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O Apocalipse

Cânon, simbolismo, doutrina e parâmetro de avaliação


histórica

Hugo Hortêncio de Aguiar

Sumário
1. Introdução. 2. O nome. 3. Literatura apo-
calíptica. 4. A autoria. 5. O simbolismo. 6. O
conflito doutrinário. 7. Conclusão.

1. Introdução
Foi um programa do canal 51, “Disco-
very Channel”, da série documentária “As
Escrituras”, que nos fez escrever este artigo,
abordando um tema tão discutido como o
“Apocalipse”.
Como o documentário fazia referência
à descoberta arqueológica de um manus-
crito no Egito que, em parte, refazia a
tradição do simbólico número 666, pelo
número 616, trazendo em conseqüência
interpretações diversas dos eventos e
personagens do manifesto escatológico,
resolvemos colaborar com a nossa parte,
mostrando não ser essa sugestão novi-
dade, como também oferecendo ao leitor
algumas curiosidades sobre a cabalística
numerologia judaica.
Durante os séculos XIX e XX, centenas
e centenas de livros foram editados sobre
a matéria, além de publicações diversas,
ensaios, artigos de revistas e jornais,
entrevistas pelos meios de comunicação
enfocando os aspectos essenciais desse
curioso documento bíblico, sendo o sim-
Hugo Hortêncio de Aguiar é militar reforma- bolismo judaico, inegavelmente, o pólo de
do e especialista em cultura do Oriente Médio. atração máxima do interesse dos leitores.

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Assim, não vamos tratar o assunto como A maioria dos idiomas adota o signi-
mais um exegeta, isto é, discutindo aspec- ficado “revelação” como tradução, o que
tos doutrinários, o que delegamos para é legítimo, pois assim está explícito em
pastores e dirigentes espirituais das várias qualquer dicionário grego bilíngüe. No
seitas cristãs, pois reconhecemos a nossa entanto, uma minoria de línguas, como é
limitação no conhecimento básico especia- o caso do português, mantém a palavra
lizado, imprescindível para tal, o que não original grega transliterada, com a natural
é nenhum demérito, uma vez que nenhum diferença de pronúncia. Acontece que,
dos analistas, pesquisadores, historiadores nessa segunda opção, o termo “apocalipse”
dos mais renomados do mundo conseguiu tem um indisfarçável sentido de “fim de
até hoje, de modo completo e irrefutável, mundo”, prevalecendo sobre os aspectos
dominar a essência escatológica de tão fa- históricos e doutrinários.
buloso documento doutrinário e profético. No segundo caso, é o misticismo su-
As pesquisas e tentativas arqueológicas têm perando a semântica, indo ao encontro da
sido exaustivas, sendo a citada pelo referido preocupação natural de grande número de
seriado de TV apenas uma a mais, entre leitores ávidos por predições escatológicas,
as inúmeras, na ansiosa busca de solução ansiosos por uma antevisão do futuro deste
desse intricado quebra-cabeças. nosso conturbado planeta, dando ao termo
É isso que pretendemos mostrar ao uma irrefutável autenticidade.
leitor, quase a título de curiosidade, enfo- A aceitação do “Apocalipse” somente
cando especialmente a simbologia numé- como repertório de eventos históricos e
rica judaica e abordando, somente quando bíblicos, ou apenas como veículo de propa-
absolutamente necessário, a temática gação doutrinária, de que ele é de fato um
doutrinária. E isso só faremos no item 6 e exemplo substancial, limita sua abrangên-
na “conclusão”, pois não podemos deixar cia milenar e o seu fascínio como previsão
de caracterizar o papel fundamental repre- profética, às vezes pessimista, o que tanta
sentado pelo Apocalipse no antagonismo perturbação causou nos primeiros séculos
doutrinário, o mais sério problema nos da Era Cristã, com reflexos sensíveis até
primeiros anos do Cristianismo, deixando nossos dias, entre dirigentes espirituais e
marcas profundas, por que não dizermos, exegetas das diversas seitas religiosas, espe-
até os dias de hoje. cialmente entre os menos preparados para a
apreciação de tão polêmico documento.
2. O nome
3. Literatura apocalíptica
A palavra “Apocalipse” é uma transli-
teração, quase que em exata projeção grá- É muito vasta. Além dos apocalipses
fica, do termo original grego, significando canônicos, um do Antigo e outro do Novo
“revelação” em português. A pronúncia, Testamento, conhecidos respectivamente
naturalmente, é diferente. A tônica, em gre- como de Daniel e de São João, há uma infi-
go, é no segundo “a”, enquanto em nossa nidade de outros menos difundidos, como
língua é no “i”. o de Abraão, o da Assunção de Moisés, o
Assim, em grego transliterado, é “Apo- de Henoc (em três idiomas diferentes), o de
cálipsis”; em português é “Apocalipse”. O Baruc, o de Isaías, o de Esdras, o dos Jubi-
sinal da acentuação tônica é somente para leus, o do Testamento dos Doze Patriarcas,
caracterizar a diferença de pronúncia; não os pequenos apocalipses dos Evangelhos,
obedece às regras de pontuação, nem da o da Epístola de São Paulo e outros con-
gramática grega, nem da gramática por- siderados apócrifos, pseudonímicos ou
tuguesa. interpolações.

