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Introdução balho de Sadi Carnot sobre as máquinas


Ingrid Kelly Laura dos Santos Pinto
térmicas sob diferentes perspectivas. Pri-
Grupo de História da Ciência e Ensino,

U
m céu cheio de nuvens, fumaça meiro discutiremos como as leis da termo-
Universidade Estadual da Paraíba,
saindo pelas chaminés, pessoas dinâmica, da forma como são adotadas
Campina Grande, PB, Brasil
sujas de carvão. Revolta com as atualmente, não correspondem ao seu
E-mail: i.k.laurasantos@gmail.com
condições salariais, fome e desemprego, desenvolvimento histórico e, portanto,
como pode ser visto em filmes como Ger- não podem ser atribuídas a um ou outro
Ana Paula Bispo da Silva
minal, adaptado da obra de Émile Zola. personagem da história da física. Depois
Departamento de Física, Grupo de
Essas imagens se contrapõem à Paris da nos aprofundaremos no trabalho de Car-
História da Ciência e Ensino,
Fig. 1, a Cidade das Luzes, em que o qua- not publicado em 1824 e discutiremos
Universidade Estadual da Paraíba,
dro de um palácio iluminado ilustrava o como, apesar de partir de pressupostos
Campina Grande, PB, Brasil
conhecimento que chegava com a eletri- diferentes, seus resultados podem ser apli-
E-mail: anabispouepb@gmail.com
cidade. Mas as duas situações retratam a cados atualmente. Por fim, discutiremos
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França, e talvez outros países europeus, como o momento histórico em que vivia
durante o século XIX. Como pode? O co- Carnot está presente em seu trabalho.
nhecimento não trazia avanços, progres- Dessa maneira, pretendemos mostrar que
sos? E, principalmente, o que essa intro- a abordagem histórica das leis da termo-
dução tem a ver com o título deste texto? dinâmica permite explorar relações entre
O objetivo deste artigo é situar o tra- ciência e tecnologia, bem como discutir

Muitos conceitos que aparecem nos livros didá-


ticos acompanham um breve resumo histórico,
atribuindo posse, datas e locais a leis, fórmulas
e equações. É o caso das leis da termodinâmica,
das quais Carnot é o “dono”. Entretanto, um
estudo histórico contextualizado do trabalho
de Carnot e das leis da termodinâmica mostra
que conceitos mudam com o tempo e o con-
texto sociocultural. Neste artigo discutimos co-
mo a abordagem histórica das leis da termodi- Figura 1: Le Chateau d’eau and plaza, with Palace of Electricity, Exposition Universelle,
nâmica permitem entender como ciência, tec- 1900, Paris, France. Fonte: Library of Congress Prints and Photographs Division Wash-
nologia e sociedade estão inter-relacionadas. ington, D.C. 20540 USA.

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as influências mútuas entre ciência e con- e que se distinguem da matéria por não dimento das condições que proporcio-
texto sociocultural. possuírem peso” [3, p. 66]. Nesse sentido, navam o rendimento da máquina, isso
calor, movimento e força de queda são poderia levar a uma melhoria da tecnolo-
As leis da termodinâmica equivalentes ao que denominamos hoje gia que o empregava. Quem vai formali-
Ao discutirmos as leis da termodinâ- energia térmica, energia cinética e energia zar esse rendimento mínimo desejado é o
mica no Ensino Médio, por vezes aparece potencial [3, p. 67]. A transformação de engenheiro e militar Sadi Carnot (1796-
uma questão cronológica: a lei zero veio uma força em outra, de modo que, no 1832), num trabalho que ele publicou em
depois da primeira lei, a segunda lei veio geral, haja a conservação da grandeza 1824, anteriormente à discussão já feita
antes da primeira e outras divagações. primitiva, como afirma Colding, é muito aqui sobre a transformação das forças.
