IMPRESSÕES IMPRECISAS
UM TRATADO SOBRE AS NOITES DE POESIA,
MAGIA E FILOSOFIA
&
LONDRINA
2018
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que sou para sempre, mas na dicotomia,
entre ser e não ser – eu nunca fui.
§ 24
§ 25 IMPRESSÕES IMPRECISAS
Apesar de todas as variações, é sempre o UM TRATADO SOBRE AS NOITES DE POESIA,
mesmo tema. O que é metafísico não pode
MAGIA E FILOSOFIA
ser objetivo, penso e duvido, logo, não
existo?
Fúria
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faceta: enquanto se mostra com destreza se
esconde com superior esperteza, além de
toda minha imaginação.
§ 23
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Apesar de além de meu corpo ser só espaço,
apenas espaço. Agora posso vê-lo (e tocá-lo):
o universo incriado e inexplicado. Mas não
explicá-lo não é deixa-lo velado, o maior
mistério é que não há mais segredo algum.
Toda a história, filosofia, ciência, metafísica
me sumiram, como se nunca houvessem
existido. Sou só eu sozinha com o universo
inteiro ao meu redor, só espaço sem tempo.
§ 22
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fome?
cantos,
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§ 20
Percepção precisa:
E mesmo se Deus existisse, nem ele poderia
me salvar agora.
§ 21
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A vulgar,
A majestade.
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§ 19 Prefácio
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Há um profundo abismo
Eu sou a dançarina,
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§ 18
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ESTRELA DECAÍDA
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§ 17 §1
Eu sou a bruxa solitária Quando estou aqui, só penso em Filosofia
Metade serpente em aforismos.
Metade águia §2
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§4 precisa ir sozinho”: ouço como um suspiro em
meu ouvido, um leve tremor me trespassa.
Aqui a noite é mais escura e me ilumina Fico calada, aguardo o segredo que me
uma única estrela, a Estrela Vespertina, espera.
que chamo de a Estrela da Vontade. O anel
do retorno é a certeza de que cada § 16
vivência é a única possibilidade. Faça sua
Aqui eu não tenho descanso: eu canto, eu
escolha, mas que seja sob Vontade.
danço, entro no círculo. Aceito os ritos e
§5 mitos, acredito e duvido. Ouço um chamado
que está além do que pode ser ouvido, é uma
Aqui eu quebro sem medo todas as tábuas vibração inaudível, uma canção do início do
que me ensinam verdades. São meras tempo que não teve começo, é um velho eco
ilusões, invenções demasiado humanas. que surge do meu peito, ultrapassa meu
Pretensas vontades de “verdade”, o que corpo e reverbera por todo espaço, que não
existe é apenas a realidade, conceituada tem fronteira e nem centro. É o chamado do
pela fragilidade de nossas palavras, elas oculto que me desvela a mágica atmosfera
não definem os objetos em sua plena além dos sentidos. Atravesso o véu do
existência, mas apenas o que podemos entendimento, depois dele há apenas
alcançar deles com nossos sentidos vagos sentimento. Aqui não se pode aceitar os
e ideias afetadas por nossa educação. As sentidos nem acreditar na razão. Aqui a única
explicação plausível é a emoção.
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uma prece inaudível, a Natureza é um ritmo
verdades são convenções inventadas no
que marca a dança da humanidade. Mesmo
processo de historização.
quando pensamos dominá-la e explicá-la
seguimos sua marcha, seu destino. Não há §6
ação que não seja de sua ordem, somos um
fragmento de seu todo infinito em espaço e ... E que todos os mitos e todas as ciências
tempo. Não alcançamos com nossos sentidos sejam questionados até que se encontre seu
nem seus vestígios. Não há universal, tudo é ponto fraco. Agora sei: a crença é o mais
único e por isso mesmo toda coisa é em si puro movimento da razão, a base de toda
sua substância e sua essência impenetrável. especulação. Ainda assim, não nego que suas
Nosso destino trágico é a pretensa ganância belezas e suas possibilidades de certezas me
de alcançar o inclassicável com nossa acalmam o coração.
