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Albalat – A Antítese.

A antítese, processo geral dos grandes escritores.

Assimilação do estilo abstrato pela antítese.

Decomposição da antítese. Valor da antítese. O mecanismo da antítese. A frase-


antítese. A antítese enumerativa. A antítese simétrica. A antítese-retrato. O retrato geral
e trivial. O retrato trivial: Massillon. O verdadeiro retrato: Bossuet. O paralelo. O espírito
de antítese. Más antíteses. Defeitos da antítese: V. Hugo. Antíteses fáceis. A antítese
verdadeira. Exemplos. Opinião de Taine. A antítese entre os Gregos.

Estudamos nos capítulos precedentes os processos de imitação, pelos quais se


pode obter o estilo descritivo, a cor, o relevo, a imagem.

Mas há autores que não procuram apresentar senas, nem pintar quadros.

São os escritores de estilo abstrato ou estilo de ideias.

Voltaire, Montesquieu, Saint-Evremond, Gués de Balzac, Montaigne, Rousseau


(na maior parte das suas obras); podem ser considerados como escritores de ideias.

Já ensinamos a imitar descritivamente.

Falta-nos ensinar a maneira abstrata de escrever.


Noutros termos: vamos procurar qual é o processo-tipo para obter o estilo abstrato,
no que ele tem de original e de saliente.

Quando se lê atentamente Montaigne, quando nos esforçamos por decompor o


mecanismo da sua frase, quando fazemos o mesmo trabalho com Gués de Balzac, em
Saint-Evremond, sobre a parte abstrata de Bossuet, Rousseau, Fléchier, Massillon,
Montesquieu, La-Rochefoucanuld, Lá-Bruyère, Duclos, numa palavra sobre os bons
escritores, qualquer que seja o seu gênero e os seus gostos, chegamos à conclusão de que
o processo intrínseco do seu estilo, o que constitui a variedade das suas frases, a razão
da sua força e do seu brilho, é a antítese.

Os cursos de literatura contentam-se em apresentar a antítese como uma figura de


pensamento que se opõe às figuras de palavras.

Não se lhe dá mais valor que ao paralelo, à alusão, à perífrase ou à hipérbole.

É preciso acabar com tal pragmática.


A antítese não deve ser considerada como um simples e ocasional artifício de
pensamento. É um processo de escrever, um modo de criar, desdobrar e explorar as nossas
ideias, processo que se aplica a todo o estilo abstrato, e com o qual se pode tratar de
qualquer assunto ou pôr-se em relevo qualquer sequência de frases.

A antítese é a chave, a explicação, a razão geratriz de metade da literatura


francesa ou, se quiserdes, do estilo francês, usado pelos nossos melhores autores, desde
Montaigne a Victor Hugo.

La Bruyère definiu assim a antítese:

— Uma oposição de duas verdades, que dão vida à outra.

É insuficiente. Dar vida a duas verdades, uma pela outra, não é precisamente fazer
uma antítese.

Bonhours compara-a à mescla dos claros e dos escuros na pintura.

Também é inexato.

Como nota Marmontel, há no estilo oposições de cores, de luz e de sombras, e


diversidade de tons, sem antítese alguma. Marmontel, Elementos de Literatura, t.I, p. 162.

Muitas vezes, até há antítese, sem essa mescla. É difícil definir-se bem a antítese,
porque reveste mil formas.

Marmontel chama-lhe uma relação de oposição, entre dois objetos diferentes ou,
num mesmo objeto, entre as suas qualidades ou os seus modos de operar. O que quer
dizer que ela consiste em opor os pensamentos uns aos outros, para lhes dar relevo.

De um modo geral, é isso a antítese; mas, é preciso demonstrar, se queremos


compreender tal maneira de escrever, que não é um meio artificial do estilo, mas, de
alguma maneira, uma cultura e um hábito de espírito.

Vejamos esta antítese de Montaigne:

Os príncipes dão-me muito, se nada me tirarem, e far-me-ão muito bem, quando


me não fizerem mal.

Há aqui dois pensamentos que se opõem um ao outro e que se iluminam


reciprocamente; mas a antítese é mais do que isso.

É um método de criação de ideias por meio das contrárias.

Noutros termos, a antítese é a arte de tirar de um pensamento o contrário


desse pensamento e de engendrar assim uma série de contrastes e de oposições.

San-Paulo disse:
Amaldiçoam-nos e nós abençoamos. Perseguem-nos e nós sofremos. Dizem-nos
injúrias e nos respondemos com orações. Coríntios, I, IV.

Pode notar-se aqui a criação do segundo pensamento pelo primeiro. Cada segundo
pensamento estava contido no primeiro.

Diderot escreve a Rousseau que julga dever dar-lhe um bom conselho, embora
pense que ele o não seguirá.

Um pouco de reflexão faz-lhe encontrar a junção das oposições da sua ideia e


escreve isto:

Pareceu-me dever dar-lhe um conselho, e preferi arriscar-me a dar-lhe um que


não seguisse, a deixar de lhe dar um que devesse seguir.

Diderot, Carta a J. J. Rousseau.

Como se vê, trata-se de alargar um pensamento para extrair dele o seu contrário
ou alguma oposição paralela. Na ideia de que há historiadores de gênio, isto é, de
inspiração, e outros que só tem erudição, o espírito encontra uma relação das
oposições, de que Montesquieu faz esta frase:

Entre os autores que escreveram sobre a história de França, uns tinham talvez
erudição demais para que tivessem gênio, e outros muito gênio, para que tivessem
erudição.
Montesquieu, Pensamentos Diversos.

Tomemos outro pensamento.

Há pessoas que gostam do laconismo nas obras. É que as acrescentam por sua
conta, mas os autores perdem com isso.

Plutarco menosprezava a erudição, mas queria formar juízo.

Desta ideia pode extrair-se isto:

O laconismo é um meio de se deixar desejar em vez de saciar.


É um defeito falar muito, ainda nas coisas excelentes.

Quando se tem o corpo esguio, avoluma-se, e assim, quando há pouco que dizer,
multiplicam-se as palavras.

A tal respeito, temos uma série de ideias, obtidas por contraste.

Achavam-se na primeira forma, e fizemo-las sair dela, por um esforço em


contrário.

Eis como Montaigne apresenta o caso:


É pena que as pessoas de juízo gostem tanto do laconismo; sem dúvida a sua
reputação vale mais, mas nós temo-la em menor conta.

Plutarco gosta mais que nós o gabemos pelo seu juízo que pelo seu saber; gosta
mais de se tornar desejado do que de saciar, sabia que nas obas coisas se pode dizer
muito.

Aqueles que tem corpo magro, enchumaçam-no; aqueles que em assunto frouxo,
enchem-no de palavras. Montaigne, Ensaios, 1, 25.

A arte da antítese consiste, portanto, em partir uma pedra em duas, só de uma


pancada, e depois cada uma delas em duas e assim por diante.

Por exemplo, os néscios, tendo notado que a singularidade (ou originalidade) é


agradável, quando não é querida, esforçam-se por sua vez em ser originais, mas fazem-
nos propositadamente.

Querem agradar e desagradam.

Não se resignam a passar despercebidos e preferem não ser sinceros a não


serem notados.

Põem seu amor próprio à prova de ridículo e as pessoas de espírito julgar-se-iam


desgraçadas com o que constitui a satisfação deles.

Estas antíteses aparecem por si. É um processo simples. Por isso não admira que
Duclos tenha escrito estas belas frases a tal respeito:

Os néscios, que conhecem muitas vezes o que não têm e que supõem que é um
erro ignorá-lo, vende o triunfo da originalidade, tornam-se originais, e deve calcular-se
o que poderá produzir esse excêntrico intuito.

Em vez de se limitarem a não ser nada, o que tão bem lhes convinha, querem à
viva força ser alguma coisa e são insuportáveis.

Tendo notado, ou antes, tendo ouvido dizer que há gênios reconhecidos que nem
sempre são isentos de um grão de loucura, tratam de imaginar loucuras e só fazem
tolices.

Não podendo ser ilustres, tratam pelo menos de ser famosos; querem que se fale
deles, que se ocupem deles. Querem antes ser desgraçados, do que ser desconhecidos.

Aquele que prende a atenção pelas suas desditas tem nisso meia consolação.

Duclos, Considerações sobre os costumes, p. 199 e 107.

A antítese é a força do estilo abstrato.


Pode ser empregada juntamente com a descrição. Mas, fora do estilo descritivo, é
o grande recurso da arte de escrever.
O dom da antítese é por consequência a primeira das assimilações que deve
adquirir aquele que quer formar o seu estilo, valorizar o seu talento e multiplicar os seus
meios de inspiração.

