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Fundamentos Sócio-Históricos da

Educação
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Reitora
MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ
Vice-Reitor
EDUARDO RAMALHO RABENHORST

EDITORA DA UFPB
Diretora
IZABEL FRANÇA DE LIMA
Vice-Diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
Supervisão de Editoração
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR
Supervisão de Produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

CONSELHO EDITORIAL
Prof Dr. Lucídio Cabral ..................................(UFPB)
Prof Dr. Danielle Rousy..................................(UFPB)
Anderson Moebus Retondar

Fundamentos Sócio-Históricos da
Educação

Editora da UFPB
João Pessoa
2013
Capa - Projeto gráfico: Renato Arrais e Eduardo Santana

Editoração eletrônica: Eduardo Santana

Catalogação na publicação
Universidade Federal da Paraíba
Biblioteca Setorial do CCEN

R437f Retondar, Anderson Moebus.


Fundamentos sócio-históricos da educação / Anderson Moebus
Retondar; editor: Eduardo de Santana Medeiros Alexandre, revisora:
Camyle Araújo. - João Pessoa: Curso de Licenciatura em
Computação na Modalidade à Distância / UFPB, 2013.

81p. : il. –
ISBN: 978-85-237-0731-6

Curso de Licenciatura em Computação na Modalidade à Distância.


Universidade Federal da Paraíba.

1. Computação. 2. Informática. 3. Redes de computadores.

BS-CCEN CDU 004

Todos os direitos e responsabilidades dos autores.

EDITORA DA UFPB
Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária
João Pessoa – Paraíba – Brasil
CEP: 58.051 – 970
http://www.editora.ufpb.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Ed. v1.0.4

i
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Sumário

1 A educação como fenômeno sócio-histórico 1


1.1 Breves passagens sobre a história da educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 Sociologia e sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Socialização e educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.4 A educação como Instituição Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5 Educação e mobilidade social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.6 Educação e cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.6.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.7 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2 A educação na teoria sociológica clássica e contemporânea 23


2.1 Émile Durkheim e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Karl Marx e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.3 Max Weber e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 Pierre Bourdieu e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.5 Paulo Freire e a educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.5.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.6 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

ii
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

3 A educação na sociedade contemporânea 51


3.1 Da modernidade à pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.1.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.2 A educação na pós-modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
3.3 Sociedade de consumo, globalização e educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
3.3.1 Texto para reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
3.4 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

4 Referências 66
4.1 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

5 Índice Remissivo 68

iii
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Prefácio

Na sociedade contemporânea, a educação tornou-se um dos maiores desafios para as


nações, gover-nos, Estados e para os próprios educadores.
Ao mesmo tempo é comum afirmar que, para uma sociedade se desenvolver deve-se,
antes de tudo, desenvolver e aprimorar seu sistema educacional, expandindo para um
número cada vez maior de indivíduos e com uma qualidade cada vez mais elaborada.
Ao mesmo tempo, os canais “tradicionais” da produção do saber, como a escola e a universidade,
entraram em concorrência com um conjunto de outros espaços que requerem para si, também, o
papel de “espaços educacionais”, como os meios de comunicação de massa e a internet.
Cada vez mais percebemos mudanças substantivas nas práticas educativas que agora
devem estar mais próximas do universo das imagens e do espetáculo.
A informação circula livremente e em velocidade quase instantânea pelas redes sociais,
sites e blogs, pelos telejornais, “chats” e toda forma de comunicação virtual.
Neste contexto, o fenômeno da educação se encontra desafiado pelos mecanismos,
processos e es-truturas da sociedade contemporânea que preza, fortemente, pela
instantaneidade e efemeridade das relações e processos sociais.
Cada vez mais precisamos otimizar nosso tempo. Cada vez mais a durabilidade das
coisas, e até de nossas relações, se torna menor. Pretendemos otimizar, entre outras
coisas, o nosso aprendizado. Queremos aprender mais em menos tempo. E parece que a
sociedade atual exige de nós sermos mais rápidos e mais competentes.
Mas porque isto é, ou se tornou assim?
Uma das questões mais importantes que envolverá nossa disciplina é, exatamente transformar
aquilo que nos parece um fato em um problema. Mas atenção: isto não quer dizer que transformar
algo em um problema signifique transformar algo positivo em negativo. Ao contrário, do ponto de
vista cientí-fico, que é o que nos interessa, transformar algo em um problema é produzir um
questionamento sobre este “algo”. Ou seja, transformar alguma coisa que nos parece natural em
um problema (científico) significa produzir uma reflexão sobre a mesma, questioná-la, ou seja,
procurar conhecer ou mesmo compreender alguns de seus fundamentos
A velha história da maçã que cai sobre Isaac Newton no momento em que repousava
embaixo de uma macieira e que, a partir daí, desperta nele a dúvida sobre a força da
gravidade, apesar de mitológica, já que não há um consenso de que ela tenha ocorrido de
fato, é muito significativa para nossa argu-mentação, afinal, uma maçã caindo do galho é
um fato absolutamente banal. Ao transformá-la em um “problema”, Newton produziu uma
reflexão que foi responsável por gerar uma das principais teorias da física clássica.
A educação será, aqui, nossa maçã. Problematizar sua constituição e seus fundamentos
sociais e históricos será nossa tarefa e principal desafio.

iv
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

A educação como qualquer fenômeno de origem social, se encontra localizada no tempo e no espaço.
Isto quer dizer, entre outras coisas, que ela pressupõe uma localização social e histórica.
Desvendar algumas pistas que revelem esta localização e seus fundamentos constituirá o
objetivo principal de nossa disciplina, a qual pretende, antes de tudo, contribuir para que o
futuro educador possa produzir em suas atividades cotidianas de trabalho uma reflexão
constante sobre seu papel na escola, na sociedade e assim contribuir para a formação de
indivíduos comprometidos com o pensamento crítico-reflexivo, transformando-os em
verdadeiros sujeitos comprometidos com sua vida social e política.
Para tanto, partiremos aqui de uma análise preliminar de um conjunto de teorias e concepções
que irão contribuir para equipar você, futuro educador, com algumas ferramentas conceituais e
teóricas nesta empreitada, utilizando para isso algumas contribuições da sociologia e da história
acerca do fenômeno da educação nas sociedades moderna e contemporânea.
Nossa disciplina irá se desenvolver em três momentos: a educação como fenômeno sócio histórico, a
educação no pensamento social clássico e contemporâneo e a educação na sociedade contemporânea.
Esperamos com isso traçar um panorama do fenômeno da educação em suas facetas
sócio históricas, buscando com isso tornar possível uma melhor compreensão das
práticas educativas em nosso atual contexto.
Boa leitura e bom estudo!

Público alvo

1
O público alvo desse livro são os alunos de Licenciatura em Computação, na modalidade à distância .
Ele foi concebido para ser utilizado na disciplina Fundamentos Sócio-Históricos da Educação.

Como você deve estudar cada capítulo

• Leia a visão geral do capítulo

• Estude os conteúdos das seções

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• Tire dúvidas e discuta sobre as atividades do livro com outros integrantes do curso

• Leia materiais complementares eventualmente disponibilizados

• Realize as atividades propostas pelo professor da disciplina


1
Embora ele tenha sido feito para atender aos alunos da Universidade Federal da Paraíba, o seu uso
não se restringe a esta universidade, podendo ser adotado por outras universidades do sistema UAB.

v
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Caixas de diálogo

Durante o texto foram colocadas caixas de diálogo, nesta seção apresentamos os significados delas.

Nota
Esta caixa é utilizada para realizar alguma reflexão.

Dica
Esta caixa é utilizada quando desejamos remeter a materiais complementares.

Importante
Esta caixa é utilizada para chamar atenção sobre algo importante.

Cuidado
Esta caixa é utilizada para alertar sobre algo potencialmente perigoso.

Atenção
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Os significados das caixas são apenas uma referência, podendo ser adaptados conforme
as intenções dos autores.

Contribuindo com o livro

Você pode contribuir com a atualização e correção deste livro. A tabela a seguir resume
os métodos de contribuições disponíveis:

vi
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

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vii
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

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viii
Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Capítulo 1

A educação como fenômeno sócio-histórico

OBJETIVOS
Ao final deste capítulo você será capaz de:

• Perceber a educação como um fenômeno histórico e social;


• Reconhecer alguns momentos importantes ao longo da história do
desenvolvimento do fenômeno da educação;
• Discorrer sobre alguns dos principais conceitos da sociologia;
• Relacionar estes conceitos com o fenômeno da educação.

Caro aluno, este capítulo se dedicará a demostrar para você como a educação se caracteriza,
antes de tudo, como um fenômeno social e histórico, e para tanto, iremos refletir sobre o
processo de desenvolvimento da educação ao longo da história, bem como conhecer alguns
instrumentos teórico-conceituais da sociologia que servirão de base para que você perceba a
atividade educativa como parte de um movimento ativo da sociedade, de relações
intersubjetivas e de poder, capacitando-o para sua futura vida profissional enquanto
educador.

1.1 Breves passagens sobre a história da educação

Podemos inferir que a educação surgiu concomitantemente ao aparecimento da


humanidade, na me-dida em que as relações entre os homens já são, por si sós, relações
de aprendizado. No entanto, a sistematização dos processos educativos é bem mais
recente na história do homem, remontando à Grécia antiga.
Para os gregos, a educação era percebida como uma forma de aprendizado cultural, onde a absorção
dos valores e tradições era um imperativo do processo educacional, que tinha como principal meta a
formação integral dos indivíduos, tanto sob o aspecto intelectual, quanto físico e moral.
A ideia que melhor representa a educação neste período da história é a de “paideia”, que
significava um aprendizado integral na busca da formação do cidadão. Tal ideia
pressupõe um conhecimento integral das artes, da gramática, da literatura, da educação
física, permeado por preceitos e valores da justiça.
Apesar da formação de caráter militarista que ficou muito conhecida na cidade de Esparta, foi em
Atenas, no século V ac., onde o desenvolvimento da Paideia encontrou sua plenitude com o avanço

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

das artes, filosofia, literatura, entre outras formas de expressão cultural, que deveriam ser cada
vez mais difundidas para o conjunto dos homens livres, formando assim, o cidadão da polis.
A escola era um espaço restrito ao universo masculino, mas que primava pelo princípio de uma educa-
ção abrangente, rica culturalmente, direcionada fundamentalmente para o engrandecimento humano.
Ainda hoje, a ideia de Paideia é mobilizada por educadores e pedagogos como o modelo
de educação mais adequado à formação dos indivíduos no sentido de uma educação
integral que contemple os mais diversos campos do saber.

Figura 1.1: Escola de Atenas: Rafael Sanzio

Posteriormente ao modelo grego, irá aparecer o sistema Romano de educação, no qual não existe o
princípio de democratização do conhecimento, ao contrário, este modelo está diretamente direcionado
à formação do civis romanus, que pelo conhecimento do direito, era tido como superior à
outros povos, sendo esta a base da ideia de “romanidade”
É interessante notar como na Roma antiga, a figura feminina apresenta um papel mais
central nos pro-cessos educativos, principalmente em relação ao que ocorre na Grécia
onde a educação era monopólio do homem.
As mulheres romanas assumem um papel fundamental na educação familiar, cabendo a elas a
escolha dos mestres e pedagogos que seriam os responsáveis pela formação de seus filhos,
conferido a elas, deste modo, maior autonomia e legitimidade no interior daquela sociedade.

Importante
A noção de Paideia grega se mantém até hoje como um modelo ideal de educação, pois
privilegia a formação global do indivíduo, tanto sob os aspectos disciplinares quanto sob a
formação do cidadão.

Após o período da Antiguidade Clássica, a educação irá se desenvolver na época


medieval, marcada pela sua relação estreita com a questão da religiosidade.
Sob o poder do cristianismo, a difusão do conhecimento era controlada de acordo com os
preceitos da igreja, devendo este antes de tudo ratificar a fé cristã.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Ao mesmo tempo, o período medieval será marcado pela formação de um conjunto de


instituições educacionais que irão perdurar, guardadas evidentemente as distinções
históricas, até nossos dias, como a universidade e a escola.
Sob o monopólio dos preceitos religiosos, que deveriam ser severamente respeitados, a moral
cristã era difundida junto com as disciplinas de caráter mais acadêmico como as letras e filosofia.
Chamada posteriormente de “idade das trevas” e de “obscurantismo”, a educação no período
medieval será marcada fortemente por seu caráter conservador e de legitimação do poder
instituído pela igreja e pelos reis, um período onde a liberdade de produção do conhecimento é
extremamente restrita, se limitando àquilo que era permitido nos monastérios e nas catedrais.

Figura 1.2: Educação no período medieval

Após o período renascentista nos séculos XIV a XVI na Europa, marcado pela retomada paulatina
dos princípios gregos e romanos da educação e das artes, se constituiu a fase moderna da
atividade educacional que será marcada, essencialmente, pela separação entre a igreja e o
Estado que, agora passará a assumir o controle sobre a atividade educativa na sociedade.
Neste sentido, o processo educacional passa a ser racionalizado, sendo métodos de aprendizagem
pro-duzidos e difundidos, bem como a separação entre crianças e adultos nos espaços de
aprendizagem, ou seja, a escola passa a ser um espaço dedicado prioritariamente à infância, marcado
pela disciplina e pela didática, visando um aprimoramento dos indivíduos e de seu comportamento.
A educação moderna será caracterizada, antes de tudo, pelo primado da laicidade e da
autonomia intelectual. O conhecimento deve, antes de tudo, ser livre e guiado pelos princípios
da razão em detrimento de orientações exclusivamente teológicas e ou religiosas.
A própria possibilidade hoje de produzirmos campos de estudo sobre os processos educacionais, bem
como elaborar um conjunto de técnicas que aprimorem a produção e absorção do conhecimento, é
resultado das transformações históricas pelas quais passou o fenômeno da educação.
Exatamente por isso é possível hoje pensarmos em definir uma disciplina que busque
interpretar e compreender alguns fundamentos sócio-históricos da educação, orientados
por um conjunto de ciências que passam a servir de sustentação para este conhecimento,
especialmente a história e a sociologia.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Dica
Para mais informações sobre história da educação consulte a ‘revista brasileira de
história da educação’ através do link: http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe

1.1.1 Texto para reflexão

Texto: A Redescoberta da Cultura, São Paulo, EDUSP, 1997


Autor: Simon Schwartzman

“Recolocar em primeiro plano a questão da modernidade significa, em grande parte, trazer a questão
educacional para o centro das preocupações. A redescoberta e revalorização da questão educacional
é hoje um tema candente, e uma das tarefas mais centrais das ciências sociais contemporâneas. No
passado não muito distante, temas como o da escola pública vs. escola particular, a educação religi-osa, ou
direito à educação em língua materna mobilizavam sociedades inteiras, enchiam os jornais e decidiam os
resultados de eleições. A educação pública, universal e gratuita foi uma das grandes ban-deiras do
pensamento republicano a partir da Revolução Francesa, e a defesa do ensino privado e de base familiar,
sustentada pelas autoridades e pensadores católicos, marcou e marca até hoje os debates do tema. Na
sociologia de Émile Durkheim a educação era vista não somente como uma necessidade instrumental das
sociedades modernas, mas como o único cimento que poderia efetivamente mantê-la integrada e solidária.
O tema da renovação educacional fascinava os intelectuais russos nos primeiros anos da Revolução de
Outubro, e seria retomado nas preocupações de Gramsci.
Nas últimas décadas, no entanto, a questão educacional como que desapareceu como tema intelectual,
transformando-se em assunto "meramente"técnico ou administrativo. Esta desqualificação teve como
consequência que os temas relativos à educação saíssem do foco dos grandes debates e discussões,
ficando como que "relegados"aos especialistas, e entregues ao conflito localizado de interesses das partes
mais diretamente envolvidas com as instituições educacionais: pais, professores, secretarias e ministérios
de educação, livreiros, funcionários. A relativa decadência do tema da educação básica se explica, em
parte, pela progressiva expansão das universidades e do ensino superior nas últimas décadas, atraindo
para si os melhores talentos e as principais atenções, e relegando o ensino básico para setores sociais
menos privilegiados e menos capazes, consequentemente, de trazer seus temas e interesses para o foco
das atenções. A isto se somou a difusão da ideia de que, como fenômeno superestrutural, a educação em si
pouco podia fazer para alterar as condições de vida ou o sistema de poder de uma sociedade, cujas molas
mestras estariam na política e na economia. Esta desqualificação da tarefa educacional tornou-se ainda
mais acentuada a partir da difusão dos trabalhos de Bourdieu e Passeron, que procuravam demonstrar
como os sistemas educacionais simplesmente reproduziam as estruturas de dominação existentes na
sociedade mais ampla. Uma vez introduzidas entre os educa-dores, estas idéias se somaram às suas
frustrações com a falta de apoio, prestígio e reconhecimento de que eram vítimas, levando ao abandono
quase definitivo das preocupações de natureza pedagógica, substituídas seja pela militância política, seja
pela apatia pura e simples.
A redescoberta da educação se relaciona com a constatação de que, longe de serem neutras, as institui-
ções educacionais têm um impacto bastante significativo, ainda que controverso, sobre as sociedades
contemporâneas. Por um lado, análises econômicas complexas se somam à observação quotidiana na
demonstração de como a educação, como "capital humano", tem uma contribuição decisiva para a criação
da riqueza e para o desenvolvimento econômico. É cada vez mais claro, por exemplo, o papel central que a
educação jogou na ascensão do Japão como potência econômica de primeira gran-deza nas últimas
décadas, que parece estar se repetindo com igual força em outros países asiáticos

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

de industrialização recente, como a Coréia do Sul e Taiwan; é também bastante clara, e dramática, a
limitação que a ausência de uma população educada coloca para um país como o Brasil, no momento
em que o desenvolvimento da automação industrial coloca em risco uma de suas principais "van-
tagens"comparativas internacionais, que era a existência de mão de obra abundante, desqualificada e
barata. Por outro lado, estudos sobre o impacto dos sistemas educacionais sobre a estratificação
social mostram que, ao contrário das expectativas otimistas do passado, estes sistemas tendem fre-
quentemente a consolidar e acentuar a desigualdade social; esta perspectiva tem sido especialmente
salientada após a frustração das esperanças depositadas, nos Estados Unidos, nos programas de
"ação afirmativa"nas escolas como forma de reduzir as desigualdades raciais que afetam a população
negra naquele país. A conciliação destes dois pontos de vista, em si mesmo verdadeiros, requer uma
visão mais complexa a respeito do relacionamento entre instituições educacionais e as de tipo
econômico e social. Assim, quando uma sociedade se expande, a educação parece funcionar como
instrumento poderoso de mobilidade social de novos grupos, e de incorporação de novas tecnologias e
conheci-mentos à sociedade; quando as sociedades estão estagnadas, a educação parece funcionar,
sobretudo, como elemento de seleção e discriminação social. Sozinha, ela pode menos do que se
acreditava no passado; em conjunto com outros processos de natureza social, política e econômica, a
educação pode marcar a diferença entre o sucesso e o fracasso”.

1.2 Sociologia e sociedade

Antes de iniciarmos nosso debate acerca dos conceitos fundamentais da sociologia e da


relação entre estes e o fenômeno da educação, cabem aqui algumas palavras introdutórias
para familiarizar você leitor com este universo complexo que é a ciência sociológica.
A sociologia irá se institucionalizar enquanto ciência na França entre o final do XIX e início
do século XX através de seu fundador, Èmile Durkheim.
No entanto, antes disto, ao longo dos séculos XVIII e XIX começa a se formar, no âmbito
dos intelec-tuais e filósofos europeus, especialmente na Inglaterra, França e Alemanha,
um intenso debate sobre as transformações por que passam estas sociedades e que
constituem a lógica da sociedade moderna e do capitalismo.
Este será um período altamente frutífero no campo das ideias, especialmente aquelas que
passam a ter o homem e a sociedade como centro de suas análises.
Neste período, a Europa passa por um momento de fortes dificuldades econômicas e
aumento da crise social. O capitalismo está ainda em sua fase inicial e envolve relações
altamente desiguais entre capitalistas e assalariados.
Além disso, a instabilidade política é muito grande. Os estratos sociais aristocráticos
perdem cada vez mais espaço na condução do poder que, agora passa a ser reclamado
pela nova classe que exerce o domínio econômico, a burguesia.
Este período será marcado pelas duas grandes revoluções nos campos econômico e
político: a Revo-lução Industrial a partir de 1780 e a Revolução Francesa em 1789.
Se a revolução industrial consolidou o capitalismo enquanto o sistema econômico hegemônico da
nova sociedade, trazendo com ele novas relações de desigualdade social, a revolução francesa
lançou os preceitos daquilo que seria a marca das relações políticas na modernidade, deslocando
o poder que antes estava centralizado nas mãos do rei, representante da Aristocracia, para o
conjunto dos cidadãos através de seus representantes políticos escolhidos por meio do sufrágio
eleitoral que, mesmo sendo restrito apenas aos homens alfabetizados e proprietários, marca o
início de uma mudança significativa no conjunto das relações políticas na sociedade.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Neste contexto de intensas transformações econômicas, políticas e sociais, começam a se forjar refle-
xões sobre a nova dinâmica que abarca o mundo moderno. As explicações anteriores sobre o mundo,
que orientavam as sociedades pré-modernas, especialmente no período feudal, e que estavam
determi-nadas por discursos de natureza estritamente metafísica, ou seja, explicações que visavam
justificar o mundo e a ordem social a partir de entidades transcendentes, por exemplo, a partir da
vontade divina, não são mais suficientes como modelo de explicação da realidade social.
Se a religião era a principal forma de explicação metafísica do mundo, a partir do século XVIII,
especialmente com o movimento iluminista na Europa, começa a se estabelecer uma
mudança estru-tural no nível das mentalidades, mudança esta, que se caracterizará pelo
predomínio da razão como instrumento legítimo de explicação da natureza e do mundo social.
O homem, agora percebido como detentor de racionalidade, deixa de ser objeto, resultado de forças a
ele exteriores e transcendentes, e passa, de fato, a se tornar sujeito que atua no mundo e o constroi.
O mundo deixa de ser uma criação divina para ser resultado da atividade humana, racional, permeada
por conflitos, interesses, valores e visões de mundo que estão em concorrência. Este processo foi cha-
mado de ‘secularização do mundo’, que significa a substituição do discurso teológico-religioso pelo
discurso racional-científico como sendo, este último, o efetivo modelo de explicação da realidade.
É no interior deste contexto que nasce uma extrema efervescência intelectual que irá buscar
compre-ender e explicar a sociedade, o homem e suas relações. Daí o surgimento de um novo
tipo de atitude intelectual do homem com o mundo e sua própria realidade, processo este que se
tornou fundamental para a ascensão de uma reflexividade absolutamente radical, responsável
pela emergência de teorias que se tornaram referência no mundo intelectual moderno, como por
exemplo, a explicação da origem e desenvolvimento das espécies desenvolvida pelo inglês
Charles Darwin (1809-1882), a dinâmica do universo regulada por leis físicas proposta pelo
também inglês Isaac Newton (1642 -1727) e, num momento posterior, as interpretações sobre as
contradições do capitalismo demonstradas nas análises do alemão Karl Marx (1818- 1883), dos
processos de racionalização apontadas pelo também alemão Max Weber (1964-1920) e as
análises da psicologia humana propostas pelo austríaco Sigmund Freud (1856- 1939), só para
citar alguns exemplos marcantes do desenvolvimento do pensamento científico ocidental.
Se antes o mundo social era explicado em suas contradições como resultado de uma ordem
transcen-dente, divina, agora ele deve ser explicado racionalmente, uma explicação
amparada em uma lógica que lhe seja imanente, derivada da atividade do homem no mundo.
Isto torna possível, em grande medida, um conjunto de reflexões que irá proporcionar a criação de
uma forma sistematizada de percepção da realidade social, ou seja, o conhecimento sociológico.
Se como dissemos anteriormente a sociologia somente se institucionalizará enquanto
disciplina aca-dêmica entre o final do século XIX e início do XX, suas origens derivam de um
intenso debate for-jado ao longo do século XIX por um conjunto de intelectuais que já
produziam interpretações sobre o mundo social, de Auguste Comte a Karl Marx, responsáveis
por elaborar interpretações profundas sobre a dinâmica da sociedade moderna.

Importante
O processo de secularização do mundo, que significa a gradativa substituição do pensa-
mento metafísico pelo pensamento lógico-racional como modelo de explicação do mundo,
foi fundamental para o desenvolvimento da ciência na modernidade, especialmente da
ciência sociológica.

No decorrer do século XX, a sociologia ganha cada vez mais espaço e legitimidade no campo das
ciências humanas, especialmente a partir da Revolução Russa, em 1917, quando o mundo presenciou

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o início da formação de um bloco político, econômico e social que se apresentava como


alternativa ao modelo de desenvolvimento produzido pelo capitalismo.
A instituição de uma sociedade socialista, e depois de um bloco socialista, inspirado nos preceitos
teóricos de Marx, fez com que aumentasse a efervescência intelectual sobre os modelos de
gestão social, fortalecendo em grande medida o crescimento do debate sociológico acerca destes
modelos, catapultando assim a produção do conhecimento sociológico.
Nos dias atuais, a sociologia encontra-se consolidada enquanto ciência indispensável para
aqueles que pretendem produzir uma reflexão sistemática sobre o mundo e a realidade social. Um
conhecimento caracterizado por uma multiplicidade de interpretações, teorias e métodos de
análise do mundo social que, antes de tudo, reflete a própria diversidade e criatividade do homem.
Aqui iremos nos debruçar sobre um campo específico: o da educação como fenômeno sociológico,
tentando desvelar algumas relações que não são perceptíveis apenas através de um olhar superficial
sobre este fenômeno, o qual, com certeza, ocupa um lugar central na modernidade.

Dica
Para uma análise mais aprofundada das origens e constituição da Sociologia, consulte o link:
http://www.ecodesenvolvimento.org/biblioteca/livros/o-que-e-sociologia

1.2.1 Texto para reflexão

Texto: Sociologia. Porto Alegre, ArtMed, 2005. p.24-27


Autor: GIDDENS, A.