Afinal por que as leis estão “ordenadas” semelhante ao “princípio de conservação Tanto nos estudos sobre transforma-
dessa maneira? da energia” que utilizamos atualmente. ções de forças quanto naqueles preocu-
Historicamente, estas “leis” aparece- Nenhum destes estudiosos escreveu a pados com máquinas térmicas, conside-
ram em momentos quase simultâneos e primeira lei da termodinâmica como rava-se implicitamente que o calor ia do
de forma independente. Sua “ordenação” fazemos hoje. Cada um deles estava in- corpo de temperatura mais alta para
ocorreu num momento muito posterior, vestigando as transformações das forças aquele de temperatura mais baixa, como
em que já havia muito conhecimento com objetivos e hipóteses diferentes. Che- se ele se movesse, seja como fluido ou
sobre termodinâmica, e, possivelmente, garam a um resultado muito semelhante, através do atrito das menores partes da
mais com fins didáticos do que de orde- que é a existência de uma equivalência matéria. Mas essa “lei” só foi explicitada
nação do conhecimento de um conteúdo. entre as formas que as forças assumem. e entendida como “lei” depois de 1824.
Aquilo que denominamos atualmente Por exemplo: havia uma equivalência en- Ou seja, não é possível especificar
de “primeira lei da termodinâmica” está tre a quantidade de calor (calor era uma uma data, um nome, um lugar, nem mes-
relacionado com as ideias de conservação das muitas formas da força) fornecida mo uma finalidade, para as leis da física,
de energia. Estudos relacionados à conser- para uma máquina e a força mecânica que principalmente para as leis da termodi-
vação e transformação de energia ocorre- essa máquina realizava (movimento). O nâmica. Elas não têm “donos” nem fo-
ram durante o século XIX por estudiosos que podemos concluir é que a primeira ram determinadas da mesma forma e com
em vários países ao mesmo tempo, sem lei da termodinâmica estava mais baseada a mesma intenção. Há todo um complexo
que fosse adotado o nome energia. Julius em pressupostos teóricos e filosóficos do desenvolvimento por trás das equações e
Robert von Mayer (Alemanha, 1814- que propriamente numa observação em- fórmulas que utilizamos nos livros didá-
1878), James Prescott Joule (Inglaterra, pírica. ticos. Apenas a compreensão dos aspectos
1818-1889) e outros, por volta de 1850, A “segunda lei da termodinâmica” históricos de forma contextualizada per-
investigavam como determinadas forças apareceu num contexto diferente. Nas mite entendermos o papel do conhecimen-
se transformavam em outras, ou muda- primeiras décadas do século XIX, enge- to científico, seja na sala de aula ou na
vam de forma. Por exemplo: forças libe- nheiros e estudiosos independentes bus- sociedade de forma geral.
radas em reações químicas pareciam for- cavam encontrar uma máquina que
necer calor (outro tipo de força) ou produzisse mais, consumindo menos Sadi Carnot
transformavam-se em forças elétricas [1]. combustível. Portanto, esses estudiosos Nicolas Léonard Sadi Carnot (Fig. 2)
Calor podia ser utilizado para força mecâ- estavam preocupados com o rendimento nasceu em 1º de junho de 1796, em Palais
nica (o que denominamos atualmente de das máquinas térmicas. Isso significava du Petit Luxembourg. Era o filho mais ve-
trabalho). As transformações das forças encontrar uma máquina térmica que lho de Lazare Carnot (1753-1823), o qual
eram baseadas em diferentes hipóteses, aproveitasse quase todo o combustível,
muitas delas originárias de pressupostos utilizado no aquecimento, para produzir
filosóficos. O que levava um estudioso a trabalho. Há registros de patentes de vá-
investigar que formas as forças podiam rias máquinas térmicas criadas nesse pe-
assumir nem sempre estava claro [2, 3]. ríodo, principalmente entre os ingleses
Ludwig August Colding (Dinamarca, [4]. Para construir máquinas térmicas
1815-1888), um dos estudiosos que mais rentáveis não era preciso dominar
investigavam as transformações das for- o conhecimento sobre a natureza do pro-
ças, afirmou: “Todas as vezes que uma cesso. A natureza do processo era a
força parece se mesma para qualquer
aniquilar realizando Historicamente, as “leis” máquina: calor pro-
um trabalho mecân- apareceram em momentos duzindo trabalho.
