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A NOVA ESCRITA PARA CRAVO OBBLIGATO NA FRANÇA NO


INÍCIO DO SÉCULO XVIII COM BASE NAS PIÈCES DE
CLAVECIN EN CONCERT DE JEAN-PHILIPPE RAMEAU

María Eugenia Linardi


mariaeugenialinardi@gmail.com
Mestre em Música – UDESC

Resumo: Os clavecinistes franceses dos séculos XVII e XVIII emprestaram do repertório do


alaúde as características estilísticas e composicionais com as quais criaram uma linguagem
própria para o seu instrumento. A produção de pièces de clavecin foi muito rica já no final do
século XVII e continuou a crescer no novo século que se iniciava. Compositores como Jean-Joseph
Cassanéa de Mondonville (1711-1772) e Jean-Philippe Rameau (1683-1764) estabeleceram um
novo tipo de escrita para cravo obbligato outorgando-lhe destaque maior não só como instrumento
solista, mas também, em combinação com outros instrumentos melódicos em um ensemble.
Este artigo é baseado na minha pesquisa desenvolvida no meu mestrado que abrange a música
francesa para cravo dos séculos XVII e XVIII e que culmina em uma análise das Pièces de
Clavecin en Concert de Rameau. O principal objetivo é entender e refletir sobre a mudança da
escrita desse instrumento no decorrer desses séculos e, principalmente, compreender como essa
mudança se refletiu nessa coleção de Rameau.

Palavras chave: Música francesa para cravo obbligato. Jean-Philippe Rameau. Pièces de Clavecin
en Concert.

O CRAVO NOS SÉCULOS XVII E XVIII NA FRANÇA

A música francesa para cravo dos séculos XVII e XVIII está constituída por
uma vasta produção de composições, muitas das quais refletem o estilo
composicional do repertório para alaúde. No decorrer desses séculos os
compositores tentaram descobrir por meio das suas obras uma linguagem própria
para o seu instrumento, gerando inúmeras composições e contribuindo, desta
forma, para a mudança da escrita do cravo.
Explica Baumont (2008) que os cravistas franceses emprestaram do
repertório do alaúde principalmente as suítes de danças (muito utilizada pelos
alaudistas com a variedade rítmica entre cada uma delas), os títulos sugestivos
nas peças (provenientes dos virginalistas ingleses) e as ornamentações variadas
que enriqueciam as melodias, procurando também, imitar as nuances e
possibilidades de expressão do alaúde no seu próprio instrumento. Outra
característica adotada pelos cravistas desses séculos foi a utilização do
denominado style brisé ou style-luthée, que envolve o ritmo livre e o arpejado
complexo das vozes em uma textura polifônica e que caracteriza-se pela
alternância rápida de notas em diferentes registros para enriquecer tanto a
melodia como a harmonia (BUKOFZER, 1947, p. 165).
No século XVII o alaúde era considerado o mais nobre de todos os
instrumentos e, de acordo com Ledbetter (1987), o ofuscamento deste pelo cravo
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em finais desse século deveu-se ao declínio do status do primeiro na sua prática


