FACULDADE DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
Niterói
2014
DANIELA FRANCO CERQUEIRA
Niterói
2014
Folha de Aprovação
COMISSÃO JULGADORA
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Prof. Dr. Marcelo Dias Carcanholo
Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Prof. Dr. Alexis Saludjian
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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Prof. Dr. Eduardo Costa Pinto
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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Prof. Dr. Victor Leonardo Figueiredo Carvalho de Araújo
Universidade Federal Fluminense (UFF)
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Profa. Dra. Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Este trabalho tem o objetivo de identificar em que medida o processo de integração do Brasil
com os países da América do Sul, entre os anos de 2003 e 2010, contribuiu para configurar
uma base produtiva através da qual o país pode promover estratégias que visem superar a
sua condição de país dependente e periférico. Além disso, caracterizando o padrão de
integração, pretendemos verificar as repercussões desse processo sobre as outras nações sul-
americanas e possíveis contribuições para a superação das debilidades estruturais dessas
economias. Para tanto, esta pesquisa analisa o perfil do Investimento Externo Direto (IED)
brasileiro na América do Sul e a importância de tais inversões em oito dos países que
compõem a região (Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador, Chile, Colômbia e
Peru). Na caracterização dos resultados da integração produtiva, são analisados, também,
alguns projetos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da Região Sul-Americana
(IIRSA) e os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) para obras de infraestrutura da região. Aqui assinalamos a relação entre a
infraestrutura física e energética, os investimentos das empresas brasileiras e o comércio
entre os países da região.
The present work has the objective of identifying in which extent the process of integration
of Brazil with the South America countries, concerning the period between 2003 and 2010,
contributed in configuring a productive base by which the country (Brazil) can promote
strategies aiming to get over its condition of peripheral and dependent country. Furthermore,
characterizing the integration pattern, we intend to verify the repercussions of this process
over the other South American nations and possible contributions for these economies’
debilities overcoming. In order to do this, this research analyses the Brazilian External
Direct Investment (IED) profile in South America and the importance of such inversions in
eight of the countries that compose the region (Argentine, Uruguay, Paraguay, Bolivia,
Ecuador, Chile, Colombia and Peru). In the characterization of the productive integration’s
results, some of the Initiative for Integration of South American Region Infrastructure
(IIRSA) and the National Bank for Economic and Social Development’s (BNDES)
financing for infrastructure buildings in the region’s countries are also analyzed. Here we
mark the relation between the physical and energy infrastructure, the Brazilian companies’
investments and the commerce among the region’s countries.
Tabela 10 - Investimento Direto Externo Brasileiro segundo o país receptor e com exclusão
de alguns paraísos fiscais, 2001-2010................................................................................. 125
Tabela 13- Margem de Lucro das empresas brasileiras segundo o mercado de atuação: 2008
– 2012.................................................................................................................................. 153
Gráfico 4 - Decisões do Copom sobre a meta da Taxa Selic no Brasil e Taxas de Juros dos
EUA: 1999 – 2008................................................................................................................. 86
Gráfico 5 - Variação real anual dos componentes do Produto Interno Bruto: Brasil, 2000-
2008....................................................................................................................................... 88
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 13
1. Objetivo......................................................................................................................... 13
2. Hipóteses e algumas questões metodológicas............................................................. 18
3. Estrutura dos capítulos................................................................................................ 21
5. Conclusões...................................................................................................................... 206
Referências..................................................................................................................... 213
13
INTRODUÇÃO
1. Objetivo
contribuição para a superação das debilidades estruturais dessas economias. Para tal, esta
pesquisa analisa o perfil do Investimento Externo Direto (IED) brasileiro na América do Sul e
dos projetos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da Região Sul-Americana
(IIRSA) considerados prioritários pelo governo brasileiro e aqueles projetos que contaram
com financiamento do BNDES.
Além disso, esta tese pretende contribuir com os estudos que visam caracterizar o
projeto brasileiro de integração regional, bem como na análise crítica da estratégia
governamental de promoção do desenvolvimento do Brasil. Temas que têm mobilizado um
conjunto de pesquisadores que tentam caracterizar a economia brasileira contemporânea,
explicitando o caráter da expansão capitalista dentro do seu território e o modelo de
crescimento que o país tem “exportado” para a América do Sul.
Aqui ressaltamos que a seleção da infraestrutura como representativo dos projetos de
integração regional apoia-se na avaliação do MRE, que dentre as áreas de intervenção
propostas pela União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), aquelas que mais avançaram
na sua implementação, entre os anos de 2003 e 2010, foram as inversões na infraestrutura
física e na integração energética do continente1. Na área da energia, as ações se materializam
tanto através de alguns investimentos brasileiros na região, em especial, aqueles realizados
pela Petrobrás, quanto via financiamento de projetos de infraestrutura - como a ampliação de
gasodutos e a construção de hidrelétricas. Assim, consideramos que a partir da análise do IED
e dos projetos da IIRSA, abarcaremos as principais dimensões do processo de integração no
período.
A especificação do tema e definição dos objetivos da pesquisa, acima mencionados,
partiu da constatação de que, apesar da imbricação entre os dois movimentos e da reafirmação
dos dois processos como essenciais à consecução do desenvolvimento do país, eles têm sido
tratados de maneira diferente nos documentos oficiais. No que se refere à internacionalização
das empresas brasileiras, à integração produtiva com América Latina e Caribe e à integração
com a África são classificadas como destaques estratégicos “para o desenvolvimento
produtivo do país no longo prazo”, na medida em que podem abrigar investimentos ou se
constituírem em mercados para os produtos brasileiros (MIDC, 2008).
1
As ações na área da saúde quase se restringiram a acordos para o acesso recíproco das populações da fronteira
aos serviços de saúde. Na educação, aos acordos para o ensino do espanhol e do português como segunda língua
nas regiões de fronteira e outras ações para difusão da língua portuguesa nos países da região. Na área de ciência,
tecnologia e inovação a principal ação foi a compatibilização do padrão de TV digital utilizado pelos países. Para
maiores detalhes, ver MRE (2010).
15
A ideia é que uma maior inserção nos mercados do cone sul possa contribuir para
manter a competitividade das empresas brasileiras que sobreviveram ao processo de
desnacionalização dos anos de 1990, evitando, assim, o aumento das obrigações financeiras
com o exterior. Além disso, considera-se que,
[...] em uma economia globalizada, a competitividade das firmas nacionais
em mercados estrangeiros torna-se crescentemente importante para a
performance do país como um todo. A internacionalização deve ser vista
como um meio essencial para o aumento da competitividade internacional
das empresas, promovendo o desenvolvimento dos países e facilitando a
reestruturação econômica e o acesso a recursos e mercados. (ALÉM et al,
2010, p. 42).
2
Outros objetivos do Mercosul são: i) estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC); ii) adoção de uma
política comercial comum e iii) coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais.
16
visa impulsionar “la integración regional en materia de energía, educación, salud, ambiente,
infraestructura, seguridad y democracia”. (UNASUR, 2014).
Desse modo, a Unasul expressa que o processo de integração é uma proposta que
transcende a órbita comercial — isto é, de facilitadora dos fluxos de bens e serviços dentro do
espaço regional — ou de mera busca de eficiência produtiva de empresas, e se coloca como
um elemento da estratégia de desenvolvimento para tais países. Tal perspectiva está
corroborada, também, em diversos documentos oficiais, assim como em declarações
presidenciais, de ministros das relações exteriores e de diplomatas pertencentes ao quadro do
Itamaraty3.
No âmbito dessas declarações, destaca-se, por exemplo, Guimarães (2005), segundo o
qual a política externa deve ter como objetivo manter a soberania nacional e ser um
instrumento que permita a um país eliminar as desigualdades sociais e debilidades estruturais
econômicas e políticas. A estratégia adequada à promoção dos interesses nacionais depende
do contexto histórico.
No presente, a chamada globalização resultou no aumento das assimetrias mundiais
nos âmbitos político, tecnológico, financeiro e militar, sendo que a concentração do poder e
da riqueza se fez em benefício dos principais países desenvolvidos. Nesse contexto, a
integração regional com os países da América do Sul se fortalece como alternativa possível
para dotar tais países de capacidade de intervenção no âmbito mundial, com vistas a criar as
condições de promover o seu interesse e de realizar políticas em torno de um modelo comum
de desenvolvimento.
As declarações conjuntas de países do Cone Sul também corroboram a perspectiva
acima descrita e enfatizam a prioridade dada à construção da integração com o objetivo de
permitir uma inserção autônoma destes países na economia internacional. Considera-se que,
[...] a integração regional constitui uma opção estratégica para fortalecer a
inserção de nossos países no mundo, aumentando a sua capacidade de
negociação. Uma maior autonomia de decisão nos permitirá enfrentar de
maneira mais eficaz os movimentos desestabilizadores do capital financeiro
especulativo, bem como os interesses contrapostos dos blocos mais
desenvolvidos, amplificando nossa voz nos diversos foros e organismos
multilaterais. Nesse sentido, destacamos que a integração sul-americana
deve ser promovida no interesse de todos, tendo por objetivo a conformação
de um modelo de desenvolvimento no qual se associem o crescimento, a
justiça social e a dignidade dos cidadãos. (MRE, 2003).
3
Para maiores detalhes sobre o acordo constitutivo da Unasul e declarações de chefes de Estado do referido
bloco, indicamos a página do Itamaraty. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-
integracao-regional/unasul>.
17
Ainda que as conclusões da tese tenham sido mais abrangentes que as hipóteses
inicialmente formuladas, consideramos importante assinalar as suposições que balizaram a
elaboração da pesquisa:
1. O Investimento Externo Direto Brasileiro na América do Sul está vinculado ao
processo de internacionalização de empresas brasileiras e tem sido conduzido segundo a
lógica de lucratividade das empresas que participam dessa internacionalização. Isto significa
que a intervenção estatal não se orienta no sentido de estabelecer diretrizes econômicas
prioritárias para integração, tais como: a definição de setores estratégicos e metas de inovação
que reduzam a dependência tecnológica, de modo que o IED não contribuiu para uma
alteração significativa da estrutura produtiva do país, adensando as cadeias produtivas ou
estimulando as empresas a diversificarem sua produção em direção a bens de maior valor
agregado. Até agora não se observou o efeito de “transbordamento” para a economia interna,
que supostamente a inserção internacional de capitais brasileiros promoveu. Ao contrário, ao
19
supomos que existe uma homogeneidade entre o país e a região. Ao contrário, reconhecemos
a posição diferenciada do Brasil na América do Sul. Isto é, embora o país não domine os
requisitos tecnológicos da produção dos bens e serviços que estão na fronteira da acumulação
do capital, como os países centrais do capitalismo, a sua estrutura produtiva, mesmo após a
reestruturação produtiva regressiva dos anos de 1990, apresenta um grau de complexidade e
um nível de especialização que é superior ao verificado nos outros países da América do Sul.
Portanto, comparativamente às outras nações da região, o Brasil apresenta um nível de
diversificação produtiva maior de sua economia, o que lhe confere um grau mais elevado de
autonomia e de instrumentos, os quais podem ser utilizados para sua expansão e dos capitais
presentes no seu espaço nacional.
O que queremos ressaltar é que a relação entre integração produtiva e ruptura com a
dependência não é automática, de modo que, mesmo conservando sua posição subordinada, a
economia brasileira pode impulsionar o aumento da integração regional e ainda contribuir
para manter ou reforçar a posição dependente dos outros países da região. Além disso,
consideramos que a capacidade produtiva e financeira diferenciada coloca para o processo de
integração o risco de aumentar as assimetrias intrarregionais e, portanto, explicita a
necessidade de considerar que as relações periferia-periferia são capazes de engendrar uma
divisão do trabalho que resulte na regressão produtiva de algumas nações pertencentes ao
bloco.
Por fim, mencionamos que a pesquisa não pode contar com acesso detalhado às
informações referentes ao financiamento do BNDES para as obras de infraestrutura da região.
A partir das estatísticas sobre os desembolsos de recursos para tais projetos, disponíveis na
página do banco, não é possível aferir com exatidão os montantes destinados para realização
de obras em cada um dos países da América do Sul, de modo que as informações utilizadas
são uma proxy do fenômeno4. Os dados sobre as exportações financiadas (modalidade através
da qual são financiadas as obras de infraestrutura) somente são apresentados conforme a
categoria de uso (Obras de infraestrutura, bens de capital e outros setores) ou por destino
geográfico. Com isso, não conseguimos estabelecer um cruzamento de dados da categoria de
uso por destino geográfico.
4
O maior acesso não apenas aos montantes envolvidos no financiamento dos projetos de empresas brasileiras e
estrangeiras, assim como, a explicitação dos critérios de aprovação dos empréstimos são reivindicações de
diversos movimentos sociais e entidades da sociedade civil que compõem a chamada Plataforma BNDES. Para
maiores detalhes sobre a questão, ver Tautz et al. (2010).
21
A fim de dar conta dos objetivos propostos, estruturamos a tese em quatro capítulos,
cujo conteúdo explicitamos abaixo.
No Capítulo 1 são caracterizados os determinantes externos da dependência. Além de
especificar os seus elementos constitutivos, explicita-se os elementos a partir dos quais
partimos para apreender em que medida se construiu a base sobre a qual o Brasil pode
questionar sua posição de periferia e promover estratégias de superação do
subdesenvolvimento. Para tanto, se evidencia alguns dos pressupostos do modelo de
desenvolvimento capitalista neoliberal no qual a América Latina foi inserida e a partir do qual
foram gestados projetos de integração regional. Em seguida, utilizando a Teoria Marxista da
Dependência (TMD) e, em especial, as contribuições de Ruy Mauro Marini, define-se a
condição de dependência e são expostos os seus mecanismos de reprodução: a subordinação
tecnológica e financeira, as transferências de valor das economias periféricas para as
economias centrais e o modo como internamente as economias periféricas compensam tais
transferências – a superexploração da força de trabalho. Aqui, também, são destacados
elementos do atual padrão de acumulação do capital que agravam a condição dependente da
região.
Em seguida, destaca-se a opção política da burguesia brasileira que conduz ao reforço
da dependência, assim como, o papel que o Estado Nacional cumpre para assegurar que o
grupo hegemônico possa aproveitar ao máximo a estratégia de vinculação subordinada à
economia internacional. Por último, elencamos algumas diferenças entre o Brasil e os países
da América do Sul, com vistas a caracterizar as assimetrias que existem entre o país e a
região.
22
A internacionalização brasileira dos anos 2000 se insere num contexto de aumento das
assimetrias mundiais no âmbito político, tecnológico e financeiro no qual a concentração do
poder e da riqueza se fez em benefício das principais economias desenvolvidas. Isto é, os
investimentos de empresas brasileiras no exterior ocorrem num contexto internacional
caracterizado pela:
aceleração do progresso científico e tecnológico e a restrição a sua difusão
por motivos empresarias e militares; a reorganização das empresas, dos
mercados e das organizações militares; a reorganização territorial; a
integração dos mercados mundiais e sua crescente oligopolização; a
concentração de poder econômico, político, militar e ideológico no centro do
sistema mundial; o persistente esforço de normatização com o objetivo de
consolidar juridicamente essa concentração de poder [...]. (GUIMARÃES,
2005, p. 248).
Chamar a atenção para o aumento das assimetrias da economia mundial tem o objetivo
de salientar que a reconfiguração do capitalismo mundial, através do que é comumente
chamado de globalização 5, acentuou as características dependentes da América do Sul e do
Brasil, em particular.
As transformações pelas quais passou a economia mundial na sua base produtiva e no
funcionamento dos mercados financeiros internacionais configuraram um novo padrão de
acumulação capitalista marcado pela liberalização dos fluxos de mercadorias e de capitais.
Com a adoção do modelo neoliberal, a partir da abertura comercial e financeira, o Brasil entra
em contato com o novo padrão de acumulação capitalista, sendo reintegrado aos fluxos de
capitais internacionais e promovendo um conjunto de modificações na sua economia - que
incluíram fusões, aquisições, privatizações e adoção das novas formas de gestão e
organização do trabalho – e na sua inserção internacional.
O suposto objetivo dessas medidas liberalizantes foi o de promover a elevação da
produtividade, superando a pobreza e a concentração de renda 6. Nesse modelo adotado pelo
5
As modificações recentes da economia mundial, que têm sido resumidas sob a denominação de globalização,
correspondem a um estágio mais avançado da internacionalização e integração da economia mundial, tanto no
âmbito produtivo quanto financeiro. Tal integração ocorre com a hegemonia do capital fictício.
6
Essa abordagem completa pode ser vista em Franco (1998).
25
Brasil e demais países da América do Sul, a estabilização era apenas uma das etapas a cumprir
no conjunto de reformas que foi apresentado como a única opção para superar a crise da
dívida externa, a qual a região ficou envolvida durante toda a década de 1980. Conquistar a
estabilidade macroeconômica era, segundo esse modelo, a condição necessária — mas não a
única — para voltar a crescer, restariam, ainda, a reforma tributária, as privatizações, a
reforma do sistema previdenciário e a flexibilização do mercado de trabalho.
Tais reformas visavam reorientar as economias dos países latino-americanos para o
mercado externo, aproveitando as oportunidades abertas pela globalização, retirando o peso
excessivo do Estado na economia e aproveitando os mecanismos de estímulo à
competitividade e alocação eficiente de recursos que os mercados têm a oferecer.
Nessa perspectiva, as hierarquias entre países no sistema mundial podem ser atenuadas
através da adoção desse novo modelo de desenvolvimento. A globalização é encarada como
uma oportunidade aberta a todas as regiões, onde os capitais estariam dispostos, a partir dos
critérios de eficiência e maximização dos lucros, a se instalar em qualquer lugar, dotando tais
países das chamadas “vantagens competitivas”, impulsionando o desenvolvimento produtivo
(dada a transferência tecnológica) e aporte financeiro, permitindo à região competir no
mercado internacional.
O novo modelo parte da crítica a industrialização por Substituição de Importações (SI)
e da identificação da inserção do Brasil na globalização como essencial para criar um ciclo
virtuoso de crescimento. A primeira crítica à SI refere-se à criação de uma reserva de
mercado, a partir de barreiras tarifárias e do fechamento da economia ao comércio
internacional, responsável por gerar uma estrutura produtiva pouco dinâmica, sem capacidade
de inovação.
De acordo com essa interpretação, a “inovação tecnológica não pode ser produzida
com reservas de mercado, favorecimentos fiscais e regulatórios e, principalmente, ausência de
competição”. (FRANCO, 1998, p. 64). O modelo de substituição de importações, na medida
em que oferecia a proteção de mercado e garantia lucros às indústrias, tenderia
inexoravelmente à estagnação da taxa de crescimento da produtividade.
O segundo problema do SI estaria associado à participação do Estado na economia. De
acordo com essa abordagem, o crescimento brasileiro financiado pelo gasto público foi gerado
a partir de déficits fiscais e de inflação, provocando efeitos negativos sobre a distribuição de
renda e penalizando os mais pobres. Ainda segundo essa visão, o aumento das despesas de
custeio do Estado após a Constituição de 1988 — que vinculou receitas para os gastos sociais
e aumentou os gastos com a previdência social — resultou em déficits crônicos, retirando a
26
nova forma de inserção econômica da América Latina deve resultar do “[…] proceso que
surge al conciliar ambos fenómenos [...] la interdependência nacida de acuerdos especiales de
caráter preferencial y aquella impulsada basicamente por los señales de mercado resultantes
de la liberalización comercial general”. (CEPAL, 1994, p. 12).
Outra similaridade é o papel central que as empresas têm nesse processo, por isso a
Cepal advoga que os acordos não devem se constituir em entraves a integração impulsionada
pelo capital privado. Ao contrário, a ação estatal deve ser desenhada no sentido de reforçar as
estratégias empresariais.
A perspectiva da Cepal é que a integração ao eliminar as barreiras comerciais entre as
diversas economias reduz os custos de transação que, segundo a instituição, seriam as causas
da menor competitividade dos bens e serviços produzidos nos países sul-americanos. A
redução de custos através da eliminação de barreiras institucionais e legais resultaria no
aumento da produtividade que, por sua vez, se refletiria em maiores níveis de poupança,
gerando maiores níveis de investimento, criando um ciclo virtuoso.
Além disso, a integração permite, conforme a Cepal, o aproveitamento de vantagens
de escala através da especialização produtiva, estimula a competitividade e aumenta o
rendimento das inovações. A combinação de especialização e inovação permitiria aos países
latino-americanos desenvolver setores produtores de bens de maior valor agregado atendendo
a demanda de bens que possuem uma elevada elasticidade-renda no mercado internacional,
permitindo “a la región generar mayor valor agregado en su producción y apropriarlo por via
de las exportaciones”. (CEPAL, 1994, p. 57).
Os resultados da abertura comercial e financeira desses países foram, entretanto,
bastante diferentes da teoria. A adaptação de suas economias para atender aos novos padrões
organizativos da produção capitalista reforçou as características estruturais da América
Latina, que se expressam no aumento da dependência externa nos âmbitos financeiro,
produtivo e tecnológico e no crescimento das desigualdades sociais expressas no aumento do
desemprego, do subemprego e da queda do rendimento médio do trabalho.
