Europa
Publicado em 7 de outubro de 2015 por Anno Domini
Ainda assim, as doutrinas da graça deram uma contribuição valiosa à Igreja e à cultura.
Cada um dos nossos quatro exemplos ilustra um aspecto um pouco diferente dessa
contribuição. A Reforma em Genebra mostra o que o Calvinismo representa para a
renovação urbana. Os puritanos desenvolveram as implicações da graça soberana para a
família e, assim, para a nação. Como afirmou o puritano Richard Greenham: “Se os homens
tivessem o cuidado de reformar em primeiro lugar a si mesmos e depois as suas próprias
famílias, eles veriam as múltiplas bênçãos de Deus em nossa terra, bem como sobre a Igreja
e a comunidade. Pois indivíduos geram famílias; famílias, cidades; cidades, províncias; e
províncias, reinos inteiros.” O Grande Despertamento demonstra o poder da doutrina da
graça na Igreja, especialmente para a evangelização e a renovação espiritual. Finalmente, o
exemplo de Abraham Kuyper mostra como o Calvinismo pode envolver o mundo moderno,
até o seu último centímetro.
Esses também não são os únicos exemplos do que as doutrinas da graça fizeram na História.
Podemos citar a visão de Agostinho da Cidade de Deus, construída pela graça soberana em
oposição à Cidade do Homem. Ou o escocês Thomas Chalmers, que organizou uma extensa
rede de cuidado pastoral e educação cristã para pessoas pobres em Glasgow. Há ainda o
movimento missionário moderno, que em grande parte originou-se de uma preocupação
calvinista com levar o Evangelho da graça até os confins da terra. Ou, para citar um
exemplo mais recente, considere a influência salutar de Francis Schaeffer sobre a
apologética do século vinte. O Cristianismo floresceu em toda parte onde as doutrinas da
graça foram compreendidas claramente e aplicadas rigorosamente.
Mas o que acontece quando essas doutrinas desaparecem? O presente livro surgiu a partir
de uma preocupação com a recuperação da teologia reformada em tempos pós-modernos.
Para entender por que isso é tão importante, considere o que acontece quando a teologia se
torna deformada. O declínio do Calvinismo significa inevitavelmente a ascensão do
Arminianismo. Isso é praticamente uma necessidade lógica. O Calvinismo insiste em que a
salvação é somente pela graça (sola gratia), mas a única coisa que pode substituir a
salvação somente pela graça é a salvação pela graça divina somada ao esforço humano —
um movimento que a teologia arminiana tende a incentivar. O Arminianismo aparece
inicialmente na forma de Pietismo, com uma devoção pessoal calorosa a Jesus Cristo.
Contudo, a menos que o Pietismo amadureça em direção ao Calvinismo, de modo a haver
um equilíbrio entre o coração e a mente, ele acaba dando lugar ao liberalismo e, finalmente,
ao ateísmo. (Não estamos falando aqui primariamente de cristãos como indivíduos, mas de
tendências de longo prazo na comunidade cristã). Essa é uma simplificação, e um
historiador cuidadoso desejaria caracterizar o fenômeno destacando a variedade de fatores
sociais, religiosos e culturais que contribuem para a decadência doutrinária. Não obstante, o
padrão básico de comprometimento teológico pode ser documentado na história da Igreja.
Quando a soberania divina é deixada de lado para dar lugar à capacidade humana, ocorre
um deslocamento teológico que leva ao abandono da ortodoxia, inevitavelmente.
Essa espiral descendente pode ser analisada usando-se cada um dos exemplos mencionados.
Primeiro, considere o Calvinismo que prevalecia em Genebra e em outros lugares durante a
Reforma Protestante. Foi a essa teologia que os arminianos se opuseram, primeiramente na
Holanda e posteriormente no restante da Europa. Durante algum tempo, o Arminianismo
manteve algo de sua vitalidade espiritual, principalmente na forma do Pietismo existente no
século dezoito. Porém, no século dezenove, muitas igrejas protestantes da Europa estavam
tomadas pelo liberalismo, que começou com um ataque à divina autoridade das Escrituras e
prosseguiu com um esvaziamento dos dogmas centrais da fé cristã. No século vinte, a
maioria dos europeus havia abandonado o Cristianismo por completo.
Embora a mudança do Calvinismo para o Arminianismo tenha se iniciado nas salas de aula
dos seminários, ela chegou a ter uma influência profunda sobre a cultura dos Estados
Unidos por meio dos acontecimentos ocorridos no Segundo Grande Despertamento. Os
avivamentos do Primeiro Grande Despertamento foram eventos sobrenaturais, forjados pelo
poder do Espírito de Deus. O mesmo poderia ser dito da nova onda de avivamentos, que
começou na década de 1790 e continuou até o século dezenove. Como seu antecessor, o
Segundo Grande Despertamento começou e floresceu em igrejas calvinistas, onde se
acredita que, devido ao avivamento ser uma obra somente de Deus, ele “ilustra de modo
peculiar as doutrinas gloriosas da graça”.
Todavia, movidos pelo desejo nada mais que natural de que o despertamento continuasse,
alguns líderes cristãos — especialmente os metodistas — procuraram imaginar métodos
para promover o avivamento. Sua preocupação com a salvação pessoal era louvável.
Contudo, em vez de confiar em Deus para abençoar os meios pelos quais a graça
usualmente se manifesta (oração, ministério da Palavra e sacramentos), eles adotaram as
“Novas Medidas” associadas ao sistema de convite: acampamentos evangelísticos
prolongados, o “banco dos ansiosos”, o chamado ao altar. Essas técnicas pragmáticas eram
suscetíveis à manipulação, especialmente em lugares onde se considerava importante contar
o número de convertidos. Os pregadores enfatizavam a necessidade de “ir à frente para
receber Cristo”, criando uma confusão não intencional entre a decisão humana (ir à frente) e
uma transformação divina (conversão espiritual). Em suma, houve uma mudança de
avivamento para avivamentismo.
Essa transição tinha suas raízes em uma teologia arminiana de conversão, que sustentava
que os pecadores eram neutros — livres para escolher seu próprio destino espiritual.
Embora os puritanos tivessem insistido em que a depravação não impedia alguém de se
decidir por Cristo sem a obra anterior do Espírito Santo, os novos avivamentistas
convidavam as pessoas a exercer sua própria capacidade de receber o Evangelho. Gardiner
Spring descreveu isso como a diferença entre um avivamento “erguido por obra humana” e
um “derramado pelo Espírito de Deus”. A diferença pode ser ilustrada comparando-se
Jonathan Edwards, que descreveu o avivamento como “uma dispensação incrivelmente
extraordinária da Providência”, a Charles Finney, que insistiu em que um avivamento não é
sobrenatural, mas sim o “resultado natural do uso correto dos meios constituídos”. Como a
maioria dos avivamentistas, Finney rejeitava explicitamente as doutrinas da graça. No início
de seu ministério, ele deixou a Igreja Presbiteriana e repudiou os pontos de vista de Calvino
“acerca de expiação, regeneração, fé, arrependimento, escravidão da vontade ou qualquer
doutrina afim”. A visão que ele finalmente adotou não era meramente arminiana, mas na
verdade pelagiana. Finney acreditava que os pecadores podiam dar início à própria
conversão: “Em vez de dizer aos pecadores para usarem os meios da graça e orarem por um
novo coração, nós os exortamos a se tornarem um novo coração e um novo espírito, e
estimulamos o dever da entrega imediata a Deus.”