Diz Marmontel:

— Os grandes pensamentos tomam habitualmente a forma da


antítese.
A história da antítese seria a própria história da literatura; é o rio donde manou a
produção de todos os grandes prosadores.

Reina soberanamente em Tácito

É a essência de Montaigne, Gués de Balzac, Saint-Evremond, Pascal, Bossuet,


Montesquieu, Rousseau, devem-lhe as três quartas partes do seu talento.

Em breve diremos como ela se deve estudar neles.

Tratemos primeiro de assimilar este processo, pondo de lado os seus


inconvenientes, que depois examinaremos.

O seu emprego é tão importante na arte de escrever, que os Gregos dividiam a


história da sua retórica em três épocas:

A primeira, a da justaposição das ideias;


A segunda, a da antítese;
A terceira a do período.

Consulte-se o prefácio da edição grega de Tucídides, por A. Croiset. Vêr-se-á


como se formou o estilo de Tucídides, que explorou a antítese e que, até na imitação,
soube ser original.

O que torna a antítese suspeita a muitos autores é que geralmente é fácil.

Vejamos, por exemplo, esta brilhante página de Chateaubriand sobre as


Pirâmides:

A filosofia pode gemer ou sorrir, pensando que o maior monumento, saído das
mãos dos homens, é um túmulo. Mas, porque se não há de ver na pirâmide de Queops
senão um monte de pedra e um esqueleto?

Não foi pelo sentimento do seu nada que o homem construiu tal sepulcro; foi pelo
instinto da sua imortalidade.

Este sepulcro não é a baliza que anuncia o fim de uma carreira de um dia; é a
baliza que marca a entrada de uma vida sem fim; é uma espécie de porta eterna,
construída nos confins da eternidade...
A vista de um túmulo não ensina, então, nada? Se ensina alguma coisa, porque
lastimar que um rei quisesse tornar perpétua a lição?

Tudo é túmulo num povo que já não existe.

Logo que o homem morre, os monumentos da sua vida são ainda mais vãos que
os da sua morte. O seu mausoléu é pelo menos útil às suas cinzas, más os seus palácios
conservam acaso alguma coisa dos seus prazeres? Chateaubriand, Itinerário, VI parte.

Este soberbo fragmento tira principalmente da sobriedade o seu efeito.


Chateaubriand tinha muito gosto, para que abundasse das antíteses em assunto tão
fecundo. Mas vê-se quanto é fácil o desenvolvimento e quantas frases se poderiam
acrescentar.

Experimentemos continuar por nossa conta:

É pela afirmação do seu nada que esses reis perpetuaram a sua duração. Foi a
imagem da morte que deu glória à sua vida. Lembramo-nos deles pelo que é transitório,
e o lado perecível do seu destino é que lhes salvou a memória. A sua recordação persistiu
apenas pela glorificação do seu esquecimento.

Prepararam a imortalidade, exagerando o sinal da sua morte.

Este ato de orgulho não era na essência senão um ato de fé.

Quiseram dominar a morte, sofrendo-a.

A necessidade de acabar deu-lhes o pensamento de sobreviver, e foi a própria


inspiração da sua alma que realizou esta glorificação dos seus corpos, etc.

Eis aqui o que pode inspirar o uso da antítese. Não há senão escolher, reforçar,
desenvolver; porque tudo isto, evidentemente, não é igualmente bom, nem bom ao mesmo
tempo, mas tem muito disso.

Volney falou também das Pirâmides.

Comparai a sua fria retórica com o fragmento de Chateaubriand:

Parecem afastar-se, à proporção que delas nos aproximamos.


Estamos ainda a uma légua e já dominam de tal forma sobre a nossa cabeça, que
parece estarmos junto delas.
Finalmente, atingimo-las e nada há que possa exprimir a variedade das sensações
que ali se experimentam.
A altura dos seus cumes, o íngreme das suas descidas, a amplidão da sua
superfície, o peso da sua base, a memória dos tempos, que elas recordam, o cálculo de
trabalho que custaram a ideia de que aqueles enormes rochedos são obra do homem, tão
pequeno e tão fraco, que rasteja a seus pés, tudo isto arrebata ao mesmo tempo o coração
e o espírito de admiração, de terror, de humilhação e de respeito.
Mas, deve-se confessar-se, outro sentimento sucede a esse primeiro transporte.
Depois de termos formado tão alta opinião do poder do homem, quando se pensa
no objeto do seu emprego, lançamos olhos de pesar para a sua obra; lamentamos que,
para se construir um túmulo vão, se torturasse uma nação inteira durante vinte anos!
Contrista-nos o acervo de injustiças e vexames que deveriam ter custado os tributos
onerosos e o transporte, o aparelhamento e colocação de tantos materiais. Vonley,
Viagem na Síria.

Tomemos ainda estas linhas como exemplo:

A mocidade é tão bela, que, se pudéssemos ressuscitar, quereríamos voltar a


mocidade.
A mocidade passa-se em desejos e a velhice em saudades.
As experiências da vida têm quase tanto encanto como as promessas que
sonhamos.
As saudades têm a doçura do desejo e da própria felicidade.
É preciso consolarmo-nos de ter perdido a mocidade e tratar de que os outros
não deem muito por isso.

Transformemos estas linhas em antíteses:

A mocidade é a mais bela coisa que existe.


Se pudéssemos ressuscitar, não pediríamos ouro nem luxo, só pediríamos a
mocidade.
Moço, sentem-se desejos; velho, sentem-se saudades.
É o mesmo encanto.
Outrora a vida era bela pelo que prometia; agora parece bela pelo que nos deixa.
Nada é mais inebriante que a ilusão do desejo; nada é mais doce que a tristeza
da saudade.
A recordação das nossas decepções toma hoje a mesma magia que outrora a
espera da felicidade.
É preciso ter na inteligência bastantes recursos para nos consolarmos com a
perda da nossa mocidade, e no coração bastantes qualidades para fazermos esquecer
aos outros que a perdemos.

Assim disposto, tem originalidade o fragmento. Tivemos de introduzir palavras


para impressionar: a ilusão do desejo, a tristeza da saudade... (para fazer
correspondência), recordações, espera da felicidade..., na inteligência, no coração, etc.

Mais longe nos ocuparemos da questão do preciosismo e do fictício, que são o


escolho deste método e o defeito das linhas acima exaradas.

Por agora o nosso fim é decompor o processo.

É preciso, primeiro que tudo, saber tirar partido de uma ideia e notar os
contras que ela comporta.

Estudemos um último exemplo:

Um povo inteiro submete-se à tirania.


Quereis censurar a baixeza a esses milhares de cidadãos.

Todos os desenvolvimentos dependerão da maneira com que explorardes esta


ideia.

Sois milhares contra um. A vossa fraqueza é a força dele. Oprime-vos, porque vos
submeteis. Não sabeis resistir a alguém, que nem sequer sabe o que é combater! Se tendes
as mãos ligadas, é porque as estendeis... cultivais a terra, para ele vo-la tirar.

Adotai este rodeio, que consiste em dispor o contrário das coisas, e as ideias
chegarão, desdobrar-se-ão, engendrar-se-ão

Haveis de admirar-vos da vossa vivacidade.

E, com o hábito e trabalho, escrevereis talvez sobre aquele assunto um belo


trecho, como o que se vai ler de La-Boétie:

Que vício, ou antes que desgraçado vício, ver um número infinito não obedecer,
mas servir, não ser governado, mas tiranizado, não tendo bens, nem país, nem filhos,
nem mesmo a vida que deles seja?

Sofrer as crueldades, não de um exército, nem de uma legião bárbara, contra


quem seria necessário gastar o sangue e a vida, mas de um só homem; não de um
Hércules nem de um Sansão, mas de um só homem, e, muitas vezes, o mais fraco e
efeminado da nação, não acostumado à pólvora das batalhas, mas só, e com custo, à
arena dos torneios.

Como pode ele ter tantas mãos para vos ferir, se é de vós que as toma?

Os pés, com que ele esmaga as vossas cidades donde os teve eles, se não são os
vossos?

Como é que ele tem qualquer poder sobre vós, senão por meio de vós mesmos?

Como se atreveria ele a passar sobre vós, se não estivesse entendido convosco?

Que poderia ele fazer, se vós não fôsseis receptadores do ladrão que vos rouba,
cúmplices do assassino que vos matas e traidores de vós mesmos?