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A todos eles se podem aplicar consi- deu...” etc.; melhor identificação autoral
derações semelhantes, respeitados alguns não existe.
aspectos especiais, que se resumem nas Quando discutimos a chamada
seguintes: “autoria”1 do Apocalipse de João, estamos
– descrição de fatos passados, análise na realidade procurando identificar o vi-
da situação presente e predições sobre o dente, o receptor da comunicação, o inter-
futuro, tudo referido a períodos da história mediário da manifestação sobrenatural, que
caracterizados por flutuações de poder de se autodenomina João, logo na Introdução.
reinos e impérios, o que implica erros cro- No Espiritismo, sem descer a considerações
nológicos e de onomástica, pois, pela falta precisas, é chamado “médium”.
de recursos tecnológicos, as referências Há inúmeras correntes de opinião sobre
eram inexatas; esse citado João, inclusive a de que ele seja
– foram concebidos em períodos de um pseudônimo. Contudo, a esta altura
crise, como conforto, projetando sempre, das análises, podemos assegurar que os
como recompensa, uma promessa messi- pesquisadores estão grupados em duas
ânica; correntes, quase que em sua totalidade,
– eram pseudonímicos, para que seus adotando o seguinte:
autores fugissem à perseguição dos opres- – o primeiro grupo, com menor número
sores. O do Novo Testamento foge a essa de adeptos, mas com significativa expres-
regra, substituindo esse recurso por um são, defende a idéia de que o João do Apo-
simbolismo fantástico; calipse seja um outro João da Ásia Menor,
– não havendo imprensa nem qualquer com especial indicação para o presbítero
meio mecânico de reprodução, os docu- João de Hierápolis, cidade próxima a Éfeso
mentos eram grafados manualmente por e de muita importância na época;
redatores e copistas que se sucediam, às – o segundo grupo, em grande e tra-
vezes, por gerações sucessivas, originando dicional maioria, não aceita outra autoria
erros de datas e lugares, muitas vezes sig- para o Apocalipse do Novo Testamento
nificativos, com adulteração do sentido – o diferente da do apóstolo e evangelista João,
problema era constante; filho de Zebedeu e Salomé.
– finalmente, o simbolismo, traço cultu- Vejamos as razões que são apresentadas
ral do oriental, em geral, e do judeu, em par- em defesa das duas correntes de opinião:
ticular, teve seu uso pleno nos apocalipses, a) do primeiro grupo, contrário à autoria
chegando ao máximo no Apocalipse de São de João Evangelista:
João, que, além de uma obra doutrinária – não há certeza da presença de João
de magnitude, continua, como conjunto Evangelista em Éfeso;
profético e apocalíptico, a desafiar, pelo seu – como em vários outros apocalipses, o
simbolismo, a perspicácia dos estudiosos. nome João pode ter sido pseudônimo, como
regra de fuga às perseguições que, no caso
dos romanos, eram tão violentas em Éfeso
4. A autoria
(capital asiática) quanto em Roma;
No item anterior, dissemos que uma das – havia na região de Éfeso um presbíte-
características dos apocalipses era a pseu- ro chamado João, mais ligado à cidade de
donímia dos autores, como meio de fugir Hierápolis; segundo Papias, bispo dessa
à repressão do poder constituído, e que o
Apocalipse de João era uma exceção.
1
A partir deste ponto, vamos usar os termos “au-
toria” e “autor” no sentido genérico, para facilidade
De fato, esse apocalipse, já na primeira de exposição, pois já esclarecemos que o verdadeiro
fase, identifica o seu verdadeiro autor: “O autor do Apocalipse é Jesus Cristo, como está explícito
Apocalipse de Jesus Cristo, o que Deus lhe na Introdução do manifesto.

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cidade, e uma fonte em Alexandria, o – o Apocalipse está escrito em grego
presbítero João pode ter sido até discípulo elementar3, refletindo em verdadeira gran-
de João Evangelista, pois eram da mesma deza a limitação cultural de João, filho de
época; com certeza, adotava todos os prin- Zebedeu e Salomé, um Galileu que falava
cípios cristãos; um inculto aramaico. Como sabemos, os
– o documento apresentava conceitos e apóstolos, quando em missão, comunica-
imagens não condizentes, aparentemente, vam-se com o povo do país que percorriam
quanto ao ensino de Jesus, particularmente de acordo com o grau de cultura que eles,
no aspecto pessimista, não apropriado a apóstolos, possuíam. Quanto ao conflito
um seu apóstolo. com a doutrina de Jesus, comentaremos o
b) do segundo grupo, que julga a autoria assunto no item 6 e na “Conclusão”;
do apóstolo João como a única possível: – apenas uma curiosidade: até alguns
– não há prova concreta da presença de anos passados (não sabemos se ainda conti-
João Evangelista em Éfeso, mas há indícios nua assim), havia um passeio turístico para
veementes de sua estada demorada naquela visita ao túmulo de Maria, em Éfeso. Essa
região: conotações cronológicas e citações viagem de Maria, acompanhando o após-
históricas correlatas de fatos e lugares dão tolo João a Éfeso, onde ela teria morrido,
um peso muito grande às atividades do é uma tradição paralela, sendo a tradição
Apóstolo na área, bem como a seu desterro principal que o seu passamento se deu mes-
na ilha de Patmos; mo em Jerusalém, em condições especiais.
– embora não seja uma prova decisiva, Concordamos com essa última, que mais
a citação do nome de João no Apocalipse responde aos costumes judaicos. Maria
não deixa de ser, pelo menos, um fator teria falecido cerca do ano 50 d.C. , mais ou
sugestivo; menos com 70 ou 72 anos de idade. João,
– não havia na região, segundo o que que a adotara, só depois teria se deslocado
tem sido pesquisado, nenhum outro João, para Éfeso, sozinho, lá pelo ano 51 d.C.
a não ser o presbítero de Hierápolis; Retornando à autoria do Apocalipse,
– referido presbítero, mesmo com seu podemos afirmar que não somente as fontes
provável Cristianismo, não possuía lide- cristãs, como renomados analistas de orien-
rança carismática marcante na área para tação “racionalista” aceitam o apóstolo João
escrever cartas de censura tão fortes quanto Evangelista como o verdadeiro autor do
às dirigidas às Igrejas da Ásia Menor, qua- Apocalipse do Novo Testamento, o canô-
lidade que João Evangelista apresentava nico, restando, atualmente, pouca oposição
sobejamente. As poucas referências ao a essa corrente de opinião.
presbítero de Hierápolis não tinham con-
sistência para caracterizá-lo como autor de
5. O simbolismo
manifesto de tal magnitude;
– embora escrito em grego2, o docu- O uso exagerado do simbolismo era a
mento é indiscutivelmente de inspiração forma de expressão literária preferida pelos
judaico-cristã, redigido por alguém muito profetas, com especialidades nos trechos
ligado aos cristãos de Jerusalém, conhe- escatológicos, em que, juntamente com a
cedor profundo daquela cidade e de seus pseudonímia, procuravam fugir à ira dos
costumes, o que indica a figura do apóstolo poderosos; como também, pela tradição
João;
3
Segundo Antônio Freire, jesuíta português e uma
O Apocalipse pode ter sido, inicialmente, escrito
2
autoridade em cultura helênica, as obras do Novo
em aramaico ou hebraico e transcrito para o grego Testamento, da autoria de João Evangelista, são as que
pelo próprio João Evangelista, ou por um escriba, seu mais se afastam da pureza da linguagem, sobretudo
discípulo ou amigo. Isso era comum na época. o Apocalipse.

