
facilitam a atuação dos agricultores porque, sendo por eles geridas, podem lidar
melhor com as dificuldades da comunidade rural, facilitando o conhecimento das
necessidades desse público e da concessão de créditos rurais por parte das ins-
tituições financeiras. A inserção de políticas públicas na agricultura deve estar
amparada pelo conhecimento das diferenças regionais do país, buscando apoiar as
regiões que possuem menos incentivos e, portanto, são mais pobres.
Outra possibilidade de política pública rural são os assentamentos promovi-
dos pela reforma agrária. Segundo Gehlen (2004, p. 103),” a reforma agrária, por
essência, é política pública com forte impacto social, sem diminuir os argumentos
econômicos de aumentar a produção e de inclusão de parcela da população no
circuito do mercado de produtores e de consumidores”.
Porém, para o autor, uma correta reforma agrária deve instruir o produtor,
dando a ele condições de usufruir de novas tecnologias, incentivos financeiros, um
sistema gestor eficiente. Assim, a política pública de reforma agrária não precisa
necessariamente ser complementada por políticas sociais. Ela, por si só, consegue
organizar a realidade rural de forma a alcançar a sustentabilidade.
Nas localidades paulistas de Ibiúna, Piedade e Pilar do Sul, através do Pronaf, o
governo está financiando cerca de 300 projetos técnicos para a agricultura familiar, com
o apoio da Associação Ecoar Florestal. O projeto procura incorporar um sistema flo-
restal às unidades produtivas de agricultura familiar da região (ECOAR, 2005). Nesse
caso, a política pública conta com o apoio da sociedade civil para ser implementada.

Políticas públicas em educação


As políticas públicas em educação têm uma grande abrangência. Toda po-
lítica de reformulação das bases da educação infantil, fundamental, entre outras,
é uma política pública. Quando se referem à questão da sustentabilidade, os pro-
gramas procuram inserir a Educação Ambiental nas escolas de forma a incentivar
um olhar transdisciplinar das questões ambientais.
Nessa área, as políticas públicas têm um papel fundamental porque a edu-
cação precisa ser democratizada. Segundo Martins (2001, p. 28-48), a grande di-
ficuldade está em estabelecer políticas que não privilegiem os interesses privados,
como em geral tem acontecido. Para essa autora, a necessidade é de uma descen-
tralização das políticas públicas, abarcando as necessidades locais das escolas, de
modo a diversificar essas políticas. Isso é um problema, porque muitas vezes tais
políticas estão vinculadas a capital externo para serem efetivadas.

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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

Em geral, o que se documenta é que o Estado se compromete pouco com


a criação de políticas públicas inovadoras, cabendo à sociedade civil organizada
efetivar ações que incrementem as políticas locais. Além disso, os professores
sentem grande necessidade de implementar ações em Educação Ambiental, mas
não se sentem capazes ou preparados para fazê-lo.
Por esse motivo, a maioria das atividades de Educação Ambiental que têm
ocorrido nas escolas reflete muito superficialmente a questão e está pouco com-
prometida com a formação complexa do cidadão. Na maioria das vezes, são feitas
semanas de reciclagem nas quais os alunos enviam latas e garrafas de refrigeran-
tes para serem recolhidas e recicladas, sem muita problematização sobre a questão
do consumo ou mesmo da reutilização.
As políticas públicas precisam se basear, portanto, na capacitação dos pro-
fessores para trabalharem com temas ambientais complexos. Não basta que os
professores fiquem atentos apenas às questões ecológicas. Também não basta que
somente o professor de biologia inicie um trabalho de Educação Ambiental. A
escola, como um todo, precisa estar inserida no contexto e trabalhando de forma
transdisciplinar para alcançar uma compreensão sistêmica do assunto.
Por esse motivo, muitas vezes as escolhas trabalham com o auxílio de ONGs ou
pesquisadores de universidades na elaboração de programas de Educação Ambiental.
O problema é que, quando o projeto acaba, as escolas que não conseguiram implantar
um programa efetivo e duradouro acabam perdendo a oportunidade de continuar tra-
balhando com os temas ambientais de forma complexa e transdisciplinar.
Na estrutura do Ministério da Educação (MEC), a Coordenação Geral de Edu-
cação Ambiental (CGEA) está estruturada na Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad), por meio do Programa Nacional de Educação
para a Diversidade, a Sustentabilidade e a Cidadania. Segundo o site do MEC, esse
programa possui as determinações abaixo (Ministério da Educação, 2005).

Eixos Subeixos Objetivos


I – Fortalecimento da – Comissão de Meio Ambiente e – Fortalecer o Programa Nacional
Política Nacional de Qualidade de Vida nas Escolas de Educação Ambiental
Educação Ambiental – – Rede de Juventude para a – Promover a mobilização para a
Lei 9.795/99 Sustentabilidade 2.a Conferência Infantojuvenil pelo
– Representação em Conselhos Meio Ambiente
Órgão Gestor
II – Formação Continuada – Formação de Formadores I – Implantar na educação formal
na Educação Básica – Formação de Formadores II a dimensão ética, política,
– Formação de 32 mil professores e 32 científica, pedagógica e estética
mil alunos da Educação Ambiental
– Produção de material impresso e na – Incentivar a formação
internet continuada de novas lideranças
III – Projetos e – Implementação da Agenda 21 – Incentivar projetos de ação
Experiências de EA Escolar transformadora regional
– Fomentar projetos de ONGs com
grupos de escolas

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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

Eixos Subeixos Objetivos


IV – Comunicação/eventos Comunicação Interna – MEC – Divulgar as ações da Coea
Divulgação para escolas – Apoiar eventos nacionais e
Produção de eventos internacionais de EA
V – EA no Ensino Superior Incentivo a programas de – Ampliar os programas e
pós-graduação em Educação projetos de EA no Ensino
Ambiental– Capes Seminário Superior – Graduação e Pós-
Universidade e Meio Ambiente -graduação

Os três primeiros eixos correspondem ao programa Vamos Cuidar do Brasil


com as Escolas, cujo objetivo foi discutir as questões ambientais com as crianças
e os jovens das escolas, os professores e a comunidade. Também participaram es-
colas indígenas, comunidades quilombolas e da área rural. A fase seguinte foi um
processo de formação dos profissionais da rede escolar com base nas determina-
ções discutidas dentro dessa primeira conferência com os alunos. Essa fase incluiu
a formação continuada de professores nas questões ambientais com o objetivo de
criar uma Agenda 21 Escolar.
Outro projeto vinculado a essa Conferência Nacional Infantojuvenil pelo
Meio Ambiente é o Educação de Chico Mendes, que prevê apoio financeiro às
escolas que implantarem projetos na área ambiental. A meta é incentivar projetos
que apoiem a sustentabilidade na escola e na comunidade do entorno, de forma
participativa e democrática.
Como vimos nesta aula, as políticas públicas representam toda a ação po-
lítica sob o ponto de vista governamental. Por essas características, nem sempre
essas políticas tratam de questões sociais, estando muitas vezes associadas ao
âmbito econômico e à questão do desenvolvimento, entre outras.
Esse é o principal problema relacionado às políticas públicas: a falta de articu-
lação entre os diversos temas sociais, econômicos, políticos, culturais, entre outros,
gerando uma atuação extremamente pontual sobre a realidade, e muitas vezes de re-
sultados pouco satisfatórios. Ou seja, essa falta de articulação pode ser responsável
por uma total ineficiência dessas políticas, mesmo que muitas vezes elas tenham sido
criadas com o único intuito de se transformarem em máquina de propaganda da ação
governamental.
O fato é que, dessa maneira, tais políticas representam a desvinculação do
Poder Público em relação ao compromisso urgente de criar melhorias para as
populações humanas. Melhorias estas que estejam balizadas pela necessária qua-
lidade de vida, atingindo assim questões econômicas, sociais, ambientais, entre
outras. Essas políticas, por definição, deveriam tratar essas questões por meio da
articulação radical com a realidade socioambiental.
É por isso que as propostas de sustentabilidade surgem nas políticas públi-
cas como uma maneira de retomar a visão sistêmica, do todo, inclusive na atua-
ção pública. Dessa maneira, é preciso então que haja um convite cada vez maior
a toda a sociedade para participar da elaboração dessas políticas. Só por meio
da participação social pode-se compreender as necessidades relacionadas a essa
realidade sistêmica, sob o ponto de vista de quem vivencia tais realidades, assim
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Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais

contribuindo em políticas e ações efetivas na melhoria da qualidade de vida da po-


pulação. O convite é, portanto para um engajamento cada vez maior da sociedade
na construção mais harmoniosa de seu próprio projeto de vida. Isso não significa
dizer que o Estado deve estar ausente da questão, nem mesmo que devam ser lan-
çadas unicamente nas mãos da população as responsabilidades pela melhoria am-
biental desejada. A responsabilidade do Estado é preponderante e é dele a grande
responsabilidade pela manutenção do modo de vida social. Mas a incorporação de
toda a sociedade no planejamento de sua própria vida social cria possibilidades de
inserção, tanto na atuação como na reivindicação por melhorias.
Nesse sentido, é preciso deixar claro que, sob o ponto de vista da qualidade de
vida, todas as questões ambientais conflitantes podem ser expostas e problematiza-
das. Só assim podemos perceber que o ambiente é importante, tanto o natural como
o construído, urbano; tanto o ecológico como o cultural – entre outros.
Dessa forma, as políticas públicas podem apoiar ações que sejam efetivas
tanto para as populações humanas como também, e de forma refletida, para a con-
servação da biodiversidade, dos ambientes naturais, atendendo à necessidade de
garantirmos vida a todos os seres do planeta.

1. Quais as dificuldades atuais para a implantação de políticas públicas ambientais?

2. Qual a importância da participação da comunidade no processo das políticas públicas?

GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez,
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Experiências de ações
ambientais envolvendo
participação popular
e cidadania
Nadja Janke

O
planejamento participativo já é uma realidade em muitos programas de políticas públicas.
Mas a participação popular não se resume a esse âmbito. A sociedade civil organizada tem
participado ativamente inclusive na estruturação de organizações não governamentais, de
grande influência no cenário político atual.
As razões são as mais variadas: o desmatamento, a pobreza, as doenças sexualmente transmis-
síveis, entre outras. As ONGs têm atuado em todos os âmbitos da experiência cotidiana, ajudando a
levantar questionamentos e resolvendo muita das questões que dificultam a vida e degredam o am-
biente natural e urbano.

