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MEMÓRIA COLETIVA, JORNAL E TRAGÉDIA: VOZES EM

CONFRONTO1

SOUSA, Carlienne de Paula2


CARDOSO, Francicleiton de Pinho3
LEAL, Ana Regina Barros Rêgo4

Resumo: A memória coletiva dos moradores residentes em povoados


atingidos pelo rompimento da Barragem Algodões I, em Cocal, Piauí, embaralha-se
com a memória social construída pelos meios de comunicação. O presente trabalho,
portanto, analisa como a mídia piauiense, através das matérias publicadas no Jornal
O DIA, quando do acidente, construiu uma memória coletiva em torno do
imaginário dos populares, que presenciaram a tragédia. O artigo visa correlacionar a
construção noticiosa à memória dos que ali viveram e vivem. A caracterização
engloba ainda a ideia de territorialização e desterritorialização, conceitos
amplamente utilizados na análise de desastres naturais e artificiais. No estudo foram
aplicados os métodos de Análise de Conteúdo nas reportagens sobre a temática entre
os dias 27 a 31 de maio de 2009, considerando que o acidente ocorreu, dentro deste
intervalo, no dia 27. A metodologia da história oral, por meio de entrevistas em
profundidade, foi utilizada para análise da memória individual e coletiva das pessoas
sobreviventes da referida tragédia.

Palavras-chave: história da mídia impressa, memória coletiva, história oral, Jornal


O Dia, barragem Algodões I.

INTRODUÇÃO

Os açudes inserem-se como autores de um processo histórico e identitário,


mantendo uma relação intrínseca entre os populares e a questão da seca, predominante
durante a política de suas implantações no Piauí. A mudança contínua que a criação
1
GT História da Mídia Impressa
2
Graduanda do curso de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo. Universidade Federal do Piauí.
3
Graduando do curso de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo. Universidade Federal do Piauí.
4
Doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) – Orientadora.
dessas barragens vai desencadeando dentro de um espaço-território possibilita um
processo de identidade cultural a partir do espaço e para Milton Santos (1985, p. 141)
uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço.

Segundo Lefébvre (RIOS, 2010, p. 222), o espaço é o lócus da reprodução das


relações sociais de produção.

Do espaço não se pode dizer que seja um produto com qualquer outro, um
objeto ou soma de objetos, uma coisa ou uma coleção de coisas, uma
mercadoria ou um conjunto de mercadorias. Não se pode dizer que seja
simplesmente um instrumento, o mais importante de todos os instrumentos, o
pressuposto de toda a produção e de todo o intercâmbio. Estaria
essencialmente vinculado com a reprodução das relações (sociais) de
produção (LEFÉBVRE apud RIOS, 2010, p. 222).

Como o autor destaca acima, podemos compreender o espaço como um local de


memória, onde residem e se concretizam fatos e cotidianos capazes de interferirem nas
relações sociais e no convívio dos indivíduos.

Algodões I, na cidade de Cocal, Piauí, nosso lócus empírico, nasce


circunstancialmente deste contexto. Açudes propiciados pela política do Estado, como é
o caso, provocam normalmente um processo de desterritorialização (HAESBAERT
COSTA, 1997), a saída do lugar de origem dessas famílias para outros espaços, além de
causar a desestruturação dos modos de vida das pessoas da região. Essa desestruturação
é ainda mais avassaladora ao passo que o açude/barragem Algodões I transformou, de
inúmeras formas, o modo de vida das pessoas que conviviam com a sua essência e
dependiam dele para o seu sustento.

A tragédia afetou diretamente a formação da memória individual e da memória


coletiva que a comunidade possuía antes, durante e depois do rompimento. Sendo que
parte dessas vivências foi retratas nas páginas dos jornais impressos piauienses devido à
gravidade do desastre. Dessa forma, o estudo busca intercalar e ao mesmo tempo
confrontar as notícias divulgadas no jornalismo impresso com os depoimentos coletados
diretamente dos personagens presentes no dia do ocorrido, identificando de que forma
elas se correspondiam.

Ao analisarmos o contexto de influência do nosso local de pesquisa na


construção de um novo modo de vida e na formação de uma memória individual e
coletiva nos indivíduos, nos propomos a investigar, sobretudo a forma como os
processos de deslocamento para a construção da barragem, depois pelo risco de
rompimento e mais tarde pela tragédia, explorada com detalhes a seguir, foi construindo
esse imaginário que nos propomos investigar. Ademais, este trabalho ainda dá conta de
como o processo de construção da memória pelos meios de comunicação foi sendo
elaborado por meios das reportagens publicadas pelo Jornal O DIA, quando da tragédia.