A Teoria Marxista da Dependência (TMD) surge em meados dos anos de 1960, com o
intuito de explicar a situação subordinada dos países latino-americanos no sistema capitalista
mundial, através da “[...] aplicación creadora del marxismo-leninismo a la comprensión de las
28
especificades que asumen las leyes de movimento del modo de producción capitalista en
países como los latino-americanos”. (BAMBIRRA, 1978, p. 09).
A chave para tal análise, conforme a TMD, se encontra no lugar que tais países
ocupam no processo de acumulação do capital. Portanto, um dos pontos de partida da TMD é
a dinâmica da acumulação capitalista e a percepção de que a expansão desse modo de
produção incorporou as diversas regiões do mundo a sua lógica de valorização de maneira
diferenciada.
Tendo como referência a teoria do imperialismo de Lenin, ressalta a existência de
relações de subordinação nos âmbitos econômico, político e social que se destinam a
reproduzir a hierarquia e as desigualdades próprias do modo de produção capitalista. Tais
relações de subordinação dizem respeito tanto às relações entre classes sociais quanto aquelas
existentes entre as diferentes nações do mundo. Nesse caso, assinala a existência de uma
importância diferenciada dentro do sistema mundial entre os centros de acumulação do capital
(relações interimperialistas) e de relações assimétricas e hierárquicas entre os países do centro
e da periferia do capitalismo.
Além disso, entende que o desenvolvimento capitalista se apresenta de modo desigual
e combinado. O desigual se refere à noção de que o desenvolvimento capitalista não é linear e
nem realizado em etapas através das quais os países alcançariam níveis elevados de
desenvolvimento e bem-estar social. Ao contrário, cada nação passa por um processo
histórico particular, o que confere especificidades ao seu sistema econômico, não sendo
possível a “repetição das formas de desenvolvimento das diversas nações”. (TROTSKY,
2010). O combinado representa o caráter contraditório do desenvolvimento capitalista
mundial, que ao mesmo tempo em que constrói economias tecnologicamente avançadas,
expande sistemas produtivos débeis.
Portanto, a perspectiva de desigual e combinado, ao tempo em que atenta para a
necessidade de observar as especificidades históricas das formações econômicas e sociais de
cada nação, ressalta que a lógica de reprodução do sistema capitalista é contraditória e
geradora de desigualdades e exclusão, tanto internas aos países como no sistema mundial
entre nações. Por isso, o processo de acumulação do capital cria, ao mesmo tempo, países
desenvolvidos e subdesenvolvidos.
A dialética do desenvolvimento, assim percebida, concebe que o
subdesenvolvimento de alguns países/regiões resulta precisamente do que
determina o desenvolvimento dos demais. A lógica de acumulação de capital
em escala mundial possui características que, ao mesmo tempo, produzem o
desenvolvimento de determinadas economias e o subdesenvolvimento de
outras. É a esta dependência dos países periféricos, frente à acumulação de
29
Nessa perspectiva, a dependência é entendida como uma situação gerada pela lógica
de expansão do capital, em que a economia de alguns países (os periféricos) está condicionada
pela expansão de outras (as centrais). Representa, portanto, uma “[...] relación de
subordinación entre naciones formalmente independientes, en cuyo marco las relaciones de
producción de las naciones subordinadas son modificadas o recreadas para asegurar la
reproducción ampliada de la dependencia”. (MARINI, 1991, p.3).
Conforme Dos Santos (1970), diferentemente de outras teorias que admitem a
existência de uma dependência externa dos países subdesenvolvidos, a TMD vai além, no
sentido de entender a dependência como “a consequence and part of the process of the world
expansive of capitalism – a part that is necessary to integrally linked with it”. (DOS
SANTOS, 1970, p. 231).
Ainda de acordo com o autor, a condição de dependente se mantém na medida em que
as economias centrais preservam o controle monopólico sobre a tecnologia, as finanças e o
comércio exterior – assegurando preços baixos das matérias-primas e preços altos dos bens
industriais – resultando numa desigual estrutura produtiva entre os países e alta concentração
de renda (DOS SANTOS, 1970).
Portanto, a lógica de expansão do capital teve e tem um papel chave na gestação da
organização da produção e das economias latino-americanas, conferindo-lhes um menor
desenvolvimento das forças produtivas (quando comparado com os chamados países
desenvolvidos) e um papel diferenciado na condução do processo de acumulação do capital,
que implica relações de subordinação.
O resultado é de um lado sistemas produtivos diversificados, dotados de capacidade de
gestar um crescimento autônomo e, de outro, economias caracterizadas pela fragilidade
financeira e tecnológica cuja expansão é dependente, porque está “conditioned by the
30
development and expansion of another economy to which the former is subjected”. (DOS
SANTOS, 1970, p. 231).
7
Os esquemas de reprodução são analisados em O capital, partindo de pressupostos simplificadores da realidade,
uma vez que “el objetivo de los esquemas no es el de dar cuenta de la compleja interrelación entre los numerosos
capitales tal como existen en el proceso concreto [...] en el somente lo que se analizan [son] las relaciones de
interdependencia entre los grandes sectores de la producción desde el punto de vista de los valores y valores de
uso”. (GILL, 2002, p. 350).
31
9
Na 1ª. revolução industrial a produção têxtil ocupou lugar de destaque; na 2ª. revolução industrial o setor
químico e automobilístico se constituíram nos mais dinâmicos.
10
Para se configurar como uma clássica revolução industrial ainda é necessário que os processos produtivos
adotem um novo padrão energético o que ainda não ocorreu.
11
Aqui não abordaremos as questões relativas ao declínio e ascensão de novos padrões de acumulação que nos
remeteriam a uma discussão sobre a taxa de lucro e as crises capitalistas. O que nos interessa aqui é ressaltar a
posição diferenciada dos países no sistema capitalista mundial a partir da diferente importância que os valores de
uso apresentam na produção de mais-valor, evidenciando, assim, a posição subordinada e dependente da
América do Sul e do Brasil nesse sistema.
32
12
A caracterização das crises capitalistas foge ao escopo de nosso trabalho. Para uma discussão sobre as causas e
formas de manifestação da crise remetemos para Carcanholo (1997). Para discussões acerca da crise
contemporânea, ver Carcanholo (2010), Arrizabalo (2012) e Gill (2009).
13
Para exposição detalhada dos desdobramentos da crise de superprodução do capital, ver Marx (1988, livro III,
cap. XV).
14
O capitalista não emprega o seu capital se for “[...] incapaz de explorar o trabalho num grau de exploração que
é condicionado pelo desenvolvimento ‘sadio’, ‘normal’ do processo de produção capitalista, num grau de
exploração que ao menos aumenta a massa de lucro com a massa crescente do capital empregado; que, portanto,
exclui que a taxa de lucro caia na mesma proporção em que o capital cresce, ou até que a taxa de lucro caia mais
rapidamente do que o capital cresce”. (MARX, L. III, Vol. IV, 1988, p. 183).
15
A elevação da produtividade, através da introdução de novas tecnologias ou de processo de reorganização do
trabalho, também está entre os elementos utilizados pelo capitalista individual para recompor as suas condições
de valorização.
34
setor de bens de capital ou seu pouco desenvolvimento produz uma fissura no processo de
acumulação capitalista. Isso porque, existe um descompasso entre renda interna gerada na
acumulação e as novas inversões necessárias à continuidade da expansão. Em outras palavras,
apesar do poder aquisitivo gerado internamente nos países subdesenvolvidos, o processo de
inversão de novos capitais se faz, principalmente, através das importações de máquinas e
equipamentos, diminuindo as sinergias entre os setores e os estímulos internos a expansão.
Portanto, o modelo de inserção capitalista internacional através das exportações de
bens primários e commodities industrializadas16 que vem sendo adotado nos países do
continente, ainda que tenha preservado segmentos dos setores industriais, estes não mais se
colocam como articuladores de uma dinâmica de crescimento dessas economias. Ao contrário,
a especialização produtiva exportadora [...] operam sem estabelecer relações
orgânicas com o restante da estrutura produtiva local, ao demandar
prioritariamente do exterior equipamentos, bens intermediários e, em alguns
casos, até matérias-primas, para não falar da tecnologia e do design, sendo os
salários e impostos o aporte fundamental à dinâmica da economia local.
(OSORIO, 2012, p. 113).
Forma-se dessa maneira uma hierarquia entre os países que leva em consideração o
papel que desempenham na produção, constituindo países que cumprem funções mais
elaboradas (centrais) e aqueles aos quais estão designadas tarefas mais simples (periféricos).
Os países centrais, por serem os principais mercados e pela capacidade de alavancar
recursos financeiros, materiais e imateriais têm maiores condições de apoiar o processo de
expansão17. Ainda que ocorra a transferência de unidades produtivas para a periferia, isso não
significa transferência de tecnologia e nem de poderio financeiro, que continuam sob o
domínio dos conglomerados.
Martinelli et al. (1994) demonstram que paralelamente à descentralização das
operações produtivas de diversos oligopólios houve um “reforço da concentração de capital e
das estruturas de controle”. (MARTINELLI et al., 1994, p. 115), particularmente das
tecnologias e dos recursos financeiros nesses grupos. Nas palavras das autoras:
É interessante observar que as diferentes estratégias de reestruturação
(aquisições, joint-ventures, externalização, etc.) podem ser empreendidas em
simultâneo, e sobretudo que, embora acarretem uma concentração acrescida
de capital e do controle, não implicam necessariamente uma concentração
das operações. Com efeito, a produção pode permanecer fisicamente
atomizada; em função das exigências ligadas aos mercados de trabalho e dos
16
O que chamamos ao longo do texto de commodities industriais são os setores caracterizados pela produção em
larga escala de bens indiferenciados como alumínio, ferro, aço, cimento, celulose, além da indústria extrativa
mineral.
17
No caso dos EUA, acrescente-se o poderio militar.
36
Dentro desse limite geral, cada uma das economias periféricas vai se inserir na
produção mundial conforme as possibilidades da sua formação econômica e social. Ou seja,
ressaltar as determinações gerais da lógica de acumulação do capital na conformação da
estrutura produtiva das economias dependentes:
[…] no implica suponer que las regiones y naciones semiperifericas y
dependientes operarán como simple reflejo en su reproducción capitalista de
lo que acontece en los centros del sistema. Pero su espacio de acción estará
en el largo plazo delimitado por los movimientos de la reproducción
considera de manera sistémica. (OSORIO, 2004, p. 77).
18
Essas diferentes taxas de lucro são igualadas pela concorrência numa taxa geral de lucro, que é a média de
todas essas diferentes taxas de lucro. O lucro que, de acordo com essa taxa geral de lucro, cabe a um capital de
grandeza dada, qualquer que seja sua composição orgânica, chama-se lucro médio. (MARX, L. III, Vol, IV,
1988, p. 117).
38
19
Os preços que surgem “[...] calculando a média das diferentes taxas de lucro das diferentes esferas de produção
e adicionando essa média aos preços de custo das diferentes esferas e produção, são os preços de produção”.
(MARX, 1988, p. 117). Para estudo da questão, ver Marx (1988, livro III, cap. IX).
39
que as transnacionais com seu domínio dos mercados e poderio financeiro e tecnológico
abarcam as atividades mais rentáveis da economia, colocando os capitais de origem nacional
numa posição secundária na estrutura produtiva. No modelo de Industrialização por
Substituição de Importações (ISI), a ação do Estado Nacional nos países da América Latina,
principalmente nos maiores, como Brasil, México e Argentina, controlava setores estratégicos
da produção, o que contribuiu para limitar a inserção produtiva das transnacionais e, por
conseguinte, o aumento do passivo externo associado ao IED. Entretanto, os processos de
privatização e desnacionalização da estrutura produtiva, vividos pela América Latina,
resultaram no aumento do controle dos setores mais importantes dessas economias pelas
transnacionais, o que tende a elevar os montantes de transferência via esse mecanismo. A esse
respeito, cabe mencionar que, segundo a Cepal, entre 2003 e 2011,
[…] los beneficios que las empresas trasnacionales obtienen de sus
operaciones en América Latina y el Caribe se han multiplicado por cinco [...]
este fenómeno responde tanto al creciente peso de las empresas
trasnacionales en la economía de la región como al aumento de la
rentabilidad media, fruto del crecimiento de la demanda interna y de los altos
precios de las materias primas de exportación. (CEPAL, 2012, p. 55).
20
Prado Jr. (1966) também ressaltou o caráter desestabilizador das transnacionais sobre as economias
subdesenvolvidas em razão dos desequilíbrios externos e da instabilidade financeira. De acordo com o autor, o
descompasso entre as receitas de exportações, de um lado, e o pagamento das importações e remessas de lucros e
dividendos, de outro, resulta numa pressão sobre o balanço de pagamentos dos países subdesenvolvidas que
acaba freando o crescimento de suas economias. Isto é, “A exportação, a importação, o serviço financeiro do
capital estrangeiro e as novas inversões de capital [...] não se relacionam entre si de maneira a variarem em
função uns dos outros, assegurando um nivelamento, ou pelo menos uma tendência aos nivelamentos dos itens
respectivamente do haver e dever”. (PRADO JR., 1966, p. 204).
40
utiliza da superexploração da força de trabalho que “en términos capitalista [...] significam
que el trabajo se remunera por debajo de su valor”. (MARINI, 1991, p. 09).
O capitalismo dependente pode implementar a estratégia de superexploração da força
de trabalho através de três mecanismos: intensificação do processo de trabalho, aumento da
jornada de trabalho e/ou remuneração abaixo do valor da força de trabalho. O fundamental
para o capitalista nesse processo é alterar a relação entre trabalho excedente e trabalho
necessário, gerando uma maior taxa de exploração do trabalhador.
No que se refere à intensificação do processo de trabalho, observa-se um maior
desgaste da força de trabalho, que não é compensado pelo aumento do valor pago ao
trabalhador, ou seja, apesar do maior dispêndio de energia associado ao maior ritmo de
trabalho, sua remuneração continua sendo realizada com base nos bens necessários a sua
reprodução diária numa jornada de menor intensidade. Esse mecanismo equivale à redução do
tempo de trabalho necessário, já que a remuneração não repõe os elementos necessários à
recomposição física e mental do trabalhador.
Outra maneira de alterar a relação trabalho excedente/trabalho necessário é ampliando
o tempo da jornada de trabalho, aumentando a parte na qual o trabalhador se dedica a produzir
a mais-valia absoluta. Aqui, ainda que ocorra um aumento da remuneração da força de
trabalho, ela, geralmente, é inferior ao desgaste sofrido pelo trabalhador e insuficiente para
sua completa reposição. Portanto, representa a diminuição do tempo de trabalho necessário.
Por fim, a pura e simples remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor se constituiu
na outra maneira pela qual o capitalismo dependente utiliza para compensar a transferência de
valor para as economias centrais. A superexploração do trabalho se caracteriza
[…] por el hecho de que se le niega al trabajador las condiciones necesarias
para reponer el desgaste de su fuerza de trabajo: en los dos primeros casos,
porque se le obliga a un dispendio de fuerza de trabajo superior al que
debería proporcionar normalmente, provocándose así su agotamiento
prematuro, en el último, porque se le retira incluso la posibilidad de
consumir lo estrictamente indispensable para conservar su fuerza de trabajo
en estado normal. En términos capitalistas, estos mecanismos (que además
se pueden dar, y normalmente se dan, en forma combinada) significan que el
trabajo se remunera por debajo de su valor. (MARINI, 1991, p. 09).
Cabe ressaltar que isso não implica que as economias dependentes não incorporam
atualizações tecnológicas que promovam o aumento da produtividade. Ocorre que nem
sempre o aumento da produtividade implica em aumento da mais-valia. Conforme esclarece
Marini (1991, p. 04),
[…] si bien constituye la condición por excelencia de la plusvalía relativa,
una mayor capacidad productiva del trabajo no asegura de por sí un aumento
41
21
Para a caracterização das modificações no mercado de trabalho brasileiro nos anos de 1990 e suas repercussões
sobre os trabalhadores, remeto a Antunes (1995) e Pochmann (1998).
22
Aqui nos referimos à expropriação dos trabalhadores rurais no que poderíamos chamar de continuidade da
acumulação primitiva que separa, principalmente, os pequenos proprietários rurais dos seus meios de produção.
43
23
Segundo os dados das Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2005, a
participação da Remuneração dos empregados representou 40,1% do PIB e em 2009 43,6%. Se considerarmos
apenas os salários, os números são, respectivamente, 31,7% e 34,4%, o que representa um aumento na
participação dos salários no PIB de cerca de 8,5%.
24
Dados da pesquisa básica da PNAD, extraídos através do banco Sidra/IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/pnad/pnadpb.asp?o=3&i=P> Acesso em 17 de out. de 2014.
44
17,8%. Certamente, a diminuição dos ocupados com jornada laboral maior do que a legal está
associada ao aumento do emprego formal verificado na economia brasileira entre os anos de
2003 e 2008, o que obriga a observância das leis trabalhistas.
Tabela 1 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos
de horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os trabalhos e classes de rendimento
mensal de todos os trabalhos
Poderíamos apreender, através desses números, que houve uma melhora parcial da
qualidade do mercado de trabalho brasileiro, uma vez que houve uma redução do
prolongamento da jornada de trabalho. Entretanto, se considerarmos a remuneração recebida
por esses trabalhadores observamos que, relativamente a 2001, em 2009 aumentou o número
de trabalhadores que recebiam até 2 salários mínimos. Isto é, o aumento da jornada de
trabalho não foi compensado pelo aumento do salário, o que mostra o caráter estrutural de
funcionamento do mercado de trabalho brasileiro conjugando baixos salários com
prolongamento da jornada laboral.
funcionante acumulasse esses recursos. Desse modo, acelera a rotação do capital e permite o
aumento da massa de mais-valia25.
O capital portador de juros não apaga completamente a relação entre o capital
monetário e o capital produtivo, visto que os juros representam uma parte do lucro. Portanto,
ainda que indiretamente, a parte da mais-valia apropriada como juros está referenciada na
relação entre capital e trabalho. O capital fictício, entretanto, aparece completamente
dissociado da sua base objetiva de valorização, que é a exploração da força de trabalho,
porque o rendimento que se espera obter não necessariamente está referenciado num capital.
Portanto, não se define através de uma relação com a produção de mais-valia (que no capital
portador de juros é a cessão do valor de uso do capital para um capitalista funcionante).
Isso significa que no capital fictício, a relação produção/apropriação aparece invertida.
Enquanto na forma capital portador de juros a posse do capital dá o direito ao seu possuidor
de receber juros, isto é, “dá ao seu proprietário o poder de atrair para si o juro, certa parte do
lucro produzido pelo seu capital”. (MARX, L. III, Vol. IV, 1988, p. 242), no capital fictício a
produção é imputada a partir da capitalização do rendimento, ou seja, toda receita recebida
regularmente é concebida como juros, a partir da qual é calculado o capital correspondente,
seja tal rendimento proveniente ou não de um capital. Desse modo, o desdobramento da
“forma do capital portador de juros faz que cada rendimento monetário apareça como juro de
um capital, quer provenha de um capital ou não”. (MARX, L. III, Vol. V, 1988, p. 04).
Como mencionamos anteriormente, o capital fictício está composto pelos títulos de
propriedade (dívida pública, ações, derivativos, títulos privados, bônus) que “representam de
fato apenas direitos acumulados [...] cujo valor monetário ou valor-capital ou não representa
capital algum [...] ou é regulado independentemente do valor capital real que representam”.
(MARX, L. III, Vol. V, 1988, p. 07). Daí o seu caráter especulativo, visto que a determinação
de seu preço de mercado pode diferir do seu valor nominal sem que tenha havido alterações
do valor do capital real que representa. “O valor de mercado desses papéis é em parte
especulativo, pois não é determinado apenas pela receita real, mas também pela esperada,
calculada por antecipação”. (MARX, L.III, Vol. V, 1988, p. 06).
Mesmo que o rendimento provenha de um capital, “o valor-capital desse título é
puramente ilusório”. (MARX, L. III, Vol. V, 1988, p. 05). As ações representam meramente
títulos de propriedade que dão direito sobre a mais-valia futura, e desde que possam ser
25
O capital portador de juros também é disfuncional a acumulação de capital, na medida em que não produz
mais-valia. Isso “redunda na redução da taxa média de lucro do sistema, pois uma mesma massa de mais-valia
terá que ser agora distribuída (apropriada) por uma massa de capital maior”. (CARCANHOLO, 2010, p. 06).
47
transferidos livremente tornam-se mercadorias cujo valor de mercado pode diferir do valor
nominal sem que tenha havido alterações do valor do capital real que representam. Portanto,
seu caráter fictício se dá porque,
[...] ele tem como base a participação de títulos de crédito em rendimentos
futuros, que podem nem se realizar, além do que o mesmo título pode ser
revendido inúmeras vezes, a partir da mesma taxa de juros, formando várias
propriedades (direitos de participação) com base em apenas um montante de
capital inicial, que pode nem completar o seu processo de circulação.
(CARCANHOLO, 2008, p. 269).