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bíblica, era um recurso muito simpático ao Assim, 666 significaria a maldade hu-
grande público. mana em toda a sua plenitude.
Isso era devido ao grande número de Os leitores certamente têm conhecimen-
figurações de elementos da natureza, como to de outros números simbólicos, além do
animais selvagens, ainda numerosos, e número 666.
fenômenos atmosféricos, não identificados O número 7, que significa seqüência, sé-
cientificamente. A linguagem era acessível rie, também expressa “perfeição terrestre”.
porque traduzia aspectos práticos da vida O número 10 e seus múltiplos, aumento de
dos habitantes; mas se complicou gradu- dimensões. O número 12 e seu quadrado
almente quando o simbolismo enveredou (144), multidão, grande quantidade.
pelos numerológicos esotéricos, exigindo Jesus de Nazaré utilizou muito o simbo-
leitores “iniciados”. Esse tipo de simbo- lismo, em geral4. Perguntado quantas vezes
lismo, sem dúvida mais elitista, restringiu devemos perdoar, respondeu 70 x 7, isto é
o leque do rebanho receptivo. Por outro (7 x 10) x 7 (Mateus, XVIII, 20), que é uma
lado, despertou mais interesse dos leitores, quantidade respeitável de vezes.
sequiosos pela busca da verdade e fascina- No entanto, o número 666 é realmente o
dos pelo teor cabalístico. Tomemos como que mais desperta a curiosidade, pois, além
exemplo a atenção especial que o número dos fluidos esotéricos que lhe atribuem,
666 desperta. Depois de tudo que temos apresenta arranjos numéricos singulares:
lido e relido sobre esse renomado núme- 36, quadrado de 6 (o número do “mal”), é
ro, pouco temos a acrescentar, mas vamos triangular de 8 (a soma interior de números
tentar, pelo menos, aumentar sua fama, inteiros de 1 a 8). Assim: 8 + 7 + 6 + ... + 1
citando algumas “curiosidades”. = 36. Por sua vez, 666 é triangular de 36 (a
No cabalismo oriental, e particularmen- soma dos números inteiros de 1 a 36). As-
te na tradição bíblica judaica (mais próxima sim: 36 + 35 + 34 + ... + 1 = 666.
de nós), há muitas lendas a respeito desse De modo que 666 é a conseqüente de um
número, que tem por base o algarismo 6, a arranjo matemático com base 8, aumentada
“expressão do mal”. em dupla escala: número 8 esse que João
O conceito vem de época muito antiga. Evangelista identifica com a “Besta”. Essa
Vamos citar dois exemplos. identificação tem causado muito espanto
Golias, o gigante filisteu, era um guer- às fontes cristãs, para as quais o número 8
reiro que representava a maldade contra é também símbolo de “perfeição celestial”.
o reino de Israel, no tempo de David. Era Compreendamos tanto esoterismo...
tido como possuidor de seis dedos, nas Mas João Evangelista declara (Apocalip-
mãos e nos pés. se, cap. XIII, 18): “Aqui é preciso discerni-
Depois do retorno da Babilônia, símbolo mento. Quem é inteligente calcule ...”.
da corrupção e do poder, os judeus pro- O conceito de “Besta do Apocalipse”,
palavam muitas estórias sobre edificações embora personificada esta num só homem,
naquela cidade, quase sempre ligadas a é abrangente, referido não somente ao Im-
deuses pagãos, cujas medidas eram seis pério Romano e seus Imperadores, mas a
ou múltiplos de seis, referidas às unidades toda sociedade contaminada pela maldade
básicas de então. e pela devassidão, particularmente a de
O número 666 é uma repetição trialga-
rítmica do número 6, ajustando-se perfei- 4
A parábola, muito usada por Jesus, é uma forma
tamente ao espírito literário tradicional do de simbolismo em que são usadas figuras concretas,
reais, para expressarem imagens virtuais. É uma
judeu, que usa a repetição (além de duas forma indicada quando é grande a diferença de ní-
outras formas) para expressar o superlativo vel cultural entre o locutor (pregador) e os ouvintes
absoluto, inexistente em sua gramática. (doutrinados).

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Roma, um exemplo histórico dessas duas pondência entre as letras e os números, em
características. Todavia, nem todo mundo grego, para conseguirmos o resultado 616.
aceita 666 como expressão numérica da Três foram as alternativas consideradas
Besta do Apocalipse. para essa prospecção:
A citação de uma descoberta arqueoló- 1) Foi considerado o número como título
gica, pelo “Discovery Channel”, em Nag de quase todos os imperadores “César-
Hammadi, Egito, foi o motivo principal que Deus”. Fazendo a transliteração do por-
nos levou a escrever este artigo. tuguês para o grego, temos: César-Deus=
O manuscrito descoberto (um deles) Kaisar-Teos (pronunciar “Késsar Theós”,
fazia referência ao número 616, que ex- pois o T de Teos, em grego, é um “teta” e
pressaria realmente a imagem da Besta, não um “t” e vale 9). Fazendo a correspon-
descartando o tradicional 666. dência numérica, temos:
Essas descobertas em Nag Hammadi são (K A I S A R) + (Th E O S) =
consideradas, no mínimo, suspeitas, pois (20 + 1 + 10 + 200 + 1 + 100) + (9 + 5
um documento conhecido como “Heresia + 70 + 200) =
de Basílides”5, constante de um documento (332) + (284) = 616
apócrifo, e fazendo parte dessa propalada
descoberta, relata como “farsa” a morte 2) A segunda alternativa considera to-
de Jesus de Nazaré na cruz, apresentando das as contagens da série de Imperadores
relatos parciais, de uma incoerência infan- a partir de Calígula (em português Caio
til. Como a nossa posição é lidar com os César, em latim Gaius Caesar e em grego
elementos postos na mesa para discussão, transliterado Gaios Kaisar). Temos a cor-
principalmente os referentes a simbolismo, respondência:
nosso objetivo neste item 5, vamos compa- (G A I O S) (K A I S A R)
rar as duas correntes mais destacadas na (3 + 1 + 10 + 70 + 200) + (20 + 1 + 10
discussão dessa numerologia. + 200 + 1 + 100)
A primeira corrente, embora menos 284 + 332 = 616
numerosa, é exatamente aquela que ad- Nessas duas alternativas, temos que
mite como centro de toda essa simbologia fazer uma concessão histórica a seus de-
numérica o número 616. Foi influenciada fensores: atribuirmos a Calígula o início
naturalmente pela descoberta arqueológica das contagens, como se ele tivesse sido o
no Egito e é constituída de dois grupos: centro ou o marco inicial das perseguições
os pesquisadores conscienciosos, que só aos cristãos. No período de Calígula (37
têm como objetivo a busca da verdade, e d.C. a 41 d.C.), os primeiros judeus cristãos
aqueles que dão crédito a qualquer fonte de estavam chegando em Roma e nem eram
informação, contanto que seja concordante identificados. Somente no período do impe-
com suas posições filosóficas. Nessa linha rador Cláudio, sucessor de Calígula, houve
de pensamento, temos que fazer a corres- a primeira deportação de judeus (que não
5
Essa “Heresia de Basílides”, contida num docu- chegou a ser uma perseguição violenta),
mento apócrifo, achado em Nag Hammadi, Egito, é cujo objeto de culto era um certo “Chrêsto”
analiticamente incorreta e incompetente (realizamos (assim pronunciavam a palavra “Cristo”),
uma pesquisa consistente, minuciosa e completa de e que os romanos pensavam ser os adep-
toda a Paixão, no seu local exato). Nem o MI-5 ou o
MI-6 da Inteligência da Inglaterra, país da primeira tos de uma seita judaica. Calígula nunca
edição do livro “O Santo Graal e a Linguagem Sagra- perseguiu cristãos, mesmo porque não era
da”, poderiam arquitetar e realizar uma proeza igual possível cronologicamente tal imputação, e,
à que a publicação descreve nas págs. 294 a 300, 321 além disso, ele só se interessava pelo pró-
e 322, constituindo, na realidade, um acinte à astúcia
e perspicácia dos dirigentes fariseus da época da prio endeusamento. Era reconhecidamente
crucifixão de Jesus. louco e intentou erigir uma estátua sua no