Estudar esse evento requereu visitas ao local para colher informações e discutir a
memória coletiva ali empregada aplicando o método de coleta da história oral
(THOMPSON,1992). Além disso, foi necessária uma análise documental, como
avaliação sistemática dos jornais da época do rompimento, para que fosse possível
comparar as diferentes nuanças de memória construídas.

Para isso, a pesquisa, inicialmente, coletou amostra de uma semana de


publicações de reportagens sobre o acidente no Jornal O Dia, veiculado principalmente
no estado piauiense. Depois, utilizou-se uma séria de depoimentos orais colhidos
aleatoriamente de moradores da região. Dessa forma, os conceitos de memória
individual e oral do teórico Maurice Halbwachs foram utilizados para estabelecer uma
conexão entre o jornalismo social e a vivência coletiva criando-se uma memória social e
coletiva.

1. UM OLHAR À MARGEM DO RIO E DA BARRAGEM DE ALGODÕES

Do alto da grande ladeira que dá acesso ao acanhado povoado de Franco de


Baixo na cidade de Cocal, Piauí, era possível ver, antes do dia 27 de maio de 2009, uma
imensa área verde irrigada pela alegria dos balneários e do chuveiro gigante. Agora,
quase quatro anos depois do rompimento da barragem Algodões I, nota-se apenas uma
igrejinha que, cercada de ruínas, impera. Seu padroeiro é São Gonçalo, santo protetor
das enchentes, na cultura popular católica.

Segundo os moradores das comunidades atingidas pela explosão da Barragem, na


terça-feira, 12 de maio de 2009, o açude deu seus primeiros sinais de desastre. O
volume de água ultrapassou os 52 milhões de litros suportáveis, como mais tarde foi
informado pelo engenheiro. Foi então que a água começou a escorrer pela enorme
escadaria que existia no lado direito da barragem e funcionava como sangrador.

Preventivamente as autoridades municipais exigiram a retirada de todas as


pessoas da região, uma vez que a previsão de alagamento era irremediável. A ordem era
que os moradores deveriam deixar as residências mais próximas. Sendo assim, as
famílias passariam a dormir nas escolas da região. Durante todo esse período, os
moradores se disseram preocupados com o que haviam deixado para trás, além do medo
e da vontade de voltarem para as suas casas, que os acompanhava com a
impossibilidade de retornarem por conta do risco eminente que era colocado pelas
autoridades municipais.

Depois da mudança e de terem sido levados aos abrigos da cidade de Cocal, os


populares tiveram a notícia de que poderiam voltar as suas residências porque todos os
riscos estavam superados. O engenheiro responsável pela obra confirmou o retorno,
assegurando que não havia nenhum risco para a população (Conforme figura abaixo).

Cerca de uma semana depois, no dia 27 de maio, a barragem rompeu. Os relatos


deste momento serão tratados adiante. Foram milhões de litros de água despejados em
uma onda de dez metros que varreu tudo o que havia num comprimento de três
quilômetros.

Atualmente, o terreno antes ocupado por cerca de 20 comunidades deu lugar a


um deserto de cinco mil quilômetros quadrados. O rio, em outro momento turbulento e
ameaçador, já não correm por conta da seca que se alastra na região. Ele tornou-se uma
estrada de terra grossa que está sendo aproveitada ilegalmente para a construção civil. É
possível ver, quando se está a sua margem, o que sobrou do paredão imenso, onde
intacto permanece escrito “BARRAGEM ALGODÕES”.

2. A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA EM ALGODÕES I


2.1 O processo territorial de memória

O processo de memória inclui uma problemática específica e ímpar no caso da


Barragem Algodões I, pois existe a fase de inundação de vários povoados, demandando
o esquecimento daquele local como referência de vida e de morte, no caso dos
cemitérios, que também foram encobertos pela violenta correnteza da água da
Barragem.

As problemáticas do rompimento destacam-se em deslocamento das pessoas da


região, inundação e afogamento de paisagens características do imaginário de cada um
daqueles que nasceram e moraram na região. A caracterização engloba ainda a ideia de
territorialização e desterritorialização (HAESBAERT COSTA, 1997, p. 40).

