Editora Edusc – 2°
edição. Bauru, São Paulo; 2002.
“[...] a demonologia cristã acaba por ver no diabo o protagonista de uma luta
cósmica que remonta a um tempo anterior à criação, e cuja continuação se projeta ao
longo de toda a História...” P. 7
“Outros, ainda presos a uma ideia tribal, assimilavam esses deuses aos
espíritos das trevas. [...] todos os deuses potencialmente adversários, passaram a fazer
parte integrante da corte demoníaca; “pois todos os deuses das nações são demônios, mas
o Senhor é o criador dos céus” (Salmos 95:5).” P. 14
“Para evitar a confusão entre Deus e essas divindades inferiores, Platão e sua
escola lhes reversaram o nome de Demônio (daimôn), palavra usada anteriormente para
exprimir a ação divina em geral, distribuidora tanto dos bens quanto dos males.” P. 21
“A nova escola, num esforço de reconstruir a ordem moral do Universo,
estabelece uma hierarquia desses demônios, distinguindo-os em bons e maus demônios,
segundo os atributos anteriores das divindades agora rebaixadas à condição de gênios
secundários, e adapta a essa teologia a liturgia helênica, misturada com ritos mágicos e
orientais.” P. 22
“Desta polarização resulta que tudo o que afasta os homens de Deus é uma
manifestação do Diabo. É o caso, principalmente, de todas as formas de resistência à
palavra de Cristo, e, por conseguinte, também da religião judaica. De outro modo, a
religião cristã, assumida como a verdadeira, exclui e assimila ao Demônio todos os outros
credos, processo em cuja elaboração Satanás desempenha um papel tão importante quanto
o Messias.” P. 26
“O Diabo no Novo Testamento, como nas crenças judaicas tardias, é assistido
por uma multidão de demônios inferiores que tentam os homens, impelindo-os a rejeitar
Jesus, ao mesmo tempo que não param de os afligir com sofrimentos físicos.” P. 27
“Ao longo dos primeiros séculos de sua existência, a ideia de Satã e das hostes
demoníacas, apear de ainda muito semelhante à desenvolvida no Novo Testamento,
acompanha o processo de elaboração progressiva da doutrina cristã, onde sua importância
no plano teológico se delineia mais claramente.” P. 28
“[...] na medida em que os anjos habitavam o mais alto dos céus, ao lado do
trono de Deus, o Diabo e seus sequazes, por oposição, eram confinados às trevas,
precisamente acima da terra. Todos igualmente concordam com o fato de que, uma vez
que os anjos possuem corpo etéreo, composto de ar e luz, os anjos caídos possuem a
mesma substância.” P. 29
“Em toda parte se vê o diabólico, o mundo inteiro é por ele invadido. E sua
vítima é, por excelência, a mulher. Por que a mulher está mais predestinada ao Mal que o
homem, segundo os textos bíblicos. – “Toda malícia é leve, comparada a malícia e uma
mulher; que a sorte dos pecadores caia sobre ela!” (Eclesiástico 25:26) [...]” P. 42
“[...] um homem pode conter uma legião de demônios, então estes devem ser
criaturas incorpóreas, pois cada legião compreende 6.666 indivíduos. E a discussão
prossegue ao longo dos séculos, a especulação se intensifica, não causando estranheza
que o Diabo esteja cada vez mais em toda parte.” P. 44
“As pregações eclesiásticas tendem a destacar cada vez mais o Mal e as suas
consequências, a bem-aventurança cedendo lugar progressivamente à danação, sendo o
Bom cada vez mais intuído, implícito na dissipação dos terrores do Mal e do Castigo
Eterno.” P. 49
“Daqui para diante, os demônios não são mais simples inimigos externos [...]
Não são mais imaginados como criaturas maléficas provocadoras de calamidades e
epidemias; eles são chamados a representar os desejos que cada cristão alimenta o fundo
de seu coração mas sem se atrever a reconhece-lo como seus.” P. 49
“Satã era um ator tão brilhante que [...] Frente a essa ilimitada capacidade de
manifestação do demoníaco, a comunidade cristã se via submergida em um delírio
persecutório, presa a um estado mental no qual surgia constantemente a dúvida de
identidade dos próprios amigos.” P. 62
“Inicialmente, ele era representado como uma figura com certa dignidade,
como cabia à sua condição de anjo caído. Mas, logo após, devido aos esforços
pedagógicos dos representantes da fé, passa a aparecer com muita frequência, cuja
deformidade evidencia a sua corrupção espiritual.” P. 63
“A terra está invadida por anjos e demônios em uma luta encarniçada pela
posse do rebanho cristão.” P. 91
“Contudo, duas imagens de Satã coexistem: uma popular e outra erudita, esta,
de longe, a representação mais trágica pois o Demônio, nas consciências populares, é uma
entre outras tantas sobrevivências míticas que uma conversão imposta não conseguiu
exterminar. O Diabo popular é uma personagem familiar, às vezes benfazeja, muito
menos terrível do que o afirma a Igreja, e pode ser, inclusive, facilmente enganado. A
mentalidade popular defendia-se, desse modo, da teologia aterrorizante – e muitas vezes
incompreensível – da cultura erudita.” P. 98/99
“Crença que seve de suporte a toda uma longa série de violências que
ensanguentam a Europa moderna, transformadas em lutas contra o Diabo, seus agentes e
seus estratagemas.” P. 101