Exemplos de construção da Agenda 21


O Paraná possui um exemplo interessante de construção da Agenda 21 do estado. Nele, a par-
ticipação popular foi intensamente trabalhada e o resultado é uma Agenda 21 construída por meio do
planejamento participativo, baseado na opinião da população.
Esse estado iniciou a construção de sua Agenda 21 no ano 2001, com um grande debate entre
representantes do governo e da sociedade civil organizada sobre as estratégias e ações a serem priori-
zadas. Em 2002, o governador assinou o decreto que instituiu uma comissão governamental composta
por representantes de cada um dos órgãos e instituições, com o intuito de acompanhar a preparação e
a realização dos debates do processo de elaboração da sua agenda e efetuar as articulações necessárias
para a instalação do Fórum Estadual para a Agenda 21 Paraná, identificando e indicando a representação
dos diferentes segmentos da sociedade que deveriam participar do Fórum (Secretaria do Meio
Ambiente, 2005).
Foram realizados vários debates preparatórios, anteriormente à criação do Fórum Permanente.
O intuito era preparar os envolvidos nas discussões, além de produzir um material que pudesse orien-
tar as discussões do Fórum.
Nos seminários preparatórios, foram realizadas palestras de integrantes da Comissão Nacional
da Agenda 21 e de especialistas em meio ambiente, além de muitos trabalhos em grupos de discussão.
O resultado desses debates, que eram separados em função de temas específicos, era apresentado em
plenária para ser socializado para os demais grupos. Essa metodologia de discussão permitiu a efetiva
participação popular no processo de construção da Agenda 21 Paraná.
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania

Após o evento, a comissão governamental publicou o documento produzi-


do pelos seminários como forma de socializar as informações e as propostas da
Agenda 21, além de contribuir para a descentralização das ações propostas pela
Agenda, bem como para orientar as discussões quando da instalação do Fórum
Permanente Agenda 21 Paraná (Secretaria do Meio Ambiente, 2005).
Esse documento expressa, principalmente, as prioridades de ação identificadas
pelos mais diversos setores da sociedade paranaense que participaram dos se-
minários, num registro documental de fitas de vídeo e de produção escrita dos
grupos de trabalho.
As questões colocadas para esses grupos se referiam às necessidades princi-
pais para o estado, dentro dos temas de discussão ambiental, o que permitiu que se
construísse um processo tanto de participação como de real conhecimento sobre
a realidade do estado e suas necessidades. Permitiu ainda que um grande núme-
ro de pessoas, representativas dos mais diversos segmentos da sociedade civil
organizada, pudesse, de maneira participativa, contribuir na discussão de temas
específicos, apresentando resultados em um tempo curto.
Para incentivar a participação, houve um grande esforço de mobilização
para a distribuição de convites, a propaganda e o próprio resumo da Agenda 21,
como forma de incentivar a população a participar do processo de discussão. O
Fórum Permanente é uma segunda etapa do processo e procura manter os debates,
implementando ações concretas de curto, médio e longo prazo.
No site do Ministério das Relações Exteriores (MRE), encontramos uma série
de links referentes aos projetos de Agenda 21 em diferentes municípios do País.
No caso de Curitiba, por exemplo, a Secretaria Municipal do Meio Ambien-
te, por meio da administração dos recursos hídricos, procurou difundir e implan-
tar um programa de Educação Ambiental e de monitoramento e gestão partici-
pativa dos recursos naturais (Ministério das Relações Exteriores,
2005). O programa, que aconteceu do ano de 1995 a 1997, contou com recursos da
própria prefeitura e do Banco Mundial (BIRD).
Para viabilizar parcerias para a proteção das águas contra a poluição e o uso
inadequado deste recurso, o programa contou com a participação comunitária no
monitoramento e na gestão dos recursos hídricos, o que está em sintonia com os
objetivos e métodos propostos pela Agenda 21 para sociedades sustentáveis. O
trabalho foi uma realização da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, das asso-
ciações de moradores, dos conselhos locais de saúde, entre outros (Ministério
das Relações Exteriores, 2005).
Outro caso interessante aconteceu na cidade de Santos, no estado de São
Paulo. O processo de elaboração da Agenda do município também foi baseado
nos métodos elaborados pela Agenda 21 Internacional. Segundo o site do MRE
(2005), a princípio o governo local promoveu a realização do debate com a comu-
nidade para discutir as formas de condução do programa e identificar os temas
prioritários para elaboração dos projetos, tendo sido selecionados alguns deles,
como geração de emprego, renda e educação, recursos naturais, entre outros, além
do Plano Diretor do Município.
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania

O desenvolvimento dos temas anteriores produziu uma série de projetos, de


parcerias entre a prefeitura e a sociedade civil. Para discutir e executar as ações,
foram formados dois grupos. Um deles, chamado grupo de sustentação, integrado
por ONGs e integrantes da administração municipal, representava os interesses da
sociedade civil e tinha como função garantir a continuidade do programa, no caso
de mudança da administração municipal, com mandato oficial. Este primeiro gru-
po possuía caráter consultivo. O segundo grupo é a equipe de projetos, de caráter
deliberativo. Este segundo grupo, formado pela administração e pela sociedade
civil, decide e supervisiona a implantação dos projetos da Agenda (Ministério
das Relações Exteriores, 2005).
Em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, a criação da Agenda 21 foi um traba-
lho posterior. Anteriormente, por meio do Plano Diretor Municipal, foi criado
o Conselho Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Cmuma), responsável
por decidir sobre as questões relativas à ocupação de solo e políticas ambientais
e urbanas. Esse foi um primeiro momento em que a população pode participar
das decisões e das políticas a serem empreendidas no município. O resultado
foi a implantação de um processo democrático de tomada de decisões, pelo
qual a população, além de participar mais ativamente das decisões, pôde ser
mais bem informada sobre a situação ambiental do seu município. Nesse momento,
segundo o MRE (2005), algumas das questões problemáticas e polêmicas sobre o
ambiente do município foram enfrentadas, tais como o desmatamento das encostas
provocado pelos assentamentos urbanos, a privatização de praias e ilhas para a
construção de empreendimentos imobiliários e de lazer, entre outros.
As estruturas formais de deliberação e fiscalização das ações ambientais já
foram criadas, contando com a participação da sociedade civil e de membros da
administração local. Agora, para a implementação de uma Agenda 21 no municí-
pio, falta muito pouco.
O que é preciso ser feito, no caso de implantação de uma Agenda 21 nos mu-
nicípios, é garantir que a seriedade do processo seja efetiva, seguindo-se os passos
propostos pelas Agendas 21 internacional e nacional. O passo mais importante,
que garante a sustentabilidade do ambiente – mas também, e em primeiro lugar,
do grupo de elaboração da Agenda – é a participação da comunidade civil nas
deliberações e consultas e a fiscalização dos planos de gestão da Agenda.
É preciso um grande esforço de planejamento participativo para que o processo
seja efetivo, de forma sustentável. Para isso, os municípios precisam investir fortemente
na formação dos grupos, na propaganda extensiva para informar as pessoas da impor-
tância desses conselhos, da própria Agenda 21 e principalmente da participação popu-
lar para que o desenvolvimento chegue de forma democrática a toda a população.
As iniciativas, a partir do planejamento participativo, começam justamen-
te da formulação das necessidades primordiais da comunidade, principalmente
aquelas com menores condições de qualidade ambiental, beneficiando, assim, a
qualidade de vida de todos. O papel desses grupos de trabalho e discussão é tam-
bém definir as principais metas para o município, traçando os caminhos, o custo
e a fiscalização dessas metas.
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania

Essa é uma forma participativa de conhecer e opinar sobre a utilização dos


impostos pagos pela população ao município, aumentando a possibilidade de que
ele seja revertido em benefício da população e de seu ambiente. Precisamos re-
lembrar que tudo o que reverta em qualidade de vida para as populações humanas
reflete em melhorias ambientais, visíveis, tanto nas áreas urbanas como em am-
bientes naturais. E é essa a intenção da construção das propostas da Agenda 21.

Exemplos de ONGs da área socioambiental


No planejamento participativo, as necessidades das populações favorecidas
são privilegiadas durante a elaboração de planos de ação estratégicos que têm, em
geral, resultados de longo prazo. São eles que elegem as questões prioritárias para
alcançar a sustentabilidade, a qual não envolve apenas aspectos ambientais mas
também econômicos e, em especial, sociais. Desse processo, também participam
instituições públicas e não governamentais.
As ONGs são particularmente importantes no que se refere ao enfrentamen-
to dos problemas ambientais e o número delas aumenta gradativamente. Muitas
vezes, elas recebem o apoio de empresas, de órgãos públicos, firmando parcerias
em projetos em todas as áreas. No site do Instituto Ecoar para a Cidadania (www.
ecoar.org.br), podemos encontrar uma série de exemplos de projetos de ONGs na
área ambiental, preocupados em melhorar a qualidade de vida das populações
humanas por meio do cuidado com o ambiente.
É o caso do projeto Sementes do Futuro, cuja intenção é contribuir para a
melhoria da qualidade de vida da comunidade do município de Ribeirão Grande,
São Paulo (ECOAR, 2005). A coleta de sementes florestais nativas é o processo
inicial de incentivo à geração de trabalho e renda, por meio da produção de artigos
de artesanato. São realizadas diversas atividades de capacitação buscando a auto-
nomia e a participação da comunidade de forma continuada.
Outro projeto interessante é o Programa de Sequestro de Carbono, também
do Instituto Ecoar: tem como objetivos a melhoria da qualidade de vida por meio
da implantação de sociedades sustentáveis e a conservação e a recuperação do am-
biente e do patrimônio genético. Além disso, procura diminuir o efeito dos gases
nocivos sobre o meio ambiente, implantando maciços verdes. Para isso, conta com
subprogramas específicos: Subprograma Empresa Planetária, Subprograma Esfrie
o Tanque, Subprograma Saber Legal, Subprograma Poupança Limpa, Subprograma
Sou Dono do meu Nariz (ECOAR, 2005). A ideia de implementar vários subpro-
gramas garante que todas as questões relacionadas ao efeito estufa sejam atendidas,
assim como vários atores sociais poderão se envolver no projeto, assim aumentando
o grau de participação da população.
O projeto Brasil Alternativo representa outra parceria entre as ONGs. O ob-
jetivo foi o de mapear e divulgar as experiências de sucesso de geração de renda e
Educação Ambiental nas áreas urbanas e rurais do país. Uma equipe percorreu o
Brasil registrando essas experiências, detectando a relação das comunidades com o

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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania

ambiente e o resultado foi a produção de um vídeo, distribuído entre as ONGs, com


o intuito de socializar as experiências e iniciativas que deram certo promovendo
um intercâmbio de ideias. O vídeo também pôde ser conferido em tevê aberta gra-
ças ao projeto de parceria com a TV Cultura de São Paulo (ECOAR, 2005).
Saragoussi (2002) relata algumas das dificuldades de fundação e estrutura-
ção de ONGs no país. A autora é fundadora de uma ONG, a Vitória Amazônica,
criada pouco antes da Eco-92 – portanto, num momento em que as questões so-
ciais e ambientais ainda não haviam sido consideradas de forma sistêmica, como
aconteceu após a conferência.
Isso demonstra a evolução do papel das ONGs no país e a própria introdu-
ção do pensamento ecológico e da sustentabilidade na atuação da sociedade civil
organizada. Após a Eco-92, a Vitória Amazônica passou a reconhecer a impor-
tância do desenvolvimento sustentável para as populações locais, agindo de forma
a garantir que essa comunidade amazônica, do entorno de parques de conserva-
ção, pudesse participar do processo de sustentabilidade.
Segundo Saragoussi (2002), as populações amazônicas são, em geral, es-
quecidas pelas autoridades públicas. Na maioria das vezes, elas nem existem de
forma oficial, porque não possuem documentos. São regiões onde o Estado só
está presente nas grandes cidades e, portanto, muitas populações do interior ficam
praticamente isoladas das políticas e práticas públicas. Nesses lugares, as ONGs
têm um papel fundamental para as populações locais, porque representam a única
forma de acesso a informações, recursos e possibilidade de participação em um
processo democrático. Não que essas entidades sejam representativas do poder do
Estado. Segundo Saragoussi (2001, p. 301), de fato não o são:
Não somos representativos, mas lutamos para instalar um Estado de direito onde direitos
difusos também sejam respeitados, como, por exemplo, o direito a um meio ambiente
saudável, garantido na Constituição brasileira. No caso das ONGs ambientalistas e socio-
ambientais, temos tido um papel catalisador e esclarecedor junto aos Movimentos Sociais
e à opinião pública e um papel propositivo, de exemplo de implementação de propostas
inovadoras, de piloto de experimentação, papel que buscamos ampliar ao tentar influen-
ciar políticas públicas. Por isso é tão importante o papel das redes e alianças entre ONGs
e movimentos sociais, pois junta as perspectivas e experiências dos dois grupos, dando
legitimidade e base social às propostas. É dessa forma que somos interlocutores legítimos
no debate sobre desenvolvimento sustentável, e não quando atuamos isolados.

