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Eduardo Pellejero

Hegel: A arte como manifestação do espírito e como coisa do passado

Os cursos em contexto

Apesar do lugar marginal que costumam ocupar nos planos de estudo das nossas
universidades, os Cursos de Estética constituem uma das obras mais influentes de Hegel,
começando por ser a matriz da moderna historia da arte. As mais de mil páginas dos Cursos,
por outra parte, deviam justificar um lugar central dos mesmos no sistema Hegeliano.
Os Cursos de Estética (Vorlesungen uber die Aesthetik) foram lecionados em Berlim
entre os anos de 1818 e 1829. Implicam, desde a introdução, uma diferença fundamental em
relação aos sistemas estéticos modernos anteriores. Para começar, Hegel pretende refutar a
estética entendida como a ciência do belo em geral.
1) Em primeiro lugar, exclui o Belo natural como objeto da estética: a superioridade
do belo da arte radica para Hegel no fato de que “a beleza artística é a beleza nascida e volta a
nascer do espírito” e, portanto, se encontra sempre vinculada à liberdade.
2) Em segundo lugar, mesmo quando Hegel aceita manter o nome de “estética” para
designar esta ciência, dado o uso difundido que cobrou o termo, esclarece que essa noção é
inadequada – na medida em que remete para uma “ciência do sentir” que encontra-se atrelada
a uma época na qual “as obras de arte eram consideradas em relação aos sentimentos que
deviam produzir”. A arte se dá, para Hegel, como um sensível que não se deixa reduzir ao
sensível, enquanto manifestação (Erscheinung) e não simplesmente aparência (Schein) de
uma potência espiritual: “Na sua aparência mesma, a arte nos permite entrever algo que
supera a aparência”. Nessa medida, a obra de arte expressa a ambiguidade da palavra sentido,
designando os órgãos que servem para a apreensão de uma coisa, mas também a significação,
o conceito: a significação na arte só advém através da realização de uma figura sensível, da
qual é coextensiva (isto é, a significação não preexiste a figura sensível que lhe da forma),
mas não se reduz à mesma.
3) Em terceiro lugar, Hegel também toma distâncias da estética moderna negando que
a questão do belo possa ser colocada em relação aos juízos de gosto. Hegel defende, pelo
contrário, que o belo é determinável objetivamente (ao belo corresponde um conceito
objetivo, não uma categoria do juízo).

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A aproximação de Hegel às artes também pressupõe as propostas coevas do idealismo
alemão e a crise do pensamento europeu posterior à Revolução francesa: “No Mais antigo
programa do sistema do idealismo alemão, proposto por Schelling, Hegel e Hölderlin (...)
propunha-se não só uma nova concepção do Estado (...) mas também uma nova mitologia,
desde a ideia de beleza e de poesia” (WERLE, 2011, p. 19). Hegel irá afastar-se dessa
vindicação da poesia, confrontado com as mutações políticas e sociais da modernidade
(fragmentação do mundo, alienação do homem, etc.), abandonando progressivamente a ideia
de fazer da arte uma guia para a humanidade e colocando em causa a efetividade das obras
artísticas.
Desde outro ponto de vista, os Cursos mantém uma polêmica com o romantismo
alemão, e as suas teses filosóficas fortes pressupõem essa confrontação, pelo menos na
medida em que o romantismo afirmava a supremacia da arte sobre a filosofia (enquanto meio
para alcançar a verdade) e a superioridade dos artistas sobre os sacerdotes e os filósofos para
dar forma à ideologia da cultura moderna.
A atitude de Hegel, em todo o caso, será sempre ambivalente. Por uma parte, ataca as
pretensões metafísicas da arte, que encontravam a sua fonte no romantismo. Por outra, admira
profundamente a atividade artística. Não só sabemos – através do seu primeiro biografo, Karl
Rosenkranz – da devoção de Hegel pelas artes, como constatamos que as artes ocupam um
lugar crucial no seu sistema. A arte, como veremos, constitui um dos três modos do
conhecimento do absoluto (isto é, de autoconhecimento do espírito), junto com a religião e a
filosofia. Mesmo considerada inferior às outras duas formas, faz parte dessa tríade
privilegiada, e constitui a base sem a qual não poderiam ter-se dado as duas formas
superiores. Resumindo: para além da polêmica com o movimento, Hegel retoma do
romantismo a doutrina de que os artistas foram os primeiros mestres do homem e que a poesia
constitui a língua materna da humanidade.
Na descrição da beleza clássica, por fim, Hegel deve muito à obra de Winckelmann,
mesmo se as críticas à sua obra não são poucas (Hegel está com Winckelmann contra o
primeiro romantismo alemão, na medida em que ambos consideram que a cimeira da arte não
é representada pelo romantismo, mas pelo classicismo; mas está com os românticos na crítica
de Winckelmann, enquanto este afirmava que os valores clássicos podiam ser restaurados).1