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Templo (Jerusalém), o que não conseguiu, pouco conheciam do hebraico ou do ara-
tendo morrido logo. maico, pois a língua da elite em Roma era
Essas duas alternativas têm a vantagem o grego, utilizando mais um artifício para
de ser abrangentes, mormente a primeira, fugir ao cerco do poder romano. Além
considerando a seqüência de imperadores, disso, no tempo do Apocalipse, o idioma
todos eles deploráveis, e considerando-se, hebraico não possuía vogais, somente con-
quase todos, representantes dos deuses. soantes, e a vocalização era muito difícil, o
Todavia, por outro lado, dificultam que só foi corrigido muitos séculos depois.
muito a interpretação histórica. Assim, se Ainda hoje, somente em livros escolares é
Calígula não pôde ser o deflagrador da per- adotada a grafia vocalizada, para facilitar
seguição ao Cristianismo (historicamente a pronúncia. Vejamos a correspondência
provado), Diocleciano caracterizou a última em hebraico:
perseguição aos cristãos em todo o Império, Nerón César = NRON QSR (pronun-
sendo assim uma referência histórica. E ciar Nerón Quéssar)
mais, baseava o seu poder na divindade; (N R O N) (Q S R)
como seu prenome era também Gaius (em (50 + 200 + 6 + 50) + (100 + 60 + 200)
latim; em grego Gaios), estava composta a 306 + 360 = 666
chapa para traduzir o número 616. Em hebraico, escrevemos da direita para
Em contraposição, Diocleciano gover- a esquerda, o que resulta no mesmo.
nou de 284 a 305 d.C., dois séculos após O “o” em português equivale a um
a edição, ou melhor, a distribuição dos “vav” em hebraico e vale 6.
manuscritos do Apocalipse. É um conflito Essa linha de pensamento atende às
histórico ponderável. seguintes considerações:
3) A terceira alternativa argumenta com 1) abrangência do número 666 como
a latinização do nome de Nerón para Nero, expressão da maldade humana, muito bem
com o fim de facilitar a compreensão dos representada por Roma, e um exemplo
romanos, permanecendo o título de César sugestivo da repetição na literatura judaica
em hebraico. De fato, temos em hebraico o tradicional, com base no número 6, símbolo
conjunto NERO CÉSAR formando 616, nú- do mal;
mero resultante da supressão do “n” final 2) o número 666, personificando Ne-
de Nerón, o que não é preciso demonstrar, rón César, pronúncia do pré-nome em
pois valendo o “n” 50 (em hebraico), 666- hebraico, idioma litúrgico que João Evan-
50 = 616. gelista conhecia um pouco, mascarava um
Uma segunda corrente de pesquisado- pouco para os romanos a identificação do
res, a mais tradicionalista e numerosa, adota personagem mais visado pelo manifesto.
uma outra linha de pensamento: considera Nero César foi uma síntese de todas as
o número 666 como a verdadeira expressão características negativas dos Imperadores
simbólica da “Besta”, personificada em Ne- Romanos que o sucederam, numa ante-
rón César, como era conhecido na Judéia. cipação nefasta. Assim, dos primeiros
Lembremo-nos que João era “judeu”6 e que bastaria citarmos a insensibilidade de
levou o nome hebraico do Imperador para Tibério, a loucura de Calígula, a natureza
a Ásia Menor. Ele sabia que os romanos sanguinária de Cláudio. Da segunda série
foram exemplos marcantes a crueldade de
6
Sabemos que João Apóstolo era galileu, de Be- Domiciano, o rancor de Sétimo Severo e o
thsaida, filho de Zebedeu e Salomé. Pela prevalência espírito de perseguição de Valeriano e de
dos judeus (religiosa, política, cultural e econômica)
em toda a Palestina, é comum o emprego desse termo
Diocleciano. Para coroar a personalidade de
a todos os habitantes da área, descendentes das tribos Lucius Domitius Aenobarbus, conhecido
de Israel. na história como Nero, o tirano expressava

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a vaidade e a arrogância da maioria dos dor e precursor dos Imperadores, mas
Imperadores. assassinado logo; bem como Galba, Óton
3) sendo assim, a indicação de Nero e Vitélio, que, todos de mandato muito
como centro de toda essa visão apocalíptica curto e às vezes superpostos, num único
é perfeitamente compreensível, no aspecto ano tumultuado, foram, por esse motivo,
“Anticristo”. ignorados em quase todas as interpreta-
Várias alternativas têm aparecido para ções. Porque, de fato, há muitas concepções
interpretar o Cap. XVIII, 9-12, do Apoca- para interpretação desse misterioso trecho
lipse, um trecho misterioso e chave para do Apocalipse, tantas quantas a mente
entendimento de outras partes. Uma das humana pode imaginar, dentro de certos
mais sensatas é a constante do Novo Testa- parâmetros históricos.
mento (versão da “Vulgata” de Don Vicente Não podemos, é compreensível, citar
D. Zione e Comentário do Padre Tintori- muitas. Contudo, gostaríamos de abordar
OFM), que interpreta “os cinco reis que já uma “sugestão” curiosa para desvendar
morreram”, como Augusto, Tibério, Calí- esse controverso Cap. XVIII, 9-12:
gula, Cláudio e Nero. O sexto, “que ainda – “os cinco reis que já morreram” seriam
vive”, seria Vespasiano, e o sétimo, que “vai os Imperadores Calígula, Cláudio, Nero,
durar pouco”, Tito. O oitavo, “a própria Vespasiano e Tito;
imagem da Besta”, seria Domiciano. O gru- – o sexto, “que ainda vive”, seria Do-
po dos “sete” seria a série de Imperadores. miciano;
O restante do trecho é do consenso geral, – o sétimo, “que deve durar pouco”,
sem muitas discordâncias. É claro que essa Nerva (não governou dois anos);
interpretação é uma sugestão apenas. – o oitavo, também “imagem da Besta” e
É muito equilibrada, mas apresenta um que “faz parte dos sete”, seria Trajano.
desacordo histórico: declara que o “sexto” Surge logo uma objeção a essa idéia, pois
“ainda vive”, na pessoa de Vespasiano; grande número de historiadores conceitua
pressupõe que o Apocalipse foi redigido Trajano como fazendo parte da relação de
de 69 a 79 d.C., o que era muito aceito no “bons Imperadores”. Como administrador,
século passado, sendo que a totalidade dos talvez mereça essa cotação. Mas, para o
analistas, hoje em dia, julga a época mais Cristianismo, não. Desde Nero, passando
provável o final do século I, no governo de por Domiciano e até Nerva, os cristãos
Domiciano, lá pelo ano 95 d.C. Essa linha foram perseguidos como elementos peri-
atende às seguintes considerações: gosos, capazes de ações contra a sociedade;
– respeita historicamente a seqüência mas não havia um delito, formalizado em
de Imperadores, inclusive o sétimo, Tito, lei, caracterizando o movimento cristão.
prevendo sua curta duração, o que é abso- Com Trajano, o Cristianismo passou a ser
lutamente exato; “um crime contra o Estado” (então, poli-
– a indicação de Domiciano como a teísta, pagão) e “hostil ao culto imperial”.
segunda “Besta”, fazendo parte dos “sete” A pena de morte continuou a ser aplicada,
(a seqüência de Imperadores perseguido- então “legalmente”, pois o Cristianismo
res), responde ao conceito arraigado de era uma religião universal, repudiando a
Domiciano tão cruel quanto Nero, tendo religião oficial de Roma. Para encobrir os
levado a perseguição a quase toda a área verdadeiros intentos, Trajano abrandou
do Império Romano; muitas medidas repressoras, como proibir
– o fato de ser começada a relação de a invasão de domicílios cristãos e evitar
imperadores com Augusto é justificado, denúncias infundadas.
porque nenhuma hipótese inclui Julio Essa linha de pensamento apresenta
César, considerado o mentor, organiza- pequenas restrições, mas tem a grande