ico, químico ou de quase simultâneos e de forma Para dominar esse
qualquer outra independente. Sua “ordenação” processo, era preciso
natureza, ela apenas ocorreu num momento muito ter conhecimentos
se transforma e rea- posterior, em que já havia muito técnicos e levar em
parece sob uma nova conhecimento sobre consideração proble-
forma, onde ela termodinâmica mas técnicos e ques-
conserva toda a sua tões práticas.
grandeza primitiva” [2]. O que eles Portanto, o desenvolvimento das Figura 2: Imagem de Nicolas Léonard Sadi
chamavam de força é muito semelhante máquinas térmicas é mais pertinente à Carnot com uniforme da École
ao que chamamos atualmente de energia. história da tecnologia do que à história Polytechnique. Disponível em http://
Por exemplo, Mayer define força como da ciência. www-groups.dcs.st-and.ac.uk/~his-
“coisas que podem assumir diferentes Porém, se a natureza do processo fos- tory/Biographies/Carnot_Sadi.html.
formas, mas cuja quantidade não varia, se mais bem conhecida, ou seja, o enten- Acesso em 05/10/2017.

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sempre teve papel importante na sociedade térmicas funcionavam com a troca de Depois, ainda a partir do ciclo adotado
francesa. Lazare participou da política lo- calórico entre reservatórios e, nessa troca, e considerando o conhecimento sobre ga-
cal e estudou engenharia mecânica, havia a produção de trabalho. Calórico era ses já determinado por estudiosos como
chegando a publicar o livro Essai Sur les o termo atribuído ao calor enquanto Gay-Lussac, Mariotte, Desórmes, Delaro-
Machines em Général (Ensaio Sobre as Má- fluido, que passava do corpo de tempera- che, Carnot chegou às conclusões: 3) a
quinas em Geral), em 1783. Por ver que tura mais alta para o corpo de temperatu- diferença entre o calor especifico sob pres-
seu filho possuía aptidão pelas ciências ra mais baixa. O calórico era considerado são constante e calor específico sob volu-
exatas, decidiu colocá-lo na École Poly- um fluido imponderável, que não podia me constante é a mesma para todos os
technique (Escola Politécnica), local em ser visto ou pesado, mas as transforma- gases (baseando-se nos estudos do som e
que estudava apenas a elite intelectual ções envolvendo variação de temperatura dos gases já conhecidos) [ 6; 7; 8, p. 24] e
francesa [5]. A Politécnica na época era levavam ao seu reconhecimento. Para 4) quando um gás varia de volume, sem
voltada principalmente para as engenha- mais detalhes, sugerimos a leitura de Silva mudar a temperatura, a quantidade de ca-
rias e a arte militar, exaltando o progresso et al. [7]. Carnot associava às máquinas lor absorvida ou cedida está em progressão
tecnológico e industrial, assim como pre- térmicas o mesmo conhecimento que já aritmética, enquanto as variações de volu-
gavam os ideais do Conde de Saint Simon, se tinha das máquinas “mecânicas”, como me estão em progressão geométrica [8,
Claude-Henri de Rouvroy (1760-1825). força animal, quedas d’água, ou seja, um p. 28]. Considerando as aproximações fei-
Sadi Carnot, assim como seu pai, en- conhecimento geral que independe do tas, as conclusões de Carnot atendiam ao
trou na vida militar, em março de 1814. combustível e da forma de aplicação. A que se observava até então.
