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AUTORIA E DISCURSO: DIÁLOGOS COM MICHEL FOUCAULT...

Maria do Socorro de Assis Monteiro1

Gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia
há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me
alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios, como se ela me houvesse
dado um sinal, mantendo-se, por um instante, suspensa.
(Michel Foucault)

O tema proposto nestas reflexões que me ponho a organizar assenta-se sobre a


exigência de uma discussão sobre as oposições binárias e suas ditas relações de interferências,
e ainda sobre os modos de discursos e da questão da autoria, tão presentes, atualmente, nos
embates dos Estudos Culturais. O modo de abordagem é permeado pelo viés dos Estudos
Culturais como constitutivo da Ciência, portanto integrado ao “ambiente acadêmico,”
impregnado de todas as suas contravenções e inquietações.
Inquietações parece ser parte motriz deste texto, a partir daquilo que impulsionou o
teórico-pensador Michel Foucault a rever questões dadas nos estudos de filosofia, teoria da
literatura e história da literatura, no campo do pós-estruturalismo: autoria e discurso.
Foucault convoca, de certo modo, “vozes deslizantes, não-binárias”, de um conjunto
de interlocutores seus, que revisam e alongam as chamadas formações discursivas, e que
comungam com ele, formações e pensamentos congêneres.
O recorte dos nomes fora um tanto exíguo e resultou de uma pré-seleção de leituras
que constam de citações mais constantes do campo do Estruturalismo e do Pós-
Estruturalismo, e que julguei pertencer ao globo dialógico, como o nome de Roland Barthes.
O tema é fluido, móvel, e não é a toa que pensadores de várias “ordens” têm dedicado
cuidados por defini-lo “melhor”. Entendo serem, nesta empreitada, os achados de Foucault, os
mais significativos.
“A noção de autor constitui o momento forte da individualização na história das
ideias, dos conhecimentos, das literaturas, na história da filosofia também, e na das ciências.”
(FOUCAULT, 2000) A partir do pós-estruturalismo, a história da literatura, com
consequências determinantes para a teoria da literatura, passou a ser a história das obras, não
mais de épocas estanques e biografismos. Habitualmente, a história de um tipo de filosofia, de
um conceito, tinha como unidade mais sólida e fundamental, a autoria. É sobre esta categoria
tão fundamental “o homem e a obra”, que Foucault vai desenvolver estudos que marcarão

1
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.
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definitivamente as visões sobre a ciência, o pensamento e o discurso. O que acaba conferindo


à escrita contemporânea, um novo princípio ético, e este princípio que é o da indiferença
relativa ao autor não é um traço que caracteriza o modo como escreve ou como fala, mas é,
“sobretudo uma espécie de regra imanente”, constantemente retomada, nunca completamente
aplicada, um princípio que não marca a escrita como resultado, mas a domina como prática.
Poder-se-ia dizer que a escrita (ou o discurso) de hoje, segundo Foucault, não é meramente,
ou não é definitivamente, expressiva, mas identifica-se com a sua exterioridade, e está sempre
em vias de ser refeita, transgredida, invertida, ou retificada. A escrita é assim, o espaço de um
sujeito (autor) “que está sempre a desaparecer”.
O tema da morte é o segundo grande eixo da nova história da literatura
(FOUCAULT, 2000):2 o parentesco da literatura com a morte. Na narrativa árabe As mil e
uma noites tão requerida por Foucault e por Barthes, Xerazade utiliza o discurso para adiar a
morte, nisto se difere da narrativa grega que buscava a perpetuação do herói, que glorificado e
jovem, passava à imortalidade. Distintamente, em Xerazade, o que se vê é o sacrifício da
própria vida, o esforço de todas as noites, para manter a morte fora da existência. Desse
modo, a escrita ou a fala, representa o apagamento do próprio sujeito autoral, subjugando-o.
Constitui-se apagamento da autoria em favor do discurso, da linguagem.
Para Foucault, esta relação da escrita com a morte manifesta-se naquilo que Roland
Barthes, seu principal interlocutor, chama de “biografema”: “o apagamento dos caracteres
individuais do sujeito que escreve; a retirada de todos os signos de sua individualidade”
(BARTHES, 1984), A sua mais completa ausência pessoal! O que agora vai interessar é que
se dê novo estatuto ao autor, ao que esperamos desenhar, no final dessas reflexões, à tônica
Foucaultiana e dos seus interlocutores: Sigmund Freud, Mikhail Bakhtin, Jacques Derrida e
Roland Barthes.
Principiamos pela afirmação que desencadeará a rede dialógica de Foucault, para
quem o autor deixa de ser um sujeito empírico, para ser o lugar de vários discursos, o que já
põe em vala comum o logocentrismo (cf. DERRIDA, 2004) abandonado pelos pós-
estruturalistas.
Esta forma de arregimentação tem profundas relações com a psicanálise Freudiana
(FOUCAULT, 2000), onde a ideia de sujeito unitário, o eu, não é o sujeito autopresente, mas
a inconsciência é a marca fundadora do sujeito. O sujeito é, portanto, efeito do discurso, que
desfaz a ideia de sujeito autocentrado. O discurso – a autoria – pulveriza o campo objetivo das