26
Cabe ressaltar que o sancionamento do Estado dessa riqueza especulativa é o que contribui para a grande
dimensão que tomou o aparato financeiro (as chamadas inovações financeiras) e a valorização fictícia. Isso
porque, a valorização fictícia se constitui em lucros financeiros não lastreados por lucros produtivos da
49
subordinação financeira dos países da região, que se expressa pelo aumento da fragilidade
financeira externa e do endividamento.
A importância desse mecanismo de transferência de valor é ressaltada por Amaral
(2012)27. Conforme a autora, no Brasil, “entre os anos de 1993 [...] e 2010, as despesas com
investimentos em carteira crescem 1980% enquanto que, no mesmo período, as despesas
derivadas de investimentos externos diretos crescem 787%”. (AMARAL, 2012, p. 124) 28.
Tais números são a expressão da importância que a dinâmica financeira tem hoje, segundo a
autora, para caracterizar a dependência.
A segunda característica da dependência financeira se refere à perda de autonomia na
gestão macroeconômica (políticas monetária e cambial). Na medida em que tornou as
economias mais reflexas à conjuntura internacional, se debilitou seus centros internos de
decisão com a transferência do poder de fixação de variáveis centrais na determinação da
trajetória econômica para os mercados.
economia, mas podem se tornar rendimentos viabilizados monetariamente, por causa da intervenção das
autoridades monetárias. É a possibilidade do Banco Central atuar como emprestador de última instância,
fornecendo dinheiro ao sistema antevendo a possibilidade de desvalorização da riqueza fictícia que permite a
manutenção e a concretização dos ganhos virtuais. Isto é, na ausência de compradores dos títulos e ações
valorizadas indevidamente, o BC fornece dinheiro ao sistema para que os valores virtuais se transformem em
efetivos (BRAGA, 2000).
27
Amaral (2012) ressalta a importância da dependência financeira no período atual, na medida em que a
fragilidade externa e a vulnerabilidade que a economia brasileira apresenta têm causas estruturais, ou seja,
repousa sobre a desestruturação regressiva de sua economia.
28
A dinâmica financeira se referencia na dinâmica produtiva, inclusive, através da maior geração de rendas de
propriedade em função do crescente consumo “que o desenvolvimento tecnológico autônomo dos países centrais
vai impondo ao resto do planeta”. (AMARAL, 2012, p. 135). Acrescente, ainda, que “os processos produtivos
são conduzidos, há pelo menos três décadas, sob a pressão rentista e curtoprazista que é própria dessa lógica.
Será mero acaso a feição acelerada e efêmera do atual paradigma tecnológico-produtivo?”. (AMARAL, 2012, p.
136).
50
Sampaio Jr. (1999, p. 149) destaca ainda que, “a ameaça – real ou potencial – de uma
insurreição dos condenados do sistema obriga os donos do poder a passar por cima de suas
diferenças e a cerrar fileiras contra o inimigo comum: as classes subalternas.”. Diante de um
forte poder internacional capaz de alijá-la de seu espaço econômico e político dentro do
território nacional e de uma fraca base econômica e social que permita o enfrentamento das
pressões externas para a construção de um país autônomo, as classes dominantes adotam a
perspectiva de se vincular aos capitais internacionais. Isto é, abandonam o projeto de
construção nacional e se articulam com os interesses internacionais.
[...] a nação não chega a ser definida como objetivo central do
desenvolvimento capitalista, invariavelmente centrado, através das
mudanças mais ou menos profundas ocorridas em cada fase, sobre alvos
29
Apesar de ressaltar a necessidade de se contrapor aos mecanismos de transferência de renda para as economias
centrais, a abordagem de Fernandez difere da elabora por Marini. Para Fernandez (2006), a superexploração do
trabalho, ao promover uma renda extra, impede que as inovações vindas do centro provoquem a desestruturação
dos setores tradicionais da economia dependente, resultando numa conjuntura mercantil precária caracterizada
pela supressão da racionalidade econômica e da concorrência como mecanismo “de socialização dos ganhos de
produtividade que bloqueiam os processos responsáveis pela centralização dos capitais, no capitalismo
dependente a ordem econômica não pode ser considerada como motor endógeno do desenvolvimento”.
(SAMPAIO JR., 1999, p. 141). Por isso, dada à heterogeneidade estrutural dessas economias, não se pode
analisá-las somente a partir das determinações do ciclo do capital, sendo necessário analisar os mecanismos
extraeconômicos, como o controle político e social e como as diversas frações dominantes, conciliam seus
interesses visando a incorporação do progresso técnico em cada momento histórico.
51
30
Um dos objetivos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) era a expansão dessa proporção para 48%.
Para maiores detalhes, ver Lessa (1998).
52
31
A força é utilizada para as classes cujo projeto político e interesses orgânicos são antagônicos à classe
hegemônica, isto é, “um grupo social domina os grupos adversários, que visa “liquidar” ou a submeter inclusive
com a força armada.” (GRAMSCI, 2002, p. 62). Desse modo, um bloco histórico deve se organizar no sentido de
imprimir uma ação punitiva a todos aqueles que podem pôr em risco a hegemonia da classe dirigente. Cabe
ressaltar que nem sempre a utilização da força e de métodos violentos é o único meio de neutralizar ou
subordinar os grupos sociais antagônicos à classe dirigente. A direção política também faz parte do processo de
dominação, através do que Gramsci chamou de transformsimo, ou seja, “a absorção das elites dos grupos
inimigos [o que] leva à decapitação destes e a aniquilação por um período freqüentemente muito longo”.
(GRAMSCI, 2002, p. 63). Em outras palavras, o transformismo se expressa pela cooptação dos intelectuais das
classes antagônicas, fazendo com que estes abandonem o projeto das classes subalternas, aderindo a concepção
de mundo do grupo dirigente.
54
essencial. Sendo assim, a classe hegemônica não abre mão de seu controle sobre o núcleo
decisivo da atividade econômica. Nas palavras de Gramsci (2002, p. 48):
O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em
conta interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será
exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o
grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas
também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem
envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode
deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na
função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade
econômica.
Note que nessa readequação da política estatal nos anos 2000, não se questiona o
projeto de vinculação com o capital internacional, ao contrário, a perspectiva é transformar o
espaço nacional em base de operação para o capital internacional. Através da concessão de
facilidades creditícias e financeiras e de ampla liberdade de acesso aos recursos naturais do
país, espera-se interferir e reverter a estratégia de suprimentos das empresas transnacionais, de
modo que o Brasil passe a desempenhar funções na cadeia produtiva dessas empresas que
impliquem na produção de bens de maior valor agregado. Isto é, valorizar a
[...] participação das filiais brasileiras nas das redes mundiais de
fornecimento, o que implica na melhora das vantagens de localização da
economia brasileira, através de uma política de atração de investimento
direto estrangeiro articulada com políticas setoriais industriais, de ciência e
tecnologia e de comércio exterior, que busquem aumentar os impactos
55
Por fim, gostaríamos de ressaltar que os instrumentos dos quais o Estado brasileiro
atualmente dispõe para promover a expansão dos capitais sediados no seu espaço nacional
foram reduzidos, devido às privatizações e a perda de autonomia da política macroeconômica.
Embora não atue diretamente na produção material, os subsídios e aportes ao setor privado
são realizados através de política de incentivos fiscais e creditícios, redução tributária e
reformas legislativas que retiram os entraves à expansão do capital.
Acrescente-se, ainda, a desarticulação dos movimentos sociais, seja através da
cooptação de lideranças e do transformismo de seus principais intelectuais orgânicos ou da
utilização do aparelho jurídico e legal no sentido de limitar e interferir na ação do bloco
contra-hegemônico.
Tais condutas expressam a nova configuração que o Estado no período neoliberal
adquire, um Estado que embora afastado da produção direta possui a tarefa de “implementar
todas as reformas estruturais [...] garantindo o funcionamento livre do mercado, e controlar
até autoritariamente, se preciso for, os conflitos daí resultantes”. (CARCANHOLO, 2002, p.
14). Isso significa que a construção do Estado mínimo neoliberal afastado de funções
econômicas e sociais pressupõe um Estado forte, capaz de reformar a sociedade, adequando-a
a lógica de valorização do capital através da submissão de todas as instâncias sociais e
políticas (CARCANHOLO, 2002), reforçando o poder de decisão dos mercados em
detrimento dos mecanismos coletivos de definição dos rumos da economia e da política na
sociedade.
32
Argentina, México, Brasil, Chile, Uruguai e Colômbia.
57
No caso do Brasil, a política governamental do final dos anos de 1970 protegeu por
mais tempo o sistema produtivo do país da concorrência internacional e, com isso, preservou
por mais tempo a estrutura produtiva do país34. Do mesmo modo, as divergências em torno do
alcance da abertura comercial e financeira entre as classes dominantes, como veremos no
Capítulo 2, retardaram a entrada do país na globalização,
[...] reduzindo o ritmo da neoliberalização brasileira comparado aos demais
países da América Latina, ou, em outros termos, mais controlado pelo
contraditório jogo entre instâncias do grande capital de origem brasileira,
que via no processo, também, uma possibilidade de alçar-se, ainda que de
maneira dependente, ao novo patamar internacional de concentração.
(FONTES, 2010, p. 333).
33
A plena conversibilidade adotada pela Argentina contrasta com uma sistemática mais limitada de ancoragem
ao dólar no plano de estabilização brasileiro. Isso, também, contribuiu para a maior desestruturação do tecido
produtivo Argentino vis-à-vis aquele experimentado pelo Brasil. Para maiores detalhes sobre a trajetória da
economia Argentina desde os anos de 1980, ver Azpiazu (1996) e Basualdo (2010). Para elementos que
caracterizam o processo de desindustrialização do Chile e do México, ver Cano (2010).
34
Não é possível fazer um apanhado, ainda que breve, das condições sociais e políticas desses países que permita
uma caracterização da ação das frações dominantes nacionais. Somente queremos ressaltar que as mudanças
irradiadas dos centros capitalistas terão reflexos diferenciados sobre a estrutura produtiva dos países dependentes
e que tais diferenças estão associadas à formação histórica e social dessas nações.
35
Conforme mencionamos anteriormente, o papel do Estado tem sido central na condução da expansão
internacional da produção. A mobilização instrumentos financeiros como o Banco do Brasil e o BNDES e,
recentemente, a expansão de embaixadas e escritórios de representações diplomáticas fazem parte desse aparato
institucional que permite ao Estado brasileiro dar racionalidade e organizar a internacionalização produtiva via
IED.
58
36
Uma das expressões da mobilização popular e da negação do (neo)liberalismo como alternativa para a
sociedade brasileira está na constituição de 1988, que consagra alguns direitos sociais, vinculando, inclusive,
partes do orçamento público para a realização de políticas públicas no sentido da universalização da educação,
saúde e previdência social.
62
37
A quase totalidade das empresas estatais foi a leilão, contando com favorecimentos de todo tipo – subestimação
do valor das empresas, possibilidade de utilização das chamadas moedas podres, financiamento subsidiado pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), informações privilegiadas, preferência e
ajuda das autoridades governamentais, etc. (BOITO JR., 2004, p. 242).
63
38
Conforme Chesnais (1996), os fundos mútuos e os fundos de pensão são os principais grupos interessados e
beneficiados pelo processo de abertura financeira.
64
Ainda que a taxa de juros seja eventualmente uma fonte de atrito no bloco de poder, os
grupos não financeiros não são completamente antagônicos a essa política monetária, pois
também lucram aplicando nos títulos da dívida pública. Assim como na dinâmica especulativa
39
Para maiores detalhes sobre as diferentes estratégias dos grupos privados nacionais a partir dos anos de 1980,
ver Pinto (2010).
65
40
O autor usa o termo capital financeiro como “a fração do capital que se reproduz, fundamentalmente, ou
principalmente, na esfera financeira, no âmbito da acumulação fictícia, podendo assumir várias formas
institucionais – não excluindo as duas acepções anteriores”. (FILGUEIRAS, 2006, p. 185). Tais acepções são o
conceito de Hilferding e de Hobbson.
66
41
Para a caracterização detalhada da desestruturação do mercado de trabalho brasileiro nos anos de 1990, ver
Antunes (1995); Pochmann (1998).
67
com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - foi de 9,6%. Em 2008,
esse valor foi de 7,2%, voltando a apresentar trajetória de crescimento em 2009, quando
registrou a taxa de 8,3%. Caso a análise seja realizada através da Pesquisa de Emprego e
Desemprego (PED), os valores são 20,2% e 14,2%42, respectivamente.
No governo Lula, o modelo LP consolidou a readequação de algumas das políticas
econômicas adotadas para diminuir a sua instabilidade sem comprometer o essencial da lógica
de desenvolvimento do neoliberalismo, que são a abertura comercial e financeira, permitindo
a livre mobilidade de capitais e mercadorias. A maior instabilidade que a adoção do
neoliberalismo acarreta nos países periféricos se explica porque ele agrava os recorrentes
problemas de financiamento externo (fragilidade financeira externa) desses países, o que
significa o aumento da vulnerabilidade e das restrições externas ao crescimento.
Apesar disso, do ponto de vista das relações entre as classes hegemônicas, manteve-se
o peso e importância dos setores ligados às atividades financeiras no modelo. Isso se expressa
através da continuidade do processo de abertura financeira e pela manutenção da política
macroeconômica do segundo governo FHC, caracterizada pelo regime de metas de inflação,
taxa de câmbio flutuante e ajuste fiscal.
A conjugação de maior abertura financeira, de acordo com as recomendações
neoliberais, com a política macroeconômica de taxa de câmbio flutuante, resultou num
aumento do caráter especulativo dos mercados cambiais brasileiros a partir de 2006. Essa
dimensão especulativa na determinação da taxa de câmbio se constitui em um dos elementos
que caracterizam a chamada globalização financeira. A liberalização desse mercado significa
que o valor dessa variável chave da economia passa a depender da entrada e saída de capitais
internacionais, dos critérios de rentabilidade e solvência dos bancos, de empresas e de
rentistas sediados no Brasil e no exterior.
Ainda que no regime de câmbio flutuante ocorram intervenções do Banco Central do
Brasil (BCB), a desigual correlação de forças entre o governo e os mercados financeiros
internacionais - dada pela limitada quantidade de reservas de que dispõe o BCB vis-à-vis aos
montantes de massa de dinheiro que circulam no mundo - impede que em momentos de
42
A divergência entre os índices apresentados está relacionada às diferenças metodológicas das respectivas
pesquisas. A principal delas se refere à incorporação na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da categoria
Desemprego oculto por desalento: “pessoas que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias,
por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de
trabalho nos últimos 12 meses” (SAEDE, 2014). Acrescente-se, ainda, que a PED capta o desemprego apenas
nas regiões metropolitanas do país: São Paulo, Belém, Distrito Federal, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e
Salvador.
68
43
Farhi (2006) mostra a grande variabilidade da taxa de câmbio brasileira. Entre 1999 e 2002 a desvalorização
chegou a 225% e de 2002 a 2006 a valorização atingiu 45%.
44
De acordo com a legislação atual, as receitas de exportação podem ser integralmente recebidas no exterior.
Quando isso ocorre, não há contratação de câmbio, portanto não há alteração no fluxo cambial. Na contabilidade
do balanço de pagamentos o embarque da mercadoria é creditado na conta de exportação, mas um valor
equivalente é debitado da conta financeira, como uma operação de crédito comercial. Uma vez no exterior, não
há controle dessas receitas pelo Banco Central, já que essas podem ser usadas para gastos no exterior e, quando
são internalizadas, não se caracterizam mais como receitas de exportação, mas como transferência de ativos de
residentes e, portanto, entram como um fluxo financeiro. (ROSSI, 2012, p. 101).
69
razoável estabilidade dos preços45. A lógica presente nesse tipo de gestão é propiciar um
ambiente estável “que ofereça aos investidores possibilidade de traçar cenários e avaliarem os
riscos de escolha dos seus portfólios” (PINTO, 2010, p. 249), evitando perdas de capital. Isto
é, “a estabilidade da moeda é imprescindível para que a livre movimentação de entrada e
saída de capitais não seja afetada por incertezas e prejuízos que poderiam advir de variações
grandes ou abruptas na taxa de câmbio ou nos preços internos”. (BOITO JR., 2004, p. 274).
Nesse sistema, as autoridades monetárias imputam à taxa de juros a tarefa de limitar a
variação do valor da moeda nacional. Para que o sistema funcione é necessário, segundo seus
formuladores, manter a transparência na condução da política monetária, permitindo que o
mercado monitore e avalie o desempenho e compromisso da autoridade monetária com o
controle da inflação. A ideia é que tal conduta evita escolhas erradas dos agentes econômicos
mantendo as variáveis macroeconômicas em suas taxas naturais. Aposta-se, portanto, no
virtuosismo do mercado como gestor da atividade econômica, cabendo ao Estado a
manutenção de um ambiente que reforce as escolhas privadas de aplicação e investimentos.
O perfeito funcionamento do regime de metas de inflação, ainda segundo seus
idealizadores, requer a independência do Banco Central, de forma a evitar o gerenciamento da
política econômica tendo em vista outros critérios – por exemplo, aumento do emprego – que
não o controle da inflação 46. No caso do Brasil, a independência do Banco Central, embora
proposta durante o governo FHC, ainda não se colocou como uma questão fundamental
porque na prática essa instituição perdeu sua dimensão pública. Seu caráter privado se
materializa no desempenhado de suas funções de gestor do sistema financeiro nacional em
prol da criação ou reprodução dos elementos que caracterizam a acumulação do capital nos
padrões atuais. Aqui nos referimos não apenas à gestão da política monetária, mas ao auxílio
às instituições financeiras com a transferência de recursos públicos massivos e a
desregulamentação do sistema.
45
Partindo do pressuposto de que os agentes econômicos seguem uma lógica racional na formação de suas
expectativas quanto ao funcionamento futuro da economia e de que a moeda é neutra, os macroeconomistas
novo-clássicos concluem que a política monetária é ineficiente para estimular a demanda agregada e, portanto, o
aumento do emprego e da renda na economia. Acrescentam, ainda, que a política monetária discricionária do
governo, dada as expectativas racionais, somente provoca o aumento de preços, sendo, portanto, inconsistente,
com o objetivo da estabilização. Para maiores detalhes sobre a escola novo-clássica e os pressupostos do regime
de metas de inflação, ver Snowdon e Vane (2005).
46
No Brasil, o conselho Monetário Nacional (CMN) anuncia previamente a meta para a inflação e uma banda ao
longo da qual a meta pode variar. Além disso, fixa um horizonte temporal para se alcançar tal objetivo e utiliza
como parâmetro para mensurar o cumprimento dessa meta o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA)
(BCB, 2014).
70
resultando, também, num aumento da dívida pública. A situação financeira e fiscal do setor
público foi se deteriorando com o aumento expressivo da dívida pública que passou de 29,2%
do PIB, em 1994, para 50% em 2000 47, tornando o país mais dependente dos capitais
externos.
O crescimento do estoque da dívida coloca em xeque a possibilidade de refinancia-la,
o que significa a necessidade de aumento das taxas de juros internas, para atrair ainda mais
capitais para a sua rolagem. Junto com isso, surge a necessidade de contratar nova dívida,
visto que os fatores que a geram - o acúmulo de reservas e o déficit nas contas externas – não
são revertidos. Os juros aumentam numa relação direta com a vulnerabilidade externa da
economia e com a dependência de capitais estrangeiros para financiar o passivo externo
líquido. Com isso, as taxas de juros do Brasil não podem ser reduzidas abaixo de determinado
limite estabelecido pelas exigências de remuneração do capital.
Assim, entra-se num ciclo vicioso de endividamento que se expressa num aumento da
participação da dívida líquida do setor público no PIB. Em 2006, essa proporção representava
44% e, em 2009, diminuiu para 36,7%. Mesmo nos anos em que a proporção da dívida
pública no PIB diminuiu, dado o crescimento da economia, isso não significou uma
diminuição do seu montante em termos absolutos, que saltou de R$ 881,1 bilhões em 2002
para R$ 1.067,4 bilhões em 2006 e R$ 1.125,0 bilhões em abril de 2009 48.
Esses números revelam que a causa da significativa deterioração da situação fiscal do
Estado brasileiro se deve ao crescimento explosivo da dívida pública, ancorado em elevadas
taxas de juros para atender aos critérios de rentabilidade financeira do setor privado.
Conforme assinala Pinto (2010, p. 257), a “[...] taxa de juros alta é a expressão mais aparente
da atual hegemonia da fração bancária-financeira no interior do bloco no poder”. Para além de
uma variável macroeconômica, ela expressa uma relação de forças dentro da sociedade
brasileira capaz de gerir a política estatal. Através dela, a política macroeconômica do
governo Lula manteve a relação entre lucro bancário e dívida pública, como expressa a
análise do perfil dos detentores49 da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). No
47
Batista Jr. (1996).
48
Os dados se referem à Dívida líquida do Setor Público Consolidado. As informações foram retiradas do Banco
Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?DIVIDADLSP> Acesso em 12 de out. de 2014.
49
“Os principais compradores de títulos públicos no mercado interno podem ser divididos em seis grupos. [...]