Juntamente com produção do poder Porém, Carnot deixou um problema
outros estudantes, Em seu trabalho, Carnot adota motor é devida ao em aberto. Se a quantidade de calor devida
lutou contra as forças o calórico, ou seja, calor como estabelecimento do à mudança de um gás é tanto mais consi-
invasoras durante o fluido equilíbrio do calórico, derável quanto mais elevada seja a tempe-
reinado de Napoleão e ou seja, seu transporte ratura, por que se observa que “a queda
em outubro desse mesmo ano se tornou do corpo mais quente para o mais frio. de calórico produz mais poder motriz nos
segundo-tenente, estudando na École du Só pode haver utilidade (movimento) da graus inferiores que nos graus superiores”
Génie, em Metz. Em 1819 abandonou a máquina térmica se houver uma diferença [6, p.72]? Ou seja, consideremos dois con-
vida militar e passou a se dedicar aos de temperatura (movimento do calórico). juntos de reservatórios quente e frio. No
estudos e pesquisas sobre o desenvol- Assim, o calórico funciona como uma primeiro conjunto, as temperaturas fria
vimento industrial, em particular as queda d’água. Na queda d’água, a e quente são 10° e 60°, respectivamente.
máquinas térmicas. No livro de Carnot o potência depende da diferença de altura No segundo conjunto, as temperaturas
termo utilizado é machines à vapeur entre os reservatórios mais baixo e mais são 60° e 110°. A diferença de temperatura
(máquina a vapor) e/ou machines à feu alto. Para o calórico, a potência depende é a mesma entre os reservatórios. Carnot
(máquina a fogo). Neste artigo utiliza- da diferença de temperatura entre os concluiu que o rendimento seria maior no
remos o termo máquina térmica de for- reservatórios frio e quente [8, p. 6]. primeiro caso do que no segundo. Consi-
ma geral, uma vez que o sentido atribuído Utilizando-se dessa analogia e consi- derando suas premissas, e o conhecimento
por Carnot é o mesmo. Carnot teve como derando os conhecimentos já existentes que já possuía, Carnot não conseguiu
grande influenciador Nicolas Clément sobre teoria dos gases e calorimetria, den- explicar isso.
(1779-1841), professor do Conservatório tre outros, ele faz a análise teórica e ma- Ainda que partisse de uma concepção
de Artes e Ofício, e estudioso das máqui- temática dos processos envolvidos no de calor diferente do que temos hoje (ener-
nas a vapor e da teoria dos gases [5, 6]. funcionamento das máquinas térmicas e gia em movimento), os resultados de Car-
Nessa época, a Inglaterra destacava-se chega a algumas conclusões importantes. not são muito próximos do que utiliza-
como potência graças à máquina a va- Considerou um experimento imaginário mos atualmente. No entanto, mesmo
por. Era natural, portanto, para um enge- (cíclico) em que variavam as grandezas enfatizando as aplicações práticas das má-
nheiro e militar francês, supor que a pressão, volume e temperatura, fazendo quinas térmicas já conhecidas, o que era
França poderia seguir os mesmos cami- com que os estados iniciais e finais fossem o mais importante para o contexto, o tra-
nhos da Inglaterra se dominasse a ciência iguais. A partir desse ciclo, Carnot chegou balho de Carnot não foi reconhecido e per-
das máquinas a vapor. às seguintes conclusões: 1) o poder mo- maneceu esquecido. Antes de morrer, em
Assim, após a morte de seu pai, em tor é independente dos 1832, Carnot ainda
agosto de 1823, o irmão mais novo de agentes (combustí- O diagrama de pressão, realizou mais estudos
Sadi, Hippolyte (1801-1888), retornou a veis) empregados para volume e temperatura que sobre máquinas tér-
Paris e o ajudou em sua primeira obra: realizá-lo; sua quan- representa o ciclo de Carnot foi micas em que intro-
Réflexions sur la Puissance Motrice du Feu tidade é determinada apresentado por Clapeyron em duzia as novas dis-
et sur les Machines Propres à Déveloper Cette somente pelas tem- 1834 cussões que apa-
Puissance (Reflexões sobre a Potência Motriz peraturas dos corpos reciam na Academia,
do Fogo e sobre as Máquinas Apropriadas entre os quais é efetuada, no fim, a a exemplo dos experimentos de Rumford,
para Desenvolver essa Potência). Essa obra transferência de calor [8, p. 20] e 2) que consideravam o calor como movi-
foi publicada em 12 de julho de 1824. quando um gás passa, sem mudar a mento. Contudo, esses estudos não foram
Nesta obra, Carnot apresenta um es- temperatura, de um volume e pressão publicados [8, p. xii].