como instrumento acompanhante, sendo que o principal repertório do alaúde
nesta função (acompanhante nas airs de cour1) havia declinado aproximadamente
em 1650, e foi substituído por outro repertório de coleções posteriores de airs que
consistiam em um baixo cifrado para cravo ou para teorba. Em cerca de 1630
Marin Mersenne (1588-1648), padre, matemático, teórico musical, teólogo e
filósofo francês, já manifestava sua preferência pela teorba como instrumento
para o acompanhamento da voz, e, posteriormente, nas últimas décadas desse
século, a sua preferência por esse instrumento, assim como pelo cravo, se tornou
do gosto geral. Assim, aproximadamente a partir de 1650, este último
instrumento tornou-se o predileto da aristocracia e da alta burguesia, aparecendo
com maior frequência e obtendo maior prestígio que o alaúde em finais do século
XVII, estabelecendo-se como o instrumento da moda “par excellence”
(LEDBETTER, 1987, p. 14).
A produção de pièces de clavecin foi muito abundante já na segunda
metade do século XVII e compositores como Jacques Champion de
Chambonnières2 (1602-1672), Jean-Henri D’Anglebert (ca. 1628-1691), Louis
Couperin (1626-1661), Nicolas-Antoine Lebègue (1631-1702), Elisabeth Jacquet
de La Guerre (1665-1729) e posteriormente François (Charles) Dieupart (166?-
1740), Louis-Nicolas Clérambault (1676-1749), Jean-François Dandrieu (ca.1682-
1738), Jean-Philippe Rameau e François Couperin (1668-1733), para mencionar
alguns, descobriram uma linguagem própria para o cravo, que tinha como umas
das contribuições mais representativas o repertório alaudístico.
Como exemplo de algumas composições podem ser citadas as Pièces de
Clavecin de Chambonnières (compostas em ca. 1640 e impressas em 1670), que
seguem fielmente o modelo das suítes do renomeado alaudista Denis Gaultier (ca.
1603-1672), e que contêm peças ou danças estilísticas com títulos sugestivos
(BUKOFZER, 1947, p. 170). D’Anglebert publicou em 1689 um livro de Pièces de
Clavecin, Dieupart em 1701 um livro que contém as Six Suittes de Clavessin e,
posteriormente, F. Couperin publicou seus quatro livros de Pièces de Clavecin
(em 1713, 1716-7, 1722 e 1730 respectivamente) e Rameau seus três livros de
Pièces de Clavecin (em 1706, 1725 e ca. 1728 respectivamente).
Segundo Marshall (2003) as Six Suittes de Dieupart foram as primeiras a
terem sido publicadas em versões alternativas de ensemble, ou seja, a parte
superior da escrita do cravo estava designada a um violino ou uma flauta e, uma

1 Termo utilizado pelos compositores e editores franceses de 1571 até 1650 para denominar às
canções seculares cantadas no corte, tendo sido o tipo de composição mais importante entre 1608
até 1632 aproximadamente (BARON).
2 Foi o primeiro representante e fundador da escola francesa para cravo, assim como também,

cravista da corte francesa. Teve como alunos Louis Couperin, Jacques Hardel (1643-1678),
Lebègue e D’Anglebert, havendo exercido, também, muita influência sobre seu aluno alemão
Johann Jakob Froberger (1616-1667) (BUKOFZER, 1947, p. 170). .
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versão simplificada da linha do baixo, a uma basse de violon ou um arquialaúde.


A partir desta publicação surgem mais obras com indicações ou sugestões por
parte dos autores que se referiam às possibilidades de escolha dos instrumentos,
como por exemplo, os Concerts Royaux (1722) de F. Couperin, os quais contêm
sugestões próprias do autor que especifica que são apropriadas tanto para cravo
solo como para violino, flauta, oboé e fagote.
A maioria da música deste período estava constituída por um ou mais
instrumentos melódicos acompanhados por um baixo contínuo, sendo a função
principal do cravista em um ensemble a de acompanhar realizando o baixo
cifrado. Durante a primeira metade do século XVIII os clavecinistes franceses
continuaram a experimentar as possibilidades do instrumento para encontrar um
gênero novo, não só em combinação com outro cravo, mais também com outro
instrumento com o qual pudessem compartilhar o papel protagonista na peça
(LINARDI, p. 46, 2013).
Desta forma é que em 17343 o violinista e compositor francês Jean-Joseph
Cassanéa de Mondonville (1711-1772) publicou as Pièces de clavecin en sonates
avec accompagnement de violon op. 3, nas quais cada um dos instrumentos
possuía a parte escrita na sua íntegra do começo até o final da obra
(GIRDLESTONE, 1969, p. 39). A nova escrita para cravo obbligato impediu que a
função deste instrumento se restringisse exclusivamente à realização do contínuo
no ensemble; por outro lado, a criação de composições nas quais todos os
instrumentos possuíam a parte escrita permitiu que o cravo ganhasse
independência e, em alguns casos, cumprisse a função de solista enquanto era
acompanhado por outros instrumentos melódicos. O primeiro compositor na
França a seguir o modelo estabelecido por Mondonville foi Jean-Philippe Rameau
com as Pièces de Clavecin en Concert (1741), reflexo disso é a especificação deste
último compositor no prefácio da sua obra que diz que o recente sucesso das
Sonates op. 3 de Mondonville o encorajou a compor esta coleção (GIRDLESTONE,
1969, p. 41).