Para o autor (1997, p. 42), o processo de redistribuição de territórios influencia


diretamente no modo como as pessoas pensam e como apreendem suas memórias. Há,
antes de tudo, uma atribuição simbólica dentro do que ele chama de territorialização e
desterritorialização.

O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...), uma dimensão simbólica,


cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais,
como forma de “controle simbólico” sobre o espaço onde vivem (sendo
também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais
concreta, de caráter político-disciplinar (HAESBAERT COSTA, 1997, p.42).

Todos esses efeitos, que marcaram significativamente a memória de um povo,


foram sendo acumulado nas páginas dos jornais locais, com ênfase para o segundo
momento, onde a repercussão tomou corpo e foi parar sob os holofotes da mídia
nacional.
2.2 A construção da memória coletiva em Algodões I

“E não reconheceria mais tal lugar que passei


certamente uma ou várias vezes, nem tal pessoa
que certamente encontrei. Contudo, as
testemunhas estão lá”. (Maurice Halbwachs)

Segundo o teórico Maurice Halbwachs (HALBWACHS apud Leal, 2012, p.1), a


memória individual existe a partir da memória coletiva. Para ele, todas as lembranças
individuais são construídas no interior de um grupo social. Dessa forma, a “memória
individual não está isolada. (...) O suporte em que se apoia a memória individual
encontra-se relacionado às percepções produzidas pela memória coletiva”.
(HALBWACHS, 2004. apud CARVALHAL, 2006, p. 57-9).

A memória individual aproveita-se da memória dos outros para relembrar


situações, tendo em vista uma base comum: um emaranhado de experiências vividas ao
mesmo tempo pelas pessoas envolvidas diretas e indiretamente em um fato. Logo, as
memórias coletiva e individual estão interligadas na medida em que ambas estejam
inseridas em determinado grupo para que o mesmo episódio possa ser comum aos seus
membros.

Poderíamos dizer, também: é preciso que desde esse momento não tenhamos
perdido o hábito nem o poder de pensar e de nos lembrar como membro do
grupo do qual (...) nós mesmo fazíamos parte, isto é, colocando-se no seu
ponto de vista, e usando todas as noções que são comuns a seus membros.
(...) De uma maneira ou de outra, cada grupo social empenha-se em manter
semelhante persuasão junto a seus membros (HALBWACHS, 1990, p. 28 -
47).

Portanto, existe uma relação inseparável entre os dois tipos de memória porque
não será possível o indivíduo lembrar vivências de um grupo com a qual suas
lembranças não se identificam, pois as memórias de um indivíduo nunca serão somente
suas e nenhuma lembrança pode existir apartada da sociedade.

Para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos
tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de
concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre
uma e outras para que a lembrança que nos recordam possa ser reconstruída
sobre um fundamento comum. (...) É necessário que esta reconstrução se
opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no
nosso espírito como nos dos outros, porque elas passam incessantemente
desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e
continuam a fazer parte de uma mesma sociedade (HALBWACHS, 1990, p.
34).

Segundo a autora Leal (2012, p. 4 - 6), cada memória individual seria um ponto de
vista sobre a memória coletiva e esta percepção muda segundo o lugar que o individuo
ocupa na sociedade. E esse mesmo lugar, dependendo das relações mantidas com outros
ambientes, poderá sofrer influências diversas.
A memória coletiva tira suas forças e sua duração do fato de ter por suporte
um conjunto de homens, não obstante eles são indivíduos que se lembram,
enquanto membros do grupo. Dessa massa de lembranças comuns, e que se
apoiam uma sobre a outra, não são as mesmas que aparecerão com mais
intensidade para cada um deles. Diríamos voluntariamente que cada memória
individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de
vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda
segundo as relações que mantenho com os meios. Não é de admirar que, do
instrumento comum, nem todos aproveitam do mesmo modo. Todavia
quando tentamos explicar a diversidade, voltamos sempre a uma combinação
de influências que são, todas de natureza social (HALBWACHS, 1990, p.
51).

A construção de memória coletiva do rompimento da barragem de Algodões I e


suas consequências para os moradores da região é como “se confrontássemos vários
depoimentos. É porque concordam no essencial, apesar de algumas divergências, que
podemos reconstruir um conjunto de lembranças de modo a reconhecê-lo.”
(HALBWACHS, 1990, p. 25). Sendo assim, cada pessoa dos povoados afetados possui
uma memória individual baseada na memória coletiva construída por todos eles, no dia
27 de maio de 2009.