1 Hegel também é contemporâneo do nascimento do museu (por exemplo, do de Berlim, em 1820), o qual implica
uma experiência nova da arte: desligamento do mundo da vida, contemplação erudita das obras, cultura da reflexão,
etc. Belting associará essa experiência às teses hegelianas sobre a obsolescência da arte na sua reflexão sobre o fim da
história da arte (BELTING, 2006).

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As teses dos Cursos de Estética

Os Cursos estão organizados basicamente segundo quatro níveis ou linhas temáticas


fundamentais: 1) a problematização da ideia do belo; 2) a determinação conceitual da essência
da arte; 3) a análise das formas particulares ou históricas que reviste o belo na arte (em todas
as culturas conhecidas); e 4) a discussão específica das artes particulares (a escultura, o
drama, a música, a arquitetura, a pintura, a poesia, etc.).
Por fim, os Cursos implicam também uma série de teses filosóficas sobre a natureza
da arte e sobre seu lugar na história do espírito.
1) Hegel pensa a arte, junto com a religião e a filosofia, como uma das práticas através
das quais as comunidades humanas dão conta das verdades mais compreensivas do espírito,
dos seus interesses substanciais (o que conta e vale como lei para nós), isto é, como uma das
práticas através das quais os homens atualizam a sua liberdade e dão um sentido às suas vidas.
Desde esse ponto de vista, a arte, como produto do trabalho do homem livre, possui uma
necessidade absoluta, no sentido de que é uma das práticas através das quais se toma uma
posição sobre o que significa ser humano, sobre o que essencialmente nos importa – isso que
Hegel denomina os interesses mais elevados e as verdades mais compreensivas de uma
comunidade –, coisa que implica ver além da superfície caótica do mundo prosaico. Hegel
parece procurar, nesse sentido, articular ética e estética sob os auspícios do espírito do povo
(Volksgeist): a arte dá forma sensível a essa união, dá figura aos valores, às crenças. A obra é
literalmente configuração, onde o elemento sensível manifesta o conteúdo espiritual, não
através de um movimento de referência, mas pelo agenciamento de suas partes, agenciamento
que só pode ser o resultado de um trabalho espiritual.
2) Hegel postula a arte como forma de conhecimento, estipulando que cada arte tem
um objeto próprio, que conhece à sua maneira. A arte não é o domínio da ilusão, mas o
domínio da revelação, onde a verdade se manifesta ou se des-oculta. Hegel escreve: “a própria
aparência é essencial para a essência; a verdade nada seria se não se tornasse aparente e
aparecesse, se não fosse para alguém, para si mesma como também para o espírito. Por isso, a
aparência em geral não pode ser objeto de censura, mas somente o modo particular de
aparecer segundo o qual a arte dá efetividade ao que é verdadeiro em si mesmo” (HEGEL
1999, P. 33). O belo é, nesse sentido, a forma sensível do verdadeiro; todas as formas
artísticas implicam um suporte sensível, e isso constitui ao mesmo tempo a essência e a
limitação da arte enquanto forma do Espírito.