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característica de ser uma das poucas a a simbologia está presente, como, por
coincidir o período de Domiciano com a exemplo, na propaganda comercial, com o
edição do Apocalipse, o que é um ajuste uso prático de produtos figurados.
analítico notável. Nos nossos dias, para darmos um
Além disso, admite um conceito implí- exemplo bem atual, e para resumir a gama
cito de Anticristo para aqueles que, sem imensa de conceitos e idéias numa área tão
usarem meios violentos, procuram atacar abrangente como a da informática, apoiada
o Cristianismo, destruindo seus valores eletronicamente, somente o emprego de
fundamentais. símbolos literais e gráficos permite atingir
Como exemplo, nos tempos atuais, os objetivos almejados, criando uma lin-
basta citarmos os governantes, legislado- guagem codificada, sem a qual não haveria
res e comunicadores sociais que, na busca correspondência entre os membros dessa
de lucros políticos ou interesses diversos, sofisticada comunidade.
investem contra a tradicional família cristã, Poderíamos citar a medicina, com seu
procurando agradar determinados círculos, repertório imprescindível de símbolos
a pretexto de um falso liberalismo. literais.
A verdade é que ninguém até hoje Porém há uma diferença fundamental.
apresentou uma interpretação irrefutável e A simbologia das atividades seculares
o melhor é apenas concordarmos com São tem por objetivo resumir, ou esclarecer,
Gerônimo, que declara ser o Apocalipse ou sensibilizar; enquanto a simbologia da
um Livro fechado, de elevadas profecias, literatura apocalíptica, com sua dose natu-
onde há tantos mistérios quanto palavras ral de esoterismo, tem como preocupação
e onde cada palavra tem inúmeros sig- maior “confundir os opressores”.
nificados (Novo Testamento, versão da
Vulgata, já referida neste item, pág. 727).
6. O conflito doutrinário
São Gerônimo foi um doutor da Igreja e
notável tradutor. No Evangelho de João, Cap. XXI, VV
Apesar de toda dificuldade, pelo simbo- 20-23, o trecho é interpretado, pela quase
lismo exagerado, o Apocalipse era entendi- totalidade dos analistas cristãos, como uma
do por muita gente. Vamos citar a opinião censura de Jesus a Pedro sobre a longevida-
de Samuel Sandmel, PhD, professor de de de João, a se estender até Sua vinda. Essa
Bíblia e de Literatura Helenística, Hebrew “vinda” tem sido entendida como a Parusia
Union College, Cincinnati, responsável ou Segunda Vinda, interpretação essa apre-
pela Introdução Judaica ao Apocalipse sentada em forma de comentários.
(Bíblia Sagrada – Edição Ecumênica – Barsa Humildemente, não concordamos com
1974): esse entendimento do trecho, pois Jesus
“Embora aspectos do escrito apocalíp- não faria uma promessa de vida a João
tico possam parecer sem sentido para o que não se iria realizar. Além disso, o ver-
leitor moderno, quando essas obras foram bo usado foi “vir” (“até que eu venha”),
escritas, elas tinham sentido completo”. não estabelecendo necessariamente um
E observem os leitores que apenas abor- vínculo semântico com o retorno glorioso
damos uma parte dos símbolos numéricos, identificado pelo Novo Testamento como
de menor quantidade. Parusia ou Segunda Vinda. Julgamos ter
Não é somente na literatura apocalíptica Jesus querido dizer que a João seria dado
que os símbolos são usados. Deles abusa- viver até Sua manifestação individual ao
ram o Antigo e o Novo Testamento, de um Apóstolo em Patmos, do mesmo modo
modo geral. Também em outras atividades já manifestado a Saulo (depois Paulo), na
humanas, desde o alvorecer da civilização, estrada de Damasco. Tanto o judeu Saulo

