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A noite escura da humanidade

O testemunho de Santa Teresa Benedita da Cruz, que abandonou o mundo acadêmico


para confessar a paixão de Cristo no silêncio do Carmelo.

A “noite escura da alma", uma espécie de deserto espiritual onde se experimenta o


silêncio de Deus, é um tema muito frequente nas meditações dos santos da Igreja. Santa
Teresa d'Ávila, a título de exemplo, diz que é próprio de quem se dedica à vida espiritual
passar por uma derradeira provação de fé [1]. Trata-se de uma purificação dos sentidos e
da alma, cujo objetivo principal é a total comunhão com Deus. A pessoa já não busca
outra coisa senão tomar parte nas dores de Cristo crucificado, a fim de cooperar na obra
da redenção.

A esse respeito, talvez não exista maior testemunho no último século do que o de Edith
Stein. Entregando-se em holocausto pela salvação de seu povo, no campo de
concentração de Auschwitz, a santa judia realizou na carne o que há tempo professava
com os lábios: “o que nos salvará não serão as realizações humanas, mas a paixão do
Cristo, na qual quero ter parte" [2]. Edith Stein havia compreendido a ciência da cruz, por
assim dizer, buscando o significado da verdade [3]. Neste itinerário, a então filósofa ateia –
e famosa discípula de um dos mais respeitados pensadores do século XX, Edmund Husserl –
encontrou por acaso, na biblioteca de uma amiga, o Livro da Vida, de Santa Teresa. A
leitura foi tão tocante, que ao seu término, Edith só pôde confessar isto: “é a verdade" [4].
A partir de então, Edith Stein lançou-se avidamente à procura de seu Amado: abandonou
a vida acadêmica, para viver a espiritualidade carmelita, assumindo o nome de Teresa
Benedita da Cruz. A 2 de agosto de 1942, foi brutalmente levada pelos nazistas ao campo
de trabalho forçado, onde morreria como mártir, ao lado de sua irmã, Rosa.
Aos olhos do mundo moderno, um testemunho como o de Stein pode parecer
loucura.Todavia, a sua heroicidade fala mais alto do que qualquer vileza. O encontro com
Cristo gera uma mudança no íntimo de nosso ser – uma metanoia – que nos impulsiona a
não mais satisfazer a própria vontade; pelo contrário, “aquele que visita o Senhor na sua
Casa não falará sempre de si, nem de suas mesquinhas preocupações. Começará, aos
poucos, a interessar-se pelas preocupações do Salvador", a saber, a salvação do homem
[5]. Essa salvação, por sua vez, só pode ocorrer no martírio diário, na noite escura da fé.
Por isso Santa Teresa Benedita da Cruz, na noite escura de Auschwitz – onde a potência de
Deus parecia inerme e a sua Palavra parecia muda – caminhava serena e convicta,
apesar dos sofrimentos, como se estivesse a emprestar de São Josemaría Escrivá esta sua
esperança: “cada dia que passa me aproximo da Vida" [6].
De fato, os santos estão longe de ser esse “fantasma que ficou petrificado – em posição
quase sempre incômoda – num nicho, rodeado de velhotas de pele encarquilhada",
como tendem a pensar as almas deformadas deste século [7]. Pelo contrário, os santos
são homens que sabem unir a vida cotidiana à vida sobrenatural, dando um significado
divino às coisas simples do dia a dia, mormente nos períodos de angústia e solidão. Edith
Stein uniu seu martírio ao sacrifício da cruz não por idealismo ou mera conveniência,
porquanto “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas
o encontro com um acontecimento" [8]. Ela simplesmente interpretou os sinais dos tempos.
Não deixou de erguer a sua voz contra o nazismo, incentivando seus alunos e suas irmãs a
lutarem contra a opressão do Terceiro Reich. Com efeito, diante do drama da dor, pôde
repetir sem hesitação as palavras de Cristo na cruz: “tudo está consumado" [9].