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Por outra parte, a arte é verdadeira na medida em revela um trabalho do espírito, que
nos permite contemplar o espetáculo exteriorizado dum acordo interior no espirito do artista.
Tal é o sentido que Hegel atribui, por exemplo, às naturezas mortas e às paisagens: não a
ilustração (mimese) das coisas, mas o olhar do pintor sobre as coisas e sua capacidade para
exteriorizar objetivamente esse estado subjetivo. A verdade da arte não é a da exatidão pura e
simples, a que se limita o que se chama a imitação da natureza; para ser verdadeira, a arte
deve realizar o acordo entre o exterior e o interior do espírito. Noutras palavras, na arte o
espírito se dá a si mesmo uma imagem, uma forma sensível, constituindo assim o primeiro
momento da sua autoconsciência – e é nesse sentido que a arte pode ser considerada
verdadeira.
3) Hegel caracteriza a arte como um meio de conhecimento inferior à filosofia; o que a
arte manifesta através do meio (obscuro) dos sentidos, a filosofia o capta através do meio
(transparente) do pensamento.
4) Hegel sustenta que a arte não tem futuro, que perdeu sua importância tradicional,
que não pode aspirar já a jogar um papel na cultura moderna, e que nesse sentido constitui
uma coisa do passado.

Como dissemos, as duas primeiras teses são um reflexo do romantismo sobre a


filosofia hegeliana, enquanto as duas últimas implicam a crítica do romantismo em nome de
uma modernidade racionalista. A terceira das teses, de fato, a da hierarquia que coloca a arte
por debaixo da religião e da filosofia, é uma das teses mais controversas dos Cursos.
A caraterização oficial do lugar da arte no sistema hegeliano aparece em alguns
parágrafos difíceis (§§556–63) da Enciclopedia (1830). De acordo com esses textos, o espírito
ganha autoconsciência primeiramente através da externalização, saindo fora de si, na direção
do seu outro (a matéria), e depois através da re-internalização, voltando para dentro de si. A
arte constitui, nesse sentido, a primeira etapa da auto-externalização, na medida em que seu
médio está associado aos sentidos e que os objetos da arte são exteriores ao artista – mesmo
quando envolvam a atividade criadora do artista, de forma tal que o artista possa ver-se nas
suas obras, constituindo assim um certo nível de autoconsciência.
Uma versão menos obscura dessa tese se encontra nos textos de Hegel sobre filosofia
da religião (1827-1831). Então a distinção entre arte, religião e filosofia, não é feita em
termos de autoconsciência, mas em termos de tipos de conhecimento e graus de compreensão.
Hegel explica que a arte, a religião e a filosofia, têm o mesmo objeto, a saber: o verdadeiro ou
o “si próprio absoluto”. Diferem, porém, nas formas de conhecimento desse objeto: a arte

