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Revista Brasileira

ISSN 1982-3541 de Terapia Comportamental


Volume XVIII Número Especial, 2016, 6 -10 e Cognitiva

Apresentação

Da neutralidade à política
From neutrality to politics
De la neutralidad a la política

Carlos Eduardo Lopes e Carolina Laurenti

A política sempre foi um tema delicado na psico- O século XX, com suas duas grandes guerras, que
logia, sobretudo na psicologia científica. Uma das em boa medida foram assessoradas e instrumentali-
possíveis raízes desse estranhamento entre política zadas pela racionalidade científica, presenciou uma
e ciência psicológica é a separação entre fatos e crescente desilusão com a neutralidade, levando ao
valores, típica do pensamento moderno, do qual questionamento da distinção radical entre fatos e
faz parte a revolução científica dos séculos XVII valores. Afinal, o cientista seria completamente de-
e XVIII. Nesse contexto, defende-se que a ciência sinteressado, desenviesado, desencarnado, uma es-
estaria interessada exclusivamente nos fatos, ou, pécie de “ego puro”? E, por outro lado, os interesses
de modo mais preciso, nos enunciados de fato, já econômicos, políticos, sociais não estariam na base
que descreveriam o mundo tal como ele realmen- da escolha de temas de pesquisa, bem como do fi-
te é. Por outro lado, campos de conhecimento não nanciamento científico? Há, é claro, espaço para re-
científicos, como a ética e a política, estariam in- sistência, para recusar esses temas, para operar fora
teressados em valores ou em juízos de valor. Fica das “demandas do mercado”, mas isso é, evidente-
assim patente a discrepância e incompatibilidade mente, um posicionamento político. A ciência perde,
entre ciência e política: a ciência formularia enun- assim, sua aura de conhecimento asséptico. As aná-
ciados descritivos universais (leis gerais); a po- lises de Foucault fortalecem a crítica à neutralidade,
lítica formularia juízos prescritivos particulares. mostrando o quanto a ciência, sobretudo no caso da
Subjaz a essa diferença a ideia de que as questões psiquiatria, mas também no da psicologia, participou
científicas seriam isentas dos vieses humanos: a de modo ativo no controle social e na exclusão dos
investigação científica debruçar-se-ia sobre o “que “estranhos” na aurora da modernidade: loucos, cri-
é” e não sobre o que o pesquisador “gostaria que minosos, alcoolistas, homossexuais, histéricas.
fosse”. O conhecimento científico é, portanto, ob-
jetivo, entendendo objetividade como sinônimo de As ciências sociais gradualmente incorporaram essa
neutralidade. crítica, revidando, em boa medida, as ciências natu-