"Hoje vivemos – no começo do século XXI – num mundo profundamente preocupante, porém repleto
das mais extraordinárias promessas para o futuro. É um mundo inundado de mudanças, marcado por
enormes conflitos, tensões e divisões sociais, como também pelo ataque destrutivo da tecnologia
moderna ao ambiente natural. Mesmo assim, temos possibilidades de controlar nosso destino e moldar
nossas vidas para melhor, de um modo inimaginável para as gerações anteriores.
Como esse mundo surgiu? Por que nossas condições de vida são tão diferentes daquelas
de nossos pais e avós? Que direção as mudanças tomarão no futuro? Essas questões
são a principal preocupação da sociologia, um campo de estudo que consequentemente
tem um papel fundamental na cultura intelectual moderna.
A sociologia é o estudo da vida social humana, dos grupos e das sociedades. É um empreendi-mento
fascinante e irresistível, já que seu objeto de estudo é nosso próprio comportamento como seres
sociais. A abrangência do estudo sociológico é extremamente vasta, incluindo desde a análise de
encontros ocasionais entre indivíduos na rua até a investigação de processos sociais e globais.
A maioria de nós vê o mundo a partir de características familiares a nossas próprias vidas. A
soci-ologia mostra a necessidade de assumir uma visão mais ampla sobre por que somos
como somos e por que agimos como agimos. Ela nos ensina que aquilo que encaramos como
natural, inevitável, bom ou verdadeiro, pode não ser bem assim e que os “dados” de nossa
vida são fortemente influen-ciados por forças históricas e sociais. Entender os modos sutis,
porém complexos e profundos, pelos quais nossas vidas individuais refletem os contextos de
nossa experiência social é fundamental para a abordagem sociológica”.

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1.3 Socialização e educação

Importante
Todo processo de aprendizado, ou seja, todo processo educacional, é, antes de tudo, um
processo de socialização. Mas o que significa, em termos sociológicos, a ideia de
“socializa-ção”?

Ao longo do desenvolvimento da Sociologia, um dos seus temas centrais foi compreender


as caracte-rísticas dos processos de socialização que, grosso modo, podem ser definidos
como os processos que transformam o indivíduo em um membro da sociedade.
Podemos afirmar com alguma segurança que, sob o ponto de vista de nossa constituição
biológica somos, em geral, iguais, enquanto que, do ponto de vista social e cultural é
notório que mantemos diferenças substantivas em relação a outros seres de nossa
espécie, e isto ocorre não apenas se pen-sarmos na variação de uma sociedade para
outra, como por exemplo, entre brasileiros e chineses, mas também no interior de uma
mesma sociedade, dadas as diferenças de classes, gêneros, diferenças regionais, etc.
Se tais diferenças estão ligadas a estruturas sociais, contextos históricos e padrões
culturais que são peculiares a cada sociedade, podemos perceber que, processos de
socialização distintos, produzem indivíduos também distintos.
Socializar implica, num primeiro momento, absorver, introjetar, interiorizar e decodificar as normas,
regras, valores e instituições de uma dada sociedade. No entanto, se pensássemos que este processo
se desenvolve de maneira linear e igual para todos não haveria sentido pensar nas diferenças sociais.
Na verdade, o que ocorre é que os processos de socialização funcionam através de
“filtros”, em que certas regras, valores, instituições, normas e regulamentos sociais são
absorvidos para que possamos dar um sentido e direção às nossas vidas e ações.
Estes filtros dependem de um conjunto de elementos que formam o contexto de
socialização dos indivíduos e são bastante variáveis. De um modo geral, um dos
principais filtros deste processo são os grupos sociais nos quais o indivíduo está sendo
socializado (educado) e onde exerce relações de interação com outros indivíduos.
A família constituiu, em tese, o primeiro grupo de socialização de um indivíduo, se transformando
no que podemos chamar de um grupo primário. Evidentemente, este grupo irá desempenhar uma
forte influência sobre o indivíduo, seja no sentido deste aderir aos valores que são transmitidos a
ele pelo grupo ou mesmo através da negação destes valores pelo indivíduo.
No entanto, se pensarmos na variedade de características das famílias dentro de uma
mesma sociedade podemos logo perceber que haverá uma extrema diversidade de filtros,
o que implicaria no processo de constituição de uma extrema diversidade social.
Imaginemos a seguinte situação: numa maternidade dois bebês estão vindo ao mundo no
mesmo instante. Um deles pertence a uma família de classe média onde os pais são
católicos praticantes. O outro, também filho de pais de classe média, mas com uma
diferença: estes se autodenominam ateus e são fortes críticos do cristianismo. É evidente
que valores distintos serão apresentados para estas duas crianças no processo de seu
crescimento, ou seja, elas serão socializadas em ambientes sociais distintos, não sob o
ponto de vista de classes, mas sob o ponto de vista de questões ligadas à religiosidade.
Se é verdade que a absorção de valores não se constitui como um processo mecânico, automático, é
muito provável, no entanto, que estas crianças apreendam visões de mundo e representações sobre

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a questão da religiosidade, sob pontos de vista diversos ou mesmo antagônicos, um em


relação ao outro.
Imaginemos ainda que, quando atingirem a idade escolar elas venham a fazer parte da mesma
escola, sejam colegas de turma e estabeleçam forte laço de amizade. Imaginemos ainda que a
relação entre os filhos se expanda para além do círculo escolar e acabe envolvendo seus pais.
Se, a primeira vista, o conflito de valores é eminente, por outro lado, isto não implica na
impossibilidade de convivência entre os atores sociais em questão, tendo em vista que, outras
regras e regulamentos sociais que deli-mitam as relações de convivência social foram também
interiorizados por processos de socialização, neste caso, tanto dos filhos quanto dos pais.
Se as relações de convivência social amistosa, de princípios de sociabilidade bem como a possibili-
dade de conviver com diferenças de valores, mesmo que intensas, tiverem sido interiorizadas pelos
atores também como valores fundamentais, então é plausível pensar que relações de amizade e con-
vívio entre eles será plenamente possível, sendo o ponto de divergência deslocado para um segundo
plano como estratégia para a manutenção de um equilíbrio da relação.
Neste sentido, se a diversidade de valores e princípios é um fato na organização das sociedades,
seria de todo ingênuo considerar que tal diversidade é tão extensa a ponto de impedir o convívio
social entre os indivíduos de uma dada sociedade. Pelo contrário, através dos processos de
socialização, a sociedade acaba reproduzindo valores, representações, regulamentos e padrões
de comportamentos que tornam possível e sustentam a própria vida social.
O exemplo mais marcante disto é, talvez, a apreensão de uma das principais instituições
da sociedade pelo conjunto de seus membros, a linguagem.
Por maior que seja a diversidade existente entre os grupos sociais, a apreensão da linguagem é um
processo mais ou menos homogêneo entre os grupos, e isto, pela questão óbvia da necessidade de
comunicação. Isto não quer dizer que grupos não possam produzir linguagens próprias, o que, aliás,
é comum entre grupos que estabelecem códigos linguísticos próprios, como por exemplo,
gírias e fonemas específicos, mas isto é sempre um processo secundário, após já
estarem socializados na língua padrão de sua sociedade.
Se ampliarmos este processo para as regras e normas de uma sociedade o procedimento também não
é muito diferente. Todos nós aprendemos, por exemplo, que a realização de nossas
necessidades fisi-ológicas devem ser realizadas em espaços reservados, privados. Este é
um padrão geral que, mesmo que seja transgredido por alguns indivíduos, encontra um
nível de consenso alto entre os membros de uma mesma sociedade.
Neste sentido, pensar nos processos de socialização, implica pensar em processos
educativos, com-preendidos aqui de forma ampla como a interiorização e decodificação,
mediada por grupos sociais, dos regulamentos de uma dada sociedade.

Atenção
Os processos de socialização são fundamentais para os indivíduos de uma sociedade,
pois são através deles que aprendemos, através de processos de interiorização, a
estabelecer relações com o “outro” no universo social.

A escola é um dos principais filtros neste processo à medida que se constitui, certamente,
como um dos mais importantes espaços de socialização do indivíduo. Isto porque, é na escola
que as regras de conduta começam a ser apreendidas como regras gerais, independentes
das especificidades dos mais diferentes grupos primários que os indivíduos participam.

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A escola se define, neste caso, como um espaço de socialização secundária, onde a criança
entra em contato com uma realidade distinta daquela originalmente restrita ao grupo familiar.
As figuras de autoridade e disciplina são substituídas dos pais para outros agentes e, as
regulamentações passam a ser gerais e se aplicam agora a todos indistintamente.
Neste sentido, a escola se torna um dos principais ambientes de socialização secundária,
no qual as crianças passam a ter contato com novos regulamentos e outras figuras de
autoridade como professo-res, diretores, etc.
Além disso, o universo de interação da criança se amplia e, mais do que apenas o
convívio com outras crianças, ela passa a conviver com outros valores e regulamentos
que derivam e são intermediados por esta relação interativa.
Pensar deste modo o fenômeno da educação, como processo fundamental na socialização do indiví-
duo, significa pensá-lo não apenas como um processo de caráter formativo, mas também, um
processo que envolve a interiorização de regulamentos e normas sociais, ou seja, um processo com
caráter co-ercitivo que torna cada vez mais obrigatória o cumprimento destas regras e normas sociais.

Importante
Faça um exercício reflexivo e tente perceber alguns comportamentos seus que sejam
decor-rentes de processos de socialização ocorridos durante sua vida escolar.

1.3.1 Texto para reflexão

Texto: Socialização: como ser um membro da sociedade.


Autor: Berger, P

“O processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser um membro da sociedade é designado pelo
conceito de socialização. O mesmo revela um monte de facetas diversas. Os processos que acabam
de ser examinados constituem facetas da socialização. Vista sob este aspecto a socialização é a
imposição de padrões sociais à conduta individual. Conforme procuramos demonstrar, esses padrões
chegam mesmo a interferir nos processos fisiológicos do organismo. Conclui-se que na biografia do
indivíduo a socialização, especialmente em sua fase inicial, constitui um fato que se reveste dum
tremendo poder de constrição e duma importância extraordinária. Sob o ponto de vista do observador
estranho, os padrões impostos durante o processo de socialização são altamente relativos, conforme
já vimos. Dependem não apenas das características individuais dos adultos que cuidam da criança,
mas também dos vários grupamentos a que pertencem esses adultos. Assim, por exemplo, a natureza
dos padrões de conduta aplicados a uma criança depende não somente do fato de ser a mesma um
1
gussi ou um americano, mas também da circunstância de pertencer à classe média ou à classe
operária dos Estados Unidos. Mas sob o ponto de vista da criança, estes mesmos padrões são
sentidos de forma bastante absoluta. Temos razões para supor que, se não fosse assim, a criança
seria perturbada e o processo de socialização não poderia ser levado avante.
O caráter absoluto com que os padrões sociais atingem a criança resulta de dois fatos bastante simples: o
grande poder que os adultos exercem numa situação como aquela em que se encontra a criança e a
ignorância desta sobre padrões alternativos. Os psicólogos divergem sobre se a criança tem a impressão de
que nessa fase da vida exerce um controle bastante pronunciado sobre os adultos (uma vez que os
mesmos são sensíveis às suas necessidades), ou se vê neles uma ameaça contínua, porque
1
Povo africano que vive no Quênia.

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depende deles tão fortemente. De qualquer maneira, não pode haver a menor dúvida de que, em
termos objetivos, os adultos exercem um poder avassalador sobre a criança. É claro que esta
pode resistir à pressão exercida por eles, mas o resultado provável de qualquer conflito só poderá
ser a vitória dos adultos. São eles que trazem a maior parte das recompensas pelas quais anseia
a criança e dos castigos que teme. Na verdade, o simples fato de que a maior parte das crianças
acaba por socializar-se constitui prova cabal desse fato. Além disso, é evidente que a criança
ignora qualquer alternativa aos padrões de conduta que lhe são impostos. Os adultos apresentam-
lhe um certo mundo – e para a criança, este mundo é o mundo. Só posteriormente a mesma
descobre que existem alternativas fora desse mundo, que o mundo de seus pais é relativo no
tempo e no espaço e que padrões diferentes podem ser adotados. Só então o indivíduo toma
conhecimento da relatividade dos padrões e dos mundos sociais. . . ”

1.4 A educação como Instituição Social

Pensar a educação enquanto fenômeno social e histórico implica, antes de tudo, pensá-la
enquanto uma instituição social. Instituição esta que varia no tempo e no espaço quanto à
sua forma, seus objetivos e interesses, variável entre sociedades e culturas.

Importante
A primeira questão que iremos abordar nesta seção então será: o que é uma Instituição
Social?

Ao falarmos, de um ponto de vista sociológico em uma instituição social devemos, em um


primeiro momento, tentarmos nos afastar de concepções difundidas através do senso
comum2 acerca do que seja este conceito.
Quando falamos que a empresa de computadores X é uma instituição ou mesmo que o
hospital Y também é uma instituição estamos utilizando uma denominação corrente sobre
o termo. Neste con-texto, qualquer organização formal, seja uma empresa privada ou uma
organização pública assumem o significado de uma Instituição.
No entanto, a perspectiva sociológica elabora uma outra definição sobre o conceito, ou seja, tanto
a empresa X, quanto o hospital Y constituem, para a sociologia organizações formais, passíveis
de serem inclusive estudadas por um campo específico do conhecimento sociológico denominado
Soci-ologia das organizações. Mas não são, a rigor, Instituições em um sentido sociológico.
Falar em uma instituição social significa, em termos sociológicos, falar em modos de
realização das diversas práticas sociais sob uma forma específica, padronizada.
Como o nome sugere, uma instituição social é o resultado de um nível de consenso entre
diversos ato-res sociais a respeito de como fazer algo, de como se comportar em
determinadas situações, inclusive de como pensar a respeito de determinados valores, etc.
Ao definirmos, por exemplo, que a escola é o espaço legítimo para a realização e difusão do conhe-
cimento formal em uma sociedade, a transformamos em uma instituição social. Ao estabelecermos um
código através do qual é possibilitada a comunicação com o outro, instituímos a linguagem, que é
2
Quando nos referimos ao termo “senso comum” ao longo deste texto, nos referimos às ideias,
representações e argumentos difundidos pela maior parte dos membros de uma sociedade e que se referem a
um tipo de conhecimento imediato da realidade, não baseado em pesquisas ou construções de ordem científica.

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com certeza uma das mais importantes instituições sociais. Ao determinarmos que não
podemos esta-belecer relações sexuais com nossos pais e irmãos, estamos instituindo
padrões de conduta específicos que devem, neste caso, orientar nossa conduta sexual.
Neste sentido, as Instituições sociais são fundamentais para a ordem social na medida em que se
constituem como “caminhos” a partir dos quais orientamos nosso comportamento e conduta,
nossa reflexão e até mesmo nossas crenças e nossa localização no tempo e no espaço.
As instituições variam no decorrer do processo histórico. Isto significa dizer que, paralelamente a
pro-cessos de institucionalização ocorrem também processos de “desinstitucionalização”, onde
costumes, tipos de comportamentos e modos de conduta são substituídos por outros.
Tomemos como exemplo a constituição do poder nas sociedades. Durante o período final
da Idade Média, o modelo predominante de organização do poder era o poder
monárquico centrado na figura do rei como a materialização do poder soberano que
controlava a ordem em uma dada comunidade ou sociedade.
A partir da sociedade moderna, esta figura começa a se diluir nas sociedades do mundo
ocidental e, com ela, o regime de governo monárquico. Embora algumas sociedades hoje
ainda mantenham a figura do Rei ou Rainha, como Espanha, Suécia e Reino Unido, o
poder efetivo destas figuras é relativamente pequeno se comparado com outras instâncias
de poder como o parlamento, câmaras de governo, etc.
O princípio moderno do governo democrático desloca, por assim dizer, a concentração do poder das
mãos de um soberano para um poder que seja representativo do conjunto da sociedade. Se é verdade
que esta concepção é passível de um conjunto de críticas e ponderações, as quais não iremos aqui
nos deter, o que pretendemos demonstrar é que esta mudança implica, antes de tudo em uma
significativa ruptura institucional. Neste caso podemos perceber a “substituição” de uma instituição
social por outra, entendendo aí o termo substituição como a mudança de uma ordem que era
hegemônica para outra que agora se torna a forma legítima de orientação do comportamento social.
Podemos, ao mesmo tempo, pensar em processos de redefinição interna das instituições, que
signifi-cam não alterar a instituição em si, mas sim suas características e configurações originais.
A instituição da família é um dos exemplos mais marcantes deste processo pois podemos
perceber como sua constituição irá se modificar substantivamente ao longo da história.
O eminente historiador francês Philipes Ariès3, irá demonstrar como através do
desenvolvimento histórico a constituição do núcleo familiar irá variar substantivamente.
Na Idade Média, por exemplo, a figura da criança, tal qual a concebemos hoje, não existia. Os peque-
nos, que eram tratados literalmente como “pequenos adultos” já tinham responsabilidades em relação
ao trabalho, às atividades domésticas e até mesmo estabeleciam relações de aliança e sexuais. Neste
sentido, podemos perceber que o espaço da infância como um espaço da inocência, da proteção e da
não sexualidade é uma criação histórica da sociedade moderna e que compõe nosso imaginário social
como algo que não pode ser violado. Inclusive, criminalizamos o trabalho infantil, o estabelecendo
como delito. Institucionalizamos, por assim dizer, o espaço da infância como um espaço de aprendi-
zado, como uma esfera onde primordialmente a criança deve brincar e aprender, um espaço que deve,
acima de tudo, ser lúdico em oposição a atividade laboral.
O fato de não ter sido sempre assim, mostra como a sociedade é uma criação dinâmica,
que varia e se transforma constantemente, modificando suas instituições a todo o tempo.
Se verificarmos o crescimento do número de divórcios nas sociedades do mundo ocidental contem-
porâneo, no qual o Brasil é um exemplo emblemático, podemos perceber que agora as famílias se
3
ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de. Janeiro: LTC, 1981.

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organizam a partir de novos “arranjos sociais”. Por exemplo, quando uma criança filha de
pais divor-ciados adentram em um novo universo familiar onde, além de seus pais
biológicos, convivem com seu padrasto ou madrasta que, eventualmente já trazem filhos
de outro enlace que se tornam “irmãos”, e assim por diante.
A legalização do casamento homossexual em alguns países como Canadá, Suécia, Noruega,
Suécia e Argentina, entre outros, implica também em uma nova forma de constituição familiar.
Como podemos perceber, não apenas as instituições sociais podem ser substituídas por
outras, como também uma determinada instituição social pode sofrer mudanças em sua
própria constituição e ca-racterísticas.

Importante

“As instituições sociais proporcionam métodos pelos quais a conduta humana


é padronizada, obrigada a seguir por caminhos considerados desejáveis pela
sociedade”.
— Berger, P. Perspectivas sociológicas

Este debate nos interessa mais de perto pelo fato de que a Escola é antes de tudo uma Instituição
social e, efetivamente, uma instituição social que varia também ao longo da história.

Figura 1.3: Novos modelos de família

As formas de aprendizado, as relações de poder que entremeiam a dinâmica professor/aluno,


as tec-nologias que influenciam na produção e passagem do conhecimento bem como as
técnicas de didática influenciam severamente esta instituição central de nossas sociedades.
Se até um passado não muito distante a aplicação do uso da violência física como controle
disciplinar era constante no espaço escolar, hoje este é um tipo de comportamento intolerável.
A relação professor aluno também se modificou drasticamente com o desenvolvimento das novas
tecnologias de informação. Se antes a figura do mestre era tida como a figura do detentor
soberano do conhecimento, isto é hoje cada vez mais relativizado, tanto através do
reconhecimento das limitações (que são absolutamente legítimas) dos professores, como pelo
acesso irrestrito às tecnologias como bases de dados, bibliotecas virtuais e a própria internet
abrem uma gama de possibilidades para a aquisição autônoma de conhecimentos pelos alunos.
Tais processos envolvem, evidentemente, uma redefinição dos papéis que os atores sociais
que com-põem esta instituição desempenham, produzindo assim a própria redefinição desta
instituição social e, neste caso, redefinindo a própria ideia do processo educativo.

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1.4.1 Texto para reflexão

Texto: Perspectivas Sociológicas. Petrópolis, Vozes, 1991. pags 101-102


Autor: Berger, P.

“Geralmente se define instituição como um complexo específico de ações sociais. Podemos dizer
assim que lei, classe, casamento ou religião organizada sejam instituições. Essa definição não
nos informa a maneira como a instituição se relaciona com as ações dos indivíduos envolvidos.
Arnold Gehlen, sociólogo alemão contemporâneo, ofereceu uma resposta sugestiva a esta
questão. Gehlen concebe a instituição como um órgão regulador, que canaliza as ações humanas
quase da mesma forma como os instintos canalizam o comportamento animal. Em outras
palavras, as instituições proporcionam métodos pelos quais a conduta humana é padronizada,
obrigada a seguir por caminhos considerados desejáveis pela sociedade. E o truque é executado
ao se fazer com que esses caminhos pareçam ao indivíduo como os únicos possíveis.
Citemos um exemplo. Como não é preciso ensinar os gatos a caçar ratos, existe aparentemente alguma
coisa no equipamento congênito de um gato (um instinto, se o leitor gostar do termo) que o faz agir assim.
Presumivelmente, quando um gato avista um rato, há alguma coisa que lhe diz: “Coma! Coma! Coma” Não
se pode dizer que o gato atende este apelo interior. Ele simplesmente segue a lei de seu ser mais íntimo e
arremete contra o pobre camundongo (o qual, suponho, escuta uma voz interior que diz: “Corra! Corra!
Corra”). O gato não tem outra alternativa. Mas agora voltemos ao casal cujo namoro analisamos
anteriormente. Quando nosso rapaz viu pela primeira vez a moça com quem representaria a cena ao luar
(ou, se não foi na primeira vez, algum tempo depois), também ouviu uma voz interior que lhe dava uma
ordem bem clara. E seu comportamento subsequente demonstra que ele também não pôde resistir à voz de
comando. Não, essa ordem imperativa não é essa que o leitor provavelmente está pensando – esse
imperativo nosso rapaz compartilha congenitamente com os gatos, chimpanzés e crocodilos e não nos
interessa no momento. O imperativo que nos interessa é aquele que lhe diz: “Case-se! Case-se! Case-se!”
Ao contrário do gato, nosso rapaz não nasceu com esse imperativo. Ele lhe foi instilado pela sociedade,
reforçado pelas incontáveis pressões de histórias de família, educação moral, religião, dos meios de
comunicação e da publicidade. Em outras palavras, o casamento não é um instinto, e sim uma instituição.
No entanto, a maneira como conduz o comportamento para canais pré-determinados é muito semelhante à
atuação dos instintos em seus setores”.

1.5 Educação e mobilidade social

A questão da mobilidade social se tornou um dos maiores desafios na contemporaneidade,


especial-mente para sociedades em desenvolvimento como, por exemplo, as sociedades que
formam o cha-mado grupo dos BRICS, sigla que significa o conjunto dos principais países em
desenvolvimento na atualidade: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Como o próprio nome sugere, mobilidade pressupõe a ideia de deslocamento, dinâmica,
mudança em um determinado espaço. No caso da mobilidade social estamos falando
essencialmente da passagem de indivíduos e/ou grupos de um estrato social para outro.
Isto significa então, antes de tudo, delimitar a sociedade em estratos sociais ou, em
termos sociológicos, através de sistemas de Estratificação Social.
A simbologia mais conhecida e utilizada para representarmos o sistema de estratificação em uma
sociedade é a pirâmide, pois ela revela uma forma marcada pela assimetria, uma base extensa e um
topo estreito, representando deste modo as relações desiguais que caracterizam um sistema de

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estratificação social onde a base seria a marca dos desfavorecidos que vai se elevando
até o topo, que representaria a minoria socialmente mais favorecida.

Figura 1.4: Liderança da classe C

Podemos falar de diversos sistemas de estratificação social como os sistema de classes,


de gêneros, de etnias, entre outros.
O deslocamento no interior destas pirâmides revela assim, processos de mobilidade social.
Um indivíduo pode ao longo da sua vida ter mobilidade social, tanto ascendente quanto
descendente, e isto pode variar devido à uma infinidade de fatores, desde um longo e
árduo processo de aquisição de conhecimento e luta por melhores postos de trabalho, até
ser premiado por um bilhete de loteria o que é, convenhamos, muito menos provável.
No entanto, apesar de reconhecer a possibilidade de mobilidade como resultado do
esforço individual, podemos perceber que movimentos massivos de mobilidade se devem,
antes de tudo, a mudanças estruturais em uma sociedade.
No caso do Brasil, a desigualdade social é um dos componentes mais marcantes de nossa
sociedade. A concentração de renda nas mãos dos estratos sociais superiores geram
problemas efetivos ao de-senvolvimento do país conforme a pirâmide social mostrada acima.
Apesar de ser um dos países com um dos maiores PIBs (produto interno bruto) do mundo, atualmente
ocupando a 7ª colocação mundial, apresentamos indicadores sociais altamente desfavoráveis.
Isto nos mostra que, independentemente da riqueza produzida, o grande desafio é sua
distribuição, a qual implicaria evidentemente em mobilidade social das camadas mais
pobres em relação a padrões de vida melhores.
Atualmente, se atribui como condição essencial para este processo o aumento dos níveis
educacionais das populações dos países em desenvolvimento.
Um dos exemplos mais recentes de sucesso em relação a isto foi a Coréia do Sul, que ao
investir nas últimas três décadas maciçamente em educação, elevou substantivamente a
riqueza do país e reduziu profundamente as desigualdades sociais.
Nesta perspectiva, é patente que uma das mudanças estruturais mais importantes para o
aumento da mobilidade social é a expansão do sistema de educação com alta qualidade para
o maior número possível de membros de uma sociedade. Isto implica não apenas em maior
desenvolvimento científico e tecnológico, mas também na produção de indivíduos mais
capacitados para compreender sua própria realidade sob um ponto de vista crítico.

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Se pensarmos que uma das maiores características do mundo moderno é a expansão de processos
de racionalização para as mais diversas esferas da vida social, então a questão do desenvolvimento
educacional se torna um imperativo ao desenvolvimento de uma sociedade mais racionalizada, o que
implica em uma sociedade mais consciente de seus próprios problemas e desafios.
Pensar a mobilidade social implica, deste modo, em pensar no desenvolvimento dos
sistemas de educação.
Num contexto onde a informação se tornou um dos principais capitais para a realização
plena de uma sociedade, sua aquisição parece ser uma variável absolutamente decisiva
para munir indivíduos e grupos, bem como capacitá-los para desenvolver caminhos que
tornem possível sua mobilidade social e reduzam as desigualdades sociais.
Neste sentido, a relação entre educação e mobilidade social é uma relação de
interdependência onde, dificilmente os estratos menos abastados da sociedade atingirão
patamares razoáveis de qualidade de vida sem estarem devidamente “educados”.