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apresenta o absoluto na forma da intuição imediata (Anschauung), a religião na forma da
representação (Vorstellung), e a filosofia na forma de conceitos (Begriffe).
Ao contrário das intuições da arte, cujos objetos são particulares (por exemplo, uma
estatua de Apolo), as representações da religião são universais, compreendendo uma forma
primitiva de abstração (por exemplo, representa o divino como o infinito que se opõe ao
finito). Por sua parte, os conceitos da filosofia não só são universais, mas também concretos,
não são abstratos como as representações da religião, porque não se limitam a distinguir uma
coisa de outra, mas envolvem o conhecimento das formas em que cada coisa depende das
outras num sistema completo.
Noutras palavras, as formas da arte, a religião e a filosofia diferem entre si no grau de
compreensão do todo ou da unidade. A intuição (artística) vê o objeto como um todo ou uma
unidade, como um universal, mas não consegue uma apreensão articulada do todo, porque não
vê claramente cada uma de suas partes. A representação (religiosa) vê as partes do todo
distintamente, fazendo abstração das quais consegue conformar um universal, mas não
consegue captar a forma em que as partes particulares se articulam no todo. O conceito
(filosófico), por fim, aprende o todo dentro de cada uma de suas partes, vê o todo e também o
modo em que cada uma das partes individuais se articula no todo. A universalidade da arte, a
particularidade da religião e a individualidade da filosofia refletem assim os três estágios do
conceito. Em resumo, a obra de arte é unicamente um instante provisional dentro da evolução
dialética da Ideia (em Hegel a imagem se subordina ao pensamento).
Em todo o caso, e para além dessa hierarquia, é preciso assinalar que a arte, a religião
e a filosofia são todas formas de universalidade concreta, isto é, conhecem seu objeto como
um todo ou uma unidade que precede suas partes – ao contrario do conhecimento puramente
intelectual do entendimento (Verstand), que apenas analisa o todo nas suas partes
independentes. Nesse sentido, e apesar de estar por debaixo da religião e da filosofia, a arte é
superior (como estas) às ciências empíricas e à história.
E o certo é que, à margem da hierarquia assinalada, poderiam se pensar as relações da
arte, da religião e da filosofia com o Espírito na sua singularidade ou especificidade,
ressaltando assim um certo valor irredutível de cada uma:

na sua liberdade verdadeira a arte leva a termo a sua mais alta tarefa quando se situa
na mesma esfera da religião e da filosofia e torna-se apenas um modo de trazer à
consciência e exprimir o divino, os interesses mais profundos da humanidade, as
verdades mais abrangentes de espírito. Os povos depositaram nas obras de arte as suas
intuições interiores e representações mais substanciais (…). Esta determinação a arte

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possui em comum com a religião e a filosofia, mas de um modo peculiar, pois expõe
sensivelmente o que é superior e assim o aproxima da maneira de aparecer da
natureza, dos sentidos e da sensação. (HEGEL 1999, p. 32)

Desde esse ponto de vista, os três momentos aparecem da seguinte forma: na arte o
espírito infinito adota uma figura sensível, na religião se representa imaginariamente a
unidade do povo, na filosofia se realiza o saber racional.

Do sistema à história: A obsolescência da arte

Os degraus que vão da arte à filosofia, passando pela religião, tem um valor
eminentemente epistemológico (representando níveis de autoconhecimento do espírito
absoluto). Porém, a dimensão epistemológica da classificação hegeliana é complementada por
uma leitura histórica ou genealógica da mesma, segundo a qual a idade da arte corresponde à
Grécia Clássica, a idade da religião à Idade Média, e a idade da filosofia à modernidade.
Nesse sentido, o projeto de Hegel consiste em articular uma grande narrativa do que contou
para nós, do que teve autoridade para nós num momento dado, do que deu sentido à vida dos
homens e contribuiu para o devir da sua consciência.
Vale notar que Hegel não utiliza nunca a frase ‘morte da arte’ que lhe é atribuída
muitas vezes. O que Hegel afirma é que a arte é hoje algo do passado para nós, que já não
responde às nossas ‘necessidades mais altas’, que é algo ‘superado’ (überflügelt) pela
filosofia. Isto é, a arte deixou de ter uma importância central na modernidade; a arte é incapaz
de noz fazer ajoelhar (HEGEL 1999, p. 118), e é impossível (é absurdo) procurar recuperar a
forma em que os gregos contemplavam uma estátua ou assistiam uma tragédia (em princípio,
porque essas formas da arte já não manifestam para nós a presença do divino). A arte, que
tinha um rol fundamental na cultura clássica, enquanto médio da representação da religião, da
ética e da visão do mundo, já não é mais compatível com o caráter racionalista da
modernidade:

o espírito do mundo atual, ou melhor, o espírito de nossa religião e de nossa formação


racional se mostra como tendo ultrapassado o estágio no qual a arte constitui o modo
mais alto do absoluto se tornar consciente. O caráter peculiar da produção artística e
de suas obras já não satisfaz nossa mais alta necessidade. Ultrapassamos o estágio no
qual se podia venerar e adorar obras de arte como divinas. A impressão que elas
provocam é de natureza reflexiva e o que suscitam em nós necessita ainda de uma
pedra de toque superior e de uma forma de comprovação diferente. O pensamento e a
reflexão sobrepujaram a bela arte. (HEGEL 1999, p. 34)