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rais, que sempre colocaram em dúvida a cientificida- anos 1950 e, a partir daí, fortalecem-se ao ponto de
de da sociologia, antropologia e de outros candidatos dar origem a um livro dedicado a assuntos sociais,
que dificilmente poderiam ajustar-se às exigências Beyond freedom and dignity (Skinner, 1971), e uma
da epistemologia científica moderna. Os defensores coletânea de artigos exclusivamente voltados para
dessa epistemologia “hard” reagem, entrincheirando- essa temática, Reflection on behaviorism and society
se ainda mais nos cânones da previsão e controle, do (Skinner, 1978b).
método experimental, do rigor da matemática.
Os textos políticos de Holland fazem parte desse pe-
Esse é o cenário em que se desenvolve a análise do ríodo, mais especificamente da década de 1970, uma
comportamento. O movimento behaviorista, visto época mundialmente conturbada do ponto de vista
que surge no início do século XX, posiciona-se cla- político – basta lembrarmos dos reflexos de maio de
ramente ao lado da epistemologia científica moderna, 1968, do embargo norte-americano a Cuba, da dita-
fincando a bandeira no campo das ciências naturais. dura militar no Brasil e em outros países da Améri-
É ainda cedo para conceber os problemas desse posi- ca do Sul, da corrida armamentista promovida pela
cionamento tão radical, sobretudo no caso da psico- Guerra Fria, dos desdobramentos da Guerra do Viet-
logia. Prova disso é a tranquilidade com que Watson nã, dentre outros exemplos.
(1924) afirma: “não é função do behaviorista discutir
se essas coisas que a sociedade prescreve ajudam ou Além de Skinner e Holland, outros behavioristas co-
atrapalham o desenvolvimento ou ajustamento de um meçaram a se preocupar explicitamente com ques-
indivíduo. . . . Você encontrará, então, o behaviorista tões políticas. Um marco é a fundação do Behavio-
trabalhando como qualquer outro cientista. Seu único rists for social action, que passa a publicar um perió-
objetivo é recolher fatos sobre o comportamento” (p. dico exclusivamente voltado para questões sóciopo-
7). Mesmo depois que Watson sai de cena, por algum líticas, cujos textos apresentam o behaviorismo em
tempo a preocupação dos autoproclamados behavio- um background claramente de esquerda. Todos esses
ristas será ajustar-se à epistemologia científica e ga- movimentos e textos mostram que já não há mais
rantir seu lugar no campo científico. As questões desse espaço para a neutralidade, mesmo no contexto do
período giram em torno da pretensão de construção behaviorismo. É preciso posicionar-se politicamente,
de um sistema psicológico, definindo quais variáveis pois fica claro que se recusar a fazer isso é também
participarão do estudo do comportamento, o quanto se uma posição política, e que tornará o behaviorista
pode admitir constructos teóricos, qual o modelo de “parte do problema”.
explicação mais adequado e assim por diante.
Política e Análise do
É somente depois dos anos 1950 que encontramos Comportamento no Brasil
uma virada nos interesses dos behavioristas. A obra
de Skinner é emblemática nesse ponto. As preocu- No Brasil, a análise do comportamento chega nos
pações skinnerianas com questões políticas, embo- anos 1960, trazida por F. Keller, justamente no
ra já estivessem minimamente presentes em Walden período em que se ensaia a implantação dos pri-
II (Skinner, 1948/2005), florescem em meados dos meiros cursos de graduação em psicologia no país

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Da neutralidade à política

(Matos, 1998). Nesse contexto, o papel da análi- Parece que ainda vivemos os reflexos dessa história.
se do comportamento será instruir uma formação A evidência disso é a escassez de discussões sócio-
científica, nos moldes das ciências naturais. Para políticas na área. Desde os textos de Holland, passan-
tanto, a importação acrítica da epistemologia cien- do pelas raras discussões contemporâneas, fica claro
tífica moderna será crucial: é preciso separar fatos que não se trata de uma incompatibilidade teórica, ou
de valores, é preciso uma formação que privilegie seja, a análise do comportamento não é irremedia-
um estudo rigoroso, o uso do método científico, o velmente apolítica; ou ainda, não é necessariamente
controle de variáveis, a ocupação de um laborató- comprometida com uma ideologia conservadora. Ao
rio. Na medida em que estávamos engatinhando contrário, são muitas as evidências de incompatibili-
em termos de formação científica, isso teria que dade entre elas.
ser priorizado. Surgem os primeiros projetos de
criação de um curso de psicologia verdadeiramen- Por que então não vemos uma ruptura? Por que a po-
te científico. Primeiro a USP em São Paulo, de- lítica não pode ser um assunto presente na literatura
pois a UnB em Brasília. O golpe militar acaba com analítico-comportamental? Por que ainda há tanto des-
esse sonho. Muitos professores são perseguidos e conforto diante dessa temática? Uma resposta pode
demitidos, as universidades são sequestradas pelo ser encontrada na formação dos analistas do compor-
regime militar, o sentimento de liberdade se esvai. tamento. No contexto da ditadura militar a formação
Os primeiros analistas do comportamento brasi- não podia (e não precisava) contemplar a política, pois
leiros se espalham: PUCCamp, UEL, USP-RP. Há o cenário exigia viver a política. Os tempos são ou-
pouco controle institucional nas contratações e de- tros e a formação de hoje parece que ainda segue os
missões das universidades; alguns professores são mesmos moldes de cinquenta anos atrás, mas em um
indicados diretamente pela reitoria, outros são de- contexto político bastante diferente. Bem ou mal vive-
mitidos sem justificativa plausível. Nesse período mos oficialmente em um regime democrático, o que,
conturbado, resta aos analistas do comportamento paradoxalmente, acentua a necessidade de uma par-
continuar a fazer ciência, a coletar dados, e a for- ticipação política, ao mesmo tempo que a torna mais
mar novos analistas do comportamento. Tudo isso improvável. Para entender isso basta lembrarmos dos
tentando ignorar, na medida do possível, o indiges- textos de Skinner (e.g. 1955-56/1999, 1977/1978a) a
to contexto político, sob a pena de ser perseguido, respeito da democracia ocidental: uma forma de go-
demitido, preso, torturado. É preciso seguir a lição verno que substituiu o controle aversivo explícito por
da ciência moderna: separar fato de valor. Na uni- formas de controle mais sutis e que, justamente por
versidade ensina-se como lidar com os fatos, fora isso, tornam o contracontrole improvável.
do laboratório cada um tem seu posicionamento po-
lítico (aliás, no caso dos analistas do comportamen- Isso talvez exija que pensemos a formação dos fu-
to da época, predominantemente de esquerda). Mas turos analistas do comportamento em outras bases.
essas coisas não se misturam. Alguns analistas do É claro que a formação científica é importante, que
comportamento desobedecem, tentam misturar fato é inconcebível um psicólogo que sequer saiba ler
e valor, ciência e política, e simplesmente desapare- um gráfico, que o controle de variáveis e o método
cem das narrativas oficiais. experimental (e outros métodos científicos) são fer-