tudo detalhado sobre gases e sua aplica- definidos para outro volume e outra Em 1834, Émile Clapeyron (1799-
bilidade nas máquinas térmicas. A todo pressão igualmente definidos, a quan- 1864) recuperou o trabalho de Carnot,
momento, entre os cálculos e deduções tidade de calórico absorvida ou cedida é corrigindo alguns erros e refazendo suas
matemáticas, Carnot se volta para as sempre a mesma, qualquer que seja a análises. Diferentemente de Carnot, o
máquinas térmicas e aplica seu conheci- natureza do gás escolhido como objeto do trabalho de Clapeyron concentrava-se na
mento. Ele considerava que as máquinas experimento [8, p. 22]. resolução analítica dos problemas associa-

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dos às máquinas e não em questões prá- Sugestão para o professor
ticas. Foi Clapeyron quem transformou
o ciclo de Carnot num diagrama. O tra- Esse tema pode ser abordado na forma de projeto envolvendo várias disciplinas,
balho de Clapeyron também não foi como história, literatura, geografia, química, física e biologia. Os ideais de Augusto
reconhecido imediatamente. Somente após Comte influenciaram tanto a Europa quanto o Brasil e tiveram larga extensão, como
1843, quando o trabalho de Clapeyron foi a criação das escolas politécnicas, as reformas na saúde, os movimentos eugenistas
traduzido para o alemão, tanto ele quanto etc. Também é possível questionar sobre o método científico, seus pressupostos e sua
Carnot passaram a ser reconhecidos e ser- validade diante do papel que a ciência tem na sociedade. Além da bibliografia indicada,
viram como base para Rudolf Clausius alguns documentários e filmes podem enriquecer o projeto, como:
(1822-1888) introduzir o conceito de • filme e livro Germinal de Émile Zola.
entropia. Clausius desenvolveu o trabalho • O Positivismo no Brasil. Disponível em https://youtu.be/-yiVQTZrRfg. Acesso
de Carnot considerando o calor como
em 5/10/2017.
movimento e conseguiu explicar o pro-
blema que ele havia deixado em aberto. • A revolta da vacina. Disponível em https://youtu.be/SBLVc8BWsnY. Acesso
Outro exemplo de reconhecimento em 5/10/2017.
tardio do trabalho de Carnot é a introdu- Revistas de divulgação científica sobre o tema
ção da temperatura absoluta por William A Ciência na Era dos Inventores - História da Ciência - Scientific American Brasil, ed.
Thomson (Lorde Kelvin - 1824-1907), n. 4).
num trabalho de 1848. Segundo Kelvin, Entropia: A Medida da Desordem do Universo, Ciência Hoje, v. 54, n. 323, março
o efeito mecânico produzido por uma 2015.
determinada quantidade de calor seria
uma escala absoluta, já que Carnot havia
mostrado que o trabalho realizado pelas desenvolveu seus trabalhos. Um dos mar-
máquinas térmicas dependia apenas das cos a considerar é a revolução industrial
temperaturas e não da substância [9]. Ou na Inglaterra, que teve seu auge na se-
seja, a definição de escala Kelvin, que hoje gunda metade do século XVIII. De caráter
utilizamos como “grau de agitação das econômico, modificou os modos de pro-
moléculas” , partiu de considerações que dução, com a introdução das máquinas a
inicialmente nem pressupunham a exis- vapor, e trouxe consequências para agri-
tência de moléculas! cultura, transportes e comunicação, au-
Apenas em 1865, quando Rudolf mento populacional e, mais importante, Figura 3: Símbolo da Escola Politécnica.
Clausius publica seu trabalho sobre entro- levou à criação de duas classes sociais: Disponível em https://
pia (Sobre uma forma modificada do segundo proletários e burgueses. Os burgueses con- www.polytechnique.edu/fr/histoire.
teorema da teoria mecânica do calor), a centravam a renda e os proletários, o tra- Acesso em 05/10/2017.