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A arte, em certo modo, já aconteceu. Só nos resta uma reflexão filosófica sobre a
história e o significado da arte, que conheceu sua forma mais alta na expressão da verdade da
sociedade e da cultura clássica. “Há obras de arte” quer dizer, portanto, que historicamente a
arte se encontra totalmente realizada, que seu sentido já não é vivido como uma experiência
imediata (a nossa relação com a arte se intelectualizou). Noutras palavras, já não é algo vivo,
mas algo morto (como quando falamos do latim como de uma língua morta), exibido fora do
seu contexto de origem como signo de um período que já não é o nosso (a arte é a arte dos
museus), mas que, ainda assim, necessitamos retomar pelo pensamento (reflexivo) para
compreender quem somos.
A tese de Hegel não é simplesmente a duplicação filosófica do seu gosto estético
pessoal, mas diz respeito à identificação de um limiar histórico, de uma mudança de regime
ao nível da produção, a contemplação e o pensamento da arte. Os conteúdos capazes de ser
tornados sensíveis pela arte nas suas configurações históricas conhecidas já não parecem
adequar-se às necessidades mais altas da modernidade. Hegel não diz que já não venham a
produzir-se novas obras de arte, não afirma sequer que não venham a ser inventados novos
estilos ou géneros, mas afirma que, do ponto de vista da manifestação sensível das verdades
mais altas do espírito, a arte esgotou todas as figuras possíveis, enquanto o devir do espírito
continua a explorar novas configurações da consciência (nomeadamente através da reflexão
filosófica2). A arte se encontra, nesse sentido, ultrapassada:

Em seus inícios, a arte ainda retém algo de misterioso, um pressentir misterioso e uma
nostalgia, porque suas configurações ainda não deram inteiramente relevo, pela intui-
ção imagética, ao seu Conteúdo pleno. Mas se o conteúdo completo se apresentou em
configurações artísticas, o espírito que continua olhando para frente volta-se desta ob-
jetividade para seu interior e a afasta de si. Tal época é a nossa. (HEGEL, 1999, p.
117)

A realização da arte, isto é, o esgotamento das suas figuras históricas é, ao mesmo


tempo, a condição de possibilidade da reflexão estética que o próprio Hegel conduz, que no
seu movimento pressupõe de forma essencial a possibilidade de totalização da realidade
artística pela representação. A reflexão supõe que seu objeto esteja constituído (isto é, que
esteja dado sob a forma sensível de um conjunto determinado de objetos), isto é, desenvolvido

2Em todo o caso, “a arte se realiza na filosofia, mas essa depende em seu nascimento da arte, vê na arte o seu outro
como princípio. A verdade, para ser alcançada no elemento do puro pensamento, teve de percorrer antes o campo
dos fenômenos imediatos e sensíveis” (WERLE, 2011, p. 33).

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em toda sua dimensão histórica; se seu objeto só fosse uma possibilidade a ser desenvolvida,
um conceito puramente abstrato, a estética não seria possível enquanto reflexão. Gerard Bras
escreve:

A estética, como ciência do belo artístico, aparece como a verdade da arte: a reflexão
filosófica pela qual o sentido das obras já não é vivido imediatamente sobre o modo da
presença, mas refletido filosoficamente em suas relações com a história. É o
pensamento de uma arte já morta. Paradoxo que é o preço a pagar pela exigência de
racionalidade: o filósofo não é poeta: não pode pensar outra coisa do que é. A
posteriori. (BRAS, 1990, p. xx)