A quase 70 anos do término da II Grande Guerra, vê-se mais uma vez o desenvolvimento
de um paganismo selvagem, “um ateísmo militante operando em plano mundial", tal qual
aquele que vitimou Edith Stein [10]. No seio da Igreja, não obstante, assiste-se a uma
desertificação desenfreada da fé, que atinge as mais altas esferas da hierarquia. O
cristianismo vive cercado “por uma névoa de incerteza mais pesada do que em qualquer
outro momento da história" [11]. A humanidade, por conseguinte, entra em uma noite
escura. Resta-nos, então, a pergunta de Bento XVI, feita perante o memorial das vítimas
do Holocausto, em Auschwitz: “Onde está Deus? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar
este excesso de destruição, este triunfo do mal?" [12] É uma questão que se nos impõe, e
que só pode ser feita por aqueles que têm fé. Edith Stein teve a sua resposta, doando-se
inteiramente até àquele instante em que “não haverá mais noite" [13]. É o caminho que
todos devemos percorrer: o caminho das noites escuras até àquela “que é diferente de
todas as outras" – a noite da salvação!
As Noites Escuras de Santa Teresa (I)
Frei Geraldo de Araújo Lima, O.Carm.
São João da Cruz estuda a fundo as quatro noites escuras que a alma tem que
atravessar, na sua caminhada para a união mística com Deus. Tais noites são divididas em
duas duplas: a) noite ativa e noite passiva; b) noite dos sentidos e noite do espírito.
No seu livro “Subida do Monte Carmelo”, ele aborda a noite ativa dos sentidos e
a noite ativa do espírito. Já no livro “Noite Escura” o enfoque recai todo na análise da noite
passiva dos sentidos e da noite passiva do espírito. Em resumo, descrevem-se os efeitos das
purificações que se realizam tanto na parte sensitiva como na parte espiritual do homem. A
noite é ativa quando a pessoa mesma se impõe mortificações, sacrifícios, renúncias,
provações e correções. A noite é passiva quando tais coisas são impostas por Deus, à nossa
revelia.
No caso específico de Santa Teresa de Jesus, a dolorosa noite escura que ela
atravessou durante três anos, logo após a sua profissão religiosa, foi uma autêntica noite
escura passiva dos sentidos; e é dela que trataremos neste artigo. No artigo subsequente,
veremos a noite escura passiva do espírito, em que ela se debateu ao longo de vinte anos.
Teresa entrou no mosteiro carmelita da Encarnação no dia dois de novembro de
1535, aos vinte anos. Após um ano exato de postulantado, entrou no noviciado, vestindo o
hábito carmelitano e assumindo a nova vida de monja. O ano do noviciado foi, para ela,
um período de cálida devoção e profundo mergulho na espiritualidade da Ordem
carmelitana. Entregou-se às observâncias do Carmelo com a veemência que lhe era
peculiar. Estava disposta a tudo para atingir a perfeição no amor. Ela própria relata em sua
autobiografia: “Uma religiosa sofria então, prostrada por grande e dolorosa enfermidade;
devido a uma obstrução, fizeram-lhe abertura no ventre, por onde regurgitava tudo o que
comia. Em pouco tempo faleceu. Eu via todas temerem aquele mal, mas tinha grande
inveja de sua paciência; e pedi a Deus que, dando-me semelhante paciência, também me
desse as enfermidades que desejasse. Parece-me que eu não temia nenhuma, pois estava
tão determinada a obter bens eternos que me dispunha a ganhá-los por qualquer meio”.
E ela conclui candidamente: “Sua Majestade me ouviu tanto que, em menos de
dois anos, a minha condição era tal que, embora diferente daquela, a minha enfermidade
não foi menos dolorosa nem deu menos trabalhos, e durou três anos”.
Terminando seu ano de noviciado, Teresa fez sua profissão religiosa no dia 3 de
novembro de 1537, exatamente um ano e um dia depois do seu ingresso no noviciado. Logo
