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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 600


Arguentes: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Associação
Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais
Arguida: Câmara Municipal de Londrina
Relator: Ministro ROBERTO BARROSO

Constitucional. Emenda nº 55/2018 à Lei Orgânica


do Município de Londrina/PR, que proíbe, em todas
as dependências das instituições da Rede Municipal
de Ensino, a aplicação da ideologia de gênero ou do
conceito de gênero estipulado pelos Princípios de
Yogyakarta. Preliminar. Ilegitimidade ativa ad
causam de uma das arguentes. Mérito. Usurpação da
competência legislativa da União para editar normas
gerais sobre educação e ensino. Artigos 22, inciso
XXIV; e 24, inciso IX, da Constituição da República.
Manifestação pela exclusão da requerente ilegítima
do polo ativo da presente arguição e, no mérito, pela
procedência do pedido formulado na inicial.

Egrégio Supremo Tribunal Federal,

O Advogado-Geral da União vem, em atenção ao despacho exarado


pelo Ministro Relator em 14 de agosto de 2019, manifestar-se quanto à presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental.
I – DA ARGUIÇÃO

Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental,


com pedido de medida cautelar, proposta pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação – CNTE e pela Associação Nacional de Juristas pelos
Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Transgêneros e Intersexuais – ANAJUDH LGBTI, tendo por objeto a Emenda nº
55/2018 à Lei Orgânica do Município de Londrina/PR, que possui o seguinte teor:

Art. 1º A Lei Orgânica do Município de Londrina passa vigorar


acrescida do artigo 165-A, com a seguinte redação:

“Art. 165-A. Ficam vedadas em todas as dependências das


instituições da Rede Municipal de Ensino a adoção, divulgação,
realização ou organização de políticas de ensino, currículo
escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa, ou
ainda atividades culturais que tendam a aplicar a ideologia de
gênero e/ou o conceito de gênero estipulado pelos Princípios de
Yogyakarta.”

Art. 2º Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação,


revogadas as disposições em contrário.

As autoras sustentam, de início, a inconstitucionalidade formal da


emenda impugnada, por ofensa à competência privativa da União para legislar
sobre diretrizes e bases da educação nacional, prevista no artigo 22, inciso XXIV,
da Carta Republicana1.

Asseveram, outrossim, que o ato questionado, ao proibir a aplicação


da ideologia de gênero ou do conceito de gênero estipulado pelos Princípios de
Yogyakarta no âmbito escolar, ofenderia os postulados da igualdade, do repúdio
à discriminação e da prevalência dos direitos humanos (artigos 3º, incisos III e

1
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;”

2
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
IV; 4º, inciso II; e 5º, caput e inciso XLI, da Carta de 19882); a liberdade de
expressão (artigo 5º, incisos IV e IX, da Lei Maior3); os deveres estatais de
proporcionar acesso à cultura e à educação e de combater a desigualdade e a
marginalização social (artigo 23, incisos V e X, do texto constitucional4); e os
direitos das crianças, adolescentes e jovens à educação, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (artigos 205 e 227 da
Carta5);

Por fim, defendem que o diploma atacado cercearia o pluralismo de


ideias e concepções pedagógicas, bem como afrontaria a liberdade de aprender,

2
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.”

“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
II - prevalência dos direitos humanos;”

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;”
3
“Art. 5º (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;”
4
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
(...)
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores
desfavorecidos;”
5
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
3
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, razão pela qual seria
incompatível com o artigo 206, incisos II e III, da Constituição6.

Com esteio nesses argumentos, as arguentes pedem, liminarmente, a


suspensão dos efeitos da emenda hostilizada e, no mérito, a declaração da sua
inconstitucionalidade.

O processo foi despachado pelo Ministro Relator ROBERTO


BARROSO, que, nos termos do rito previsto pelo artigo 5º, § 2º, da Lei nº
9.882/1999, solicitou informações ao requerido, bem como determinou a oitiva
do Advogado-Geral da União e da Procuradora-Geral da República, no prazo
comum de 5 (cinco) dias.

Na sequência, vieram os autos para manifestação do Advogado-


Geral da União.

II – PRELIMINAR

Cumpre destacar, inicialmente, que a Associação Nacional de


Juristas pelos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais, Transgêneros e Intersexuais – ANAJUDH LGBTI carece de
legitimidade para figurar no polo ativo da presente arguição.