Se o ideal não é uma norma da beleza artística a realizar, a estética só pode ser a
história filosófica da arte. Tal é a consequência fundamental da tese segundo a qual a arte
deve ser pensada do ponto de vista da Ideia. Isso também significa que a arte – como a
religião – não é capaz (já não mais) de pensar-se a si mesma. Sem a reflexão filosófica, as
obras de arte permaneceriam silenciosas (mortas, ou vivas de uma forma diferente que a que
caracteriza a vida do espírito); só o ponto de vista da Ideia (da filosofia) nos permite continuar
a escutá-las. Nas palavras de Bras:

Para ficar ao nível da história da arte, podemos dizer que o espírito que se busca a si
mesmo através das diferentes figuras artísticas não pode encontrar-se senão no saber
filosófico de si, na estética concebida como reflexão sobre a história da arte. É neste
sentido que o conceito da arte comporta necessariamente o de seu fim, da sua
superação, da sua morte: as obras, enquanto coisas sensíveis, enquanto manifestações
expostas na exterioridade, isto é, sometidas à forma do espaço e do tempo, são
fundamentalmente incapazes de expressar a unidade do espírito que as anima, que só
pode ser expressada efetivamente superando-a. (BRAS, 1990, p. xx)

Certos interpretes, como Benedetto Croce, vêm nas palavras de Hegel uma oração
fúnebre pela arte. Outros aceitam que Hegel não pretendeu dizer que já não se produziria arte,
mas que a arte tinha sido relegada a um papel limitado e secundário na modernidade. Outros,
por fim, só vêm nas suas palavras uma predição sobre a arte do futuro, que se teria libertado
finalmente do jugo da filosofia e poderia dedicar-se a ser simplesmente arte. No fundo, o
diagnóstico hegeliano é o suficientemente ambíguo como para permitir deduzir uma restrição
ou uma abertura para a arte – e, certamente, desde uma perspectiva dialética as duas
dimensões se sobrepõem e revezam: a perda de significação universal vai ao encontro do fim
das restrições às práticas artísticas, coisa que pode ser lida como um passo decisivo em
direção fragmentação ou pluralismo da arte.

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A perda da função social da arte, da sua significação mais alta, só pode ser
desenvolvida, nesse sentido, sob a forma de uma pergunta dirigida sobre o presente da arte: “a
arte ainda tem efetivamente alguma importância na vida ou é um fenômeno que em grande
medida é apenas ainda cultivado devido a um hábito cultural herdado do passado ou da
tradição?” (Werle, 2011, p. 39). Noutras palavras, o diagnóstico hegeliano significa negar o
presente e o futuro das artes? Significa que os artistas deixarão eventualmente de trabalhar no
aperfeiçoamento da sua arte? Significa o fim da própria arte? Ou, caso só signifique a perda
do seu valor social, cultural e metafísico, significa que a arte nunca voltará a possuir valor
para o homem?
Na medida em que Hegel pensa que a arte já não jogará um rol importante no mundo
moderno, a última pergunta deve ser respondida afirmativamente. As artes, certamente, têm
um futuro, mas se trata de um futuro insignificante: o artista se encontra tão alienado do
Estado, da cultura, da ciência, que perde irremediavelmente o seu rol como porta-voz dos
valores e das crenças da sociedade3; na mesma medida, a arte é reduzia a uma mera forma de
expressão individual.
Gerard Bras sugere, por outra parte, que a exploração do visível na qual se
compromete a arte a partir da pintura holandesa, rebaixa para Hegel o papel da mesma, que
deixa de ser a exteriorização sensível do espírito para passar a funcionar como mero reflexo
dos fenômenos; para Hegel, a verdade da arte é a religião, o que significa que a arte tende à
representação de algo que tem um sentido que a transcende (essência que é negada na sua
transformação fenomenológica).