1.5.1 Texto para reflexão

Nota
Esta tese de doutororado da PUC-SP fala da importância do ensino privado para o
resgate de uma melhor qualidade de vida da sociedade brasileira. O texto acima se
encontra disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=11799

Texto: Educação superior e mobilidade social


Autor: Hermes Figueiredo

Houve, ao longo do século XX, dois momentos em que o Brasil expôs claramente a
ocorrência do fenômeno da mobilidade social ascendente. O primeiro se deu nas décadas
de 30 e 40, sob Getúlio Vargas, quando da ocorrência da industrialização de base do
país. Já o segundo ocorreu na década de 70, especificamente sob Emílio G. Médici, com
o advento do que ficou conhecido como "milagre econômico".
Ambos os movimentos, bastante vigorosos e explícitos no tecido social, refletiram basicamente
trans-formações estruturais da macroeconomia e das relações de trabalho. A industrialização, no
primeiro momento, e a forte presença do Estado como investidor, no segundo, modificaram o perfil
da massa populacional produtiva, fazendo com que houvesse, em decorrência, movimentos
semelhantes a on-das coletivas de mobilidade estrutural ascendente.
A década de 80, por sua vez, caracterizou-se pela estagnação econômica e pela piora de
pratica-mente todos os índices socioeconômicos. A de 90, muito embora tenha sido
pródiga na reversão das tendências descendentes dos indicadores e na melhoria de
muitos índices importantes (escola-ridade, saneamento básico, mortalidade infantil,
estabilização econômica etc.), não demonstrou, até em função de uma tendência mundial,
o mesmo vigor nos quesitos desenvolvimento e redução das desigualdades.
Tem-se, dessa forma, que nos últimos 25 anos a sociedade brasileira não mais tem exibido índices
importantes de mobilidade social, mesmo que, no mesmo período, as taxas de escolarização só te-
nham melhorado. Esse aparente paradoxo, se não analisado com propriedade, pode resultar nos mais
variados equívocos, tanto de diagnóstico quanto de direcionamento de políticas públicas de educação.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Ora, se educação gera desenvolvimento e este, por sua vez, gera melhoria nas condições
de vida da população, por que não houve uma explosão dos índices de mobilidade
ascendente paralelamente à melhoria das taxas de educação da população?
Um recente estudo sobre esse tema, na forma de tese de doutorado em Ciências Sociais, foi
concluído na PUC-SP no mês de junho deste ano. Dentre outros assuntos abordados, o trabalho
do pesquisador e doutor Fábio Ferreira Figueiredo analisou as diferentes formas de mobilidade, os
fatores desenca-deadores, a importância da educação, principalmente a superior, bem como a
percepção subjetiva de mobilidade social sob o ponto de vista dos egressos da educação superior
particular. A tese tam-bém trouxe subsídios relativos à comprovação da qualidade da rede privada
de educação e sugestões propositivas de políticas educacionais.
De referido trabalho podem-se expor, resumidamente e dentre outras, as seguintes conclusões:

Sociedade do conhecimento
o conhecimento foi e continua sendo ativo econômico cada vez mais importante.
Sociedades não avançam sem que existam bases sólidas de educação;
Educação formal
a escolarização é condição para a formação do conhecimento como ativo. Cada nível de
educa-ção tem a sua importância específica, sendo a superior particularmente importante
sob o ponto de vista do desenvolvimento tecnológico e na formação das elites dirigentes;

Educação superior e mobilidade social


embora o Brasil, na década de 90, tenha erradicado o analfabetismo infantil, universalizado a
educação fundamental, elevado significativamente as taxas de escolarização média e superior,
não foi possível constatar índices significativos de mobilidade social ascendente. A explicação
é que as taxas de mobilidade registradas nas décadas de 30, 40 e 70 eram decorrentes
de trans-formações estruturais (industrialização e urbanização), o que ocasionava
índices coletivos de grandes proporções e significância. É possível dizer que o Brasil,
hoje, se mantém na condi-ção de país onde existe mobilidade social. Evidentemente os
índices não são os mesmos dos outros períodos mencionados (as condições estruturais
são outras), mas ainda são importantes. Registre-se, a favor da escolarização, que os
índices de desemprego diminuem na medida em que se avança no nível de formação
do trabalhador e que cada ano de estudo resulta em aumento do seu salário médio;

Qualidade da rede privada


dados comparativos do Exame Nacional de Cursos - Provão - 2003, entre as redes pública e pri-
vada de educação superior, demonstram cabalmente a maior satisfação dos egressos desta em
relação àquela. As escolas privadas têm melhor infraestrutura, corpo docente mais engajado e
atualizado, bibliotecas e laboratórios mais bem equipados, melhores projetos pedagógicos, me-
lhores serviços de um modo geral, e pesquisa e extensão aplicadas à graduação, consideradas
equivalentes às da rede pública. Ou seja, ao contrário do que a forma de divulgação dos resul-
tados do Provão pretendeu demonstrar, a qualidade da graduação da rede privada de educação
superior é, de um modo geral, bastante melhor que a da rede pública;

Mobilidade e cidadania
o estudo qualitativo, realizado junto a 60 egressos da educação superior da região metropolitana
de São Paulo cujos pais não possuem esse nível de escolaridade, apontou uma clara evolução
nas condições gerais de vida dos entrevistados. Não só relacionada à evolução profissional e/ou
econômica, a ascensão social dos egressos é flagrante e extremamente perceptível por eles
próprios.Os entrevistados, de um modo geral, reconhecem no nível superior de educação

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

a causa de suas evoluções como cidadãos, no sentido de que adquirem consciência


crítica e aprimoram sua capacidade de participação social;
Área profissional
embora ponto específico da pesquisa, não foi registrada maior ou menor satisfação
profissional do egresso em função deste atuar ou não na sua área de formação superior;

Percepção de qualidade da rede pública: os participantes do estudo "percebem"as IES


públicas como de melhor qualidade em relação às particulares, todavia essa percepção
se dá quase exclusivamente em função de imagem e marca das instituições públicas,
sendo raros os casos em que são aponta-dos requisitos objetivos de superioridade. Uma
parcela dos egressos aponta uma provável reversão dessa percepção de mercado em
função da velocidade do avanço dos indicadores acadêmicos da rede privada.
Esses são apenas alguns pontos da tese trazidos a este artigo, justamente com o intuito de
estimular o debate sobre as políticas públicas para a educação no país. É premissa para este
debate, no entanto, o fato de a rede privada de educação superior responder por mais de 70% das
matrículas do país, sem com isso comprometer o orçamento público, o qual deveria ser
direcionado, prioritariamente, para a educação básica. Qualquer movimento em outro sentido é
um retrocesso e uma demonstração de absoluto desapego à realidade mundial contemporânea. É
também premissa o fato de a educação superior privada ser de boa qualidade, o que deve afastar,
de plano, diagnósticos e soluções que passam pelo argumento contrário, este frequentemente
eivado de preconceitos e/ou ideologias que hoje não mais têm lugar fora dos livros de história.

Importante
A partir do texto acima, elabore uma pequena análise da relação entre mobilidade social
e educação no Brasil.

1.6 Educação e cultura

Um dos principais conceitos e objeto de intenso debate no campo das ciências humanas
e sociais é, com certeza, o conceito de “cultura”.
Vamos finalizar nosso primeiro capítulo debatendo como o universo da educação se entrelaça
direta-mente com o universo da cultura e é, em grande medida, permeado por este último.
Neste sentido, precisamos antes estabelecer alguns parâmetros teóricos para delimitar esta noção que,
diga-se de passagem, é fonte mais de dissenso do que consenso no campo das ciências do homem.
Quando falamos em cultura, a primeira questão que deve estar colocada é que cultura é
algo que se localiza essencialmente no plano simbólico das sociedades. Mesmo quando
esta se materializa em ob-jetos e expressões artísticas, sua derivação original remete ao
plano das significações, representações e todas as formas de expressão simbólicas.
Um primeiro momento de sistematização da noção de cultura vem atrelada à ideia de
cultura de um povo. Algo que delimita um conjunto de visões de mundo e formas de
representação de uma comunidade específica, conferindo a esta uma unidade simbólica
que pode ser retraduzida na ideia de “identidade”.
Nesta perspectiva, podemos falar de uma lógica cultural e específica de uma determinada sociedade,
a partir da qual os indivíduos sob sua influência orientam suas condutas e comportamentos.

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Esta visão é, antes de tudo, uma visão que poderíamos qualificar como “endógena”, ou
seja, a cultura como resultado de processos internos a uma dada sociedade ou povo, algo
próprio que delimita as características culturais deste “povo”.
Esta percepção da noção de cultura foi largamente difundida a partir do século XIX com o desenvol-
vimento de uma ciência que buscava compreender a dinâmica cultural de nossas sociedades tomando
como base a interpretação e compreensão de culturas ditas “primitivas”, ou seja, a antropologia social.
Os estudos antropológicos do século XIX e início do XX se tornaram, deste modo, um
marco impor-tante na construção desta ideia de cultura como algo próprio de uma dada
comunidade, algo que se traduzia no plano simbólico destas sociedades uma forma de
vida específica que revelava a identidade desta comunidade.
Neste sentido, cultura passa a ter um significado substantivo, como sendo tudo aquilo que
envolve, num plano simbólico, a organização de uma dada sociedade como seus valores,
suas representações e visões sobre o mundo, seus rituais, sua linguagem, etc.
A partir desta perspectiva foi definido um dos principais conceitos dos estudos
antropológicos e tam-bém das ciências sociais, o conceito de “etnocentrismo”, que visa
compreender a dinâmica cultural das sociedades.
Como o próprio nome sugere, etno deriva de “etnia”, sugerindo especificidade cultural de
um povo, enquanto centrismo provém de central, local de referência.
Etnocentrismo pode ser definido, deste modo, como a percepção pelos membros de um
determinado universo cultural como sendo este o efetivo universo da cultura e, a partir
dele, produzir julgamentos sobre outras sociedades e culturas como expressões
distorcidas, menores ou até mesmo incorretas do mundo social.
Quando, por exemplo, definimos um povo como bárbaros devido a algumas de suas práticas
sociais, esta visão vem orientada pela nossa perspectiva cultural, a qual, evidentemente, é
responsável por classificar esta ou aquela atitude como algo desprezível ou incorreto.
Daí provém, inclusive, um conjunto de percepções e expressões que qualificam as ideias e
sentimentos sociais de repulsa, nojo e agressividade, entre outras. Pensar por exemplo as práticas
alimentares de uma dada sociedade onde é comum se alimentar de insetos como uma prática
repulsiva e bárbara seria, deste modo, pensar a partir de uma perspectiva etnocêntrica, ou seja,
pensá-las a partir de nossas práticas alimentares como sendo estas as únicas legítimas e corretas.
Dito de outro modo, as práticas e formas de interpretação etnocêntricas partem do
pressuposto de que a nossa cultura é a forma cultural correta e mais desenvolvida e que
deve ser tomada como referência para o julgamento de outras formas culturais.
Um dos processos responsáveis por este tipo de atitude, que é comum entre os membros de uma
sociedade, é exatamente a vivenciação de valores e representações culturais, que são eminentemente
sociais e, por isso, essencialmente arbitrários, como algo natural, constitutivo da essência dos homens.
Evidentemente que a compreensão daquilo que nos é estranho como sendo normal sob o ponto
de vista do “outro” não é uma atitude simples. Envolve, antes de tudo, um processo crítico e
reflexivo sobre os nossos próprios valores como sendo, também, criações nossas e não de nossa
natureza. Daí derivam, evidentemente, questões importantes para o convívio social e multicultural
como respeito e tolerância, onde o papel do educador se torna fundamental ao demonstrar, antes
de tudo, que alguns valores que nos parecem indiscutíveis e intransponíveis são, no final das
contas, indiscutíveis e intransponíveis em grande medida apenas para nós.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Importante

O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequên-cia
a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais
natural. Tal tendência, denominada de etnocentrismo - é responsável em seus casos
extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
— Laraia, Roque. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro,
Zahar, 2006.

1.6.1 Texto para reflexão

Texto: Lençóis Sujos


Autor: Autor desconhecido

LENÇÓIS SUJOS
Um casal, recém-casados, mudou-se para um bairro muito tranquilo.
Na primeira manhã que passavam na casa, enquanto tomavam café, a mulher
reparou através da janela em uma vizinha que pendurava lençóis no varal e
comentou com o marido:
— Que lençóis sujos ela está pendurando no varal!
— Está precisando de um sabão novo. Se eu tivesse intimidade perguntaria se
ela que eu ensine a lavar as roupas!
O marido observou calado.
Alguns dias depois, novamente, durante o café da manhã, a vizinha pendurava
lençóis no varal e a mulher comentou com o marido:
— Nossa vizinha continua pendurando lençóis sujos! Se eu tivesse intimidade
perguntaria se ela quer que eu ensine a lavar roupas!
E assim, a cada dois ou três dias, a mulher repetia seu discurso, enquanto a
vizinha pendurava suas roupas no varal.
Passando um mês a mulher se surpreendeu ao ver os lençóis muitos brancos
sendo esten-didos. Empolgada foi dizer o marido:
— veja, ela a prendeu a lavar as roupas, será que outra vizinha ensinou???
Porque eu não fiz nada. O marido calmamente respondeu:
— Não, hoje levantei mais cedo e lavei o vidro de nossa janela!
E assim é.
Tudo depende da janela, através da qual observamos os fatos.
Antes de criticar, verifique se você alguma coisa para contribuir, verifique seus
próprios defeitos e limitações.
Devemos olhar, antes de tudo, para nossa própria casa, para dentro de nós
mesmos. Só assim podemos ter real noção do valor de nossos amigos.
Lave sua vidraça. Abra sua janela.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Importante
Outra importante discussão no âmbito das reflexões sobre o universo da cultura se refere
à questão da diversidade cultural, ou seja, como podemos explicar a imensa diversidade
de culturas que envolvem a humanidade? A que, no final das contas, se deve esta
diversidade já que estamos falando de seres de uma mesma espécie?

Ao longo do desenvolvimento das ciências sociais, várias explicações tem sido dadas para a
existên-cia do fenômeno da diversidade cultural. No entanto, duas se tornaram marcantes, menos
pela sua capacidade explicativa, e mais pelo poder de influência sobre o senso comum.
A primeira explicação foi denominada “determinismo biológico”, responsável por difundir a ideia de
que as diferenças culturais se devem, essencialmente, a diferenças encontradas nos padrões
genéti-cos dos diferentes povos. Assim, diferentes grupos étnicos apresentariam diferentes
comportamentos culturais por uma propensão biogenética. Logo, sob esta perspectiva, os
japoneses seriam mais in-teligentes, enquanto os latinos seriam mais propensos à transgredir
regras e os europeus estariam marcados pelo uso maior da racionalidade.
Do ponto de vista da análise científica, esta explicação não se sustenta em nenhuma pesquisa legítima
e, mais do que difundir um conhecimento sobre a diversidade cultural, contribui para o aumento da
intolerância e dominação entre povos baseados apenas em especulações de caráter ideológico.
Uma das razões mais evidentes para isso é a de que, se após o nascimento transportássemos um
bebê chinês para o Brasil, ele cresceria como um brasileiro, falaria o português fluentemente,
compre-enderia os códigos e traços culturais de nossa sociedade, provavelmente seria um adepto
de comer diariamente feijão e arroz e, caso não se interessasse pelo seu país de origem, nunca
pronunciaria ne-nhuma palavra em chinês. Ou seja, seu caráter estaria certamente moldado pelo
seu ambiente social e cultural, e não pela sua suposta “carga genética”.
A segunda explicação sobre a questão da diversidade cultural foi o chamado
“determinismo geográ-fico”, através do qual se pretendia explicar as diferenças sociais a
partir de elementos constitutivos dos diferentes espaços geográficos como o clima, a
escassez de recursos naturais e sua abundância, entre outros.
Nesta perspectiva os europeus seriam mais “frios” do que os sul-americanos que, por
estarem numa zona tropical seriam mais propensos a hábitos e costumes que estivessem
de acordo com sua condição geográfica.
Analisando povos que vivem em uma mesma região geográfica e que apresentam formas
de vida absolutamente distintas, como é o caso, por exemplo, dos esquimós e lapões que
vivem nas regiões setentrionais da Noruega, Finlândia e Suécia, podemos também
facilmente rechaçar esta ideia como elemento determinante da diversidade cultural.
Se, neste caso, a diversidade cultural não é resultado de uma pré-disposição biogenética,
nem muito menos resultado de diferenças geográficas, de onde especificamente ela provém?
Responder a esta questão tem sido um dos problemas principais do desenvolvimento das ciências hu-
manas, especialmente no campo da antropologia social. Uma das soluções plausíveis para o problema
é que a diversidade cultural deriva das diferentes respostas e ações do homem em relação ao
seu meio ambiente, e isto provém exatamente de sua capacidade de criação e racionalização
que se desenvolve através de suas relações intersubjetivas com um “outro”, ou outros.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Importante
Note que:

1) a cultura, mais do que uma herança genética, determina o comportamento


do homem e justifica suas realizações.
2) A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em
vez de modificar para isto o seu aparato biológico, o homem modifica seu
equi-pamento superorgânico.
3) em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as bar-reiras
das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu hábitat.
— Laraia, Roque Cultura: um conceito antropológico. 17 ed.

Pensar a relação da educação com a cultura significa, nestes termos, pensá-la em dois momentos
distintos e complementares: primeiro como resultado de uma dada ordem cultural, ou seja, como
resultado de um contexto cultural que privilegia certas instituições e valores em detrimento de outros.
Em segundo lugar, é através dos processos educacionais que os universos culturais são
transmitidos e comunicados, o que lhe confere, antes de tudo um caráter político na
medida em que tal processo envolve, necessariamente, escolhas e práticas seletivas
acerca daquilo que será transmitido como valor cultural.
Deste modo, podemos perceber que a educação não é apenas um processo natural da
sociedade, mas antes, que pode se transformar em um poderoso instrumento de difusão
de interesses e valores sociais, se tornando um decisivo instrumento de transformação
e/ou manutenção de uma dada ordem social e cultural.

Dica
Para maior aprofundamento sobre a questão da cultura no âmbito da Antropologia consulte o livro
de Roque Laraia “Cultura: um conceito antropológico”. http://ebookbrowse.com/roque-de-barros-
laraia-cultura-um-conceito-antropologico-pdf-d278421125

1.7 Recapitulando

Neste capítulo estudamos um pouco da evolução histórica da educação desde o período grego
até sua configuração na sociedade moderna. Vimos como a noção grega da ‘paidéia’ se tornou
um legado importante, inclusive para balizar as referências da educação na sociedade
contemporânea através da ideia de uma educação integral. Aprendemos sobre a relação entre a
sociedade e a ciência que a estuda de maneira mais sistemática: a sociologia, demonstrando as
condições fundamentais para o seu aparecimento ao longo do século XIX, destacando o processo
de ‘secularização do mundo’ como uma das condições fundamentais deste aparecimento.
Vimos também alguns conceitos fundamentais da sociologia e sua relação com o universo
da educa-ção, como os conceitos de socialização, instituição social e mobilidade social.
Por fim, traçamos uma discussão entre o universo da cultura e o fenômeno da educação,
destacando algumas questões que envolvem o conceito de cultura bem como sua
importância na configuração dos sistemas educacionais.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Capítulo 2

A educação na teoria sociológica clássica e


contemporânea

OBJETIVOS DO CAPÍTULO
Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• Reconhecer, de forma introdutória, como a questão da educação é abordada na


teoria sociológica clássica e em algumas abordagens teóricas contemporâneas.
• Perceber o fenômeno da educação a partir de diferentes prismas teóricos.

Caro aluno, este capítulo pretende demostrar a você como o fenômeno da educação pode ser compre-
endido através de diferentes perspectivas teóricas. Para isso, iremos apresentar os três principais mar-
cos teóricos do pensamento sociológico através de seus autores, respectivamente, Émile Durkheim,
Karl Marx e Max Weber, visando especificamente compreender como o fenômeno da educação é
abordado em suas teorias. Serão apresentadas também duas abordagens contemporâneas sobre a
questão da educação que se tornaram fundamentais para a compreensão da dinâmica do processo
educativo nos dias atuais, são elas as perspectivas de Pierre Bourdieu e Paulo Freire.

2.1 Émile Durkheim e a educação

A obra de Émile Durkheim é caracterizada, no campo da sociologia da educação, como


uma das principais contribuições produzidas no último século na esfera da sociologia
clássica, e a principal reflexão sistemática sobre uma teoria da educação.

Figura 2.1: Émile Durkheim

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Partindo do princípio de que a educação é um fenômeno essencialmente coletivo e que por isto de-
sempenha uma função central na organização e manutenção da coesão social, bem como na formação do
ser social, Durkheim propõe uma divisão que tornou-se decisiva para a compreensão de tal fenô-meno: a
divisão entre Educação e Pedagogia. A partir daí, o autor irá esboçar os limites práticos e teóricos que
passariam a definir uma suposta ciência da educação e seus limites epistemológicos.
Sob este aspecto, o trabalho de Durkheim se lança na empreitada complexa de estabelecer
critérios teóricos de demarcação de uma epistemologia do conhecimento científico na esfera
da educação, tentando definir, de um lado, a educação enquanto macro processo inerente à
própria organização social que apresenta, enquanto fim último, a manutenção e
fortalecimento dos elos de solidariedade social e, do outro lado, a pedagogia enquanto teoria
prática que visa o aprimoramento dos métodos e técnicas que envolvem o processo de
aprendizagem.
Para Durkheim, o grande problema que se apresenta à teoria sociológica é a questão da coesão
social. Dito de outro modo, se partirmos do princípio que a sociedade é formada por uma
multiplicidade de indivíduos com interesses e valores distintos, crenças e religiosidades diferentes
além de toda uma gama de características psíquicas que os diferenciam, como pensar na
possibilidade de que mante-nham algum nível de coesão para tornar possível a própria vida
social? Como é possível um nível de consenso para o estabelecimento da própria sociedade?
Como chama atenção Durkheim, se esta grande diferenciação entre os indivíduos é real, então o que
os une não pode partir logicamente de nenhum indivíduo isoladamente ou mesmo de um grupo de
indivíduos. O elemento responsável pela manutenção da coesão social deve ser algo distinto da esfera
individual, ou seja, deve estar localizado em uma esfera que seja, eminentemente coletiva.
Este elemento de coesão é chamado por Durkheim de Fato Social, que será a principal
unidade de análise de sua teoria e a chave para a explicação do mundo social.
Durkheim irá definir de maneira categórica os Fatos Sociais como “modos de agir, pensar
e sentir coletivos”. Se a definição pode parecer bastante abstrata e geral num primeiro
instante, seu sofisticado esquema teórico irá construir uma das principais interpretações
do mundo moderno no campo das ciências humanas.
Os fatos sociais não são acontecimentos que ocorrem na sociedade, como se poderia
pensar à prin-cípio, mas sim, instituições, padrões de conduta, processos e estruturas que
ordenam o conjunto da atividade social.
Durkheim propõem em seu método que os fatos sociais devem ser tratados como “coisas”, dando ao
termo um significado muito objetivo: “A coisa opõe-se à ideia como o que conhecemos do exterior se
opõe ao que conhecemos do interior. É coisa todo objeto de conhecimento que não é naturalmente
compenetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não podemos ter uma noção adequada por um
simples procedimento de análise mental, tudo o que o espírito só consegue compreender na condição
de se extroverter por meio de observações e de experimentações, passando progressivamente dos ca-
racteres mais externos e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e mais profundos. Tratar
certos fatos como coisas não é, portanto, classificá-los numa ou noutra categoria do real. É ter para
com eles uma certa atitude mental; é abordar o seu estudo partindo do princípio de que se desconhe-
cem por completo e que as suas propriedades características, tal como as causas de que dependem,
não podem ser descobertas pela introspecção, por mais atenta que seja”. (Durkheim – Regras P. 76)
Exemplificando, se tomarmos como objeto de análise uma cadeira, à primeira vista conseguimos
perceber o material de que ela é feita (suponhamos que seja uma cadeira de madeira), a função à que
se destina, seu tamanho, cor, entre outras características que podem ser percebidas pelos nossos
sentidos. No entanto, tratar a cadeira como objeto da ciência, ou seja, como uma “coisa” no sentido
proposto por Durkheim, implica em percebê-la para além destas características visíveis.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Um físico, por exemplo, pode nos dizer que, para além daquele objeto que percebemos
como uma simples cadeira existe uma matéria formada por átomos e moléculas e que se
sustenta no chão por força de uma relação entre sua massa e a atividade da gravidade.
Além disso, podemos ainda percebê-la, de acordo com um economista, que além de uma
simples cadeira, este objeto é antes de tudo uma mercadoria, que engendrou relações de
trabalho em sua pro-dução bem como o lucro daquele que a vendou, expressando, em última
instância, relações profundas que definem um sistema econômico, no caso, o capitalismo.
Dito de outro modo, analisar o fato social implica, antes de tudo, tentar percebê-lo naquilo que ele
tem de menos visível, aquilo que nele se encontra subsumido. Aliás, não seria esta a lógica da
própria expressão que orienta boa parte do conhecimento científico: a de descobrir algo?
Descobrir pressupõe a ideia de desvelamento, de percepção do que está encoberto. É
este o sentido proposto por Durkheim quando nos fala da lógica do conhecimento dos
fatos sociais que devem ser tratados como coisas.

Importante
Para Durkheim os Fatos Sociais devem ser tratados como coisas, ou seja, como
realidades objetivas que independem dos julgamentos e valores dos sujeitos do
conhecimento (pesqui-sadores).

