Kelsen fala em normas jurídicas e não em mandamentos, uma vez que obedece-se ao
direito como conjunto de normas e não como uma enunciação de ordens.
Para a teoria pura do direito, Kelsen propõe o escalonamento da ordem jurídica,
concebendo o Direito como uma construção em camadas aonde a Constituição encontra-se no
topo, atuando como fundamento supremo de validade de todas as normas jurídica que estão
abaixo dela. Contudo, a pergunta sobre qual o fundamento de validade da Constituição
remanescia, sendo preciso encontrar a validade do direito dentro do próprio direito.
A norma superior a Constituição que confere validade a todo ordenamento jurídico é a
norma fundamental. A norma fundamental não dota, portanto, de conteúdo material, sendo
apenas um valor lógico e hipotético, puramente ideal e formalmente necessário para conferir
validade ao ordenamento jurídico e resolver o paradoxo da validade do direito.
Como a normal fundamental não prescreve nenhum conteúdo, Kelsen pretende afastar-
se da visão jusnaturalista do direito, entendendo como insustentável o dualismo direito natural
x direito positivo.
Kelsen tinha a preocupação de desprender-se dos ideais jusnaturalistas, da Escola da
Exegese, da Escola História do Direito, do Movimento Direito Livre e da Jurisprudência de
Interesses. A abordagem de Hans Kelsen buscou o fundamento de validade do sistema
normativo dentro do próprio direito, mantendo a pureza da teoria.
1.5 Validade e Eficácia da norma jurídica
Por validade, Kelsen designa o modo de existência específico das normas. Por ser a
norma fundamental o fundamento de validade da ordem jurídica, constituindo a unidade dessa
pluralidade de normas, pode haver contradições entre elas, mas, pelo princípio da não-
contradição, uma norma jamais será verdadeira ou falsa, tão somente válida ou inválida.
Quando o dever-se imposto em uma norma e posteriormente interpretado, o sentido lhe
conferido pode entrar em conflito com outro dever-ser contido em outra norma, principalmente
porque a margem de indeterminação presente em determinada norma ocasiona a contradição
entre duas proposições jurídicas.
Posto isso, materialmente a teoria pura não pode ser a moral, os valores éticos tampouco
o ideal de justiça, e com o intuito de manter a pureza da teoria, Kelsen associa a ideia de Estado
como personificação da ordem jurídica. Essa associação em momento algum retira a pureza da
teoria, tão somente estabelece sua justificação material.
A fundamentação prática da norma fundamental dá-se, pois, com a organização
hierárquica unida aos critérios de validade da norma jurídica e com a ideia de Estado como
personificação da ordem jurídica. Esses dois fatores dão conteúdo a teoria pura do direito, que
em si já é formal e lógico, mas que lhe falta a materialidade e sem o aspecto material não há
como a forma existir.
A teoria pura do direito significa o fim da teoria geral do direito. Kelsen faz uma
distinção entre normas jurídicas (Rechtsnormen) que não objeto da ciência do direito e, as
proposições normativas (Rechtssatze).
Para compreender a obra faz-se necessário primeiramente assimilar três distinções no
pensamento kelseniano: entre ciência do direito e direito; normas jurídicas e outras normas;
proposições jurídicas e proposições das ciências sociais. Essas diferenciações são relevantes
para estudar o sistema de normas que regula a conduta humana e o quanto vinculam o
comportamento do indivíduo, no sentido de descrever como algo deve ser e a verificação dessa
conduta no âmbito do ser.
Destarte, analisou o sistema normativo como uma estrutura de normas que propunha um
dever-ser, cuja validade não estaria dependente de valores éticos ou morais. Nesse ponto, a
distinção entre ser e dever-ser é constitutiva da teoria pura do direito. Uma vez que a ciência
do direito se pergunta pela verdade ou falsidade, a norma, que prescreve deveres a serem
realizados, cuida da validade ou invalidade do direito. Sobre a distinção entre o ser e o dever-
ser (sein e sollen): à primeira categoria pertencem às ciências naturais, e as ciências normativas
(que prescrevem o comportamento, em vez de descrevê-lo) pertencem à última.
A possibilidade de encontrar o sentido exato ou correto de uma norma jurídica é excluída
por Kelsen, o qual considera que vá várias significações possíveis, sendo competência da
ciência do direito estabelecer as significações possíveis da norma em questão. Escolher uma
delas não depende da teoria (ciência) do direito, mas da política jurídica. Quando a interpretação
é efetuada pelo órgão de aplicação jurídica, como a jurisdição que aplica uma norma legislativa
a um caso particular, a interpretação será autêntica.
No poder Legislativo, ou função legislativa, está compreendida apenas a criação de
normas gerais, tendo em que a criação de normas individuais compete aos tribunais por meio
da decisão jurídica, fruto da interpretação autêntica das normas gerais.
Quando Kelsen morou nos Estados Unidos, houve certa mudança na sua concepção,
tendo retirado a juridicidade, este elemento ideal constitutivo da norma jurídica, da definição
dela. A norma jurídica, como ato de vontade dirigido a alguém a fim de obter deste o
comportamento desejado, será um fato. A ciência do direito terá por tarefa observar os fatos de
criação e de aplicação das normas jurídicas.
2.3 A ordem jurídica: hierarquia dos órgãos, das normas ou das funções?