Semeais os vossos frutos, a fim de que ele os consuma. Mobiliais e encheis as


vossas casas, para dar matéria aos seus roubos. Criais os vossos filhos, para que ele os
leve ao matadouro.

La Boétie, Servidão Voluntária.

Eis aqui excelentes conselhos, que Rondelet nos dá, sobre o mecanismo da
antítese:
— A qualquer gênero que pertença uma composição, quer ela saia do familiar,
quer do sublime, nem por isso é menos certo que ninguém, na verdadeira conversação,
jamais se exprimiu assim, e procurou ou conseguiu atingir o grau exato de precisão ou
sobriedade.

Não se escreve como se fala, assim como não se deve falar como se
escreve.

Há méritos que se excluem, e é a ignorância desta lei elementar que se deve


atribuir a insuficiência dos escritores, como a fraqueza dos oradores.

Seja o que for, e para nos limitarmos ao nosso atual assunto, não há dúvida que
o leitor se prende, ainda que não seja senão por deferência à sua dignidade, a um certo
cuidado e a certas atenções da parte do escritor.

Se ele não exige que lhe ponham sobre a mesa a baixela de prata e o serviço do
Japão, pelo menos espera encontrar a toalha lavada e as crianças asseadas.

O estilo escrito, por mais familiar que o aceitem, e por mais baixo que o
imaginem, não deixa de ser uma expressão encontrada com a pena na mão, de
que se recebe a comunicação por intermédio de um livro e não pela impressão fugaz de
uma conversação.

Resulta destas observações, que não sofrem absolutamente exceção, que a


composição escrita comporta uma certa densidade de pensamentos, uma sobriedade
nervosa de expressões, uma maneira de julgar e reproduzir, que excede em valor o
tecido ordinário e um pouco fraco da vida.

Demos um ou dois exemplos deste gênero de melhoramentos.

É que realmente há uma copiosa fonte de belezas, de que os escritores novos não
tirarão poucas vantagens.

Desejamos exprimir este pensamento:


O homem pode sempre tirar certo proveito das experiências, a que se submeteu.
Os obstáculos eu se nos opõem, fortificam a nossa vontade, e, nesta luta, que sustentamos
contra a adversidade, podemos tornar-nos, por nós próprios, um exemplo e como um
ensino salutar, de forma que tiremos daí ideias mais justas sobre o dever.

Na verdade, tudo isto é sensato e nada é mais digno de ser praticado.

Mas pergunto a mim próprio se valerá a pena ser repetido isto, sob esta forma
frouxa, que mal toca no espírito.

É talvez a moral de Mr. De La-Palisse ou dos quartetos de Pibrac.

Mas não há aí esse trabalho de concentração que transforma o perfume


de uma flor numa essência.
Entrevê-se ali uma ideia principal, a ação salutar da desgraça, e dois efeitos, que
se produzem, um sobre o espírito, outro sobre a vontade. Procurai extrair deste
pensamento, um pouco complexo e um pouco empolado, a essência que o resume, de
forma que cada palavra possa desempenhar só por si o papel de uma síntese, e obtereis
esse efeito particular do estilo, que se chama a profundeza e o brilho, formulando a
máxima seguinte:

A desgraça não engrandece somente o caráter, que lhe resiste pela luta, mas a
inteligência, que com ela lucra, pela contemplação.

Temos um segundo exemplo:

Tentemos exprimir este pensamento, um pouco vulgar, de que os homens deixam


tudo para o dia seguinte. É certamente, da sua parte, um grande erro. Se se encontram
numa situação feliz, devem-na aproveitar logo; pois é prudente não contar com uma
prosperidade de tão longa duração. Se, pelo contrário, a sua situação é precária e o seu
futuro incerto, a mais vulgar prudência será pôr-se imediatamente a caminho para a
melhorar, sem esperar por nenhuns acasos favoráveis, que talvez nunca se apresentem.

Eis aqui, pode dizer-se, ideias razoáveis, posto que triviais.

Sob esta forma, nada tem de cativantes, e não passam de simples opiniões, como
se ouvem todos os dias na conversação.

Certamente que passam e são mesmo recebidas, segundo a felicidade das


palavras, mas não se deveria transpor para o papel essa forma diluída e apática.

Seria necessário comprimir-se o pensamento, por em presença as duas


alternativas que ele inclui subordinando-as ao conselho que contêm; procurar duas ou
três expressões complexas e características, que encerram, sob uma forma concisa e
tocante, tanto ou mais que a paráfrase precedente.

Chegar-se á então a alguma coisa análoga a esta máxima:

A verdadeira desgraça da maior parte dos homens está em eles adiarem sempre
para o outro dia, o gozo de viver ou a possibilidade de trabalhar.

Não faltará quem diga que, com tais cuidados, o estilo não é natural; que contém
um requinte dificilmente suportável e que as expressões tão fortemente concentradas e
tão sabiamente equilibradas não podiam chegar por si só à pena; que há por conseguinte
um esforço visível, e portanto penoso, para o escritor e para o leitor, ao mesmo tempo.

Se a indolência não desse a mão a tais raciocínios, não pareceriam sustentáveis


por um só momento.

A mediocridade, que á a incontestável partilha da média dos homens, não


é rigorosamente exigida, quando se trata de escrever.
E, se não temos da nossa parte alguma faculdade ou algum trabalho a mais, é
escusado dar à estampa exatamente o que cada um pode ter dito, nos mesmos termos, de
manhã ou na véspera.

Estas fórmulas, que achareis muito rebuscadas para serem naturais,


apresentam-se por si próprias aos espíritos superiores.

Estes têm a faculdade eminente de concentrar as suas reflexões e de as traduzir


em qualquer fórmula viva e breve.

Não é preciso mesmo pertencer a essa família de espíritos extraordinários, para


encontrar por si só, na ocasião, essas pequeninas satisfações de estilo; vem-nos às
vezes, até no diálogo mais simples, e, com mais razão, quando, com a pena na
mão, temos usado vigorosamente de todos os recursos do nosso espírito.

A arte de escrever consiste precisamente em introduzir nas composições uma


espécie de contínua satisfação.

Há dias em que nos achamos mais bem-dispostos; então, trabalha-se com mais
ardor e há mais probabilidades de bom êxito.

São estes momentos que os autores fantasistas se apressam a colher e a


aproveitar, para encher o seu papel.

Efetivamente, têm às vezes, naquelas horas afortunadas, uma energia, um brilho


e um vigor, que, em qualquer outra ocasião, se lhes não poderia exigir. A. Rondelet. A
Arte de Escrever, p. 418.

A antítese é, portanto, o maior e o principal recurso da sugestão de


ideias.
Se a inspiração tarda, se o pensamento resiste, procurai vencer por este meio.
Pensando no molde, cria-se o artefato.

O dom de escrever depende, mais do que se supõe, da vontade e do trabalho.

Veem-se os belos efeitos de estilo, que a antítese pode produzir. Pode ser curta,
um simples embate de palavras:

O filho de Deus fez-se homem, a fim de nos tornar filhos de Deus. Foi ferido para
curar as nossas chagas. Tornou-se escravo para nos tornar livres.
Finalmente, morreu, para que nós vivêssemos.
San-Cipriano, Sermão sobre a Esmola.

Eis aqui sínteses de antíteses, produzidas pelo inverso brusco de ideias.

Às vezes, basta um qualificativo contraste para traçar uma antítese:


Ela tem ideias felizes, tão afastadas da afetação, que nos desagrada, como do
natural exagerado, que nos incomoda. Saint-Évremond, Madame de Mazarin.

Uma vez que se saiba tirar estas espécies de efeitos de um pensamento, bastará
repetir o processo, dividi-lo em séries, e obter-se-ão diferentes gêneros de antíteses:

1. Antítese por frases inteiras;


2. Antítese enumerativa;
3. Antítese simétrica;
4. Antítese-retrato ou Retrato;
5. Antítese-paralelo ou Paralelo.

1. Antítese por frases.

É o desenvolvimento contínuo da antítese por embates de palavras:

Como não há povo que não tenha de se precaver contra as violências


estrangeiras, quando se sente fraco, ou de tornar a sua condição gloriosa, pelas suas
conquistas, quando é poderoso; como não há também quem possa assegurar o seu
sossego, pela constituição de um bom Governo, e a tranquilidade da sua consciência
pelos sentimentos da religião...

Saint-Évremond, Os Historiadores.