Partindo deste pressuposto metodológico, Durkheim, irá definir três características que
compõem os fatos sociais: a exterioridade, a coercitividade e sua generalidade.
Os fatos sociais, diz Durkheim, são realidades exteriores aos indivíduos. Isto significa
dizer que, ao nascermos, as regras, normas e padrões da sociedade já existiam. Se
existiam antes de nós, é porque existiam e existem fora de nós.
Não fui eu, ou você leitor, que criou a linguagem. No entanto sem sua utilização este livro não
poderia ter sido escrito, nem muito menos uma comunicação oral seria possível entre nós. O fato
de apre-endermos a linguagem é um sinal de sua exterioridade. Apreendemos algo que não
nasceu conosco, que nos é externo e foi apreendido ao longo dos processos de socialização.
Assim como a linguagem, todos os fatos sociais, são sociais exatamente por não terem uma
natureza no ser individual, mas sim pertencerem ao ser coletivo que é a sociedade.
Mas porque utilizamos os fatos sociais para orientar nossa conduta? Durkheim chama atenção
para o fato de que, se assim não o fizéssemos, a sociedade não seria possível. Voltando ao
exemplo da linguagem, se eu (ou você leitor) decidisse individualmente utilizar uma linguagem
própria, com fonemas próprios, certamente não me faria entender pelos outros. A comunicação se
tornaria inviável e, provavelmente, eu (ou você) seria considerado um louco.
Neste sentido, somos impelidos a utilizar signos, símbolos e linguagens que sejam partilhados pelos
membros de uma dada sociedade sob pena de, não o fazendo, sofrermos todo tipo de sanções.
Daí deriva a segunda característica dos fatos sociais: sua coercitividade. Cumprimos os
regulamentos sociais porque, antes de tudo, se assim não o fizermos sofreremos algum tipo
de sanção, seja objetiva, como a força da lei positiva, seja através da consciência moral.
Transgredir a ordem moral pode, e de fato parece, ser algo aterrador para a maior parte dos membros
de uma sociedade. Dificilmente realizamos nossas necessidades fisiológicas mais básicas senão em
espaços privados. Dificilmente, por mais raiva que eu tenha de alguém, irei cometer um homicídio.
Nesta altura o leitor deve estar se perguntando: mas espera aí! E os homicídios que vimos
cotidiana-mente nos telejornais e toda forma de crime que ocorre nas sociedades atuais?

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

De fato, a criminalidade é alta, especialmente nos grandes centros urbanos. No entanto, Durkheim
chamaria atenção para a questão de que, se o crime é um fato das sociedades, ele não é a regra.
E de fato, por mais alto que sejam os índices de criminalidade, do ponto de vista da manutenção
da ordem social, os padrões da conduta "normal"ainda são muito superiores. Até porque se assim
não fosse, a sociedade se desintegraria quase que instantaneamente.
A partir desta conclusão, Durkheim define a terceira característica dos fatos sociais: sua
generalidade. Ou seja, os fatos sociais são gerais por serem coletivos, mas não são coletivos
por serem gerais. Isto significa dizer em outras palavras que: os fatos sociais se aplicam a
maior parte dos membros de uma sociedade, mas não a todos indistintamente. Por isso são
gerais, no sentido de que abarcam a maioria da sociedade, são uma realidade coletiva.
O crime, neste caso, é um fato social, pois não existe sociedade sem crime. Aliás, a própria ideia de
crime, de transgressão, se relaciona diretamente à ideia de ordem social ou sociedade, na medida em
que esta existe exatamente para coibir o ato transgressor, o qual, por seu lado, dá visibilidade ao que
deve ser o comportamento não-criminoso ou, nos termos de Durkheim, à conduta normal.

Importante
Os fatos sociais se constituem a partir de três características que lhe são próprias: a
exteri-oridade, a coercitividade e a generalidade.

Pensando no fenômeno da educação, este é, essencialmente, um fato social. E, segundo Durkheim,


um dos principais fatos que organizam a vida social, na medida em que é através da educação que
interiorizamos os regulamentos e normas da conduta social e nos transformamos em seres sociais.
Como nos diz o próprio autor “[. . . ] a educação consiste numa socialização metódica das novas gerações.
Em cada um de nós, já o vimos, pode-se dizer que existem dois seres: o primeiro constituído de todos os
estados mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida
pessoal; é o que se poderia chamar de ser individual. O outro é um sistema de ideias, sentimentos e
hábitos, que exprimem em nós, não a nossa individualidade, mas o grupo ou os grupos diferentes de que
fazemos parte; tais são as crenças religiosas, as crenças e as práticas morais, as tradições nacionais ou
profissionais, as opiniões coletivas de toda espécie. Seu conjunto forma o ser social. Constituir em cada um
de nós – tal é o fim da educação. [. . . ] A sociedade se encontra, a cada nova geração, como que em face
de uma tabula rasa, sobre a qual é preciso construir quase tudo de novo. É preciso que, pelos meios mais
rápidos, ela agregue ao ser egoísta e associal, que acaba de nascer, uma natureza capaz de vida moral e
social. Eis aí a obra da educação. Basta enunciá-la, dessa forma, para que percebamos toda a grandeza
que encerra. A educação não se limita a desenvolver o organismo, no sentido indicado pela natureza, ou a
tornar tangíveis os elementos ainda não revelados, embora à procura de oportunidade para isso. Ela cria no
homem um ser novo. Essa virtude criadora é, aliás, o apanágio da educação humana. De espécie muito
diversa é a que recebem os animais, se é que pode dar o nome de educação ao treinamento progressivo a
que são submetidos por seus ascendentes, nalgumas espécies. Nos animais, pode se apressar o
desenvolvimento de certos instintos adormecidos, mas nunca iniciá-los numa vida inteiramente nova. O
treinamento pode facilitar o trabalho de funções naturais, mas não cria nada de novo. Instruído por sua mãe,
talvez o passarinho possa voar mais cedo, ou fazer seu ninho, mas pouco aprende além do que poderia
descobrir por si mesmo. É que os animais, ou vivem fora de qualquer estado social, ou formam estados
muito rudimentares, que funcionam graças a mecanismos instintivos, perfeitamente constituídos desde o
nascimento de cada animal. A educação não poderá, nese caso, ajuntar nada de essencial à natureza,
porquanto ela parece bastar à vida do grupo quanto basta à do indivíduo. No homem, ao contrário, as
múltiplas aptidões que a vida social supõe, muito mais complexas, não podem organizar-se em

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

nossos tecidos, aí se materializando sob a forma de predisposições orgânicas. Segue-se


que elas não podem transmitir-se de uma geração a outra, por meio da hereditariedade. É
pela educação que essa transmissão se dá.” (Durkheim, E. Educação e Sociologia. São
Paulo, Melhoramentos, 1978. Págs. 42/43)
Como podemos perceber, a educação assume papel central na constituição da ordem social na
medida em que é através dela que nos tornamos seres sociáveis, e isto se dá exatamente porque
somente atra-vés dela formamos em nós uma segunda natureza, uma natureza de ordem coletiva,
que se diferencia de nossa natureza biológica e que torna possível a sociabilidade humana.
Esta “segunda natureza”, fundamental para a própria existência da sociedade, se
caracteriza antes de tudo pela interiorização não apenas de normas e padrões de conduta
mas, essencialmente, pela interiorização de um conjunto de ideias e representações que
são próprias da sociedade, isto é, uma consciência de natureza coletiva.
A consciência coletiva, deste modo, irá constituir um dos principais elementos de
sustentação da ordem social, responsável por inculcar nos indivíduos os parâmetros de
uma conduta normal, se sobrepondo deste modo à consciência individual do homem.
Durkheim irá chamar a atenção para o fato de que a relação entre consciência coletiva e
consciên-cia individual será marcada por uma antinomia, na qual o desenvolvimento de
uma impede a total manifestação da outra.

Figura 2.2: Relação entre consciência coletiva e consciência individual

Deste modo, se pensarmos que a vida social para existir depende necessariamente de
suas formas coletivas agindo sobre o indivíduo, a educação passa a desempenhar aí um
papel central na medida em que, através dela, tantos os regulamentos sociais, padrões de
conduta e a consciência coletiva são introjetados de forma imperativa nos indivíduos.
A educação pressupõe, deste modo, um caráter coercitivo, pois ao introjetar nos indivíduos os
mode-los do comportamento normal os tornam praticamente obrigatórios para estes.

Dica
Você já havia pensado que todo processo educacional pressupõe, de algum modo, uma
dimensão de coerção?

Como vimos, no interior da teoria social desenvolvida por Durkheim a educação se constitui como
um fato social que é central à manutenção e reprodução da vida social, sendo um fenômeno que
percorre todo o desenvolvimento da história do homem em todos os tipos de sociedade.

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Importante
“A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se
encontram ainda preparadas para a vida social; tem objeto suscitar e desenvolver, na cri-
ança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade
política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se
destine.” Durkheim, E. Educação e Sociologia. São Paulo, Melhoramentos, 1978. Pág. 41

2.1.1 Texto para reflexão

Texto: Educação e Sociologia. São Paulo, Melhoramentos, Rio de janeiro, FNME,


1978. Págs 46/47)
Autor: Durkheim, E.

[. . . ] Se os indivíduos, como mostramos, só agem segundo suas necessidades sociais,


parece que a sociedade impõe aos homens insuportável tirania. Na realidade, porém, eles
mesmos são interessados nessa submissão; porque o ser novo que a ação coletiva, por
intermédio da educação, assim edifica, em cada um de nós, representa o que há de
melhor no homem, o que há em nós de propriamente humano.
Na verdade, o homem não é humano senão porque vive em sociedade. É difícil, numa só lição,
demonstrar com rigor esta proposição tão geral e tão importante, resumo dos trabalhos da
sociologia contemporânea. Mas posso afirmar que essa proposição é cada vez menos contestada.
E, ademais, não será difícil relembrar, embora sumariamente, os fatos essenciais que a justificam.
Antes de tudo, se há hoje verdade histórica estabelecida é a de que a moral está estritamente
rela-cionada com a natureza das sociedades, pois que ela muda quando as sociedades mudam. É
que ela resulta da vida em comum. É a sociedade que nos lança fora de nós mesmos, que nos
obriga a considerar outros interesses que não os nossos, que nos ensinam a dominar as paixões,
os instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a subordinação dos nossos fins
individuais a outros mais elevados. Todo o sistema de representação que mantém em nós a ideia
e o sentimento da lei, da disciplina interna ou externa, é instituído pela sociedade.
Foi assim que adquirimos esse poder de resistirmos a nós mesmos, esse domínio sobre as
nossas tendências, que é dos traços distintivos da feição humana, pois ela é tão desenvolvida em
nós quanto mais plenamente representemos as qualidades do homem de nosso tempo. [. . . ]
Como a cooperação, no entanto, tal aproveitamento da experiência não se torna possível senão na
sociedade e por ela. Para que o legado de cada geração possa ser conservado e acrescido, será pre-
ciso que exista uma entidade moral duradoura, que ligue uma geração à outra: a sociedade. Por isso
mesmo, o suposto antagonismo, muitas vezes admitido entre indivíduo e sociedade, não corresponde
a coisa alguma no terreno dos fatos. Bem longe de estarem em oposição, ou de poderem desenvolver-
se em sentido inverso, um do outro – sociedade e indivíduo são ideias dependentes uma da outra.
Desejando melhorar a sociedade, o indivíduo deseja melhorar-se a si próprio. Por sua vez, a ação
exercida pela sociedade, especialmente através da educação, não tem por objeto, ou por efeito, com-
primir o indivíduo, amesquinhá-lo, desnaturá-lo, mas ao contrário engrandece-lo e torná-lo criatura
verdadeira humana. Sem dúvida, o indivíduo não pode engrandecer-se senão pelo próprio esforço. O
poder do esforço constitui, precisamente, uma das características essenciais do homem.”

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2.2 Karl Marx e a educação

Vimos através do pensamento de Durkheim, que a relação entre educação e sociedade é


uma relação que visa, antes de tudo, a manutenção e reprodução da ordem social. Neste
sentido, a educação apresenta como sua principal função transmitir para as novas gerações
os valores e regulamentos sociais que transformam os indivíduos em “seres sociais”.
No entanto, uma questão se torna imperativa a estas importantes considerações desenvolvidas pelo
eminente sociólogo francês: quais os interesses que estão em jogo na manutenção e reprodução de
determinados valores e modos de conduta social? Se é fato que a educação reproduz e também produz a
ordem social, uma questão que não perpassa a obra de Durkheim é exatamente a quem esta ordem social
favorece? Quais os grupos que se beneficiam da manutenção de uma determinada ordem social?
Nestes questionamentos se impõe a importante perspectiva desenvolvida ao longo do século XIX
por um dos mais importantes e brilhantes intelectuais da era moderna, o alemão Karl Marx.

Figura 2.3: Karl Marx — 1818-1883

Marx irá produzir uma das teorias mais sofisticadas sobre o desenvolvimento da modernidade
e que mesmo após sua morte tem sido largamente debatida até os dias atuais.
O impacto de suas ideias na organização social e política do século XX foi de fato impressionante,
culminando inclusive com a divisão político-ideológica do mundo em dois grandes blocos de
poder, o capitalista liberal e o mundo socialista, materializado na configuração do antigo bloco
soviético que perdurou até o final da penúltima década do século XX.
Suas ideias, no entanto, continuam em discussão no campo das ciências sociais e adentram
também, de maneira acentuada, as pesquisas que tem como objeto privilegiado de análise os
estudos sobre educação, especialmente aqueles que veem na educação um forte instrumento
de emancipação social das classes menos favorecidas da sociedade.
Mas o que diz a teoria de Marx sobre a organização das sociedades?
Diferentemente de Durkheim que estava preocupado em perceber como se dá o processo
de manu-tenção da coesão social nas sociedades, em especial na sociedade moderna,
Marx está preocupado em explicar as contradições que determinam a manutenção das
relações de dominação e exploração social.
Para Marx, as sociedades não se constituem de forma homogênea. Os indivíduos que a compõem não
estão dispersos e partilham de interesses comuns. Ao contrário, a organização da sociedade se dá
através da sua divisão em classes sociais que estão em concorrência e, por isso, a dinâmica social

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se estrutura menos pelo princípio da coesão social e mais pela perspectiva do conflito. As
diferentes classes apresentam diferentes interesses, e esses revelam uma dinâmica que
é marcada por relações objetivas de dominação social.
Mas como se estabelecem as relações de dominação na organização das sociedades?
Marx parte de um pressuposto básico a partir do qual pensa a organização das
sociedades. Diz ele: Para que haja sociedade é necessário, antes de tudo, que existam
homens vivos. E para isto, é neces-sário que eles produzam as suas condições materiais
de existência, ou seja, precisam comer, vestir, habitar, etc.
Neste sentido, para existirem e por assim dizer tornar possível a própria sociedade, é necessário
que realizem um processo fundamental, ou seja, o processo de produção de sua vida material.
Este processo, diz Marx, é absolutamente elementar e somente é possível através de um
elemento essencial ao homem: o trabalho.
No processo de produção de sua vida material o homem irá travar, num primeiro momento,
uma relação direta com a natureza, mediada pelo trabalho. De certa forma, quase tudo o que
nos rodeia é resultado deste processo, nossas roupas, automóveis, brinquedos, alimentos,
inclusive este livro que você, leitor, está agora manuseando. Ele não nasceu senão através
de relações objetivas de trabalho. Neste caso, é resultado disto. O papel de que é feito
também é resultado de um processo de produção mediado pelo trabalho, e por aí vai.
No entanto, Marx chama atenção para o fato de que as relações que travamos no processo de produção de
nossa vida material não são apenas relações com a natureza, mas também, e fundamentalmente, relações
com outros homens que também estão envolvidos na produção de sua vida material.
A dinâmica da atividade econômica se apresenta, deste modo, permeada por relações
entre os homens, e neste caso, por relações sociais que se dão no âmbito da produção,
são por isso relações sociais de produção.

Importante
O materialismo histórico se refere à perspectiva desenvolvida por Karl Marx sobre o de-
senvolvimento da história, que em sua concepção estaria diretamente ligada aos
diferentes modos como os homens, em determinado momento no tempo, realizam o
processo de pro-dução de sua vida material, ou seja, a história seria marcada por uma
sucessão histórica de modos de produção.

Marx alerta que, se as relações sociais de produção não são evidentemente as únicas
relações que estabelecem os homens entre si, elas são, com certeza, relações estruturais
na medida em que são aquelas sobre as quais todas as outras se tornam possíveis pois,
como vimos no início deste tópico, não há sociedade sem homens vivos, e estes não se
mantém senão a partir do processo de produção de sua vida material.
Por outro lado, a produção se realiza também com máquinas, equipamentos e todo tipo
de aparato tecnológico, além é claro, da força de trabalho. São os meios a partir dos quais
tornam a produção possível, isto é, são o que Marx denomina de meios de produção.
Definido isto, podemos agora avançar na argumentação de Marx. A estrutura social está
composta tanto pelas relações sociais de produção como pelos meios de produção.
No entanto, a divisão destes meios entre os indivíduos, vale dizer a sua posse, foi ao longo do desen-
volvimento das sociedades, em especial no capitalismo, marcado por uma divisão desigual, na qual

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

alguns detém o controle sobre os equipamentos e mecanismos técnicos de realização da


produção enquanto outros detém apenas sua força de trabalho.
Esta divisão desigual dos meios de produção irá produzir uma divisão desigual entre os indivíduos,
alocando-os em classes sociais distintas onde uns detém apenas sua força de trabalho, e por isso
estão numa ponta do processo produtivo, enquanto outros, que detém os instrumentos de produção,
ou seja, o controle sobre o capital, estão em outra ponta deste processo.
Na verdade, como aponta Marx, a origem do processo de desigualdade social remonta, neste
caso, a esta divisão social da propriedade dos meios de produção onde, aqueles que detém
apenas sua força de trabalho são obrigados a vendê-la àqueles que mantém o controle do capital.
No entanto, uma contradição emerge como um dos paradoxos fundamentais do capitalismo. Se
levar-mos em conta que o capitalismo se estrutura enquanto uma economia de mercado, e por
isso marcada pela concorrência, quanto mais o capitalista consegue racionalizar o processo de
produção de seus produtos, o que significa reduzir os custos de produção das mercadorias que
produz, mais ele se torna competitivo no mercado e, consequentemente, maior sua lucratividade.
Se considerarmos ainda que um dos maiores componentes no custo de produção é exatamente o
custo do trabalho, ou seja, o pa-gamento de salários, então quanto menos trabalho humano
necessário na produção, menor o custo e, consequentemente, maior lucratividade para o capital.
O desenvolvimento das forças produtivas, neste caso, se torna um imperativo para o
desenvolvimento do capital, especialmente sob o ponto de vista da introdução crescente e
contínua de tecnologia nos processos produtivos, visando antes de tudo, a redução da
quantidade de trabalho humano necessário na produção das mercadorias.
Marx irá apontar esta como uma das principais contradições da sociedade capitalista
moderna na medida em que o capital, para se desenvolver, deve constantemente
aprimorar e revolucionar os meios de produção e, ao fazer isso, radicaliza a contradição
entre as relações sociais de produção e as forças produtivas.

Figura 2.4: Mecanização da produção

Dito de outro modo, quanto menos trabalho humano necessário na produção maior o
efetivo de tra-balhadores desempregados que, por consequência, pressionam o mercado
de trabalho e produzem, como primeira consequência, a redução dos salários.

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Importante
Observe que a contradição apontada por Marx em relação à necessidade do capitalista
redu-zir os custos de produção através do desenvolvimento de tecnologias de produção,
e por isso necessitar de menos força de trabalho, implica em um aumento crescente do
desemprego, como ocorre nas sociedades atuais.

Se, hipoteticamente, a produção de uma determinada quantidade de carros dependia de uma deter-
minada quantidade de operários em um dado momento do desenvolvimento dos meios de produção,
com o desenvolvimento tecnológico destes meios essa necessidade de trabalho humano se reduz, su-
ponhamos, em 30%. Reduz-se, neste caso, a quantidade de operários necessários para se produzir a
mesma quantidade de veículos gerando, como consequência imediata, o desemprego desta fatia de
trabalhadores que agora foram substituídos pelas máquinas. E estes, passam a formar um contingente
que exerce pressão sobre aqueles que estão ainda em seus postos de trabalho, na medida em que
aceitam receber salários menores para realizar as mesmas tarefas.
Este ciclo irá produzir, segundo Marx, de um lado, o aumento constante da acumulação
de capital e, de outro, o aumento da miserabilidade e da crise social.
Na sociedade atual, os altos índices de desemprego, especialmente nas sociedades do
capitalismo desenvolvido, demonstram como o avanço técnico dos meios de produção
tendem, de fato, a gerar desemprego e, com isso, crise social.

Figura 2.5: Taxas de desemprego no mundo em maio de 2012

Para Marx, este processo contínuo acirraria a contradição social e a luta de classes, levando finalmente

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

a um processo de convulsão social onde se romperia com o poder da classe burguesa.


Tal processo, contudo, não seria automático, determinado apenas pelas contradições na
esfera econô-mica das sociedades. É necessário, segundo o próprio Marx, que haja por parte
dos dominados, uma percepção destas contradições e de suas origens por aqueles que estão
em posição desfavorável na es-trutura hierárquica das classes na sociedade. Transfigurando
isto em termos marxistas, é necessário, antes de tudo, a tomada de consciência pela classe
subalterna dos mecanismos que geram sua própria condição de pobreza e de dominados.
É exatamente aí que a questão da educação irá se impor dentro de uma perspectiva de
emancipação nos termos de uma análise marxista pois, como tomar consciência das
contradições da realidade senão através de processos educativos?
Mas, de fato, quem controla os sistemas educativos numa sociedade marcada pela desigualdade social e
pelo poder de dominação de uma classe sobre outra? A equação não é de fácil resolução, até porque
aqueles que estão em posição favorável na ordem social tendem a manter seu poder econômico através de
mecanismos que são, essencialmente, simbólicos e se reproduzem no campo das ideias.
Nesta perspectiva, quanto maior a compreensão por parte dos indivíduos de uma determinada socie-dade
de suas contradições, maior o risco para aqueles que estão em posição favorável nesta sociedade.
Neste sentido, a educação irá representar uma dupla relação numa perspectiva marxista: de um lado, um
sistema passível que reproduz os valores e ideias que visam manter o poder daqueles que estão em
posição privilegiada, transformando-se em poderoso instrumento ideológico das classes dominantes; do
outro lado, o reverso deste processo na medida em que, somente pela educação as massas desfa-
vorecidas podem tomar consciência de sua condição social e das contradições sistêmicas que levam a esta
condição, transformando-se, assim, em instrumento essencial da transformação social.
Como destaca Alberto Tosi a respeito do assunto, “acho que Marx e Engels viam a educação com
os mesmos olhos com que viam o capitalismo. Por um lado, fazendo uma analise empírica (ainda
que pouco aprofundada) da situação educacional dos filhos dos operários do nascente sistema
fabril, identificaram na educação uma das mais importantes formas de perpetuação da exploração
de uma classe sobre outra, utilizada pelo capitalista para disseminar a ideologia dominante, para
inculcar no trabalhador o modo burguês de ver o mundo. Por outro lado, pensando a educação
como parte de sua utopia revolucionária, identificaram nela uma arma valiosa a ser empregada
em favor da emancipação do ser humano de sua libertação do jugo do capital. Ou seja, para Marx
e Engels não existe "edu-cação"em geral. Conforme o conteúdo de classe ao qual estiver exposta,
ela pode ser uma educação para a alienação ou uma educação para a emancipação”. (Tosi, A.
Sociologia da educação. Rio de Janeiro, DP&A, 2004. Pag. 48-49)
Se observarmos de uma forma ampla, tanto num caso quanto no outro, a educação é um instrumento
essencial à ordem social, tanto no sentido de sua manutenção quanto no de sua transformação.
A escola e, principalmente, o currículo escolar, são elementos que compõem esta trama
que, no final das contas, desempenha um papel político fundamental na sociedade.
Neste sentido, uma das questões importantes derivadas do pensamento de Marx e que nos
serve para refletirmos sobre a questão da educação é a de que, tanto a produção do
conhecimento quanto o ensino, que dele deriva, não são processos neutros, no sentido de um
conhecimento desinteressado do mundo, mas, ao contrário, correspondem a interesses que
variam entre as diferentes classes que se encontram em concorrência na sociedade.
Se, cada vez mais os currículos hoje tendem a uma especialização funcional, isto significa que a for-mação
dos indivíduos é cada vez mais especializada, voltada cada vez mais para suprir as necessidades do
mercado em detrimento de uma formação mais ampla, humanista e principalmente crítica.

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2.2.1 Texto para reflexão

Texto: A dura vida dos catadores de lixo do Rio de Janeiro: 10 de dezembro de 2005
Fonte: PORTAL TERRA

A jornada diária no aterro sanitário de Gramacho, na região metropolitana do Rio de


Janeiro, é um inferno para os 5 mil catadores de lixo que ganham a vida entre toneladas
de resíduos, apesar da concorrência dos urubus e de sua própria fome.
Os catadores de lixo são a base de uma pirâmide de trabalho ameaçada por técnicas de
reciclagem que começaram a se incorporar pelas grandes indústrias.
"Ali, se trava a cada dia uma batalha de sobrevivência. Essas pessoas não têm outra
opção de vida", disse José Henrique Penido, assessor da direção da Companhia de
Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb), proprietária do aterro.
A história dos catadores deste aterro, mais conhecido como "Lixão do Jardim Gramacho", remonta
a 1975 e nada tem a ver com as belezas coloridas mostradas nos postais da Cidade Maravilhosa.
Jardim Gramacho é o nome de um bairro de Duque de Caxias, cidade da região
metropolitana a 20 quilômetros do Rio.
O "Lixão"ocupa uma área de um milhão de metros quadrados nas margens da Baía de
Guanabara, e recebe uma média diária de 10 mil toneladas de resíduos vindos do Rio de
Janeiro, Duque de Caxias, Nilópolis e São João de Meriti. Volume que equivale a 85% do
lixo urbano gerado a cada dia no Rio de Janeiro.
Com 88 anos, Alzira da Silva desafia há 33 anos as condições miseráveis do aterro para
fazer ser ganha-pão. "Consigo entre R$ 70 e 80 por mês. Trabalho aqui, não porque
goste. Na minha idade, é o único que tenho para viver".
O lixão ferve a qualquer hora do dia, mas ninguém parece preocupado. A obsessão é
encontrar uma garrafa aqui, uma lata ou um pedaço de ferro ali, ou um papel acolá.
Com as primeiras luzes do dia, o trânsito de caminhões carregados de todo tipo de imundícies
se torna frenético. Em cada "podrão", como são chamados, pode haver material reciclável que
salvará o dia, e por isso é preciso estar atento no momento da descarga.
As disputas valem "o pão da cada dia". A lei do mais forte impera e os mais fracos devem
procurar, em silêncio, outro lugar para escavar.
Múltiplos focos de gás produzidos pela decomposição de matéria orgânica fervem em
fogo brando em montanhas de resíduos que, embora sejam compactadas por tratores,
desmoronam como castelos de cartas e põem vidas em perigo. A última tragédia, em
meados de 2004, deixou três mortos sob 45 toneladas de lixo.
Ao cair o sol, um segundo turno de catadores entra em ação.
Uma jovem tira a última gota de um copo de iogurte que encontrou enquanto, a seu lado,
um compa-nheiro examina uma bolsa sob a visão atenta dos urubus.
"Esse é o trabalho mais sacrificado do mundo. O trabalho sujo que ninguém quis fazer", disse
o presidente da Associação de Catadores de Gramacho, Paulo Roberto Gesteira de Souza.
As cooperativas formam o terceiro degrau da pirâmide do lixo.
Estão acima dos "galpões", que por sua vez superam os "catadores de lixo".