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Além do texto teórico referido, utilizei temas clássicos da narrativa árabe e, sem ref. explícita, da grega, para
ilustrar a ideia de morte do autor.
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ideias. Já não há mais a necessidade de ratificação das ideias ou logocentrismo, que é o mote
das oposições binárias, (DERRIDA, 2004) e que Derrida irá desconstruir com seus achados
no Desconstrucionismo, o que aponta para a ideia de suplementação que vai ser, de certo
modo, desarticuladora do centro como referência.
A suplementação, fator dessa desarticulação, ocorreria num movimento de
deslizamento no jogo das oposições binárias, quando uma categoria posta em relação à outra,
em lugar de invalidá-la, preenche-lhe uma falta. Uma espécie de inversão do binarismo. Para
representar com maior precisão a lógica binária e a ideia de suplementação, diria que na
oposição natureza versus cultura, pode o segundo termo agregar-se ao primeiro,
suplementando uma lacuna que agrega valor ao vazio do primeiro, daí “romper-se” a lógica
binária.
Como no exemplo mencionado, a educação do homem, para citar uma possibilidade,
pode significar acréscimo de valor ou aperfeiçoamento da natureza. Por fim, cabe dizer que
todas as representações da nossa cultura se apresentam em lógicas binárias e a isto se opõe o
Desconstrucionismo.
Acho que é possível, numa rápida equação, configurar o raciocínio que tomamos. Na
ordem do Estruturalismo, cuja base é a estrutura da fala, há a regência de modo não-
presente/não-ausente do sujeito, portanto há o descentramento do sujeito, o que afinal revela
as falácias da oposição binária, isto se considerarmos que, na imediata frente com o
Humanismo, cujo eixo é o sujeito centrado, desenhar-se-á uma herança metafísica, o eu. Em
arremate, diria que o Desconstrucionismo tem o texto como forma de análise: o sentido
sempre vai se disseminando, e não convergindo para um significado. Derrida questiona a
existência objetiva da ideia do significado (DERRIDA, 2004). Para ele, o significante é
gerado a partir da cadeia discursiva. A significação nunca está presente num único signo, mas
será gerada na cadeia de significantes. Como Foucault, ele não considera a origem originária,
o ponto onde tudo se inicia, na relação causa X efeito. Daí, para ambos, o discurso desfazer o
campo objetivo das ideias, e, mais contundente ainda, numa nova aproximação com Freud, a
escrita não é alvo da reflexão da filosofia, mas o é o discurso.
A partir destas entrâncias, é possível seguir, mais proximamente, daquilo que
Foucault propõe em A ordem do discurso (FOUCAULT, 2000). Aqui, não há um estatuto
objetivo para a Verdade: houve um deslocamento do conceito de Verdade que migrou da
Metafísica para o descentramento do sujeito no campo do Pós-struturalismo. A Verdade, ou
as Verdades, são conjuntos de estruturas discursivas, ou seja, é uma estruturação de
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declarações, conhecimentos. Do que deduzimos, pela lógica Foucaultiana, que o sujeito é uma
invenção moderna; uma ficção humanística.
Penso numa alegoria ilustrativa deste discurso, o conceito de Dialogismo, de
Bakhtin, onde o novo jamais é o novo (BAKHTIN, 1998), e o dito é sempre um discurso em
contato com o já-dito; e de Polifonia, cuja ordem prevê as falas dos vários sujeitos numa
mesma posição de autonomia, onde não há hierarquização de uma voz sobre as demais. Acho
que Bakhtin pensava numa aproximação da Arte com a Cultura, desestabilizando o lugar da
Arte Canônica, mas sempre sem entrar no eixo axiológico de hierarquia e valor. Para ele, o
sujeito se insere no mundo da arte como pertencente a uma etnia, uma categoria, uma filiação.
Assume uma identidade cultural. Sobre isto falarei mais adiante nos propostos sobre Roland
Barthes e sua concepção de autor.
Foucault, em sua aula inaugural no Collège de France, em 1970, insere, de modo
metalinguístico, a sua teoria sobre o discurso. Diz ele que o discurso se organiza a partir de
um ser preexistente. A ideia de um autor que o cria e de uma ciência que o caracteriza como
findos neles mesmos, se desfaz de modo sutil e progressivo. São os discursos, alongamentos,
ou seja, aproximações e distanciamentos de uma ordem, de uma palavra. A instituição,
entidade mantenedora da ordem, determina os limites do discurso como sendo uma matriz
modal que “assegura” aos sujeitos, que se possam mover nas suas conjecturações, se é que
esta palavra é-lhe concebível.
No entanto, à revelia da Instituição, há um desfazimento da ordem, pois as práticas
de apropriação da palavra e do discurso são particulares e inusitadas, a despeito de quaisquer
controles, porque são apropriações dos sujeitos sem o fio revelador da onipotência da
Instituição. Mas este “Ente” não quer ser desestabilizado, por isso propõe o objeto a ser
examinado, e até permite certo distanciamento de sua visão, mas tudo sob rígido controle.