Com efeito, a autora não se reveste da natureza de entidade de classe


para o fim previsto no artigo 103, inciso IX, da Carta Magna7, pois não representa

6
“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino;”
7
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade:
(...)
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
4
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
uma categoria econômica ou profissional determinada.

Segundo se depreende dos artigos 5º e 6º do seu Estatuto Social (fls.


02/03 do documento eletrônico nº 03), a ANAJUDH LGBTI agremia não apenas
advogados, como também bacharéis e graduandos em direito ou qualquer pessoa
interessada que exerça atividade profissional relacionada às suas finalidades
institucionais, ainda que destituída de formação jurídica. Veja-se:

Art. 5º - A ANAJUDH-LGBTI será formada por número ilimitado de


pessoas associadas, graduandas ou bachareladas em Direito, que
tenham o compromisso de cumprir o presente Estatuto.

Parágrafo único. Poderá adquirir a qualidade de associada, a critério do


Conselho Diretor, após solicitação da interessada, a pessoa que
demonstre em sua área de atuação profissional afinidade com a
finalidade da Associação, mesmo não possuindo formação jurídica.
Perderá a qualidade de associada a pessoa que assim desejar mediante
requerimento ao Presidente ou em razão de decisão unânime do
Conselho Diretor, da qual não caberá recurso à Assembleia
subsequente.

Art. 6° - Haverá as seguintes categorias de pessoas associadas:


I- Associadas fundadoras: aquelas que participaram da Assembleia
Geral de Fundação da ANAJUDH-LGBTI e assinaram a Ata da
Fundação, com direito a votar e ser votada em todos os níveis ou
instâncias; ou que participaram da assembléia de eleição da diretoria
definitiva;
II - Associadas efetivas: aquelas pessoas físicas que, identificadas com
os objetivos da entidade, solicitarem seu ingresso e pagarem
contribuições correspondentes. Possuem direito a votar em todos os
níveis ou instâncias da associação e a ser votadas após um ano de
filiação;
III - Associadas beneméritas: aquelas pessoas físicas ou jurídicas que,
pela elaboração ou prestação de relevantes serviços às finalidades da
ANAJUDH-LGBTI, fizerem jus a este título, a critério do Conselho
Diretor.

A requerente não representa, portanto, os interesses de uma classe


específica, mas congrega pessoas que têm como único liame o fato de exercerem
atividades afins às suas finalidades institucionais de “defesa do direito à
igualdade, promoção de direitos humanos da população LGBTI e a

5
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
formação de juristas para atuarem nas demandas envolvendo Diversidade
Sexual e de Gênero” (fl. 01 do documento eletrônico nº 03).

A respeito do assunto, a jurisprudência dessa Suprema Corte é no


sentido de que somente possuem legitimidade para instaurar o controle
concentrado de constitucionalidade as associações que congregam pessoas
componentes de determinada categoria econômica ou profissional homogênea.
Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR 116/2013
MODIFICADA PELA LEI COMPLEMENTAR 157/2016. IMPOSTO
SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISS). PLANOS
DE SAÚDE. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS
COOPERATIVAS (CNCOOP) E UNIMED DO BRASIL
(CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS COOPERATIVAS
MÉDICAS). CNCOOP – HETEROGENEIDADE DA COMPOSIÇÃO
E FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. UNIMED - NÃO SE
CARACTERIZA COMO CONFEDERAÇÃO SINDICAL NOS
TERMOS DO ART. 103, IX. AGRAVO REGIMENTAL
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A heterogeneidade da
composição da CNCOOP, congregando agentes de diversos ramos,
conforme disposições estatutárias, e comprovado pela autora, faz
com que não se enquadre como entidade de classe de âmbito
nacional nos termos do art. 103, IX da Constituição. Precedentes:
ADI 3.900, Rel. p/ acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe de
8/11/2011; ADI 4.230-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe
14/9/11; ADI 4.660-AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno, DJe de
8/5/2017; ADI 42, Rel. Min. PAULO BROSSARD, Pleno, DJ de
2/4/1993. 2. Ainda que se reconhecesse à CNCOOP homogeneidade
suficiente para proposição de ação direta de inconstitucionalidade,
ainda se veria ausente o pressuposto da pertinência temática. Não há
referibilidade direta entre o preceito estatutário da autora de
“representar os interesses gerais da respectiva categoria (cooperativas)
e seus filiados” e norma que alterou a sistemática de recolhimento do
ISS. O liame mediato, indireto, não satisfaz o requisito da pertinência
temática. Precedentes: ADI 5.023-AgR, Rel. Min. ROSA WEBER,
Pleno, DJe 6/11/2014; ADI 4.722, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Pleno,
DJe de 14/2/2017. 3. Também a UNIMED não comprovou sua
legitimidade para propositura da ação, visto que, nos termos do seu
estatuto, configura-se como “sociedade simples de responsabilidade
limitada” representativa do “Sistema das Sociedades Cooperativas
UNIMED”, incapaz de representar toda a categoria e, portanto, incapaz
de cumprir os requisitos do art. 103, IX, para configurar uma