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ramentas importantes para responder a muitas ques- foi apresentado no II Simposio sobre Modificación de
tões. Mas isso tudo não existe de modo descontextu- Conducta, em 1972, no México. A versão em espa-
alizado; só tem função em uma sociedade concreta, nhol (¿Servirán los principios conductuales para los
repleta de problemas sociais e demandas dirigidas revolucionários?) foi publicada um ano depois, como
à psicologia em geral e à análise do comportamen- capítulo da coletânea Modificación de Conducta, or-
to em especial. O que fazer? O que podemos fazer? ganizada por F. Keller e E. Iñesta (Keller & Iñesta,
O que deveríamos fazer? Talvez essas sejam nossas 1973). No entanto, o texto original era em inglês e
principais questões: todas claramente políticas. só foi publicado em 1974, na versão em inglês do
mesmo livro (Keller & Iñesta, 1974). Isso quer dizer
A proposta do número especial que o texto em espanhol, que é amplamente conheci-
do no Brasil, embora tenha sido publicado primeiro,
Inspirados e instigados por esse cenário, apresenta- é uma tradução. Em virtude disso, a tradução para o
mos à Revista Brasileira de Terapia Comportamental português que consta no número especial baseia-se
e Cognitiva (RBTCC) a proposta de um número es- no texto original em inglês (Are behavioral princi-
pecial sobre o texto de J. G. Holland, que nos parecia ples for revolutionaries?), o que tornou possível o
consubstanciar o lugar das questões políticas na aná- esclarecimento de uma série de trechos obscuros da
lise do comportamento: Os princípios comportamen- versão em espanhol.
talistas servem para os revolucionários?. A despeito
do tema ser espinhoso, o corpo editorial da RBTCC Sabíamos que a organização deste número seria uma
aceitou prontamente o desafio. Uma das ideias ini- tarefa desafiadora. Ao mesmo tempo em que estáva-
ciais era disponibilizar, neste número, uma tradução mos empolgados com as possibilidades do rico de-
para o português do referido artigo de Holland. Para bate que ele poderia propiciar, estávamos apreensi-
tanto, precisaríamos da autorização do próprio autor. vos quanto à adesão da comunidade de analistas do
Em vista disso, contatamos o professor Holland e comportamento à proposta. Mas isso foi se atenuan-
expusemos a ele nossas intenções. Na ocasião des- do na medida em que os textos chegavam e depois
se contato, fomos ainda mais pretensiosos: tratamos com o curso do processo editorial. Recebemos textos
não apenas da tradução do artigo, mas também da de autores(as) que têm diferentes experiências com a
possibilidade de ele revisar seu próprio texto, passa- análise do comportamento. Alguns já têm um cami-
dos mais de quarenta anos, e escrever algo a respeito. nho consolidado de longa data, enquanto outros(as)
O professor Holland, sem hesitação, autorizou a pu- estão dando seus passos iniciais, ainda que firmes.
blicação da tradução e manifestou contentamento ao Há também aqueles que já passaram pela área dei-
saber do interesse de pesquisadores brasileiros sobre xando sua marca, cujas contribuições alguns leitores
esse material. Além disso, brindou-nos com um texto terão, neste número, a oportunidade de revisitar ou
inédito, escrito especialmente para este número. de conhecer. Esses(as) autores(as) também falam
de diferentes “lugares” da análise do comportamen-
O contato com o professor Holland também escla- to; seja da polêmica pesquisa teórico-conceitual, da
receu alguns pontos sobre o texto que traduziríamos já madura pesquisa experimental básica, ou da no-
e que seria o mote do número especial. Esse texto vata análise comportamental da cultura; suas vozes