Além disso, as ONGs, nesses casos, configuram-se como única via de re-
cursos financeiros para esses ambientes esquecidos pela instituição pública, pois
recebem financiamentos do governo e de outras entidades públicas e privadas,
facilitando o acesso da população a alguns serviços. Além disso, o trabalho das
ONGs é muitas vezes catalisador das iniciativas democráticas por parte da comu-
nidade. Segundo Saragoussi (2001), a criação de associações de classe e de sindi-
catos na região amazônica foi uma das conquistas políticas da ação da sua ONG.
Quanto às muito frequentes críticas de que as ONGs são organismos de
atuação muito limitada, local, Saragoussi (2002) explica que esse problema pode

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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania

ser resolvido com a criação de parcerias entre outras instituições e mesmo ou-
tras ONGs, procurando aumentar o número de trabalhos e projetos desenvolvidos,
além do aumento da área atendida por esses projetos. Isso também dá à organiza-
ção maior possibilidade de financiamentos e determina um processo de contínuo
trabalho, possibilitando a manutenção da ONG.
Para a autora, a principal qualidade de seu projeto está em favorecer um
grande espaço para a cidadania, além de estar também na descentralização do
poder e na possibilidade de fornecer a essas populações e a esse ambiente outras
formas de lidar com seus conflitos. Só assim o ambiente pode favorecer um es-
paço de reflorescimento das possibilidades individuais e coletivas para essa po-
pulação tão afastada da participação e das decisões sobre sua vida e seu futuro.

Exemplos institucionais
nas áreas da educação e da saúde
Muitas das políticas públicas atuais têm procurado inserir o indivíduo da
comunidade na resolução de seus problemas coletivos. A intenção, ao menos, deve
ser a de contribuir para que ele esteja consciente dos problemas do seu bairro, da
sua região, criando um vínculo maior entre a população e o ambiente.
No caso da educação, em relação às escolas, o mecanismo tem sido o de
trazer os pais e a comunidade para dentro do ambiente escolar, contribuindo para
a educação dos alunos, facilitando assim uma troca entre os conhecimentos de
fora da escola e aqueles apreendidos pelas crianças no ambiente escolar. É o caso,
com relação à rede escolar do estado de São Paulo, do programa Escola da Fa-
mília, pelo qual os pais e outros moradores do bairro, assim como os estudantes,
frequentam o ambiente escolar durante os fins de semana e têm a oportunidade
de realizar atividades diversas, promovidas pela própria comunidade ou pela es-
cola, como aulas de informática, esportes, recreação, entre outras. Esse tipo de
iniciativa aproxima a comunidade da escola, numa troca de conhecimentos e no
incentivo à possibilidade de lazer para a população do entorno escolar.
Porém, o que mais encontramos na literatura são as propostas de atividades
de aproximação entre a escola e a comunidade por meio da ação das universidades,
pela elaboração de projetos e de parcerias entre seus estudantes e a direção das es-
colas, ou mesmo por meio de representantes da comunidade do entorno da escola.
É o caso do projeto de Almeida (2005) e Janke (2005), que procuravam pro-
blematizar sobre a participação da comunidade na resolução de seus problemas am-
bientais. O trabalho foi desenvolvido na cidade de Bauru, São Paulo, e as pesqui-
sadoras propuseram a formação de um grupo de pesquisadores comunitários para
estudar a história de ocupação de seu bairro e os indicadores de qualidade de vida
mais significativos para aquela população. O envolvimento da comunidade na for-
mação do grupo foi significativo e os resultados da pesquisa coletiva foram sociali-
zados para os demais membros da comunidade por meio da atuação da escola. Nes-
se caso, especificamente, a comunidade procurou a escola para ensinar um pouco do
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Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania

que sabia às crianças. A ideia foi prontamente aceita pela diretoria da escola, que viu
nesse trabalho uma possibilidade de atuação da escola na comunidade do entorno, o
que facilitaria e propiciaria maior participação da escola na vida do bairro.
Dessa forma, os moradores foram incentivados a contar suas experiências
aos estudantes, trazendo novos conhecimentos sobre a história de vida da comu-
nidade e possibilitando a problematização sobre as questões de insatisfação que
poderiam ser alvo de reivindicação e melhorias por parte dos alunos e da comu-
nidade. Essa escola já possuía um histórico de atuação ambiental interessante,
pois, por meio de manifestações e abaixo-assinados, já havia conseguido que a
prefeitura resolvesse um problema antigo na tubulação de esgotos do bairro, que
estava poluindo o córrego que corta a região.
Nessa parceria, a escola ainda pôde entrar em contato com um outro grupo
de estudantes e professores da Faculdade de Arquitetura da cidade, possibilitando
a produção de outros projetos relacionados à construção das casas, praças e ruas
do bairro (ALMEIDA, 2005).
O resultado é uma atuação forte da comunidade e da escola em busca da
melhoria de sua qualidade de vida e na construção, cada vez mais democrática,
da participação de todos como ponto fundamental para a criação de uma comu-
nidade sustentável.
Em relação à saúde, os programas públicos mais abrangentes têm beneficiado
uma nova maneira de apresentar a questão para a população. É a promoção dos
agentes comunitários de saúde, que nasceu da necessidade de levar atenção a regiões
marginalizadas pelo atendimento ambulatorial ou hospitalar (SILVA, 2002). Segun-
do essa autora, a ideia é a de criar um elo entre a comunidade e o sistema de saúde,
no qual o papel do agente comunitário assume tanto uma dimensão técnica, relacio-
nada ao atendimento às famílias, como uma função política, no sentido de organiza-
ção da comunidade e de transformação das condições que causam as doenças.
Este é o caso de programas como o Saúde da Família, de 2001, e outros
programas que se assemelham a ele. A função é a de promover a saúde da comu-
nidade pela ação da própria comunidade, por meio da formação desses agentes
comunitários, em contato direto com a população. Essa é mais uma iniciativa que
vê na potencialidade da participação e da luta comunitária um princípio para a
construção e o aumento da cidadania.
Ser agente comunitário de saúde é, antes de tudo, ser alguém que se identifica, em todos
os sentidos, com a sua própria comunidade, principalmente na cultura, linguagem, costu-
mes; precisa gostar do trabalho. Precisamos lutar por outros fatores que são determinantes
para a saúde como: trabalho, salário justo, moradia, saneamento básico, terra para traba-
lhar, entre outros. (BRASIL, 1991, p. 6)

Nesse sentido, promover a saúde é muito mais do que cuidar da doença: é re-
alizar um trabalho educativo que incentive a participação na busca pela qualidade
de vida das populações humanas.

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Concluindo...
Mais uma vez, precisamos ressaltar que a participação é a grande responsá-
vel pelo estabelecimento de sociedades sustentáveis e harmônicas. Nos exemplos
citados anteriormente, a participação mostra sua importância, imprimindo ao ato
educativo, à promoção da saúde e à conservação do ambiente, uma efetividade
que jamais poderia ser conseguida sem a presença da comunidade.
Não precisamos esquecer, no entanto, que o incentivo à prática da cidadania
e da autonomia da população pela busca de mais qualidade de vida não exime o
Estado e as instituições públicas de seus deveres enquanto tais. Pelo contrário,
a busca é por um Estado cada vez mais democrático e atuante. O Estado possui
obrigações que são só suas e que não devem e não podem ser realizadas pela so-
ciedade civil organizada. Afinal, é papel do Estado promover a saúde, a educação,
a geração de empregos, a dissipação das desigualdades sociais, entre outros.
No entanto, uma população atuante e participativa pode ser um pilar de
sustentação da atuação do Poder Público. A comunidade consciente de seu papel
cidadão, de sua possibilidade de escolha, de seus direitos humanos e civis, realiza
um ato reivindicatório, de decisão, de atuação e de fiscalização muito mais demo-
crático, conhecedor e efetivo.
Esse é possivelmente o grande papel das organizações não governamen-
tais, da sociedade civil organizada, dos projetos de apoio à comunidade. Mais
do que empreender ações para resolver este ou aquele problema social, é sim
promover o conhecimento da importância da participação da comunidade frente
aos seus desejos e necessidades e a importância de enfrentar as situações adver-
sas com reivindicação e muita discussão democrática.

1. Escolham um tema, um assunto relacionado à qualidade de vida.

2. Discutam de que forma o grupo poderia se articular para solucionar um problema relacionado
ao tema na sua cidade (criar um projeto, discutindo metodologia, justificativa, objetivos etc.).

BRÜGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? 2. ed. Florianópolis: Letras Contem-


porâneas, 1999.

ALMEIDA, Isadora Puntel de. Recolorir o Presente pela Aquarela da Memória Ambiental: pes-
quisa-ação-participativa em um bairro de Bauru. Bauru, 2005. Dissertação. Mestrado em Ensino de
Ciências. Universidade Estadual Paulista.

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BRÜGGER, Paula. Educação ou Adestramento Ambiental? 2. ed. Florianópolis: Letras Contem-
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Amazônia: a Fundação Vitória Amazônica. Lusotopie, v. 1, p. 293-301, 2002.
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buições: os desafios para os processos de formação de recursos em saúde. Interface, v. 6, n. 10, 2002.

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Experiências de ações
ambientais nas
empresas privadas
Nadja Janke

O papel dos estudos de impacto ambiental


/ relatórios de impacto ambiental

O
peso das ações humanas sobre o ambiente é conhecidamente o causador dos problemas am-
bientais. Essas ações podem causar repercussões ambientais de vários níveis. A isso chama-
mos impacto ambiental, ou seja, a alteração no meio ou em algum de seus componentes por
determinada ação ou atividade, produto da intervenção humana no ambiente. Tais alterações possuem
variações relativas, podendo ser grandes ou pequenas, ou ainda positivas ou negativas. É preciso que
essas alterações sejam estudadas para avaliar a consequência dessas ações no ambiente e de que for-
ma elas podem ser evitadas na implementação dos projetos e ações humanas.
A Resolução 1 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 23 de janeiro de 1986,
estabeleceu a lista de atividades que dependem de EIA, e seu respectivo Rima, para funcionar.
O EIA é o estudo de impacto ambiental. Trata-se de um trabalho multidisciplinar que estuda os
efeitos da ação do ser humano no ambiente, fazendo um balanço e uma previsão dos acontecimentos
ambientais, dessa forma recomendando ações de minimização ou mudança das atividades ou ações
de execução das obras.
Todo EIA possui seu respectivo Rima, ou seja, seu relatório de impacto ambiental. Ele é seme-
lhante ao EIA, porém deve ser redigido em linguagem mais simples, acessível tanto a técnicos como
à população em geral.
Os empreendimentos a seguir listados são aqueles que exigem um EIA, e seu relatório simpli-
ficado, o Rima, para que possam receber o licenciamento.
Estradas com duas ou mais faixas de rolamento.
Ferrovias.
Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos.
Aeroportos.
Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgoto sanitário.
Linhas de transmissão de energia elétrica acima de determinada voltagem.
Obras hidráulicas como barragens para fins de geração de energia, para irrigação e abasteci-
mento de água.
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Experiências de ações ambientais nas empresas privadas

Extração de combustível fóssil (petróleo, carvão mineral).


Extração de minério.
Aterros sanitários.
Usinas de geração de energia.
Unidades industriais em geral.
Distritos industriais.
Exploração de madeira.
Projetos urbanísticos.
Atividade que utilize mais de dez toneladas de madeira por dia.
Aprovado o EIA, segue a fase do licenciamento ambiental. A resolução 6
do Conama, de 21 de janeiro de 1986, regulamenta a expedição do licenciamento
para uma série de empreendimentos que constam na Lei 6.938/81. O licenciamen-
to pode ser cassado ou não, durante a instalação do empreendimento ou indústria,
caso não sejam obedecidos os critérios estabelecidos pelo relatório. A licença tam-
bém ocorre em três etapas, conforme abaixo.
Licença prévia: autorização preliminar e observações para as próximas etapas.
Licença de instalação, que autoriza o início da implantação do projeto.
Licença de operação, após a verificação do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Todo o processo deve manter o sigilo industrial e técnico do empreendedor,
caso seja solicitado. A primeira fase de avaliação do EIA deve observar algumas
características importantes, como o total do ambiente afetado pela obra e que tipo
de ambiente será modificado pela ação. Deve desenvolver uma compreensão geral
da obra, o que e como será feito, assim como o tipo de material usado. Deve ain-
da prever possíveis impactos, qual o tipo de mudança possível e como isso deve
se refletir no futuro. Além do que, os resultados devem ser divulgados para que
sejam alvo de decisão.
Ademais, segundo Tauk (2004), o EIA deve atender ao que está expresso
na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, a qual determina que devem ser
observadas alternativas tecnológicas para a melhoria do projeto, sendo possível
optar por sua não execução, necessitando de um controle periódico em todas as
fases de implantação e execução.
Além disso, devem ser definidos os limites da área afetada pelo impacto,
ou área de influência, considerando principalmente a bacia hidrográfica na qual
se localiza, conhecendo outras propostas de implantação na área de influência do
projeto, para analisar a compatibilidade dos mesmos (TAUK, 2004).
O Rima, embora se caracterize como um relatório de cunho técnico, pro-
cura tratar dos temas relacionados ao impacto ambiental de forma mais objetiva,
resumida, e numa linguagem facilitada, para o entendimento de toda a população.

