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ENTREVISTA COM ÉRICO NOGUEIRA

O fugaz enquanto fugaz

Estréia de Érico Nogueira, O livro de Scardanelli romanceia a idéia de

que ao poeta é inevitável a hesitação entre a naturalidade do

sentimento e a artificialidade da expressão

Por Ronald Robson

Não tivéssemos o Drummond de Claro Enigma (1951) e as duas obras

magnas de Bruno Tolentino, O Mundo Como Idéia (2002) e A Imitação

do Amanhecer (2006), e nos seria bem maior o espanto que causa O

livro de Scardanelli (2008), volume de estréia do jovem poeta paulista

Érico Nogueira. Raríssimas vezes se fez no Brasil poesia com tal

envergadura formal a partir de aspirações – em um debate de idéias

típico de “poetas-críticos” – que desmentem a imaturidade que

geralmente se pode imputar a um escritor de 30 anos.

Para tomar uma referência amplamente conhecida, Fernando Pessoa

(o próprio, o ortônimo) talvez tenha sido o poeta lusófono que mais se

impôs o exercício da poesia como uma constante tensão entre

“interioridade” e “exterioridade”, entre o dizer genuíno de um “eu” e

a observação – exterior, severa – das técnicas de que ele se utilizará

para tanto. E, se em um Pessoa tal tensão é sombra costumeira mas

secundária, em Érico Nogueira ela se fez tema, aspiração e impasse

desejável. Já no primeiro poema do livro vemos Érico a dar precisa e

bela expressão a esse jogo de duplicidades que energiza a alma de

Scardanelli, a voz que fala no livro: “A hora lúcida de cara dupla”.


Divide-se a obra em três partes. “Livro de Horas” é a primeira delas,

uma seqüência de 23 poemas, todos eles sendo “traduções”

heterodoxas realizadas por Érico dos poemas que o poeta alemão

Friedrich Hoelderlin (1770-1843), na velhice e já louco, escreveu sob o

pseudônimo de Scardanelli. Disse tradução, mas aqui a palavra

conota apenas uma espécie de deliberado plágio formal: pois o que

Érico fez foi preencher com conteúdo completamente outro a

estrutura métrica e rítmica dos poemas originais – e nada mais.

São poemas muito suaves, como que pensados à voz baixa, a

advertirem sobre a fatalidade irreversível do tempo – coisa, aliás, bem

expressa em “O Selo”: “Se tal é a morte, é tal também a vida: / quem

vai ditoso, mas se esvai na lida, / é como se em lida só passasse: / a

vida amarra, a morte é desenlace”. São poemas de versos

geralmente decassílabos, distribuídos com ou sem rima no mais das

vezes em quadras paragrafadas ou não, simplicidade essa que mais

uma vez nos faz lembrar daqueles versos de Bilac: “Porque a Beleza,

gêmea da Verdade, / Arte pura, inimiga do artifício, / É a força e a

graça na simplicidade”.

A segunda seção do livro, “Cancioneiro Inglês ou de Sandra Gama”, é

uma tentativa de romancear, ao longo de 24 sonetos ingleses, todos

os dilemas de um Bildungsroman (“romance de formação”), uma

autobiografia interior do embate de Érico Nogueira com seu mote da

“sinceridade despersonalizada”. Tais sonetos possuem uma

progressão curiosa, a dar a impressão de que, tateando, aos poucos,

Scardanelli rompe um ceticismo da expressão, alcança alguma graça

ao despreocupar-se com o modo pelo qual diz o que quer dizer, e


novamente recua à divisa inicial, dizendo “Cansei-me da empolada

elocução / e de chorar quem eu não conheci”, o que leva a pensar

que não há, para o poeta, solução quanto a isto. Merece destaque o

soneto de número 16, no qual encontra perfeita expressão a desgraça

de Scardanelli a amar uma imaginária e fingida Sandra Gama:

“apenas, entre alguém e seu retrato, / para meu dano, preteri

alguém”.

Já a última seção do livro, “Caderno de Exercícios”, é a mais vária no

que concerne a formas poéticas, nela se encontrando até poderosos

experimentos sintáticos como os dos versos de “Quatro estudos

neoclássicos”: “Se amanhece, e / desenha-se a / montanha. / Se

súbito um / estalo e / beijo e / sol. / Planou, / pousou no / lago a /

folha. / A faísca luziu. // (Agora sombra.)” Além dos temas das seções

anteriores – a fugacidade do tempo, da beleza, e a difícil busca do

artificialismo sincero –, Érico Nogueira ainda incorpora, nesta última

seção, um nada irrelevante imagismo – não apenas contemplativo,

mas reflexivo –, tanto no poema supracitado, bem como em “Dois

hálitos” e em “Selene e a omoplata”.