Fléchier explorou muitas vezes este jogo de ideias, como nesta passagem:

Adotava providências quase infalíveis; e, descobrindo não só o que os inimigos


tinham feito, mas também o que eles planeavam, poderia ser infeliz, mas nunca
surpreendido. Distinguia o tempo de atacar e o de defender. A nada se aventurava, senão
quando tinha muito a ganhar e quase nada a perder. Ainda quando parecia ceder, não
deixava de se fazer temer.

Tal era, enfim, a sua habilidade, que, quando vencia, só podiam atribuir tal honra
à sua prudência.

E, quando era vencido, imputavam as culpas ao destino. Féchier, Oração


Fúnebre de Turenne.

2. Antítese enumerativa.
Pode compreender-se, sob o nome de antítese enumerativa, a que consiste em
apresentar dois pensamentos opostos a desenvolvimentos paralelos indefinidos.

Duas ideias tinham erguido a Idade Média da informe barbaria; uma, religiosa,
que erguera gigantescas catedrais e arrancara do solo as populações, para as levar à
Terra Santa; a outra, secular, que edificara as fortalezas feudais e pusera de pé o homem
de sentimentos, armado nos seus domínios; uma, que produzira o herói aventureiro; a
outra, que produzira o monge místico; uma, que é a crença em Deus; a outra, que é a
crença em si.

Ambas, excessivas, haviam degenerado pelo impulso da sua própria força; uma
exaltara a independência até à revolta; a outra desvairara a piedade até ao entusiasmo;
a primeira tornava o homem impróprio para a vida civil; a segunda infundia no homem
a vida natural; uma, instituindo a desordem, dissolvia a sociedade; a outra, entronizando
a despropósito, pervertia a inteligência. Fora preciso reprimir a cavalaria, que tinha por
alvo a pilhagem, e refrear a devoção que importava o servilismo.

O feudalismo turbulento enervara-se como a teocracia opressiva.

E as duas grandes paixões dominantes, privadas da sua seiva e separadas da sua


haste, elanguesciam até deixar que a monotonia do hábito e o gosto da sociedade
germinassem no seu lugar e florescessem sob o seu nome.

Taine, Literatura Inglesa, I, p. 168.


A antítese já não consiste aqui no embate rápido das palavras, mas na longa
oposição das faces reciprocas de duas ideias.

3. Antítese simétrica.
Em vez de ser puramente enumerativa, a antítese pode fracionar-se, espacejar-se
e tornar-se simétrica por meio de pequenas oposições, como nesta bela descrição de um
exército:

É um corpo, animado por uma infinidade de paixões diversas, que um homem


hábil faz mover, em defesa da pátria.
É um bando de homens armados, que cumprem cegamente as ordens de um chefe,
cujas intenções desconhecem.
É uma multidão de almas, na maior parte vis e mercenárias, que, sem pensar na
sua própria reputação, trabalham para a dos reis e dos conquistadores.
É uma reunião confusa de libertinos, que é preciso sujeitar à obediência,
temerários que é preciso conter, impacientes que é preciso moderar. Fléchier, Elogio de
Turenne.

4. Antítese-retrato.
O retrato é bem conhecido como gênero literário. Encontra-se nos oradores, nos
historiadores, nos romancistas.

É a descrição de uma pessoa ou de um animal. La-Bruyère tem retratos excelentes.


Saint-Simon pintou retratos completos: físico, moral e caráter. Buffon tem retratos
notáveis de animais.

É ordinariamente a antítese o que constitui o valor e o relevo de um retrato. Seja


ele qual for, pode entrar nele a antítese.
Os retratos de Tácito são célebres: o de Porsênio, o de Salústio-Crispo, Sejano,
Tibério, Popeia, Agrícola. Neles domina a antítese.

Eis aqui como se resume o de Galba:

— Mais afortunado súdito que ditoso príncipe; mais sem vícios que virtuoso;
superior à condição privada em quanto nela se esteve; e, na opinião de toda a gente,
capaz de ser imperador, se o não tivesse sido.

Cita-se também o retrato de Catilina, unicamente composto de antíteses, no


discurso de Cícero, Pro Caelio.

Os pormenores, que compõem um retrato, não se devem aplicar exclusivamente


senão ao modelo que se quer pintar.

Se aquilo que se diz se pode referir a outro, o retrato não é vivo: é só um


estereotipo.

Muitos autores julgam mostrar-nos assim alguém, quando afinal se não vê


ninguém.

Maria Stuart estava muito adiantada, para a sua idade. Era alta e formosa. Os
seus olhos respiravam espírito e resplandeciam de brilho. Tinha as mãos mais bem-feitas
do mundo. A sua voz era doce, o seu aspecto nobre e gracioso, a sua linguagem era
animada e inspirava já profunda simpatia. Mignet.

Estas linhas não só se podem aplicar a Maria Stuart, como a qualquer outra
mulher, inteligente e bela. Tal retrato não é mais que um lugar-comum.

Daunou escreveu sobre tal assunto interessantes reflexões.

Diz ele:

— Se o retrato não é mais que uma contraprova, mais ou menos enfraquecida, de


uma figura que já conhecemos, mais valeria avisarem-nos disso em duas palavras do que
reproduzir, tão difícil e confusamente, traços que se nos apresentaram algures, com
muito mais precisão e verdade.

O que se assemelha a muita gente não pode servir para caracterizar ninguém.

Os exemplos destes retratos vagos são extremamente vulgares.

Vou citar um, que poderá substituir todos os outros; encontrareis reunidas nele
quase todas as ideias que é costume copiar dos antigos escritores, para compor assim
essas espécies de imagens artificiais, sem aspirar a semelhança alguma.

Quero falar do retrato, que Sarrasin colocou ao princípio de uma obra histórica,
que não concluiu e tem por título: A conjuração de Valstein.
Esse fragmento teve celebridade nos meados do século XVIII; é um dos mais
notáveis monumentos do estado da nossa língua em 1650 e dos progressos que a arte de
escrever em prosa começava a fazer entre nós.

Mas podei-lo encarar particularmente, como um tipo geral, dessas composições


estudadas, como a mais completa compilação dessas ideias antigas, que à força de serem
reproduzidas pelos modernos, se tornaram lugares-comum.

Alberto Valstain tinha espírito grande e audaz, mas inquieto e inimigo do


repouso. Era alto e encorpado; o rosto mais majestoso que agradável. Era sóbrio,
dormindo muito pouco, trabalhando continuamente, suportando bem o frio e a fome,
evitando os prazeres e preservando-se dos incômodos da gota e da idade pela temperança
e pelo exercício.

Falava pouco, pensava muito.

Escriturava ele próprio todos os seus negócios. Na guerra, valente e sensato;


admirável em levantar e manter exércitos; severo na punição dos soldados; pródigo em
recompensá-los, mas com seleção e tino.

Sempre firme contra a desgraça;


Lhano, quando era preciso; no mais, orgulhoso e altivo. Extremamente
ambicioso. Invejoso das glórias de outrem, cioso das suas. Implacável no ódio; cruel na
vingança; facilmente irritável.

Amigo da magnificência, do luxo, da novidade. Na aparência, extravagante, mas


não fazendo nada sem cálculo e aduzindo sempre o pretexto do bem público, posto que
subordinasse tudo ao acréscimo da sua fortuna.

Desprezava a religião, que ele subordinava á política. Artificioso ao último grau


e principalmente em parecer desinteressado.

Ao mesmo tempo, muito curioso e perspicaz, quanto aos planos dos outros; muito
prudente em dirigir os seus e, sobretudo, muito esperto em os ocultar, e tanto mais
impenetrável, quanto ele afetava em público candura e liberdade, censurando no
próximo a dissimulação, de que se servia em todas as coisas.

Este homem, tendo estudado atentamente as máximas e o procedimento daqueles


que, de uma condição baixa, haviam chegado à soberania, não teve nunca senão
pensamentos de grandeza e esperanças muito elevadas, desprezando os que se
contentavam com a mediocridade.

Fosse qual fosse o estado em que a fortuna o pusesse, pensou sempre em elevar-
se mais; e, afinal, tendo chegado a tal ponto de grandeza, que não tinha senão as coras
acima dele, teve a coragem de pensar em usurpar a da Bohêmia ao Imperador. E, posto
que soubesse que tal desígnio era cheio de perigos e perfídia, desprezou o perigo que
vencera sempre e julgou dignas todas as ações, quando, além do cuidado da
conservação, as praticava para reinar.
Daunou diz:
— Ia jurar que, de todas estas ideias, quase não há uma que seja de Sarrasin,
nem que convenha a Valstein, mais que a qualquer outro ambicioso.