AS PIÈCES DE CLAVECIN EN CONCERT DE JEAN-PHILIPPE RAMEAU

Publicadas em 1741, as Pièces de Clavecin en Concert de Jean-Philippe


Rameau são um conjunto de peças para cravo obbligato com acompanhamento de
violino e viola da gamba, sendo que os dois últimos instrumentos podiam ser
substituídos por um segundo violino e uma flauta respectivamente, portanto
possuem a característica de terem sido pensadas para uma formação de trio
(GIRDLESTONE, 1969, p. 41).

As partes que compõem as Pièces de Clavecin en Concert são as seguintes:

3 Segundo David Fuller (apud ONG, 2009, p. 5) foram publicadas entre 1737-1738.
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1) Premier Concert (Dó menor): La Coulicam - La Livri - Le Vézinet


2) Deuxième Concert (Sol maior): La Laborde - La Boucon - L’Agaçante -
Premier menuet en rondeau - Deuxième menuet en rondeau
3) Troisième Concert (Lá maior): La Lapopliniere - La Timide - Premier
rondeau gracieux - Deuxième rondeau gracieux - Premier Tambourin en
rondeau - Deuxième Tambourin en rondeau
4) Quatrième Concert (Si bemol maior): - La Pantomime - L’Indiscrètte - La
Rameau
5) Cinquième Concert (Ré menor): Fugue La Forqueray - La Cupis - La
Marais
O termo concert no título (em vez de sonates como é o caso da mencionada
coleção de Mondonville) é provavelmente por causa de se tratar de peças com
instrumentos concertantes e, apesar de o instrumento de teclado ser o principal
protagonista, os três membros do ensemble deveriam interagir entre si. A exceção
de alguns menuets, rondeaux, tambourins e uma loure, os títulos das peças são
descritivos, sugestivos ou dedicados a determinadas pessoas (herança dos
alaudistas e dos virginalistas ingleses).
Nas suas Pièces de Clavecin en Concert Rameau (que já tinha inovado e
explorado a técnica e o virtuosismo do cravo com os seus três livros anteriores de
pièces de clavecin) continuou com a utilização de diversas relações entre os três
instrumentos; adotou e imitou as texturas utilizadas por Mondonville e,
adaptando-as para formação de trio, manteve-se fiel à tradição das suítes
francesas para cravo (LINARDI, p. 59, 2013).
Na minha pesquisa de mestrado foi realizado um estudo com divisões
aproximadas de cada uma das danças que formam esta coleção de Rameau,
levando em consideração principalmente a função do cravo no ensemble e o tipo
de textura que prevalece em cada uma das peças; devido ao fato de que a maioria
delas possui vários tipos de textura é que foram divididas segundo a que mais
prevalecia. Para um melhor entendimento, será apresentado a seguir um
exemplo de cada uma das divisões.
As danças das Pièces en Clavecin en Concert foram divididas da seguinte
forma:

PIÈCES NAS QUAIS O CRAVO TEM A FUNÇÃO DE SOLISTA PRINCIPAL

Estão incluídas nesta divisão as peças nas quais o cravo possui o material
melódico tendo a função de solista, ao menos, em grande parte da peça. São elas:
La Coulicam (Premier Concert), Le Vézinet (Premier Concert), La Laborde
(Deuxième Concert) e La Lapopliniere (Troixième Concert).
O exemplo a seguir é o trecho inicial de La Coulicam, peça com a qual
Rameau inicia sua coleção. O título se deve a uma publicação de A. de Claustre,
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em 1728, intitulada Histoire de la dernière révolution de Perse que foi reeditada


em 1742 com o título Histoire de Thamas Kouli-Kan ou Histoire des dernièrs
Révolutions de Perse arrivée en 1732 (SAINT-ARROMAN; LESCAT, 2011).
Nesta peça o cravo domina o material melódico com arpejos e passagens
virtuosísticas do começo até o final, enquanto as cordas imitam o tema do cravo
em algumas partes ou, como no compasso 12, o acompanham com notas longas:

Exemplo 1: La Coulicam, compassos 1 a 154

No decorrer desta peça percebe-se o motivo principal e inicial dos arpejos


descendentes da harmonia de Dó menor no cravo, que é imitado por ambos os
instrumentos de cordas. Talvez o compositor tenha escolhido adrede para iniciar
sua coleção uma peça na qual prevalece o virtuosismo do instrumento de teclado
do começo até o final, condizendo com sua intenção de destacar este instrumento
e de que as cordas deveriam se adaptar a ele e não ao contrário.