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Para isso, possui características próprias. Ou seja, ele deve conter alguns pontos
importantes para possibilitar o entendimento de todos e as discussões sobre a im-
plantação dos empreendimentos. Suas características são
objetivos e justificativas do projeto e sua relação com políticas setoriais
e planos governamentais;
descrição e alternativas tecnológicas do projeto (matéria-prima, fontes
de energia, resíduos etc.);
síntese dos diagnósticos ambientais da área de influência do projeto;
descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação da ativida-
de e dos métodos, técnicas e critérios usados para sua identificação;
caracterização da futura qualidade ambiental da área, comparando as di-
ferentes situações da implementação do projeto, bem como a possibili-
dade da sua não realização;
descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras em relação aos
impactos negativos e o grau de alteração esperado;
programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;
conclusão e comentários gerais.
A importância do EIA/Rima é fundamental para o conhecimento do impac-
to das construções humanas no ambiente. Para que seja efetivo, ele deve ser o mais
multidisciplinar possível, conhecendo todas as implicações, em todos os âmbitos,
para o ambiente. Também é importante que seja socializado para o conhecimento
da população de uma forma geral, para que todos compreendam as implicações de
determinadas construções no meio.

Exemplos de relatórios
de impacto em grandes empresas
As usinas hidrelétricas são grandes empreendimentos que necessitam de
relatório de impacto para poderem ser efetivadas. Em geral, os danos ao ambiente
são irreversíveis e inevitáveis, mas os relatórios procuram diminuir o impacto da
ocupação por meio do controle das ações ambientais.
No entanto, muitas vezes os relatórios mascaram a realidade para facilitar a
implantação dos empreendimentos: eles confundem os dados coletados, fazendo
com que os danos ambientais fiquem imperceptíveis.
Este pode ser o caso da UHE Corumbá I, localizada a 196 quilômetros de
Goiânia, no curso principal do rio Corumbá, a 92 quilômetros de sua foz, na bacia
do rio Paranaíba, no estado de Goiás. A UHE Corumbá I teve sua construção lici-
tada em 1981 e a execução de suas obras foram iniciadas em 1982. A primeira fase
de enchimento do reservatório teve início em setembro de 1996, sendo atingida a
cota máxima em março do ano seguinte.

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Um dos estudos relativos ao EIA/Rima é o relatório sobre a fauna presen-


te no ambiente. Segundo Teixeira (s/d), esses estudos foram insuficientes nessa
questão porque só mostraram a incidência de mamíferos e aves, não sendo pos-
sível explicar a ausência de anfíbios e répteis. Segundo a autora, grande parte do
estudo do EIA/Rima da UHE Corumbá I, no que se refere à fauna, foi feito por
meio de levantamento bibliográfico, sendo bastante visível a falta de embasamento
técnico-científico. Para Teixeira, é evidente o desvio dos resultados, já que foram
omitidos grupos extremamente ricos e abundantes em espécies, como anfíbios e
répteis. Na fase de resgate dos animais, anteriormente à enchente, esses grupos
foram os mais abundantemente coletados.
Essa falha possibilita o surgimento de lacunas, pela ausência no EIA/Rima,
pois essas espécies certamente desempenham papel ambiental importante. A não
inclusão desses dois grupos é contrária à política de conservação de biodiversida-
de comumente conhecida e representa um erro grave por parte da empresa con-
tratada para a confecção do relatório. Possivelmente, esse erro ocasiona uma apre-
sentação equivocada do impacto provocado pela construção da represa, causando
prejuízos para o ambiente como um todo. Em suma, não se sabe verdadeiramente
qual o real impacto provocado por essa UHE naquele ambiente.
Esse é o caso também da construção da barragem de Barra Grande, na
divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sob responsabi-
lidade da Alcoa. Os representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens
protestaram contra a empresa pela infração do tratado dos direitos humanos, que
regulamenta que as empresas devem zelar, em primeiro lugar, pelas necessidades
humanas, sociais, acima dos interesses privados. Os estudos de impacto realiza-
dos pela empresa contratada foram feitos de forma inadequada, ignorando a exis-
tência de mata primária de araucárias e florestas em estágio avançado e médio de
regeneração na área impactada pelas águas das barragens, o que inviabilizaria o
empreendimento do capital consorciado. Ou seja, segundo o Movimento dos Atin-
gidos por Barragens, o estudo omitiu que cerca de 70% da área de abrangência do
projeto da UHE de Barra Grande era de extrema importância biológica.
Como esses, outros estudos também são preocupantes e escondem a reali-
dade do impacto para promover a implantação das indústrias. Por esse motivo, a
população deve ficar atenta aos relatórios de impacto, conhecendo seu ambiente e
cuidando dele para que os interesses privados não passem sobre as necessidades
humanas e a qualidade ambiental.

Exemplos de ações ambientais em empresas


Muitas empresas têm se comprometido com as questões ambientais. Na maio-
ria das vezes, elas investem em projetos e os patrocinam, participam de congressos
sobre Educação Ambiental, sustentabilidade, preservação de espécies, entre outros.
Esse é o caso, por exemplo, da Petrobras, que possui numerosos projetos
ligados tanto a questões ambientais restritas como sociais, de desenvolvimento
humano, sustentabilidade.
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Com relação à conservação de espécies, por exemplo, podemos encontrar no


site da empresa (www.petrobras.com.br) uma pesquisa interessante sobre os que-
lônios marinhos que habitam o Atlântico Sul e que podem sofrer impacto das ati-
vidades petrolíferas. A intenção do trabalho é conhecer as espécies para definir
estratégias de manejo e poder agir no caso de acidentes. Esse projeto conta com
a participação da Escola Nacional de Saúde Pública Oswaldo Cruz, por meio do
Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos. Outro parceiro
importante é o Instituto Baleia Jubarte, que estuda a movimentação desse mamí-
fero em nosso litoral.
Outra iniciativa partiu de um decreto do governo federal, que, em 1991,
instituiu o Programa Nacional da Racionalização do Uso dos Derivados do Petró-
leo e do Gás Natural (Conpet), tendo como objetivo a promoção do uso racional
e eficiente desses recursos ambientais. Os projetos baseados nesse decreto estão
voltados para a otimização do combustível nos setores consumidores que mais
os utilizam, além da conscientização da população de usuários de todo o país,
alertando-os para a questão do desperdício e a necessidade de se tomar medidas
de diminuição do gasto desses produtos: além de causarem poluição ambiental de
vários tipos, eles ainda são recursos esgotáveis.
Outra iniciativa interessante é a adesão da Petrobras ao Pacto Global da
Onu, que representa um incentivo às empresas que a ele se associam, gerando
contribuições à força de trabalho e à sociedade civil para que realizem, de for-
ma conjunta, ações que tenham como objetivo alcançar os princípios pactuados
pelo próprio documento. A intenção não é a de fiscalizar as empresas, mas
possibilitar que elas participem, junto com a sociedade, de ações de melhoria
da qualidade de vida.
Ao aderir ao pacto, as empresas ficam responsáveis por divulgá-lo a seus
funcionários, acionistas, clientes etc. Além disso, elas precisam integrar aos seus
programas de desenvolvimento corporativo o dez princípios do pacto, incluindo o
compromisso em todos os documentos que se produzirem sobre a empresa, inclu-
sive em sua divulgação.
Uma vez por ano, a empresa deve enviar uma carta ao secretário-geral das
Nações Unidas, informando sobre os projetos realizados que se basearam nos dez
princípios e quais foram os resultados obtidos.
Esse documento é de livre adesão para qualquer empresa do mundo que
queira participar e tem como objetivo principal dar suporte, por meio das em-
presas, às iniciativas da Onu, já que grande parte das empresas tem interesse e
dinheiro para financiar projetos em área socioambiental. Segundo o site da Petro-
bras (2005), os princípios se organizam em torno de temas como direitos huma-
nos, condição de trabalho, proteção ao meio ambiente e combate à corrupção e são
derivados de importantes documentos mundiais como a Declaração dos Direitos
Humanos, a Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Direitos
e Princípios Fundamentais no Trabalho, e a Agenda 21.
Apresentamos a seguir os dez princípios do pacto global segundo a
Onu (2005).

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DIREITOS HUMANOS
1. Respeitar e proteger os direitos humanos.
2. Impedir violações de direitos humanos.
CONDIÇÕES DE TRABALHO
3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho.
4. Abolir o trabalho forçado.
5. Abolir o trabalho infantil.
6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho.
MEIO AMBIENTE
7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.
8. Promover a responsabilidade ambiental.
9. Encorajar tecnologias que não agridam o meio ambiente.
COMBATE À CORRUPÇÃO
10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extor-
são e propina.

Outra empresas, inclusive privadas, também participam do pacto: Avon,


Banco Itaú, Belgo Mineira, Copel, Fiesp, Furnas, Grupo Abril, Klabin, Natura
Cosméticos S.A., Organizações Globo, Pulsar Informática, Samarco, Shell Brasil,
Telemig, Instituto Ethos e Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (PETRO-
BRAS, 2005).

Concluindo...
As empresas possuem um importante papel social na manutenção e na ges-
tão dos ambientes naturais. Elas possuem muita infraestrutura e financiamento
para colocarem em execução diversos projetos de proteção, manejo e fiscalização
na ação ambiental. O grande problema é que as empresas possuem compromissos
de outra ordem, como o financeiro e econômico, e não estão interessadas em co-
locar em primeiro plano as questões ambientais.
No que diz respeito às multinacionais, a situação se complica porque elas
não possuem qualquer vínculo com o ambiente e com a população local. Elas pro-
curam países em desenvolvimento, pois estão interessadas nos incentivos fiscais,
na mão de obra barata e na possibilidade de obtenção de matéria-prima. O resul-
tado é muito lucro. Por isso, muitas empresas recebem incentivos que facilitam a
sua gestão em troca de projetos que melhorem a condição ambiental.
Apesar disso, a população tem mais uma vez um papel central na fiscali-
zação dessas empresas, da sua gestão ambiental e dos resultados da sua implan-

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tação no ambiente. Precisamos valorizar as boas ações, os bons empreendimentos, mas também
tomar conta para que ações impactantes não prejudiquem o ambiente. É mais uma vez do cidadão
a responsabilidade pelo cuidado da biodiversidade, dos recursos naturais, e da qualidade de vida
para nós e para as futuras gerações.

Pesquisar em jornais e revistas reportagens que tratem de ações ambientais. Vamos analisar o
peso das políticas públicas, das empresas e da sociedade para a realização de cada uma dessas
ações?

CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A Questão Ambiental: diferentes
abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira. A Questão Ambiental: diferentes
abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Global. Disponível em: <www.pactoglobal.org.
br/pg_principio.php>. Acesso em: 20 ago. 2005.
PETROBRAS. Meio Ambiente. Disponível em: <www2.petrobras.com.br/portal/meio_ambiente.
htm>. Acesso em: 20 ago. 2005.
TAUK, Samia Maria. Análise Ambiental: uma visão multidisciplinar. São Paulo: Unesp, 2004.
TEIXEIRA, Kharen de Araújo; SILVA JÚNIOR, Nelson Jorge. Análise Comparativa dos Estudos
Ambientais Sobre a Fauna de Vertebrados Terrestres: o caso da UHE Corumbá I, Goiás. Disponí-
vel em: <www.alfa.br/revista/turismo.php>. Acesso em: 20 ago. 2005.