“segunda lei” fica conhecida. Nesse mo- balho, com mínimas condições de vida.
mento, o equivalente calor-trabalho da Com a renda que obtinham, os burgueses condições de produção e, consequen-
conservação da energia já estava sendo investiam mais na produção de mais e me- temente, empobrecimento dos proletários
aceito e as discussões sobre a natureza do lhores máquinas, para gerar mais lucro, e péssimas condições de trabalho [10,
calor tinham se encaminhado para o calor mais renda e por aí vai. Parte dessa renda p. 305]. O acesso à educação também era
como movimento. Portanto, quando as era utilizada para financiar estudos, com privilégio dos burgueses, que tinham a
ideias de Carnot foram finalmente aceitas, o financiamento de sociedades científicas possibilidade de frequentar a Escola
outras concepções estavam vigentes. e criação de escolas técnicas [10, p. 300]. Politécnica (École Polytechnique), que
Já para os operários, as coisas eram bem formava os engenheiros, muitos também
As transformações sociais diferentes. Eram explorados nas minas militares (afinal, precisavam defender o
O entendimento das ideias de Carnot (extração de carvão), com muitas horas interesse da classe que estava no poder).
foi feito durante um contexto científico e de trabalho, baixos salários e nenhum Isso explica o símbolo da Escola Politéc-
social muito diferente daquele em que ha- benefício. O acesso à educação era nica, com os dizeres “pela pátria, as ciên-
viam sido divulgadas inicialmente. privilégio dos burgueses, principalmente cias e a glória” (Fig. 3.)
Durante o século XIX, muitas mudanças conhecimento que levasse ao progresso, Portanto, ao iniciar o século XIX, o
estavam ocorrendo na ou seja, à melhoria contexto socioeconômico da França e da
sociedade, principal- O trabalho de Carnot foi escrito das máquinas e da Inglaterra incentivava o progresso e,
mente na Inglaterra, sob a influência do positivismo produção. admitia-se, esse progresso estava relacio-
na França e na Ale- de Augusto Comte, que A diferença entre nado à melhoria da tecnologia (máquinas)
manha, pátrias dos baseava-se na organização da classes sociais já vinha [11, p. 83]. O conhecimento da natureza
estudiosos citados no sociedade, o que incluía a provocando mani- do processo, o estudo de filósofos e a par-
texto [10, 11]. Muitas defesa do regime ditatorial festações entre nobres ticipação nas sociedades científicas era
dessas mudanças fo- e burgueses na França privilégio dos burgueses. Os proletários,
ram causa ou consequência de fenôme- do século XVIII, o que acabou culminando trabalhadores, precisavam aprender a
nos envolvendo termodinâmica, ou seja, na Revolução Francesa. De caráter mais operar e eram apenas treinados.
não é possível dissociar o conhecimento político, a revolução francesa levou à Já a Alemanha passou por mudanças
científico dos motivos que o provocaram ascensão da burguesia, que queria ter as tardiamente. Somente a partir de 1848,
ou que foram resultado dele. mesmas vantagens da burguesia inglesa quando houve a unificação dos estados
Sendo assim, vamos tentar situar – ou seja, incentivo para a introdução das independentes, é que se iniciou um pro-
qual era o contexto social em que Carnot máquinas, investimento em melhores cesso de industrialização e reformas edu-

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invariáveis. Para conhecer a natureza, o linearidade, uma sucessão de verdades que
homem deveria basear-se nos fatos obser- levaria ao real conhecimento da natureza.
váveis e, a partir da razão, que eliminava Daí a ordenação das leis da termodinâmica
causas finais e agentes sobrenaturais, de forma ahistórica. Afinal, para se
chegar às relações invariáveis de sucessão conhecer a natureza, partimos da lei zero
e similitude. O objetivo era chegar a leis para depois chegar à lei dois. Não há lugar
gerais invariáveis que explicassem o para agentes sobrenaturais (inobservá-
funcionamento da natureza. Essa orde- veis) e causas finais na organização da
nação da natureza através de leis levaria natureza.
ao conhecimento positivo e ao progresso Por outro lado, desvincular os estudos
[12]. O conhecimento positivo não admite de Sadi Carnot do contexto pode acabar
dúvidas e, portanto, o método utilizado distorcendo-o. Podemos interpretá-los
para adquiri-lo (Fig. 4) deve ser único e como símbolo do progresso tecnológico e
presente em todas as ciências que inten- da busca pela melhoria das condições de
cionam o conhecimento verdadeiro. vida – e de conhecimento – pelo homem.