Através das diferenças experiências pessoais de um episódio em comum e a


afirmação dessa memória coletiva fizeram com que os jornalistas, de diferentes formas,
unissem os principais atores desse rompimento com aqueles que longe dali estiveram, e
estão. Os relatos das lembranças de hoje não são mais as mesmas de ontem, apesar de
terem vivido o mesmo evento, os moradores diante de tantas informações repassadas
pelos meios de comunicação tiveram visões diferentes do mesmo assunto.

Os que tiveram suas casas e suas vidas modificadas por esse acidente possuem
recordações coletivas, e elas são lembradas pelos outros não afetados mesmo que se
trate de acontecimentos vividos somente pelos moradores daquela região, e com objetos
que só eles viram. O sentimento e a construção da memória coletiva deles faz com que
os mesmos possam “lembrar à vontade, diremos voluntariamente que eles não
pertencem aos outros, mas a nós, porque ninguém além de nós pode conhecê-los”
(HALBWACHS, 1990, p. 49).

A oralidade dentro das narrativas dos atingidos evidencia que a memória guardada
pelos atores sociais que participaram ativamente do processo é diferença daquela que foi
captada enquanto o acontecimento se desenrolava pela mídia impressa. Neste estudo, o
processo de apreensão da história oral do povo da região se deu gradativamente por
meio de visitas de campo. Para Thompson (1992, p.44) a história oral é uma narrativa
construída em torno de pessoas:

Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de
ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria
desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem
companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai
a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e
especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o
contato – e,pois, a compreensão – entre classes sociais e entre gerações. E
para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções,
ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada
época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais completos.
Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da
história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para
uma transformação radical no sentido social da história (THOMPSON, 1992,
p.44).

Dentro desta perspectiva de Thompson, em analisar a história oral como


condutora de uma memória recheada de marcas históricas, heroísmos e sentimento de
pertencimento, foi possível evidenciar que a população de Cocal, que residia nos
povoados arredores do açude/barragem Algodões I, tem marcas profundas e uma
memória estritamente pessoal.

3. A MEMÓRIA COLETIVA IMPRESSA NAS PÁGINAS DO JORNAL O


DIA

Para Halbwachs (1990, p. 49), os fatos comumente apreendidos pela nossa


memória, dos quais teremos domínio regular e melhor lembrança, são aqueles que
fazem parte do que ele chama de ‘domínio comum’.

Os fatos e as noções que temos mais facilidade em lembrar são do domínio


comum [os publicados em jornais impressos, por exemplo], pelo menos para
um ou alguns meios. Essas lembranças estão para ‘todo o mundo’ dentro da
medida, e é por podermos nos apoiar na memória dos outros que somos
capazes, a qualquer momento, e quando quisermos, de lembrá-los
(HALBWACHS, 1990, p. 49).

Dentro deste contexto, o autor inclui que a produção jornalística firma uma
memória estritamente popular possibilitando que um conjunto maior da população viva
algo específico de um grupo. É também nesta linha de raciocínio, que Le Goff (1992, p.
53) assegura que a memória oral repassada ao contexto escrito permite a expansão de
informações para além do grupo que vivia determinado fato.

É claro que a passagem do oral ao escrito é muito importante, quer para a


memória, quer para a história. Mas não devemos esquecer que: 1) oralidade e
escrita coexistem em geral nas sociedades e esta coexistência é muito
importante para a história; 2) a história, se tem como etapa decisiva a estrita,
não é anulada por ela, pois não há sociedades sem história (LE GOFF 1992.
p. 53).

Nesse sentido, exploraram-se as matérias divulgadas no Jornal O DIA, de


Teresina, capital do estado do Piauí, sobre o acidente na tentativa de destacar como a
memória oral daquele povo tornou-se aspectos relevantes na produção jornalística.

A primeira manchete sobre o caso foi escrita no dia 28 de maio de 2009, a


quinta-feira que seguiu o acidente: “Barragem rompe e coloca 10 mil pessoas em
perigo” é um anúncio de algo que aconteceu, mas não delimitado como ‘desastre’. É
evidenciado no texto que duas equipes do corpo de bombeiros teriam sido enviadas para
o local e que a situação da barragem vinha sendo monitorada há dias, embora o mesmo
jornal não destaque nos dias anteriores ao do rompimento matérias relacionadas ao
perigo que a barragem representava.