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Educação Ambiental como
instrumento de superação da
insustentabilidade
Nadja Janke

Conceituando Educação Ambiental

E
ducação Ambiental talvez não seja a expressão mais correta. Não deve haver apenas um único
conceito para um ato tão amplo como educar. Digo educar porque me parece óbvio que Edu-
cação Ambiental e educação representam, em síntese, epistemologicamente, a mesma ação:
educar.
Aliás, quando falamos em Educação Ambiental, temos a é possível educar fora de
nítida impressão de que estamos lidando com uma expressão um ambiente, de um
redundante... Afinal, é possível educar fora de um ambiente, de
espaço, de uma cultura?
um espaço, de uma cultura? A impossibilidade é visível, mas a
expressão Educação Ambiental se justifica, afinal, pelo simples
fato de que serve para destacar dimensões esquecidas pelo fazer educativo, no que se refere ao enten-
dimento da vida e da natureza, em suas dimensões físicas, históricas, políticas, culturais etc.
Portanto, para entendermos Educação Ambiental, nosso primeiro olhar deve estar voltado à
educação. Afinal, qual o papel da educação? Saviani (1997) explica que o homem de hoje é resultado
daquilo que criou como espécie, mas, sobretudo, como ser histórico. Ou seja, ao transformar a na-
tureza para criar a humanidade em si, o homem construiu uma série de manifestações, de conheci-
mentos e técnicas cuja apropriação tornou-se imprescindível à adequação dos indivíduos no conjunto
da sociedade, para sobreviver no ambiente. Podemos entender essa apropriação, essa transmissão de
conhecimentos de geração a geração como um ato educativo.
Assim, a educação tem como objetivo a identificação da cultura, que deve ser apropriada para
que nos tornemos humanos. O fato de transcendermos as possibilidades de cada época, de modo que
novos conhecimentos e atitudes sejam criados e repassados a outros indivíduos, faz com que nossa ca-
pacidade de transformação seja intensa e constante e demonstra nossa dependência do ato educacio-
nal. Ademais, do ponto de vista sociopolítico, todos têm direito à apropriação desses conhecimentos,
fruto do trabalho histórico, para que se desenvolvam e estejam seguros quanto aos constrangimentos
e discriminações que a falta desses mesmos instrumentos possa ocasionar. Daí a importância e o valor
da educação.
Em suma, a educação corresponde aos processos de transmissão/assimilação de conhecimentos, va-
lores, condutas e práticas produzidos historicamente, necessários à compreensão das estruturas individu-
ais e coletivas, sem as quais o ser humano jamais se produziria como tal. Educar é possibilitar a apreensão
fundamental para a construção histórica humana em cada indivíduo.

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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

“[...] o trabalho educativo é Onde fica o ambiente nesse contexto? O ambiente sempre
o ato de produzir, direta e existiu do ponto de vista educacional. Afinal, o próprio saber/
intencionalmente, em cada fazer humano só existe em consequência da transformação/
construção/entendimento desse ambiente. Ambiente é o lugar
indivíduo singular,
onde vivemos, suas dimensões naturais, tanto quanto a cons-
a humanidade que é truída pelo ser humano, individual e coletivamente, expressa
produzida histórica e fisicamente, culturalmente, simbolicamente, em termos de re-
coletivamente pelo lações.
conjunto dos homens” A educação nos ajudou, de certa forma, a construir nossa
(Saviani, 1997, p. 17). atual relação com o ambiente. Afinal, do ponto de vista históri-
co, podemos observar a existência de uma relação direta entre a
educação e o ambiente, o que torna possível um melhor entendimento dos proble-
mas ambientais com que hoje nos deparamos. Pois, se construímos ao longo dos
anos uma relação de exploração com o ambiente, a educação repassou esse tipo de
relação, construída historicamente, até os dias de hoje.
Saviani (1997) nos explica melhor essa relação ao abordar o conceito de
trabalho. Para esse autor, o homem, diferentemente dos demais animais, necessita
produzir continuamente sua existência para garantir a continuidade de sua espé-
cie. Para tanto, ele transforma a natureza, adaptando-a a sua realidade, e o faz por
meio do trabalho. Constrói assim atividades de ação intencional, transformando a
natureza de forma a criar um ambiente humano, o ambiente da cultura. Comple-
ta a ocupação humana do espaço em que o ambiente não é mais o natural e sim
aquele construído pelos homens, para os homens. Danosa ou não, essa ocupação
humana do espaço é transmitida de geração a geração, pela necessidade de manu-
tenção do modo de vida construído historicamente. Visto dessa forma, fica claro
como a evolução histórica desse conceito de trabalho, e a própria organização do
trabalho em nossa sociedade, transformou a natureza a ponto de colocar em risco
o planeta e todos os seres que o habitam.
Porém, se é possível reconhecermos a fonte desse problema em nossa cultura
e nos princípios educacionais que nos fazem repassar, continuamente, essa forma
de atuação humana que nos têm causado tantos problemas, é possível também en-
contrarmos parâmetros para as mudanças desses paradigmas e a consolidação de
uma forma de atuação mais respeitosa para com o ambiente. É nesse sentido que a
Educação Ambiental tornou-se uma necessidade indiscutível, uma das principais
formas participativas de incentivo às novas gerações para que estejam cientes e
atuem criticamente na manutenção dos ambientes, possibilitando uma melhoria
na qualidade de vida.
No processo educacional, em função da situação do ambiental atual, a
emergência de novas ideias e valores tornaram necessária a inclusão de uma
Educação Ambiental que se comprometa em formar indivíduos ambientalmen-
te mais conscientes. No entanto, não se pode dizer que a ação da Educação
Ambiental esteja ligada à questão educacional unicamente como uma forma de
transmissão de conhecimentos, sem qualquer atuação prática. É preciso lembrar

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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

que os problemas ambientais não são resultado apenas da nossa “falta de conhe-
cimentos” mas também decorrem do tipo de interação, exploração e ocupação
que o homem faz do ambiente e que tem impedido as possibilidades de recons-
trução desse ambiente.
Segundo Rousset (2000), a origem da crise ecológica contemporânea está
no produtivismo e, portanto, as soluções devem se basear na modificação do fun-
cionamento ou produção das sociedades humanas, responsável pelas poluições,
contaminação das águas, escassez de matérias-primas e recursos, destruição de
ecossistemas naturais, além dos fatores sociais e políticos, todos intimamente li-
gados à desigualdade social, responsável por outra série de repercussões nas rela-
ções sociais e ambientais do nosso modo de vida.
Nesse contexto, é preciso que a educação forneça algo mais do que a forma-
ção da individualidade, sendo importante, dessa maneira, reformular parâmetros
para uma educação cidadã. Segundo Porto-Gonçalves (1990), o modo como co-
nhecemos e identificamos a natureza se reflete nas relações sociais e na cultura
de nossa sociedade, servindo de suporte ao nosso modo de vida e de produção.
Assim, a solução para os problemas ecológicos atuais está contida determinan-
temente na reformulação de nossos parâmetros de sociabilidade. Assim, não faz
sentido separar a problemática ecológica da social. “A Educação Ambiental surge
como uma necessidade quase inquestionável pelo simples fato de que não existe
ambiente na educação moderna. Tudo se passa como se fôssemos educados e edu-
cássemos fora de um ambiente” (Grün, 1996, p. 21).
O próprio movimento ambientalista surgiu a partir de um questionamento
sobre uma série de valores da sociedade capitalista. O consumismo exagerado, as
guerras e a destruição da natureza fizeram com que os homens se questionassem
sobre a relação intrínseca entre conservar e sobreviver.
É preciso entender, no entanto, que a ação frente aos problemas ambientais
demorou a se estruturar por depender, intrinsecamente, da concepção da relação
entre homem e natureza, fator determinante para o tipo de interação que o ser hu-
mano manteve com o ambiente ao longo dos anos. Lembremos que a organização
da sociedade moderna, inclusive na política, nas ciências e nas artes, foi marcada
pelo cartesianismo, o dualismo entre homem e natureza. Nesse contexto, a nature-
za era vista apenas como um objeto de estudo, já que o homem era o único “sujei-
to” em relação ao conhecimento. Essa característica representa um dos princípios
do antropocentrismo, do humanismo, pelo qual o homem configura o centro de
todas as relações. O homem era o sujeito do estudo ambiental e contemplava o
ambiente como algo externo a si. No entanto, a preocupação com a conservação
do ambiente foi se tornando forte demais. Atrelada a ela, vinha a necessidade de
se abandonar esse modelo maniqueísta, que distanciava o homem do ambiente nas
ciências e na sociedade de uma forma geral. Ao final dos anos 1980 e início dos
anos 1990, a preocupação da Educação Ambiental era trabalhar em integração
com a natureza. O homem é parte do ambiente e por isso reproduz em si toda a

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historicidade e a cultura em que está inserido. A busca da contextualização his-


tórica faz com que o indivíduo se compreenda dentro da relação com o ambiente,
comprometendo-se com uma ética de respeito às gerações passadas e às futuras.
Todas as transformações de parâmetros éticos sobre a relação entre homem
e natureza, e a preocupação com as formas de implantação desses pensamentos no
decorrer das últimas décadas, foram fortemente influenciadas por manifestações
que reclamavam mudanças, incluindo entre elas as várias conferências, congres-
sos, textos e debates vinculados ao tema ambiental. E é no contexto dos documen-
tos produzidos por esses eventos que encontramos a Educação Ambiental vista
como fundamental para alcance da sustentabilidade.
A Educação Ambiental surge como estratégia de ação, pela primeira vez,
em junho de 1972, na Suécia, na primeira Conferência Mundial sobre Meio Am-
biente e Desenvolvimento. Num documento intitulado Declaração de Estocol-
mo, cuja elaboração propunha princípios básicos para a utilização racional dos
recursos ambientais, relacionando-os ao aumento da população e todas as impli-
cações sociais, econômicas e ambientais advindas desse processo, encontramos
a recomendação de um programa internacional de Educação Ambiental a fim de
educar o cidadão comum para o importante papel do manejo e do controle do
meio ambiente (DIAS, 1991). Posteriormente, organizada pela Organização da
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Tecnologia (Unesco), a Conferência
Intergovernamental de Educação Ambiental, em Tbilisi (capital da Geórgia, na
ex-União Soviética), no ano de 1977, foi de grande importância para o desenvol-
vimento da Educação Ambiental no mundo. Foram definidos objetivos e caracte-
rísticas da Educação Ambiental:
[...] ainda que seja óbvio que os aspectos biológicos e físicos constituem a base natural do
meio humano, as dimensões socioculturais e econômicas, e os valores éticos definem, por
sua parte, as orientações e os instrumentos com os quais o homem poderá compreender e
utilizar melhor os recursos da natureza com o objetivo de satisfazer as suas necessidades.
(COMUNIDADE DE ESTADOS INDEPENDENTES, 2001)

Nessas linhas, fica clara a intenção internacional de trazer a questão


ambiental para o contexto educacional como princípio fundamental para a
construção de sociedades sustentáveis. Em 1992, a Conferência da Onu sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, também abriu importantes cami-
nhos em prol da Educação Ambiental. No capítulo 36 da tão conhecida Agenda 21,
podemos observar as diretrizes gerais para a organização intencional da Educação
Ambiental. Em forma de síntese, podemos dizer que ali encontramos a Educação
Ambiental voltada para o desenvolvimento sustentável.
36.3. O ensino, inclusive o ensino formal, a consciência pública e o treinamento devem
ser reconhecidos como um processo pelo qual os seres humanos e as sociedades podem
desenvolver plenamente suas potencialidades. O ensino tem fundamental importância na
promoção do desenvolvimento sustentável e para aumentar a capacidade do povo para
abordar questões de meio ambiente e desenvolvimento. Ainda que o Ensino Básico sirva
de fundamento para o ensino em matéria de ambiente e desenvolvimento, este último
deve ser incorporado como parte essencial do aprendizado. Tanto o ensino formal como o
informal são indispensáveis para modificar a atitude das pessoas, para que estas tenham
capacidade de avaliar os problemas do desenvolvimento sustentável e abordá-los. O ensi-
no é também fundamental para conferir consciência ambiental e ética, valores e atitudes,

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técnicas e comportamentos em consonância com o desenvolvimento sustentável e que favo-


reçam a participação pública efetiva nas tomadas de decisão. Para ser eficaz, o ensino sobre
meio ambiente e desenvolvimento deve abordar a dinâmica do desenvolvimento do meio
físico/biológico e do socioeconômico e do desenvolvimento humano (que pode incluir o
espiritual), deve integrar-se em todas as disciplinas e empregar métodos formais e informais
e meios efetivos de comunicação. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2005)

Portanto, a Educação Ambiental para a sustentabilidade é muito mais do


que a assimilação de conceitos e conhecimento sobre o ambiente. A Educação
Ambiental será responsável por uma nova relação do eu com o outro e com o
mundo. A preocupação é formar indivíduos e cidadãos comprometidos não só
com as próprias necessidades e as necessidades dos outros, mas interessados em
reformular essas necessidades, em reconhecer o que de valioso existe na vida, e
na relação com o mundo. Isso implica um conhecimento interno muito aprofun-
dando, filosófico, existencial, mas também um forte engajamento na partilha da
responsabilidade, por meio da participação radical. Assim, a Educação Ambiental
se traduz em um processo contínuo, constante, em busca da prática da democracia
e da participação radical dos indivíduos em decisões que se traduzam, para todos
nós, em qualidade de vida.
A mudança, em termos práticos, começa pela transformação do nosso olhar
sobre a educação, tanto em espaços formais como em caráter informal.