começaram a surgir os sintomas da misteriosa doença: frequentes desmaios, dor intensíssima
no coração com horríveis convulsões, e outros males. E a doença se agravava dia a dia. O
pobre D. Alonso, seu pai, vendo que os médicos de Ávila nada podiam fazer, resolveu tirar
sua filha predileta do convento e levá-la a uma localidade, no interior de Ávila, onde
morava uma famosa curandeira que, talvez, pudesse curá-la.
O tratamento foi mais longo do que o previsto e também mais duro, quase brutal.
O diagnóstico foi completamente equivocado. Teresa sofreu tantos horrores nas mãos da
curandeira que o pai decidiu levá-la de volta para casa. A situação dela era uma lástima:
os ataques do coração eram tão terríveis que muitos pensavam que ela estivesse com a
doença da raiva. Por outro lado, os nervos se encolhiam, acarretando dores intoleráveis da
cabeça aos pés: “Aquele tormento me fez ficar encolhida, como se fosse um novelo,
incapaz de mover os braços, os pés, as mãos e a cabeça… Era difícil me tocarem, pois eu
sentia tantas dores que não podia suportá-lo”.
Alguns dias depois, Teresa sofreu um forte paroxismo e ficou como morta. Todos,
inclusive os médicos, atestavam que ela estava realmente morta. Todos, menos o pai, que
permanecia de joelhos diante do suposto cadáver da filha e repetia chorando: “Esta filha
não é para ser enterrada!” Os familiares se revezavam durante as noites no velório da irmã.
Numa delas, coube ao seu irmão Lourenço, de vinte anos, fazer a sentinela. Rendido pelo
cansaço e pelo sono, ele adormeceu, derrubando sobre a cama um castiçal com a vela
acesa. Em pouco tempo, o fogo começou a queimar as almofadas e os lençóis; e teria
queimado também a irmã, se o rapaz não tivesse despertado e alarmado a casa inteira.
O coma demorou quatro dias. O túmulo estava aberto, no mosteiro da Encarnação.
Em algumas igrejas foram celebradas as exéquias. Chegaram até a colocar cera nos olhos
da suposta defunta, conforme os costumes locais, e a vesti-la com uma mortalha.
No quinto dia, Teresa começou a dar sinais de vida: com alguma dificuldade, por
conta da fina camada de cera, voltou a abrir os olhos, para a alegria de todos. Tão logo
retornou à consciência, pediu para se confessar e receber a comunhão, no meio de
abundantes lágrimas. Todavia, a cura não foi imediata e definitiva; foi antes um retorno
lento à normalidade. Ela continuava totalmente imóvel e as dores não cessavam. Mesmo
assim, pediu para retornar ao mosteiro. Somente oito meses depois é que começou a
mover-se, a engatinhar como criança. Permaneceu paralítica por cerca de três anos. Ela
atribui sua cura definitiva à proteção de São José, de quem era muito devota.
Dois fatos marcaram profundamente a alma de Teresa, trazendo um raio da luz
divina para clarear as trevas daquela noite tão escura. O primeiro foi a conversão do
pároco da vila de Becedas, aonde fora se tratar. Antes de começar o dito tratamento, ela
procurou o sacerdote para fazer uma confissão. Seu hábito de monja, sua candura de
consciência e seu entusiasmo pelas coisas de Deus, mexeram com a consciência do
confessor, que havia tempo estava vivendo uma vida escandalosa com uma mulher. Para
assombro da jovem freira, o confessor terminou se confessando com ela, pedindo-lhe ajuda
para sair daquele embaraço. Graças às orações e ao testemunho de vida da carmelita,
ele conseguiu realmente sair daquela situação incômoda. Tal experiência jamais se
apagaria da mente de Teresa que, anos depois, ao fundar o Carmelo descalço, colocaria,
como um dos objetivos da reforma teresiana, orar pelos sacerdotes.
O segundo fato refere-se à leitura de dois livros naqueles momentos cruciais:
o Terceiro Abecedário, do franciscano Frei Francisco de Osuna, versando sobre a oração
de recolhimento; e a história de Jó, comentada por São Gregório Magno: “Muito me serviu