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É nos "galpões"em que, no final do dia, terminam os achados dos "catadores". Ao contrário dos "gal-
pões", as dezoito cooperativas registradas na Prefeitura do Rio de Janeiro não revendem os resíduos,
mas os reciclam. Para as cooperativas, entretanto, a reciclagem parece ter deixado de ser negócio.
"Trabalhamos no meio do lixo, mas sem muito material para recuperar porque agora virou
moda que as grandes fábricas reciclem seus resíduos", disse Gesteira de Souza. A "moda"foi
percebida na associação de Gramacho desde maio com o abandono de 130 dos 270 filiados.
"Preferiram tentar a sorte em outras coisas desde que caíram os ganhos", disse.
Segundo a Comlurb, desempregados, ex-presidiários, ex-delinquentes, jovens ou velhos,
encontram no lixo uma alternativa para o que se pode chamar sobrevivência.

2.3 Max Weber e a educação

Max Weber foi um intelectual alemão nascido na cidade de Erfurt em 1864, com formação
em direito e economia, sendo também considerado um dos fundadores da Sociologia.
Sua sociologia, diferentemente de Karl Marx e Émile Durkheim, encontra-se centrada na análise
do indivíduo, especificamente sobre sua ação quando esta se refere ao comportamento de outros.
Weber irá produzir uma das mais importantes teorias sobre a dinâmica social, especialmente
sobre a dinâmica que caracteriza o mundo moderno, o qual, segundo ele, seria marcado pelo
princípio da racionalização dos processos, ações e relações que compõem o mundo social.
Se, conforme nos diz, o movimento de racionalização da vida é um processo secular, que
perpassa o próprio desenvolvimento da história do homem, é na era moderna que este
movimento irá atingir seu ápice com a "racionalidade instrumental"assumindo a posição
de princípio hegemônico de orientação das ações dos indivíduos. Vamos explicar.
Para Weber, a sociedade é formada a partir da ação dos indivíduos, especificamente através da
ação social que eles produzem por meio de suas práticas sociais. A ação social, como
fundamento da vida social é definida, de acordo com Weber, como “. . . uma ação que, quanto a
seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-
se por este em seu curso ”. (Weber, M. Economia e sociedade. Brasilia, Ed. UNB, 1991. Pág. 03)

Figura 2.6: Max Weber -– 1864/1920 — Alemanha

Observe que na definição de Weber, o conceito de ação social não tem nada a ver com uma perspectiva de
senso comum na qual a ideia de ação social está relacionada à uma prática que visa ao bem comum. Ela
não é uma ação social no sentido de colaborar ou visar o bem estar social. Ela é social somente no sentido
de que se encontra orientada pelo comportamento alheio ou mesmo pela probabilidade deste.

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Ir à escola é uma ação social, nos vestir diariamente é uma ação social, irmos a um ritual religioso
é uma ação social e assim por diante. Na verdade, a questão fundamental que envolve a ação social
é que ela é dotada de um caráter reflexivo na medida em que o sujeito da ação (o agente) confere
a ela um sentido que leva em conta o comportamento de outros. Por exemplo, quando aceito
receber dinheiro por uma mercadoria que vendo, estou pressupondo que o dinheiro é também
aceito por outros quando eu for adquirir outras mercadorias. Neste sentido, esta relação comercial
é também uma ação social, pois leva em conta o comportamento de outros.
Para Weber, as ações sociais podem ser divididas em quatro tipos: 1) a ação racional orientada a
fins, 2) a ação racional orientada a valores, 3) a ação afetiva e 4) a ação tradicional.
Esta tipologia proposta por Weber está diretamente relacionada à dimensão da racionalidade
em cada tipo de ação, partindo da mais racional, aquela orientada a fins, onde a finalidade da
ação determina os meios mais eficazes para atingi-la, até a ação menos racional que seria a
ação tradicional, pouco reflexiva, orientada pelo costume arraigado.
É importante ressaltar que, Weber produz esta tipologia da ação social enfatizando que
esta é, antes de tudo, uma construção conceitual, sociológica, e que dificilmente a ação
de um sujeito se dá apenas de uma forma ou de outra.
Neste caso, este é um instrumento que o sociólogo utiliza para mapear o comportamento
social e, especialmente, perceber os valores que são predominantemente mobilizados
através das ações dos agentes sociais.
As instituições, normas e padrões sociais, nesta perspectiva, não são realidades externas e
autônomas em relação aos indivíduos, determinantes sobre o seu comportamento. Ao contrário, é
somente através da ação dos indivíduos que estas dimensões da vida social ganham forma e
existência. Por exemplo, o casamento é uma instituição na medida em que os indivíduos, em suas
práticas, produzem relações de aliança com regularidade. Isto significa dizer que, para que uma
instituição, norma ou mesmo uma ordem social se efetive, é necessário sua legitimação, a qual se
dá estritamente através da ação social de indivíduos de uma dada sociedade.

Importante
A ação social no sentido Weberiano é sempre uma ação que se orienta pelo
comportamento de outros em seu curso.

É neste sentido que as instituições vão sendo moldadas, pelo sentido e significado que os
indivíduos atribuem a ela. Sua conformação depende, neste caso, dos valores que serão
predominantes num dado período da história e que, segundo Weber, irão conformar, de
forma específica, uma dada instituição social.
Neste sentido, deve interessar ao sociólogo o que há de específico em um determinado
fenômeno sob o ponto de vista de sua historicidade, e não o que lhe é geral, ou seja, o
que define a sua particularidade histórica.
No caso da educação, então, a questão mais importante para nós seria exatamente
compreender qual a especificidade do fenômeno da educação na era moderna.
A este respeito, a grande contribuição de Weber para se pensar a educação está diretamente
relacio-nada a sua teoria da racionalização das esferas constitutivas do mundo social.
Para Weber, há um movimento que persegue o desenvolvimento da história da humanidade que é a
racionalização constante das práticas e instituições sociais. Segundo o autor, este movimento se inicia
no oriente antigo e se expande gradativamente para o mundo ocidental, que será o palco principal
onde o processo de racionalização irá encontrar seu ápice com o advento da modernidade.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Para isso, Weber cunhou alguns importantes conceitos que visam compreender este movimento
ao longo da história como desencantamento, secularização, intelectualização, entre outros.
Estes são conceitos imbricados, porém se referindo a questões específicas na ordem social.
A ideia de desencantamento se refere, antes de tudo, aos processos de racionalização
que se consti-tuíram, essencialmente, no interior da esfera religiosa.
As religiões primitivas, dotadas de uma ordem privilegiadamente mágica, irá ceder paulatinamente
lugar a ordens religiosas cada vez mais racionais, orientadas por rituais e preceitos explicativos do
mundo e ordenamentos que são agora positivados pelos escritos sagrados.
O próprio desenvolvimento da teologia enquanto campo de conhecimento significa, segundo
Weber, um salto neste processo de desencantamento, onde a relação entre transcendência
religiosa e imanên-cia do conhecimento passam a estar entrecruzados. Neste sentido, as
religiões vão paulatinamente se tornando cada vez mais racionais e menos mágicas, cada vez
mais pragmáticas e relacionadas com a atividade do homem no mundo.
O protestantismo ascético desenvolvido na Europa a partir do final do século XV e início do
XVI foi, sem dúvida, um dos saltos mais importantes neste movimento de desencantamento
do mundo ao atribuir à atividade do homem no mundo um papel fundamental na medida em
que, sua prosperidade neste mundo, revelava que ele era um escolhido para ser salvo.
Se por um lado o princípio da salvação não estava ligado à atuação do homem no mundo,
posto que o homem já nascia pré-destinado, saber se ele era um escolhido ou não
dependia de seu sucesso, de sua prosperidade, numa palavra, de sua riqueza.
No entanto, esta riqueza não poderia, e nem deveria, ser utilizada para seu gozo ou fruição
enquanto indivíduo, mas antes, apenas em favor da manutenção da glória de Deus. Funda-
se, assim, uma ética que, de um lado, enaltece a riqueza através da acumulação e da
poupança e, de outro, condena a sua fruição e seu gozo como sendo práticas pecaminosas.
Esta ética protestante irá, segundo Weber, ser um componente cultural fundamental para
impulsionar o capitalismo moderno na medida em que o racionaliza em sua essência, ou seja,
o torna um fim em si mesmo através da legitimação do ganho, do lucro e da acumulação.
É interessante perceber como a relação entre as esferas religiosa e econômica se
entrecruzam aqui, a partir do princípio da racionalização do mundo, especialmente por
meio de preceitos religiosos altamente desencantados.
Paralelamente a este movimento de desencantamento, Weber irá chamar a atenção para uma
das questões centrais no desenvolvimento das sociedades modernas que é a secularização.
Para Weber, a secularização se refere ao movimento de paulatina substituição da religião como
mo-delo explicativo do mundo e das esferas da vida, que vão ganhando autonomia crescente
tanto do ponto de vista de sua lógica de funcionamento quanto, fundamentalmente, pela
justificação de sua dinâmica. Assim, por exemplo, o Estado, instituição fundamental da esfera
política, deixa de estar atrelado à igreja e/ou a determinada ordem religiosa e se torna cada vez
mais dependente da dinâmica das relações de poder que envolve interesses e valores sociais.
Esta questão é fundamental para nós aqui porque irá atuar diretamente sobre a questão
da educação e suas instituições.
O processo de laicização das instituições educacionais irá decorrer fortemente deste processo
de se-cularização que, por seu lado, é parte do movimento maior de racionalização do
mundo.
A que se deve, no entanto, este processo de racionalização? Ao próprio avanço do conhecimento.
Weber irá afirmar que ao longo do desenvolvimento da humanidade ocorre um extenso processo de

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intelectualização do homem, processo este marcado pelo conhecimento contínuo do mundo,


marcado pelo desenvolvimento da filosofia, da teologia e que encontra seu ápice na ciência
moderna, isto é, “o progresso científico é uma fração, a mais importante, do processo de
intelectualização que estamos sofrendo há milhares de anos e que hoje em dia é habitualmente
julgado de forma tão extremamente negativa. [. . . ] A crescente intelectualização e racionalização
não indicam, portanto, um conhe-cimento maior e geral das condições sob as quais vivemos.
Significa mais alguma coisa, ou seja, o conhecimento ou crença em que, se quiséssemos,
poderíamos ter esse conhecimento a qualquer momento. Significa principalmente, portanto, que
não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos em princípio, dominar todas as coisas
pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desen-cantado”. (Weber, M. A ciência como vocação.
Pág. 165. In: Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro, Zahar, 1974)
Neste sentido, o processo educativo encontra-se na modernidade altamente laicizado, ao mesmo
tempo em que racionalizado através do desenvolvimento crescente de técnicas educativas.
De um modo ou de outro, o importante aqui é perceber que Weber nos dá uma chave
para a compreen-são do fenômeno da educação nas sociedades modernas como
resultado de um processo mais amplo que se desenvolve continuamente ao longo da
história, especialmente, mas não exclusivamente, no mundo ocidental.
A educação, neste caso, passa a estar encoberta por um princípio de racionalização que a define
como um dos principais instrumentos responsáveis pelo movimento de secularização, que contribui,
crescentemente, para a constituição de uma sociedade cada vez mais racionalizada e laica.
Por outro lado isto não implica em dizer que não haja relações de poder e dominação envolvidas neste
processo. Ao contrário, para Weber a educação na modernidade obedeceria a um tipo específico de
dominação que seria a dominação burocrático-legal, sujeitando a produção do conhecimento cada vez
mais às exigências de sua utilidade e especialização para a administração do sistema social.
Deste modo, a questão da educação, no interior da sociologia desenvolvida por Max
Weber, apa-rece como uma especificidade histórica que corresponde a um tipo específico
de dominação que é a dominação racional-legal.

Dica
Para maior aprofundamento sobre a questão da educação na teoria de Max Weber
, consulte: http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/eventos/evento2002/GT.4/-
GT4_3_2002.pdf

2.3.1 Texto para reflexão

Texto: A ciência como vocação. IN: Ensaios de Sociologia. Rio de janeiro, Zahar,
1974. Pags 173, 177
Autor: Weber, Max

Ao profeta e ao demagogo, dizemos: “Ide para as ruas e falai abertamente ao mundo”, ou seja, falai
onde a crítica é possível. Na sala de aula ficamos frente à nossa audiência, que tem de permanecer
calada. Considero irresponsabilidade explorar a circunstância de que, em benefício de sua carreira, os
alunos tem de frequentar o curso de um professor onde não há ninguém presente para fazer-lhe
críticas. A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-
lhes suas opiniões políticas pessoais. É, sem dúvida, possível que o professor individual não consiga

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

eliminar totalmente suas simpatias pessoais. Fica, então, sujeito à crítica mais violenta no fôro
de sua própria consciência. E tal deficiência nada prova; outros erros são também possíveis,
por exemplo, exposições errôneas de fatos, e, não obstante, nada provam contra o dever de
se buscar a verdade. Também rejeito essa hipótese no interesse mesmo da ciência. Estou
pronto a provar, com as obras de nossos historiadores, que sempre que o homem de ciência
introduz seu julgamento pessoal de valor, cessa a plena compreensão dos fatos . [. . . ]
Amigos estudantes! Vinde às nossas aulas e exigi de nós as qualidades de liderança, sem compreen-
der que de cem professores pelo menos 99 não pretendem ser treinadores de futebol nos problemas
vitais da vida, ou mesmo ser “líderes” em questões de conduta. Vêde, por favor, que o valor de um
homem não depende de ter ou não qualidades de liderança. E, de qualquer modo, as qualidades que
fazem de um homem um excelente erudito e professor acadêmico não são as qualidades que fazem o
líder dar orientações na vida prática ou, mais especificamente, na política. É por mero acaso que o
professor possui também essa qualidade; seria uma situação crítica se todo professor se visse frente
à expectativa dos alunos de que ele pretende essa qualidade. E ainda mais crítica se todo
professor se considerasse um líder na sala de aula. Aqueles que frequentemente se consideram
líderes quase sempre são os menos dotados para isso. Mas, a despeito de serem ou não líderes,
a situação magis-terial simplesmente não oferece possibilidade de provar suas qualidades de
liderança. O professor que se sente chamado a agir como conselheiro da juventude e desfruta a
confiança desta pode ser um homem que mantém relações pessoais com os jovens. E, se ele se
sente chamado a intervir nas lutas das opiniões mundiais e posições partidárias, poderá fazê-lo
fora da aula, no mercado, na imprensa, nos comícios, nas associações, onde quer que o deseje.
Afinal de contas, é muito cômodo demonstrar coragem tomando uma posição quando a audiência
e os possíveis adversários estão condenados ao silêncio”.

2.4 Pierre Bourdieu e a educação

Figura 2.7: Pierre Bourdieu –- 1930-2002 (França)

Pierre Bourdieu foi um dos principais autores das ciências sociais contemporâneas, tendo
elaborado uma das teorias mais originais sobre a questão da dominação social entre os
diversos segmentos, grupos e classes nas sociedades.
Nascido em Denguin (França) em 1930, Bourdieu desenvolveu ao longo de sua carreira uma
extensa obra tentando demonstrar como os conflitos e diferenças sociais se materializam e
tomam forma no campo simbólico das sociedades, especificamente, na esfera cultural destas.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

A questão fundamental que envolve o pensamento de Bourdieu visa descobrir como esta
dominação se dá efetivamente e quais os mecanismos que contribuem na manutenção
destas relações de dominação sendo a educação, e em especial a instituição escolar,
como um de seus principais instrumentos que atuam no campo da dominação simbólica.
Bourdieu parte do princípio de que a vida social encontra-se dividida em campos, onde os
diversos agentes sociais travam relações em seu interior estabelecendo uma
concorrência pela aquisição dos capitais que se encontram em disputa em seu interior.
Vamos especificar exatamente o que a proposição acima quer dizer, detalhadamente.
Para Bourdieu, um campo social é um espaço de disputa entre os diversos agentes que o
compõe. Ou seja, podemos representar as mais diversas atividades sociais que praticamos
cotidianamente como atividades que se desenvolvem em diferentes campos. Por exemplo, ao
irmos ao mercado, à escola, à igreja ou a um museu estamos transitando em diferentes
campos sociais como o campo econômico, educacional, religioso e artístico.
Estes diferentes campos, e todos os outros que envolvem a vida social são na verdade constituídos de
forma hierárquica, com posições objetivas onde ocupamos um lugar específico em seu interior.
Tomando como exemplo o campo econômico, a posição que ocupamos em seu interior irá depender
da quantidade de recursos que temos disponível para podermos atuar nele, ou seja, se tenho uma
quantidade grande de recursos econômicos minha posição será dominante em relação àqueles que
detém menos recursos. Estes recursos estão em disputa pelos agentes no interior do campo. Lutamos
para adquirir mais recursos e, deste modo, termos uma posição privilegiada de poder e prestígio no
interior do campo, vale dizer, uma posição de dominação. Estes recursos, Bourdieu denominou de
“capitais”. Neste caso, lutamos pela aquisição de capitais no interior de um determinado campo.

Importante
Atenção! Se, como no nosso exemplo, a ideia de capital remete logicamente a ideia de
recurso econômico, no esquema teórico de Bourdieu, capital não se refere
necessariamente a isto. O capital é na verdade qualquer recurso que seja alvo de disputa
em um campo determinado.

Vamos ao exemplo do campo artístico. Quando vamos a um museu, por exemplo, estamos
entrando em um espaço que compõe um campo específico da atividade social, ou seja, o
campo artístico. Ali, o que está em jogo não é o capital econômico. Conhecer a história da
arte, os autores das obras expostas, os diversos estilos de pintura, os movimentos artísticos
ao longo da história, etc., constituem os capitais fundamentais neste campo.
A posição que um agente ocupa neste campo dependerá, deste modo, da quantidade de
capital que ele detém aí. E veja que não estamos falando mais de renda ou dinheiro, mas
sim de conhecimento e, principalmente, gosto artístico.
Isso irá conferir a ele maior ou menor prestígio e legitimidade, concedendo então um
poder mais ou menos privilegiado no campo. A questão fundamental aqui é perceber que
este tipo de capital se estrutura como um capital que é, eminentemente, simbólico. Não
há, objetivamente, como mensurar, por exemplo, o gosto, senão apenas como um
mecanismo qualitativo que se define em relação aos objetos em disputa no campo.
Do mesmo modo, ao adquirirmos conhecimento através de nossas práticas educativas, adquirimos,
gradativamente, os capitais disponíveis neste campo. Um professor está, em relação ao seu aluno, em
posição de vantagem neste campo pois, de certo, possui um maior capital do que ele.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Estas relações, como aponta Bourdieu revelam, na verdade, relações de poder e conflito, onde as
disputas pelos mais diversos capitais nos diferentes campos expressam as relações de
dominação estabelecidas em seu interior na medida em que, mais do que alterar a lógica interna
de funcionamento de um campo, os diferentes agentes pleiteiam, em última instância, a aquisição
dos objetos ali em disputa e, ao fazer isto, legitimam as posições daqueles que estão em uma
posição mais favorável no campo. Estes, por sua vez, desejam manter sua posição de poder e
prestígio e, para isso, pretendem manter o monopólio dos capitais em disputa em suas mãos.
Dito de outro modo, os campos são espaços concorrenciais onde se trava constantemente
uma luta objetiva e também simbólica pela aquisição dos mais diferentes tipos de capitais.
Conforme define o próprio autor, “em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma
rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas
objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes,
agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das
diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos
que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com as outras
posições (dominação, subordinação, homo-logia, etc.).” BOURDIEU, Pierre. A economia das
trocas simbólicas. Tradução de Sergio Miceli. 3 ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. p. 60
Os campos apresentam, deste modo, certa autonomia uns em relação aos outros tendo
em vista que os capitais em disputas são distintos e, os mecanismos de aquisição e
manutenção deste capitais também são distintos.
Suponhamos uma pessoa de classe média, mas com baixa escolaridade, que ganhe uma
fortuna na loteria. Certamente ela passará a compor, no interior do campo econômico,
uma posição privilegiada. No entanto isto, por si só, não garante a ela uma posição
privilegiada no campo cultural. E muito menos no campo educacional.
Suponhamos ainda que agora, por deter uma posição privilegiada no campo econômico
deseje co-meçar a frequentar espaços que antes eram, para ela, inacessíveis como, por
exemplo, exposições de pintores contemporâneos famosos.
Ao adentrar neste espaço, por mais dinheiro que ela tenha, sua posição ali será
subalterna pois, o capital em jogo neste campo é o capital artístico (que suponhamos ela
não detém, ou não detém ainda) e não o capital econômico.
Essas relações irão, segundo Bourdieu, estruturar as relações de poder e dominação na
sociedade, especialmente sob o ponto de vista das relações de dominação simbólica. Isto
tem uma implicação fundamental no seu esquema teórico, ou seja, como o poder
daqueles que exercem a dominação social tendem, neste caso, a manter suas posições
de privilégio e poder através de um esquema contínuo de dominação simbólica, ou seja,
tendem a reproduzir continuamente estas relações de dominação e poder.
Mas como ou a partir do que se estruturam estas diferentes posições dos agentes sociais
nos diferentes campos?
Esta questão será fundamental para Bourdieu, pois, se as posições no campo são
objetivamente de-finidas, como acessá-las e, mais ainda, como adquirir novas posições e,
deste modo, passar de uma posição de dominado para dominante?

“Os campos, segundo Bourdieu, têm suas próprias regras, princípios e


hierarquias. São definidos a partir dos conflitos e das tensões no que diz
respeito à sua própria delimita-ção e construídos por redes de relações ou de
oposições entre os atores sociais que são seus membros”.
— CHARTIER, Roger Rio de Janeiro, 30 abr. 2002. p. 140

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Tirando o exemplo acima daquele famigerado indivíduo que tirou a sorte grande na loteria, o
esquema teórico de Bourdieu tende a nos mostrar que, mais do que possibilidades constantes
de posição dos agentes nos diferentes campos, a dominação presente no interior deles tende
a se reproduzir. Ou seja, a manutenção daqueles que estão em posição de poder e prestígio
tende a continuar através da transmissão destes capitais para seus descendentes.
Assim, Bourdieu em conjunto com seu parceiro Passeron publicaram uma notável obra
sobre a orga-nização do campo educativo na França, onde demonstram que os filhos de
executivos bem sucedidos estudam nas mesmas escolas que seus pais estudaram e
tendem a se posicionar favoravelmente em posições de destaque na sociedade,
reproduzindo desta forma as posições de poder e prestígio de seus pais.
Se os campos são terrenos de disputas por capitais, aqueles que detiverem as melhores armas
estarão muito mais aptos a vencer as batalhas. Mas que armas são essas? Bourdieu irá definir
estas armas como sendo determinadas condições, ou predisposições que se encontram
associadas aos agentes, que orientam suas práticas sociais e que dependem não de sua
natureza, mas de suas efetivas condições sociais, especialmente sua condição de classe.
Essas predisposições podem ser definidas através do conceito de habitus, o qual é um
dos conceitos centrais em sua obra.
Para Bourdieu, o habitus consiste em “um sistema de disposições duráveis, estruturas
estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como princípio que
gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente “regulamentadas”
e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de obediência à regras, objetivamente adaptadas
a um fim, sem que se tenham necessidade da projeção consciente deste fim ou do domínio das
operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o
produto da ação organizadora de um maestro”. (Bourdieu,P. Esboço de uma teoria da prática. Cit
In: Ortiz, Renato. Pierre Bourdieu, São Paulo, Ática, 1983, Pág.15)
Como podemos perceber, o habitus é, na verdade, o elemento que capacita os indivíduos a exercerem
suas práticas sociais de uma determinada forma. No entanto, como destaca Bourdieu, ele não é um
elemento determinante da ação do indivíduo no sentido de eliminar a autonomia deste e coordenar sua
conduta de forma mecânica. Ao contrário, ao mesmo tempo em que o habitus se organiza como uma
estrutura objetiva, tendo em vista que pertence à lógica de uma determinada classe social, ao mesmo
tempo sua interiorização no indivíduo ocorre de forma subjetiva, agindo desta forma como elemento de
mediação entre a estrutura social e o sujeito individual.
De qualquer modo, as ações dos indivíduos tendem a reproduzir a estrutura na qual o
habitus foi produzido e, deste modo, reproduzir as relações de dominação social.
A interiorização do habitus é um processo que ocorre em decorrência dos processos de
socialização e, neste caso, tais processos derivam diretamente do ambiente social no
qual o indivíduo foi e é socializado.
Exatamente por isso, as diferentes classes tendem a reproduzir através de seus membros
tudo aquilo que irá compor seus diferentes habitus de classe e/ou familiares como, por
exemplo, gostos, prefe-rências culturais, modos de conduta, padrões de comportamento, etc.
Uma questão que é imperativa para Bourdieu é a de que as classes dominantes tendem a
manter seu domínio especialmente através da legitimação de seu modo de vida como sendo
o modo de vida legítimo numa dada sociedade, ou seja, a referência para os subalternos.
Ao reconhecer os modos de vida dos segmentos sociais dominantes como aqueles a serem
alcançados, o sistema se legitima, não apenas por aqueles que detém o controle e o poder
mas também, por aqueles que se encontram na outra ponta do processo, os dominados.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Ao reconhecer, por exemplo, o gosto das classes dominantes como o “bom gosto”, os
subalternos reforçam, de um lado, o prestígio e poder daqueles que detém o poder social
e, de outro, depaupera sua condição como ilegítima, menor, indesejável.
Este processo está na base do que Bourdieu irá denominar de violência simbólica, onde
as relações de opressão irão se concretizar essencialmente na esfera dos valores sociais,
vale dizer, na esfera cultural das sociedades.
Com relação à questão específica da educação, Bourdieu irá alertar que, para além da
ideia de eman-cipação, o sistema escolar tende a reproduzir através de um criterioso
processo seletivo, mesmo que invisível, as relações de domínio social.
Em seu estudo sobre o sistema escolar francês na década de 70, o autor visava demonstrar como
o referido sistema fazia nada mais do que preparar os filhos das classes abastadas para
assumirem as posições das gerações mais antigas, reproduzindo o poder destas classes.
Neste caso, a educação não é um sistema neutro que visa o engrandecimento social mas, antes,
um sistema seletivo que visa manter o poder instituído através de suas ações pedagógicas que,
em última análise, reforçam a ideia de uma violência simbólica pois reproduzem nada mais do que
aquilo que é legitimado e definido pelas elites que deva ser passível de ser ensinado.
Como destacou Alberto R. Tosi a respeito da relação da obra de Bourdieu com o fenômeno da edu-cação,
“todo sistema de ensino visa em alguma medida realizar de modo organizado e sistemático a inculcação
dos valores dominantes e reproduzir as condições de dominação social que estão por trás de sua ação
pedagógica. Isso explica a desigualdade que está na base do processo de seleção escolar. Os autores,
valendo-se de dados empíricos, demonstram que as "condições de c1assede origem"dos alunos que
entram no sistema de ensino Frances determinam tanto a probabilidade de sucesso desse aluno quanto a
probabilidade de passagem ao nível escolar seguinte, quanto, ainda, o tipo de estabe-lecimento de ensino
ao qual ele tem acesso (se de melhorou pior qualidade). Tal situação se reproduz, do ensino básico ao
médio e ao superior e é determina também, no final das contas, a "condição de classe de chegada"deste
aluno, isto e, o tipo de habitus que adquiriu, o capital cultural ao qual teve acesso e, em especial, a posição
na hierarquia econômica e social a que chegou”. (Tosi, A. R. Sociologia da Educação / Alberto Tosi
Rodrigues. - Rio de Janeiro: DP&A, 2004, 5. Ed. Pág. 87)
Para Bourdieu, a escola tem a capacidade de redefinir o habitus, neste caso se tornando
uma instituição também produtora de novas formas de percepção, representação e ação
no mundo, se transformando, neste caso, em agente estruturante da prática social.
Como aponta o autor a este respeito, “o habitus adquirido na família está no princípio da
estruturação das experiências escolares, o habitus transformado pela escola, ele mesmo
diversificado, estando por sua vez no princípio de estruturação de todas as experiências
ulteriores”. (Bourdieu, P. Cit. in: Ortiz, Renato. Pierre Bourdieu, São Paulo, Ática, 1983 pag. 18)