PIÈCES NAS QUAIS O CRAVO APRESENTA A MELODIA, QUE É


REFORÇADA HARMONICAMENTE PELAS CORDAS

As pièces nas quais o cravo é o solista enquanto as cordas dobram algumas


partes da melodia e o acompanham reforçando harmonicamente são La Boucon,

4 Todos os exemplos musicais foram extraídos do fac-símile das Pièces de Clavecin en Concert
editado por Anne Fuzeau, com inserções gráficas da autora de presente artigo.
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Premier Menuet en Rondeau e Deuxième Menuet en Rondeau (todas


pertencentes ao Deuxième Concert).
O exemplo 2 mostra o início de La Boucon que foi dedicada a Anne-Jeanne
Boucon (1708-1780), sobrinha de Jean-Baptiste Forqueray por parte da primeira
esposa. Anne-Jeanne era uma cravista virtuosa que se casou com Mondonville em
1747 (SAINT-ARROMAN; LESCAT, 2011). Nesta peça tanto o violino como a
viola da gamba dobram a linha do cravo, criando um tipo de “fundo orquestral”
que sustenta a melodia que se encontra a cargo do instrumento de teclado.

Exemplo 2: La Boucon, compassos 1 a 8

Inicialmente o violino dobra a voz do meio do cravo por alguns compassos e


logo, no compasso 4, a voz aguda, o que resulta em uníssono com o parte do cravo;
a viola da gamba dobra, a maioria das vezes, a voz grave do cravo preenchendo,
ademais, com notas das harmonias que enriquecem a sonoridade da peça. Em La
Boucon pode se apreciar o estilo composicional orquestral de Rameau, neste caso
as cordas constituem o suporte harmônico ou “fundo orquestral” e o cravo possui o
material melódico.

PIÈCES NAS QUAIS OS TRÊS INSTRUMENTOS TÊM A FUNÇÃO DE


SOLISTA COMPARTILHANDO DE FORMA EQUITATIVA E IMITATIVA O
MATERIAL MELÓDICO

Presente em L’Agaçante (Deuxième Concert), La Timide II -Deuxième


rondeau gracieux, Premier Tambourin en rondeau, Deuxième Tambourin en
rondeau (todas elas pertencentes ao Troxième Concert), La Pantomime, La
Rameau (ambas do Quatrième Concert) e Fugue La Forqueray (Cinquième
Concert).
O exemplo 3 mostra o inicio do Premier Tambourin en rondeau com o tema
principal que se reveza entre os três instrumentos, começando pelo violino,
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seguindo pela viola da gamba e por último o cravo, possuindo este último, um
acompanhamento marcante e e rítmico característico dos tambourins.

Exemplo 3: Premier Tambourin, início

Observa-se uma textura imitativa entre os três instrumentos; às vezes o


violino e o cravo possuem o tema em intervalos de terças maiores e menores
enquanto a viola da gamba apresenta o tema uma oitava abaixo do violino
dobrando, desta forma, a voz principal. Por momentos tem-se a impressão de se
ouvir um cânon nas entradas dos três instrumentos.

PIÈCES NAS QUAIS EXISTE UMA TEXTURA CONCERTANTE ENTRE OS


INSTRUMENTOS

A pièce na qual prevalece uma textura concertante, ou seja, na qual a


maior parte do tempo ao menos dois dos três instrumentos que integram o trio
intercalam solos unindo-se em pontos em comum, é La Marais (Cinquième
Concert).
O exemplo 4 é o trecho inicial de La Marais, peça com a qual Rameau
finaliza sua coleção. Acredita-se que o título possa ser uma homenagem ao
gambista virtuose Marin Marais (1656-1728) ou, mais provavelmente, a um dos
seus vários filhos, Roland Marais, autor de Méthode de Musique (do qual nenhum
exemplar foi preservado) e de dois livros para a viola da gamba que surgiram em
1735 e 1738 (SAINT-ARROMAN; LESCAT, 2011).
A diferença da divisão anterior, aqui prevalece uma textura concertante
principalmente entre o cravo (na voz da mão direita) e o violino, possuindo um
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motivo diferente cada um dos dois instrumentos e interagindo praticamente na


peça inteira.