Educação Ambiental no âmbito escolar


A Educação Ambiental vem firmando seu importante papel na formação do
indivíduo, contribuindo para o exercício de sua cidadania.
Na Conferência de Tbilisi (1975), a Educação Ambiental foi pensada no âm-
bito educativo, por sua inserção no conteúdo e na prática escolar, orientada para a
resolução de problemas concretos do meio, com um enfoque interdisciplinar e uma
participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade (DIAS, 2000).
As questões ligadas ao meio ambiente foram introduzidas no panorama da
Educação no Brasil por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997), como tema transversal a ser trabalhado permeando todas as áreas do co-
nhecimento escolar. Ou seja, a Educação Ambiental deve estar inserida nos currí-
culos de forma transdisciplinar, favorecendo assim a noção de complexidade das
questões ambientais. Tendo, portanto, enfoque interdisciplinar e transdisciplinar.
Sato (2003, p. 24) descreve que “o ambiente não pode ser considerado um objeto
de cada disciplina, isolado de outros fatores, ele deve ser abordado como uma
dimensão que sustenta todas as atividades e impulsiona os aspectos físicos, bioló-
gicos, sociais e culturais dos seres humanos”.
Esse é um importante princípio da Educação Ambiental e deve ser levado
em consideração na construção dos novos currículos. Além disso, essa visão
desmistifica aquela de alguns que ainda acreditam que a Educação Ambiental
deve se transformar em uma disciplina escolar. Segundo Carvalho (2004), tanto
nos PCN como na Política Nacional de Educação Ambiental a inclusão de uma
disciplina da área é categoricamente rejeitada para os ensinos fundamental e
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médio, podendo ser adotada, somente quando necessário, apenas no Ensino Su-
perior. O caráter da EA deve ser sistêmico e integrador, e não acomodado a uma
disciplina (CARVALHO, 2004).
Sato (2003) ressalta ainda outra característica ou princípio da EA no que
se refere ao currículo escolar. A EA deve favorecer a ludicidade, a brincadeira, o
dinamismo, como método para o favorecimento do engajamento e da participação
na discussão ambiental. Nesse sentido, a autora ressalta que a inclusão da temática
ambiental nos currículos escolares deve acontecer a partir de atividades diferencia-
das que possam conduzir os alunos a serem agentes ativos no processo de formação
de conceitos. Sendo o professor o mediador do processo de ensino e aprendizagem,
cabe a ele propor novas metodologias que favoreçam a implementação da EA.
Nessa perspectiva, o uso de materiais sobre os temas ambientais em sala de
aula no processo de ensino e aprendizagem pode servir como fonte de informa-
ção. No entanto, não devem ser utilizados com exclusividade. A diversidade entre
esses materiais deve ser a mais ampla possível. A utilização de materiais diversi-
ficados como revistas, jornais, propagandas, filmes, faz com que o aluno sinta-se
inserido no mundo a sua volta (BRASIL, 1997).
Além disso, é preciso dizer que os conteúdos devem ser discutidos e traba-
lhados de forma coletiva, buscando conhecimentos não somente do professor, que
também possui uma leitura individual do mundo, mas também dos educandos,
como nos sugere Meyer (1991, p. 42):
Reconhecendo que a escola não é o único local de aprendizado e que o processo educativo
não se inicia nem se esgota no espaço escolar, torna-se fundamental dialogar com o conhe-
cimento que as pessoas têm acerca do ambiente, aprendido informalmente e empiricamente
em sua vivência e prática social, respeitando-as, questionando-as, levando-as a repensarem o
aprendido. Enfim, possibilitando que elas formulem e expressem suas ideias e descobertas, e
elaborem os seus próprios enunciados e propostas.

Essas e outras características devem ser levadas em consideração ao se


incorporar a EA aos currículos escolares. No entanto, não existe uma fórmula,
um método onívoro e completo. O educador também deve viver a experiência de
construir essa possibilidade, agregando a ela o seu próprio modo de entender a
Educação. A base primeira de um bom entendimento e treinamento está na dis-
cussão coletiva dos conteúdos, dos métodos, das experiências para uma Educação
que seja o alicerce para um novo conceito de sociedade.

Educação Ambiental
em espaços não formais
Sabemos que educar não é exclusividade do ensino escolar. Todas as pes-
soas possuem uma leitura de mundo que é anterior e ulterior àquela do ambiente
escolar: as vivências práticas, do cotidiano, do mundo do trabalho, da espiritua-
lidade, que complementam o ser humano em todos os âmbitos de sua vida e de
sua relação com o ambiente. A Educação Ambiental, nesse sentido, pode ser uma

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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

prática atrelada a qualquer grupo de trabalho, grupo social, ONG, associação de


moradores, sindicatos, entre outros.
Mas qual o papel da Educação Ambiental para esses grupos, como deve ser
estruturada? Quais são os princípios norteadores desse trabalho?
Obviamente que os princípios da Educação Ambiental são os mesmos para
todo o trabalho na área. No entanto, as metodologias devem ser apropriadas ao
público-alvo, favorecendo a proximidade do tema com o grupo que pretende es-
tudá-lo. Por exemplo, no caso de um grupo de sindicato, as metodologias devem
ser iniciadas pelo próprio movimento de consciência de classe, sobre as questões
relativas aos direito e deveres do trabalhador, para então inserir outros grupos
de discussão. No caso de um grupo de crianças de um bairro, por exemplo, as
metodologias devem ser trabalhadas de forma lúdica, como uma brincadeira,
tentando buscar nesses indivíduos os temas mais interessantes para serem pro-
blematizados. Como esses, outros exemplos demonstram que cada grupo merece
uma atenção particular, especial, mas, de qualquer forma, o envolvimento com o
conhecimento deve nortear esses trabalhos por um novo ambiente, internalizado,
do saber.
Em qualquer situação, tanto em cada pessoa, individualmente, quanto conectivamente,
no interior de pequenos grupos ou equipes dentro de uma turma de alunos, ou envolven-
do toda a turma, há um trânsito contínuo entre o-que-já-se-sabe e o-que-se-vai-saber:
um intervalo desigualmente sempre transponível entre aquilo que se reconhece como
um-saber-da-turma (de um grupo e, na sua unidade menor, de um aluno individualmen-
te), como algo já-aprendido, e aquilo, muito próximo, que-ainda-não-se-sabe: aquilo
que está-para-ser-aprendido, que vai-ser-aprendido. Que será aprendido como a fração
cultural do saber socialmente disponível. A fração de algum conhecimento, valor ou
o que seja, vindo da experiência vivida, vindo de algum ramo da ciência, vindo da
literatura, vindo de... que o contexto das interações entre as pessoas “ali” criou. E que,
então, cada um individualmente, cada pequena unidade afetiva e relacional de uma
“turma de alunos” irá incorporar aos seus processos e às suas estruturas cognitivas de
conhecimento-aprendido-e-agora-sabido. (Brandão, 2003, p. 116-117)

Os objetivos, de uma forma geral, também são os mesmos, A Educação Ambiental


a Educação Ambiental deve capacitar o indivíduo a agir individu- deve capacitar o
al e coletivamente, amparado pelo olhar da sustentabilidade. Ob-
indivíduo a agir
viamente, cada grupo possui uma dinâmica e uma busca por uma
série de respostas que é interna ao grupo, e o educador ambiental
individual e coletivamente,
deve respeitar essas expectativas. O trabalho deve começar por amparado pelo olhar
satisfazer as necessidades dos grupos, de forma a fazer com que da sustentabilidade.
os indivíduos se sintam interessados pelo processo educativo e compartilhem com
os outros esse momento, na internalização de novos conhecimentos construídos
coletivamente.
Muitas vezes, os temas e objetivos desses grupos estão relacionados com
seu fortalecimento interno, tanto na promoção da participação, no engajamento
da comunidade nas questões ambientais em que se inserem, como na problema-
tização e no enfrentamento das questões relacionadas à qualidade de vida.
Dessa maneira, os indivíduos são convidados a participar do processo am-
biental, aprendendo a dialogar com o outro na busca da compreensão do seu am-

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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

biente. O processo é o de troca de ideias, de valores, de conhecimentos, na busca


por um saber contextualizado, abrangente, construído sob o ponto de vista de toda
a comunidade. Não se trata, portanto, de conhecer apenas como se estruturam as
interações ecológicas, como reciclar resíduos, ou como diminuir o consumo de
água: trata-se de conhecer as reais necessidades de conhecimento do grupo que
está inserido na ação, buscando com isso trabalhar pela melhoria do seu ambiente
e conhecer a melhor forma de atuação nesse ambiente. Por isso, os temas são mui-
to variados, desde questões relacionadas aos indicadores de qualidade de vida,
como o conhecimento da história do ambiente, buscando com isso adquirir uma
sensação de pertencimento ao lugar. Para Brandão (2003, p. 91), a relação com
a realidade que se procura estudar cresce quando a olhamos de forma coletiva e
intencional, sendo possível uma mistura entre conhecimentos e subjetividades:
Ele está situado na tomada de consciência de que quando eu convoco aquilo que procuro
estudar, a sair do lado da coisa e da estrutura formal para o lado da relação e do aconteci-
mento vivenciado, a minha interpretação, qualquer que ela seja e de onde quer que venha,
não pode mais ser dada através de um discurso axiomático-dedutivo e inevitavelmente re-
dutivo, mas em uma compreensão fundada na aventura assumida da intersubjetividade.

De qualquer forma, grande parte desse trabalho só faz sentido se buscar


inserir a participação como metodologia. A participação é o grande pilar dos
programas informais de Educação Ambiental. Principalmente com relação aos
trabalhos com adultos.
A intenção, acima de tudo, é formar indivíduos empenhados em seu papel
participativo, capazes de usar suas ideias, sua vontade e sua voz na busca de cada
vez mais espaço, de possibilidade de decisão, de luta reivindicatória. A luta é pela
plena e absoluta construção de cidadãos.