A produção do discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada, e


redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus
poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade. (FOUCAULT, 1996)

Nesses tempos de modernidades, numa sociedade como a nossa, no Brasil, a forma


mais comum que vemos do controle do discurso situa-se como interdição, ou seja, não se
pode dizer tudo, falar tudo, de qualquer “objeto”. O que dizer das interdições à fala dos
negros, dos homossexuais, da atividade política plena? Para Foucault, as interdições estão
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ligadas ao desejo e ao poder, e isto não é algo manifesto como a psicanálise já anunciou no
início de nossas referências:

o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também,
aquilo que é o objeto do desejo; e visto que o discurso não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se
luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 1996)

Outra forma de exclusão é a separação ou rejeição. Isto remonta (pasmem!) a práticas


da Idade Média. Há palavras que simplesmente são consideradas nulas, inválidas, provém dos
loucos (e que estatuto estes possuem?). São palavras que não se alocam dentro do rígido
padrão da ciência, do discurso instituído.
Um discurso separado, investido de desejo, é sempre carregado de terríveis poderes.
Mas a separação pode, por força da luta, quebrar a estrutura da “Razão”, da palavra
outorgada. Penso no romance de Maria Firmina dos Reis, mulher, no século XIX, interditada
por sua própria condição, numa zona geográfica de pouco prestígio cultural e científico, com
uma temática um tanto rompante: denúncia das condições dos escravos e escravas nos
percursos de suas viagens, e nas suas estadas na nova terra. Foi silenciada. Somente hoje,
séculos depois, alguns ousam avançar as frestas de uma movediça democracia da escritura
literária no Brasil.
Creio que há sempre uma passagem assim, como uma fresta. Entre o discurso
“verdadeiro” e o discurso falso; há um resíduo que poder referir uma “nova verdade”: uma
nova construção. É o caminho de uma palavra em trânsito que se engendra para se falar; que
silencia para se dizer, para ser uma voz.
Foucault concebe pelo menos três grandes sistemas de exclusão que atingem o
discurso: a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade da verdade, sendo que este
último parece fazer convergir para si os domínios dos anteriores. Nisto não me deterei, por
força do exíguo espaço neste trabalho, entanto reconheço que no campo da literatura, entenda-
se campo como as várias movimentações da literatura e seus produtores (BOURDIEU, 1996)
há muito mais outorgas e interdições do que supomos. Pierre Bourdieu faz-nos perder a
inocência no cernente à Arte, em sua obra As regras da arte. No entanto, todas essas
informações sobre interdições e mercado negro nos fazem aproximar da retirada do embuste;
do desvendar da palavra e da desestabilização, no caso particular da literatura, da formação
canônica. Porque o encontro com a verdade, ou o desejo por ela, deve ser o nosso caminhar
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perene, sempre divergente daquilo que está posto na “ordem”. O caráter de reatualização do
discurso é, isto sim, a ordem. Porque entre

o texto primeiro e o texto segundo, o desnível desempenha papéis que são


solidários, porque permite construir novos discursos: o fato de o texto primeiro
pairar acima, sua permanência, seu estatuto de discurso sempre reatualizável, o
sentido múltiplo ou oculto de que passa por seu detentor, a reticência e a riqueza
essenciais que lhe atribuímos, tudo isto funda uma possibilidade aberta de falar.
(FOUCAULT, 1996)