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de Tarso como o “apóstolo predileto” Eis aí o conflito filosófico que atingiu o
foram privilegiados com uma Parusia Cristianismo no seu nascedouro e por quase
particular. todo o primeiro século.
O primeiro, perseguidor cruel dos cris- É verdade que, durante o concílio de
tãos, fariseu extremado, discípulo de Ga- Jerusalém (48 d.C.), as duas correntes
maliel, dono de uma cultura invulgar para acertaram alguns pontos, pois não havia
a época, fiscal rigoroso do cumprimento realmente uma discórdia entre as partes,
da formal lei judaica, homologou esse cur- mas sim entre os judeus convertidos, a
rículo com o patrocínio do apedrejamento sofrer com as influências helênicas. Assim,
de Santo Estêvão. Paulo de Tarso complementou a Fé com a
Escolhas curiosas: Caridade (Coríntios I, Cap. XIII, VV de 1 a
Paulo de Tarso, com todo esse fervor de 13) e Pedro admitiu excluir os gentios con-
Anticristianismo, é designado para levar vertidos da obrigação da circuncisão (Atos
aos gentios, como mensagem, exatamente dos Apóstolos, XV, VV 1 a 12).
o maior símbolo do Cristianismo: Jesus Era um primeiro passo na direção da
Cristo; Deus-Filho Salvador7 e, paralela- unidade.
mente, as virtudes teologais: Fé, Esperança Houve outros avanços, porque havia
e Caridade, sendo essa última a “maior”. ainda algumas divergências, porém não
Como base para a salvação, a Fé. cisão. Havia ainda o que conciliar, como se
Para líder da mensagem tradicional da depreende da Epístola de São Tiago (Cap.
Lei Mosaica, foi designado Pedro (“apas- II, VV 14 a 22) e da Epístola de São Paulo
centa minhas ovelhas”), exatamente o pri- (Romanos, Cap. V, todo).
meiro a reconhecer Jesus como “O Cristo, Paulo de Tarso caminhou na direção das
Filho de Deus Vivo”, em Cesaréia de Felipe. “boas obras” e a “Turma de Jerusalém” na
Esse rebanho entregue por Jesus a Pedro direção do valor da “Fé”, sendo as citações
tão numerosas, de um e de outro lado, que
era constituído da comunidade judaica, de
não caberiam neste artigo.
judeus já convertidos ou a converter, pois
Todavia podemos resumir o final dessa
Ele era um fiel cumpridor da Lei Mosaica
polêmica: a fé é a base, é a condição “ne-
até sua manifestação pública, quando
cessária” à salvação. Mas não é “bastante”,
transformou os preceitos formais judaicos
“suficiente”. A fé deve ser complementada
em autênticas “boas obras”, tirando-lhes o
pelas “boas obras”, sem as quais se torna
caráter formal e de exterioridade.
vazia, inócua.
No entanto algumas formalidades ainda
Foi já com as “correntes” conciliadas,
permaneciam com os Apóstolos, como, por
com a morte de Pedro (64 ou 67 d.C.) e de
exemplo, a circuncisão e o respeito absoluto
Paulo de Tarso (67 d.C.) e de todos os outros
aos sábados e outras. Apóstolos, exceto a do próprio João, e com
Para Paulo de Tarso, a condição neces- os cristãos convertidos ainda confusos e
sária à salvação era a Fé. Para o grupo de perseguidos por Domiciano, que surgiu o
Jerusalém, liderado por Pedro, só “as boas Apocalipse (mais ou menos 95 d.C.).
obras” davam acesso ao reino celeste. Seu privilegiado receptor foi João
7
As iniciais gregas das palavras Jesus Cristo,
Apóstolo (Evangelista), aquele a quem
Deus Filho Salvador, juntas, formam uma palavra fora previsto ficar vivo até que Ele, Jesus,
significando “peixe”. Talvez seja a melhor opção “viesse”. A revelação foi na ilha de Patmos8,
para explicar o desenho que os cristãos faziam em
Roma, como código, para fugirem à repressão das 8
A ilha de Patmos fica no mar Egeu, cerca de
autoridades romanas. A outra opção, mais conhecida, 110 km de Éfeso, na atual Turquia. Era um lugar de
é que isso era devido à profissão dos apóstolos, em exílio para os condenados políticos, que tinham certa
sua maioria “pescadores”. liberdade de trânsito pela ilha e podiam facilmente

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próxima a Éfeso, então a capital asiática do clarecedor sobre a “boa obra” e “prescrição
Império Romano. judaica”, ao mesmo tempo que confirmava
O manifesto tinha duas finalidades o condoreirismo de Paulo de Tarso na fé
bem distintas: a primeira, comum a todos em Jesus Cristo, encarnado como Filho de
os apocalipses, servir de conforto aos inú- Deus.
meros cristãos perseguidos (na época por O Quarto Evangelho pode não ser o
Domiciano); a segunda, esclarecer e pôr um mais “importante”, pois essa comparação
ponto final nas remanescentes indagações é muito terrena, mas, com certeza, é “di-
exegéticas, após a morte dos Apóstolos. ferente”.
Sim, porque o Apocalipse é um magnífico De modo que a disposição dos quatro
conjunto doutrinário que sintetiza os Evan- Evangelistas, em frente à Catedral de Bra-
gelhos e as Epístolas. Contudo, segundo sília, situando Mateus, Marcos e Lucas de
São João, tem que ser lido com discernimento um lado e, de outro lado e em frente, João,
e inteligência... é absolutamente correta: os três sinópticos
Por outro lado, por necessidade de e o teológico.
fugir à repressão, era de um simbolismo O Quarto Evangelho selou a divergência
fantástico e utilizava muitas imagens ater- doutrinária e abrandou o Apocalipse.
radoras: era milenarista e pessimista, típico Sabemos que muita gente (a maioria
da inspiração judaico-cristã, características das pessoas), quando lê qualquer matéria
dominantes na maior parte dos manifestos. referente ao Apocalipse9, costuma dizer
Por isso sofreu muitas rejeições, por con- “não acredito em nada disso”.
flitantes com os ensinamentos humildes Como religião, política e futebol não
e bondosos de Jesus de Nazaré. Alguns devemos discutir, a não ser em locais apro-
doutores da Igreja não o aceitaram como priados e com elementos funcionalmente
canônico, entre eles Eusébio, Bispo de Ce- habilitados para isso, nós também vamos
saréia. Foi decisiva para a sua indicação (do seguir o conselho.
Apocalipse) no rol dos canônicos a edição No entanto, aproveitando o espaço
do Quarto Evangelho, de São João, que, número 9 das “Notas” (no respectivo ro-
parecendo ter percebido esse contencioso, dapé), vamos apresentar um argumento,
redigiu-o logo após o Apocalipse (lá pelo se não convincente, pelo menos “curioso”,
ano 96 ou 97 d.C.). escolhido especialmente para os descrentes.
O Quarto Evangelho, escrito sem dú- Leiam com atenção, por favor.
vida por João Evangelista, é considerado 9
Quando fazemos pesquisas sobre matérias tipo
pelos críticos não cristãos o mais fiel na Apocalipse, abrangentes, com aspectos polêmicos,
descrição dos fatos e pelos comentaristas consultamos fontes diversas e publicações em grande
Doutores da Igreja, o mais teológico, o número de idiomas (a maioria ocidentais, mas alguns
mais sublime. orientais), sendo alguns desses idiomas considerados
muito clássicos. Todos eles, sem exceção, em suas
Após controvérsias sobre sua autoria, edições sobre Apocalipse, traduzem-no literalmente,
terminaram julgando esse Evangelho tipi- conservando a impureza de linguagem e até mesmo
camente joanino, pois só um Evangelista certas impropriedades gramaticais. Isso nos chamou
conhecedor profundo de Jerusalém, bem a atenção, mas descobrimos logo o motivo: no cap.
XXII, VV 18 e 19, do Apocalipse, há um alerta muito
como um Apóstolo muito ligado a Jesus claro para aquele que “acrescentar” ou “tirar” algu-
de Nazaré, nos momentos mais transcen- ma coisa ou palavra do livro desta profecia. E termina
dentais, poderia escrever um relato tão es- dizendo qual o castigo que Deus aplicará ao infrator.
A explicação é muito fácil. Ideal para os descrentes, é
se comunicar com viajantes de barco. A viagem de a tradução oportuna do antigo “ditado” (espanhol),
embarcação a vela durava, entre Patmos e Éfeso, em cujo sentido crítico e real se ajusta muito bem ao caso:
média, até uma jornada “sol a sol”, dependendo do “Eu não acredito em bruxas. Mas que elas existem...”
vento e do mar. – Ninguém se arrisca.