racionalização frágil. §7
§ 15
E é apoiada na crença que eu tive forças para
Aqui eu me sinto indefinida, é uma atravessar a ponte entre o homem e o super-
impressão imprecisa. O abismo místico é um homem, a ponte que foi o início da jornada
caminho no qual se precisa reconhecer o para chegar onde estou. (Quando estou aqui
inconcebível – tocá-lo e não senti-lo. O tudo parece mais bonito, tudo faz sentido) –
caminho místico não é você quem escolhe: O que eu quero aqui é Lei, é tudo da Lei. A
você é escolhido – “e Lei além do bem e do mal, a Lei do espírito
livre,
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§ 13
que cria suas crenças para depois
abandoná-las, sem mesmo utilizá-las, pois Adendo 1:
qualquer tentativa de defender qualquer
valor é violar a Lei. Aqui só há fazer, é só A ação mágica se realiza na religião. Religare.
ação, explicar ou prescrever o que se quer Religar o homem à sua essência pode ser
ou o que se faz é voltar ao campo do instrumento de domesticação ou
conceito, da moral, ainda que revisitada. emancipação. A religião é constituída da
mesma matéria, forma e essência da mais
§8 fundamental doutrina da razão, a chamada
ciência, que não é nada mais que a
No meu percurso até aqui atravesso o véu
concepção de que tudo ocorre em repetição.
de Ísis, mas esse véu não pode ser rasgado,
quando observado é quase insensível a § 14
olho nu. Mas atenção: não se pode despir
a Natureza de seu recato, deve-se vestir Adendo 2:
seu véu com cuidado – num frágil contato,
já estou do outro lado. É preciso uma A Natureza é feita de deuses antigos. A
urgente calma, sabedoria antiga, o passo Natureza é paganismo. A Natureza é um
leve, sutileza para perceber o tênue limite templo e exige adoração e ritos. A Natureza é
momentâneo onde a noite vira dia. imitada pela nossa arte e conceitos de
verdade. A Natureza é uma linguagem feita de
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§ 12 §9
16 13
eu sou a bruxa,
que vagueia nas ruas noturnas,
no céu sem lua.
eu sou a bruxa,
que impura
implora pelas mãos tuas.
eu sou a bruxa,
que se entrega obscura
à noite e às tuas palavras sujas.
eu sou a bruxa,
que sem pudor se insinua,
te procurando nua.
eu sou a bruxa,
casta e prostituta,
que com deuses e demônios pactua.
eu sou a bruxa,
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§ 10 nela não há verdade, é realidade e está
dada, ela é o tudo e o nada, ela não tem
Aqui, no lado negro do infinito eu sou, eu fui, idade e está em toda parte. (Mas o coração
eu vou, estou, estive e estarei. Eu sou o amor da terra é meu refúgio, das raízes do fundo
egoísta, amor à vida, à minha vida. E esta se do mundo nutro minha razão e minha ilusão,
entrelaça, estilhaçada, com outras vidas das que diante de sua magnitude se confundem.
quais não quero nada, ou não, quero sim, a Eu sou corpo e sentidos, eu finjo que
parte da qual me aproveito, o que me acredito na minha linguagem.) Além dessa
interessa, o que não me diz respeito, o que certeza eu sou nada, e não quero nada além
não tem pressa, jogo fora, sem mais nem
desta certeza. Eu, uma partícula na beira do
menos, sem receios inculcados pelos modelos precipício: a Natureza me ultrapassa, eu
do passado. estou Nela, sou Dela uma pequena parte.
§ 11 Mas sentiria ela minha falta? Quantas
estações houveram para eu ser quem sou e
Aqui eu estou em contato com a Natureza quantas virão para meu esquecimento?
selvagem: ela é indomada e indomável. É Deixarei nela meus fragmentos? Alimentarei
inqualificável. É uma quimera ininteligível – as estrelas do futuro? Sou apenas mais um
em vão eu busco seu sentido. É uma angústia tijolo no muro... Um sussurro. Carrego em
travestida de infinitos, universos grandiosos e mim a memória da trajetória dos dias que
átomos mínimos. A natureza ama ocultar-se: passaram e dos dias que virão, de toda a
História.
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