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enriquecem, cada uma a seu modo, a problemática Keller, F. S. & Iñesta, E. R. (Orgs.) (1973). Modificación de
em pauta tornando este número ainda mais especial. conducta: Aplicaciones a la educación. México:
Essa pluralidade de perspectivas sugere que a discus- Trillas.
são política na análise do comportamento é uma “de-
Keller, F. S. & Iñesta, E. R. (Orgs.) (1974). Behavior modifi-
manda reprimida”.
cation: Applications to education. New York: Aca-
demic Press, Inc.
Por fim, gostaríamos de agradecer a todos(as)
Matos, M. A. (1998). Contingências para a análise comporta-
aqueles(as) que tornaram este número possível.
mental no Brasil. Psicologia USP, 9(1), 89-100.
À RBTCC por todo o apoio. Ao professor Holland
pelas suas inestimáveis contribuições. Aos(às) auto- Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. New
res(as) pelas instigantes, provocativas e valiosas re- York: Bantam/Vintage Books.
flexões, aos(às) avaliadores(as) ad doc pela presteza Skinner, B. F. (1978a). Human behavior and democracy. In Re-
e qualidade dos pareceres. flections on behaviorism and society (pp. 3-15).
Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, Inc. (Trabalho
Tal como Holland (2015) disse em outra ocasião, es- original publicado em 1977).
peramos que tais discussões não demorem mais qua-
Skinner, B. F. (1978b). Reflections on behaviorism and
renta anos para serem feitas*.
society. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, Inc.

Referências Skinner, B. F. (1999). Freedom and the control of men. In J. S.


Vargas (Ed.), Cumulative record: Definitive edi-
Holland, J. G. (2015). James Holland comenta edição especial
tion (pp. 3-18). Acton, Massachusetts: Copley Publishing
da RBTCC baseada em seu artigo “Servirão os princípi-
Group. (Trabalho original publicado em 1955-56).
os comportamentais aos revolucionários?”. Mensagem
Skinner, B. F. (2005). Walden two. Indianapolis: Hackett Pub-
publicada em 22/04/2015 por Gehazi Bispo em Boletim
lishing Company. (Trabalho original publicado em 1948).
Contexto [blog]. Disponível em: https://boletimcontexto.
wordpress.com/2015/04/22/aberta-chamada-para-rbtcc- Watson, J. B. (1924). Behaviorism. New York: W. W. Norton
especial/. Acesso em 10 de janeiro de 2016. & Company, Inc.

* Infelizmente, enquanto o número estava sendo finalizado, o professor Celso Pereira de Sá faleceu, não tendo visto, portanto, seu artigo publicado. Deixamos,
então, aqui nossa homenagem póstuma a um dos precursores da articulação entre política e análise do comportamento no Brasil. Suas contribuições para a área
e para este número são inestimáveis.

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