Dica
Para um maior aprofundamento nas reflexões do autor sobre o tema da edu-cação,
consulte o dossiê especial publicado na revista Educação e Sociedade disponível através
do link http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101-
733020020002&lng=pt&nrm=iso

2.4.1 Texto para reflexão

Texto: Pierre Bourdieu, o investigador da desigualdade


Fonte: Revista Escola
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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Pierre Bourdieu nasceu em 1930, no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudos
básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951,
ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-
se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira
acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função
de assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simulta-
neamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral. Bourdieu
publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche en
Sciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma “sociologia da sociologia” em sua aula
inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreu
de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa européia. Um ano antes, um documentá-rio
sobre ele, Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da
França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção’ (1979), que trata dos julgamentos
estéticos como distinção de classe, ’Sobre a Televisão (1996) e ’Contrafogos’ (1998), a respeito do
discurso do chamado neoliberalismo.
Embora a maioria dos grandes pensadores da educação tenha desenvolvido suas teorias
com base numa visão crítica da escola, somente na segunda metade do século XX
surgiram questionamentos bem fundamentados sobre a neutralidade da instituição. Até ali
a instrução era vista como um meio de elevação cultural mais ou menos à parte das
tensões sociais. O francês Pierre Bourdieu empreendeu uma investigação sociológica do
conhecimento que detectou um jogo de dominação e reprodução de valores.
Suas pesquisas exerceram forte influência nos ambientes pedagógicos nas décadas de 1970 e 1980.
“Desde então, as teorias de reprodução foram criticadas por exagerar a visão pessimista sobre a es-
cola”, diz Cláudio Martins Nogueira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. “Vários
autores passaram a mostrar que nem sempre as desigualdades sociais se reproduzem completamente
na sala de aula.” Na essência, contudo, as conclusões de Bourdieu não foram contestadas.
Na mesma época em que as restrições a sua obra acadêmica se tornaram mais frequentes, a figura
pública do sociólogo ganhou notoriedade pelas críticas à mídia, aos governos de esquerda da Europa
e à globalização. Ele costuma ser incluído na tradição francesa do intelectual público e combativo, a
exemplo do escritor Émile Zola (1840-1902) e do filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980).
Valores incorporados
O livro A Reprodução (1970), escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, analisou o funcio-
namento do sistema escolar francês e concluiu que, em vez de ter uma função transformadora,
ele reproduz e reforça as desigualdades sociais. Quando a criança começa sua aprendizagem
formal, segundo os autores, é recebida num ambiente marcado pelo caráter de classe, desde a
organização pedagógica até o modo como prepara o futuro dos alunos.
Para construir sua teoria, Bourdieu criou uma série de conceitos, como habitus e capital cultural.
Todos partem de uma tentativa de superação da dicotomia entre subjetivismo e objetivismo. “Ele
acreditava que qualquer uma dessas tendências, tomada isoladamente, conduz a uma
interpretação restrita ou mesmo equivocada da realidade social”, explica Nogueira. A noção de
’habitus’ procura evitar esse risco. Ela se refere à incorporação de uma determinada estrutura
social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma que se
inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente.
Um exemplo disso: a dominação masculina, segundo o sociólogo, se mantém não só pela preservação
de mecanismos sociais mas pela absorção involuntária, por parte das mulheres, de um discurso con-
ciliador. Na formação do habitus, a produção simbólica – resultado das elaborações em áreas como

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

arte, ciência, religião e moral – constitui o vetor principal, porque recria as desigualdades
de modo indireto, escamoteando hierarquias e constrangimentos.
Assim, estruturas sociais e agentes individuais se alimentam continuamente numa engrenagem de
caráter conservador. É o caso da maneira como cada um lida com a linguagem. Tudo que a envolve
- correção gramatical, sotaque, habilidade no uso de palavras e construções, etc. – está
fortemente relacionado à posição social de quem fala e à função de ratificar a ordem
estabelecida. Para Bourdieu, todas essas ferramentas de poder são essencialmente
arbitrárias, mas isso não costuma ser percebido. “É necessário que os dominados as
percebam como legítimas, justas e dignas de serem utilizadas”, afirma Nogueira.
Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/pierre-bourdieu307908.shtml

2.5 Paulo Freire e a educação

Figura 2.8: Paulo Freire — 1921-1997

Gostaria de finalizar este capítulo com a contribuição teórica produzida por um dos
maiores estudiosos e praticantes da pedagogia no século XX: o brasileiro Paulo Freire.
Nascido em Recife em 1921, sua obra teve grande impacto ao redor do mundo, tendo
sido, com certeza, uma das principais contribuições teórico-metodológicas sobre a relação
entre o aprendizado e a condição social dos sujeitos na escola.
Partindo do princípio de que a relação professor/aluno deva ser essencialmente dialógica, isto é, onde
tanto professor quanto aluno devem travar uma interação dinâmica no processo de aprendizado, Paulo
Freire irá produzir uma forte crítica aos modelos de educação tradicionais onde o professor é o único
sujeito no processo de transmissão do conhecimento, formando alunos passivos e, o que é para ele
mais grave, impedindo o desenvolvimento de sua capacidade reflexiva.
Tendo como uma de suas principais influências teóricas o marxismo, Freire identificava na
educação um grande potencial de emancipação e transformação social na medida em
que, a tomada de consci-ência por parte dos oprimidos de sua opressão, não se daria de
outro modo senão através da atividade educativa.
A formação de sujeitos ativos é um predicado do processo educativo. No entanto, ao mesmo tempo
em que o ensino é potencialmente transformador pode também se tornar instrumento de opressão.

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Esta dialética, que segundo Freire, perpassa o processo de ensino-aprendizagem, se


encontra deli-mitada na própria relação entre teoria e prática que, para ele, deve orientar
a perspectiva do próprio educador. Vejamos!
Uma das questões importantes para o pensamento freiriano é o próprio mecanismo de produção
da aprendizagem. Segundo o autor, o ensino não pode ser um processo definido pela transmissão
simples de conteúdos. Isto definiria uma relação dicotômica entre educador e aluno no sentido de
o primeiro ser exclusivamente o detentor do conhecimento (dos conteúdos disciplinares), e o
segundo objeto passivo neste processo, posto que apenas receptor de informações.
Este tipo de relação ensino/aprendizagem foi definido por Freire como o ensino bancário, ou seja,
o modelo tradicional do processo educacional onde, o conhecimento é transmitido e recebido de
forma acrítica, como sendo algo externo à própria relação e ao contexto da aprendizagem.
O ensino bancário seria em certo sentido perverso porque, ao contrário daquilo que deveria ser o
cerne do processo educacional, desestimularia a própria dimensão da reflexividade, do próprio pensar
na medida em que a relação básica, neste caso, seria apenas a de transmissão de conhecimento.
O pensamento reflexivo e crítico não pode se desenvolver numa relação onde o aluno apareceria ape-
nas como objeto do processo, apenas como elemento receptor de informações. Por isso, Freire propõe
a ideia da relação ensino/aprendizagem como uma relação dialética de construção do conhecimento.
O conhecimento construído seria, ao contrário do ensino bancário, marcado pela reflexão crítica
tanto do educador quanto do educando no processo de produção/aprendizagem do saber.
Como destaca Freire, a postura correta do professor não é aquela onde este se coloca
como deten-tor exclusivo do conhecimento mas, ao contrário, como também ele próprio,
aberto ao aprendizado durante o processo de ensino.
Há por trás desta ideia um pressuposto fundamental que orienta a teoria desenvolvida por Freire que
é a do inacabamento do ser humano. Para o autor, uma das condições fundamentais da
dimensão humana é a de que, enquanto seres reflexivos e principalmente históricos, nos
formamos o tempo todo no decorrer do desenvolvimento de nossas vidas. Isto significa, em outros
termos, que somos, por excelência, seres inacabados, em constante processo de formação.
Como destaca o autor, “aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do inacaba-mento
do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde
há vida, há inacabamento. [. . . ] E na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação
como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se tornaram
inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua
inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e
que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança. “Não sou esperançoso”,
disse certa vez, por pura teimosia, mas por existência ontológica. Este é um saber fundante da nossa
prática educativa, da formação docente, o da nossa inconclusão assumida. O ideal é que, na experiência
educativa, educandos, educadoras e educadores, juntos, “convivam” de tal maneira com este como com
outros saberes de que falarei que eles vão virando sabedoria. Algo que não nos é estranho a educadoras e
educadores. Quando saio de casa para traba-lhar com os alunos, não tenho dúvida nenhuma de que,
inacabados e conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos, “programados, mas, para
aprender”, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar quanto mais
sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos”. (Freire, P. Pedagogia da autonomia, São Paulo,
Paz e Terra, 1996. Págs, 50, 58,59)
Se isto é assim, uma das condições fundamentais do conhecimento é ser, do mesmo modo,
inacabado, em constante mutação e transformação. Daí o fato de que, necessariamente, o
educador é sempre, também um aprendiz, fato este inexorável à própria condição humana.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Neste sentido, perceber esta dinâmica como fundamento da relação ensino/aprendizado significa, na
prática, estimular constantemente o exercício da reflexão e contestação por parte do aluno tanto
quanto estar o professor aberto às possibilidades de aprendizado no processo de ensino. “Quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. (Freire, P. Op. Cit. Pág. 23)
Por isso a relação de ensino não pode ser previamente definida, mas sim construída durante o
curso da própria relação ensino/aprendizagem. “. . . ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. Se, na experiência de minha
formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o formador é o sujeito em relação a
quem me considero objeto, que ele é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, me
considero como um paciente que recebe os conhecimentos-conteúdos-acumulados pelo sujeito
que sabe e que são a mim transferidos. Nesta forma de compreender e de viver o processo
formador, eu, objeto agora, terei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da
“formação” do futuro objeto de meu ato formador. É preciso que, pelo contrário, desde os começos
do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se
forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido
que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito
criador dá forma, estilo ou alma, a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem
discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se
reduzem à condição de objeto, um do outro”. (Freire, P. op. Cit. Págs, 22-23)
A proposta de Freire se torna, desta forma, altamente radical em relação aos modelos tradicionais
que previam a relação educador educando como agentes separados no processo educativo.
É importante dizer, no entanto, que o ensino compreendido como processo construtivo não elimina o
papel do professor como mediador do aprendizado. Pensar isto seria, em último caso, eliminar o papel
do professor enquanto condutor fundamental deste processo, e esta não é a proposta de Freire.
A questão fundamental aí está exatamente na forma como se dá esta condução. Ou seja, é papel do
educador o estímulo contínuo à dúvida, à curiosidade, e não uma curiosidade ingênua, baseada apenas nos
preceitos do senso comum, mas antes o que irá chamar o autor de curiosidade epistemológica, que
significa, antes de tudo, uma perspectiva crítica em relação às proposições do senso comum.
Dito em outros termos, a ideia de curiosidade epistemológica se refere a uma ação reflexiva, orientada
pelas referências dadas pelo professor e que se tornam, elas próprias, objeto de reflexão.
Neste sentido, o professor não pode se furtar a desempenhar o seu papel de orientador do
processo, ao mesmo tempo em que não pode se tornar um profeta, que apenas transmite um
conteúdo como uma verdade absoluta e que pressupõe ser ele apenas o seu detentor.
Como nos diz Freire, “não há para mim, na diferença e na distância entre a ingenuidade e a
criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos
metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá
na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário,
continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir,
curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizando-se” na sua aproximação ao objeto,
conota seus achados de maior exatidão. Na verdade, a curiosidade ingênua, que desarmada, está
associada ao saber de senso comum, é a mesma curiosi-dade que, criticizando-se, aproximando-
se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade
epistemológica. Muda de qualidade, mas não de essência". (Freire, Op. Cit. Pág.31)
Para Freire, diferentes contextos de aprendizagem definem a própria relação de aprendizagem, por
isso, deve-se sempre ser levado em conta o contexto social e histórico em que se encontram os edu-
candos, elemento essencial para que se estabeleça uma relação dialógica entre professor/aluno. "O

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fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialó-
gica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é
que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos"(Freire, Op. Cit. Pág. 86).
Exatamente por isso, o ensino é um processo a ser construído durante seu curso na
medida em que, o contexto no qual está sendo produzido será fundamental na própria
definição dos métodos de apren-dizado.
Levar em conta as condições do aprendizado, desde o contexto social dos educandos até
as condições materiais das instituições de ensino, se torna elemento fundamental na
produção da prática pedagó-gica. Isto significa, antes de tudo, levar em conta as
condições objetivas, sociais e históricas, que estão na base destas práticas.

Importante
A noção de curiosidade epistemológica pressupõe a ideia de uma reflexão crítica,
orien-tada pela busca de um conhecimento sistemático da realidade, em oposição a uma
curiosi-dade ingênua, baseada no conhecimento de senso comum.

Nesta perspectiva, a prática pedagógica não é algo acabado, pré-definido anteriormente à


experiência concreta. Ela deve ser construída no próprio processo de
ensino/aprendizagem, levando em conta o contexto onde está sendo produzida. Daí
deriva uma questão importante na proposta de Freire: a de que teoria e prática não se
separam, antes, toda teoria pedagógica deve ser, acima de tudo, uma teoria da prática.
Outra questão decisiva na proposta pedagógica de Paulo Freire se refere à emancipação
através da educação.
Ao contrário da educação bancária, que estabelece uma separação entre professor e aluno como
sujeito e objeto do processo ensino/aprendizagem, uma educação progressista é aquela que estimula
dúvida, a contestação e, acima de tudo, a crítica. Exatamente por isto ela é potencialmente libertadora,
pois sua consequência imediata é a produção de sujeitos reflexivos que coloquem em xeque não
apenas as práticas pedagógicas mas, essencialmente, o mundo em que vivem.
A curiosidade epistemológica seria, neste caso, o instrumental fundamental para a transformação so-cial.
“Um dos saberes primeiros, indispensáveis a quem, chegando a favelas ou a realidades marcadas pela
traição a nosso direito de ser, pretende que sua presença se vá tornando convivência, que seu estar no
contexto vá virando estar com ele, é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade.
É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O
mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade
com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo no é só o de quem constata o
que ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou
apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura,
da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”. (freire, Op. Cit. Págs 76-77)

Importante
Você considera a relação professor/aluno nos moldes tradicionais ou bancário, uma
relação de dominação marcada pelo cerceamento do “pensar” do aluno?

Dica
Para uma reflexão mais profunda sobre o pensamento de Paulo Freire, consulte:
http://www.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/Pedagogia_do_Oprimido.pdf

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2.5.1 Texto para reflexão

Texto: Resenha do livro Pedagogia do Oprimido de Paulo freire


Autor: Benício Passos, Fonte: http://www.pedagogiaaopedaletra.com.br

Paulo Reglus Neves Freire (1922-1997) ou somente Paulo Freire, como é popularmente conhecido, se
inscreve entre aqueles educadores empenhados na luta em defesa de uma educação humaniza-dora.
Figura emblemática no cenário educacional brasileiro, Paulo Freire transmite à posterioridade uma
produção intelectual relevante, cuja obra Pedagogia do Oprimido, composta de 184 páginas, publicada
pela primeira vez em 1967 e atualmente em sua 38ª edição, é uma mostra disso.
No livro em questão, Paulo Freire tece uma interessante discussão sobre a pedagogia de uma
perspec-tiva do oprimido. Ressalta que a luta pela libertação do homem, o qual é, semelhantemente à
realidade histórica, um ser inconcluso, se dá num processo de crença e reconhecimento do oprimido
em rela-ção a si mesmo, enquanto homem de vocação para “ser mais”. Preconiza um trabalho
educativo que respeite o diálogo e a união indissociável entre ação e reflexão, isto é, que privilegie a
práxis. Um trabalho que não se funde no ativismo (ação sem reflexão) ou na sloganização (reflexão
sem ação) e que não se funde numa concepção de homem como “ser vazio”.
Em correspondência a essa concepção de homem como “ser vazio” e, por isso, dependente de
“depósi-tos” de conhecimento, está, segundo Paulo Freire, a pedagogia de perspectiva opressora,
denominada de “educação bancária”. Pautada numa comunicação verticalizada, contrária ao diálogo,
serve como instrumento de desumanização e domestificação do oprimido, o qual na sua relação com o
opressor hospeda-o em sua consciência. Ao se referir à teoria antidialógica, o autor ressalta que a
referida teoria tanto traz a marca da opressão, da invasão cultural camuflada, da falsa “ad-miração” do
mundo, como lança mão de mitos para manter o ’status quo’ e manter a desunião dos oprimidos, os
quais divididos ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e manipulados.
É em contraposição a pedagogia opressora que Paulo Freire reforça a imprescindibilidade de uma
educação realmente dialógica, problematizadora e marcadamente reflexiva, combinações
indispensá-veis para o desvelamento da realidade e sua apreensão consciente pelo educando.
Ademais, “[. . . ] a educação problematizadora coloca, desde logo, a existência da superação da
contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica [. . . ] (FREIRE,
2004, p.68)”, não é possível a colaboração entre educador e educando, não é possível conceber
um educador-educando, que se educa no diálogo com o outro, e um educando-educador.
Traz à cena a questão do “ato de dissertar” realizado pelo educador, que constitui, e isto
tanto dentro como fora da escola e em qualquer nível de ensino, uma prática de
dominação, pois se disserta sobre a realidade como se fosse algo estático e sem vida.
É por meio da dissertação, explica Paulo Freire, que o “educador bancário” tenta “depositar”, “en-cher”,
o educando com conteúdos, os quais, comumente, não se relacionam com sua vida, minimi-zando, e
até mesmo anulando, seu potencial criativo, criticidade e pensar autêntico. Ao memorizar o conteúdo
narrado, ao “arquivar” os “depósitos”, o educando não está se conhecendo e conhecendo o mundo de
modo verdadeiro, não está desenvolvendo sua consciência crítica, daí Freire (2004, p.72) destaca que
a educação bancária “[. . . ] servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda, que não podendo
matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se ao mundo, a ‘domestica’”.
Em oposição à educação bancária, o educador-educando se compromete com um conteúdo programá-tico
que não caracteriza doação ou imposição, “[. . . ] um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -
, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe
entregou de forma desestruturada” (FREIRE, 2004. p. 83-84). Compromete-se com uma programação, com
conteúdos, que advêm das colocações do povo, de sua existência, desafiando-o

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à busca de respostas, tanto em nível de reflexão como de ação. Em outras palavras, uma prática
libertadora, requer que o “[. . . ] acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes
uma mensagem ‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser depositado, mas, para em diálogo com
elas, co-nhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que tenham dessa
objetividade; [. . . ] de si mesmos e do mundo” (FREIRE, 2004, p.86). Desse modo, busca-se
juntos, educador e povo, mediatizados pela realidade, o conteúdo a ser estudado.
Acerca do operacionalizar a pedagogia de uma perspectiva do oprimido, é preciso, segundo
Paulo Freire, investigar o universo temático do povo. Busca-se, inicialmente, conhecer a área
em que se vai trabalhar e se aproximar de seus indivíduos, marcando reunião e presença
ativa para coletar dados, de modo a levantar os temas geradores. Estes devem ser
organizados em círculos concêntricos, partindo de uma abordagem mais geral até a mais
particular. Tal operacionalização demanda, ainda, e isso cabe ao educador dialógico, devolver
em forma de problema o universo temático recebido do povo na investigação.
Efetivada essa etapa e com os dados em mãos, realiza-se um estudo interdisciplinar sobre os “acha-
dos” nos círculos de cultura, a partir dos quais os envolvidos apreendem o conjunto de contradições
que permeiam os temas. Cada envolvido na investigação temática apresenta um projeto de um dado
tema, o qual passa por discussão e acolhe sugestões. Os projetos servem, posteriormente, de
subsídio à formação dos educadores-educando que trabalharão nos círculos de cultura.
Após elaboração do programa, são confeccionados materiais didáticos em forma de, por exemplo,
textos, filmes, fotos, entre outros. São preparadas, também, as codificações de situações
existenciais, as quais têm que ser decodificadas pelo educando e promover o surgimento de uma
nova percepção da questão tratada, como também o desenvolvimento de um novo conhecimento.
Em retrospecto ao exposto, convém sublinhar que se trata de uma obra que denuncia os limites de uma
educação de ajustamento, ao mesmo tempo em que anuncia a possibilidade de uma educação
humanizadora, “libertadora”, como diria o autor. Daí a atualidade e relevância de sua leitura pelos
educadores das várias áreas do conhecimento, tanto os que estão em processo de formação acadêmica
como aqueles que já atuam e, também, demais interessados pelas discussões do campo educacional.

2.6 Recapitulando

Neste capítulo, estudamos alguns autores principais da sociologia e da pedagogia que buscaram
in-terpretar as relações entre o fenômeno da educação e o contexto mais amplo da sociedade.
Entre as teorias apresentadas, podemos elencar dois blocos principais de análise: de um lado, aquele
que privilegia o papel e função da educação na ordem social, determinando as relações entre a edu-
cação e os processos de socialização, a construção do ser social por intermédio dos processos peda-
gógicos bem como a influência da educação nos movimentos de racionalização da sociedade. Neste
campo se destacam as perspectivas teóricas de Émile Durkheim e Max Weber.
No outro bloco de análise se situa uma perspectiva que leva em conta principalmente a
interação entre os processos educacionais e as relações de poder no interior da sociedade,
tanto no que se refere à manutenção das relações de dominação social quanto ao potencial
de transformação que envolve os processos educacionais. Neste segundo bloco se destacam
as perspectivas teóricas de Pierre Bourdieu, Karl Marx e Paulo Freire.

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Capítulo 3

A educação na sociedade contemporânea

OBJETIVOS DO CAPÍTULO
Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• Reconhecer a noção contemporânea de pós-modernidade


• Perceber os desafios que se colocam frente à educação no contexto da pós-modernidade
• Relacionar os dilemas gerados pelo advento da sociedade de consumo e da
globalização frente ao fenômeno da educação

3.1 Da modernidade à pós-modernidade

A partir do final da década de 80 do último século, uma importante discussão adentrou o


ambiente acadêmico nos mais diversos centros de pesquisa e universidades ao redor do
mundo. Tratava-se da questão de como as sociedades contemporâneas haviam mudado
numa proporção tão profunda que estaríamos então vivenciando a passagem de uma
sociedade moderna para uma nova era, então denominada pós-moderna.
Diversos autores, especialmente na França, Alemanha, Grã-Bretanha e EUA, apontavam para o
fato de que a modernidade estava se esgotando enquanto modelo de organização social, desde
transformações na sua esfera econômica até mudanças substantivas na esfera cultural.
Neste sentido, estaríamos adentrando uma nova era onde as instituições modernas estariam entrando
em franca decadência e sendo paulatinamente substituídas por outras, marcadamente pós-modernas.
As relações entre a vivenciação social do tempo e do espaço também estariam sofrendo
uma ruptura estrutural, sendo agora marcadas pela dimensão da instantaneidade das
relações sociais e a desterri-torialização dos fenômenos sócio-culturais.
Tudo isto gerou um forte debate intelectual, especialmente entre aqueles que se declaravam
direta-mente partidários da pós-modernidade enquanto novo modelo de ordem social, aqueles
que compre-endiam que vivíamos um processo de transição entre uma ordem social moderna
para outra, pós-moderna, e aqueles que rechaçavam a ideia de pós-modernidade e que
apontavam que as mudanças na sociedade contemporânea nada mais eram do que um
processo de radicalização dos princípios da própria sociedade moderna.
Nosso objetivo aqui não é adentrar este debate, até porque sua extensão mereceria uma reflexão que,
minimamente exaustiva que fosse, não caberia nos limites de nossa abordagem aqui. Deste modo,

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nossa preocupação será apontar os principais argumentos que definiriam a ideia de uma ordem social
pós-moderna e seus impactos sobre o fenômeno da educação na sociedade contemporânea.
Desta forma, a primeira questão que se coloca é: o que caracterizaria uma ordem social pós-moderna?