A página 04, do extinto caderno Dia a Dia, informava apenas o rompimento do


canal e não o desastre em si, como forma de não colocar em questão a alerta do
acidente.
A Barragem Algodões I, ao Norte do Piauí, voltou a representar risco para
cerca de duas mil famílias que moram na área. Em nota divulgada pela
Emgerpi [Empresa de Gestão de Recursos do Piauí], faz o seguinte [sic]
esclarecimento: Em função das fortes chuvas dos últimos dias em Cocal da
Estação, houve o deslocamento da ombreira esquerda do canal do
sangradouro ao lado da barragem e não o rompimento da barragem do
reservatório de Algodões I, o qual permanece intacto. [...] O engenheiro e
projetista da Luis Hernani esteve na barragem Algodões no último dia 21 e
informou não haver risco de rompimento do reservatório. (O DIA,
28/05/2009, p. 04)5

Nesta primeira matéria não há nenhuma preocupação em tomar parte das pessoas
que já sofriam com o rompimento. Os personagens principais do momento são
silenciados pela preocupação de explicar o que aconteceu tecnicamente. A empresa
governamental responsável é mais questionada no momento.

5
Grifo dos autores
Desse fato, os moradores apreendem em suas memórias conflitos significativos e
que são parte de uma narrativa inscrita no cotidiano deles depois daquele dia. Não há
nenhuma preocupação marcadamente de como tudo aconteceu, mas desespero em suas
falas. Como é o caso de Socorro Santos, que em seu relato descreve emocionalmente o
que foi o acidente.

27 de maio. Esse dia nunca vai sair da minha cabeça. Quando a gente
escutou a água, nós tentamos sair, mas a água já pegou a gente. É muito
difícil. Muito difícil. Perdi minha família. [...] Se eu encontrasse minha filha,
viva ou morta, talvez eu vivesse uma vida normal, mas sem ela num tem
condição. (Comunicação oral, Socorro Santos, moradora do povoado Angico
Branco)6

A fala de Socorro coloca de antemão a preocupação com a data, da qual ela tenta
esquecer, mas reafirma nunca sair de sua cabeça.

No dia seguinte (29), o jornal destacava a sua segunda manchete sobre o


acidente com uma frase mais sólida, transmitindo uma ideia mais dura a respeito do
acidente. “Tragédia em Cocal” foi colocada em ênfase na capa do jornal, que dedicava
ainda mais três chamadas para o acidente, somando metade da primeira página.

Na chamada principal são anunciadas quatro mortes por conta do acidente e o


desaparecimento de mais onze pessoas. No caderno de política (O DIA, 29/05/2009, p.
03) é destacado ações governamentais para mobilização de políticas públicas em favor
dos desabrigados, bem como a postura do então governador do Estado, Wellington Dias,
que disse ter presenciado um “cenário de destruição”.

No Dia a Dia da mesma sexta-feira, uma página inteira é dedicada à tragédia (O


DIA, 29/05/2009, p. 05). “Barragem rompe em Cocal e arrasta vidas” é uma matéria que
busca tratar de modo mais comovente com a memória local do povo da região,
destacando o personagem Francisco das Chagas Portela, que não é morador da região. O
chapéu da matéria, “TRAGÉDIA” ocupa uma parte significativa da página em letras
garrafais, voltando a enfatizar o cenário desastroso de Algodões I.

Francisco das Chagas Portela trabalha como vendedor de verduras em feira e


no mercado de Cocal da Estação, [...] Natural de Buriti dos Lopes, ele

6
Entrevista realizada pelo coautor deste trabalho, Francicleiton de Pinho Cardoso. Grifos do autor.
escolhia a comunidade Franco, na Zona Rural de Cocal, para passar o
domingo com a esposa [...] (O DIA, 29/05/2009, p. 05).