E está ação por entre as frestas, nos deslizes é que é a força motriz para a nova palavra.
Em Úrsula, Reis faz “ajustes” na história da escravidão no Brasil, uma espécie de
desfazimento do velho para torná-lo novo, e ela o faz porque nessa prática transversa, reside
sempre a possibilidade de agrupamento do discurso, dando-lhe unidade, ressignificando-o
coerentemente.
Afinal, e aqui Foucault está lado a lado com Barthes, o autor é aquele (ou aquilo) que
“dá à inquietante linguagem da ficção suas unidades, seus nós de coerência, sua inserção no
real”, insinuando subrepticiamente, o lugar de onde fala; as condições em que forjou o
discurso. E isto não é meramente uma autoria empírica, mas é a propulsão de um discurso
trêmulo, independente de ser o homem particular um gênio criador ou o autor de uma
desordem: ele transforma-se em (ou é!) um discurso.
Penso em quantas instituições foram suplantados pela nova discussão posta por Reis
em Úrsula, ao lado de todas aquelas que com ela contaram e contarão a nova história. Até
porque a tradição ou o cânone, não devem ser apagados, mas desestabilizados, postos em
movimento ao lado do novo, mas nesse jogo, algo (ou alguém) vai sair de evidência.
Aí está o papel, se é que posso falar em um, dos Estudos Culturais, pois que são
espaços discursivos, que põem em movimento o velho e o novo; o do centro e o da margem, e
constroem sempre uma palavra nova, e desta vez, sem a inflexibilidade de outras áreas.
Felizmente, os tempos de crítica literária são outros. Apesar de suas limitações, não
há exclusivamente o domínio tirânico da crítica biográfica ou historicista, legado do
positivismo do século XIX; ponto de vista exorcizado por Roland Barthes no ensaio “A morte
do autor”, pelo poeta e crítico americano Ezra Pound, pelo Formalismo Russo e o New
Criticism dos Estados Unidos da primeira metade do século XX. Estas correntes teóricas
também cometeram seus equívocos ao preterirem o conteúdo da mensagem, da fábula poética
em função do estudo da linguagem, da imanência do texto, ocultando da Literatura suas
funções históricas, sociais e culturais. No entanto, mesmo os formalistas foram capazes de
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reconhecer os seus equívocos e, uma vez ultrapassado o momento de ruptura com a crítica
positivista e impressionista, revisaram seus conceitos críticos.
Em A morte do autor, Barthes diz que “a escrita é a destruição de toda a voz, de toda
a origem. A escrita é esse neutro, esse compósito, esse obliquo para onde foge o nosso sujeito,
o preto e o branco aonde vem perder-se toda a identidade, e começar precisamente pela do
corpo que escreve” (BARTHES, 1984). De fato, se considerarmos que o eu de quem escreve é
