Resumo Abstract
Análise das possibilidades do estudo de Analysis of the possibilities of studying
manifestações culturais afro-brasileiras African-Brazilian cultural events in the
no ensino de história. Problematização teaching of history. Reflections on the
dos dilemas enfrentados na efetivação dilemmas faced in the realization of the
da Lei 11.645/2008 com foco nas poten-
Law 11.645/2008 with a focus on reflec-
cialidades reflexivas disponíveis aos do-
tive capabilities available to the teach-
centes nesse contexto de positivação de
memórias e de tensões em torno da his- ers in this context of positive memories
tória. and tensions around the history.
Palavras-chave: ensino de história; his- Keywords: teaching history; history and
tória e cultura afro-brasileiras; Folias de African-Brazilian culture; Folias de Reis
Reis e Congados em aulas de história. and Congados in history classes.
* Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos,
6627, Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte – MG – Brasil. juniasales@fae.ufmg.br
** Doutorando em Educação, professor bolsista REUNI. Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte
– MG – Brasil. lucianoroza@gmail.com
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Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza
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Considerações finais
antes registrados ou valorizados em agendas educativas que são mais que uma
exigência normativa, são atos que correlacionam o direito à palavra à capaci-
dade de lembrar por meio da troca intergeracional.
Além disso, o fato de existirem crianças ou jovens congadeiros, ou inte-
grantes de guardas e folias na escola pode ser um dos recursos mais fortes
para processamento de positivações e visibilizações, pois a escola pode orga-
nizar apresentações e entrevistas com seus grupos, incluindo-os como copar-
tícipes da cultura. Essa é uma das mais poderosas formas através das quais a
escola poderá alterar posturas em face das práticas culturais.
Destacamos o desafio de equilíbrio entre a visibilização de histórias e a
sua necessária abordagem investigativa e problemática, sem subterfúgios ou
silenciamentos. E com o direito ao encantamento, à expressão de memórias e
às inquietações e curiosidades que novas gerações trazem.
À abordagem da história estão presentes os emblemas de sua confecção,
narrativas arbitradas pela pesquisa, ancoradas em investigação documental e
arbítrios. O ensino de história não pode prescindir de uma análise da invenção
histórica, do processo de escrita da história com suas eleições. Em função dis-
so, não é possível admitir o impedimento de estudo da história nem tampou-
co a sua mitificação. Mas é necessário convocar a palavra dita, ressonante, a
palavra dos mestres, e a sua gestualidade e também os movimentos narrativos
dos rituais celebrativos, que passam a compor o universo de fontes de estudo
da história. Há, certamente, alargamento das margens que delimitavam o con-
ceito de fontes para o estudo da história nessa nova dinâmica educativa.
Há correlação entre paisagens sonoras e fulgurações gestuais, encenações
e performances que reúnem história, agenda política contemporânea e expres-
sividades que atravessam tempos e se alteram dinamicamente nas atuações
públicas de Congados e Reisados. O ensino de história pode se realizar reunin-
do essas dimensões estéticas, sensíveis, culturais e políticas, fazendo dos diá-
logos temporais e espaciais os motes para reflexão marcada pela compreensão
da mutabilidade da cultura e pela seleção histórica. Um jogo de temporalidades
que se expressa na dinâmica de experiência da cultura da qual os alunos tam-
bém participam. Trata-se de uma dinâmica em que gesto, palavra, ritualidade,
ancestralidade, sonoridades e silêncio são profundamente educativos.
NOTAS
1
ABREU, Martha. Cultura política, música popular e cultura afro-brasileira: algumas
questões para a pesquisa e o ensino de história. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria
Fernanda B.; GOUVÊA, Maria de Fátima S. (Org.) Culturas políticas: ensaios de história
cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005; MATTOS,
Hebe, O ensino de história e a luta contra a discriminação racial no Brasil. In: ABREU,
Martha; SOIHET, Rachel (Org.) Ensino de história: conceitos, temáticas e metodologias.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003; MATTOS, Hebe; ABREU, Martha. Em torno das
“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas”: uma conversa com historiado-
res. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Ed. FGV, n.41, p.5-20, 2008.
2
Há reconfigurações no campo do patrimônio, sobretudo com o advento da noção de pa-
trimônio imaterial. Está colocado um novo desafio, não exatamente relacionado à tarefa de
salvaguarda de bens (os artefatos, objetos, edificações), mas de afirmação de um compro-
misso social para que os sistemas e práticas que sustentam os patrimônios imateriais per-
maneçam vivos. Sendo assim, as medidas de salvaguarda e proteção voltam-se à valoriza-
ção dos saberes e do papel social dos detentores e dos transmissores, enfim, dos mestres de
tradições culturais, acompanhada do debate a respeito dos problemas gerados pela musei-
ficação e pela espetacularização do patrimônio, com repercussões nos processos educati-
vos. CHOAY, Françoise. As questões do patrimônio: antologia para um combate. Lisboa:
Ed. 70, 2011. GONÇALVES, J. R. O patrimônio como categoria de pensamento. In:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mario (Org.) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003; ORIÁ, Riçado; PEREIRA, Júnia Sales. Desafios teórico-meto-
dológicos da relação educação e patrimônio. Anais eletrônicos do VII Seminário Nacional
Memória, cidades e educação das sensibilidades. Centro de Memória da Unicamp, Campi-
nas (SP), 2012.
