[NOTAS E RESUMO]
PARTE I - Introdução
Nos Evangelhos, as realidades da vida terrena de Cristo “se tornam figuras da vida
gloriosa da Igreja”, particularmente no que diz respeito à dimensão sacramental. Assim,
encontram-se nesses textos bíblicos diversas “ressonâncias batismais e eucarísticas”,
tais como a multiplicação dos pães e o sangue e água jorrando do lado aberto de Cristo
crucificado.
As figuras sacramentais em questão “aparecem, em particular, no prolongamento
direto de episódios do Antigo Testamento: o maná e o rochedo do Horeb”. O esquema
simbólico do Evangelho de João é o seguinte: “a vida de Jesus projeta-se, de uma parte,
no plano de fundo do Êxodo e torna-se, por sua vez, a figura da vida sacramental da
Igreja”.
Dois episódios de João são abordados neste capítulo para se explanar o simbolismo
sacramental: a piscina de Betesda (figura do batismo) e as núpcias de Caná (figura da
eucaristia).
unção); essa ação contrasta com a dos demônios, os quais comunicam malefícios por
sua ação sobre as águas de piscinas termais e cisternas das casas. A esse respeito,
Orígenes já salientava que, no batismo, a alma, antes sob o poder de Satanás, é confiada
a um anjo presente no batismo como ministro invisível do sacramento. Por sua vez, Erik
Peterson argumenta que, sendo o batismo sacramental “uma antecipação do batismo
escatológico”, “a função do anjo nele é normal”.
Dídimo: “lembrando um pouco mais do que já fizemos, todos estão de acordo em ver
uma figura do batismo nessa piscina de Jerusalém, cujo nome é Betesda. Trata-se de
uma figura, não da realidade. Com efeito, a imagem é para um tempo, a realidade é
eterna”.
Santo Ambrósio: “Por que um anjo? É que o mesmo [Cristo] é o Anjo do grande altar. À
sua hora, porque ele estava reservado para a última hora, a fim de completar o dia que
terminava e parar o seu término. Todas as vezes que o anjo descia, a água era agitada.
Pode ser que tu digas: por que não acontece mais agora? Escuta o porquê. Os sinais são
para os incrédulos, a fé para os crentes”. Ambrósio também comenta, pautando-se na
fé na Encarnação, que o paralítico não podia descer, pois era-lhe necessária a fé no
Verbo Encarnado: “pois, de onde vem o batismo, senão da morte de Cristo?”. Ele, afinal,
insistia na “característica universal da salvação trazida por Cristo”.
São João Crisóstomo: “mesmo que tu lances o universo inteiro dentro da piscina, a força
da graça não é diminuída, mas cura a todos; é a diferença entre o poder dos servidores
e a autoridade do mestre”.
é esperado, (...) e não fiquemos sem (...) o medo de ser excluídos da câmara nupcial. Lá
não haverá lugar nem para a pessoa arrogante e negligente, nem para aquele que
estiver vestido com uma veste suja e não com as vestes nupciais”.
“A propósito da refeição escatológica”, as refeições de Cristo “manifestavam que esta
já tinha se cumprido pela sua vinda à terra. (...) E, ao mesmo tempo, as refeições de
Cristo são figuras dos sacramentos”. Nesse sentido, as bodas de Caná, episódio análogo
ao da multiplicação dos pães, é o cumprimento do banquete nupcial escatológico.
O episódio das bodas de Caná fazem alusão à Paixão de Cristo (“minha hora ainda não
chegou”, “três dias”, a transformação da água no vinho como figura do sangue
derramado na cruz, que aboliu as purificações legais judaicas). No vinho eucarístico, é
significada e operada a participação no banquete nupcial.
Baseando-se em São Cipriano (“porque a graça espiritual faltava aos judeus, o vinho
também lhes faltava”), afirma-se que “as bodas de Caná figuram a união de Cristo com
a Igreja. Para ela as nações são convidadas”, como significa a substituição da água de
purificação judaica pelo vinho, símbolo da alegria messiânica, “e a refeição eucarística é
o sacramento da participação das nações nesse banquete espiritual”.
O episódio em questão traz dois símbolos que dizem respeito à eucaristia: o vinho, sinal
visível do sacramento; e as núpcias, símbolo da união de Cristo com a Igreja na alma do
cristão através da eucaristia.
Há uma interpretação antiga (Tertuliano; prece siríaca de bênção da água na vigília da
Epifania) que remete as bodas de Caná ao batismo, como figura, acentuando o
simbolismo da água.
“A iniciação cristã apareceu como a celebração das bodas de Cristo com a Igreja”, como
pode-se observar na liturgia romana da festa da Epifania, a qual contempla o milagre
das bodas de Caná (cf. antífona do Benedictus).