Sobre esta questão uma primeira ponderação se faz necessária: assim como nunca houve
consenso sobre o que caracterizaria a ordem social moderna, do mesmo modo, os mais
diversos teóricos que falam sobre a pós-modernidade apresentam divergências entre si. O
que pretendemos aqui é ressal-tar os pontos de consenso que perpassam estas teorias e
alertando, ainda, que para -alguns autores contemporâneos, estes pontos não refletiriam uma
nova ordem -social, como já destacamos acima, mas seriam uma extensão da sociedade -
moderna na contemporaneidade. Precauções já sinalizadas, vamos então ao ponto.
Podemos dizer que a ideia de uma ordem social pós-moderna parte de três pressupostos
fundamentais: o primeiro, no campo econômico, seria o de que o capitalismo não mais se
organizaria pelo princípio da produção, mas sim pelo princípio do consumo; o segundo, no
plano cultural, seria marcado pela ideia de pastiche cultural, que significa a sobreposição e
convivência de valores, representações e sim-bolismos simultaneamente; e o terceiro, no
plano do conhecimento, de que não seriam mais possiveis grandes modelos ou discursos de
explicação da realidade social, tendo em vista que esta tornou-se altamente heterogênea.
Nosso objetivo aqui não é nos deter nestas características com profundidade, tendo em vista
o pe-queno espaço que temos, mas antes, chamar atenção para esta denominação que vem
sendo de forma crescente utilizada tanto pelo senso comum quanto pelo meio acadêmico.
De uma forma mais geral, poderíamos então definir a ideia do pós-moderno pela flexibilidade e au-
sência de rigidez dos valores, representações, práticas e espaços sociais. Ou seja, a dimensão pós-
moderna seria marcada pela ausência de regulamentos rígidos sobre a atividade social e cultural,
desprovendo assim a dinâmica de segurança típica de uma ordem social moderna por uma outra, onde
a ambivalência e instabilidade das relações sociais seriam sua marca mais característica.

3.1.1 Texto para reflexão

Texto: O mal-estar da pós-modernidade


Autor: Zigmunt Bauman

“Em 1930, foi publicado em Viena um livro chamado, inicialmente, Das Unglück in der Kultur (A
infelicidade na cu1tura) e depois rebatizado como Das Unbehagerí in der Kultur (O mal-estar na cul-
tura). O autor era Sigmund Freud. Quase simultaneamente foi publicada a tradução inglesa - para a
qual Freud sugeriu o título Man’s Discomfort in Civilizarion (O mal-estar do homem na civilização).
Como nos informa o editor inglês de Freud, James Strachey, a tradutora inglesa do livro, Joan Rivi-ere,
por algum tempo trabalhou, em vez disso, com o conceito de malaise, mas finalmente escolheu o título
Civilization and its Discontents (que ficou consagrado em português como “O mal-estar na ci-
vilização”). É sob esse título que o provocador desafio de Freud ao folclore da modernidade penetrou
em nossa consciência coletiva e, afinal modelou o nosso pensamento a propósito das consequências -
intencionais e não-intencionais – da aventura moderna (sabemos, agora, que era a história da mo-
dernidade que o livro contava, ainda que seu autor preferisse falar de Kultur ou civilização. Só a
sociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da “cultura"ou da “civilização” e agiu
sobre esse autoconhecimento com os resultados que Freud passou a estudar a expressão “civilização
moderna” é, por essa razão, um p1eonasmo.).
Você ganha alguma coisa mas, habitualmente, perde em troca alguma coisa: partiu daí a mensagem

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de Freud. Assim como “cultura” ou “civilização”, modernidade é mais ou menos beleza (“essa coisa
inútil que esperamos ser valorizada pela civilização”), limpeza (“a sujeira de qualquer espécie parece-
mos incompatível com a civí1ização") e ordem (“Ordem é uma espécie de compulsão à repetição que,
quando um regulamento foi definitivamente estabelecida decide quando, onde e como uma coisa deve
ser feita, de modo que em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão"). A beleza
(isto é, tudo o que dá o sublime prazer da harmonia e perfeição da forma), a pureza e a ordem são
ganhos que não devem ser desprezados e que, certamente se abandonados, irão provocar indignação
resistência e lamentação Mas tampouco devem ser obtidos sem o pagamento de um alto preço. Nada
predispõe “naturalmente” os seres humanos a procurar ou preservar a beleza, conservando-se limpo e
observar a rotina chamada ordem. (Se eles parecem, aqui e ali, apresentar tal “instinto", deve ser uma
inclinação criada e adquirida, ensinada, o sinal mais certo de uma civilização em atividade.) Os seres
humanos precisam ser obrigados a respeitar e apreciar a harmonia, a limpeza e a ordem. Sua
liberdade de agir sobre seus próprios impulsos deve ser preparada. A coerção é dolorosa, a defesa
contra o sofrimento gera seus próprios sofrimentos.
“A civilização se constrói sobre uma renúncia ao instinto."Especialmente - assim Freud nos diz - a
civilização (leia-se: a modernidade) “impõe grandes sacrifícios"à sexualidade e agressividade do
homem “O anseio de liberdade, portanto, é dirigido contra formas e exigências particulares da civili-
zação ou contra a civi1ização como um todo."E não pode ser de outra maneira. Os prazeres da vida
civilizada, e Freud insiste nisso, vêm num pacote fechado com os sofrimentos, a satisfação com o mal-
estar, a submissão com a rebelião. A civilização - a ordem imposta a uma humanidade naturalmente
desordenada - é um compromisso, uma troca continuamente reclamada e para sempre instigada a se
renegociar. O princípio de prazer está aí, reduzido à medida do princípio de realidade, e as normas
compreendem essa realidade que é a medida do realista. “O homem civilizado trocou um quinhão das
suas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança."Por mais justificadas e realistas que
possam ser as nossas tentativas de superar defeitos específicos das soluções de hoje, “talvez
possamos também nos familiarizarmos com a ideia de que há dificuldades inerentes à natureza da
civi1ização que não se submeterão a qualquer tentativa de reforma".
Dessa ordem que era o orgulho da modernidade e a pedra angular de todas as suas outras
realizações (quer se apresentando sob a mesma rubrica de ordem, quer se escondendo sob os
codinomes de beleza e limpeza), Freud falou em termos de “compulsão", “regulação", “supressão”
ou “renúncia forçada". Esses mal-estares que eram a marca registrada da modernidade
resultaram do “excesso de ordem"e sua inseparável companheira - a escassez de liberdade. A
segurança ante a tripla ameaça escondida no frágil corpo, o indômito mundo e os agressivos
vizinhos chamados para o sacrifício da liberdade primeiramente, e antes de tudo, a liberdade do
indivíduo para a procura do prazer. Dentro da estrutura de uma civilização concentrada na
segurança, mais liberdade significa menos mal-estar. Dentro da estrutura de uma civi1ização que
escolheu limitar a liberdade em nome da segurança, mais ordem significa mais mal-estar.
Nossa hora, contudo, é a da desregulamentação. O princípio de realidade, hoje, tem de
se defender no tribunal de justiça onde o princípio de prazer é o juiz que a está
presidindo. “A ideia de que há dificuldades inerentes à natureza da civilização que não se
submeterão a qualquer tentativa de reforma"parece ter perdido sua prístina obviedade. A
compulsão e a renúncia forçada, em vez de exasperante necessidade, converteram-se
numa injustificada investida desfechada contra a liberdade individual.
Passados sessenta e cinco anos que O mal-estar na civilização foi escrito e publicado, a liberdade
individual reina soberana: é o valor pelo qual todos os outros valores vieram a ser avaliados e a re-
ferência pela qual a sabedoria acerca de todas as normas e resoluções supra-individuais devem ser
medidas. Isso não significa, porém, que os ideais de beleza, pureza e ordem que conduziram os
homens e mulheres em sua viagem de descoberta moderna tenham sido abandonados, ou tenham

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perdido um tanto do brilho original. Agora, todavia, eles devem ser perseguidos - e realizados - atra-
vés da espontaneidade do desejo e do esforço individuais. Em sua versão presente e pós-moderna, a
modernidade parece ter encontrado a pedra filosofal que Freud repudiou como uma fantasia ingênua e
perniciosa: ela pretende fundir os metais preciosos da ordem limpa e da limpeza ordeira direta-mente a
partir do ouro do humano, do demasiadamente humano reclamo de prazer de sempre mais prazer e
sempre mais aprazível prazer - um reclamo outrora desacreditado como base e condenado como
autodestrutivo. Como se incólume - talvez mesmo fortalecida por dois séculos de concentrados
esforços para conservá-la na luva de ferro das normas e regulamentos ditados pela razão - a “mão
invisíve1"recobrou a verdade e está uma vez mais prestigiada. A liberdade individual outrora uma
responsabilidade e um (talvez o) problema para todos os edificadores da ordem, tornou-se o maior dos
predicados e recursos na perpétua autocriação do universo humano.
Você ganha alguma coisa e, em troca, perde alguma outra coisa: a antiga norma mantém-se
hoje tão verdadeira quanto o era então. Só que os ganhos e as perdas mudaram de lugar: os
homens e as mulheres pós-modernos trocaram um quinhão de suas possibilidades de
segurança por um quinhão de fe1icidade. Os mal-estares da modernidade provinham de uma
espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade
individual. Os ma1-estares da pós-modernidade pro-vêm de uma espécie de liberdade de
procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais.
Qualquer valor só é um valor (como Georg Simmel, há muito, observou) graças à perda de outros
valores, que se tem de sofrer a fim de obtê-lo. Entretanto, você precisa mais do que mais falta. Os
esplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada no
altar da segurança. Quando é a vez de a segurança ser sacrificada no templo da liberdade
individual ela furta muito do brilho da antiga vítima. Se obscuros e monótonos dias assombraram
os que procuravam a segurança, noites insones são a desgraça dos 1ivres. Em ambos os casos,
a felicidade soçobra. Ouçamos Freud, novamente: “Estamos supondo, assim, que só podemos
extrair intenso deleite de um contraste, e muito pouco de um estado de coisas.” Por quê? Porque
“o que chamamos felicidade (. . . ) vem da (preferivelmente repentina) satisfação de necessidades
represadas até um alto grau e, por sua natureza, só é possível como fenômeno episódico”. Sem
dúvida: liberdade sem segurança não assegura mais firmemente uma provisão de felicidade do
que segurança sem liberdade. Uma disposição diferente das questões humanas não é
necessariamente um passo adiante no caminho da maior felicidade: só parece ser tal no momento
em que se está fazendo. A reavaliação de todos os valores é um momento feliz, estimulante, mas
os valores reavaliados não garantem necessariamente um estado de satisfação.
Não há nenhum ganho sem perda, e a esperança de uma purificação admirável dos ganhos a partir das
perdas é tão fútil quanto o sonho proverbial de um almoço de graça - mas os ganhos e perdas próprios a
qualquer disposição da coabitação humana precisam ser cuidadosamente levados em conta, de modo que
o ótimo equilíbrio entre os dois possa ser procurado, mesmo se (ou, antes, porque) a sobriedade e
sabedoria duramente conquistadas nos impedem, aos homens e mulheres pós-modernos, de nos entregar a
uma fantasia sobre um balanço financeiro que tenha apenas a coluna de créditos.” (O mal-estar da pós-
modernidade. Introd. Bauman, Zigmunt. Rio de Janeiro, Zahar, 1998. Págs 7-10)

3.2 A educação na pós-modernidade

A partir do exposto acima, uma das questões que se impõe ao pensamento científico contemporâneo é a de
como as instituições se comportam neste novo contexto social. Se, por um lado, não há consenso no meio
acadêmico sobre se a denominação mais precisa para as transformações que se apresentam na sociedade
contemporânea é a de uma sociedade pós-moderna, por outro lado, já é consenso que pro-

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fundas mudanças estão em curso na sociedade atual e que a partir delas transformações
substantivas estão ocorrendo no mundo social. Como então, tais mudanças modificam
e/ou alteração o fenômeno da educação e suas instituições?

Nota
Como se estrutura o fenômeno educacional frente aos desafios postos pela sociedade
con-temporânea?

Pensar a educação no atual contexto se tornou um dos principais desafios de intelectuais


e agentes que controlam o poder social. Isto porque as transformações que ocorrem no
campo tecnológico e, principalmente, na esfera dos valores, produziu novas condições
sociais que afetam diretamente a relação ensino/aprendizagem, professor/aluno.
Um dos maiores desafios contemporâneos que se impõe ao processo educacional é a
hegemonia que a imagem passou a deter em nossas sociedades. Constituímos hoje uma
sociedade transpassada pela dimensão da imagem, onde os significados e discursos
sociais se estruturam, essencialmente, a partir de uma estrutura imagética.
Em meados da década de 60, o filósofo Francês Guy Debord, escreveu seu célebre livro, “A
sociedade do espetáculo”, onde chamava a atenção para o fato de que, “toda a vida das
sociedades nas quais rei-nam as modernas condições de produção se apresenta como uma
imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação”. (Debord, Guy. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997).
Neste sentido, pensar a prevalência da imagem como fonte dos discursos sociais implica, assim,
em pensar no declínio de outras formas de manifestação da linguagem, especialmente a escrita.
Laurence Bardin, sociólogo francês disse certa vez que “a publicidade é uma fonte de
informação e conhecimento, e é provável que as crianças do século XX aprendam ler e
sonhar graças ao “sabão DIM” e “Amoníaco Ajax” do que através do discurso de um
professor. Há um aspecto pedagógico que constitui um elemento desta cultura cotidiana
imediata que nos fala Abraham Moles, funcionando paralelamente – de maneira informal
mas ativa – aos circuitos institucionais e culturais reconhecidos”. (Bardin, Laurence. Les
mécanismes ideologiques de la publicite. Paris, Encyclopedie universitaire, 1975. Pág 36).
Nesta perspectiva, pensar a educação como um processo atravessado pela dinâmica da imagem se
tornou uma exigência dos processos educativos, ao mesmo tempo que aponta um declínio da escrita,
e por consequência da leitura, como um dos principais paradoxos da educação contemporânea.
Ao mesmo tempo, pensando a partir de um ponto de vista mais geral, se os processos educativos
estavam, como disse Durkheim, diretamente associados aos processos de socialização, sendo
um de seus principais meios de difusão, no contexto contemporâneo a socialização vai sendo
deslocada para outros mecanismos sociais que passam a se constituir como seu efetivo espaço
de realização, sendo os meios de comunicação de massa um desses principais mecanismos.
A mídia assume, na sociedade contemporânea, papel cada vez mais central na constituição e
difusão de valores e informações. Ao mesmo tempo, esta difusão está fortemente mediada por
imagens e se dá de forma quase instantânea, especialmente através das mídias eletrônicas.
O potencial de informação instantânea que hoje existe por intermédio da rede mundial internet
é algo que seria absolutamente impensável num curto prazo histórico de 30 ou 40 anos atrás.
A capacidade da comunicação televisiva atingir milhões ou mesmo bilhões de pessoas
simultanea-mente, como por exemplo nos grandes eventos esportivos mundiais,
demonstra a força desses novos agentes na sociedade contemporânea.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Se, de um lado, as novas tecnologias proporcionam um avanço extremo na ordem de


comunicação das sociedades, e também um grande potencial de expansão do aprendizado e
difusão do conhecimento nos quatro cantos do mundo, ao mesmo tempo não podemos perder
de vista que as informações difundidas por seus meios se encontram atreladas e demarcadas
por recortes de interesses, e por isso assumem efetivamente um caráter político.
Talvez aí resida um dos principais paradoxos da relação entre a influência da mídia e a
formação escolar pois, se a primeira representa deliberadamente interesses daqueles que
a controlam, a segunda visa, ao menos em tese, um interesse de ordem pública.
Por outro lado, isto não quer dizer que o problema seja o próprio desenvolvimento
tecnológico. Isto seria um anacronismo ingênuo. Na verdade o que está em jogo são os
diferentes usos possíveis das tecnologias de informação e quem, de fato, detém o
controle sobre elas e a favor de quais interesses e valores.
De um modo ou de outro, nos parece que a questão de fundo ainda se impõe, ou seja,
como os processos de ensino/aprendizado deverão se articular com o desenvolvimento
da comunicação de massa e as novas tecnologias que passaram a articular a dimensão
da imagem como um dos principais elementos de mediação na relação de conhecimento.

3.3 Sociedade de consumo, globalização e educação

A sociedade de consumo e o consumismo dela derivado se tomaram forças sociais fundamentais


na constituição do mundo contemporâneo. A capacidade que tem de aglutinar indivíduos, grupos,
comunidades, ideologias e imaginários ao mesmo tempo que desterrá-los de sua localização
social original lança a atividade de consumo para o centro da organização social.
Sua lógica, baseada nos princípios da “descartabilidade” e da “efemeridade” foram desde
suas ori-gens no século XVIII continuamente deslocadas para boa parte do conjunto das
relações humanas, interferindo diretamente na esfera privada dos indivíduos.
A própria ideia de felicidade se encontra hoje em boa medida atrelada à capacidade de consumo
que tem ou não um indivíduo. A angústia gerada por esta incapacidade é um forte indicativo de
como o consumo se tornou, muito mais do que uma atividade econômica indispensável ao
desenvolvimento do capitalismo, um valor fundamental para pessoas, grupos e comunidades.
Vivemos hoje o ápice de uma ética, iniciada no século XVIII onde o dispêndio, e não a
acumulação passa em grande medida a orientar a relação dos homens em sociedade.
Se é uma evidência lógica que todas as sociedades até nossos dias exerceram suas
atividades pro-dutivas e consumiram o resultado desta produção, porque então somente
agora dizemos viver numa sociedade de consumo? O que diferencia, neste caso, o
universo do consumo em momentos anterio-res da história do atual estágio de sua
configuração? Qual o sentido, neste caso, da própria expressão “sociedade de consumo”?
Ao falar em sociedade de consumo estamos nos referindo não apenas ao aspecto do
aumento quanti-tativo de bens e o respectivo aumento dos consumidores aptos a adquirirem
estes bens. Ao contrário podemos dizer que a sociedade de consumo se institui quando o
consumo se torna um elemento forte junto à consciência coletiva de uma dada sociedade, se
estruturando deste modo enquanto um va-lor social. Sob este aspecto ela é, essencialmente,
uma realidade histórica, mais propriamente uma realidade histórica típica da modernidade e
que se estende e ganha força em seus desdobramentos contemporâneos.

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Falamos ainda em sociedade de consumo quando o ato consumista passa a ser um


elemento de me-diação a partir do qual indivíduos e grupos constituem suas identidades,
orientam suas relações e problematizam seus conflitos, enfim, quando a esfera do
consumo passa a adquirir centralidade nor-mativa na vida da sociedade e de seus
componentes, se tomando elo de comunicação, conflito e sociabilidade.
Gerar mais bens não implica, necessariamente, no aumento do consumo. Antes de tudo é
necessário estimular o desejo, produzir gostos, criar estratégias de legitimação do
consumo excedente e isto, evidentemente não ocorre como resultado direto de
transformações nas estruturas técnico-econômicas do capitalismo.
É importante, deste modo, ressaltar que, a adesão ao consumismo não é um processo
natural, um pressuposto, ou mesmo consequência imediata de transformações
econômicas estruturais. Mais que isso, se caracteriza como uma construção histórica,
social e cultural que pressupõe, essencialmente uma mudança na forma de atitude que o
homem moderno estabelece na sua relação com os bens e objetos.
Uma das primeiras abordagens no campo da ciência moderna sobre a questão do
consumo, a dos economistas clássicos nos séculos XVIII e XIX na Europa, tentava
explicar o fenômeno do consumo como um processo residual resultado do
desenvolvimento econômico e da distribuição da riqueza produzida.
Nesta perspectiva, baseada num princípio essencialmente utilitarista, o valor de uso dos
bens passa a ser o elemento principal a partir do qual definimos a atitude do consumidor,
a qual irá se basear num princípio racional e lógico atrelado à realização de uma tarefa
precisa e objetiva: a satisfação de necessidades.
Esta perspectiva teórica forjada no interior do pensamento econômico clássico apresenta dois
proble-mas que a fragilizam enquanto modelo explicativo da esfera da demanda: primeiro, por que
o princí-pio de racionalidade que ela pressupõe na atividade de consumo, a utilidade do bem
como satisfação de necessidades não pode ser controlado cientificamente, tendo em vista o grau
de arbitrariedade que pressupõe a própria ideia do que seja uma “necessidade”, sendo tal
afirmação apenas um pressuposto; em segundo lugar, por que também o ato de consumo,
baseado na lógica do valor de uso dos bens, não explica uma das características principais do
consumismo moderno, ou seja, a aquisição de bens supérfluos, de luxo, ou seja, aqueles que,
numa perspectiva racional-pragmática, seriam exatamente considerados “desnecessários”.
Vejamos: se a modernidade trouxe com o desenvolvimento do industrialismo a capacidade de produ-
ção em larga escala de mercadorias e bens através da tecnificação da produção e da racionalização
das relações de trabalho, do mesmo modo ela gerou a necessidade do alargamento da esfera da
demanda para suprir a nova capacidade produtiva, antes restrita a pequenos segmentos sociais.
Deste modo, uma produção em escala industrial passa a demandar um consumo também em
“escala industrial” o que significa em outros termos, ampliação do mercado consumidor e, o que é
mais importante, uma mudança quanto ao sentido do próprio consumo, significando na prática,
consumir além do estritamente necessário, ou seja, para além do valor de uso dos bens.
É imprescindível, deste modo, convencer o consumidor a adquirir bens baseado em
outros pressu-postos e motivações que não mais aqueles ligados estritamente à
satisfação de suas mais primitivas necessidades.
A tese de que o consumo se orienta estritamente pelo valor de uso dos bens não se sustenta neste
caso. Como, então, convencer o consumidor a adquirir bens de que não necessita? Um caminho seria
associar a estes bens um conjunto de significados que extrapolam sua dimensão “utilitária”. Outra, e
talvez este tenha sido um dos elementos-chave na revolução na esfera do consumo que se originou no

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século XVIII na Europa, constituiu na transformação do excedente, do supérfluo, numa


palavra, do “luxo”, em necessidade.
Não iremos aqui, dado os limites desta introdução, invadir o pantanoso campo da
distinção luxo/-necessidade. Apenas compete reconhecer neste primeiro momento da
análise que, um dos pilares de sustentação da moderna sociedade de consumo e, como
lógica intrínseca ao desenvolvimento do consumismo moderno, a constante
transformação do que é culturalmente considerado luxo em neces-sidade.
É exatamente sobre este último aspecto que podemos perceber um movimento que irá atuar decisi-
vamente na transformação da lógica do consumo nas sociedades modernas a passagem do consumo
como um processo de satisfação de necessidades, as quais Werner Sombart, importante economista e
sociólogo alemão do final do século XIX e início do século XX, definiria como “o conjunto das
necessidades fisiológicas ou das necessidades culturais” para uma ordem de consumo entrecortada
por elementos de natureza simbólica, psicológica e social onde as "necessidades"passam a ser resul-
tantes de construções simbólicas, onde os bens se tomam objetos carregados de significação social
que extrapolam os limites de seu valor-de-uso estrito senso. Numa palavra, se tornam suportes que
passam a servir de base de mediação para relações e processos sociais, se deslocando, neste caso,
de sua origem estritamente econômica para outras esferas da atividade social.
Uma das questões mais importantes aqui é que este novo tipo de relação não se encontra
mais lo-calizado neste ou naquele local específico, nesta ou naquela sociedade, mas sim
avança junto com a expansão do capitalismo para os quatro campos do mundo, se
tornando um fenômeno efetivamente global.
Pensar neste caso o desenvolvimento da sociedade de consumo implica, neste caso, pensar
no próprio desenvolvimento do capitalismo enquanto um modo de vida histórico que se torna,
atualmente, um modo de vida cada vez mais globalizado, sendo o consumismo uma das
marcas mais fundamentais que compõe o universo cultural e simbólico deste modo de vida.

Atenção
A noção de ‘sociedade de consumo’ pressupõe, fundamentalmente uma nova relação dos
homens com os bens, relação esta onde estes últimos passam a servir como elementos
de intermediação das relações sociais.

No interior deste contexto, pensar a relação entre sociedade de consumo e educação implica,
antes de tudo, tentar compreender como a dinâmica do consumismo, baseada nos princípios da
efemeridade e descartabilidade influenciam, em alguma medida, a relação ensino aprendizagem.
Se, de um lado, seria uma equação muito simplista transpassar a lógica do consumo para os
processos que envolvem a esfera da educação, de outro, não devemos desconsiderar que, cada vez
mais, as relações sociais se encontram cada vez mais permeadas por uma lógica da instantaneidade,
e por isso mesmo, intervindo nas formas de percepção dos indivíduos e grupos na sociedade,
incluindo aí aqueles diretamente envolvidos no interior do processo de ensino e aprendizagem.
Uma das questões que emerge nesta relação é exatamente aquela sobre as relações de
temporalidade envolvidas nos processos de criação e absorção de conteúdos.
A questão do tempo se tornou uma das exigências fundamentais do mundo
contemporâneo, tanto sob o ponto de vista de sua aceleração quanto, e isto talvez seja o
mais importante, sua dimensão de “presentificação”.
Esta última questão envolve um processo típico da atualidade, onde o presente se
hipertrofia, o que significa dizer que cada vez mais se perde a dimensão de “processo”
envolvida na constituição dos fenômenos sociais.

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Neste sentido, o conhecimento que se busca é, cada vez mais, algo orientado por uma dimensão
utilitária, que atenda a uma demanda presente e que se torna, em pouco tempo, obsoleto.
No interior desta perspectiva, a educação se tornou um efetivo desafio na contemporaneidade, es-
pecialmente se formos levar em consideração o princípio de uma educação integral, formadora e
transformadora dos espíritos tal qual o princípio da Paideia grega.