Outro personagem, morador do local é citado na matéria, mas sem tanta ênfase.
Em confronto, a matéria não fala novamente da hora do acidente, nem de como isso
modificou o modo de vida das pessoas da região, como fica claro na fala de Valdir:

A água levou tudo. Só deixou a igreja e o pé de figueira. Nós fazia farinha


direto aqui, mas a água levou tudo, até os pneus7. (Comunicação oral, Valdir
Calatati, morador do povoado Recanto) 8

No sábado, 30 de maio de 2009, o jornal volta a usar o chapéu “TRAGÉDIA”


em maiúsculas, mas agora na capa, que estampa a manchete “MPF, Polícia Federal e
TCU querem culpados”. A primeira página ainda destaca o crescimento do número de
mortos para seis e o problema com estradas da região por conta do rompimento. Toda a
página cinco do sábado é destinada ao acidente, destacando de modo especial o número
de mortos. (O DIA, 30/05/2009, p. 05).

A última manchete sobre o acidente é a do dia 31 de maio de 2009, que enfatiza


novamente o número de mortos, e dedica meia página de capa para matérias
relacionadas. Embora destaque ainda o estudo para análise dos motivos que levaram ao
rompimento. O jornal já não trata do acidente como enfoque central das notícias.

De um modo geral os jornais não se manifestam sobre a perda da memória


daquele povo, nem procura consultar um especialista que fale sobre esse ponto,
destacado pela maioria dos entrevistados, como foi o caso de Antônio Enfermeiro,
morador do povoado Boíba.

E é uma perda muito grande, por que perder memórias é uma das perdas
piores que existe não é, memória é uma coisa que a gente constrói com tanto
trabalho né e ai a água vem e leva a memória. Olha, às vezes a gente fica, a
gente fica pensando assim não é , quando eu era criança depois de adulto
depois de meus filhos, tá entendendo, entrava na casa do meu avó pela porta
da frente, pela porta da cozinha, ninguém tomava banho e voltava
novamente, tá entendendo, imaginava assim, a casa de farinha imaginava a
cozinha da minha avó, imaginava o caixão de farinha do meu avô, com
alguma coisa encima que agente pegava pra comer, tá entendendo, e se hoje
existisse, certo, a gente, sei lá, pelo menos seria diferente, que hoje não existe
mais, a gente só lembra, na verdade não existe. (Comunicação oral Antônio
Enfermeiro, moradora do povoado Boíba)9

7
‘Pneus’ são os utensílios usados para o alojamento da goma, nas casas de farinha. (Grifos dos autores)
8
Idem.
9
Idem.
Na fala de Antônio, bem como na fala de muitos entrevistados, é evidenciado
mais uma vez o silêncio em torno da situação social em que se encontraram os
atingidos, provocado pelos meios de comunicação.

CONCLUSÃO
Entender o processo de construção da memória coletiva dos moradores dos
povoados atingidos pelo rompimento da Barragem Algodões I está para além de
interpretar as matérias publicadas em torno do acidente, considerando que o fato em si
não foi representado de forma mais abrangente nas páginas do jornal analisado.
Durante a análise foi observado que as matérias não incluem uma participação direta
dos moradores da região, o que dificulta uma melhor compreensão de como a tragédia
afetou a vida das pessoas.

Com isso, evidenciou-se que os moradores não se sentiram representados pelas


matérias escritas no Jornal O Dia, dentro do período analisado. Isto é, a memória
coletiva dessas pessoas foi repassada à sociedade sem assemelhar-se com a experiência
de vida daqueles que viveram diretamente a tragédia. Ressalta-se que a memória
coletiva sobre o acidente retratado pelo jornal, que difere daquela dos moradores
atingidos, tornou-se senso-comum para muitas pessoas, dificultando uma compreensão
social ampla em torno do acidente.

A pesquisa em torno dos jornais, como delimitado, demonstrou ainda que houve
uma preocupação maior com respeito à política em torno do caso e em encontrar o
culpado pelo acidente, e esqueceu o acidente como transformação social e cultural na
vida dos moradores da região. Além disso, não há uma preocupação em dar voz aos
sujeitos afetados, uma vez que nas matérias foram identificadas poucas falas dos
moradores. Os depoimentos técnicos e de especialistas foram os mais evidentes. Dessa
forma, mostrou-se que as falas das autoridades governamentais e pareceres técnicos
eram mais importantes do que o cotidiano interrompido de forma inesperada.

Vale considerar que a distância e a inacessibilidade do local em que ocorreu a


tragédia não contribuíram para que os meios de comunicação se infiltrassem no
cotidiano dos indivíduos. Além disto, todos os atingidos foram retirados do local, o que
desfavoreceu a presença de fonte.

BIBLIOGRAFIA

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