‘Instituições Financeiras’ representa a carteira própria de bancos comerciais nacionais e estrangeiros, bancos de
investimento nacionais e estrangeiros e corretoras e distribuidoras. [...] bancos estatais, comerciais e de
desenvolvimento. As aplicações das instituições financeiras por meio de fundos de investimento também estão
vinculadas a esta categoria. A categoria ‘Fundos’ [...] as aplicações [...] a partir dos fundos de investimento,
excetuando-se aquelas detidas por ou com participação de instituições financeiras, entidades de previdência,
73
Gráfico 1, observa-se que, em 2011, as Instituições financeiras detinham quase um terço dos
títulos da dívida brasileira. Aqui, estima-se que a maior participação seja de bancos
comerciais nacionais que já no ano de 2008 representavam “[...] mais de 83% do segmento e
55,5% da DPMFi em poder do público”. (BITTENCOURT, 2008, p. 388). Acrescentando-se
a categoria Fundos de investimento50 (25,3%) – em que estão incluídos os grandes grupos
econômicos não financeiros - e as aplicações de não-residentes (11,3%)51, chegamos a cifra de
que quase 70% da dívida pública governamental está sob domínio de grandes grupos
financeiros e não-financeiros nacionais e internacionais.
31,5%
25,3%
15,4%
11,3%
8,8%
4,1% 3,6%
Cabe ressaltar que, a maior premência dos bancos comerciais na gestão da dívida
pública brasileira se explicita quando observamos que estas instituições são em sua maioria
50
Os Fundos de Investimento detinham, em 2008, R$ 1,1 trilhão de patrimônio líquido dos quais 2/3 estavam
aplicados na dívida pública federal (BITTENCOUT, 2008).
51
Cabe ressaltar que a categoria não-residentes não computa a importância das instituições financeiras
internacionais na aquisição da dívida pública brasileira, porque aí somente são agregadas as instituições
estrangeiras que não possuem sede no território nacional, de modo que as transnacionais domiciliadas no país
estão agregadas - junto com as instituições nacionais – nas outras categorias, a depender da natureza de sua
atividade.
74
gestores dos Fundos de investimento, isto é “dos dez maiores gestores de fundos de
investimentos, oito estão entre os dez maiores bancos”. (BITTENCOURT, 2008, p. 390).
13,9%
12,7%
7,4 7,0%
4,3% 4,2% 3,8%
2,3% 2,3%
BBDTVM Bradesco Itaú Santander Caixa HSBC Unibanco UBS Banco Nossa
S. A. Pactual Safra Caixa
52
A tendência é a ampliação dessa participação, dada à reforma da previdência realizada no governo Dilma,
segundo a qual os funcionários que ingressam na carreira pública a partir de 2013 somente se aposentarão pelo
teto da previdência, devendo buscar a complementação no mercado privado.
75
dívida e da vulnerabilidade externa da economia brasileira tem como “solução” mais abertura
financeira para acomodar os interesses de maior liberdade de movimento desses capitais.
Por isso, o governo Lula deu continuidade ao processo de abertura da economia
brasileira “[...] a partir da mesma estratégia adotada pelos governos precedentes [...] seja
mediante resoluções e circulares do Banco Central, seja por meio de medidas provisórias”.
(PRATES, 2006, p. 136). As medidas adotadas tiveram como resultado a maior liberdade para
que residentes detivessem a posse de ativos externos e realizassem transferências de capitais
para fora do país. Através da unificação dos segmentos de mercados cambiais de pessoas
físicas e jurídicas, os residentes:
[...] passam a poder comprar e vender moeda estrangeira para fins de
aplicação no exterior, sem limitação de valor, diretamente da rede bancária
[...] além de serem extintas as contas CC-5, também foram eliminadas a
obrigatoriedade de retorno dos recursos associados a venda de investimentos
no exterior [...] e a necessidade de envio ao Banco Central de documentação
específica comprobatória nas operações relacionadas a investimento direto
no exterior [...] liberaliza totalmente as aplicações de pessoas físicas e
jurídicas em mercados de capitais no exterior [...] permite que a
integralidade desses recursos seja mantida fora do país. (BIANCARELI,
2010, p. 70-71).
Essa possibilidade de manter recursos no exterior não pode ser concretizada sem a
geração de divisas, pois além de ser vital para o capital estrangeiro que quer voltar ao circuito
financeiro internacional converter os juros, lucros e dividendos auferidos na economia
brasileira em moeda de curso internacional, é importante também para os grupos brasileiros
que agora se livraram das “amarras” de manter seus recursos vinculados ao espaço nacional.
É nessa perspectiva que deve ser entendida a importância que ganham as políticas de
incentivo a exportação no governo Lula, tanto no âmbito interno - com a ampliação das linhas
de financiamento destinadas ao setor - quanto no âmbito externo - nas rodadas da
Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse aspecto, cabe ressaltar que na 6ª Reunião
Ministerial da OMC, realizada em Hong Kong no final de 2005, o Brasil e a Índia foram
acusados de trair os interesses do G-20, por pressionarem o grupo no sentido de abrir seus
mercados aos serviços e produtos não agrícolas, fabricados pelos países desenvolvidos, sem a
contrapartida de diminuição dos incentivos e subsídios agrícolas que tais países mantêm para
seus produtores e que impedem o maior acesso dos países subdesenvolvidos a esses
mercados.
Também nas negociações da OMC, em 2008, o governo brasileiro, em parceria com o
governo norte-americano, agiu atendendo dois grupos de interesses: o dos países
desenvolvidos que querem maior liberalização e desregulamentação da economia mundial e o
76
do agronegócio que quer a redução dos subsídios destinados, principalmente, aos pequenos e
médios produtores. Com isso, “[...] o governo brasileiro foi desqualificado por não expressar
os interesses majoritários dos países em desenvolvimento”. (GONÇALVES, 2008).
Diante das dificuldades de ampliação do saldo comercial através de modificações na
estrutura produtiva do país, a melhoria da balança comercial tem sido perseguida através de
políticas que potencializam o aproveitamento das vantagens que o país tem na agroindústria e
na produção de commodities industriais. Isto é:
[...[ a possibilidade de uma ampliação rápida dos saldos comerciais do Brasil
se apoiava na perspectiva de um incremento rápido das exportações
agrícolas e minerais no curto prazo. Assim, isso foi tomado em consideração
nas formulações de curto prazo da política externa nas negociações
comerciais em que o Brasil estava envolvido. (MINEIRO, 2010, p. 142).
Note que a intervenção estatal para melhorar o saldo comercial brasileiro não é
incompatível com o neoliberalismo. Conforme ressalta Carcanholo (2002), as dificuldades de
se verificar na realidade concreta alguns dos pressupostos do neoliberalismo no que se refere
ao comércio internacional, em especial à ideia da existência de concorrência perfeita e de
retornos constantes de escala, têm levado a revisões que admitem falhas de mercado e, por
isso, a intervenção transitória do poder público. A partir da revisão dessas hipóteses do
modelo de Heckscher-Ohlin-Samuelson (H-O-S), as recomendações de políticas neoliberais
[...] sugerem situações em que se vislumbram formas de proteção comercial.
Como os mercados costumam operar com retornos crescentes e concorrência
imperfeita, a política comercial ativa possui um papel importante em duas
frentes: (i) ela pode ser utilizada para reduzir o poder de mercado das
empresas estrangeiras no mercado interno, tanto no que se refere às
importações como ao investimento direto; e, (ii) ela pode reforçar o poder de
mercado das empresas nacionais em sua competição no estrangeiro.
(CARCANHOLO, 2002, p. 25).
53
O autor analisa as proposições de Aldo Ferrer e Bresser Pereira (2010). Além deles, fazem parte do mesmo
grupo “[...] Robert Boyer, Oswaldo Sunkel, Gabriel Palma, Cristóbal Kay, Alejandro Portes, João Sicsú, Luiz De
Paula, Michel Renaut, José Luis da Costa Oreiro”. (KATZ, 2014, p. 01). Os novo-desenvolvimentistas não são
um grupo homogêneo. Nesse sentido, é ilustrativa a observação de Sicsú (2007, p. 01): “Bresser-Pereira publicou
um instigante artigo, na Folha de São Paulo (19/09/2004), intitulado ‘Novo-desenvolvimentismo’ — com o qual
temos muitos pontos concordantes —, e que explora basicamente linhas gerais macroeconômicas relacionadas a
esse conceito”. Apesar disso, consideram a realidade da globalização como dada e procuram promover algumas
readequações para permitir uma melhor inserção do Brasil no contexto internacional.
78
54
Conforme mencionamos anteriormente, os juros elevados também tinham o objetivo de sustentar a âncora
cambial.
55
Banco Central do Brasil.
80
No que se refere à dívida externa bruta, seu aumento derivou dos empréstimos diretos
para o financiamento dos crescentes déficits nas transações correntes. Entre 1994 e 2002 os
montantes saltaram de R$ 148,2 bilhões para R$ 226,9 bilhões. Ressalta-se que, entre 1999 e
2001, esse aumento foi explosivo em razão da crise do real que levou a contratação de
empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e da crise na Argentina.
Conforme dados do Banco Central56, durante o governo Lula, a dívida externa aumentou de
R$ 227,6 bilhões – valor de dezembro de 2003 - para R$ 277,5 bilhões em 2010.
A participação do poder público na dívida externa bruta total (governo geral e
autoridade monetária) diminuiu em termos proporcionais de 48% para 25% e em termos
absolutos de R$ 103 bilhões para R$ 68,9 bilhões nesse período. Tal redução resultou do
aumento expressivo do acúmulo de reservas que permitiu o pagamento não apenas dos juros,
mas do montante principal da dívida. Na verdade, o governo trocou dívida externa por dívida
interna. Cabe salientar que, embora a maior parte da dívida externa seja privada, na medida
em que possui a garantia do governo brasileiro é computada como uma obrigação do poder
público na sua integralidade.
No que se refere ao aumento do passivo externo relacionado à balança comercial,
destacamos que de uma elevação conjuntural relacionada à valorização cambial, este se
tornou um elemento estrutural. Isso se deve ao aumento do coeficiente de importações da
economia brasileira em decorrência da regressão da estrutura produtiva do país. De acordo
com Laplane e Sarti (1997), a reestruturação produtiva significou a diminuição dos
encadeamentos produtivos com aumento do coeficiente de importações, ou seja, as empresas
instaladas no Brasil, de origem nacional ou estrangeira, aumentaram a participação de
insumos estrangeiros na composição de seus produtos finais, desverticalizando a produção.
Como resultado, tivemos a “fragilização dos encadeamentos produtivos e tecnológicos [que
significou] perda do poder multiplicador e indutor da indústria”. (LAPLANE; SARTI, 1997,
p. 151).
O aumento do coeficiente de importação não foi homogêneo entre os setores de
atividade e penalizou aqueles mais intensivos em tecnologia e o de bens de capital. Segundo
Coutinho (1997), em 1993, o coeficiente de importações dos bens de capital seriados e bens
eletrônicos era de 29%, em 1996, esse percentual aumentou para entre 65% e 75%. Já para
produtos como cimento e matérias-primas esse coeficiente variava de 0,5% a 2,5% em 1993 e
passou a se situar entre 1% e 4% em 1996.
56
Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/?SERIEDEBH> Acesso em 17 de out. de 2014.
81
57
A Vale é um exemplo dessa opção, visto que a empresa tem priorizado o segmento de extração mineral em
detrimento de promover uma ampliação da transformação do aço em bens de uso específico para indústria, o que
certamente significaria uma produção de maior valor agregado.
82
29,1
15,3 13,8
16,9 13,1
4,0 3,9
Fonte: MIDC.
Tabela 4 – Indicadores de Vulnerabilidade externa conjuntural: Brasil, 1994, 1999, 2000, 2003 –
2009
Serviço da dívida Dívida Dívida externa Reservas Dívida externa Dívida externa
externa/ externa total/ total líquida/ internacionais/ total/ exportações total líquida/
Ano
exportações (%) PIB (%) PIB (%) dívida total (%) (%) PIB (%)
1994 38,2 26,3 15,3 27,1 3,3 1,9
1999 126,5 42,0 32,5 16,1 4,7 3,6
2000 88,6 36,0 28,4 15,2 3,9 3,1
2003 72,5 38,8 27,3 22,9 2,9 2,1
2004 53,7 30,3 20,4 26,3 2,1 1,4
2005 55,8 19,2 11,5 31,7 1,4 0,9
2006 41,4 15,9 7,0 49,8 1,3 0,5
2007 32,4 14,1 -0,9 93,3 1,2 -0,1
2008 19,0 12,1 -1,7 97,7 1,0 -0,1
2009 28,6 12,6 -3,9 120,3 1,3 -0,4
Fonte: Carcanholo (2010).
também, a taxa de câmbio se subordina à dinâmica financeira, visto que sua determinação está
atrelada ao fluxo de entrada e saída de capitais.
Portanto, os instrumentos de política econômica (câmbio e juros) continuaram a variar
em função das condições macroeconômicas dos países desenvolvidos, e, em especial, das
expectativas e da especulação daqueles que atuam nos mercados financeiros internacionais,
conforme sugere a oscilação da taxa de juros básica da economia brasileira a partir do ano
2000 (Gráfico 4).
Em 2003, por exemplo, a economia brasileira teve a maior taxa de juros registrada no
período analisado, quando a selic estipulada pelo Copom foi de 26,50% a.a.. Nesse mesmo
ano, o Banco Central dos EUA estipulou a taxa básica de juros em 1,25%, valor bastante
inferior ao fixado pelo BCB. Portanto, não existia aperto de liquidez internacional que
justificasse os diferencias entre as taxas de juros do país e as do governo norte-americano.
Aqui a determinação da variável esteve associada a especulação dos mercados financeiros
diante do início do governo Lula.
Com isso, as taxas de juros sempre estiveram entre as mais elevadas do mundo e não
exibiram um comportamento estável até meados de 2005 quando então mostra uma trajetória
de queda. Apesar disso, a trajetória econômica do período esteve caracterizada pelo baixo
crescimento médio.
Gráfico 4 - Decisões do Copom sobre a meta da Taxa Selic no Brasil e Taxas de Juros dos EUA:
1999 - 2008
Meta Selic % a.a.
45,00
26,50
18,50 15,75 18,50 16,00 19,75 15,25 11,25 13,75
17,50
mar-04
mar-05
mar-06
mar-07
mar-08
mar-99
mar-00
mar-01
mar-02
mar-03
jul-99
jul-00
jul-01
jul-02
jul-03
jul-04
jul-05
jul-06
jul-07
jul-08
nov-99
nov-00
nov-01
nov-02
nov-03
nov-04
nov-05
nov-06
nov-07
nov-00
nov-01
nov-02
nov-03
nov-04
nov-05
nov-06
nov-07
jul-99
jul-00
jul-01
jul-02
jul-03
jul-04
jul-05
jul-06
jul-07
mar-99
mar-00
mar-01
mar-02
mar-03
mar-04
mar-05
mar-06
mar-07
mar-08
Gráfico 5 - Variação real anual dos componentes do Produto Interno Bruto: Brasil,
2000-2008
19,9
18,4 18,5
15,3
13,9 13,8
12,9 13,3
-0,6
-0,2 0,4 -1,6
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*
-4,6
-5,2
59
Em 2004, privatização do Banco do Estado do Maranhão; em 2005, do Banco do Ceará. Em 2007, concessão
das seguintes rodovias a iniciativa privada: Régis Bittencourt; Fernão Dias; Transbrasiliana; BR – 101; Trechos
da BR-116; em 2008, BR – 116/Ba. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2013/11/78768-as-principais-privatizacoes-de-cada-
presidente.shtml> Acesso em 17 de set. de 2014.
90
O anúncio da primeira política industrial do governo Lula foi feito em 2003, com o
lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), cujo plano
de ação “tem como objetivo o aumento da eficiência econômica e do desenvolvimento e
difusão de tecnologias com maior potencial de indução do nível de atividade e de competição
no comércio internacional”. (MIDC, 2003, p. 02).
O diagnóstico implícito no objetivo e diretrizes desse plano é o reconhecimento de que
a inserção do Brasil na globalização foi feita à custa da fragilização de sua estrutura
produtiva, com a diminuição dos setores de maior conteúdo tecnológico e dos encadeamentos
produtivos e tecnológicos.
Note que, isso não significa uma ruptura com os principais elementos que consolidam
tal inserção, que são a abertura comercial e financeira. Considera-se que tais movimentos
resultaram na deterioração das contas do Balanço de Pagamentos (BP) e na ampliação da
vulnerabilidade externa, porque foram realizados sem a consecução de políticas industrial,
tecnológica e comercial. Por isso, o PITCE (2003, p. 4-5) considera que “o Brasil tem
apresentado um desempenho externo aquém de suas potencialidades. Apresentamos taxa de
crescimento de exportações menor do que a de vários países em desenvolvimento”.
91
60
Os critérios adotados para a escolha dos setores de intervenção prioritários foram: a) apresentam dinamismo
crescente e sustentável; b) são responsáveis por parcelas expressivas dos investimentos internacionais em
Pesquisa e Desenvolvimento; c) abrem novas oportunidades de negócios; d) relacionam-se diretamente com a
inovação de processos, produtos e formas de uso; e) promovem o adensamento do tecido produtivo; f) são
importantes para o futuro do país e apresentam potencial para o desenvolvimento de vantagens comparativas
dinâmicas. (MIDC, 2003, p. 16).
61
Estabelece novo marco para a relação entre universidades e institutos de pesquisa públicos e empresas
privadas, além de possibilitar ação mais positiva do Estado no apoio à inovação empresarial, pelo instrumento da
subvenção econômica a empresas para desenvolvimento tecnológico e pela possibilidade de compras
tecnológicas pelo Estado. A lei permite, por exemplo, o investimento público em empresas privadas.
(SALERNO, 2006, p. 12).
62
Para uma lista completa de todas as medidas, ver Cano et al. (2010).
92
[...] o padrão do comércio mundial neste início de século XXI, puxado pela
maior inserção da China no comércio mundial como consumidor de
alimentos e matérias-primas, favorece e consolida a atual estrutura produtiva
brasileira, concentrada na exportação de produtos de baixa intensidade
tecnológica. A política industrial ao invés de contrabalançar esse efeito-
demanda, na verdade o fortalece ao estimular a concentração e
internacionalização das empresas brasileiras produtoras de commodities e
produtos de baixa tecnologia. (ALMEIDA, 2009, p. 25).
O PDP, portanto, sistematiza a política que vinha sendo adotada pelo BNDES e por
outros órgãos do poder público como o Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio
Exterior (MIDC) e o Ministério das Relações Exteriores. A novidade talvez seja o
delineamento de objetivos ambiciosos para esses setores na perspectiva de consolidar sua
inserção internacional e diminuir a relação com o mercado interno. Conforme visto
anteriormente, a vulnerabilidade externa brasileira impõe limites ao crescimento de sua
economia. Portanto, a ideia é dotar tais capitais de relativa independência da evolução da
economia interna, ainda que tal estratégia apresente o inconveniente de que os países da
América do Sul, também, padecem das mesmas fragilidades da economia brasileira.
63
Apresenta, também, similaridades com o Regionalismo aberto da Cepal.
98
Certamente, esse diagnóstico tem levado a diversificação geográfica das inversões brasileiras
em direção às economias centrais, em especial, os EUA.
64
Os investimentos em infraestrutura se caracterizam pelo longo prazo de maturação e retorno, o que desestimula
a participação das empresas privadas, especialmente num contexto em que a desregulamentação financeira põe à
disposição dos capitais uma grande quantidade de aplicações de elevada liquidez e alta rentabilidade. Por isso,
mesmo quando as obras são realizadas num regime de concessão, como no caso da construção do complexo
hidroelétrico do Rio Madeira, gerido pela Madeira Energia S. A. (MESA) – consórcio formado por Odebrecht,
Furnas, Andrade Gutierrez, Cemig e um Fundo de Participações (FIP) que tem como cotistas Santander e Banif –
as empresas privadas exigem aporte do poder público, que na citada obra se traduziu na concessão de
financiamento pelo BNDES de R$ 6,1 bilhões.
99
65
Mesmo com a dotação de recursos inferior as necessidades de ampliação da infraestrutura, nos primeiros dois
anos do PAC o Governo Federal não conseguiu gastar mais que 28% do orçamento” (IPEA, 2009, p. 14) 65. São
apontados com fatores impeditivos da consecução dos investimentos “projetos executivos mal elaborados, falta
de mão de obra para condução destes projetos, dificuldades para consecução de licenciamento ambiental,
paralisações no Tribunal de Contas da União (TCU) por irregularidades de processo etc. (IPEA, 2009, p.14).
66
O BNDES tem papel de destaque no financiamento dos projetos do IIRSA como veremos no capítulo 4 e ainda
mais importante no que se refere ao financiamento das inversões no PAC.
100
(BID). Além disso, conforme a institucionalidade do IIRSA, os países envolvidos nas obras
são os principais responsáveis pela sua consecução, o que significa elaboração do projeto,
readequação da legislação e o financiamento, seja via empréstimos ou através de recursos
próprios.