Educação Ambiental e cidadania


Na Educação Ambiental, há uma grande distância entre informar e formar.
Não basta transmitir inúmeras informações sobre o que se deve fazer e o que pode
melhorar o ambiente: é preciso formar cidadãos conhecedores dessas questões,
indivíduos que não só ouçam mas que também procurem conhecer sobre a reali-
dade ambiental. Indivíduos que se comprometam com as mudanças necessárias à
qualidade ambiental de forma autônoma e responsável.
A Educação Ambiental tem, portanto, um caráter humanizador, formador,
e deve favorecer a compreensão e desvelar as determinações impostas pela reali-
dade humana, de forma a reconstruir em si os valores de civilidade e humanida-
de construídos historicamente. Ou seja, deve instrumentalizar o indivíduo para
compreender e agir de forma autônoma, por meio das relações sociais, sobre sua
própria realidade histórica. Deve contribuir na promoção de indivíduos críticos e
reflexivos capazes de pensar e repensar sua própria prática social.
Segundo Loureiro (2004), é na construção de uma nova ética que se trabalha.
Uma ética que tenha como base a reflexão sobre a complexidade da prática social
para, partindo dela, construí-la sob um ponto de vista novo, ecológico. Ecológico no
sentido de que represente um “embate democrático entre ideias e projetos que buscam
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a hegemonia na sociedade e no modo como esta se produz e se reproduz, problemati-


zando valores vistos como absolutos e universais” (LOUREIRO, 2004, p. 51).
Só assim a Educação Ambiental pode construir na base do pensar e do agir
o princípio da responsabilidade com o outro, do bom-senso, da cidadania e do res-
peito para a resolução dos problemas que são tanto individuais como coletivos, na
busca por relações mais harmônicas entre todos, e com o ambiente. Dessa forma,
o respeito à diversidade também surge como manifestação autêntica, porque não
há nada mais belo do que a versatilidade dos seres vivos, das culturas, das mani-
festações naturais (SATO, 2003).
É para isso, afinal, que nos serve o conhecimento: para ajudar na melhoria
de nossas vidas, na elaboração de nossas vontades, de nossos desejos. O conheci-
mento apreendido a partir da experiência com o outro, buscando nessa relação uma
nova ética de compromisso, de cidadania, de expectativas comuns, possui um alto
potencial modificador e ordenador da busca pela felicidade comum. Poeticamente,
Brandão (2002, p. 18) nos diz que
Pouco a pouco aprendemos a relativizar a história de longos ciclos, centradas em gran-
des feitos, grandes momentos e grandes heróis, para nos voltarmos às múltiplas histórias
culturais de antecedentes, contemporâneos e consócios como nós mesmos. Nós ao lado
de tantas pessoas “sem nome em placas de rua” mas de um passado remoto, os verdadei-
ros heróis da “nossa história”, porque a geração de mulheres e homens são os constru-
tores cotidianos do que esteve e está aí como uma cultura. A nossa cultura. Habitantes
de carne e osso da criação de cotidianos que são, de uma comunidade de Belém Velho, a
Porto Alegre, ao Rio Grande do Sul, ao Brasil, a outros amplos círculos de nosso Mundo,
antes e agora, criadores de sociedades, de culturas e de histórias, tanto ou mais do que
heróis montados a cavalo. E então, poderemos descobrir, junto com as inúmeras pessoas
das muitas comunidades populares, que aqueles heróis esporadicamente aparecem em
momentos de uma história cujo dia a dia somos nós, as pessoas comuns, quem constrói
e quem, portanto, pode dar sentido e transformá-la. (BRANDÃO, 2002, p. 188)

A Educação Ambiental procura, portanto, trazer ao indivíduo a importân-


cia de problematizar sobre suas necessidades reais, buscando no mundo muito
mais do que a aquisição material, mas sim novas relações com os outros, novas
formas de tratar a diversidade, numa crítica radical da modernidade por meio da
prática da cidadania e de uma ética ecológica em que o outro e o ambiente não
sejam esquecidos e possam fazer parte do sonho de felicidade de todo nós.

1. Cada aluno deve criar um conceito de Educação Ambiental.


2. Depois, devem ser formados grupos em que serão discutidos esses conceitos e recriado um
novo conceito, do grupo todo.
3. Os alunos devem representar esse conceito do grupo em forma de teatro, ou por meio de um
desenho, uma frase, um símbolo.
4. Apresentar a conclusão para os demais grupos.
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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação ambiental: natureza, razão e história. Cam-
pinas: Autores Associados, 2004.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do
educador. São Paulo: Cortez, 2003.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002.
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Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da
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CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. A invenção ecológica: narrativas e trajetórias da Educação
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COMUNIDADE DE ESTADOS INDEPENDENTES. Algumas Recomendações da Conferência
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DIAS, Genebaldo F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 6. ed. São Paulo: Gaia, 2000.
MEYER, Mônica Ângela de Azevedo. Educação Ambiental: uma proposta pedagógica. Em Aberto,
Brasília, v. 10, n. 49, p. 41-46, jan.-mar. 1991.
GRÜN, Mauro. Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária. Campinas: Papirus, 1996.
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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda 21. Disponível em: <www.mma.gov.br>. Acesso
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PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. O conceito de natureza não é natural. In: ______. Os (des)
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SATO, Michèle. Educação Ambiental. São Carlos: Rima, 2003.
SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 6. ed. São Paulo: Au-
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Educação Ambiental
em perspectiva
Nadja Janke

Educação Ambiental em escolas

A
Educação Ambiental em âmbito escolar tem sofrido muitas modificações ao longo dos anos.
De fato, por muito tempo acreditou-se que fazer Educação Ambiental era uma prática para o
ensino de ciências, de ecologia. Hoje, esse já é um conceito ultrapassado.
Outra questão que precisou ser ultrapassada é o falso entendimento de que a Educação Am-
biental é responsável por conscientizar os indivíduos para serem cidadãos mais responsáveis am-
bientalmente. É preciso ter certa ressalva com o termo conscientizar. Ele imprime a falsa impressão
de que as pessoas não têm consciência, não têm seus próprios valores de conduta. Isso não é verdade,
e a EA deve se preocupar em atender às diferenciações culturais, éticas e morais existentes na socie-
dade para assim exercer um trabalho de respeito às diferenças, partindo delas para reformulá-las. Isso
precisa ser levado em conta na escola, local de tantas diversidades culturais, filosóficas, sociais, entre
outras. Claro que é preciso trabalhar com as diferenças, respeitando-as, de modo a alcançar menor
desigualdade nas relações, o que não significa que as diferenças precisem ser homogeneizadas. Pelo
contrário, as diferenças precisam ser respeitadas para o alcance da igualdade.
No entanto, a Educação Ambiental escolar ainda tem seus pontos falhos. Em muitos casos, a
questão transdisciplinar ainda não foi bem interpretada na prática, o que causa problemas na imple-
mentação dos trabalhos.
Segundo Sato (2003), para se fazer Educação Ambiental de forma transdisciplinar é preciso
trabalhar com a adoção de temas geradores, assim facilitando a participação de muitas disciplinas no
contexto do trabalho, como demonstra o gráfico a seguir, extraído de Sato (2003, p. 45).

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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

Português
- exercícios de vocabulário
- debate sobre a importância da árvore
- interpretação de textos, poesias

História
Artes
- tempo de vida das árvores
- pintura de folhas
- meio de vida dos povosda floresta
- formas das folhas
- cultura indígena
- colagem com flores

Ciências Educação Física


- germinação de sementes
- fotossíntese
Árvores - movimentos dos animais
- sons da floresta
- desmatamento - jogos

Geografia
- conservação das florestas
- florestas tropicais
- clima Matemática
- contagem de árvores no entorno da escola
- pesodas partes da árvore
- comparação de tamanhos e formas

Tentar inserir o aluno no ambiente de modo consciente, por meio de pas-


seios, práticas, trabalhos de campo, também é outra maneira de trazê-los para
o contexto das realidades ambientais. Uma boa ideia é a proposta de mapea-
mento ambiental (MEYER, 2001), em que os alunos visitam o entorno da es-
cola, observando as características físicas e estruturais do ambiente, colhendo
impressões, sentimentos e representações desse ambiente. Em seguida, eles
podem apresentar o que viram em forma de maquete, desenho, qualquer manei-
ra lúdica que os faça transportarem as impressões para a sala de aula. A partir
daí, os problemas daquele ambiente vão sendo questionados e o professor pode
trabalhar sobre os temas ambientais de forma contextualizada, a partir do co-
nhecimento dos próprios alunos.
Segundo Smith (1995), o professor deve despertar nos alunos:
a sensibilização ambiental – processo de alerta, considerado como pri-
meiro objetivo para alcançar o pensamento sistêmico da EA;
a compreensão ambiental – conhecimentos dos mecanismos e dos conhe-
cimentos que regem o sistema natural;
a responsabilidade ambiental – reconhecimento do ser humano como
protagonista para determinar e garantir a manutenção do planeta;
a competência ambiental – capacidade de avaliar e agir efetivamente no
sistema (ambiental);
a cidadania ambiental – capacidade de participar ativamente, resgatando
os direitos e promovendo uma nova ética capaz de conciliar a natureza e
a sociedade.

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Educação Ambiental em perspectiva

Além disso, o professor deve a todo momento promover a participação ati-


va, o diálogo, a discussão na resolução dos problemas. Para isso, é preciso que ele
esteja atento à intencionalidade da ação educativa. O professor não é uma figura
neutra, alguém sem opinião, sem ideias: ele deve ter clareza nas suas ideias e opi-
niões para poder discuti-las e trabalhá-las com os alunos.

Educação Ambiental e movimentos sociais


O trabalho de Educação Ambiental com movimentos sociais tem buscado
ampliar o poder e a possibilidade de participação desses grupos dentro da própria
estrutura do grupo para agir de forma responsável, por meio do exercício da cida-
dania e do direito reivindicatório.
A intenção da Educação Ambiental deve ser a emancipação do sujeito em
todas as esferas da vida social, individual e com o mundo, transformando as rela-
ções do ser humano com a vida. Em Loureiro (2004, p. 92), essa ideia é apresen-
tada pela figura abaixo.

O mundo

O outro

Eu

Construção
de identidade

Construção
de alteridade

Relações com
o meio da vida

Nesse esquema, fica clara a importância da reconstrução das relações do


homem consigo mesmo, com o outro e com o mundo, no entendimento de suas
potencialidades e das possibilidades de atuação ambiental. Isso só pode ser cons-
truído por meio das relações e da participação radical do indivíduo no projeto
ambiental. Por isso, os programas de Educação Ambiental, nesse âmbito, têm tra-
balhado com metodologias participativas, que possibilitam a construção do co-
nhecimento dos grupos por meio de seu crescimento organizacional. Uma dessas
metodologias é a pesquisa-ação-participativa.

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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

A pesquisa-ação-participativa está amparada pelos princípios de compreen-


são da interpretação humana dos fatos. Porém, ela possui características próprias
que precisam ser ressaltadas. Ela articula, radicalmente, a produção de conheci-
mentos (dimensão investigativa) à ação educativa (dimensão educativa), ou:
Por baixo de uma simples mudança exterior de paradigmas científicos e de métodos de
investigação, com predominância crescente entre nós das alternativas interativas, inter-
subjetivas, dialógicas, integrativas, compreensivas e tendentes a uma vocação transdisci-
plinar, o que está acontecendo é uma passagem de uma acumulação de saberes reflexos,
em que uma dimensão inerte da realidade objetivada é refletida no meu conhecimento,
para uma integração entre conhecimentos reflexivos, em que a presença chamada a ser
ativa e interativa de uma dimensão do real obriga a refletir com ela e a pensar e pensar-me
através dela. (BRANDÃO, 2003, p. 99)