um eu virtual, uma máscara, um fingimento e não a mesma pessoa do corpo que fala, mas
uma outra voz que toma o lugar nesse corpo vazio, teremos então uma identidade posta ao
discurso, uma consciência diferente, sua e do outro, que fala, que discursa. Aí reside não mais
um sujeito individual, um gênio, mas uma palavra em movimento. Um sujeito que se
inscreve, não simplesmente que escreve.
Nos últimos anos tenho observado alguns teóricos e escritores da diáspora negra que
problematizam a condição humana dos afrodescendentes, a reconstrução da identidade
cultural, a recuperação da memória, da história dos antepassados. (PRANDI, 2001)
A literatura negra dos brasileiros hoje, é uma tentativa de reassentamento do
território negro. Este discurso tem dado visibilidade à questão racial através do engajamento,
comprometimento com as questões sociais dos descendentes de escravos africanos, contra a
exploração e outras formas de cassação dos direitos dos negros. Parece que 60% da população
presidiária no Brasil é de fenótipo negro, segundo dados da ONG – Afro Hoje, de 2001. Isto é
resultado da violência explícita que se vem praticando contra os negros no Brasil no
atualíssimo modo de escravidão. Não é necessário dizer que os negros tornados muito mais
vulneráveis pela pobreza, têm dificuldade de ascender socialmente.
Assim, penso que na poesia negra, tomando como referente a poesia de Luis Gama, o
corpo que escreve é o corpo da enunciação e afirmação de uma identidade; é a voz da
consciência racial, das infinitas vozes do eu – negro e coletivo – dos antepassados
quilombolas; que habita o ser do poeta para impulsionar-lhe a fala. Essa escrita dos brasileiros
descendentes de escravos é ideológica, dessacralizadora do falar hegemônico do colonizador,
do discurso institucional, e nessa direção vejo articulado o discurso da paródia, da zombaria,
do riso destronador (BAKHTIN, 1999). Talvez, nesta parte específica de meu aporte, existam
alguns distanciamentos entre Barthes e Foucault, pois imagino que para Barthes o neutro total
do sujeito não se desfaz totalmente em relação ao discurso, e para reafirmar esse caráter,
reutilizarei uma metáfora que significa a não-neutralidade total do criador, ponto que
comungo com A morte do autor:
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se Deus fez o homem e a mulher do barro, de uma essência material e espiritual,


como haveria o autor e o sujeito de inscrever seus versos a partir do nada, de um
não-lugar de referências ao objeto? Como então uma escrita sem as marcas do
tempo e as experiências pessoais de seu articulador (neste caso, um criador)?
(MONTEIRO, 2003)