Porque Hegel não acha que pode dar-se uma reconciliação entre o artista moderno e a
época, assim como se da uma reconciliação entre o individuo e o Estado? Em princípio,
porque a reconciliação do individuo moderno com a sociedade e o Estado só pode ter lugar ao
nível da reflexão. A estrutura da sociedade e do Estado moderno deve satisfazer as demandas
da racionalidade crítica, demandas que a arte não pode satisfazer. A arte apela aos sentidos e
aos sentimentos, não a uma razão crítica autônoma. O que o individuo moderno exige em
última instância é uma explicação, uma razão, não uma alegoria, um romance ou uma peça de
teatro.
Mais geralmente, Hegel afirma que a arte existe efetivamente só por e para a
comunidade histórica na qual é criada, pelo qual a obra de arte do passado é para nós uma

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A crise da arte enquanto reflexo da sociedade remonta-se pelo menos ao século XVI.

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obra inoperante, na medida em que se encontra separada da comunidade por e para a qual
tinha sentido e vida.

Desde a perspectiva hegeliana, essa ‘morte’ não é necessariamente uma morte da arte.
Não que a arte seja imortal (o que implicaria uma forma pobre de idealismo), mas a morte
remete à condição de possibilidade da muito particular relação da filosofia à arte (relação que,
até Hegel, nunca tinha sido colocada em causa nem por artistas nem por filósofos): o que
morre é a arte enquanto atividade humana fundamental, isto é, enquanto movimento de
exteriorização do espírito: enquanto tal, a arte disse tudo o que tinha para dizer, e encontra-se
nos museus, onde a filosofia a encontra para elevá-la ao conceito através da nova ciência da
arte.

Ao contrário do que acontece na história política das constituições, o passado da arte


não é superado: para nós, isto é, de um ponto de vista filosófico, se trata de um
edifício onde cada estádio expressa a totalidade a sua maneira, cada momento
anulando os anteriores (...). Se a arte, para nós, enquanto a seu destino supremo, é uma
coisa do passado, a estética a restitui num presente eterno, despregado perante nós
segundo uma necessidade ordenada (...) cada figura presentando a verdade numa
figura sensível. (BRAS, 1990, p. xx)

Agora, esta forma de entender a arte não é inerente à própria arte. Pelo contrário, é
extrínseca, depende de uma posição filosófica em relação à arte, e coloca a arte e a filosofia
sobre um mesmo plano, para mais tarde perder-se na questão da hierarquia entre as mesmas,
como entre as artes entre si.

A crítica de diagnóstico hegeliano

Rosario Casas assinala que “a grande falha da estética idealista de Hegel consiste na
sua incapacidade para apreciar que a arte é precisamente uma manifestação única da verdade,
cuja particularidade não pode ser superada”.
Na medida em que Hegel parte do fato de que a obra de arte nos fala enquanto obra e
não como mera portadora de uma mensagem, esse caráter único da obra de arte devia nos
conduzir a considerar impossível que a “morte” da arte possa ter o sentido de que a arte é
devorada pela filosofia (só se concebemos a arte como receptáculo para uma mensagem é
possível afirmar que a mensagem pode ser retomada pela religião ou pela filosofia e que,
mesmo sem a mensagem, o receptáculo continua a ser arte). Nesse sentido, Casas conclui que

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“o que muda radicalmente na modernidade é a forma na qual a arte nos importa, mas isso não
significa que desapareça a necessidade da arte ou que a obra de arte deixe de ser o que é: uma
individualidade concreta que nos interpela enquanto obra, isto é, enquanto prática de
autointerpretação de que vale para nós”.