ter lido a história de Jó, nas Moralia de São Gregório”.
Durante toda aquela noite escura dos sentidos, Teresa pôde constatar a veracidade
destas palavras de Jesus: “O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mc 14,38). A noite,
no entanto, será bem mais escura quando acontecer o oposto: a carne está forte, mas o
espírito não está pronto. Aí sim, será a noite escura passiva do espírito! Como veremos no
próximo artigo.
As Noites Escuras de Santa Teresa (II)
Frei Geraldo de Araújo Lima, O.Carm.
No artigo anterior, comentei a “noite escura passiva dos sentidos”, em que Santa
Teresa se debateu ao longo de três anos, logo após a sua profissão religiosa. Neste artigo,
abordarei a “noite escura passiva do espírito”, que vai purificá-la por cerca de vinte anos.
Teresa enfrentou com galhardia a noite escura dos sentidos porque, mesmo a carne
estando fraca, o espírito estava pronto (cf. Mc 14,38). Agora, no entanto, o quadro se
reverteu: a carne estava reabilitada, mas o espírito não estava pronto.
Durante os três anos de sua convalescência, mesmo imóvel na cama, Teresa
começou a dar mostras de santidade no pequeno mundo da enfermaria do mosteiro da
Encarnação. Do seu leito de dor, ela esparramava raios benéficos sobre as irmãs que a
rodeavam. A cura, depois de três anos de paralisia, foi ruidosa, comovendo boa parte da
população de Ávila. Todos queriam ouvir da sua boca a narração da sua cura, que ela
própria considerava um milagre de São José.
As visitas cresciam a cada dia; e tanto as monjas como os próprios confessores
convenciam Teresa a não rejeitá-las. É que, com elas, chegavam muitas esmolas para o
mosteiro, que era pobre. Para Teresa, ao invés, elas causavam um transtorno, que a
inquietava bastante: cada dia menos recolhimento e mais dispersão. E isso lhe soava como
uma falta grave.
Ao sair da enfermaria, Teresa havia superado a enfermidade física, a paralisia do
corpo; porém, começava a ficar doente da alma. Deixou-se envolver por uma ambígua
familiaridade com parentes e amigos. Voltaram à tona e prevaleceram as antigas
amizades, que ela havia penosamente abandonado. A falta de recolhimento gerou a
desmotivação, levando-a a abandonar a oração: “foi a maior tentação que tive”.
Em resumo, Teresa passou por uma longa e dura tentação de mediocridade. E a
luta para não sucumbir foi permeada de intermitências e novas crises. Ele mesma descreve
sua situação ambígua: “E assim comecei, de passatempo em passatempo, de vaidade em
vaidade, de ocasião em ocasião, a envolver-me tanto em tão grandes ocasiões e a
estragar a alma em grandes vaidades que tinha vergonha de me aproximar de Deus.
Contribuiu para isso o fato de que, como os pecados aumentaram, o gosto e a alegria da
prática da virtude começaram a escassear. Eu via muito claramente, Senhor meu, que isso
me faltava por eu faltar a vós”.
Essa espécie de ambiguidade entre ser e não ser foi o húmus onde germinou a
crise de Teresa. Todavia, o pior era que ela se sentia só nessa batalha. Nem o mosteiro nem
os confessores contribuíram para que ela cortasse o mal pela raiz. Ela experimentava o que
é a solidão no meio da multidão.
Dentre as visitas e amizades, Teresa alude a uma determinada pessoa, com quem
criou certa dependência afetiva, porém sem jamais insinuar se fosse homem ou mulher. Isso
abriu campo para futuras indagações. Inúteis, todas elas. Encobriu a pessoa, não o fato:
“Estando eu com uma pessoa que há pouco conhecera, percebi que o Senhor queria dar-
me a entender que aquelas amizades não eram convenientes, alertando-me e
esclarecendo sobre a minha grande cegueira. De fato, eis que vi Cristo representado diante
de mim, com muito rigor, mostrando-me o quanto aquilo me pesava. Vi-o, com os olhos da