Em síntese, o projeto de internacionalização das empresas brasileiras para a América
do Sul se articula ao modelo Liberal Periférico do governo Lula através de três eixos
fundamentais: i) expressa o fortalecimento de uma fração do capital não antagônica ao
processo de liberalização financeira. Ao contrário, tais grupos econômicos rejeitam a
consecução de arranjos financeiros internacionais no âmbito dos países da América do Sul
que ponha em risco seu acesso aos mercados financeiros globalizados; ii) reflete a
necessidade de melhorar a situação do Balanço de Pagamentos e favorecer a geração de
divisas de modo que os capitais que aqui se instalam e mesmo aqueles de origem nacional
possam exercer a sua liberdade de movimento e iii) na medida em que o modelo econômico
acentua a vulnerabilidade externa da economia brasileira, a internacionalização aparece como
um meio dos capitais relativizarem a importância do mercado interno na sua lógica de
expansão. São esses elementos que explicam o apoio estatal ao Investimento Direto Externo
Brasileiro, cujos montantes, características e reflexos sobre os países da América do Sul
passaremos a analisar.
101
Quadro 1 - Investimentos em infraestrutura física presentes no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e na Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Sul-Americana (IIRSA)
Valor (US$
No Eixo Obras milhões) Objetivo Situação*
1 HPP Melhoramento da navegabilidade do Rio alto Paraná 70 Ampliar a capacidade de transporte de carga
Desviar o tráfego do centro urbano de Curitiba, reduzindo o tempo
2 Conclusão do anel rodoviário de Curitiba 75 de viagem Em andamento
CAP
Corredor Bioceânico tramo Paranaguá - Cascavel e variante
3 ferroviária entre Guarapuava e Engenheiro Bley 0 Expandir a malha ferroviária Em andamento
4 Conexão viária Rio Branco- Cruzeiro do Sul 40 Área de expansão de fronteira agrícola e mineral Em andamento
AMA Construção de 62 terminais hidroviários nos estados do Amazonas,
5 Rede de terminais marítimos fluviais na Amazônia 200 Acre, Pará e Rondônia Em andamento
6 Circunvalação viária de Campo Grande (MS) 10 Retirar o fluxo de cargas do centro urbano da cidade Em andamento
IOC Arco viário do Rio de Janeiro e acesso viário ao porto de Retirar o transito da Av. Brasil e da ponte Rio-Niterói e otimizar o
7 Itaguaí 614 fluxo Corumbá - Santos-São Paulo-Rio de Janeiro Em andamento
8 Dragagem e Construção das avenidas no porto de Santos 178 Incrementar as exportações no porto de Santos Em andamento
9 Adequação do trecho Navegantes - Rio do Sul 400 Facilitar fluxo de cargas na região industrial de Santa Catarina Em andamento
10 Ampliação do aeroporto de Campinas 1.190 Aumento da demanda de transporte de cargas e passageiros Concluída
11 Ampliação do aeroporto de Guarulhos 957 Absorver fluxo do aeroporto de Congonhas Concluída
12 Construção do anel viário da RM Belo Horizonte (BR- 381) 140 Deslocar o trânsito de veículos pesados da RM de Belo Horizonte Em andamento
Construção e pavimentação da BR- 282 na fronteira entre Integrar o Estado de Santa Catarina aos portos de Itajaí, São
13 Florianópolis e Argentina 100 Francisco Sul e Laguna Concluída
14 MCC Construção do Tramo Santa Maria - Rosário Sul (Br-158) 30 Escoar produção agrícola; ligação com Argentina, Uruguai e Chile Concluída
15 Duplicação do tramo Palhoça - Osorio (Br - 101) 700 Melhorar o fluxo rodoviário no corredor Mercosul Concluída
16 Adequação do tramo Rio Grande - Pelotas (BR - 392) 400 Fluxo rodoviário entre Porto alegre, Argentina e Uruguai Em andamento
17 Construção da hidroelétrica de Garabí no Rio Uruguai 2.728 Geração de energia Nd
18 Transporte Lagoa Merín (Uruguai) e lagoa dos Patos (Brasil) 100 Transporte fluvial de cargas Em andamento
19 Construção do anel viário de São Paulo 3.181 Reduzir tráfego sobre a marginal Tietê Em andamento
20 Construção da hidrelétrica de Panambí no Rio Uruguai 2.474 Geração de energia Nd
Complexo hidrelétrico do Rio madeira (Santo Antonio e
21 PBB Jirau) 18.209 Geração de energia Em operação**
Fonte: IIRSA
* Classificação com base no 10º Balanço do PAC referente aos meses de março/junho de 2014. **Conforme relatório do PAC, em 2014 houve "a entrada em operação de mais sete unidades geradoras da usina de Jirau
(3.750 MW), totalizando 600 MW, e 26 unidades de Santo Antônio (3.150 MW) totalizando 1.854 MW, ambas as usinas estão localizadas em Rondônia" (p. 74).
102
Os países desenvolvidos responderam, até o início dos anos de 1990, por quase toda a
exportação de capitais realizada no mundo, investindo em diversas partes do globo através de
suas empresas ou da concessão de empréstimos. Somente a partir do ano de 1985, a
participação dos países em desenvolvimento no Investimento Externo Direto (IED) começa a
aumentar, chegando no ano de 2010, conforme mostra a Tabela 5, a quase 25% do total
registrado no mundo.
A trajetória de crescimento do IED nas economias em desenvolvimento está assentada,
principalmente, no desempenho econômico da Ásia, em especial das economias de Hong
Kong e China que, de acordo com dados da UNCTAD 67 da Tabela 6, se constituíram, desde
1985, nos principais exportadores de capitais do mundo subdesenvolvido, respondendo,
respectivamente, por 23,2% e 20,8% desse volume em 2010. Cabe destacar, também, o
aumento da participação da Rússia a partir do ano de 2002 – proporção que atinge 15,8% em
2010 - e da Índia na segunda metade dos anos 2000.
67
Pela metodologia da UNCTAD, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) é definido como um investimento que
envolve uma relação de longo prazo e reflete um interesse duradouro de uma entidade residente em uma
economia em controlar (investidor directo estrangeiro ou empresa-mãe) uma empresa residente em uma
economia diferente. Tal investimento envolve a operação inicial entre as duas entidades e todas as transações
subsequentes entre elas e entre filiais estrangeiras. Os Fluxos de saídas e entradas de IED inclui o capital
fornecido (diretamente ou através de outras empresas relacionadas) por um investidor estrangeiro directo a uma
empresa de IED, ou o capital recebido por um investidor estrangeiro direto de uma empresa de IED.
O Investimento Direto Externo inclui os três seguintes componentes: capital social, lucros reinvestidos e
empréstimos intra-empresa.
- O capital social é a compra do investidor estrangeiro direto de ações de uma empresa em um país
diferente daquele de sua residência.
- Os ganhos reinvestidos incluem a remuneração do investidor não distribuída como dividendos pelas
filiais ou lucros não remetidos para o investidor direto que são reinvestidos.
- Empréstimos Intra-empresa se referem a empréstimos de curto ou de longo prazo e empréstimos de
fundos entre investidores directos (empresas-mãe) e empresas afiliadas.
Dados sobre os fluxos de IDE são apresentados em bases líquidas (créditos das operações de capital
menos os débitos, computados entre os investidores directos e suas filiais no exterior). Diminuição líquida em
ativos ou aumento líquido do passivo são contabilizados como créditos (com sinal positivo), enquanto os
aumentos líquidos de ativos ou diminuições líquidas de passivos são registrados como débitos (com sinal
negativo). Assim, os fluxos de IED com sinal negativo indicam que pelo menos um dos três componentes do
IED é negativo e não compensado por valores positivos dos componentes restantes. Estes são chamados de
desinvestimento (UNCTADSTAT, 2011). Disponível em :
<http://unctadstat.unctad.org/UnctadStatMetadata/Documentation/UNCTADstatContent.html> Acesso em 07 de
nov. de 2011.
103
1969, segundo o qual as obras públicas somente poderiam ser delegadas a empresas com sede
no país e com controle acionário de brasileiros. Conforme Lessa (1998), a grande engenharia
nacional, em razão das articulações com frações do capital nacional que compõem a cadeia
produtiva do setor e em função da geração de empregos, sempre teve prioridade na dotação de
recursos e nas políticas governamentais. Tal primazia dotou o setor de experiência técnica e
rendeu apoio do poder público para a realização de obras no exterior.
O movimento de internacionalização das empresas do setor, na segunda metade dos
anos de 1970, contou com o apoio financeiro do Banco do Brasil, através da Carteira de
Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX), que passou a financiar “até 90% do valor
dos contratos estabelecidos pelas empresas de engenharia [...] As condições de financiamento
eram altamente convidativas, com juros anuais de 7% ao ano, 4 anos e meio de carência
outros 6 anos para pagar”. (CAMPOS, 2010, p. 75). Para ajudar na tarefa nasceu, em 1976, a
Interbrás “que uniu empresas e entidades governamentais numa parceria capaz de
comercializar produtos e serviços de engenharia brasileiros em troca de petróleo”.
(PETROBRAS, 2014)68. Além do Cacex e da Interbrás, o Itamaraty também atuou de forma a
facilitar a inserção externa dessas empresas.
Outro setor que investiu no exterior nesse período foi o de extração de petróleo,
representado pela Petrobras. Seu movimento de internacionalização data de 1972, com a
criação da Braspetro, “subsidiária encarregada de buscar boas oportunidades e parcerias
vantajosas em todos os cantos do planeta”. Aqui, a proximidade dos recursos naturais é a
principal motivação para a internacionalização desta empresa, que além do aporte financeiro
estatal contou com a capacidade tecnológica adquirida na exploração das jazidas brasileiras
para promover a internacionalização de suas atividades via IED.
No caso da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a internacionalização se deu via
joint ventures com empresas japonesas, italianas e espanholas ao longo dos anos de 1970 e
com a montagem de redes e canais de comercialização, através da:
Itabira Eisenerz – subsidiária sucedida pela Rio Doce Europa (RDE), criada
em janeiro de 1974, com sede em Bruxelas, responsável pela
comercialização da produção da CVDR [...] Itabira International Corporation
(Itaco) e a Rio Doce América (RDA), subsidiária integral da Itaco, sediada
em Nova York, que respondia pela comercialização do minério de ferro e
das pelotas da CVRD nos EUA, no Canadá, no México e em Trinidad e
Tobago. (VALE, 2012, p. 7-8).
68
Conforme vídeo, a Interbrás promoveu não apenas a exportação dos serviços de construção, mas também a
exportação de carros, eletrodomésticos e produtos agrícolas, como açúcar, café e soja. Disponível em:
<http://sites.petrobras.com.br/minisite/memoria/petrobras/index.htm> Acesso em 12 de jul. de 2014.
105
dos acionistas, ou a Impsa, que possui entre os acionistas o Banco Credit Suisse e o
Mastellone, associada com o fundo de Investimento Dallpoint Investiments LLC 69.
O primeiro registro de inversões no exterior realizadas a partir do Chile foi em 1976,
entretanto, somente a partir de 1992 os montantes de recursos aumentaram de volume e
apresentaram regularidade. Esse comportamento expressa dois momentos da política
governamental do país. Um primeiro, caracterizado pela abertura comercial entre 1976-1982,
que desarticulou a indústria chilena impedindo uma possível continuidade de seu processo de
internacionalização.
Num segundo momento, nos anos de 1990, com a nova onda de liberalizações, “o
governo [...] passou a facilitar ainda mais a saída de capital nacional para investimentos no
exterior”. (CANO, 2000, p. 331). Isso foi feito, principalmente, através da ampliação dos
limites e setores de aplicação dos fundos de pensões e fundos mútuos no exterior, “entre 1991
e 1997 o investimento externo chileno efetuado por mais de uma centena de empresas já
somava 5,6 bilhões de dólares (principalmente Argentina, Brasil e Peru) na compra de terras,
privatizações e especulação financeira”. (CANO, 2000, p. 335).
As inversões do período (1992-1997) incluíram também empresas do setor de energia
que aproveitaram os processos de privatização em países da América do Sul, em especial, na
Argentina. “Este proceso se produjo en un período en el que no existían grandes operadoras
globales y en el que el mercado mundial estaba muy atomizado y el mercado nacional estaba
controlado por empresas estatales”. (CEPAL, 2005, p. 160). No entanto, com o avanço do
processo de oligopolização do setor e com a entrada de novos concorrentes no mercado
mundial, o controle acionário das empresas Enersis, Endesa e Gener passou para empresas
espanholas e norte-americanas. Da mesma maneira, as inversões realizadas pelos fundos de
pensão chilenos no exterior foram adquiridas por empresas transnacionais (CEPAL, 2005).
Portanto, o que se capta como IED chileno são inversões em que os grupos empresariais
chilenos não detêm o controle acionário das empresas, mas apenas uma participação
minoritária das ações.
Nos anos de 2000, o IED chileno deve ser entendido, também, considerando a
assinatura de Tratados de Livre Comércio com os EUA e a União Europeia, através dos quais
foram negociados capítulos relacionados aos serviços e, em especial, aos serviços financeiros,
69
A Cepal considera a Techint uma transnacional Argentina, entretanto, essa empresa pertence a uma família
italiana e a sede da empresa está registrada em Luxemburgo, de modo que, embora essa empresa possa ter laços
com o espaço nacional argentino, não pode ser considera de propriedade desse país. Do mesmo modo, a Tenaris
S. A. tem 60,4% de suas ações pertencente a Techint e, também, com sede em Luxemburgo.
108
70
Cabe destacar que o setor de celulose e papel durante todo o período da ditadura militar – mesmo durante o
período de abertura indiscriminada - recebeu subsídios governamentais e investimento público em
reflorestamento (CANO, 2000). Certamente, esse é um dos elementos que contribui para que duas empresas do
setor estejam entre as empresas do país que se internacionalizaram.
71
A atualização tecnológica se faz nos marcos da divisão internacional do trabalho, isto é, apenas nos setores que
não estão na fronteira da acumulação. Temos aqui, portanto, a reafirmação da dependência tecnológica, haja
vista que tais países incorporam processos produtivos sobre os quais não possuem controle dos requisitos
109
internacional não apenas como exportadores, mas, também, através de inversões. Note que a
contrapartida para o fortalecimento de alguns setores das classes dominantes é a destruição de
outros setores, o que se expressa através da desindustrialização e regressão da estrutura
produtiva desses países, haja vista a quantidade de bens e serviços que tais economias deixam
de produzir internamente e cujo suprimento passa a ser feito pelas grandes empresas
transnacionais.
Sendo assim, a exportação de capitais a partir da América Latina se insere num
processo de concentração e centralização típico das economias capitalistas e que impõe a
busca permanente por novas frentes de expansão, sejam elas em novos mercados ou áreas
geográficas. A constituição de grupos que possuem uma massa maior de valor para ser
valorizada impulsiona a busca de novas oportunidades de inversão.
Embora o processo de internacionalização de empresas da Argentina, Chile e Brasil
faça parte de um contexto geral de desenvolvimento capitalista, gostaríamos de ressaltar a
singularidade e importância do IED brasileiro vis-à-vis o de outros países da América do Sul.
Um primeiro aspecto é o quantitativo, a participação do IED brasileiro no estoque mundial é
dez vezes maior que o da Argentina e mais que o dobro do Chileno (Tabela 6). Em segundo
lugar, os grupos brasileiros internacionalizados efetivamente detêm o controle acionário das
empresas, diferentemente do que ocorre na Argentina e no Chile.
O terceiro elemento a destacar é qualitativo e se refere a importância das cadeias
produtivas brasileiras que se internacionalizaram. Os valores de uso produzidos pelos setores
de energia, siderurgia e metalurgia, por exemplo, ocupam uma posição mais destacada no
processo de valorização do capital quando comparado com lugar que ocupa o comércio
varejista. Os montantes de capitais envolvidos, a condição de insumos essenciais a
consecução da atividade produtiva e os impactos ambientais (negativos) que podem gerar os
investimentos brasileiros são diferenciados.
Por último, nem na Argentina e nem no Chile esse movimento se transformou em
frente de intervenção e estímulo estatal como no Brasil, levando ao significativo aumento das
inversões desse país após o ano de 2003, como veremos a seguir.
técnicos e científicos e o fazem em setores de menor rentabilidade que foram secundarizados pelas grandes
transnacionais em seus processos de redefinição estratégica.
110
Inicialmente gostaríamos de ressaltar que as estatísticas sobre o IED são uma proxy do
fenômeno, uma vez que ocorre a subestimação das inversões realizadas por empresas
controladas por capitais brasileiros 72 que o fazem a partir de filiais no exterior, como é o caso
da Petrobras, que investe na Bolívia “através de subsidiárias localizadas na Europa
(destacadamente na Holanda)”. (RIBEIRO; LIMA, 2008, p. 13). Do mesmo modo, as
inversões de empresas estrangeiras feitas a partir das filiais com sede no país são computadas
como IED brasileiro, superestimando tais inversões73.
O interesse de empresas brasileiras na internacionalização de suas atividades através
da aquisição de ativos no exterior é um reflexo da inserção do país na chamada globalização,
entendida aqui como um estágio mais avançado da internacionalização e integração da
economia mundial nos âmbitos produtivo e financeiro. Tal integração ocorre com a
hegemonia do capital fictício. Não é possível abordar todas as dimensões da globalização, por
isso, mencionaremos aqui apenas os aspectos relevantes para entender o impulso que ela deu
ao IED brasileiro ao longo dos anos 2000.
Um primeiro elemento é o acirramento da concorrência, dada a maior integração dos
sistemas produtivos nacionais à economia mundial. Nesse contexto, ocorre no Brasil a
reformulação das estratégias empresariais. Ou seja, a “internacionalização surge não só como
uma opção para o crescimento da empresa, mas em muitos casos como uma condição
necessária para fortalecer sua posição competitiva diante da crescente concorrência em seus
mercados domésticos”. (AMBROSIO, 2008, p. 01). O IED aparece como um elemento que
contribui para diminuir custos, na medida em que pode resultar num melhor acesso a fontes
de matérias-primas essenciais ao processo produtivo ou pode propiciar acesso a mercados
com barreiras não tarifárias e diminuir a dependência dos mercados locais.
72
A maior parte das empresas brasileiras abriu seu capital a partir da segunda metade dos anos de 1990 e possui
participação de sócios estrangeiros. Desse modo, o que chamamos, ao longo do texto, de empresas brasileiras
são em sua maioria empresas cuja maior parte das ações ordinárias está em poder de brasileiros.
73
O Banco Central (BC) computa nas estatísticas de IED todas as pessoas físicas ou jurídicas residentes,
domiciliadas ou com sede no País [...] detentoras de valores de qualquer natureza, de ativos em moeda, de bens e
direitos mantidos fora do território nacional. Em 31.12.2001, o limite mínimo para a obrigatoriedade de se
declarar foi de R$200 mil ou o seu equivalente em outras moedas e, em 31.12.2002, o valor mínimo estabelecido
foi de R$300 mil. A partir da terceira declaração, o piso foi fixado em US$100 mil ou o seu equivalente em
outras moedas (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011). Disponível em:
<http://www4.bcb.gov.br/rex/CBE/Port/Manual_do_declarante_CBE_2011_3o_Trimestre.pdf> Acesso em 08 de
mar. de 2012.
111
74
A formação da Braskem (empresa controlada pelo grupo Odebrecht) é um exemplo de como as privatizações,
fusões e aquisições levaram ao surgimento de grandes grupos empresariais. Nos anos de 1990, no âmbito do
Programa Nacional de Desestatização (PND), a Odebrecht compra parcela significativa da Copesul (Central de
Matérias-Primas do Polo Petroquímico do Rio Grande do Sul), o controle da PPH, da Poliolefinas, da Salgema e
da CPC. A Odebrecht integra a PPH e a Poliolefinas, criando a OPP Petroquímica S.A. Integra, também, a
Salgema e a CPC, criando a Trikem S.A., a primeira integração vertical do setor no país. Em 2001, em parceria
com o Grupo Mariani, a Odebrecht adquire o controle da Copene (Central Petroquímica de Camaçari), no estado
da Bahia, e inicia um processo de integração de ativos, de primeira e de segunda gerações, nasce daí a Braskem,
em 2002. Em 2006, a Braskem incorpora a Polialden, em 2008, incorpora a Ipiranga Petroquímica e
Petroquímica Paulínia (BRASKEM, 2012).