Pelo contrário, poderíamos dizer que elas estão muito mal aplicadas aqui, pois
parece que Valstein não concebeu projetos de usurpação ou de revolta, senão quando
reconheceu que o Imperador Ferdinando II, cujos exércitos comandava, desconfiava dele
e lhe tomara ódio.

Depois de ter mostrado a falsidade histórica dos traços que compõem essa figura,
Daunou conclui dizendo:

— Seria supérfluo entrar em mais extensos pormenores; quis apenas mostrar que
o traçado por Sarrasin, é de pura fantasia; mas, para dizer a verdade, nem sequer é um
jogo de imaginação, é um tecido de rapsódias.

Tais qualidades são atribuídas a Valstein porque haviam pertencido outrora a


Catilina e a outros.
Foi de Salústio, mais que do testemunho dos Alemães do século XVII, que ele
tirou os coloridos e os cambiantes do retrato de Valstein. Daunou, Cursos de Estudos
Históricos, t. VII, p. 407.

Esta página de Daunou resume os nossos conselhos. Tais observações têm uma
importância capital, porque, quer se escreva história, quer se escrevam romances e contos,
as regras são sempre as mesmas.

Se os traços de uma personagem de romance se podem aplicar a toda


a espécie de pessoas, a personagem é falsa.

É necessário que as personagens sejam gerais, mas com particularidades.

Pode existir fulano em milhares de exemplares, mas é preciso que se reconheça


que é fulano e não outro qualquer.

Os romancistas medíocres fazem retratos de donzelas; mas são raros os que fazem
o retrato de uma donzela.

Diz o padre Maury:

— Quando Massillon pregou o seu sermão sobre a Assunção de Santa Virgem, às


religiosas de Chaillot, na presença da rainha da Inglaterra, julgou dever colocar, por
cortesia, nesse discurso, o retrato do príncipe de Orange, como um meio sagaz e
conveniente de agradar a esposa do rei destronado por ele, Jacques II, em presença da
qual falava.

Mas o seu talento servi-o muito mail naquela ocasião.

Pareceu esquecer-se, ao ajuntar às preterições da mais injusta parcialidade os


pleonasmos de uma elocução declamatória, e principalmente ao disfarçar mal a lisonja
sob o véu da detração, de que ele próprio seria julgado um dia por essa mesma diatribe,
com que rebaixava o seu ministério.
Massillon apresenta-nos um só pensamento para descrever Guilherme III, depois
de o ter exprimido, desde a sua primeira frase, sem aprofundar o caráter do almirante
holandês, sem agrupar e até sem aproveitar os mais memoráveis resultados da sua
história.

Eis aqui pois este retrato, tão difuso e tão pouco expressivo:

Para o usurpador, que tinha elevado pelo caminho da injustiça, que despojou o
inocente e expulsou o herdeiro legítimo, para se por no seu lugar e revestir-se com os
seus despojos, ah! A sua glória ficará sepultada com ele no túmulo e a sua morte
desenvolverá a vergonha da sua vida.

Então, sendo tirado o dique que opunham, aos discursos públicos, os seus triunfos
e o seu poder, tirar-se-á vingança, sobre a sua memória, dos falsos louvores, que
forçadamente tinham atendido a sua pessoa.

Então, não existindo já todos os grandes motivos de receio e de esperança, cairá


o véu, que cobria as circunstâncias mais vergonhosas da sua vida. Descobrir-se-á o
motivo secreto das suas gloriosas empresas, que a adulação havia exaltado, e expor-se-
á a sua indignidade e baixeza. Ver-se-ão de perto essas virtudes heroicas, que só se
conheciam pelos elogios públicos, de boa fé, e não se encontrarão senão os direitos mais
sagrados da natureza e da sociedade calcados aos pés.
Então despojá-lo-ão dessa glória bárbara e injusta, de que gozava; restituir-lhe-
ão a infância e a má fé dos seus atentados, que tanto haviam ocultado.

Em vez de o igualarem aos heróis, chamar-lhe-ão filho desnaturado, um desses


homens, de que fala San-Paulo, sem culto, sem afetos, sem princípios.

A sua falsa glória apenas durará um momento e o seu opróbrio só findará com
os séculos.

A última posteridade só o conhecerá pelos seus crimes, pela piedade filial calcada
aos pés, à face dos reis e das nações, que tiveram a cobardia de aplaudir a sua
usurpação; finalmente, pelo atentado, com que destronou um pai e um rei justo, para se
colocar em seu lugar.

Os historiadores, fieis depositários da verdade, conservarão até o fim o seu nome


com a sua vergonha; e a classe a que foi elevado, à custa das leis da honra e da
probidade, fazendo-o entrar na cena do universo, só servirá para imortalizar a sua
ambição e a sua ignomínia sobre a terra.

Esta amplificação, ou, antes, esta difamação imperdoável na boca de um orador


cristão, que não deve ofender ninguém, era mais própria para consolar a rainha da
Inglaterra, que para dar a conhecer o príncipe de Orange, e pode servir de exemplo para
provar que Massillon se alongava muito sobre a mesma ideia e abusava estranhamente
da sua fluência, entregando-se algumas vezes a repetições fastidiosas.

Mas, afastemos por agora esta discussão crítica à qual só voltaremos muito
forçadamente.
Quereis ver agora como Bossuet descreveu o protetor Cromwell, quase tão odioso
como o príncipe de Orange?

Comparai a esta estéril abundância do bispo de Clermont a enérgica


impetuosidade do Bispo de Meaux; nada assinala melhor a diferença do seu gênio.

Encontrou-se um homem com uma extraordinária profundeza de espírito, tão


requintado hipócrita como hábil político, capaz de empreender tudo e de tudo ocultar,
igualmente ativo e infatigável na paz e na guerra; que nada deixava á fortuna do que lhe
podia tirar, por discrição ou previdência; mas, em todo o caso, tão vigilante e tão pronto
para tudo, que nunca deixou escapar as ocasiões que ela lhe apresentava; finalmente,
um desses espíritos turbulentos e audaciosos, que parecem ter nascido para mudar o
mundo.

Massilon aflora as coisas e esgota as palavras.

Bossuet, como se acaba de ver, faz precisamente o contrário, e não é possível


pronunciar um juízo mais digno de fixar a opinião da posteridade.

Só ela, e não as cortes de França ou da Inglaterra, era o que este grande homem
representava, perante a justiça dos seus pensamentos, quando soube antecipar assim o
julgamento da mesma posteridade. Maury, Ensaio sobre a Eloquência, p. 148.

5. O paralelo.
Quando se comparam entre si dois assuntos (caracteres ou retratos, etc.) o trecho
chama-se Paralelo.

É um gênero fácil, de seguro efeito.

Conhecemos excelente paralelo de Condé e de Turenne, por Bossuet (Oração


Fúnebre do príncipe de Condé, 2° parte), o de Corneille e de Racine por La-Bruyère
(Obras de espírito, c. i.); o de Roma e de Cartago por Montesquieu (Grandeza e
Decadência dos Romanos, c. iv.). O retrato do rico e do pobre por La-Bruyère;
Demóstenes e Cícero por Fénelon (Carta à Academia, c. vi.); Catão e César por Salústio;
Pedro o Grande e Carlos XII por Voltaire; os de P. Rapin (Comparação dos homens
ilustres da antiguidade, 2° volume), os de Fontenelle, etc.

Maury, Ensaio sobe a Eloquência, p. 148


Oração Fúnebre do príncipe de Condé, 2° parte.
Obras de Espírito, c. I.

Os paralelos de Plutarco tiveram grande reputação clássica.

Plutarco comparou vinte e quatro homens ilustres da Grécia com igual número de
Romanos célebres, desde Teseu e Rômulo até Demétrio e Marco António.

Sendo a comparação em si própria uma fonte de opiniões, o paralelo é, pela sua


natureza, o triunfo da antítese.
A diferença dos assuntos fez brotar naturalmente os contrastes.

Lede estas linhas sobre Sócrates e Catão. Vê-se aqui a antítese no seu estado
natural:

A virtude de Sócrates é a do mais prudente dos homens; mas entre César e


Pompeu, Catão parece um deus entre os mortais.

Um instrui alguns indivíduos, combate os sofistas e morre pela verdade; o outro


defende o Estado, a liberdade, as leis, contra os conquistadores do mundo, e deixa
finalmente a terra, quando já não tinha pátria para servir.

Um digno discípulo de Sócrates, seria o mais virtuoso dos seus contemporâneos;


um digno êmulo de Catão seria o maior.

A virtude do primeiro torná-lo-ia feliz; o segundo procuraria a sua felicidade na


de todos.