6
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
confederação sindical nos termos da Constituição. 4. Agravo
Regimental conhecido e não provido.
(ADI nº 5844 AgR, Relator: Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Órgão
Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 22/02/2019, Publicação em
11/03/2019; grifou-se);

Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Associação


Brasileira de Inquilinos (art. 103, IX, da Constituição Federal). Uma
associação de inquilinos - reunindo pessoas ligadas, apenas, pelo
interesse contingente de estarem na mesma posição jurídica de
partes, em relações distintas de contratos de locação, mas sem
integrar a mesma categoria econômica ou profissional - não é
entidade de classe, legitimada à propositura de ação direta de
inconstitucionalidade, prevista no art. 103, IX, da Constituição Federal.
Ação não conhecida, por ilegitimidade ativa “ad causam”.
(ADI nº 900 QO, Relator: Ministro SYDNEY SANCHES, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 23/09/1993, Publicação em
26/11/1993; grifou-se).

Conclui-se, destarte, que a ANAJUDH LGBTI deve ser excluída do


polo ativo da presente arguição.

III – MÉRITO

Como visto, as arguentes questionam a validade da Emenda nº


55/2018 à Lei Orgânica do Município de Londrina/PR, que proíbe “em todas as
dependências das instituições da Rede Municipal de Ensino a adoção,
divulgação, realização ou organização de políticas de ensino, currículo escolar,
disciplina obrigatória, complementar ou facultativa, ou ainda atividades
culturais que tendam a aplicar a ideologia de gênero e/ou o conceito de gênero
estipulado pelos Princípios de Yogyakarta”.

De acordo com a petição inicial, referido diploma seria incompatível


com os artigos 3º, incisos III e IV; 4º, inciso II; 5º, caput e incisos IV, IX e XLI;
22, inciso XXIV; 23, incisos V e X; 205; 206, incisos II e III; e 227 do texto
constitucional.

Sobre a matéria, cumpre notar que a Constituição Federal traça, por


7
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
meio de seus artigos 21 a 24, o sistema de repartição de competências legislativas
e administrativas das unidades políticas, conformando o núcleo8 do federalismo
brasileiro (artigos 1º, caput; 18; e 60, § 4º, inciso I, da Carta Magna9). Amparada
no critério da predominância do interesse, a Lei Maior atribui à União
competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. A esse
respeito, confira-se o teor do artigo 22, inciso XXIV, da Carta:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


(...)
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

Desse modo, a disciplina legal dos temas relacionados a diretrizes e


bases da educação deve ser estabelecida pela União. Essa regra somente pode ser
excepcionada nos termos do artigo 22, parágrafo único, da Constituição Federal,
que condiciona a atuação legislativa dos Estados-membros, quanto ao tema, à
existência de lei complementar federal que os autorize a dispor sobre questões
específicas. Observe-se:

Art. 22. (...)

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a


legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste
artigo.

8
Conforme assevera José Afonso da Silva, “na teoria do federalismo costuma-se dizer que a repartição de poderes
autônomos constitui o núcleo do conceito de Estado Federal. ‘Poderes’, aí, significa a porção de matérias que a
Constituição distribui entre as entidades autônomas e que passam a compor seu campo de atuação governamental,
suas áreas de competência”. SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 260.
9
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)”

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;”
8
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
Na mesma linha, o artigo 24, inciso IX, da Carta da República
estabelece a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o
Distrito Federal para dispor sobre educação e ensino, cabendo ao ente central a
primazia acerca da elaboração das normas gerais sobre a matéria, de modo a fixar,
no interesse nacional, as diretrizes que devem ser observadas pelas demais
unidades federativas.