Resta, agora, apenas anotar que “O livro de Scardanelli” carrega, ao

fim, um ótimo ensaio do poeta, tradutor e crítico literário Carlos Felipe

Moisés sobre a poética de Érico Nogueira. E, sobre este último, devo

dizer que o único demérito de sua estréia literária é aquele já

observado por Ângelo Monteiro na orelha do volume: a “ênfase na

paródia e na ironia”. No entanto, não é isso exatamente um defeito:

talvez fosse um terreno a ser inevitavelmente cruzado para que se


cumprisse o trajeto que Érico se impôs – a essa altura da história da

literatura, fazer poesia que imploda o realismo personalista…

ENTREVISTA

Há um intenso desassossego em seu livro, o qual parece se

dar por conta dos dois pólos entre os quais o autor transita: o

desejo de verdadeiramente dizer algo que lhe é próprio, e a

ciência de que, para fazê-lo, ele não pode apenas pôr a nu

seus sentimentos, já que isso seria falsificar a poesia com

uma impossível “naturalidade”. Como este embate, este

“tema”, se tornou claro para você?

É difícil dizer. Desde que, aos quinze, dezesseis anos, eu “descobri”

minha vocação de poeta, amar a poesia era, para mim, amar a

técnica da poesia, amar o desafio de, ao mesmo tempo, dizer o que

me desse na telha e obedecer à severa disciplina da forma. Comecei

com Bilac e Guilherme de Almeida, e logo encontrei João Cabral, cuja

opção pelo caminho “mais difícil”, como diz em certo poema, sempre

me fascinou. A poesia, para mim, sempre foi essa coisa “oblíqua e

dissimulada”, coisa que só aceita o pessoal, por incrível que pareça,

por meio da despersonalização. Daí o meu amor incondicional aos

clássicos greco-latinos, cuja poesia, tão cheia de prescrições,

convenções e regras de toda a sorte, não deixa, por isso, de ser muito

particular.

A necessidade de comunicar um determinado estado de alma

verídico, e, de outra ponta, a necessidade de comunicá-lo

através de uma forma artificial, algo fingida, ensaiada: você

acredita que nenhum poeta possa fugir a isso?


Acredito. A linguagem comum, espontânea e utilitária que é, não é

capaz de veicular certas experiências, de dizer o que deve ser dito e

ninguém diz. Ela é frouxa. É disforme. É inexata. De modo que

falsifica, necessariamente, aquilo que veicula. A poesia, porém, que é

linguagem concentrada em grau máximo, pode chegar a dizer o que,

a cada vez, espera por ser dito. Mas tem um preço a pagar: seu

caráter artificial – ou “artístico”, palavras de mesma raiz. O poeta não

pode fugir desta contradição. Na verdade, é dela que ele vive.

Por que Hoelderlin como uma referência tão central? Por

exemplo, por que não buscar os mesmos instrumentos na

lírica de um Horácio, poeta por quem você tem tanto apreço e

a quem você não deixa de dever em termos de aspiração?

Eis aí outra questão complicada. Eu diria que é o fado. Ou a ocasião,

sei lá, que sempre faz o ladrão, não é mesmo? O que sei é que a

poesia de Horácio, como você bem notou, é realmente uma

“aspiração” ou modelo da minha, sobretudo pelo padrão de qualidade

técnica que sempre me impus. Já minha relação com Hoelderlin é

outra: como são misteriosos, como são ousados, como são profundos

os seus versos! Uma profundidade bem alemã, bem fora de moda

hoje, é verdade, a que a loucura do poeta não deixou de dar um

toque de tragédia grega… Vivi momentos de extrema tensão, de

completa inautenticidade. Quase de loucura: a figura de Hoelderlin,

portanto, se impôs naturalmente à minha sensibilidade.

De imediato, seus poemas chamam atenção pela precisão

formal, o acabamento impecável, a tão sugestiva alternância


entre decassílabos e alexandrinos, por exemplo. Você poderia

apontar que poetas lhe deram uma boa lição de “engenharia

de versos”?