Seríamos instruídos por um e conduzidos pelo outro, e só isso decidiria a


preferência: pois nunca se fez um povo de sábios, mas não é impossível tornar ditoso um
povo.

J. J. Rousseau, Discursos sobre Economia Política.

A própria facilidade do paralelo prejudica desgraçadamente a sua boa qualidade.

Espécie de à priori literário, tende a suprimir as semelhanças, a exagerar as


oposições, a substituir, pela preocupação dos contrastes, o natural e os cambiantes.
É preciso saber combater essa tentação e não aventurar paralelos a propósito
de tudo.

Desconfiemos principalmente do paralelo restritivo, muito limitado, muito


frisante. Já se fez outrora paralelo a todo transe. É cômodo, precisamente porque a antítese
é fácil. Para muita gente, é um ofício, um simples truc. Eis aqui o escolho; então a antítese
torna-se detestável.

Muitos escritores se serviram dela, tais como: Sêneca, Plínio o Moço, Salviano,
Lucano, Santo Agostinho, entre os antigos.

E Gues de Balzac, Voltaire, Saint-Évremond, Fléchier, Duclos, Vítor Hugo e


Vacquerie, entre os modernos.

Forçando-se a antítese, cai-se no estilo precioso, no gongorismo, na


afetação, no jogo de palavras.

Alteram-se verdadeiros pensamentos, fazem-se passar pensamentos falsos. Tudo


o que se escreve é artificial ou pueril.
Eis aqui algumas antíteses, que não são aceitáveis, senão quando se não abusa
delas:

Aborrecemo-nos quase sempre com aqueles que enfadamos.


Gostamos mais de ver aqueles a quem fazemos bem, do que aqueles que no-lo
fazem. Este axioma é o próprio assunto de uma peça de Labiche: A Viagem de Mr.
Perrichon.

Um homem, a quem ninguém agrada, é muito mais desgraçado que aquele que
não agrada a ninguém. (Saint-Real). No poder de Augusto, a liberdade só perdeu os
males que ela pode causar, e nada da felicidade que ela pode produzir. (Saint-Évremond,
Os Romanos).

Dizia eu à senhora châtelet: Deixais de dormir para aprender filosofia; conviria,


pelo contrário, estudar filosofia para aprender a dormir. (Montesquieu, Pensamentos
Diversos).

É preciso rirmo-nos antes de sermos felizes, com receio de morrermos, sem nunca
termos rido. (La-Bruyère).

Diz um pensador, que fez sobre o estilo uma obra de considerações gerais:

— Não é preciso fazer contrastar as palavras entre si, nem as palavras com as
coisas; é necessário que os contrastes estejam entre as ideias. Beccaria, Recherches.

É por se terem esquecido deste preceito, que tantos autores são insuportáveis. No
século XVII, quase toda a literatura havia adotado esse mau gosto.

Por isso o público teve dificuldade em achar detestável o soneto de Oronte, no


Misantropo:

Bela Filis, a gente desespera


Sempre que espera...

Escritores, como Fléchier, ousavam escrever a sério:


Estes suspiros contagiosos que saem do seio de um moribundo para fazer morrer
aqueles que vivem...

Esta mania é ainda mais ridícula em verso:

Em procurar-me levei largos dias;


E, ao perder-me achei só agonias.
Bertant

A afetação inspirou algumas vezes a Racine, versos como estes, que apresentam
Pirro como grande incendiário de navios:

Abrasado de fogo mais intenso


Do que o fogo que eu próprio ateei...
É pouco mais ou menos, o que escrevia Le-moyene:

Impaciente, Luís salta do seu navio,


E o coração ardente o leva a desprezar
Os vagalhões do mar.

Molière tinha razão em dizer:

São trocadilhos vãos, afetação em fim,


E a Natureza mãe nunca falou assim.

Estas espécies de ditos só são admissíveis, quando se tira deles um efeito cômico,
como nestes versos:

Monsieur, ici present,


M’a d’um fort grand soufflet fait un petit present.

Senhor, aqui presente,


Me tem um fole muito grande feito um pequeno presente.
Racine, Les Plaideurs.

Chega-se ao jogo de palavras e ao calembur, como nesta frase de J. J. Rousseau:

O rapasto seria o repouso; o meu cozinheiro não me serviria veneno por peixe.
(poisen pour du Poisson).

Eis aqui obra-prima do gênero:

Fatalista na sua História, fatal nos seus conselhos, fátuo nas suas resistências,
reunindo em si tudo o que inspira, contra a Providência o culto do acaso, contra o poder
do gênio do aniquilamento e contra si próprio o excesso da vaidade; recriando-se
(s’amusant) como seu espírito, iludindo-se (s’abusant), com a sua ambição, gozando
(s’usant), com a sua volubilidade.

Morcquart, Retrato de Thiers; citado por Granier de Cassagnac, nas suas


Recordações do Segundo Império, p. 189.

Foi este abuso que desacreditou a antítese. Confundiram-no com a falsa


agudeza e é por isso que tantos escritores não a aconselham, em vez de reconhecerem que
ela é, apesar dos seus abusos, um processo fundamental de estilo, a própria arte de
fecundar o pensamento.

Bossuet disse:

— Lamento convosco os pregadores que espalham antíteses; não é por aí que


entra o espírito de Deus.

— A gente moça deixa-se deslumbrar pelo brilho da antítese e serve-se dela, -


disse La-Bruyère, que se serviu de antíteses mais que ninguém.
Rolin disse:

— Como elas só consistem nuns certos rodeios e numa certa disposição de


palavras, e como as palavras não devem servir senão para exprimir os pensamentos,
sente-se bem que seria absurdo prendermo-nos com esses rodeios e essa disposição,
desprezando a própria essência dos pensamentos e das coisas. Mas, por mais sólidas que
se suponham, essas figuras devem ser empregadas raramente, porque, quanto mais arte
e estudo se apresentem nelas, mais a afetação se faz sentir e se torna viciosa.

Pascal acrescenta, com razão:

— Aqueles que fazem antíteses, forçando as palavras, são como aqueles que
fazem janelas falsas, só para simetria. A sua regra não está em falar com justeza, mas
em fazer figuras justas.

Blair é da mesma opinião:

— As antíteses frequentes, particularmente, quanto a oposição das palavras é


fixa rebuscada, tornam o estilo desagradável.

Carlos Nodier é mais severo ainda, a tal respeito. Carlos Nodier, Questões de
Literatura Legal, p. 68.

Arnaud acusa a antítese de falsear a verdade. Arnaud, Lógica, III.

As boas antíteses não deixam de ser o cunho dos grandes escritores.

Marmontel disse:

— Os grandes pensamentos tomam habitualmente a forma da antítese.

E Brunetière acrescenta:

— Os moralistas deveriam passar sem a antítese, assim como os geómetras sem


o silogismo e os poetas sem a metáfora. Grande Enciclopédia, art. Antítese. Este artigo
é curto; mas Brunetière sentiu bem a importância desse processo de escrever.

Os defeitos da antítese.
As antíteses são más, quando são rebuscadas e não naturais; quando não fazem
corpo com a ideia, e quando, em vez delas, se podem encontrar também antítese
verossímeis; quando o seu desenvolvimento se baseiam em artifícios de retórica; quando
correspondem a simetrias insignificantes; quando ficam vagas, duvidosas, sem
consistência.

O Napolitano tem liberdade material. O alemão a liberdade moral. A liberdade


do Lazarone produziu Rossini; a liberdade do alemão produziu Hoffmann. Os Alemães
têm a liberdade do devaneio; nós temos a liberdade do pensamento. V. Hugo, O Rheno.
Conclusão.
Eis aqui antíteses suspeitas, porque são falsas na essência.

Na verdade, os Alemães têm tido a liberdade de pensar, como nós. Kant, Fichte,
Hegel e Strauss não se contentavam apenas com a liberdade de devanear.

Quanto a Rossini, não era de Nápoles, terra dos Lazaroni; nasceu em Pésaro,
(Marcas).

Abramos de novo Vítor Hugo:

Mirabeau era papa, no sentido de que governava os espíritos, e era Deus no


sentido de que governava os acontecimentos.

V. Hugo, Filosofia.

É talvez verdade; mas o pensamento poderia aplicar-se a muitos outros tribunos:

Graco reunia ao amor do bem um ódio do mal, ainda mais forte. Tinha compaixão
pelos oprimidos e muita animosidade contra os opressores. De forma que, prevalecendo
a paixão sobre a virtude, odiava insensivelmente mais as pessoas que os crimes.
Prosseguia, por espírito de facção o que tinha começado por um sentimento de virtudes.