alma, com mais clareza do que o poderia ter visto com os olhos do corpo. A sua imagem
tornou-se tão indelével que até hoje, mais de vinte e seis anos depois, ainda tenho a
sensação de vê-lo. Tomada de um profundo temor e de grande perturbação, não quis mais
receber a pessoa com a qual me encontrava então”.
Todavia, com o passar do tempo, e com as justificativas que sua consciência
fragilizada lhe apresentava (“Foi uma ilusão! Não há nada demais nisso!”), nossa Santa
voltou atrás, confessando que “permaneceu vários anos nesse divertimento pestilento”.
Deus enviou-lhe outro sinal, bem diferente do primeiro: “Certa vez, entretida na
companhia da mesma pessoa, vimos – e outras pessoas, que estavam ali, também o viram
– uma espécie de sapo grande dirigir-se para nós, caminhando com uma rapidez que não
é própria dessas criaturas. Não tenho como explicar o aparecimento, em pleno dia, de
semelhante criatura naquele lugar… E o que isso me causou por certo envolvia mistério,
jamais tendo saído da minha lembrança”.
Mesmo sem sair da lembrança, o impacto da visão do sapo durou pouco. As
coisas retomaram seus lugares, continuando a subjugar o espírito de Teresa, que afirma sem
rodeios: “nenhuma outra pessoa me trouxe tanta dissipação quanto essa, dada a afeição
que eu nutria por ela”.
Deus mandou-lhe um terceiro recado, diferente dos anteriores: “Uma monja, minha
parenta, antiga e grande serva de Deus, me alertou algumas vezes; eu, porém, não
acreditava nela e ainda ficava desgostosa, pensando que ela se escandalizava sem
motivo”.
Surgiu então um quarto sinal, ainda mais eloquente: a morte do seu pai, D. Alonso.
“Enfrentei grandes trabalhos durante a sua doença. Creio tê-lo recompensado pelo que ele
passara com as minhas”. A morte santa do velho comoveu-a profundamente. Teresa
aproveitou a oportunidade para fazer uma boa confissão com o Padre Vicente Barrón, que
era justamente o confessor de D. Alonso. Tal confissão foi um verdadeiro oásis no meio do
deserto em que Teresa vivia. Todavia, o oásis não é o termo da caminhada; é apenas um
ponto de parada; a caravana deve prosseguir. E Teresa anota que prosseguiu na
caminhada, “caindo e levantando, levantando-me mal, pois voltava a cair”. E assim por
mais dez anos de mediocridade.
Fazia-se necessário um quinto sinal para sacudir Teresa daquele torpor. “A minha
alma já estava cansada e, embora quisesse, seus maus costumes não a deixavam
descansar”. E o sinal aconteceu: um belo dia, Teresa entrou num determinado oratório e se
deparou com uma imagem de Jesus na flagelação, todo coberto de chagas. O choque foi
tremendo. Com o coração partido, ela lançou-se aos pés de Cristo, derramando muitas
lágrimas. “Creio que lhe disse que não me levantaria dali enquanto a minha súplica não
fosse atendida”. A partir de então, tudo começou a mudar.
Sim, tudo começou… Mas, das outras vezes, tudo também começara, e nada
terminava! Teresa já não acreditava mais em si. Era preciso um xeque-mate, para concluir
aquela lenga-lenga de quase duas décadas. E foi o que aconteceu pouco depois, com a
leitura do livro “As Confissões”, de Santo Agostinho: “Quando cheguei à sua conversão e li
que ele ouvira uma voz no jardim, senti ser o Senhor quem me falava, tamanha foi a dor do
meu coração. Passei muito tempo chorando, com grande aflição e sofrimento… Glória a
Deus que me deu vida para eu sair de uma morte tão mortal!”
Tanto o episódio da imagem de Cristo chagado como a leitura de Santo Agostinho
aconteceram na quaresma do ano 1554, que Santa Teresa assinalou como o ano da sua
conversão. Realmente, esse ano foi um marco na caminhada espiritual da grande Doutora
da Igreja: encerrou o período ascético da sua vida e iniciou o período místico. Porém, isto
será o assunto do meu próximo artigo. Se Deus quiser!