Exemplo 4: La Marais, início

Como se observa no ex. 4, o violino inicia com um motivo do arpejo


ascendente de Ré maior e o cravo realiza progressões descendentes das
harmonias em intervalos de terceiras. Ambos os motivos são recorrentes do
começo até o final da peça, onde serão invertidos, ou seja, o violino realiza a parte
do cravo que inicia a peça, e vice versa, o cravo toca a melodia ascendente em
arpejos que era apresentada pelo violino no início. Após essa inversão dos motivos
iniciais, ambos os instrumentos repetem o tema de abertura sem modificações.
No que diz respeito à viola da gamba, a exceção de alguns compassos nos quais
acompanha reforçando com a harmonia, tem uma participação pronunciada
praticamente do começo até o final acompanhando os demais instrumentos, às
vezes reforçando a linha do violino e outras dobrando a melodia do cravo.

PIÈCES NAS QUAIS O CRAVO ACOMPANHA AS CORDAS

As pièces nas quais o cravo tem a função de acompanhar a melodia que se


encontra a cargo das cordas (a maioria das vezes do violino) são La Livri (Premier
Concert), Premier rondeau gracieux de La Timide (Troixième Concert),
L’Indiscrètte (Quatrième Concert) e La Cupis (Cinquième Concert).
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La Livri é provavelmente uma homenagem ao Conde de Livri, falecido em


julho de 1741, ano em que foram compostas as Pièces de Clavecin en Concert
(SAINT-ARROMAN; LESCAT, 2011). Nesta peça observa-se a melodia a cargo do
violino enquanto a viola da gamba e o cravo acompanham com arpejos. Esta parte
inicial contém duas frases praticamente iguais, sendo que a primeira termina na
dominante e a segunda, mais conclusiva, na tônica. Apesar de a participação dos
três instrumentos ser continua no decorrer da peça, o papel principal do cravo (e
da viola da gamba) é o de acompanhante, seja com arpejos ou reforçando algumas
partes da melodia, que se encontra a cargo do violino.

Exemplo 5: La Lirvi, início

O objetivo das divisões visa entender e analisar principalmente a função


que o cravo tem em cada uma das pièces, por outro lado, e como explica Mangsen
(1983-84), em várias das pièces o violino possui o seu material, independente dos
demais instrumentos por, ao menos, um terço do movimento. Assim, fica
evidenciada a participação dos outros dois membros do ensemble, os quais em
muitas das peças dobram e reforçam a linha do cravo, ou simplesmente o
acompanham; em outras partes, sobretudo o violino, possuem uma melodia
independente. Ademais, no que diz respeito à viola da gamba, esta ganha cada
vez mais independência a partir do primeiro concerto até o quinto, no qual a sua
participação é muito mais presente, independente e indispensável. Não é de se
estranhar que justamente por esse motivo o primeiro movimento do quinto e
último concerto da coleção seja dedicado a um gambista, Marin Marais
(LINARDI, p. 59-60, 2013).
Assim, a participação e função das cordas nesta coleção contradiz a
especificação que Rameau escreveu no prefácio das Pièces de Clavecin en
Concert, na qual diz que as mesmas não perderiam absolutamente nada se
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tocadas somente no cravo5, de fato o compositor realizou a transcrição de cinco