Saint-Évremond, Os Romanos.

São antíteses duvidosas.

O autor alongou o traço, talvez em detrimento da verdade. Nada se vê de


irrefutável naquela conclusão do caráter de Graco.

Seria ele assim? Se sê-lo-ia pelas razões que nos apresentam?

Há antíteses enumerativas tão vagas, tão inconsistentes, que se podem multiplicar


indefinidamente:

O Catolicismo estava estabelecido... Um só pensamento, sob uma só autoridade,


a submissão do espírito à lei, do poder político ao poder religioso, para repelir tantas
invasões, transformar tantos povos, domar tanta grossaria, dominar tantas paixões,
vencer tantas desordens... Mignet, Lutero.

Não há razão para se não continuarem tais enumerações e dizer: resolver tantos
perigos, conciliar tantos interesses, afrontar tantas revoltas, etc.

Thiers não é o mais eloquente dos nossos oradores: não tem a amplitude de
Guizot; não tem o esplendor de Lamartine; não tem a dialética apaixonada de Berryer;
não tem a graça pérfida e cáustica de Montalembert; não tem o ardor grandioso de
Ledru-Rollin; mas tem a nitidez, a limpidez, o método, a lógica, o imprevisto, a audácia,
o vigor, tudo que cativa, tudo que seduz, tudo que fascina.

La-guéronnière Retratos Políticos.


Isto também é defeituoso.

Se quiséssemos enumerar tudo que falta na eloquência de Thiers, encheríamos


páginas de antíteses; e, por oposição, deveríamos citar também as qualidades que ele
possuía, empregando expressões vulgares: audácia, vigor, aquilo que cativa, seduz,
fascina... (palavras sinônimas).

Medíocre discípulo do Lamartine dos Girondinos, La-Guéronnière demasiou-se


na antítese fácil, defeito em que Mignet caiu também tantas vezes.

O abuso é escorregadio.

Acumulam-se os contrastes da mesma natureza; não se lhes vê a vulgaridade, e


discorre-se ao acaso.

Altivo, sem orgulho; confiado, sem presunção; ambicioso, sem egoísmo, fino, sem
malícia, amável, sem volubilidade; instruído, sem pretensão; firme, sem rudeza, etc.

La-Guéronnière, Retratos Políticos.

Porque parar? Poder-se-ia continuar; espirituoso, sem insolência; irônico, sem


maldade; scéptico, sem zombaria; calculador, sem avareza; delicado, sem insipidez,
impertinente, sem grossaria, etc.

Tais são os vícios, os abusos, os inconvenientes, os múltiplos escolhos, que se


devem evitar a todo o custo no emprego da antítese.

Livrando-nos deles, ver-se-á que a antítese é um dos meios mais


poderosos de renovar o estilo, de fecundar a inspiração.

Com o colorido e a imagem, compreende pouco mais ou menos toda a arte de


escrever.

Por meio dele pode tratar-se de tudo.

Poderemos explorá-la, mas atenuando-a, evitando as oposições artificiais,


dosando os embates, variando, desfigurando-se até certo ponto.

O campo da antítese é vasto como o próprio estilo. Compreende a argúcia, a


aliança de palavras, a aliteração, o paralelismo, a sequência de pensamentos, a simetria
de frases, o período, o número, a antinomia dos fatos.

Pode brilhar numa linha, resumir um parágrafo, fazer-se esperar ou deixar-se


adivinhar, suspender os seus golpes, para ferir com mais certeza.

Mas, repetimo-lo, e seja isto um princípio que todos ouçam:

Um estilo composto unicamente de antíteses, seria um estilo


absurdo.
É necessário que elas se interrompam, que se retome a simplicidade, que
se deixe descansar o leitor, distender os seus músculos, abandonar o esforço.

É uma necessidade absoluta.

A continuidade de um processo, seja ele qual for, indispõe. Um prosador


abstrato não é, em todo caso, necessariamente inimigo da descrição ou da imagem.
Deverá descansar, retomar fôlego e mesclar os tons.

A acumulação obstinada da antítese é o pior dos defeitos.


Conheci escritores novos, cujo estilo não passava de um organismo morto, de uma
estrutura complicada e inerte. Supunham dizer qualquer coisa e só exprimiam fórmulas.

Deve cultivar-se a antítese, esquecendo-nos de toda a preocupação. Para isso é


preciso assimilá-la como maleabilidade de espírito.

Quando ela fizer parte integrante do vosso pensamento, dosá-la-eis, mesmo contra
a a vossa vontade, apresentá-la-eis com tato; evitá-la-eis, se ela fatigar; explorá-la-eis,
se ela impressiona.
Ela deve moldar o vosso modo de pensar, porque o seu uso em literatura não é
acidental, mas geral, como vai prova-lo o exemplo de todos os nossos grandes prosadores.

O princípio que se deve fixar para atingir tal educação é este:

Curta ou longa, condensada ou amplificada, frases ou palavras, a


antítese, para ser boa, deve sair do assunto logicamente, naturalmente,
imperiosamente.

É necessário que ela pareça não ter sido nem rebuscada, nem arquitetada, nem
combinada, mas involuntariamente demonstrada.

Somente os fatos a devem fazer brilhar, como a seiva faz abrir o gomo.

Diz Condillac que estas espécies de antíteses são sempre boas.

Na sua defesa de Milão, Cícero prova, com fatos, que é inverossímil que seu
cliente, tendo podido desembaraçar-se de Clódio facilmente e com segurança, procurasse
mata-lo nas circunstâncias mais favoráveis e correndo o risco de ser castigado.

Enunciar estes fatos é formular antíteses.


Cícero não era mestre que as não apresentasse. Diz ele:

Era lá possível que, depois de ter desprezado ocasiões, parar tirar a vida a
Clódio, com a aprovação geral, tivesse tomado essa resolução numa circunstância, em
que tal ação lhe devia criar tantos inimigos?
Podeis supor que, depois de ter respeitado a sua vida, quando lha poderia
arrancar com justiça, num lugar, num momento favorável, com a certeza da impunidade,
pudesse tenta-lo, contra toda a justiça, num lugar suspeito, numa circunstância
desfavorável, com o risco de ser punido severamente?

Cícero não criou estas antíteses.


São os fatos que falam.
Putarco diz:

Temístocles foi banido, depois de ter salvado a sua pátria; Camilo salvou
a sua pária, depois de ter sido banido. Camilo é o maior dos Romanos antes de
seu exílio; depois de seu exílio, é superior a si próprio.

Que haverá menos rebuscado e mais natural que esta oposição?


Citamos já defeituosas antíteses de Mignet.

Eis aqui uma, excelente, extraída do assunto, sem artifício nem esforço:

Séyés foi o amigo ou o mestre dos homens mais notáveis do nosso tempo.

Algumas ideias suas converteram-se em instituições. Viu, com um firme lance de


olhos, aproximar-se uma revolução, que se deveria fazer pela palavra e terminaria pela
espada.

Em 1789 deu a mão a Mirabeau para a começar; no 18 Brumário deu a mão a


Napoleão para acabar com ela, associando assim o maior pensador daquela revolução
ao seu mais brilhante orador e ao seu mais poderoso capitão.

Mignet, Páginas Escolhidas, p. 261.

Cada antítese corresponde aqui a um fato histórico. O autor desaparece e


diríamos que não teve necessidade de artifícios para reunir ideias opostas. Gués de
Balzac, grande amador de antíteses afetadas, teve algumas espontâneas, como estas linhas
à cerca de Montaigne:

Montaigne sabe bem o que diz, mas nem sempre sabe o que vai dizer.
Se pensa em ir a um lugar qualquer, o menor objeto que lhe passa diante dos
olhos fá-lo sair do seu caminho, para correr atrás desse segundo objeto.
Mas o importante é que ele se distrai com melhor resultado, que se fosse por
caminho direito.
As suas digressões são muito agradáveis e instrutivas.

De ordinário, quando deixa o bom, encontra o melhor, e é certo que nunca muda
de matéria, sem que o leitor lucre com esta mudança...

Isto é ainda antítese-tipo, sem palavras do autor.


Tudo é verdade. É Montaigne, o seu processo, a sua maneira de dizer.

Gués de Balzac desaparece. O mesmo Gués de Balzac escreve, falando da


Encarnação de Cristo:

Se nos transviámos, meu Deus, foi por vos termos seguido.