Por sua vez, aos Estados e ao Distrito Federal cabe suplementar a


legislação nacional, o que significa, nas palavras de José Afonso da Silva, “o
poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas
gerais ou que supram a ausência ou omissão destas”10. A propósito, confira-se o
teor do artigo constitucional referido, in verbis:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
(...)
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa,
desenvolvimento e inovação;
(...)

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União


limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não


exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão


a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a


eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Acerca do que sejam normas gerais, Diogo de Figueiredo Moreira


Neto11 ressalta que lhes cabe o estabelecimento de diretrizes nacionais, restando
aos Estados-membros editar normas particularizantes que permitam a aplicação

10
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 481.
11
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das
normas gerais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 25, nº 100, out./dez. 1988, p. 159.
9
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
daquelas em seus respectivos âmbitos políticos. Confira-se:

(...) normas gerais são declarações principiológicas que cabem à União


editar, no uso de sua competência concorrente limitada, restrita ao
estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que
deverão ser respeitadas pelos Estados-Membros na feitura de suas
legislações, através de normas específicas e particularizantes que as
detalharão, de modo que possam ser aplicadas, direta e imediatamente,
às relações e situações concretas a que se destinam, em seus respectivos
âmbitos políticos.

No mesmo sentido, Gilmar Ferreira Mendes12 destaca que normas


gerais correspondem às disposições “não-exaustivas, leis-quadro, princípios
amplos, que traçam um plano, sem descer a pormenores”.

Nesse contexto normativo, o artigo 22, inciso XXIV, da Lei Maior,


ao conferir à União competência para dispor sobre diretrizes e bases da educação
nacional, nada mais faz do que explicitar a atribuição do legislador federal de
definir as normas gerais sobre educação, as quais constam, essencialmente, da Lei
nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A esse respeito,
confira-se o entendimento de José Afonso da Silva13:

(...) a legislação concorrente da União sobre as matérias indicadas


supra se limitará a estabelecer normas gerais. Nisso a Constituição foi,
às vezes, redundante. Por exemplo, no art. 22, XXIV, dá como
privativo da União legislar sobre diretrizes e bases da educação
nacional, enquanto, no art. 24, IX, combinado com o § 1º, declara
caber-lhe legislar sobre normas gerais de educação, não há nisso
incoerência, como pode parecer. Legislar sobre diretrizes e bases da
educação nacional e sobre normas gerais somam, no fundo, a mesma
coisa.

No que se refere aos Estados-membros e ao Distrito Federal, a Carta


Republicana conferiu-lhes competência para atuar no sentido de tornar

12
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2011, p. 853.
13
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 503.
10
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
específicas, à comunidade local, as diretrizes fixadas pela legislação geral. A
respeito da competência dos Estados-membros para dispor sobre educação,
confiram-se os seguintes precedentes desse Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


DISTRITAL N. 3.694, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2005, QUE
REGULAMENTA O § 1º DO ART. 235 DA LEI ORGÂNICA DO
DISTRITO FEDERAL QUANTO À OFERTA DE ENSINO DA
LÍNGUA ESPANHOLA AOS ALUNOS DA REDE PÚBLICA DO
DISTRITO FEDERAL. AUSÊNCIA DE AFRONTA À
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. Competência concorrente
entre a União, que define as normas gerais e os entes estaduais e
Distrito Federal, que fixam as especificidades, os modos e meios de
cumprir o quanto estabelecido no art. 24, inc. IX, da Constituição da
República, ou seja, para legislar sobre educação. 2. O art. 22, inc.
XXIV, da Constituição da República enfatiza a competência privativa
do legislador nacional para definir as diretrizes e bases da educação
nacional, deixando as singularidades no âmbito de competência dos
Estados e do Distrito Federal. 3. Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente.
(ADI nº 3669, Relatora: Ministra CÁRMEN LÚCIA, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 18/06/2007, Publicação em
29/06/2007);

CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. LEI DE DIRETRIZES E


BASES DA EDUCAÇÃO. LEI 9.394, DE 1996. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONCORRENTE: CF, ART. 24. COMPETÊNCIA
ESTADUAL CONCORRENTE NÃO-CUMULATIVA OU
SUPLEMENTAR E COMPETÊNCIA CONCORRENTE
ESTADUAL CUMULATIVA. I. - O art. 24 da CF compreende
competência estadual concorrente não-cumulativa ou suplementar (art.
24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º).
Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24,
§ 1º), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar,
preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-
la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão
os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a
competência legislativa plena “para atender a suas peculiaridades” (art.
24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). II. - A
Lei 10.860, de 31.8.2001, do Estado de São Paulo foi além da
competência estadual concorrente não-cumulativa e cumulativa, pelo
que afrontou a Constituição Federal, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º
e § 3º. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente,
declarada a inconstitucionalidade da Lei 10.860/2001 do Estado de São
Paulo.
(ADI nº 3098, Relator: Ministro CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador:

11
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
Tribunal Pleno, Julgamento em 24/11/2005, Publicação em
10/03/2006).

Na espécie, a Emenda nº 55/2018 à Lei Orgânica do Município de


Londrina/PR proíbe a aplicação, na Rede Municipal de Ensino, da ideologia de
gênero ou do conceito de gênero estipulado pelos Princípios de Yogyakarta.

O diploma impugnado versa, portanto, sobre matéria pertinente às


diretrizes e bases da educação nacional. Isso porque a disciplina concernente aos
assuntos que podem constar de diretrizes curriculares demanda tratamento
uniforme em todo o País, de modo que deve ser veiculada por normas de caráter
nacional.

A mencionada Lei federal nº 9.394/1996 estabelece, em seus artigos


2º e 3º, os princípios que devem nortear a educação e o ensino no Brasil. Veja-se:

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos


princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem
por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:


I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura,
o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial.
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da
vida. (Grifou-se).

Destarte, o Município de Londrina/PR, ao editar o ato normativo

12
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
hostilizado, afrontou a competência legislativa da União para dispor sobre normas
gerais de educação, nos termos dos artigos 22, inciso XXIV; e 24, inciso IX,
ambos da Carta Magna.

Nessa linha, note-se que esse Supremo Tribunal Federal reconheceu,


em diversos julgados, a inconstitucionalidade formal de normas estaduais e
distritais que, em violação à competência legislativa privativa da União,
dispunham sobre matéria relacionada a “diretrizes e bases da educação nacional”.
Observe-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 81 E 82


DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR CRIADAS PELO
ESTADO E MANTIDAS PELA INICIATIVA PRIVADA.
SUPERVISÃO PEDAGÓGICA DO CONSELHO ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO. ALCANCE. OFENSA AO ARTIGO 22, XXIV DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL. EMENDA CONSTITUCIONAL ESTADUAL 70/2005.
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO
DIRETA JULGADA PROCEDENTE. MODULAÇÃO DOS
EFEITOS. (...) 6. Invade a competência da União para legislar sobre
diretrizes e bases da educação a norma estadual que, ainda que de
forma indireta, subtrai do Ministério da Educação a competência
para autorizar, reconhecer e credenciar cursos em instituições
superiores privadas. 7. Inconstitucionalidade formal do art. 82, §
1º, II da Constituição do Estado de Minas Gerais que se reconhece
por invasão de competência da União para legislar sobre diretrizes
e bases da educação (art. 22, XXIV da CF/88). Inconstitucionalidade
por arrastamento dos § 4º, § 5º e § 6º do mesmo art. 82, inseridos pela
Emenda Constitucional Estadual 70/2005. 8. A autorização, o
credenciamento e o reconhecimento dos cursos superiores de
instituições privadas são regulados pela lei federal 9.394/1996, Lei
de Diretrizes e Bases da Educação. (...)
(ADI nº 2501, Relator: Ministro JOAQUIM BARBOSA, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 04/09/2008, Publicação em
19/12/2008; grifou-se);

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


ESTADUAL 9164/95. ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL. ENSINO
DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA. FORMAÇÃO ESPECÍFICA PARA O
EXERCÍCIO DO MAGISTÉRIO. LEI DE DIRETRIZES E BASES
DA EDUCAÇÃO NACIONAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA
UNIÃO. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO FORMAL.
INOCORRÊNCIA. 1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
13
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
Nacional. Iniciativa. Constituição Federal, artigo 22, XXIV.
Competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e
bases da educação nacional. 2. Legislação estadual. Magistério.
Educação artística. Formação específica. Exigência não contida na Lei
Federal 9394/96. Questão afeta à legalidade. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente em parte.
(ADI nº 1399, Relator: Ministro MAURÍCIO CORRÊA, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 03/03/2004, Publicação em
11/06/2004; grifou-se);