Uma das grandes dificuldades dessa metodologia reside no estabelecimento


de parâmetros que delimitem as concepções teóricas e a atuação metodológica, o
que tem dividido as opiniões. O tema da participação dos diferentes sujeitos envol-
vidos é mais um de seus pressupostos. Para Thiollent (2000), nem toda pesquisa par-
ticipante pode ser considerada pesquisa-ação, embora ele defenda essa articulação.
Na concepção de Angel (2000), a pesquisa-ação pode ser colaborativa ou participa-
tiva, dependendo do grau de participação dos envolvidos no estudo, representando,
dessa forma, o tipo de escolha conceitual do pesquisador. Tanto nesses como em
outros casos, embora existam diferenças conceituais, alguns traços comuns podem
ser observados.
Devemos ressaltar que a pesquisa-ação-participativa objetiva, a princípio,
produzir conhecimento sobre o tema a ser estudado. Porém, a participação efetiva
do ator social, ou do sujeito diretamente envolvido, é fundamental, uma vez que so-
mente a partir de sua própria observação sobre o ambiente e os problemas que direta
e indiretamente o afetam é que se criam os conceitos que devem necessariamente
culminar em ação. O conhecimento do senso comum, para essa metodologia, surge
como um ponto de partida, é um primeiro olhar sobre a realidade a ser estudada e
sobre os pontos que precisam ser observados. Mas é claro que, como um primeiro
olhar, ele ainda carece de reflexão, pois está muito mais relacionado ao viver cotidia-
no, à experiência ocorrida no dia a dia, do que a uma reflexão construída sobre essa
experiência, no que se refere ao conhecimento dos seus condicionantes, das opres-
sões e repressões ocultas, dos valores e conceitos que determinam tais situações. É
então que a vivência dos sujeitos participantes sobre essa metodologia contribui: o
senso comum construído a partir das experiências sobre a realidade, em geral pouco
refletida, pode ser ampliado pela realização de um novo conhecimento, resultado da
investigação intensiva sobre essa realidade, de todas as determinações que a cons-
troem, do papel do indivíduo nesse processo, do entendimento da responsabilidade
de cada um. O avançar desse primeiro olhar, em parceria com o saber sistematizado
do mundo acadêmico, fornece instrumentos para a elaboração sistemática para o co-
nhecimento dessa realidade concreta que faz surgir um novo saber, o saber refletido.
Esse saber que agora não é fruto só do cotidiano mas também da articulação dele
com novos conhecimentos, da interação entre realidades diferentes, não apenas ins-
trumentalizando o sujeito para compreender os mecanismos históricos, sociais e
culturais que o fazem oprimido como também imprimindo no sujeito a autonomia
necessária à possibilidade do fazer, do agir sobre essa realidade.
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A participação possui a característica de ser meio e fim, porquanto é instrumento de autopro-


moção, mas é igualmente a própria autopromoção. Prevalece, porém, a conotação instrumen-
tal, no sentido de que é vista como caminho para se alcançarem objetivos [...] Se usássemos
outra linguagem, diríamos que participação é metodologia. (DEMO, 2001, p. 66)

Por outro lado, a observação direta das questões ambientais por parte
dos sujeitos sociais faz com que elas se tornem muito mais nítidas e o apren-
dizado seja mais facilmente elaborado. Ao ressaltar a questão do aprendi-
zado enfocamos, dessa forma, o objetivo imprescindível ao trabalho com
esse tipo de metodologia: seu caráter educativo. Segundo Thiollent (2000),
a pesquisa-ação não pode correr o risco de se transformar em ativismo e, no
entanto, sua pretensão é possibilitar o desenvolvimento do “nível de cons-
ciência” e do conhecimento dos envolvidos. Portanto, os princípios teórico-
metodológicos da pesquisa-ação-participativa se aproximam dos princípios
teórico-metodológicos da Educação Ambiental.
A primeira etapa de elaboração do projeto de pesquisa-ação-participativa
está na formação do próprio grupo de trabalho. Após a formação inicial do
grupo, seguem os processos de escolha do tema, do tipo de atuação necessária
para trabalhar sobre ele, e quais serão as formas de observação dos resultados
obtidos. Essas etapas foram sistematizadas por Angel (2000, p. 50): o desenho
da investigação; o desenvolvimento da investigação por meio de um processo
cíclico de planejamento, ação, observação e reflexão; e, por último, a elaboração
do informe final.
Essa metodologia favorece a ação de grupos e movimentos sociais porque
prioriza a problematização dos temas, sua pesquisa e seu entendimento, para fa-
cilitar a ação. Dessa maneira, produz novos conhecimentos para os grupos en-
volvidos e possibilita a construção da cidadania de forma consciente e estudada,
possibilitando a ampla estruturação dos princípios da Educação Ambiental:
participação efetiva de toda a comunidade na melhoria do ambiente;
articulação entre o conhecimento cientifico e o senso comum;
estruturação de uma práxis, isto é, a busca pela complementaridade entre
reflexão e ação;
consciência da intencionalidade política da ação ambiental;
garantia da continuidade do processo educativo.
Essa modalidade tem sido muito usada em diversos trabalhos de Educação
Ambiental, inclusive em escolas e com grupos de moradores de bairros, sindicatos
de empresas, entre outros.

Educação Ambiental e políticas públicas


É certo que as políticas públicas estão diretamente ligadas à ação do gover-
no. De fato, o governo é o responsável pela criação e a execução de medidas que
asseguram a efetividade das políticas em Educação Ambiental.

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O governo, em geral, tem agido no sentido de financiar projetos de Educa-


ção Ambiental de outras entidades, como universidades e ONGs, entidades da
sociedade civil organizada e de empresas. Isso tem acontecido também por meio
da criação de cursos de capacitação de profissionais e de financiamento tanto em
nível de especialização como em cursos de pós-graduação lato sensu, que têm for-
mado educadores e gestores ambientais em todo o país. Segundo Carvalho (2001),
a produção de bibliografia na área ambiental tem aumentado muito, muitas vezes
ligada a entidades públicas ou que recebem financiamentos dos governos, como as
universidades e órgãos estaduais e municipais.
Em geral, os financiamentos são a forma de atuação governamental mais
presente em políticas públicas de Educação Ambiental. Os projetos na área, cria-
dos diretamente pelo Ministério do Meio Ambiente, ainda são muito incipientes e,
em geral, estão localizados nas escolas públicas, em nível mais regional, como é o
caso da formação da Agenda 21 escolar.
A Política Nacional de Educação Ambiental, de 1999, é o documento que
regulamenta as ações e políticas públicas do governo. O capítulo II desse docu-
mento especifica qual a função da Política Nacional de Educação Ambiental, em
suas dimensões formal e informal.

Capítulo II
DA POLÍTICA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Seção I
Disposições Gerais
Art. 6.º É instituída a Política Nacional de Educação Ambiental.
Art. 7.º A Política Nacional de Educação Ambiental envolve em sua esfera
de ação, além dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de
Meio Ambiente – Sisnama, instituições educacionais públicas e privadas
dos sistemas de ensino, os órgãos públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e organizações não governamentais
com atuação em Educação Ambiental.
Art. 8.º As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Am-
biental devem ser desenvolvidas na educação em geral e na educação
escolar, por meio das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas:
I - capacitação de recursos humanos;
II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações;
III - produção e divulgação de material educativo;
IV - acompanhamento e avaliação.
§1.º Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambien-

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Educação Ambiental em perspectiva

tal serão respeitados os princípios e objetivos fixados por esta Lei.


§2.º A capacitação de recursos humanos voltar-se-á para:
I - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especializa-
ção e atualização dos educadores de todos os níveis e modalida-
des de ensino;
II - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especializa-
ção e atualização dos profissionais de todas as áreas;
III - a preparação de profissionais orientados para as atividades de
gestão ambiental;
IV - a formação, especialização e atualização de profissionais na área
de meio ambiente;
V - o atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade
no que diz respeito à problemática ambiental.
§3.º As ações de estudos, pesquisas e experimentações voltar-se-ão para:
I - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à in-
corporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos
diferentes níveis e modalidades de ensino;
II - a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a
questão ambiental;
III - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à
participação dos interessados na formulação e execução de pes-
quisas relacionadas à problemática ambiental;
IV - a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capaci-
tação na área ambiental;
V - o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a
produção de material educativo;
VI - a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para
apoio às ações enumeradas nos incisos I a V.

Seção II
Da Educação Ambiental no Ensino Formal
Art. 9.º Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desen-
volvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas
e privadas, englobando:
I - educação básica:
a) educação infantil;
b) ensino fundamental e
c) ensino médio;

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II - educação superior;
III - educação especial;
IV - educação profissional;
V - educação de jovens e adultos.
Art. 10 A educação ambiental será desenvolvida como uma prática edu-
cativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modali-
dades do ensino formal.
§1.º A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina es-
pecífica no currículo de ensino.
§2.º Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao as-
pecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessá-
rio, é facultada a criação de disciplina específica.
§3.º Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em
todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética am-
biental das atividades profissionais a serem desenvolvidas.
Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação
de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.
Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação
complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender
adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Políti-
ca Nacional de Educação Ambiental.
Art. 12. A autorização e supervisão do funcionamento de instituições de
ensino e de seus cursos, nas redes pública e privada, observarão o
cumprimento do disposto nos artigos 10 e 11 desta Lei.

Seção III
Da Educação Ambiental Não formal
Art. 13. Entendem-se por educação ambiental não formal as ações e prá-
ticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as
questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da
qualidade do meio ambiente.
Parágrafo único. O Poder Público, em níveis federal, estadual e munici-
pal, incentivará:
I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa,
em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de
informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente;
II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações
não governamentais na formulação e execução de programas e
atividades vinculadas à educação ambiental não formal;

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Educação Ambiental em perspectiva

III - a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento


de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a
universidade e as organizações não governamentais;
IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de
conservação;
V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às uni-
dades de conservação;
VI - a sensibilização ambiental dos agricultores;
VII - o ecoturismo.

Dessa forma, estão atribuídas as funções do Estado nas políticas de Educa-


ção Ambiental em nível federal. Assim, as políticas públicas estão amparadas por
essas normas. No documento, ainda podemos encontrar, no capítulo III, as nor-
mas relativas à execução dessas políticas. Nesse capítulo, a Política Nacional de
Educação Ambiental estipula que o órgão gestor é responsável por definir diretri-
zes, articular, supervisionar e coordenar planos, programas e projetos em âmbito
nacional, além de participar da negociação dos financiamentos dos programas e
projetos.

Educação Ambiental e empresas privadas


As empresas privadas ainda possuem uma certa dificuldade em fundamen-
tar programas de Educação Ambiental. Em geral, os incentivos fiscais dados a
essas empresas facilitam a execução desses programas na área, porém as em-
presas não podem perder a capacidade de lucro, o que muitas vezes impede que
seus programas sejam realmente baseados nos princípios da Educação Ambien-
tal e, assim, sejam efetivos.
Uma empresa de celulose, por exemplo, não pode deixar de cortar árvores
e causar poluição, resultado de seu processo de produção. Em geral, nessas em-
presas são estruturados programas de Educação Ambiental em parques criados
dentro da área da empresa, e que recebem visitas monitoradas. Em geral, esses
programas de Educação Ambiental são muito pontuais e pouco problematizado-
res, pois não contabilizam o peso da produção industrial para o ambiente, ou o
impacto que produzem.
O fato é que é muito difícil compatibilizar produção e qualidade ambien-
tal, sustentabilidade. Por isso, algumas empresas procuram parcerias para efetuar
programas de Educação Ambiental. Alguns programas, com financiamento de
empresas privadas, procuram capacitar os moradores do entorno para lidarem
com seus problemas ambientais. Em geral, essas empresas contam com o apoio de
ONGs para estruturar o trabalho de Educação Ambiental.

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1. Separar os alunos em grupos.


2. Pesquisar metodologias de ensino diversificadas, como jogos, dinâmicas que possam favorecer
o aprendizado ambiental.
3. Criar uma aula baseada nessas metodologias e apresentar em sala.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo:


Cortez.

ANGEL, J.B. La investigación-acción: un reto para el profesorado. Barcelona: Inde Publicaciones, 2000.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do
educador. São Paulo: Cortez, 2003.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. A invenção ecológica: narrativas e trajetórias da Educação
ambiental. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
DEMO, Pedro. Participação é conquista. 5. ed, São Paulo: Cortez, 2001.
LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo:
Cortez, 2004.
MEYER, Mônica Ângela de Azevedo. Educação Ambiental: uma proposta pedagógica. Em Aberto,
Brasília, v. 10, n. 49, p. 41-46, jan.-mar. 1991.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Política Nacional de Educação Ambiental. Disponível em: <www.
mec.gov.br>. Acesso em: 20 ago. 2005.
SATO, Michèle. Educação Ambiental. São Carlos: Rima, 2003.
SMYTH, John C. Environmental education: a view of a changing scene. Environmental Education
Research, v. 1, n. 1, 1995.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

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Anotações

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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável
Sociedade Contemporânea Sociedade Contemporânea
e e
Desenvolvimento Sustentável Desenvolvimento Sustentável
Cynthia Roncaglio
Nadja Janke

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-2973-0

9 788538 729730

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