113
materiais refratários Investimento (3,70%); Outros (53,60%) de venda e assistência técnica: Argentina, Áustria,
Canadá, Chile, China, Colômbia, Emirados Árabes,
França, Alemanha, Índia, Itália, México, Paraguai,
Peru, África do Sul, Coréia do Sul, Sri Lanka,
Suécia, Taiwan, Reino Unido, EUA, Venezuela
Marcopolo Automotores e Brasil, China, Egito, África do Sul, Argentina,
Veículos Carrocerias Família Bellini 65,86%; Acionistas no Brasil 34,14% México, Colômbia, Índia
Brasil, Chile, Colômbia, Argentina, Venezuela,
México, Estados Unidos, Bélgica, França,
Weg participações e serviços (51,1%; Werner Ricardo Voigt e família (6,03%); Alemanha, Inglaterra, Itália, Suécia, Austrália, Índia,
Máquinas e Materiais Eggon João da Silva e família (5,87%); Lilian Werninghaus e família (2,59%); Outros Japão, China, Singapura, Emirados Árabes Unidos,
Weg Elétricos (34,41%) África do Sul, Rússia, Portugal, Espanha
Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Estados
Unidos, México, Panamá, Peru, Venezuela,
Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França,
Stefanini IT Tecnologia da Itália, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia,
Solutions Informação Suécia, Suíça, China, Filipinas, Índia
Brasil, Bahamas, Canadá, Estados Unidos,
Minerais Não- Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru, Bélgica,
Votorantim Metálicos Hejoassu Administração (98,58%) Inglaterra, Suíça, Áustria, China
Brasil, Paraguai, Argélia, Chile, Líbano, Rússia,
Minerva Foods Alimentos VDO Holdings (68%) e Outros (32%) Arábia Saudita, Irã e Europa
Brasil, EUA, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai,
Tam Empreendimentos e participações (46,20%); Agropecuária Nova Fronteira Chile, Peru, Venezuela, França, Inglaterra, Itália,
Tam(1) Transporte aéreo (0,05%); Outros (53,75%) Alemanha, Espanha
Previ (13,75%); Janus Capital management (10,24%); Cia. Bozano (7,85%);
Equipamentos de Oppenheimer fund's (6,04%); Thounburg invest management (5,09%); BNDESPar Brasil, Estados Unidos, França, Portugal, China,
Embraer Transporte (5,05%) Singapura
Lisis Par (22,30%) -Antonio Luiz Seabra, Utopia Par (21,28%)- Guilherme P Leal; Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru, Colômbia,
Cosméticos e Higiene Passos Par (5,25%) - Pedro Luiz Passos; ANP Par (5,25%)- Anizio Pinotti; RM Venezuela, México, Portugal, Chile, Espanha,
Natura Pessoal Futura Par (3,7%) - Ronuel M de Mattos; Outros (42,22%) França, Holanda
Angola, Argentina, Austrália, Benin, Bolívia, Brasil,
Chile, China, Cingapura, Colômbia, Cuba, E.U.A.,
Equador, Gabão, Holanda, Japão, Líbia, México,
Namíbia, Nigéria, Nova Zelândia, Paraguai, Peru,
Ext. de Petróleo e Gás União Federal (54,18%); BNDESPar (2,35%); BNDES (3,05%); Fundo Soberano Portugal, Reino Unido, Tanzânia, Turquia, Uruguai,
Petrobras Natural (4,67%); Demais acionistas (35,75%) Venezuela
Brasil, Argentina, Angola, Argélia, Bolívia, Canadá,
Congo, Equador, Espanha, EUA, Guiné, Peru,
Andrade Administradora São Miguel (33,34%); Administradora Sant'Ana (33,33%); Grécia, Mauritânia, México, Panamá, Portugal,
Gutierrez Obras de Infraestrutura Administradora Santo Estevão (33,33%) República Dominicana, Venezuela
117
A composição setorial das inversões brasileiras no exterior pode ser vista na Tabela 9.
Nela observamos a elevada participação dos Serviços prestados às empresas no perfil setorial
do IED brasileiro até 2006, ano no qual essa participação atingiu o maior valor (51,8%).
Posteriormente, houve diminuição na participação relativa e absoluta dos montantes
invertidos nesse setor. Em 2010, por exemplo, a participação foi de apenas 5,7%. Se
acrescentarmos as atividades de consultoria o percentual chega a 10% do IED total do IED
nesse ano.
O acirramento da concorrência estimulou a internacionalização como forma de
assegurar e consolidar os mercados exportadores, oferecendo assistência técnica e serviços
pós-vendas para os consumidores. Desse modo, o IED se destinou a “estabelecer canais de
distribuição, serviços de assistência técnica ou comercial aos clientes, serviços pós-vendas ou
qualquer atividade cuja finalidade seja apoiar a estrutura de produção e venda”. (RIBEIRO;
LIMA, 2008, p. 55). Esse perfil do IED é, entretanto, característico das fases iniciais de
internacionalização. A consolidação da empresa no mercado mundial requer inversões em
unidades produtivas, o que explica a queda na participação dos serviços após 2006.
Os investimentos relacionados às atividades financeiras76 também mostram
significativa participação no IED brasileiro. De acordo com Freitas (2010), os países
periféricos foram atraídos para o exterior, desde meados dos anos de 1970, pela expansão dos
Euromercados. Mais recentemente, esse processo se consolida com a desregulamentação
financeira das economias nacionais. No caso do Brasil, a internacionalização das instituições
financeiras privadas foi uma resposta concorrencial dos bancos nacionais a entrada de bancos
estrangeiros no país. Além disso, a internacionalização está associada com a colocação de
títulos no mercado exterior, à formação de empresas offshore em paraísos fiscais, abertura de
75
Nesse tópico utilizamos os dados da declaração anual dos Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) feita ao
Banco Central do Brasil (BCB) por residentes, domiciliados ou com sede no país que possuem bens e valores no
exterior num montante igual ou superior a cem mil dólares. Isso porque, essa base de dados disponibiliza
informações sobre o destino setorial e geográfico das inversões brasileiras no exterior.
76
Nessa rubrica estão agregadas as atividades relativas aos bancos (comerciais, múltiplos, de investimento, de
desenvolvimento); as financeiras; aos fundos de investimento (carteira de títulos e/ou valores mobiliários); as
sociedades de atividades de participação; as sociedades de capitalização; a securitização de créditos, etc.
119
77
De acordo com estudo de Freitas (2010), quase 28% das filiais de bancos brasileiros no exterior estão
localizadas em paraísos fiscais do Caribe e da Ásia, mostrando a relevância das estratégias puramente financeiras
na instalação de agências no exterior.
120
Luxemburgo, o Votorantim e o BBM estão localizados nas Bahamas. Cabe ressaltar que
bancos e financeiras estrangeiras com sede no país e que remetem dinheiro para os paraísos
fiscais, também inflam as estatísticas do IED brasileiro relativas ao setor financeiro. É o caso,
por exemplo, do HSBC (inglês) e do Santander (espanhol).
No caso das instituições públicas, a abertura de filiais no exterior está associada ao
financiamento do comércio exterior brasileiro - Banco do Brasil (BB) - e das inversões
produtivas de diversos setores de atividade - no caso do BNDES - apesar disso, tanto o Banco
do Brasil quanto o Banrisul possuem agências nas Ilhas Cayman 78.
Cabe ressaltar que não apenas as instituições financeiras têm operações declaradas nos
paraísos fiscais. De acordo com a Tabela 7, a Brasil Foods possui operações nas Ilhas Cayman
e a Metalfrio nas Bahamas, mostrando que as operações financeiras compõem os lucros de
alguns dos principais grupos empresariais do país.
A Agroindústria despontou, a partir de 2007, como o setor responsável por cerca de
um terço do IED brasileiro. Esses números resultam da aquisição de empresas no exterior, em
especial no setor de carnes. Dentre elas, destacamos a compra da processadora de carnes
holandesa Plusfood Groep BV pelo grupo Brasil Foods; a aquisição da americana Swift Foods
& Company pelo frigorífico JBS-Friboi; a compra das empresas argentinas Best Beef S.A. e
Estancias Del Sur e dos frigoríficos uruguaios La Caballada, Tacuarembé e Elbio Perez
Rodriguez pelo Marfrig Frigoríficos.
A literatura que aborda a internacionalização do agronegócio brasileiro considera
como relevante para a decisão desse setor investir no exterior o financiamento que o BNDES
dispõe para a expansão de empresas que têm projeção internacional e capacidade competitiva.
Acrescente-se, ainda, que a
[...] possibilidade de atender mercados mais exigentes e com melhor
remuneração atraiu o interesse dos frigoríficos brasileiros para a aquisição de
empresas localizadas em países da América Latina, Austrália, Estados
Unidos e Europa, livres das restrições fitossanitárias. Outras vantagens são a
proximidade do mercado consumidor, conhecimento sobre os canais de
distribuição e divulgação da marca da empresa. (STAL; SEREIA, 2010, p.
08).
78
Conforme informações retiradas dos sites, o Banco do Brasil possui agências, subagências, subsidiárias e/ou
escritórios de representação comercial nos seguintes países: Alemanha; Argentina; Áustria; Bolívia; Chile;
Espanha; Estados Unidos; França; Inglaterra; Itália; Japão; Paraguai; Portugal; Venezuela; México; Emirados
Árabes; Hong Kong; Peru; Angola; Uruguai; Panamá; Coréia do Sul; Japão; Ilhas Cayman. O BNDES possui
escritório no Uruguai e subsidiária no Reino Unido e o Banrisul possui duas agências, uma em New York e outra
nas Ilhas Cayman. A Caixa Econômica Federal funciona no exterior através de bancos correspondentes.
121
Outro segmento que elevou a participação no IED do Brasil, a partir de 2007, foi o de
minerais não-metálicos, que passou a responder por cerca de 30% das inversões estrangeiras.
Esse setor tem na Vale do Rio Doce (empresa privatizada em 1997) a principal empresa
responsável pela sua expansão. O fator determinante para o movimento de internacionalização
desse segmento é a busca de recursos naturais que constituem a base de sua atividade
produtiva.
Dentre os investimentos que sustentam a sua participação no IED podemos citar:
aquisição da mineradora Canadense Inco; aquisição da AMI holding Australia Pty que opera e
controla ativos de carvão em 2007; contrato entre a Vale e a Jogmec (empresa Japonesa de
petróleo, gás e mineração) para exploração de recursos naturais na África em 2008. Em 2009,
houve o lançamento da pedra fundamental do Projeto de exploração de carvão de Moatize em
Moçambique; a conclusão da aquisição de ativos de carvão da Cimentos Argos S.A. na
Colômbia e o aumento da participação de 10% para 26,87% na Thissenkrupp CSA
Siderúrgica do Atlântico Ltda (VALE DO RIO DOCE, 2011).
Por fim, gostaríamos de mencionar a pequena participação dos investimentos em
infraestrutura. Embora as construtoras brasileiras tenham participado de diversos projetos na
América do Sul79, eles não são completamente captados pelas estatísticas do IED, visto que os
insumos e matérias-primas usadas em empreendimentos financiados pelo BNDES são
adquiridos obrigatoriamente no Brasil e, por isso, contabilizados nas estatísticas de comércio
exterior. Essa é uma área cujos recursos empregados tendem a crescer, haja vista que uma das
estratégias governamentais para a América do Sul é promover a integração física e energética
dos países da região, conforme veremos no Capítulo 4.
Os dados acima observados nos mostram que os investimentos no exterior podem ser
divididos em duas fases: a primeira caracterizada pela constituição de escritórios comerciais
com vistas a fornecer assessoria técnica e serviços pós-venda. Essa fase tinha o principal
objetivo de garantir o mercado exportador das empresas. Posteriormente, a partir de 2006,
houve o que poderíamos chamar de um maior comprometimento das empresas com a
internacionalização, o que resultou no investimento em unidades produtivas no exterior,
principalmente, através de aquisições de empresas ou da constituição de joint-venture.
79
Os seguintes empreendimentos contaram com recursos do BNDES: Construção da Usina Hidrelétrica de São
Francisco no Equador, Usina Hidrelétrica de La Vueltosa na Venezuela; Linhas 3 e 4 Metrô de Caracas;
Transmilênio - Transporte Urbano na Colômbia; Ruta 10 (PR); Ampliação Metrô Santiago no Chile; Gasodutos
TGN/TGS em Albanesi na Argentina; Águas de Maldonado no Uruguai; Transantiago no Chile; Linha
Transmissão UTE Punta del Tigre no Uruguai (COUTINHO, 2009).
122
80
A Vale possui uma ferrovia na Argentina e Colômbia. A empresa investe, também, em atividades de estudo e
desenvolvimento de novas fontes de minerais na África do Sul, Angola, Cazaquistão, China e Filipinas.
81
A Friboi possui 31 centros de distribuição nos EUA e 05 na Austrália. A Mafrig possui centros de distribuição
nos EUA, Chile, Argentina, França, Inglaterra, Alemanha, Kuwait, Emirados Árabes, Coréia do Sul, Austrália e
Nova Zelândia.
82
A Vale possui instalações portuárias na China, a Votorantim possui terminal marítimo na Austrália.
83
A Votorantim possui terminal rodoviário no Canadá.
123
atividade. Nesse caso, podemos ver, a partir da Tabela 7, que dentre as empresas mais
internacionalizadas apenas quatro (Metalfrio, Embraer, e Cia Providência) não possuem
atividades em nenhum dos países da América do Sul.
Além disso, os projetos de integração da infraestrutura se restringem a América do Sul
e visam, sobretudo, criar as condições para melhorar a circulação de bens e serviços da região.
Isto é, beneficiar “a logística das exportações da região ao abrir alternativas de escoamento da
produção, com menores distâncias, custos mais baixos e, consequentemente, maior
competitividade dos produtos no mercado internacional”. (MRE, 2011, p. 20). Desse modo, a
América do Sul consta nos interesses da burguesia brasileira ávida por realizar um conjunto
de obras que permita às suas mercadorias um deslocamento mais rápido aos países centrais,
além de lucrar com a construção de tais vias (ZIBECHI, 2008).
Por fim, gostaríamos de mencionar que o estabelecimento de marcos regulatórios e
acordos comerciais estimula os investimentos brasileiros na região, dentre os quais
destacamos as reduções das alíquotas do Imposto de Importação concedidas para Bens de
Capital, Informática e Telecomunicações84. A esse respeito, Ribeiro e Lima (2008) ressaltam
que a estabilidade de regras foi um dos fatores determinantes para a consecução de inversões
na América do Sul.
Os Estados Unidos manteve uma participação significativa no destino das inversões
brasileiras ao longo dos anos 2000, chegando a representar 12,1% desse total no ano de 2010.
Sem dúvida, a inserção e consolidação num dos principais mercados consumidores do mundo
e centro financeiro se constituiu no impulso a esses investimentos. Cabe ressaltar que a
produção das empresas nos EUA acaba sendo mais elaborada do que a realizada em outros
países. Um exemplo disso é a Vale, que produz aço laminado plano e dutos nos EUA,
enquanto em diversos outros países mantém apenas a atividade de extração mineral. Do
mesmo modo, a Friboi possui abate bovino, suíno e ovino nesse país, enquanto em outras
nações mantém apenas uma dessas unidades.
84
Para maiores detalhes ver a Tarifa Externa Comum (TEC) assinada entre os países que compõem o Mercosul.
Para os outros países da América do Sul ver os Acordos de Complementação Econômica (ACE) realizados no
âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e da Comunidade Andina (CAN).
125
Portanto, além da diminuição do fluxo global de IED para o país, o período apresenta
um conjunto de oportunidades de inversões para o Brasil, devido ao número de empresas em
dificuldades financeiras;
2) A participação das inversões brasileiras no Paraguai nos anos de 2003, 2006 e 2009
resulta da oscilação entre lucros reinvestidos e lucros remetidos para fora do país 85. Nos anos
de 2003 e 2009, os montantes de lucros enviados pelas empresas brasileiras resultaram num
fluxo negativo do IED nesse período. Inclusive, no ano de 2009, os fluxos de IED do setor
primário no país também foram negativos, mostrando a influência do movimento de capitais
brasileiros nesse setor do Paraguai. No ano de 2006, houve a remessa de lucros e dividendos
de outros países (Luxemburgo, Panamá e Portugal), o que aumentou o peso do IED brasileiro;
3) No Equador, a brusca diminuição do IED brasileiro após 2007 está associada a
expulsão da Odebrecht em 2008 e a posterior decisão da Petrobras de sair do país.
Do exposto apreende-se que os fluxos de IED brasileiro para a América do Sul estão
condicionados por critérios econômicos e não por definições estratégicas para a consecução
de uma integração regional. Desse modo, a variabilidade dos fluxos expressa a lógica de
decisão empresarial (como qualquer decisão de investimento estrangeiro) relacionada ao
processo de privatização, fusões ou aquisições de empresas privadas, concessão de serviços
públicos, quadro macroeconômico e crescimento da economia.
Vejamos agora mais detalhadamente as principais inversões brasileiras em cada um
dos países da região.
85
“Conforme esclarece o Banco Central do país, ‘El flujo de la Inversión Extranjera Directa se descompone en
tres partes: capitalización, utilidades reinvertidas y préstamos’ os lucros reinvestidos por sua vez são o resultado
dos lucros reinvestidos menos os lucros reenviados.” (BCP, 2012).
127
3.3.3.1 Argentina
O perfil setorial das inversões não poderia ser outro, já que o Brasil “exporta” para os
países da América do Sul o padrão produtivo vigente em sua economia. Isto é, o seu IED está
limitado pelo seu padrão de inserção na economia internacional. Portanto, as empresas
brasileiras podem, no máximo, organizar a produção nos moldes que fazem em seu próprio
país, uma vez que os limites em termos de desenvolvimento tecnológico, encadeamentos
produtivos e nível de emprego são dados pelo próprio padrão vigente na economia brasileira.
Dado desse limite geral, cada empresa vai transferir mais ou menos atividades para os países
da região conforme a rentabilidade e a importância desses mercados em sua estratégia de
expansão.
Com base em dados do Banco Central da República Argentina (BCRA), em 2013, o
estoque de IED brasileiro no país correspondia a 6,3% do total, situando o Brasil como o
quinto maior detentor de ativos atrás dos EUA (21,0%), Espanha (18,0%) 87, Holanda (9,0%) e
Chile (7,0%). Chama atenção a diversidade setorial dos investimentos (Tabela 12).
Dentre os setores com maior participação do que foi registrado como inversões
brasileiras, não nos ateremos ao automobilístico e de máquinas e equipamentos, haja vista que
estão relacionadas às transnacionais que atuam no Brasil. Nos concentraremos nos setores de
Alimentos e bebidas, Construção, Minerais não-metálicos e Transportes, que efetivamente
expressam investimentos de empresas de capitais brasileiros. No que se refere ao setor de
petróleo, embora a participação seja residual, incluiremos a Petrobras na análise, já que
Bianco et al. (2008) e Gomes (2011) incluem a empresa entre os principais inversionistas
brasileiros na Argentina. Acreditamos que a diversidade das operações da empresa (presente,
também, no setor de energia elétrica e distribuição de combustíveis) impede a captação de
seus investimentos apenas na rubrica Petróleo.
87
Houve uma mudança de posição em relação a 2010 quando, conforme o BCRA, Espanha detinha 26,3% do
estoque de IED do país e os EUA 16,8%.
129
88
Os clientes do setor agropecuário são: ADM, Amaggi, Bunge, Cargill, Copersucar, Dreyfus, Trevo, Usina
Santa Terezinha. No segmento de produtos industrializados, presta serviço para: Braskem, Camargo Corrêa,
Camil, Cimento Ribeirão, Rio Tinto, CSN, Gerdau, Belgo Mineira, Gonvarri, Grupo Votorantim, Ipiranga,
Josapar, Klabin, Masisa, Sadia, Vega do Sul, MCR, Vetorial, Frangosul, Seara, Renault e Unilever (ALL
Logística, 2014).
130
89
“La política oficial llevó a Petrobras a disminuir su presencia en las áreas donde el Estado ejerce intervención a
través del control de precios y tarifas, como la producción y comercialización de combustibles y la distribución
eléctrica”. (ZIBECHI, 2012, p. 264).
90
Conforme dados do Banco Central da Republica Argentina (BCRA), a rentabilidade média do setor de petróleo
no país entre 2005 e 2010 foi de 21,7%.
91
Na produção de petróleo está atrás da YPF S. A. (34,4%) e Pan American (18,7%) empresa controlada pela
British Petroleum y Bridas. Na produção de gás da Total Austral S. A. (28,1%); da YPF S. A.; (24,8%) e da Pan
American (12,6%). Nas vendas de gasolina e óleo está atrás da YPF (57,2% e 35,5%); Shell (13,3% e 23,1%) e
Esso (13,0% e 20,2%). Essa colocação em vendas no mercado interno argentino se reproduz para outros
produtos como lubrificantes (9,4%). Em alguns ocupa a terceira posição - nafta comum (14,6%); solventes
(24,4%), graxas (11,4%) - ou a segunda posição como na produção de asfalto (28,0%) e óleo para navios
(28,9%).
131
92
Os animais que podem chegar a pesar até 500 kg.
132
93
A Camargo Corrêa atua no mercado Argentino “em Vestuário e Calçados, [...] com a Alpargatas, que gerencia
marcas líderes [...] como Havaianas, [...], além de Osklen, Mizuno, Topper, Timberland, entre outras”.
(CAMARGO CORRÊA, 2014).
133
3.3.3.2 Uruguai
94
Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/noticias/relacoes-entre-brasil-e-argentina-estao-mais-transparentes-
diz-embaixador-enio-cordeiro/>.
134
95
No rol das grandes empresas também existem aquelas que destinam quase toda a sua produção para o mercado
brasileiro. São elas: Petrosul e Votorantim cimentos.
135
detém 30% do capital da JBS, 13,9% do da Mafrig e 2,5% do da BRF, com investimentos de
R$ 8 bilhões, R$ 3,5 bilhões e R$ 430 milhões, respectivamente”. (VALOR, 2011, p. 46-47).