Entendo que a fuga do sujeito não se dá para um lugar de total neutralidade do autor, pelo
menos não é isso que tenho observado na poesia de Luis Gama. Nesta escrita, evidencia-se a
relação entre o eu do poeta e outras vozes, o entrecruzar das vozes do presente e da
ancestralidade.
Não concebo a escrita como destruição de toda a voz, de toda a origem. Isto pode ser
relevante para os versos de Um lance de dados, de Mallarmé. Não resta dúvida que o legado
estético desta obra para a poesia ocidental do século XX é fundamental. No entanto, nem este
nem quaisquer outros paradigmas bastariam à poesia como forma cabal. Nestes tempos de
guerra, de injustiças sociais, interessa-me a poesia que tem sua fonte na realidade, tomando a
palavra realidade no seu significado mais simples. Prefiro a poesia que levanta a própria voz
do povo, dos oprimidos, dos marcados socialmente. Não quero, contudo, alardear
preconceitos de ordem teórica ou estética. Mas prefiro o discurso que aponta para a direção de
vozes ocultadas ao longo do tempo; dos cantos populares, da poesia narrativa, da mitopoética
da África antiga, da diáspora negra hoje.
Há textos que inspiram ideologia, outros o sagrado e outros, “prazer e gozo”
(BARTHES, 1999). Não há o novo sem o velho, nem o velho sem o novo. Somos um corpo,
um discurso em movimento, feito de passado e de presente. Todos os tempos devem pulsar
dentro de nós. O autor está tão morto quanto vivo. De fato, em determinados textos
presenciamos o distanciamento autor/obra.
Entendo a posição de ruptura de Barthes contra a crítica que se restringia à biografia.
Há certas obras que evocam a presença do autor, no seu tempo, dentro do discurso, como que
inseparáveis. Revelam, como a diáspora negra, a problemática social ou racial de seu tempo.
É certo também que toda a obra transita no intervalar da ficção, do imaginário e do real;
desliza nas lacunas da memória. Creio que toda a narrativa – discurso – percorre um território
de fronteira, movediço, uma encruzilhada entre ficção e realidade; entre o sagrado e o
profano; entre o centro e a margem; entre o novo e o velho, e por que não, entre o sujeito que
fala e o que re-fala. Nisto, exato nisto, Barthes e Foucault se encontram.
Entendo que já é possível acompanhar o fio teleológico para o qual estas reflexões se
encaminharam, tanto com respeito ao que se depreende dos deslizamentos e rupturas
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Foucaultianas, quanto no que respeita às sintonias, validações de suas novas declarações sobre
autoria e discurso, dos seu pares interlocutores.

Em suma, o nome do autor serve para caracterizar um certo modo de ser do


discurso: para um discurso, ter o nome de autor, o fato de se poder dizer “isto foi
escrito por fulano” ou “tal indivíduo é o autor”, indica que este discurso não é um
discurso cotidiano, indiferente, passageiro, imediatamente consumível, mas que se
trata de um discurso que deve ser recebido de certa maneira e que deve, numa
determinada cultura, receber um certo estatuto. (FOUCAULT, 2000)3

Referências

BAKHTIN, Mikhail. O discurso no romance. In: Questões de literatura e de estética. São


Paulo: Hucitec, 1998.

BAKHTIN, Mikhail. Da Idade Média ao Renascimento – o contexto de François Rabelis. São


Paulo: Nova Fronteira, 1999. (Trad. Paulo Paes de Lima)

BARTHES, Roland. A câmara clara: um ensaio sobre fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira: 1984. (Trad. Leyla Perrone-Moisés)

BARTHES, Roland. A morte do autor. In: O rumor da língua. Lisboa: Edições 70, 1984.

BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1999. (Trad. Lea Novaes)

BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. In: O mercado dos bens simbólicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. (Trad. Maria Lúcia Machado)

DERRIDA, Jaques. A violência da letra: de Lévi-Strauss a Rousseau. In: Gramatologia. São


Paulo: Perspectiva, 2004.

FERREIRA, Élio. Barthes não é Barthes nesses tempos de guerra. Org. CORDIVIOLA,
Alfredo. A câmara de ecos. Recife, associação de escritores portugueses, 2003.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996. (Trad. Laura Fraga de
Almeida)

FOUCAULT, Michel. O que é um autor? São Paulo: Paisagens, 2000. (Trad. José A.
Bragança)

MONTEIRO, Maria do Socorro de Assis. Barthes, onde?. In: CORDIVIOLLA, Alfredo


(Org.). A câmara de ecos. Recife: Associação de escritores portugueses, 2003.

PRANDI, Reginaldo. Mitologias dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

3
Observação: as citações de outras experiências de leituras que ratificam esse trabalho, tomadas como
empréstimo: A Literatura como poesia, de Luiz Gama e o romance de Maria Firmina dos Reis, além de outros
teóricos como o poeta e crítico Ezra Pound, não constam nas referências, por opção minha, por entender que o
aporte teórico central fora mencionado.

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