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7. Conclusão prescrições da Lei Judaica, expressaram
em “The Meaning of Dead Sea Scrolls – A.
No item 1. Introdução, citamos o moti- P. Davies”, livro de inspiração puramente
vo principal que nos levou a escrever este judaica, ser Paulo de Tarso o “supremo
artigo sobre Apocalipse, um tema já tão mestre da síntese”.
explorado nos últimos tempos. Também Entretanto, um traço de sua persona-
declaramos que só iríamos abordar simbo- lidade exuberante de intelectualidade foi
logia numérica, enfoque principal do docu- pouco explorado: a sua “visão profética”.
mentário da TV. Quanto à parte doutriná- Tendo como carro-chefe de sua mensa-
ria, somente quando fosse absolutamente gem a Fé, ele utilizou essa base fundamental
necessário, e dissemos por que razão. No e eixo central em torno do qual passariam a
entanto, no item 6 e na Conclusão, tivemos girar todas as concepções filosóficas deter-
que salientar o papel extraordinário exerci- minantes das atitudes e movimentos sociais
do pelo Apocalipse na doutrina cristã. nestes dois milênios após sua morte.
Nos itens 2, 3 e 4, esclarecemos segui- De fato, sem querermos abarcar toda
damente a razão do nome “Apocalipse”, a história da Era Cristã, impossível nesse
dissecamos um pouco a literatura apocalíp- singelo artigo, e considerando apenas o
tica, mostrando a necessidade de sua forma período a partir da Revolução Francesa
literária, e ressaltamos a excelência única (1789), o que podemos caracterizar como
do Apocalipse de João quanto à autoria e “Civilização Ocidental Moderna”, veri-
ao simbolismo. ficamos o abalo sofrido pelos princípios
O item 5 foi mais pormenorizado, pois do Cristianismo, particularmente a Fé, em
abordamos com mais profundidade o as- conseqüência dos avanços tecnológicos
pecto “simbolismo numérico”, exatamente da revolução industrial e da pesquisa no
o tema principal do documentário da TV; e campo espacial.
mostramos as dificuldades de interpretação Aprofundaram ainda mais essa atitude
de um certo trecho do manifesto. de retração da Fé Cristã, já no século XX,
Finalmente, no item 6 abordamos o apesar da neo-ortodoxia e da neo-escolásti-
aspecto doutrinário, indispensável por ca, as filosofias materialistas da Karl Marx
devermos trazer à tona eventos bíblicos e Jean Paul Sartre.
marcantes e citações evangélicas que ca- A primeira gerou um movimento
racterizaram as duas “correntes” distintas, político-social chamado “Comunismo” e
representadas pela tradição formal judaica a segunda, o “Existencialismo”, visão da
(embora transformada por Jesus), de um “existência do homem livre como centro de
lado, e, do outro, pelo condoreirismo tudo”, mas liberdade essa fonte de angustia
místico de Paulo de Tarso, dando traços e terror.
definidos ao conflito doutrinário do Cris- Essas duas filosofias, considerando
tianismo no seu nascedouro, polêmico até a “Deus” como mera ficção, fracassaram,
edição final do Apocalipse e do seu singular embora Sartre tenha pressentido a parte
“apoio” teológico, o Quarto Evangelho do relativa à angustia e ao terror.
Apóstolo João. Com efeito, as pesquisas no campo da
Queremos aproveitar este espaço final antropologia, do universo cósmico, da
da Conclusão para traçarmos um perfil mais medicina e do controle social trouxeram,
completo do “Apóstolo dos Gentios”. em contrapartida, mais dúvidas quanto à
Paulo de Tarso foi um fenômeno: no origem do homem, mais ansiedade pela
misticismo, na cultura e na dialética. Até os existência extraterrestre, mais polêmicas
judeus, os mais atingidos pelas suas exor- filosóficas e legais em torno da engenharia
tações em favor da Fé e contra as formais genética, mais apreensão pelo aparecimen-

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to de doenças novas (Ebola, Flu, Sars), como presentemente já utilizando mísseis de
se o câncer e a AIDS, ainda não controlados, pequeno alcance. Os grupos terroristas
não bastassem. Mais do que isso, o terror procuram dar feição de “guerra santa” às
pelo aumento da criminalidade urbana. turbulências no Afeganistão, no Iraque e
Em resposta, a população angustiada na Palestina, quando então terão de per-
procura, além das clínicas especializadas, suadir os governos do chamado “eixo do
os templos e centros religiosos de todas as mal” a lhes transmitirem o ciclo completo
seitas, os ambientes esotéricos e até adota do processamento atômico, porquanto os
muitas atitudes de contemplação oriental, ingredientes necessários já circulam no
para obtenção de sua cura, ou pelo menos, incontrolável mercado negro.
para um relaxamento libertador. Cada pes- A utilização dessa arma terrível por
soa procura um remédio para o seu mal e, grupos não controlados, fanatizados, vai
a bem da verdade, muitas colaboram nas causar efeitos devastadores. Não tenhamos
soluções comunitárias. É natural que as dúvida de que a resposta dos chamados
seitas de retorno imediato sejam as mais países democráticos do Ocidente, possuido-
procuradas. É surpreendente o aumento de res desse invento destruidor, em condições
freqüentadores a esses ambientes citados. muito superiores de potência e tecnologia
Não há dúvida de que é verificado um re- será simplesmente catastrófica, pois já não
torno lento, mas progressivo, aos padrões haverá mais perda de tempo com a seleção
da espiritualidade, principalmente nas dos objetivos, eles já estão cadastrados. Isso
grandes cidades, em face da inoperância já dissemos em artigo anterior desta Revis-
dos meios terrestres. ta, “A Palestina depois de Cristo”.
Para complicar ainda mais a situação, as A tríade mística “homem-fé-eternidade”
notícias recentes dão conta dos avanços da apresenta agora novo perfil, com sentido
tecnologia nuclear na Coréia do Norte, no invertido. Há um século atrás, em face
Irã e em outros países que nem sabemos. das teorias materialistas e dos progressos
Porém sabemos que a China, o Paquistão, científicos, a indagação que nos fazíamos,
a Índia e Israel já possuem o seu arsenal apenas como problema filosófico, era “se
atômico, embora limitado. Os EEUU já deveríamos ou não acreditar em Deus”.
devem dominar a tecnologia extraterres- Atualmente, a preocupação máxima a
tre, e a Rússia, ultimamente, anunciou o nos afligir, devido ao grau de corrupção a
aprefeiçoamento do Topol-M, cujo míssil que chegou a humanidade e à real ameaça
pode atingir 10.000 km. Até a França, atômica, é sabermos “se Deus ainda acre-
apóstola das conversações diplomáticas dita em nós”10.
multilaterais, já está “ensaiando” os seus MARÂNA TÁ11.
“passeios” à Lua.
Não tenhamos receio de “guerra fria” 10
Uma versão (acrescida de valores do tema) de
um pensamento de Mário Quintana, que com conhe-
entre as superpotências. O perigo agora cida criatividade motivava frases de ocasião para
é muito maior. A Rússia está “de olho” traduzir verdades sapienciais. A presente foi dita
na Coréia do Norte, cuja fronteira Norte numa entrevista de TV, cuja data e dados precisos
dista cerca de 150 km da base naval russa escaparam das nossas anotações.
11
Queremos terminar estas Notas com a frase
de Vladivostok, uma importante cidade aramaica “MARÂNA TÁ” por várias razões: – pri-
estratégica na costa ocidental do mar do meira: porque era muito usada nos Templos Cristãos
Japão. na Palestina nos primórdios do Cristianismo, como
E ainda mais. resposta dos convertidos ao que era lido pelo “leitor”
(geralmente em hebraico) em certos trechos litúrgicos;
O Ocidente vive apreensivo pela possi- – segunda: porque é a penúltima sentença do Apoca-
bilidade de aquisição da completa tecnolo- lipse (a última é a Bênção Final). Ela encerra todo o
gia nuclear por parte dos grupos terroristas, conteúdo do manifesto com o pedido ansioso: Senhor,