Além disso, a presença do Banco do Brasil e do banco Itaú no Uruguai se constitui em outras
fontes de financiamento.
No setor da Energia, os investimentos da Eletrobrás e da Petrobras no Uruguai estão
associados à chamada política de integração energética no continente, que se refere à
diversificação das atividades da petrolífera para os diversos segmentos de produção e
distribuição de energia, seja ela petróleo, gás, eletricidade ou biocombustíveis. A ideia é
integrar os ativos da empresa no Brasil com as explorações feitas nos países da região.
Nesse projeto, o Uruguai se transformou num caminho de fluxo obrigatório entre a
Argentina e o Brasil. Isto é, algumas das fontes de gás natural que a empresa detém na
Argentina necessitam passar pelo Uruguai para chegar até o Brasil.
Além disso, a empresa passou a atuar no mercado uruguaio controlando a distribuição
de gás natural no país através das empresas Conecta Sur, da qual detém 55%, e da
Montevidéu gás, da qual possui 66% das ações (PETROBRAS, 2014). A Petrobras é a
segunda no abastecimento de combustíveis (21%) e lubrificantes (34%), atrás apenas da
Administración Nacional de Combustibles, Alcohol y Portland (ANCAP), que possui,
respectivamente, 48% e 54%. Apesar de sua importância na etapa de distribuição, no que se
refere à exploração de petróleo, a empresa não tem inserção no país. O mercado está dividido
entre diversas transnacionais do setor como: YPF (Argentina), Galpp (Portugal), BP (Reino
Unido) e Inpex (Japão).
3.3.3.3 Paraguai
Os dados da Tabela 11 demonstram o peso do IED brasileiro nesse país, seja através
dos chamados desinvestimentos, como os verificados em 2003 e 2009, ou dos investimentos,
como entre 2005 e 2008. Considerando a participação no Estoque de IED do Paraguai, no
primeiro semestre de 2004, de um total de US$ 1.100,4 milhões em ativos estrangeiros no
país, os EUA possuíam 39,1%, Holanda 8,7%, Brasil 8,3% e Argentina 8,0%. Em 2010, o
estoque total registrado foi de US$ 3.111,4 milhões distribuídos da seguinte maneira: os EUA
possuíam 50,2%; o Brasil 14,3%, a Argentina 7,9% e a Espanha 6,8% (BCP, 2004 e 2010).
137
Certamente, esses fatores contribuem para que as inversões brasileiras sejam bastante
diversificadas, conforme assinala o BCP. Apesar disso, no ano de 2010, as atividades de
intermediação financeira possuíam os maiores montantes, representando 47,4% do total
registrado como investimento brasileiro, em seguida as atividades comerciais (31,3%), a
Fabricação de defensivos agrícolas e outros produtos químicos agropecuários (5,8%) e a
Produção e processamento de carne (5,6%) (BCP, 2010).
Cabe ressaltar que os bancos privados estrangeiros que fazem inversões no Paraguai
através do Brasil, a exemplo do Santander, inflam as estatísticas relacionadas a esse setor.
“La mayor parte de los empresários brasileños optan por el Régimen de Maquila, que permite producir con
96
exención tributaria para importar insumos y bienes de capital, pagando solamente una alícuota de 1% sobre el
valor agregado localmente.” (CÉSAR, 2012, p. 09).
97
Disponível em: < http://www.ultimahora.com/crece-incursion-firmas-brasilenas-el-pais-atraidas-los-
beneficios-n563163.html> Acesso em 16 de abril de 2014.
138
Apesar disso, “los bancos de capital brasilero, a la fecha, controlan el 18,69% del total de los
activos y 17,56% de las colocaciones netas y, poseen 7,28% del total de las 426 sucursales a
nivel país de todos los bancos”. (SUPERINTENDÊNCIA DE BANCOS BCP, 2013 apud
VUYK, 2012, p.15). As atividades dessas instituições abarcam o financiamento do comércio
exterior, do agronegócio, da indústria de carnes e do consumo. Observa-se ainda que, “una
gran mayoría de las instituciones públicas poseen sus cuentas bancarias y manejan el
movimiento de salarios de sus trabajadoras/es a través del banco Itaú [...]”.
(SUPERINTENDÊNCIA DE BANCOS BCP, 2013 apud VUYK, 2013, p. 15).
Dentre as grandes empresas que realizaram investimentos entre 2005 e 2007 estão a
Minerva e JBS, que adquiriram frigoríficos paraguaios (setor de carnes); a Petrobras, que
adquiriu os ativos da Shell (setor de comercialização); e a Votorantim e Camargo Corrêa, que
juntas construíram uma fábrica de cimento em parceria, também, com a Concret-Mix
(CÉSAR, 2012).
A organização e os efeitos da verticalização da produção de carnes já foram
explicitados através da análise dos efeitos da instalação da JBS na Argentina e no Uruguai.
No caso da Petrobras, a empresa está inserida apenas na área de distribuição no “mercado de
combustíveis (gasolinas e diesel), tendo a maior participação no mercado (atualmente, 21%
das vendas)”. (PETROBRAS, 2014).
Aqui gostaríamos de tecer algumas considerações sobre a produção de soja de
produtores brasileiros. As atividades agropecuárias de brasileiros no Paraguai não foram
captadas pelas estatísticas de estoque de IED que mencionamos anteriormente. Uma
explicação possível é que uma parte da agroindústria brasileira opere no país através de
arrendamento ou subcontratação de pequenos produtores, fornecendo todo o pacote
tecnológico. Além disso, a antiguidade da ocupação desses produtores, presentes no país
desde meados de 1960, resulta na dupla nacionalidade desses empresários, de modo que não
figuram nas estatísticas como ativos estrangeiros.
Os agricultores brasileiros, contando com o apoio do Banco do Brasil, controlam parte
das melhores terras desse país. “Los últimos datos del Censo Agropecuario Nacional (CAN,
2008) demuestra que por lo menos 19,4% del território nacional se encuentra controlado por
extranjeros [...] 11,78% del território nacional, se encuentran bajo control de proprietários
brasileiros”. (VUYK, 2013, p. 10). Esses números são subestimados, na medida em que não
levam em conta a posse ilegal e nem os arrendamentos de terras dos camponeses paraguaios.
Zibechi (2013) estima que a participação desses produtores representa 20% das melhores
terras aráveis do Paraguai.
139
3.3.3.4 Bolívia
98
Outras empresas que atuam no país são: Tigre, Natura, Gol, Varig, Ecoplan engenharia, Hacienda Santa Maria,
Latin Consult Engenharias S/S.
142
99
As estatísticas do Brasil não captam o volume de investimentos da Petrobras realizados na Bolívia, porque “os
investimentos da empresa são realizados principalmente através de subsidiárias localizadas na Europa
(destacadamente Holanda)”. (RIBEIRO; LIMA, 2008, p. 13).
100
A nacionalização do gás boliviano significou a aquisição da maioria das ações apenas das empresas
anteriormente de propriedade do Estado e que foram privatizadas: CBLH, Transredes, Andina, Chaco e duas
refinarias. Com isso, a YPFB passou a deter mais de 50% dessas empresas que ainda continuam como
sociedades anônimas com participação do capital privado. Para detalhes sobre o processo de nacionalização do
gás boliviano, ver Villegas (2010).
143
3.3.3.5 Equador
101
Em 2012, a Odebrecht voltou ao Equador para a construção da hidroelétrica Manduriacu. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/26535-apos-tres-anos-de-briga-brasil-volta-a-investir-no-
equador.shtml> Acesso em 15 de abril de 2014.
145
administração pública, mas das representações diplomáticas do Brasil no exterior; ii) promove
a conglomeração dos setores, a fim de que obtenham escala para competir no mercado
internacional; iii) financia as operações e iv) participa como sócio do empreendimento,
aportando capital e interferindo na administração. Com isso, algumas das grandes empresas
internacionalizadas acabam se transformando num conglomerado BNDES - Fundos de Pensão
públicos - grupos privados. Vejamos cada uma das dimensões da intervenção governamental.
O envolvimento de instituições da Administração pública na consecução de estudos
técnicos para identificar as oportunidades de investimento na América do Sul para as
empresas brasileiras abarca o IPEA, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX). Além
disso, existem instituições destinadas ao desenvolvimento de pesquisas e apoio técnico, como
a Embrapa, que “trabalha muito para ampliar o rendimento do gado com melhora genética”.
(VALOR, 2011, p. 45). Certamente, a empresa também oferece suporte a toda cadeia do
agronegócio.
Para além das instâncias técnicas, o suporte governamental ao processo de
internacionalização das empresas brasileiras também se utiliza das instâncias políticas, como
a Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN) do Ministério da Fazenda e o Ministério das
Relações Exteriores (MRE). Além das tradicionais funções de promoção das exportações do
país, o MRE tem participado da “discussão e da elaboração de propostas de políticas
governamentais que facilitem a inserção e a presença de empresas brasileiras nos mercados
externos, de modo a transformar as oportunidades em benefícios efetivos para o País 102”.
(MRE, 2014). Para tal, reformulou o seu Departamento de Promoção Comercial (DPR)
incorporando uma divisão de investimentos.
Além disso, dentre as novas atribuições das representações e escritórios diplomáticos
estão a assistência jurídica e a intervenção em conflitos de interesses entre empresas
brasileiras e os Estados Nacionais onde ocorrem as inversões, a exemplo da contenda entre
Odebrecht e o governo equatoriano, entre a Petrobras e a Bolívia ou entre os latifundiários
brasileiros e o movimento campesino no Paraguai.
102
Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/servicos-do-itamaraty/promocao-comercial/print-nota> Acesso
em 14 de abril de 2014.
149
Construção e
Engenharia
8%
Mineração
7%
através dos fundos de pensão da Petros e da Previ e conduziu o processo de fusão com a
Perdigão formando a Brasil Foods103.
A ação do BNDES, portanto, vai além do financiamento para aquisição de ativos no
exterior ou para as exportações, o banco atua na consolidação da estrutura produtiva interna
das empresas, promovendo o processo de oligopolização da economia brasileira, através de
fusões e aquisições com objetivo de criar grandes grupos (os campeões nacionais). O processo
de fusão entre a Veracel e Aracruz celulose, a Friboi e a Bertin e a aquisição da Petroquímica
triunfo pela Braskem são exemplos dessa ação que visa consolidar as empresas no mercado
interno afim de que adquiram escalas para competir no mercado internacional. A esse
respeito, Almeida (2009) ressalta que, em alguns casos “o BNDES procura firmas para
oferecer ajuda no processo de F&A”. (ALMEIDA, 2009, p. 48).
Outra forma de participação do BNDES no apoio às inversões brasileiras no exterior
ocorre através de sua participação acionária nas empresas via BNDESpar – holding criada
para administrar tais participações. Conforme podemos ver na Tabela 8, oito empresas
(Gerdau, Marfrig, vale, Lupatech, Embraer, Petrobras, Bematech e Totvs) possuem como
coparticipe dos empreendimentos o BNDES. Acrescente-se, ainda, que o governo federal
utiliza de sua participação na gestão dos principais fundos de pensão de funcionários públicos
do país (Previ, Petros) para alavancar as estratégias de expansão empresarial. Ainda conforme
a Tabela 8, a Embraer, Ultrapar, Rondon e Brasil Foods têm na sua estrutura de propriedade a
participação de alguns dos fundos de pensão mencionados.
Em algumas dessas empresas a participação do BNDES e dos fundos de pensão resulta
no controle acionário, como no caso da Vale, em que as duas instituições detêm 53% das
ações. “De ese modo, a través de los fundos de pensiones y el BNDES la vale ‘privatizada’
está controlada por el Estado o, más precisamente, por esa camada nueva de gestores de
fondos de pensiones entrelazados con grandes empresas brasileñas y el BNDES”. (ZIBECHI,
2011, p. 176).
A importância do BNDES no processo de internacionalização das empresas brasileiras
foi aferida pelo próprio banco. Segundo declarações do chefe do departamento de
internacionalização,
103
O “[...] ex-Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan, [...] foi
instrumental no processo de fusão da Sadia com a Perdigão. Furlan saiu da Sadia para entrar no governo. Após a
fusão, saiu do governo e voltou para a presidência do Conselho Administrativo da empresa”. Disponível em:
<http://d4rk.com.br/como-as-privatizacoes-criaram-novas-estatais-no-brasil/> Acesso em: 20/09/2014
152
104
“[...] o BNDES não tem que cumprir um cronograma preestabelecido de amortização do principal. Considera-
se que o FAT Constitucional é ‘quase um capital’ do BNDES e, por este motivo, parte do seu saldo pode até
mesmo ser computado para efeito de cálculo do patrimônio de referência do BNDES”. (IPEA, 2012, p. 272).
105
Conforme dados do BNDES, houve um aumento nos desembolsos de R$ 33,5 bilhões em 2003 para R$ 180
bilhões em 2010.
153
Tabela 13 - Margem de Lucro* das empresas brasileiras segundo o mercado de atuação: 2008 –
2012
Ano
Mercado
2008 2009 2010 2011 2012
Mercado Doméstico 18,7 16,5 15,5 13,8 13,9
Mercado Exterior 8,8 10,8 11,8 13,0 13,8
Fonte: FDC (2013).
* EBITDA
“De 2002 a 2011 la renta de IED casi se ha multiplicado por cuatro (a precios corrientes) en las regiones en
106
desarrollo, mientras que en los Estados Unidos, la Unión Europea y el Japón aumentó poco más del doble”.
(CEPAL, 2012, p. 56).
154
Outros países da América do Sul também mantêm uma rentabilidade superior à média
da região. Nesses grupos estão Argentina e Uruguai, no primeiro as inversões estão
principalmente relacionadas com o segmento de papel e celulose, no segundo estão
localizadas na indústria de transformação, em especial, a metalurgia, mineração (20%) e
extração de hidrocarbonetos (16%). No caso da Argentina, todos os setores de maior
rentabilidade possuem inversões de empresas brasileiras 107.
A importância das rendas geradas no exterior e da participação da América do Sul nos
lucros é bastante diferenciada entre as empresas brasileiras. As operações internacionais são
particularmente importantes para oito empresas que auferem mais de 50% de suas receitas
totais no exterior. Conforme índice de receitas calculado pela FDC 108 em 2010, fazem parte
desse grupo Coteminas (0,885); JBS (0,763); Suzano (0,657); Construtora Odebrecht (0,598);
Gerdau (0,563); Vale (0,566); Marfrig (0,538) e Magnesita (0,533). Para outras, a
internacionalização significa mais de um terço das receitas: Sabó (43,2%); Metalfrio (40,0%);
Weg (39,2%); Embraer (34,9%); Stefanini (35,7%); Construtora Andrade Gutierrez (33,3%)
(VALOR, 2011, p. 30).
A partir dos relatórios financeiros de algumas das empresas brasileiras
internacionalizadas, podemos inferir a participação da América do Sul na sua lucratividade.
No caso da Friboi, os dados mostram que a empresa extrai 24% do seu faturamento na região,
a Odebrecht tem na América do Sul e Central a sua segunda maior receita, ficando atrás
apenas de suas operações no Brasil109. A Gerdau teve 13% das vendas, em 2010, realizadas na
107
O relatório ressalta que os setores de serviços onde o governo estabeleceu uma política de controle de preços
via congelamento houve rentabilidade abaixo da média da região no período que foi de 7,8%.
No que se refere às receitas no exterior, o relatório alerta que a desvalorização do dólar “em torno de 25% (de
108
R$ 2,33 para R$ 1,74)” (FDC, 2010, p. 6) e a diminuição dos preços dos produtos brasileiros são elementos que
impedem avaliar de maneira mais precisa a evolução desse indicador.
109
Conforme relatórios anuais de atividades da empresa, em 2010, o Brasil respondeu por 65,6% da receita bruta
e a América do Sul e Central 20,3%. Em 2012, esses valores foram, respectivamente, 36,3% e 13,6%. Disponível
em: <http://www.odebrecht.com/pt-br/comunicacao/publicacoes/relatorios-anuais> Acesso em 12 de out. de
2014.
155
América Latina110. A Marfrig, em 2008, obteve 32,5% de sua receita líquida na Argentina e
Uruguai111.
Os dados do Balanço de Pagamentos do Brasil demonstram que houve aumento nas
receitas recebidas na conta Serviços e Rendas no período de 2000 a 2013. Nos Serviços, o
montante que ingressou no país, em 2000, foi de US$ 9.498 milhões. Em 2013, este valor
subiu para US$ 39.1274 milhões, isto é, quadruplicou apesar da crise da economia mundial
(Tabela 14). Tal crescimento esteve relacionado ao item ‘serviços financeiros’ que passou de
US$ 376 milhões em 2000 para US$ 2,9 bilhões em 2013 e a rúbrica ‘serviços empresariais’
cuja receita, em 2013, foi de US$ 18,9 bilhões, o que representou quase metade do total de
recursos que ingressou pela conta Serviços.
No que se refere aos serviços financeiros, os resultados refletem o aumento dos
empréstimos brasileiros no exterior, provavelmente, associados à atuação do BNDES no
processo de internacionalização das empresas do país. Quanto aos serviços empresarias, os
números expressam a exportação dos serviços de engenharia para a América do Sul e África,
os principais mercados das construtoras brasileiras no exterior.
No caso da conta Rendas, em especial, as ‘rendas recebidas por investimento direto’,
observa-se um crescimento de quase 400% dos montantes recebidos que chegaram a quase
US$ 5 bilhões em 2013 (Tabela 14). Embora os dados do Banco Central não estejam
desagregados por origem geográfica, considerando que mais de 77,0% 112 das empresas
brasileiras no exterior estão presentes na América do Sul e que os projetos de infraestrutura
também estão concentrados nesse continente, podemos inferir que uma parte significativa dos
valores recebidos pela conta Serviços e Rendas é oriunda da região.
Vale salientar que as remessas de lucros e dividendos estão condicionadas as
estratégias de expansão das empresas, entretanto, é razoável supor que as rendas de IED no
período tenham sido resultado tanto do aumento das inversões quanto de sua rentabilidade.
Além disso, a situação macroeconômica do Brasil e dos países onde são realizados os
investimentos, também, influenciam no fluxo dessa receita. Nesse sentido, um primeiro
110
Argentina, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Peru, República Dominicana, Venezuela, Uruguai.
111
Disponível em: < http://ri.marfrig.com.br/rao/2008/index.html> Acesso em 12 de out. de 2014.
112
Não podemos associar diretamente esse percentual ao lucro auferido em tais países em razão da diferente
rentabilidade dos mercados nos quais as empresas atuam e da importância das maiores empresas na geração de
excedentes, a exemplo da Vale e da Petrobras, que apresentam uma inserção geográfica mais diversificada.
156
113
A conjuntura econômica do país, em 2012, esteve caracterizada pela redução do superávit fiscal, pela
diminuição dos preços dos produtos exportados e pela crescente dificuldade de conseguir divisas para as
importações do setor industrial. Desse cenário resultou a crescente saída de capitais que tentaram se antecipar a
uma possível desvalorização da moeda Argentina que colocasse em risco os lucros, em dólares, gerados na sua
economia.
114
A respeito de tal conduta empresarial, cabe mencionar que algumas empresas ameaçam deixar a economia
Argentina por causa do controle das tarifas que limitam a rentabilidade de alguns setores. Além disso, reclamam
dos controles de cambio que dificultam o envio de dividendos ao exterior.