Se não escutamos a nossa razão, são causa disso os vossos milagres.
Se adoramos um homem, vós combinastes-vos com esse homem, para nos fazer
crer que ele era Deus.
Cedestes-lhe vosso poder, para nos obrigar a prestar-lhe o nosso culto.
Devemos se desculpados, meu Deus, por termos reconhecido aquele, que só
poderia ser vós, se vós próprio não nos viésseis declarar que ele era outro e não vós.

Estas admiráveis antíteses são dignas de Pascal.

Fixemos esta verdade fundamental:

Uma antítese só é boa pela verdade absoluta das coisas que exprime.
Eis aqui um último exemplo deste gênero superior de antítese, aplicado a uma
abstração.

Trata-se de definir o que deve ser a verdadeira conversação.

O tom da boa conversação é correntio e natural; não é pesado nem frívolo; é


discreto sem pedantismo, alegre sem ruído, cortês sem afetação, galante sem insipidez,
folgazão sem equívocos. Não são dissertações nem epigramas; raciocina-se sem
argumentar, graceja-se sem trocadilhos, associa-se com arte o espírito e a razão, as
máximas e os relevos, o engenhoso motejo e a moral austera.

Fala-se de tudo, para que todos tenham alguma coisa que dizer; não se
aprofundam os assuntos, com receio de enfado; propõem-se como de passagem, tratam-
se com rapidez, precisão e elegância.

Cada um diz a sua opinião, justifica-a em poucas palavras; ninguém ataca com
ardor o conceito de outrem; ninguém defende teimosamente o seu.

Discute-se para esclarecimento, para-se na disputa, divertem-se todos e todos


vão satisfeitos.

E o próprio sábio poderá trazer dessas instruções assuntos dignos de serem


meditados em silêncio. Rousseau, Nova Heloísa, II parte, carta XII.

Estas opiniões são excelentes, porque representam exatamente as ideias, as possiblidades,


o ideal que cada um forma de uma boa conversação.

Vê-se que ela deve ser assim. Os pontos de vista surgem de um assunto, que toda a gente
compreende de igual forma.
São fatos, verdades reconhecidas.

Não se pensa em Rousseau, mas na conformidade do que ele diz com o que nós
sentimos.

Habituemo-nos, portanto, a descobrir a antítese verdadeira que se pode extrair de um


pensamento.

É essa maleabilidade de espírito que é preciso adquirir como hábito.


Assim, acostumar-vos-eis a encarar as coisas sob o seu lado mais fértil, sendo os
contrastes recurso mais fecundo que as analogias e aproximações.

Há de haver hesitação em se fazerem más antíteses, no dia em que se souber como


se fazem as boas.

Eis aqui como Taine, que tem belos exemplos do estilo em antíteses, louva o estilo
antitético de Cornelis de Witt, autor de uma obra sobre Washington:

— As simetrias do pensamento são opostas, membro a membro, para que a


simetria dos rodeios torne evidente a simetria de ideias. E a frase, construída com a força
de um sistema, desenrola-se com a nobreza de um período. Eis aqui um exemplo:

De todas as funções do poder, aquela para que os partidos revolucionários tem


menos inteligência é a dos negócios estrangeiros.

Habituados a só tomarem sentido nas fantasias quiméricas do seu espírito ou nos


impulsos desregrados dos seus desejos, desconhecem o Direito das Gentes, os fatos
geográficos, as obrigações morais e os obstáculos materiais.

Eles mesmos, sem medida nos seus sentimentos, sem escrúpulos nos seus atos,
não podem compreender as simpatias nacionais, quando não vão até ao esquecimento
dos interesses nacionais, nem a habilidade diplomática, quando ela não toma o aspecto
da perfídia, nem a dignidade, quando não reveste as aparências da violência.

E Taine conclui:

— Não se trata do estilo facetado. Todos estes matizes e antíteses de palavras são
antíteses de pensamento. Taine. Artigo sobre Cornelis de Witt, na Revista da Instrução
Pública, Maio de 1855.

Na antítese se encarnou a grande arte de escrever, não só entre nós, mas entre os
Gregos.

Numa página, que é verdadeira lição de estilo prático, Mr. Croiset mostrou-nos de
que modo alguns escritores gregos exploraram voluntariamente a antítese.

Diz ele:
Górgias transformou principalmente a frase; tornou-a antitética e vibrante.
Apoiando-se na aptidão do gênio grego, para opor as ideias, duas a duas, fez
deste processo, até ali instintivo, um método: as ideias não mais se lhe
apresentaram senão aos pares, uma iluminando a outra pelo contraste.
Os pares, formados assim, quase sempre breves, desembaraçados de todo o
parasito, claros e empolgantes, juntaram-se uns aos outros, quase sem ligação, em frases
muitas vezes longas, de forma que produzissem sobre o espírito, pelo rodeio incessante
desses embates repetidos, uma impressão forte.

Tudo estava, aliás, calculado, para que a antítese sobressaísse.

Não só as palavras, mas até os membros das frases, assim opostos, tinham, tanto
quanto possível, o mesmo número de sílabas e apresentavam ao ouvido espécies de rimas
ou assonâncias, que tornavam sensível a relação das ideias.

Havia certamente nesta arte graves defeitos: primeiro, era de uma monotonia
fatigante e, quando ampliada, insuportável; o período de Isócrates, sem falar o de
Demóstenes, é muito mais variado nos seus efeitos e muito mais rico; é também
muito mais poderoso, mais capaz de arrastar. Demais, em toda esta simetria do
estilo de Górgias, o artifício é bastante visível; vai sempre até a puerilidade; as janelas
falsas abundam ali.

É muitas vezes a antítese o que dirige o escritor, como entre nós a


rima é o que dirige um mau poeta.
Estes defeitos são evidentes.

A glória de Górgias foi cedo contestada, e, contudo, era legítima em grande parte.

O que ele tinha inaugurado era um jogo de frase, de um ritmo já oratório e, além
disso, maravilhosamente concebido, para estimular a finura da inteligência.

O molde era bom; tratava-se somente de não abusar dele e depois enchê-lo bem.

Mas, já era muito o haver encontrado esse molde: quando a forma é nítida,
insensivelmente nela penetra o espírito. Disse La-Bruyère. A. Croiset, ed. Grega de
Tucídides.

A antítese, processo geral dos grandes escritores.

A antítese em Tácito. A antítese em Montaigne. As antíteses


de Pascal. O estilo de Bossuet. Processos de Bossuet. A antítese em
Rousseau. O estilo de Rousseau. A assimilação de Rousseau.
Lamennais, Robespierre. A antítese em Montesquieu. Perigos da
antítese: Fléchier. A antítese: Saint-Évremond e Balzac. Os
processos de Vítor Hugo. O estilo de Luís Blanc. A antítese em
Lamartine. Taine e a antítese.

Seria excessivo aconselhar ao comum dos leitores o estudo dos autores


gregos, para aprender os processos da antítese. (um belo exemplo da antítese entre
os gregos é a oração Sobre a Paz, de Isócrates).

Ocupar-nos-emos de escritores franceses, que, pela maior parte, formaram o seu


estilo sobre os modelos gregos e latinos.

Recomendaremos, sem reserva Montaigne, Pascal,


Bossuet, Montesquieu, J. J. Rousseau; depois, com grandes
reservas, Gués de Balzac, Saint-Évremond, Fléchier,
Duclos.

Diremos, finalmente, como pode ser vantajosa a leitura de alguns autores


contemporâneos, como Vitor Hugo, Lamartine e Luís Blanc.

Podereis observar-me porque é que vamos tão longe e nos contentamos com
os prosadores do nosso tempo... Ninguém, como Vitor Hugo, empregou mais
magistralmente a antítese.

Mignet praticou-a excelentemente.


Taine é exemplar a esse respeito.

Para que havemos de ler os autores antigos?

Responderemos: porque os escritores modernos são exemplos em


quarta mão, em quanto a antítese dos clássicos conserva o seu sabor latino;
porque o estilo dos clássicos está puro, em estado de barra não amoedada
ou de moeda não depreciada; porque há apenas um meio de renovar os
processos de escrever, é ir busca-los à sua fonte.; porque o talento dos
modernos não é mais que um reflexo do gênio clássico e toda a assimilação
deve ser direta para ser aproveitável.
A maior parte dos leitores, depois de terem experimentado as traduções, limitar-
se-á aos clássicos franceses.

Quanto aos que sabem latim e grego, andarão bem avisados em estudar o texto de
Tácito, de Demóstenes, de Cícero e principalmente de Sêneca.

Tácito é o exemplo imortal da condensação e da antítese, que deriva dos


fatos.

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