RESUMO
Este artigo propõe-se a analisar os desafios do oferecimento de uma edu-
cação especial dentro da atual política de educação inclusiva do Governo
Federal. Para tanto, apresenta um breve histórico a respeito das diretrizes
educacionais baseadas na separação de alunos, que sustentaram a educação
especial no Brasil desde sua implantação até a adoção de uma política de
matrículas em massa de crianças com ou sem deficiências nas escolas
públicas. Discute as condições de implantação da proposta do Governo Fe-
deral de um “sistema educacional inclusivo”, que conta com um suporte de
atendimento educacional especializado para complementar e suplementar
a educação escolar. Apresenta também um estudo de caso em uma escola
pública municipal considerada como representativa de sucesso e aponta
para limites da materialização da política proposta. Conclui ressaltando
os impasses estabelecidos pelas escolhas do Governo Federal para a atual
política educacional.
Palavras-chave: política educacional; política de educação inclusiva;
educação especial.
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Este texto é fruto de pesquisa realizada com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq). Registro meu agradecimento à professora Dra. Gilberta
Jannuzzi que gentilmente cedeu sua biblioteca particular para coleta de material.
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Doutora em Educação. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS,
Campus do Pantanal. Contato: monica.kassar@pq.cnpq.br
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ABSTRACT
This article aims to analyze the challenges of a special education policy
within the current inclusive education policy adopted by the Brazilian
federal government. Firstly, the paper presents a brief history of the edu-
cational guidelines based on the separation of pupils, which supported
special education since its beginning until the adoption of a universaliza-
tion method, with the adoption of mass enrollments of children with or
without disabilities in public schools. It goes on to discuss the conditions
of implementation of an “inclusive education system”, proposed by the
federal government, which is supported by a specialized educational
service designed to complement and supplement school education. It
then presents a case study, considered as a “success case” in a municipal
public school, and points out the limits regarding the materialization of the
policy proposed. The conclusion emphasizes the impasses established by
the federal government choices related to the present educational policy.
Keywords: educational policy; inclusive education policy; special edu-
cation.
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Parte VII
Da educação especializada
Art. 824
Dos tipos de escolas especializadas:
a) escolas para débeis físicos
b) escolas para débeis mentais
c) escolas de segregação para doentes contagiosos
d) escolas anexas aos hospitais
Como apresentado no início deste texto, em Brasil (1975), há o registro de classes para
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atendimento de alunos com deficiências física, visual, mental, auditiva e problemas de comporta-
mento desde 1887 e nas primeiras décadas do século XX.
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e) colônias escolares
f) escolas para cegos
g) escolas para surdos-mudos
h) escolas ortofônicas
i) escola de educação emendativa dos delinquentes.
Onde não for possível a instalação de escolas especializadas autônomas
[...] serão organizadas classes para esses fins especiais nos grupos
escolares. (DECRETO 5.884, de 1933)
Art. 826
As escolas de débeis físicos se destinam às crianças desnutridas ou em
crescimento em atraso as quais convenha regime especial de trabalho
escolar, com o fim de reintegrá-las na normalidade física (DECRETO
5.884, de 1933)
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Jannuzzi (1985) e Bueno (2004) lembram que a preocupação com a deficiência mental
refletia a preocupação com a higiene da população. O Art. 825 do decreto de 1933 estipula: “O
recrutamento de alunos para essas diferentes escolas, com exceção das indicadas à letra “h”, do
artigo anterior, deverá ser feito pelo Serviço de Higiene e Educação Sanitária Escolar, que solici-
tará cooperação do Serviço de Psicologia e das várias instituições ou serviços especializados do
Departamento de Educação”.
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O IBGE, no ano de 1977, publicou um levantamento da população brasileira desde a
primeira parte do século XX até aquela data. Nesse documento podemos verificar que, em 1940,
o país possuía uma população de 41.236.315 habitantes, sendo que 31% viviam em zona urbana
e 69% na zona rural. Já em 1970, dos 93.139.037 brasileiros, 56% viviam nas cidades, enquanto
que 44% na zona rural. Portanto, em apenas 30 anos, houve uma reconfiguração urbana no país.
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Veiga (2008) analisa a frequência da população pobre desde os primórdios da instrução
pública brasileira.
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Helena Antipoff era de origem russa e aplicou, no Brasil, os conhecimentos adquiridos
na Universidade de Genebra, na Suíça, com o pedagogo Edouard Claparède. Sobre a organização
da Sociedade Pestalozzi, ver http://www.fenasp.org.br/quemsomos.htm.
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A Sociedade Pestalozzi do Brasil registra que o movimento pestalozziano começou em
1925, por um casal de educadores. O trabalho foi iniciado com crianças que não conseguiam
acompanhar o ensino regular em Canoas, RS.
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Desde a década de 1970, trabalhos como os de Schneider (1977) e Paschoalick (1981)
mostraram que grande parte dos alunos que frequentavam as classes especiais para deficientes
mentais era formada por crianças que, em princípio, deveriam ser incorporadas pelo ensino regular.