As teses de Hegel sobre a arte, sobre seu sentido e sua obsolescência, encontram na
filosofia posterior uma considerável resistência, que segundo Gerard Bras se manifestaria em
três sintomas reveladores:
1) O fato de que a estética kantiana seja no século XX muito mais utilizada para
pensar a arte que o historicismo hegeliano, deixando de lado a ligação entre o belo e a
verdade, e procurando estabelecer a noção de ideia estética, enquanto elemento específico do
pensamento propriamente artístico.
2) A forma na qual, primeiro Nietzsche, e mais tarde Heidegger, Merleau-Ponty, etc.,
inverteram a supremacia da filosofia sobre a arte, afirmando a arte como experiência
metafísica fundamental.
3) O consenso de muitos dos teóricos da arte contemporânea (Goodman, Danto,
Dickie, etc.) de que a arte conquistou uma liberdade inusitada em relação à sociedade e que,
nesse sentido, pode ser (fazer) qualquer coisa (a perda da função social do artista tem por
correlato um ganho em liberdade de expressão). Essa interpretação também perpassa outras
tradições, e é tematizada nas obras de, por exemplo, Peter Bürguer ou Gadamer, para quem a
ruptura da arte com a tarefa de manifestar os conteúdos substanciais do espírito implica uma
abertura inédita (Gadamer apud Werle, 2011, p. 51).
Esses sintomas transvaloram necessariamente as relações entre filosofia e arte, que
passam a ser pensadas para além de qualquer forma de subordinação possível, colocando a
estética perante três tarefas pós-hegelianas fundamentais:
1) elaborar um pensamento propriamente artístico, um pensamento que no poderia ser
expressado fora da forma que ganha numa obra determinada, isto é, um pensamento da obra
de arte que, sem pretender traduzi-la filosoficamente (coisa que hoje achamos impossível),
procure desenvolver formas do comentário que a aproximem de nós;
2) redefinir a estética e/ou a filosofia da arte, já não como revelação do pensamento da
arte, mas como uma forma de articulação das obras de arte com outros aspetos do
pensamento;

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3) repensar a historicidade da arte para além de qualquer forma de historicismo, além
de qualquer forma de história unitária e teleológica da arte (o que significa, entre outras
coisas, recolocar a questão hegeliana sobre a significação profunda da arte para o homem).

Digamos, em todo o caso, e para concluir, que o valor da estética hegeliana radica
numa ideia de arte enquanto forma de expressão da liberdade e do autoconhecimento do
homem para o homem (Werle, 2011, p. 103). Independentemente das suas transformações
internas e das suas ressignificações exteriores, da variedade dos seus movimentos e da sua
inscrição no horizonte mais amplio da práxis humana, Hegel continuará a ser para nós aquele
que soube indicar o lugar fundamental que a arte teve, e pode continua a ter, para o devir da
consciência.

Referências
HEGEL, Cursos de Estética, tradução de Marco Aurélio Werle, SP, Edusp, 1999.
ARAÚJO, Kátia Silva, Morte da Arte? O tema do fim da arte nos Cursos de Estética de
Hegel, Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Filosofia, 2006.
Aurelio (eds). La nostalgia de lo Absoluto: pensar a Hegel hoy. Bogotá: Universidad Nacional
de Colombia, Colección General Biblioteca Abierta, 2008.
BRAS, Gerard, Hegel e a Arte. Uma apresentação à Estética, Rio de Janeiro, Ed. Jorge
Zahar, 1990.
CASAS, Rosario, Hegel y la «muerte» del arte, En: Acosta, María del Rosario y Díaz, Jorge
CROCE, Benedetto, «La "fin de l'art" dans le système hegelien», in Essais d'Esthétique. Paris,
Gallimard, 1991.
IERARDO, Esteban, «Arte y filosofía en Hegel», in Diaporías - Revista de ciencias sociales,
Nº 5, Buenos Aires, 1995.
SOBRINHO, Noéli Correia de Melo, «A questão da "morte da arte" na filosofia de Hegel», in
Comum, V12 - Nº 27, Rio de Janeiro, 2006.
VATTIMO, Gianni, «A verdade da arte», in: O fim da modernidade. Nihilismo e hermenêutica
na cultura pós-moderna. Lisboa, Presença, 1987.
WERLE, Marco Aurélio. A questão do fim da arte em Hegel. São Paulo, Hedra, 2011.

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