Todos os poetas que lemos nos dão lições de poesia, de engenharia

poética – seja do que se deve fazer, seja do que se deve evitar. Não

obstante, há alguns cujas lições são mais evidentes, estão

escancaradas nos seus poemas, e podem ser seguidas sem medo

pelo neófito. Olavo Bilac e Guilherme de Almeida, por exemplo,

poetas que já citei, são versejadores exímios, cujos ensinamentos me

foram muito úteis. João Cabral também foi muito importante para

mim, embora – como é igualmente o caso de Bruno Tolentino – seja

perigoso segui-lo com demasiada paixão. Petrarca, Camões e

Góngora são ótimos professores. Eu diria que é o trio de ferro das

línguas neolatinas: aprenda com eles, e você terá uma técnica

segura.

No início do “Cancioneiro Inglês ou de Sandra Gama”, você

brinca com a idéia de que tudo sobre tudo já foi dito. Aquele

diletantismo de desculpar-se por não fazer boa poesia com o

argumento de que muito de bom já se fez seria tão somente

preguiça?

Preguiça e canalhice. A poesia é um dom, evidentemente, mas é

também, e sobretudo, trabalho, esforço. Quando comecei, eu já

pressentia que o caminho não seria fácil: teria de aprender muitas

línguas estrangeiras; teria de escrever obsessivamente; teria de me

dedicar por completo. Minha obrigação, no limite, é ler tudo, é saber

tudo sobre todos os aspectos da “profissão”: não é assim com o bom


advogado, o bom médico, o bom professor? Eu odeio o diletantismo –

que é a desculpa dos fracos e dos invejosos. É claro que dar uma

nova contribuição à poesia é hoje mais difícil do que há cem anos

atrás: a última geração está obrigada a saber mais do que aquela que

a precedeu, pelo simples fato de que tem de se haver com uma

tradição que inclui esta sua antecessora… Ora, mas este não é

também o caso de todas as atividades humanas?

Em um poema da série “O espólio de Horácio”, você escreve:

“Eu sei, amigo: dá no mesmo / jogar-se na torre ou na

fogueira, / se logo seremos sombra e pó; / porém é só na torre

que aprendemos / como o bronze se forja em fogo exato, /

como pôr sangue em taças inquebráveis”. Tudo isso leva à

intuição de que você se empenha em tratar

o fugaz enquanto fugazem sua poesia, sem falsificá-lo. Ou

não?

Sem dúvida. Eu tenho uma pequena teoria sobre a formação dos

cânones, sobre como as gerações escolhem os poetas dignos de

glória: a sabedoria acumulada da tradição separa o joio do trigo

utilizando um critério “simples” de verdade ou falsidade. Atingido um

patamar de excelência artesanal, o poeta que vai figurar no cânon

será aquele que, em sua obra, disse tão-somente a verdade. Que não

mentiu, a despeito da ficção, do fingimento que está no cerne da sua

arte. E a primeira verdade, e a mais evidente de todas, é a

fugacidade da vida, a vaidade de tudo, a morte.


Há alguma peculiaridade, em seu modo de escrever, elaborar

um poema, que você considere digna de nota?

O melhor texto que li sobre o processo de criação poética é ainda o

velho “Poésie et pensée abstraite”, de Valéry. Depois que uma

inquietação, portanto, ou um desequilíbrio, se instalou em mim,

aguçando a minha inteligência e a minha sensibilidade, eu procuro

depurar esta “energia” – a conhecida inspiração – não diretamente

por meio da escrita, mas, antes que isto aconteça, lendo e meditando

um poema qualquer. Goethe, Leopardi, Yeats – pode ser qualquer um

dos meus queridos. Desse modo, eu sintonizo as minhas forças na

“estação” de um grande autor antes de tocar a minha música. É

sempre assim que faço – ou quase sempre.

São muito raros, no Brasil, poetas que escrevam poesia de

tensão de idéias, de conceitos, e que o façam de forma não

forçada. Parece que seu livro, seguindo de perto “O mundo

como Idéia”, do Bruno Tolentino, supre parte dessa carência.

Outra coisa rara por aqui é poesia de fôlego épico, coisa que

foi minimamente remediada por Gerardo Mello Mourão em

“Invenção do Mar”. Você apontaria alguma outra lacuna na

poesia brasileira que consideraria pouco honrosa?


Não gosto de generalizações. Mas me parece que o modernismo de
22 infectou a poesia brasileira com o vírus da espontaneidade, do
apreço extremado pelo quotidiano, pelo popular, pelo epidérmico,
pelo social. É uma poesia geralmente leviana, que busca justificar
essas falhas ostentando uma orgulhosa – e postiça – “brasilidade”. É
este caráter panfletário, em suma, há já algum tempo muito comum
na poesia brasileira, que julgo ser a sua principal deficiência.

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