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Órgão ligado ao Ministério da Educação para regular, disseminar, fomentar e acompanhar
a Educação Especial no Brasil. Hoje, esse papel cabe à Secretaria de Educação Especial do MEC
(Ministério da Educação e Cultura).
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Gallagher e Jackson foram consultores técnicos que, com apoio da USAID (United States
Agency for International Development), colaboraram com o Grupo de trabalho do Ministério da
Educação e Cultura encarregado da montagem do Projeto Prioritário nº 35 do Plano Setorial de
Educação e Cultura do MEC, em 1972 (PIRES, 1974).
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Esses princípios referem-se ao movimento de mainstreaming, originário da Dinamarca
e que se espalhou pelo mundo, contra a internação em massa das pessoas com deficiências em
instituições asilares.
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Um fato importante foi a elaboração do Relatório Warnock, na Inglaterra, em 1978, que
difundiu o conceito de “necessidades educacionais especiais”.
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A regulamentação dos setores públicos e privados na educação brasileira é discutida por
vários autores: Plank (1991), Jannuzzi (1997), entre outros.
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otícia retirada do portal do MEC, no subtítulo: “Política de Educação Inclusiva”. Dis-
ponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12345&
ativo=711&Itemid=709>. Acesso em: 13 de outubro de 2010.
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[...] quando cheguei nesse dia, Rodrigo ainda estava fora da carteira sem
nenhum material para trabalhar, embora no quadro já houvesse atividades
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Cidade de Corumbá em Mato Grosso do Sul.
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do livro didático descritas para serem feitas pelo resto da turma. [...] A
professora pega o livro de História de um colega, resume riscando com
caneta algumas partes do texto e começa a ditar para que Rodrigo escreva
em Braille. No decorrer da aula, Rodrigo começa a reclamar pelo fato de
que o texto que a professora havia “riscado” para ele copiar [em Braille]
era muito grande, ele estava cansado, sua mão estava doendo de tanto
escrever e que a reglete estava ruim. Então ele vai à sala de recurso e troca
a reglete. Após a troca, ele continua a escrever e começa a “negociar”
com a professora para terminar em sua casa o resto do texto. A professora
não concorda e diz para ele copiar todo o texto independente de quantas
folhas fossem. Rodrigo, a partir desse momento, se indigna e diz: - “Eu
não vou terminar o texto, minha mão está doendo, nem adianta. Ninguém
vai me obrigar! [...] Eu não vou ficar aqui me matando, escrevendo, se
tem uma máquina aqui. A professora me disse que ia regular [a máquina]
e até hoje não fez isso! Eu não vou escrever em Braille no reglete! Só se
for na máquina!”. Ele cobra o uso da máquina de escrever em Braille que
a sala de recurso possui. Por sua reclamação, entende-se que a professora
não havia ensinado ele a “mexer” na máquina porque faltava regular. A
professora, nesse momento, vai até a coordenação e volta dizendo ao
Rodrigo que havia conversado com a coordenadora para a aquisição de
uma máquina. Rodrigo responde dizendo que já existe a máquina e a
professora da sala de recurso havia falado que iria regular, mas ele mesmo
“não havia nem visto a cor dela”. A professora sai novamente, procura
a professora da sala de recurso para confirmar a existência da máquina.
Nesse momento, a professora viu, na sala, muitos materiais que ela nunca
havia visto e tampouco em uso na escola. Entre eles, ela citou a bola de
futebol com guiso e a própria máquina. Após todos esses acontecimentos
e a partir da mobilização que o Rodrigo causou, a professora da sala de
recurso afirmou que o Rodrigo irá começar a aprender a escrever na
máquina de escrever em Braille no dia seguinte. (REGISTRO DIÁRIO
DE CAMPO, abr. 2009).
Apesar de pontual e restrito, optamos por apresentar este caso, por acre-
ditar ser, de certa forma, semelhante a situações que encontramos, por todo o
país, citados em diversos trabalhos (LACERDA, 2006, 2007; PLETSCH, 2009;
entre outros). Este caso faz-nos perceber que os desafios da implantação de uma
política nacional de “educação inclusiva” são muitos. Estes desafios tornam-se
evidentes mesmo quando estão cumpridas as exigências que os programas e
projetos explicitam: salas reduzidas, acompanhamento em salas de recursos, ade-
quação do espaço escolar, formação de professores, acolhimento da escola etc.
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Considerações finais
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A nota técnica SEESP/GAB/Nº 09/2010 esclarece que “O atendimento educacional espe-
cializado é realizado prioritariamente nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em
outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, podendo ser realizado também
em centros de atendimento educacional especializado públicos e em instituições de caráter comu-
nitário, confessional ou filantrópico sem fins lucrativos conveniadas com a Secretaria de Educação,
conforme art. 5º da Resolução CNE/CEB n.º 4/2009”.
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REFERÊNCIAS
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