Há muitas semelhanças entre os obje- Mas como foi argumentado no item an-
tivos de Carnot e os ideais de Comte. Eles terior, o conhecimento positivo era para
são contemporâneos e tinham como visão poucos e também poucos se beneficiaram
a natureza funcionando mecanicamente do “progresso” que ele trouxe. Isso nos
(assim como vários outros estudiosos da leva a questões maiores, como: há relação
mesma época). Para ambos, seria possível direta entre ciência, tecnologia e progres-
Figura 4: Exemplo adaptado do método encontrar uma lei generalizada, baseada so? O que influencia a ciência? E, uma
científico proposto por Comte. Disponível na regularidade da natureza e que levasse pergunta sem resposta: ciência e tecno-
em http://proficiencia.org.br/ a um avanço nas máquinas e, portanto, logia são boas ou ruins para a sociedade?
article.php3?id_article=487. Acesso em ao conhecimento positivo que permitia o Entendemos que, ao discutirmos
06/04/2018. progresso. conceitos de física – no caso, as leis da
termodinâmica – inserindo o contexto
cacionais. Portanto, entre os estudiosos De volta ao início – algumas social com a abordagem histórica, é
alemães, os objetivos do conhecimento da considerações possível compreender não somente o
natureza eram outros [10, p. 326]. Conhecer o contexto em que Sadi Car- conteúdo conceitual em si, mas também
Voltando a Carnot e à termodinâmica. not desenvolveu seus trabalhos ajuda a todas as implicações que ele envolve.
Na França, o estilo de pensamento vai ser explicar a imagem apresentada no início Longe do que pressupõe o positivismo, a
representado principalmente por Augusto deste trabalho [13, p. 140], bem como a ciência não traz uma verdade sobre a
Comte (1798-1857), um dos fundadores ordenação das leis da termodinâmica. natureza, mas uma resposta dentre tan-
do Positivismo. Adepto das ideias de Saint Em um tempo em que o conheci- tas outras possíveis. A escolha por uma
Simon, baseava-se na organização da mento positivo representava o progresso, resposta envolve vários fatores que vão
sociedade, o que incluía a defesa do re- a imagem da Paris iluminada pela recém além da própria ciência.
gime ditatorial. A organização da socie- descoberta eletricidade é muito mais
dade deveria ocorrer assim como ocorria atrativa do que aquelas das chaminés Agradecimento
na natureza [10, p.373]. emitindo fumaça e ruas cheias de mendi- Este trabalho contou com o financia-
Para Comte, a natureza assumia uma gos e proletários rebeldes. O conhecimento mento do CNPq, Edital Universal projeto
visão mecânica, seguindo regras (leis) positivo também pressupunha uma nº 474924/2012-2.

Referências
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Goldfarb et al. (Editora EDUC-FAPESP, São Paulo, 2006), p. 337-349.
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Católica de São Paulo, 1999.
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[9] W. Thomson, Rev. Bras. Ens. Fís. 29, 4 (2007).
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[11] E. Hobsbawm, A Era das Revoluções: 1789-1848 (Editora Paz e Terra, São Paulo, 2010).
[12] F.S. Santos e I. Jusdensnaider, Prometeica 10, 58 (2015).
[13] D.B.S. Borges e T.C.M. Forato, in: Histórias das Ciências, Epistemologia, Gênero e Arte: Ensaios para a Formação de Professores,
editado por B.A. Moura e T.C.M. Forato (Editora UFABC, São Paulo, 2017), p. 139-161.

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