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Referências ALLO, E.B. Saint Jean: L’Apocalipse. Paris: Études
Bibliques, 1921.
A BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1973. BRATSKI Viestnik: mensageiro fraternal. Moscou: [s.
A LÍNGUA do Talmud sua gramática. Varsória: A n.], 1976. Exemplar em Russo.
Luz, 1909. Exemplar em aramaico e hebraico. BURNS, Edward McNall. História da civilização ociden-
A TORA, os profetas e as escrituras. Israel: Sociedade tal. Porto Alegre: Globo, [19--]. 2 v.
Bíblica, 1970. Exemplar em hebraico. DAS ALTE Testament und Das Neue Testament.
AGUIAR, Hugo Hortêncio. Coletânea de provérbios. [S. Zürich: [s. n.], 1958. Exemplar em alemão.
l.: s. n.], [19--]. Exemplar em espanhol e russo. DAVIES, A. Powell. The meaning of dead sea scrolls. [S.
l.: s. n.], [19--].
vem! – terceira: nas edições cristãs do Apocalipse,
EDIÇÃO ecumênica da bíblica. Rio de Janeiro: Barsa,
com poucas exceções, essa frase aramaica é escrita de
1974.
duas maneiras: “Maran atá” e “Marâna tá”. A bem da
verdade, nenhuma das duas está absolutamente certa. EXTRATO do Bratski Viestnik, com Oração do Pai
Na primeira delas, a palavra “maran” está correta, Nosso. [S. l.: s. n.], [19--]. Exemplar em Russo An-
significando “Senhor Nosso”, mas o segundo termo tigo.
“atá” não tem explicação. “Atá” traduz o infinitivo
impessoal ou a terceira pessoa do masculino singular FOTOCÓPIA do Pai Nosso em Aramaico. Israel: Igreja
do pretérito perfeito do verbo “vir”, com o sentido de do Pai Nosso, 1978. Exemplar em Aramaico.
“veio”. Na segunda maneira, é o inverso. Tem o “tá”
FREIRE, S. J. A. Gramática grega. 5. ed. Atenas: [s. n.],
correto, como imperativo masculino da segunda pes-
[19--].
soa do singular, significando “vem”. Quanto à palavra
“marâna”, somente recebendo um “a” eufônico, para GOSHÉ, Ramat Gan-Moshé. Fragments of lost targu-
ligação com o termo da frente, pode ser explicada. mim: part one. [S. l.]: Bar Ilan University, 1987. Exem-
“Marâna” não existe em aramaico com o sentido de plar em aramaico e hebraico.
“Senhor Nosso”, somente “maran” (no singular),
como já foi dito. Preferimos essa última opção, “ma- NOVO Testamento. Atenas: [s. n], 1968. Exemplar
râna ta”, mais de acordo com a prevalência fonética em grego.
do aramaico, e porque conjugou muito bem o verbo
NOVO Testamento. Washigton: The Gideons Interna-
“atá” com a palavra “ta” (vem), no imperativo. Esse
verbo “atá” é um verbo do aramaico sírio-caldaico, tional, 1972. Exemplar em Inglês e Português.
falado na Babilônia de então, e trazido pelos judeus NOVO Testamento: versão da Vulgata. São Paulo:
para a Palestina. Paulinas, 1961.
Sua conjugação é complexa, pois apresenta muitas
formas esdrúxulas, de sentido específico. Contudo, PETIT, Paul. História antigo, 5. ed. São Paulo: Difusora,
queremos, com esse verbo, terminar estas Notas, por- [19--].
que Jesus de Nazaré, quando ensinou o “Pai Nosso”
RAGON. E. Grammaire grecque. 6. Ed. Paris: [s. n.],
aos Apóstolos, usou a frase aramaica (transliterada)
“têithêi mal’ khutakh” (o th é como o th em inglês: e o [19--].
kh é como o j em espanhol), significando “que venha RENAN, Ernest. Anti-Chrsito. Porto: Biblioteca Ra-
o Teu Reino”. cionalista, [19--].
“Têithêi” é uma forma futura (3a pessoa do femini-
no singular) do verbo “atá”, mas em português (e em ROSENTHAL, Franz. A grammar of biblical aramaic.
outros idiomas) é traduzida pelo subjuntivo, em casos Wiesbaden: [s. n.], 1974.
especiais. De modo que, terminando o Apocalipse, va-
mos fazer a saudação final com o vocativo “SENHOR, ROWLEY, H.H. A importância da literatura apocalíptica.
VEM”, mas falando em aramaico: “MARÂNA TÁ”, São Paulo: Paulinas, 1980.
cuidando bem da acentuação tônica, dispensando o THE NEW Testament. London: [s. n.], [19--]. Exemplar
adjetivo “Nosso” (de Senhor) e usando o tratamento em hebraico e inglês.
“tu” (segunda pessoa do singular) quando dirigido
a um só indivíduo, qualquer que seja o seu grau de TRANQÜILO, Caio Suetônio. A vida dos doze césares.
dignidade (padrões de cultura semítica). Observação: 6. ed. São Paulo: Rena, [19--].
colocamos os acentos tônicos nas frases aramaicas so-
mente para facilitar a pronúncia. Juntar os dois termos VERMES, G. Os manuscritos do mar morto. São Paulo:
e pronunciar MARANÁTA, como acento tônico do Mercuryo, 1991.
penúltimo “A”, como está indicado, é , em aramaico,
simplesmente uma solução inaceitável.

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