3
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei 10.639/2003 como fruto da luta antirracista do Movi-
mento Negro. In: BRASIL. MEC. SECAD. Educação antirracista: caminhos abertos pela
Lei Federal 10.639/2003. Brasília: Secad, 2005. p.21-37.
4
PEREIRA, Júnia Sales. Reconhecendo ou construindo uma polaridade étnico-identitária?
Desafios do ensino de história no imediato contexto pós-lei 10.639. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro: Ed. FGV, n.41, p.21-43, 2008.
5
O Congado e a Folia de Reis, apesar da relativa duração temporal dessas práticas cultu-
rais, são manifestações presentes na contemporaneidade em alguns estados brasileiros,
sobretudo em algumas regiões no interior dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e
São Paulo. Ver: RIOS, Sebastião. Os cantos da Festa do Reinado de Nossa Senhora do Ro-
sário e da Folia de Reis. Sociedade e Cultura, v.9, n.1, p.65-76, 2006.
6
O Congado e a Folia de Reis são manifestações da cultura popular caracterizadas pelo
hibridismo entre tradições de práticas religiosas e profanas ibéricas, africanas e indígenas.
Em síntese, a Folia de Reis é compreendida no bojo do catolicismo popular como marcada
por danças, procissões e cortejos que representam a viagem dos três Reis Magos em busca
do Menino Jesus. No Brasil foi utilizada pelos jesuítas na catequese, e os rituais usados fo-
ram posteriormente apropriados também pelos negros escravizados e libertos e mestiços
em festas de devoção católica. A Folia de Reis no Brasil assumiu conotações regionais, ex-
pressas por meio da presença de elementos comuns e por aqueles diferentes em cada re-
gião (como palhaços desviantes, brincantes, instrumentos variados). Atualmente, são estu-
dadas como manifestações culturais nas quais se manifestam elementos de culturas negras
e como formas de manifestação de uma memória negra (SOUZA, 2010). O Congado é
entendido como uma manifestação do catolicismo negro desenvolvida a partir do período
colonial, a qual remete suas origens ao cristianismo africano que se segue à conversão do
Reino do Congo. Durante a América Colonial Portuguesa, nas irmandades negras, os afri-
canos e descendentes reconstruíam e criavam novos laços de solidariedade e de identidade
fraturados pela experiência do tráfico e da escravidão. Nesse contexto, os negros no culto
aos santos católicos estabeleciam diálogos e trocas culturais entre elementos e padrões eu-
ropeus de devoção e os de suas próprias concepções religiosas, fazendo que práticas cultu-
rais africanas fossem ressignificadas, mantendo-se vivas e concomitantemente sendo alte-
radas pelo fato de representarem uma manifestação de devoção católica. Ver: AGUIAR,
Marcos M. de. Festas e rituais de inversão hierárquica nas irmandades negras de Minas
colonial. In: JANCSÓ, István; KANTOR, Iris (Org.) Festa: cultura e sociabilidade na Amé-
rica portuguesa. São Paulo: Imprensa Oficial; Edusp; Hucitec; Fapesp, 2001, v.1, p.361-393;
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação
de rei congo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002; SOUZA, Luiz Gustavo Mendel. No cami-
nho dos mestres: um estudo de Folias de Reis. Anais eletrônicos da Anpuh-PI, 2010. Dis-
ponível em: www.anpuhpi.org.br/congresso/anais2010/arquivos/s1_Luiz%20Gustavo%20
Mendel%20Souza.pdf; Acesso em: 1 dez. 2011.
7
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, To-
maz Tadeu da (Org.) Alienígenas na sala de aula. 6.ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995. p.159-
177.
8
Mesmo considerando que a Lei 10.639/2003 foi modificada pela Lei 11.645/2008, estamos
mantendo a primeira, dada a centralidade que ocupa na discussão proposta, e também por
referência às Diretrizes correlatas à lei que orientam as análises.
9
SODRÉ, Moniz. A verdade seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
DP&A, 2005.
10
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mineiro. In: TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Ruben Caixeta de (Org.) Músicas
africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. p.75-82.
11
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da moderni-
dade. São Paulo: Edusp, 2000; GILROY, Paul. O Atlântico negro. Rio de Janeiro: Ed. 34,
2001; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2003.
12
OLIVEIRA, Claudia Marques. Cultura afro-brasileira e educação: significados de ser
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Faculdade de Educação, UFMG, 2011. Disponível em: www.bibliotecadigital.ufmg.br/ds-
pace/handle/1843/FAEC-8NPLAL; Acesso em: 10 fev. 2012.
13
SANSONE, Lívio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na
produção cultural negra no Brasil. Salvador: Ed. UFBA; Pallas, 2003.
14
LUCAS, Glaura. Os sons do rosário: o congado mineiro dos Arturos e Jatobá. Belo Hori-
zonte: Ed. UFMG, 2002; FRANÇA, Cecília Cavalieri. Festa mestiça: o congado na sala de
aula. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011; TINHORÃO, José R. Os sons dos negros no Brasil:
cantos, danças, folguedos, origens. São Paulo: Art Ed., 1988; TUGNY, Rosângela Pereira
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rizonte: Ed. UFMG, 2006.
15
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culturalismo: além da memória, mas aquém da história. In: FUNES, Eurípedes; RAMOS,
Francisco Regis Lopes; RIBARD, Franck; RIOS, Kênia Souza (Org.) África, Brasil, Portu-
gal: história e ensino de história. Fortaleza: Ed. UFC, 2010. p.216-228.