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI


DISTRITAL QUE DISPÕE SOBRE A EMISSÃO DE CERTIFICADO
DE CONCLUSÃO DO CURSO E QUE AUTORIZA O
FORNECIMENTO DE HISTÓRICO ESCOLAR PARA ALUNOS DA
TERCEIRA SÉRIE DO ENSINO MÉDIO QUE COMPROVAREM
APROVAÇÃO EM VESTIBULAR PARA INGRESSO EM CURSO
DE NÍVEL SUPERIOR - LEI DISTRITAL QUE USURPA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OUTORGADA À UNIÃO
FEDERAL PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS LACUNAS
PREENCHÍVEIS - NORMA DESTITUÍDA DO NECESSÁRIO
COEFICIENTE DE RAZOABILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO
DA PROPORCIONALIDADE - ATIVIDADE LEGISLATIVA
EXERCIDA COM DESVIO DE PODER - PLAUSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO - DEFERIMENTO DA MEDIDA
CAUTELAR COM EFICÁCIA “EX TUNC”. A USURPAÇÃO DA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA POR
QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE COMO
ATO DE TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. (...) Os Estados-
membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação
autônoma, agindo “ultra vires”, transgredir a legislação
fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no
desempenho legítimo de sua competência constitucional e de cujo
exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases
gerais pertinentes a determinada matéria (educação e ensino, na
espécie). (...).
(ADI nº 2667 MC, Relator: Ministro CELSO DE MELLO, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 19/06/2002, Publicação em
12/03/2004; grifou-se).

Esse entendimento foi reafirmado em recente decisão proferida pelo


Ministro ROBERTO BARROSO nos autos da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 46114, que ensejou a suspensão liminar da eficácia de

14
ADPF nº 461, Relator: Ministro ROBERTO BARROSO, Decisão Monocrática, Julgamento em 16/06/2017,
Publicação em 21/06/2017.
14
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
norma municipal responsável por vedar o ensino sobre orientação sexual.

Desse modo, constata-se, em consonância com a jurisprudência dessa


Suprema Corte, que o diploma atacado violou a competência legislativa da União
para tratar de educação e ensino, prevista nos artigos 22, inciso XXIV; e 24, inciso
IX, da Carta da República.

Cumpre destacar, por fim, o entendimento consolidado dessa


Suprema Corte – e reafirmado no julgamento da questão de ordem na Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 3916, Relator Ministro EROS GRAU, DJ de
19.10.2009; da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4843,
Relator Ministro CELSO DE MELLO, DJ de 03.02.2014; da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 351, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ de
05.08.2014; e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 119, Relator Ministro
DIAS TOFFOLI, DJ de 28.03.2014 – no sentido da autonomia do Advogado-Geral
da União para se contrapor à constitucionalidade das normas submetidas ao seu
exame, na jurisdição concentrada de constitucionalidade, notadamente quando
houver precedente no mesmo sentido.

IV – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, o Advogado-Geral da União manifesta-se,


preliminarmente, pela exclusão da Associação Nacional de Juristas pelos Direitos
Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e
Intersexuais – ANAJUDH LGBTI do polo ativo da presente arguição e, no mérito,
pela procedência do pedido veiculado na ação, diante da violação à competência
legislativa da União para tratar de educação e ensino, em consonância com a
jurisprudência dessa Suprema Corte.

São essas, Excelentíssimo Senhor Relator, as considerações que se

15
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso
tem a fazer neste momento, cuja juntada aos autos ora se requer.

Brasília, de agosto de 2019.

RENATO DE LIMA Assinado de forma digital por


RENATO DE LIMA FRANCA
FRANCA Dados: 2019.08.26 12:33:54 -03'00'

RENATO DE LIMA FRANÇA


Advogado-Geral da União Substituto

IZABEL VINCHON NOGUEIRA Assinado de forma digital por IZABEL VINCHON


NOGUEIRA DE ANDRADE:63569043134
DE ANDRADE:63569043134 Dados: 2019.08.26 14:47:29 -03'00'

IZABEL VINCHON NOGUEIRA DE ANDRADE


Secretária-Geral de Contencioso

CAMILLA JAPIASSU DORES BRUM


Advogada da União

16
ADPF nº 600, Rel. Min. Roberto Barroso

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