Dica
Para maior aprofundamento sobre os temas aqui apresentados consulte:
Pós-Modernidade, Globalização e Educação disponível em http://books.google.com.br.

3.3.1 Texto para reflexão

Texto: EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: Uma tentativa de colocar ordem no debate (Revista


de ciências da educação, Lisboa, Nº 04, 2007)
Autor: Bernard Charlot

"(. . . ) O que é a globalização? Em se detendo ao próprio processo, sem incluir na definição


suas consequências ou um julgamento de valor, a globalização é “a crescente integração das
economias e das sociedades no mundo, devido aos fluxos maiores de bens, de serviços, de
capital, de tecnologia e de ideias” (david dollar, diretor das Políticas de desenvolvimento no
Banco Mundial). Trata-se, antes de tudo, de um fenômeno econômico.
A globalização é definida em primeiro lugar pela abertura das fronteiras. Essa é negociada na Organi-
zação Mundial do Comércio (OMC), onde um país pode propor diminuir ou até suprimir as suas taxas
de importação se os demais consintam iguais esforços ou ofereçam compensações em outro domínio.
Essa abertura leva à diminuição do peso do Estado. O recuo deste é a consequência de
três processos: a nova valorização do local, já analisada, a abertura das fronteiras no
quadro da globalização e a cons-tituição de blocos regionais, como a União Européia, o
NAFTA (Canadá, México, Estados Unidos), o Mercosul, o Pacto Andino, a APEC (Ásia —
Pacífico). Para os Europeus, a constituição da União Européia teve, até agora, mais
consequências na área da educação do que a própria globalização, impulsada pela OMC.
A globalização pode também ser definida pela circulação de fluxos e o desenvolvimento
correlativo de empresas multinacionais. Essas existiam antes da globalização, mas se
tornaram ainda mais potentes com a globalização e o recuo do Estado.
Nascida como fenômeno econômico, a globalização tornou-se também um fenômeno político.
Com efeito, ampara-se na ideologia neoliberal do chamado “Consenso de Washington”, formulado
pela primeira vez em 1989, por economistas do FMI, do Banco Mundial e do departamento do
Tesouro dos Estados Unidos, para definir a política a ser aplicada na América Latina. A ideia é de
que a intensificação do comércio internacional, conforme a lei do mercado, definida pela oferta e a
demanda e, portanto, livrada das regulamentações estaduais, é a fonte do desenvolvimento, da
riqueza para todos os países, do progresso econômico e social.
Na verdade, o que aconteceu até agora? Europa, Estados Unidos, Japão, países do sudeste asiático
foram beneficiados pela abertura das fronteiras. Hoje, estão aproveitando dela alguns países neo-
emergentes, como China, Índia, Rússia e Brasil. Mas não é o caso dos Países Menos Avançados
(PMA), como chamam hoje os países pouco desenvolvidos economicamente. Segundo o Programa

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das Nações Unidas pelo desenvolvimento (PNUd), a discrepância entre os 20% de seres
humanos mais ricos e os 20% mais pobres foi multiplicada por 2,5 entre 1960 e 1997. Do
ponto de vista econômico, o neoliberalismo resumido no Consenso de Washington beneficiou
alguns países, mas não atendeu aos países mais pobres e, às vezes, prejudicou-os.
Qual é a relação de tudo isso com a escola?
Até agora, a própria globalização teve poucos efeitos sobre a escola. Surtiram efeitos, sobretudo,
as novas lógicas da década de 80 e a progressão ideológica do neoliberalismo. Entretanto, a
globalização produziu alguns efeitos dramáticos nos países do sul, através do FMI e do Banco
Mundial. Por fim, ela poderia ter efeitos importantes através das negociações em andamento em
Doha a respeito do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços. Já falei das novas lógicas dos
anos 80. A seguir, dou algumas informações no que tange aos demais assuntos.
O neoliberalismo está progredindo na área da educação, como evidenciado por vários fenômenos.
Nos Estados Unidos, está sendo desenvolvido um dispositivo de vouchers. Alguns
Estados locais, ou distritos escolares, já não financiam a escola, dão um voucher (cheque,
passe, “vale”) aos pais, que o usam para pagar a escola, seja ela particular ou pública. O
Banco Mundial já se disse interessado por esse dispositivo.
Também nos Estados Unidos, já existem empresas de management das escolas públicas.
Empresas privadas são contratadas pelos Estados para dirigir escolas públicas, com a
ideia de melhorar a eficácia das escolas.
Desenvolvem-se, ainda, em vários países, redes de escolas particulares. Assim, no Brasil, as pes-
soas da classe média escolarizam os seus filhos em escolas particulares. Os filhos de professores
das escolas públicas não vão para escolas públicas, vão para escolas particulares. Estas baseiam
a sua publicidade nos resultados do vestibular, concurso para entrar na universidade. Divulgados
os resultados, vêem-se faixas penduradas na entrada de certos prédios, felicitando Fulano que
entrou na universidade, com indicação, está claro, da escola em que estudou. Já existe no Brasil,
e em outros países, um verdadeiro mercado da educação.
Crescem também, em particular no Japão e na Coréia do Sul, os cursos privados que
recebem os jovens depois da escola. Quem não frequenta esses cursos tem
pouquíssimas chances de ingressar numa universidade.
Prosperam, ainda, os cursos de língua estrangeira, em especial os que ensinam o inglês ou, como
di-zem alguns especialistas de linguística, o “globish”, isto é, o inglês usado nas trocas
internacionais. Lá onde estou vivendo, em Aracaju, no nordeste brasileiro, é interessante
comparar a Aliança Francesa e Cultura Inglesa. A Aliança Francesa acolhe os seus alunos num
velho prédio, com pequenas salas tradicionais, pouco material, uma biblioteca de tipo tradicional.
A Cultura Inglesa recebe-os num prédio moderno, com vidros grandes e todo o equipamento
moderno. É a diferença entre aprender uma língua e entrar na competição internacional. Posto
isso, se a Aliança Francesa tivesse equipa-mento moderno, não se tornaria neoliberal por isso,
providenciaria aos seus alunos meios modernos de aprender uma língua.
Observa-se, igualmente, o ingresso de grandes multinacionais nas escolas. Coca-Cola, por
exemplo, paga para a escola disponibilizar uma máquina distribuindo Coca-Cola. Nestlé envia
material gratuito sobre o que é uma boa alimentação e Colgate interessa-se pela higiene
dentária. Em plena neutralidade pedagógica, claro está. . . Vinte anos atrás, nem poderíamos
pensar nisso. Hoje, há discussões na escola para saber se são práticas aceitáveis.
Note-se que não se trata mesmo da globalização, mas da progressão do neoliberalismo, mesmo que
sejam atualmente dois fenômenos estreitamente ligados. Outros fenômenos estão se desenvolvendo,
talvez mais perigosos por serem mais ambíguos: formas de hibridação entre lógicas de serviço público

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e lógicas neoliberais. Por exemplo, na França a concorrência está se desenvolvendo entre as


escolas públicas, para enviarem os mais fracos para outras escolas e receberem os melhores.
Também, dentro das escolas das periferias, muitas vezes há uma classe que vai receber os
poucos filhos de classe média que continuam frequentando essa escola.
Para abordar os efeitos da própria globalização sobre a educação, é preciso falar das organizações
internacionais: OCDE, FMI, Banco Mundial e OMC. Mas cuidado: uma organização internacional, na
verdade, só tem o poder que lhe conferem os Estados que a sustentam. Às vezes, acha-se que
é a organização internacional que decide. Ela toma decisões, claro, mas na lógica e, muitas vezes,
conforme os interesses dos países que a mantêm, isto é, que a financiam. Atrás das organizações
internacionais, é o poder do capital internacional que funciona. A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) recebe 25% do seu orçamento dos Estados Unidos. No FMI, em
2005, os Estados Unidos tinham 17% dos votos, a França 5%, Arábia Saudita 3,2%, Índia 1,9%, Brasil
1,4%, Indonésia 1%. Juntos, Índia, Brasil e Indonésia, com quase 500 milhões de habitantes, têm
menos peso no FMI do que a França, com 60 milhões. No Banco Mundial, o número de votos de cada
país depende do capital que ele colocou no Banco. A organização mais democrática, apesar de ser
muito criticada, é a OMC, onde cada país tem um voto. A OMC não tem poder de decisão. A sua
função é organizar as discussões entre os vários países e são estes que celebram contratos. Contudo,
a OMC tem um poder importante: depois de um convênio ter sido assinado, a OMC arbitra os conflitos
e ela já decidiu a favor de países do sul, contra os Estados Unidos ou a União Européia.
Na área da educação, o lugar mais importante para os países ricos é a OCDE. É o thinking
tank, como dizem os norte-americanos, isto é o reservatório para ideias. Saíram da OCDE a
“reforma da matemática moderna”, a ideia e a própria expressão de “qualidade da educação”,
a ideia de “economia do saber”, a de “formação ao longo de toda a vida”. A OCDE é o centro
do pensamento neoliberal no que tange à educação. Não é de admirar-se disso quando se
sabe que foi explicitamente criada para promover a economia de mercado.
Para os países mais pobres, as organizações importantes são o FMI e o Banco Mundial. São as
chamadas organizações de Bretton Woods, em referência ao lugar onde foi pensada a reorganização
da economia mundial, em 1944. A missão do FMI é evitar uma crise igual à de 1929. Para tanto, ele
empresta dinheiro, a curto prazo, aos países com problemas financeiros. Para saber se esses países
têm condições de reembolsá-lo e para ajudá-los a criar essas condições, O FMI estabelece com eles
“planos de ajustamento estrutural”. Nestes, muitas vezes são feitos cortes nos orçamentos da saúde e
da educação, que são gastos sem rentabilidade de curto prazo.
O Banco Mundial tem uma missão de combate à pobreza a longo prazo. Na verdade, é um grupo
constituído pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) mais
quatro organizações a ele associadas. É basicamente um banco, cuja função é emprestar dinheiro
para am-parar projetos de desenvolvimento, em particular na área da educação. Em 2004, 89
países tinham projetos financiados, pelo menos parcialmente, pelo Banco Mundial. No entanto,
esse Banco não empresta dinheiro para qualquer projeto, claro está. Avalia os projetos que lhe
são submetidos, de acordo com os seus próprios critérios e, também, dá conselhos aos países
que pretendem ter projetos financiados. Tornou-se assim o principal consultor dos países do sul
na área da educação. Ora, o Banco Mundial tem uma doutrina oficial. Pensa que a qualidade da
educação é fundamental para lu-tar contra a pobreza, mas que não tem e nunca terá dinheiro
público suficiente para desenvolver uma educação de qualidade. Daí o Banco Mundial conclui que
é preciso dinheiro privado. Considera que os quatro ou cinco anos de educação primária
incumbem ao Estado, mas que a educação secundária e superior deve ser paga pelos pais. Acha
também que nos países pobres, em particular os da África, é preciso diminuir o salário dos
professores, para reduzir a diferença entre o que eles ganham e a renda dos camponeses.
Quanto ao futuro, o assunto mais importante está sendo discutido na OMC. Após a Segunda Guerra

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Mundial, foram abertas negociações, chamadas de GATT, para baixar as taxas de importação e
desen-volver o comércio internacional. No dia 1º de janeiro de 1995, foi criada a Organização
Mundial do Comércio e assinado um Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS). O
acordo prevê uma liberalização dos serviços em janeiro de 2005, após dez anos de discussões.
No entanto, as negocia-ções fracassaram em Seattle (1999) e Cancun (2003). Foram abertas
novas discussões em Doha, as quais estão em andamento. As reuniões de Seattle e Cancun
foram perturbadas pelas manifestações dos altermundialistas, opostos à globalização neoliberal.
Contudo, não é essa a causa do fracasso das negociações; as dissensões dizem respeito à
questão da agricultura. Estados Unidos e União Européia já obtiveram a liberalização de muitas
mercadorias industriais e de alguns serviços (telecomunica-ções, aviação, serviços bancários) e
estão pedindo a ampliação da liberalização dos serviços, mas continuam protegendo a sua
agricultura com taxas de importação e subvenções aos seus agricultores. Liderados por Brasil,
Índia e África do Sul, os países pobres ou emergentes, cujos principais produtos de exportação
são agrícolas, exigem uma liberalização da agricultura em troca da liberalização dos serviços.
O que aconteceria com a educação se os serviços fossem liberalizados?
Depende da interpretação do AGCS e dos resultados de negociações. O acordo contempla a
educação, um dos doze setores pautados. Em princípio, os serviços públicos são protegidos quando
remetem diretamente à soberania do Estado. No caso das Forças Armadas, a interpretação é clara; a
situação, porém, é diferente quando se trata da educação, uma vez que já existem escolas privadas.
Uma interpretação estrita do AGCS poderia até proibir ao Estado de conceder às escolas públicas um
tratamento mais favorável do que aquele que iria dar às escolas privadas. Tal interpretação levaria
à morte das escolas públicas: impossibilitado de financiar todas as escolas particulares, o
Estado deveria renunciar às escolas públicas. Todavia, é apenas uma hipótese e os fatos já
ocorridos são menos assustadores. Os pedidos de liberalização já depositados pelos Estados
Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia dizem respeito ao ensino superior, à formação dos
adultos, aos cursos de língua e aos serviços de avaliação e não falam do ensino primário ou
secundário. A lista de pedidos da União Européia, em 2003, nada diz sobre educação.
Resumidamente, existem riscos potenciais muito graves, mas, até agora, os ensinos
primário e secun-dário não constam nos objetivos de liberalização. Os setores ameaçados
são o ensino superior e a formação dos adultos.
Como já destacado, a globalização é, antes de tudo, um processo socioeconômico. Todavia, ela
traz também consequências culturais, através do encontro entre culturas e do aparecimento e
espalha-mento de novas formas de expressão. Cabe destacar a miscigenação entre povos devido
aos fenôme-nos de migração acrescida, a divulgação mundial de informações e imagens pela
mídia audiovisual e a Internet, a ampla difusão de produtos culturais (filmes, novelas, séries
televisuais, músicas), a generalização do uso do inglês ou de uma língua internacional baseada
nele, em detrimento de ou-tras línguas. As consequências culturais e até sociocognitivas desses
fenômenos ainda são difíceis de serem avaliadas, mas não há dúvida de que constituem novos
desafios a serem enfrentados pela escola.
Além destes fenômenos culturais, cabe destacar também que a globalização levanta a questão de
um possível processo de solidarização entre os membros da espécie humana. Este é o ideal
daqueles que aceitam a abertura das fronteiras, mas recusam a forma neoliberal da globalização.
Os altermundialistas e Educação Para Todos: o desafio de uma solidarização entre os
membros da espécie humana
Marx pensava que o capitalismo era um progresso em relação ao feudalismo. Não pretendia voltar
atrás, para o feudalismo, mas ultrapassar o capitalismo e chegar ao que ele chamava de comunismo.
Podemos raciocinar de igual modo perante a globalização. Não se trata de voltar atrás, de fechar

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de novo as fronteiras. Em primeiro lugar, porque seria muito difícil fazê-lo e isso geraria uma
crise econômica mundial. Em segundo lugar, porque a globalização, apesar de todos os seus
aspectos negativos, tem um efeito positivo: ela tende a criar uma interdependência entre os
seres humanos e evidencia a necessidade de uma solidariedade entre os membros da
espécie humana e o fato de o planeta Terra ser um bem comum. Não é a abertura das
fronteiras que é um problema, é sim porque acontece na lógica do dinheiro e dos países mais
fortes. O problema não é a globalização, é o neoliberalismo.
Hoje em dia há três posições perante a globalização.
Em primeiro lugar, a posição dos que querem manter a situação atual. Defendem suas
vantagens, seus privilégios, seus poderes ou recusam a abertura das fronteiras por não
aceitarem os migrantes e, de forma geral, a figura do Outro. Por esses motivos, o Frente
Nacional, partido de extrema-direita na França, opõe-se à globalização com veemência.
A segunda posição consiste em aderir à atual globalização neoliberal, em nome da
liberdade de inici-ativa, da eficácia, da liberdade, da concorrência, etc.
Na terceira posição se encontra o movimento “altermundialista” (Fórum Mundial Social e
Fórum Mundial da Educação, ATTAC, etc.), que recusa ao mesmo tempo o mundo atual e a
globalização neoliberal e argumenta que “um outro mundo é possível”. Os altermundialistas
defendem a ideia de solidarização dos membros da espécie humana e destes com o planeta
Terra. Trata-se de acabar com a fome no mundo, proteger a saúde de todos, alfabetizar e
educar todos os seres humanos, salvar o nosso planeta dos perigos que vêm crescendo.
O movimento altermundialista considera a educação como “um direito humano prioritário e inaliená-vel
para toda a vida”. Essa ideia de direito fundamental, de direito antropológico do ser humano, é que
deve ser destacada. Não basta defender a escola como serviço público, já que, hoje, privatizam-se os
serviços públicos. Só uma escola pública de qualidade, porém, pode garantir o direito de todos à
educação. Portanto, os altermundialistas, ao mesmo tempo, defendem a escola pública contra o neo-
liberalismo e a privatização e exigem uma transformação profunda dessa escola, para que ela passe a
ser um lugar de sentido, de prazer de aprender, de construção da igualdade social. Consideram que a
escola deve tanto valorizar a dignidade de cada ser humano e a solidariedade entre os homens, como
respeitar o que pode ser chamado de homodiversidade, em referência à expressão “biodiversidade”.
Cabe assinalar também o movimento internacional que levou ao atual “Programa do Milenário”. Em
1990, a Conferência Mundial de Jomtien definiu como objetivo universalizar o ensino primário e acabar
com o analfabetismo no final do ano 2000. Nesta data, o Fórum de Dakar constatou que ainda tinha
113 milhões de crianças que não freqüentavam a escola primária (entre elas, 60% de meninas) e 880
milhões de analfabetos, em particular entre as mulheres. Foi reafirmado o objetivo de Educação Para
Todos (EPT), a ser atingido, no mais tardar, no ano 2015, o que exige um esforço particular para
escolarizar as meninas. Em 2002, uma Cimeira das Nações Unidas, definindo os Objetivos do
Milenário para o Desenvolvimento, adotou as metas formuladas em Dakar no que tange
à educação. Entretanto, já se sabe que, com o ritmo e o investimento atuais, esses
objetivos não podem ser atingidos.
Por mais diferentes que sejam o movimento altermundialista e os programas das Nações Unidas,
ambos esboçam um horizonte de solidariedade e de respeito aos direitos humanos fundamentais.
Essa lógica se opõe à da globalização neoliberal. Entretanto, ambas as lógicas têm em comum a
convicção de que o cenário da história humana, de agora em diante, é o próprio mundo. Talvez
seja isso o principal evento do final do século XX, com numerosas e profundas conseqüências no
que diz respeito aos rumos que a cultura e a educação hão de tomar.
Conclusão

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Quatro são os desafios que a escola há de enfrentar devido às evoluções da sociedade contemporânea.
Por essa ter-se dado como objetivo prioritário o desenvolvimento econômico e social, que requer um
maior nível de formação da população, a escola deve resolver os problemas oriundos da democrati-
zação escolar. Entre esses problemas, cabe destacar o da nova relação com o saber: há cada vez
mais alunos que vão à escola apenas para “passar de ano”, sem encontrar nela sentido nem prazer.
Por a sociedade contemporânea priorizar as lógicas de qualidade e eficácia, a escola deve
atender a novas exigências. Essas não são em si abusivas, mas resta saber o que significam as
palavras “qualidade” e “eficácia” quando referidas à escola. Pode esse sentido ser muito diferente
numa lógica do diploma e da concorrência e num projeto de verdadeira formação para todos.
Por a sociedade contemporânea ser envolvida num processo de globalização neoliberal, a
educação tende a ser considerada como uma mercadoria entre outras, num mercado “livre” onde
prevalece a lei da oferta, de demanda e da concorrência. Em tal situação, a escola pública sofre
numerosos ataques, que poderiam se tornar ainda piores quando as negociações de Doha sobre
a aplicação do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços saírem do impasse atual.
Por o mundo ser hoje mais aberto e mais acessível nas suas várias partes e culturas, a escola há de
encarar novos desafios culturais e educativos, decorrentes dos encontros entre as culturas, da divulga-
ção mundial de informações e imagens e da ampla difusão de produtos culturais em língua inglesa.
Entretanto, talvez o desafio seja até mais profundo: a interdependência crescente entre os homens,
gerada pela globalização, e, ainda mais, o ideal de solidarização entre os seres humanos e entre estes
e o planeta, permeando o altermundialismo, requerem uma nova dimensão da educação, em que se
combinem uma sensibilidade universalista e o respeito à homodiversidade.
Há de encarar esses desafios uma escola que manteve a forma escolar estabilizada no século XVII,
uma escola cujos conteúdos se sedimentaram no fim do século XIX e no início do século XX. O fato de
o horizonte ser hoje o futuro da espécie humana e do planeta Terra e as novas tecnologias de di-
vulgação da informação deveria levar a uma redefinição dos conteúdos e das formas de transmissão,
de avaliação e de organização da escola. Não é isso, porém, que está acontecendo, muito pelo con-
trário. Com efeito, a lógica neoliberal da concorrência tende a reduzir a educação a uma mercadoria
escolar a ser rentabilizada no mercado dos empregos e das posições sociais e isso faz com que
formas de aprendizagem mecânicas e superficiais, desconectadas do sentido do saber e de uma
verdadeira atividade intelectual, tendam a predominar.
Observa-se hoje uma contradição entre os novos horizontes antropológicos e técnicos da
educação por um lado e, por outro, as suas formas efetivas. Atrás da contradição social se
desenvolve uma contradição histórica: a sociedade globalizada trata o saber como um recurso
econômico, mas re-quer homens globalizados instruídos, responsáveis e criativos. Talvez
essa contradição seja um dos motores da História no século que acaba de abrir-se.”

3.4 Recapitulando

Neste capítulo estudamos a dinâmica dos processos educacionais bem como a posição
da escola no contexto das sociedades contemporâneas.
Destacamos três grandes fenômenos sociais que seriam responsáveis por caracterizar e
dar um sentido específico à ordem social atual, ou seja, o advento da pós-modernidade, a
radicalização da sociedade de consumo e o processo de globalização das sociedades.
Todos estes processos irão, como vimos, impactar diretamente nas relações de
ensino/aprendizado nas sociedades atuais bem como na estrutura da escola enquanto
instituição central do fenômeno educativo nas sociedades modernas.

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Fundamentos Sócio-Históricos da Educação

Entre estes impactos, destacamos a forte prevalência da “imagem” como mecanismo fundamental de
interação social, a qual redefine os processos de apreensão do conhecimento, a efemeridade e descar-
tabilidade das relações sociais que irão atuar diretamente sobre a relação professor/aluno e a ampli-ação
radical dos mecanismos de informação e pesquisa no contexto das sociedades contemporâneas
globalizadas, responsável por ampliar e diversificar os canais de apreensão de conteúdos redefinindo,
assim, o próprio papel do professor como um dos principais agentes na relação ensino/aprendizagem.

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Capítulo 4

Referências

4.1 Referências Bibliográficas

[1] ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de.
Janeiro: LTC, 1981.
[2] BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Zahar, 1998.

[3] BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de


Janeiro, Zahar, 1999.
[4] BARDIN, LAURENCE. Les mécanismes ideologiques de la publicite. Paris,
Ency-clopedie universitaire, 1975.
[5] BERGER, P. Perspectivas Sociológicas. Caps. 4 e 5. Petrópolis, Vozes, 1991.

[6] BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Tradução de


Sergio Miceli. 3ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992.
[7] BOURDIEU, P. BOURDIEU. Col. Grandes Cientistas Sociais. ORG.
Renato Ortiz. São Paulo, Ática, 1983.

[8] CANCLINI, Nestor Garcia. In: Culturas híbridas. São Paulo: EDUSP, 2003.
[9] CHARLOT, BERNARD. EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: Uma tentativa de co-
locar ordem no debate. Revista de ciências da educação, Lisboa, Nº 04, 2007.

[10] DEBORD, GUY. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.

[11] DURKHEIM, E. Educação e Sociologia. São Paulo, Melhoramentos, 1978.

[12] FORACCHI, M. & MARTINS, J. S. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro,


Livros Técnicos e científicos, 1977.
[13] FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
[14] GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo, Ed. UNESP, 1991.

[15] ______. Sociologia. Porto Alegre, ArtMed, 2005.

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[16] HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Ed.- Rio de janeiro:


DP&A, 2006.

[17] HARVEY, DAVID. Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1992.

[18] MARTINS. C. B. O que é Sociologia? Col. Primeiros Passos. São Paulo,


Ed. Brasi-liense, 2006.

[19] LARAIA, ROQUE. Cultura: um conceito antropológico. 17 ed. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
[20] MARX, K. Obras escolhidas. Tomo I, Lisboa, Ed. Avante, 1983.

[21] QUINTANEIRO, T., BARBOSA, M. L. O & OLIVEIRA, M. G. M. Um toque


de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2003.
[22] RETONDAR, ANDERSON. Sociedade de consumo, modernidade e
globalização. São Paulo-Campina Grande, Annablume/EDUFCG., 2007.
[23] ______. A (re) construção do indivíduo: sociedade de consumo como contexto so-
cial de produção de subjetividades. IN: Sociedade & Estado, V. 23, N 1.
Brasília, Editora UNB, 2008.
[24] SCHWARTZMAN, SIMON. A Redescoberta da Cultura, São Paulo, EDUSP, 1997.

[25] TOURAINE, Alan. Crítica da Modernidade. Petrópolis, Vozes. 1994.

[26] TOSI, A. R. Sociologia da Educação / Alberto Tosi Rodrigues. - Rio de


Janeiro: DP&A, 2004.
[27] WEBER, M. Economia e sociedade. Brasilia, Ed. UNB, 1991.

[28] WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1974.

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Capítulo 5

Índice Remissivo

_
Émile Durkheim, 23
A
Ação Social, 35
C
Capital, 39
Consciência Coletiva, 23
Consciência Individual, 23
D
Dominação Social, 39
E
Ensino Bancário, 45
F
Fato Social, 23
I
Instituição Social, 11
K
Karl Marx, 29
M
Max Weber, 35
Mobilidade social, 14
P
Paulo Freire, 45
Pierre Bourdieu, 39
Processo de Produção, 29
R
Razão, 6
S
Socialização, 8
Socialização secundária, 10
Sociologia, 5

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