das pièces para cravo solo: L’Agaçante, L’Indiscrètte, La Livri e La Timide I e II
(MANGSEN, 1983-84, p. 25, vol. II). Esta afirmação não resulta inteiramente
satisfatória em todas as Pièces de Clavecin en Concert devido ao fato de que em
várias delas a ausência das cordas deixaria a peça incompleta por causa da
independência entre os três instrumentos e, como foi explicado, em várias das
peças a melodia se encontra a cargo de um dos instrumentos melódicos.
Uma característica a se salientar desta coleção é que os cinco concertos
estão escritos em tonalidades maiores e menores com suas respectivas relativas
como acontecia com as suítes para alaúde estando, portanto, unificados pela
tonalidade que cada um possui. Outro traço importante é que no último concerto
se pode perceber uma coerência rítmica, visto que o segundo movimento
denominado La Cupis é lento contrastando, desta forma, com o primeiro, Fugue
La Forqueray, e o terceiro, La Marais, que possuim andamento rápido. No
primeiro concerto, apesar que de forma menos notória, percebe-se também um
contraste rítmico entre os três movimentos que o conformam, ou seja, rápido -
lento - rápido, respectivamente. Isto resulta uma exceção a praticamente o resto
dos concertos desta coleção, já que as danças que os integram não possuem um
contraste rítmico definido entre cada uma delas, portanto, a não ser pela
tonalidade que as unifica, como já foi dito, não existe outro motivo pelo qual uma
dança possa pertencer a um ou a outro concerto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da mesma forma que os seus antecesores, Rameau adotou os recursos


estilísticos e composicionais do alaúde para compor seus livros de peças para
cravo solo, os quais comtêm coleções com grande variedade de recursos técnicos e
harmônicos; innovou a técnica do instrumento na utilização de uma maior parte
do registro do teclado, na combinação de padrões rítmicos e no uso de
dissonâncias que enriqueceram o repertório do cravo. Na sua coleção de Pièces de
Clavecin en Concert plasmou todos esses recursos técnicos, harmônicos e
melódicos, combinando três instrumentos que interagem entre si e realçando o
virtuosismo do cravo, o que marcou um precedente de uma composição para trio
que se perpetuou nas gerações seguintes.
Por meio do sucesso das Sonates op. 3 de Mondonville e posteriorimente as
Pieces de Clavecin en Concert de Rameau, ficou estabelecido na França um novo
tipo de escrita obbligato para o cravo, que já não se limitava à realização do baixo
contínuo em um ensemble, mas sim, possuia um papel de destaque ou
compartilhava o protagonismo com outros instrumentos melódicos, realçando
assim, todas as suas possibilidades.

5 Ces Pièces éxécutées sur le Clavecin seul ne laissent rien à défirer (RAMEAU, 2011, [i]).
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Por tanto, assim como as Sonates op. 3 de Mondonville encorajarom


Rameau a compor sua coleção de Pièces de Clavecin en Concert, estas últimas
influenciaram os compositores da época que começaram a investir neste tipo de
escrita para cravo obbligato em combinação com outros instrumentos melódicos,
encontrando-se as mais variadas combinações e tendo sempre ao instrumento de
teclado como solista ou protagonista do grupo.
Podem ser mencionados a modo de exemplo aso seguintes comositores:
Joseph Bodin de Boismortier (1689-1755) com as Sonates pour un clavecin et une
flûte traversière (ca. 1742), Jean-Baptiste Dupuits (ca. 1700-1757?) que publicou
as Sonates pour um clavecin et um viéle (1743) e Luc Marchand (1709-1799) que
publicou as Pièces de clavecin avec accompagnement de violon, hautbois,
violoncelle ou viole (1747), nas quais varia a instrumentação em cada umas das
suítes, para mencionar alguns exemplos. O próprio Mondonville compôs mais
uma coleção em 1748 denominada Pièces de clavecin avec voix ou violon op. 5,
que estão baseadas em textos dos salmos e destinadas a serem cantadas por uma
voz soprano ou tocadas por um violino, sendo a parte do cravo obbligato (ONG,
2009, p. 310-312).
Estes são alguns dos tantos exemplos de composições para cravo obbligato
acompanhado de outros instrumentos melódicos que contribuiram para que a
música francesa de meados do século XVIII tivesse grande repercussão fora da
França influenciando aos compositores de outros países, que adotaram
características composicionais e o gosto francês nas suas obras.

REFERÊNCIAS

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Dictionary of Music and Musicians. Washington: Macmillan. Disponível em:
<http://dl.dropbox.com/u/17831110/Grove/Entries/S00362.htm>. Acesso em: 23
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français 1650-1673. Belgique: Éditions Mardaga, 2008, p. 53-68.
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519

LINARDI, Maria E. As Pièces de Clavecin en Concert de Jean-Philippe Rameau e


a escrita para cravo obbligato na França no início do século XVIII. Dissertação de
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MANGSEN, Sandra. Rameau’s Pièces en Concerts. Early Keyboard Journal.
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