Provações de Madre Teresa de Calcutá

Ainda não faz muito tempo, a imprensa divulgou o conteúdo de cartas que Madre Teresa
de Calcutá escreveu durante 66 anos a colegas e superiores. Aliás, tal conteúdo é tema do
livro Mother Teresa: Come Be My Ligth, cuja tradução em língua portuguesa já foi
publicada.
Nas cartas, Madre Teresa fala da aridez espiritual pela qual passou, do sentimento
experimentado de que Deus a havia abandonado, do perturbador silêncio de Deus em sua
vida.

O fato assustou a muitos, pois que se puseram a perguntar: "Como pode uma religiosa como
Madre Teresa, que se entregou totalmente ao serviço de Deus, passar por tormentos na vida
espiritual?", ou ainda: "Terá Madre Teresa duvidado da existência de Deus?"

As provações na vida espiritual não são desconhecidas dos santos. O que Madre Teresa
expressou em suas cartas é bastante conhecido entre os grandes mestres da vida espiritual.
E não nos devemos escandalizar com isso. Deus tem seus caminhos para conduzir o homem
à santidade perfeita, caminhos que não são os nossos, conforme o dizer da Escritura: "Os
meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus
caminhos, diz o Senhor" (Is 55, 9). Uma grande alma, bem próxima de nós, que também
passou por provações terríveis na vida espiritual, foi Santa Teresinha do Menino Jesus.

São João da Cruz (séc. XVI), um dos maiores místicos da Igreja, ensina que sem "noites
escuras" não se pode aproximar de Deus como convém. "Noite escura" é o termo que o
santo doutor achou para, metaforicamente, falar do processo de purificação da alma, que
se dá na obscuridade da fé e que nos dispõe para o matrimônio místico com o Senhor.

Na noite chamada ativa, a alma age auxiliada pela graça no sentido de renunciar a tudo
que não é Deus, o que não se faz sem dor e provação. Mas a noite ativa apenas prepara
a segunda noite: a passiva. Na noite passiva, a alma, sem nada fazer, sofre de modo
inusitado um influxo especial de Deus que, como fogo ardente de caridade, a queima e
purifica; é nesta purificação passiva que a alma enfrenta as maiores provações, já que o
fogo divino nela procura queimar tudo o que é amor próprio e todo apego desordenado
às criaturas, para que ela se esvazie de tudo o que não é Deus, e, na completa pobreza
espiritual, deixe espaço para que Deus seja o seu Tudo.

Nessa noite escura passiva, a alma vive exclusivamente da fé, da pura obscuridade da fé,
sem auxílio algum dos sentidos e sem consolação do espírito; aliás, vive com grande
sofrimento e aridez, porque o fogo divino consome as raízes mais profundas do orgulho. Mas
vive na fidelidade. Quando a alma atinge a completa pobreza e nudez espiritual, parece-
lhe que até Deus a abandonou.

Ora, o que sucedeu com Madre Teresa de Calcutá foi algo semelhante. Ela passou, para
usar a terminologia de São João da Cruz, pela noite passiva. E, embora não encontrasse
auxílio nos sentidos nem no espírito, viveu perfeitamente a sua fé. Isso nos mostra que a fé
não se reduz jamais a um sentimento, a uma emoção, nem mesmo à consolação espiritual.
A fé é muito mais.

Em última instância, a fé é um ato da inteligência e da vontade que se firmam em Deus,


mesmo quanto tudo parece forçar em direção contrária. Mesmo na aridez e no tormento
da nudez espiritual, mesmo sentindo o abandono e o silêncio de Deus, Madre Teresa não
renunciou a Cristo. "O amor não consiste em sentir grandes coisas senão em ter grande
desnudez, e padecer pelo Amado", dizia São João da Cruz.

As atitudes de Madre Teresa de fidelidade a Deus até a morte e de dedicação plena aos
necessitados por amor a Deus mostraram que, embora não tivesse motivações sentimentais
ou consolações espirituais para ser fiel, ela foi capaz de se manter fiel na obscuridade da
pura fé, isto é, foi capaz de caminhar na densa noite na esperança da aurora que Deus lhe
reservava. Deus assim a preparava para a suprema união mística...

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