157
US$ milhões
Var
Discriminação 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 %
2013/
TRANSAÇÕES CORRENTES -24.225 -23.215 -7.637 4.177 11.679 13.985 13.643 1.551 -28.192 -24.302 -47.273 -52.473 -54.249 -81.108 2000
Balança comercial (FOB) -698 2.650 13.121 24.794 33.641 44.703 46.457 40.032 24.836 25.290 20.147 29.793 19.395 2.399
Serviços e Rendas -25.048 -27.503 -23.148 -23.483 -25.198 -34.276 -37.120 -42.510 -57.252 -52.930 -70.322 -85.251 -76.489 -86.874
Serviços -7.162 -7.759 -4.957 -4.931 -4.678 -8.309 -9.640 -13.219 -16.690 -19.245 -30.835 -37.932 -41.042 -47.096
Receita 9.498 9.322 9.551 10.447 12.584 16.047 19.476 23.954 30.451 27.728 31.599 38.209 39.864 39.127 411,9
Serviços financeiros -294 -307 -232 -383 -77 -230 -110 283 93 -42 394 858 709 1.115
Receita 376 317 390 363 423 507 751 1.090 1.238 1.570 2.073 2.662 2.684 2.908
Empresariais, profiissionais e técnicos 2.251 2.300 2.460 2.158 2.378 3.651 4.556 6.230 8.147 7.297 8.413 10.699 11.552 10.167
Receita 3.888 3.921 3.848 3.719 4.515 6.038 7.524 10.076 12.915 12.374 14.629 18.346 20.067 18.900 486,1
Serviços jurídicos, de auditoria, contabilidade,
consultoria tributária e de educação 58 52 57 43 67 455 1.437 1.890 2.684 2.286 2.860 3.131 3.363 3.147
Serviços de engenharia, arquitetura, P&D e
assistência técnica 1.957 1.854 1.933 1.918 2.536 3.382 3.724 4.854 5.764 5.810 5.887 7.718 9.243 8.496
Rendas -17.886 -19.743 -18.191 -18.552 -20.520 -25.967 -27.480 -29.291 -40.562 -33.684 -39.486 -47.319 -35.448 -39.778
Receita 3.621 3.280 3.295 3.339 3.199 3.194 6.462 11.493 12.511 8.826 7.405 10.753 10.888 10.071 278,1
Renda de investimentos -17.965 -19.838 -18.292 -18.661 -20.701 -26.181 -27.657 -29.740 -41.107 -34.287 -39.985 -47.886 -35.959 -40.289
Renda de investimento direto -3.239 -4.638 -4.983 -5.098 -5.789 -10.302 -12.826 -17.489 -26.775 -19.742 -25.504 -29.631 -19.960 -22.547
Receita 999 367 967 886 1.114 733 1.073 2.202 1.997 1.287 1.080 2.085 4.603 4.989 499,4
Lucros e dividendos -2.173 -3.438 -4.034 -4.076 -4.937 -9.142 -11.445 -16.745 -25.348 -17.765 -23.591 -27.379 -17.183 -19.251
Receita 932 264 857 760 916 641 928 1.152 1.526 1.186 888 1.804 4.488 4.603
Lucros reinvestidos no Brasil 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Juros de empréstimo intercompanhia -1.066 -1.201 -949 -1.022 -852 -1.161 -1.381 -744 -1.427 -1.977 -1.913 -2.252 -2.777 -3.296
Receita 67 103 109 126 198 92 145 1.050 472 100 193 282 115 386
Despesa -1.133 -1.303 -1.058 -1.148 -1.050 -1.253 -1.526 -1.794 -1.898 -2.077 -2.106 -2.533 -2.892 -3.682
Renda de investimento em carteira -8.545 -9.621 -8.384 -8.743 -10.415 -11.778 -11.028 -7.065 -8.039 -9.213 -9.964 -12.164 -9.911 -11.003
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 19.326 27.052 8.004 5.111 -7.523 -9.464 17.021 89.086 29.357 71.301 99.912 112.381 70.010 74.245
ERROS E OMISSÕES 2.637 -531 -66 -793 -1.912 -201 -95 -3.152 1.804 -347 -3.538 -1.271 3.138 936
RESULTADO DO BALANÇO -2.262 3.307 302 8.496 2.244 4.319 30.569 87.484 2.969 46.651 49.101 58.637 18.900 -5.926
HAVERES DA AUTORIDADE MONETÁRIA (-=aumento) 2.262 -3.307 -302 -8.496 -2.244 -4.319 -30.569 -87.484 -2.969 -46.651 -49.101 -58.637 -18.900 5.926
Fonte: Banco Central do Brasil (BCB).
inserção internacional do país com base na divisão do trabalho construída pelo mercado, qual
seja: a especialização em produtos de menor valor agregado e conteúdo tecnológico, além de
um padrão de crescimento com base na exploração de recursos naturais e da força de trabalho.
Desse modo, longe de significar uma intervenção efetiva do poder público para promover
modificações da estrutura econômica— a iniciativa pública “corre atrás” da iniciativa privada,
sancionando as opções de IED formuladas pelo mercado.
Na medida em que o Investimento Externo Direto Brasileiro na América do Sul tem
sido conduzido segundo os critérios de lucratividade das empresas que participam dessa
internacionalização, tais inversões não rompem com a lógica de tornar essa região em
fornecedor de matérias-primas para as economias centrais do capitalismo. Ao contrário, há
uma tendência à reafirmação dessa divisão internacional do trabalho, agora com a
contribuição dos capitais brasileiros, cujo resultado tem sido a transferência de valor dos
países da região, também, para o Brasil, como demonstram a conta Serviços e Rendas do BP.
159
115
Disponível em: <http://www.unasursg.org/index.php?option=com_content&view=article&catid=95:consejo-
suramericano-de-infraestructura-y-planeami&id=335:estatutos-del-consejo-de-infraestructura-y-planeamiento>
Acesso em 04 de fev. de 2014.
160
A criação do COSIPLAN teve por objetivo substituir um órgão diretivo por outro
ministerial, dada à necessidade, segundo seus idealizadores, de remover os entraves na
consecução dos investimentos em infraestrutura. A ideia é que os governos, através dessa
mudança institucional, disponham de instrumentos políticos, jurídicos e econômicos, bem
como de aporte financeiro para impulsionar de forma mais efetiva a consecução das obras.
O Brasil, além de se incorporar a essa nova tentativa de efetivar a integração da
infraestrutura da América do Sul, tem adotado medidas no âmbito de sua política nacional
com esse objetivo, a saber: inclusão de obras da IIRSA no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), abertura de linhas de financiamento para os projetos através do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reformas legislativas no país (a
exemplo do código florestal), supressão dos direitos legítimos dos povos indígenas e das
populações diretamente afetadas pelas obras, etc.
A partir da ótica do regionalismo aberto, a América do Sul foi dividida em nove Eixos
de Integração e Desenvolvimento (EID), onde os projetos de infraestrutura foram agrupados.
A origem da divisão territorial por eixos data do trabalho apresentado por Elieser Batista e
incorporado pelo Consórcio Brasiliana, em estudo realizado no governo de Fernando
Henrique Cardoso, em 1995.
Nesse trabalho, o consórcio define eixo de integração como áreas geográficas
contíguas onde se pode promover o desenvolvimento. Como critérios para conformação dos
eixos foram observados: i) a existência de uma rede multimodal de cargas através da qual as
áreas que compõem o eixo podem ser acessadas e ii) a possibilidade de desenvolver alguma
atividade econômica que ultrapasse o eixo e se insira no âmbito nacional e/ou internacional
(CONSÓRCIO BRASILIANA, 1994, apud Nasser, 2000). Essa perspectiva foi incorporada
pela IIRSA, conforme citação abaixo:
Los principales criterios técnicos utilizados para el análisis del territorio son:
cobertura geográfica de países y regiones; flujos existentes; flujos
potenciales; y sostenibilidad ambiental y social. En IIRSA se identificaron
diez EIDs: Eje Andino; 2. Eje Andino del Sur; Eje Capricornio; Eje Hidrovía
Paraguay-Paraná; Eje Amazonas; 6. Eje Escudo Guayanés; Eje del Sur;
Interoceánico Central; Eje Mercosur-Chile; Eje Perú-Brasil-Bolivia. (IIRSA,
2011).
diferentes espaços geográficos, facilitando a utilização de tais recursos a custos menores. Essa
perspectiva de abordar o território é mais adequada à nova lógica de acumulação caracterizada
pela maior mobilidade do capital após a desregulamentação comercial e financeira da
economia, da revolução nas telecomunicações e da introdução da microeletrônica nos
processos produtivos.
As inovações tecnológicas e a eliminação das barreiras comerciais permitem a
fragmentação do processo produtivo entre diversos países, onde cada componente do produto
final pode ser confeccionado em locais diferentes e enviados para a montagem. Os avanços
tecnológicos na área da microeletrônica permitem aos grupos contratarem, através da
terceirização, empresas ou pequenos produtores locais, enviando-lhes os insumos ou partes
componentes do produto final, gerenciando a produção a distância, a partir dos sistemas
computadorizados.
Entretanto, para que o capital se beneficie plenamente das novas formas de
organização e gestão da produção é necessário deslocar com rapidez os fluxos de mercadorias
através do território. Para tal, foi impulsionado o campo da logística que agrega além do
transporte, o manuseio e a armazenagem de cargas, utilizando muitas vezes o transporte
multimodal.
Na América do Sul, essa forma de organização da produção também significou o
aumento do fluxo de matérias-primas e produtos semiacabados, ampliando a demanda sobre a
infraestrutura da região que, no entanto, está caracterizada pela
[…] insuficiente interconexión terrestre en los principales corredores;
transporte terrestre insuficiente desde los principales centros de producción
hacia los mercados de transformación, consumo y exportación; limitaciones
físicas en la capacidad de puentes; problemas de acceso a las principales
ciudades, y deficiencias físicas y organizacionales en los pasos de frontera.
(CEPAL, 2011, p. 23).
118
A carteira da IIRSA apresenta os seguintes projetos de construção de hidrelétricas: Eixo Andino: duas
microcentrais em Chinchipe e Taguien; Microcentral na Província de Sucumbíos; Eixo Capricórnio: Construção
da Hidroelétrica de Iguazú; Eixo Hidrovia Paraguai-Paraná: desvío do Arroyo Aguapey; Eixo Amazonas:
Projeto Hidroelétrico Morona (1MW), Projeto Hidroelétrico Rio Luis; Eixo Mercosur– Chile: Sistema de Itaipú
(Existente), Construção da Planta Hidroelétrica de Corpus Christi, Construção da Planta Hidroelétrica de Garabí,
Represa Hidroelétrica de Yacyretá. Llenado a cota 83, Pequenas Centrais Hidroelétricas de Centurión e Talavera
65 MW sobre Rio Jaguarão, Construção da Planta Hidroelétrica de Panambí, Modernização da Central Elétrica
de Salto Grande; Eixo Peru-Brasil-Bolívia: Hidroelétrica CachuelaEsperanza (Rio Madre de Dios - Bolívia),
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (Hidroelétricas Santo Antônio e Jirau), Hidroelétrica binacional Bolívia–
Brasil (IIRSA, 2012).
165
O maior entrave na redução de custos para o capital são os transportes que abarcam os
modais rodoviário, ferroviário, hidroviário e aéreo. As privatizações de rodovias e aeroportos,
bem como as tentativas de estabelecer Parcerias Públicas Privadas (PPP’s) não se
constituíram em solução para a questão, fazendo com que muitas das obras fossem inseridas
em planos nacionais de desenvolvimento através dos quais passaram a receber dotações
orçamentárias para se concretizarem119.
Não é possível analisar todas as iniciativas voltadas para a integração regional, dado o
grande número de projetos. Para fins desse trabalho elegemos dois critérios de seleção:
i) Nos ateremos aos empreendimentos da Agenda de Projetos Prioritários de
Integração (API) que o Brasil participa. A API foi uma readaptação da Agenda de
Implementação Consensuada (AIC) 2005-2010, elaborada em 2004. Tal recorte se justifica
porque,
[…] la AIC se constituyó como una prioridad de ejecución para el período
2005-2010, con el propósito de acelerar la obtención de resultados concretos
en proyectos de alto impacto para la integración física suramericana y
concentrar la atención y esfuerzos de los países y de las instituciones
multilaterales en la búsqueda de resultados visibles, con un impacto
favorable en la atracción de inversiones para la región. Esto significó,
además, poner énfasis en la preparación, financiación y ejecución de estos
proyectos. (IIRSA, 2011, p. 13).
119
Argentina: a) Plan Estratégico Territorial de Argentina e b) acuerdo firmado por los Congresos de Argentina y
Paraguay; Bolívia: a) Plan de Desarrollo de Bolivia, b) Matriz Programática de Programas y Proyectos del Sector
Transporte; c) Programa Operativo Anual 2010-2011 del Viceministério de Transportes; Brasil: a) PAC 1 e 2, b)
Plan de estudios de la Administración de las Hidrovías de la Amazonía Occidental; con acuerdo binacional
firmado y aprobado por los Congresos de Brasil y Paraguay; c) Plan Plurianual 2008-2011; Chile: a) Planes
viales; b) Tratado de Maipú firmado con Argentina en 2009; Colômbia: a) Plan Nacional de Desarrollo 2010-
2014 (Prosperidad para Todos) e b) Plan Plurianual de inversiones (2011-2014); Guiana: a) Estrategia Nacional
de Desarrollo; b) acuerdos bilaterales entre Brasil y Guyana, en los años 1989 y 2000 se realizaron dos estudios
de factibilidad; Peru: a) Planes del Ministerio de Transporte y Comunicaciones (Intermodal 2004-2023) y b)
Plan Nacional de Desarrollo Portuario de Perú (elaborado por la Autoridad Portuaria); Suriname: a) Nuevo Plan
Multianual 2012-2016; Uruguai: a) Dirección Nacional de Hidrografía del Ministerio de Transporte y Obras
Públicas para el quinquenio 2010-2014; b) Tratado de Cooperación para el Aprovechamiento de los Recursos
Naturales y el Desarrollo de la Cuenca de la Laguna Merín.
166
projeto estruturado. Os projetos da API superam os US$ 13.000 milhões, variando entre
14,5% e 17,7% do montante total da carteira da IIRSA.
Dentro da API, nos ateremos aos projetos dos quais o Brasil faz parte, visto que o
objetivo da pesquisa é identificar os caminhos que os capitais sediados no Brasil têm
percorrido na América do Sul e o projeto subjacente ao seu movimento. A participação do
Brasil em tais projetos implica, conforme a institucionalidade elaborada para a IIRSA, sua
corresponsabilidade - junto com os outros países beneficiados pelas obras de infraestrutura -
pelo detalhamento técnico do projeto, pela organização das questões legais, institucionais e do
marco regulatório e pelo financiamento com recursos próprios ou empréstimos.
Certamente tal institucionalidade assegura que os projetos de infraestrutura incluídos
pelo governo brasileiro na API guardam estreita relação com os objetivos da política
brasileira, que visa, sobretudo, criar as condições para melhorar a circulação de bens e
serviços da região. Isto é, beneficiar “a logística das exportações da região ao abrir
alternativas de escoamento da produção, com menores distâncias, custos mais baixos e,
consequentemente, maior competitividade dos produtos no mercado internacional”. (MRE,
2011, p. 20). Desse modo, consideramos que tais projetos dão uma visão geral sobre os
interesses dos capitais brasileiros na região.
ii) Visando caracterizar os interesses brasileiros na integração da infraestrutura
regional, selecionamos, também, os projetos realizados com o aporte de recursos do BNDES,
uma vez que este banco tem servido de instrumento para a promoção da política brasileira de
estímulo às exportações e inversões do país no exterior.
120
A Bolívia é um Estado associado ao Mercosul.
167
Quadro 2 - Projetos que integram a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API): Brasil, 2005-2011
Valor (US$ Situação
N. Projetos Estruturados Eixo Projeto Individual mil) Financiamento do projeto Países
Nova ponte Porto Presidente Franco -
Conexão vial Foz do Iguaçu- Cidade Porto Meira; área de controle integrado Tesouro Pré- Brasil e
1 del Leste - Assunçao – Clorinda Capricórnio PY-BR 80.000 Nacional execução Paraguai
Corredor Ferroviário Bioceânico Pré-
2 Paranaguá-Antofogasta Capricórnio Tramo Cascavel - Foz do Iguaçu 0 A definir execução Brasil
Corredor Ferroviário Bioceânico Ponte ferroviária com pátio de cargas Tesouro Pré- Brasil e
3 Paranaguá-Antofogasta Capricórnio (Cidade del leste - Foz do Iguaçu) 0 Nacional execução Paraguai
Tramo Paranaguá-Cascavel e adequação
Corredor Ferroviário Bioceânico de trecho entre Guarapuava e Pré-
4 Paranaguá-Antofogasta Capricórnio Engenheiro Bley 0 Público execução Brasil
Linha de Transmissão 500kw Itaipu - Linha de transmissão 500 kw (Itaipu - Pré- Brasil e
5 Assunção – Yacyreta Capricórnio Assunção) 125.000 A definir execução Paraguai
Bolívia,
Melhoramento da navegabilidade dos Melhoramento da navegabilidade do Rio Tesouro Pré- Brasil e
6 Rios da Bacia do Plata HPP Paraguai entre Apa e Corumbá (*) 35.000 Nacional execução Paraguai
Gov. Nacional
Melhoramento da navegabilidade dos Melhoramento da navegabilidade do Rio (72,7%) e gov. Em
7 Rios da Bacia do Plata HPP Tietê 550.000 estadual (27,3%) execução Brasil
Bolívia,
Melhoramento da navegabilidade dos Sistema de previsão de níveis no Rio Tesouro Pré- Brasil e
8 Rios da Bacia do Plata HPP Paraguai (Apa - Assunção) 0 Nacional execução Paraguai
Melhoramento da navegabilidade do Rio
Melhoramento da navegabilidade dos Alto Paraná (a partir de Saltos do Tesouro Pré-
9 Rios da Bacia do Plata HPP Guairá) 70.000 Nacional execução Brasil
Melhoramento da navegabilidade do Rio Tesouro
10 Acesso neoriental do Rio Amazonas Amazonas Içá 8.000 Nacional Execução Brasil
Reabilitação da estrada Caracas- Tesouro Em Brasil e
11 Manaus GUY Reabilitação da estrada Caracas-Manaus 300.000 Nacional execução Venezuela
Rota Boa Vista - Bonfim - Lethem - Rota Boa Vista - Bonfim - Lethem - Lindem - Pré- Brasil e
12 Lindem – Georgetown GUY Georgetown 250.000 A definir execução Guiana
Rota Boa Vista –Bonfim –Lethem- Tesouro Brasil e
13 Lindem-Georgetown GUY Ponte sobre o Rio Takutu 10.000 Nacional Concluído Guiana
168
121
Para maiores detalhes técnicos-operacionais do projeto, ver BNDES (2011).
170
Esse objetivo unifica os países que compõem o eixo, haja vista que a análise do
comércio exterior da região sul-americana demostra que, desde os anos de 1990, as
exportações sofreram “[...] ii) forte redução dos Estados Unidos como destino [...] e iii) o
substancial crescimento de novos destinos, como a China e o Resto do Mundo”.
(CARCANHOLO, 2010, p. 11-12)122.
As cidades diretamente ligadas ao corredor bioceânico são: “no sentido leste-oeste: Paranaguá, Ponta Grossa,
122
Curitiba, Porto Alegre, Caxias do Sul, Passo Fundo, Erechim, Santa Maria, Santa Cruz do Sul, São Borja, Foz de
Iguaçu, Ciudaddel Este, Porto Iguazú, Encarnación, Apóstoles, Posadas, Asunción, Corrientes, Resistencia,
Formosa, Santiago del Estero, Tucumán, Salta, Jujuy, Catamarca, La Rioja, Copiapó e Antofagasta”.
(ANTUNES, 2007, p. 60).
171
123
Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/Noticia/496748/dilma-entrega-obra-com-tres-anos-e-meio-de-
atraso?referencia=minuto-a-minuto-topo> Acesso em 13 de fev. de 2014. No caso do contorno Joenville, as
obras estão paradas por problemas técnicos.
172
Livre Comércio (TLC) 124, que lhe dão acesso preferencial a vários mercados, e a sua posição
privilegiada para acessar os mercados asiáticos.
O Chile propõe beneficiar as mercadorias oriundas dos outros países da região,
utilizando a sua experiência em adequar as características dos produtos às normas
internacionais e reexportá-los (NUMAIR, 2009). No caso da relação com o Brasil, dado os
requisitos de conteúdo nacional mínimo que os TLC impõem às mercadorias comercializadas,
[...] os dois países vêm estudando alternativas de triangulação das operações,
processo que tem envolvido no Brasil a classe empresarial, o BNDES,
Federações de Indústrias e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior [...]. Algumas opções passam pela formação de joint-
ventures com empreendedores chilenos fornecendo insumos à produção, ou
a instalação de unidades fabris de empresas brasileiras no Chile. (NUMAIR,
2009, p. 142).
124
A estratégia econômica de abertura e inserção nas correntes de comércio internacional, iniciada desde os anos
de 1970, é um dos fatores que explica a grande quantidade de Tratados de Livre Comércio celebrados entre o
Chile e seus parceiros comerciais.
173
Note que os cinco países que compõem o eixo HPP utilizam a hidrovia para exportar
seus produtos. Espera-se que as intervenções nos rios melhore a
[…] navegabilidad de las vías fluviales [...] [con] significativas reducciones
del costo del transporte de flujos de tráfico interno entre regiones, así como
para los tráficos extrarregionales. Esto generará mayor competitividad de los
productos regionales, principalmente para los de aquellas áreas más alejadas
de los puertos marítimos. (IIRSA, 2010, p. 49).
Como pode ser visto na Tabela 16, a hidrovia é utilizada pelo agronegócio, pelas
indústrias mineral, de derivados de petróleo, celulose, química e petroquímica. A maior parte
do fluxo de mercadorias atende ao comércio intrarregional. Em termos de fluidez que confere
a circulação do espaço sul-americano, certamente, esse eixo é um dos mais importantes. Além
disso, como possui ligações com os eixos Mercosul-Chile, Interoceânico Central e
Capricórnio, propicia a rápida conversão do destino das mercadorias, direcionando-as para o
mercado externo.
O caso da soja Argentina é um exemplo ilustrativo da utilização da hidrovia para
exportação. Nesse país, a consecução da obra é defendida pela Monsanto, Cargil, Bunge e
Molinos Rio del plata, que além da exportação de alimentos, também se beneficiam com a
comercialização dos insumos de toda a cadeia produtiva. As obras beneficiam as províncias
de Córdoba, Santa Fé e Entre Rios, que juntas respondem por 63% da produção de soja na
Argentina.
Dentre os quatro projetos brasileiros na API, dois estão ligados ao sistema Tietê-
Paraná. No Tietê está sendo realizada adequação de pontes, canais e eclusas, construção de
barragens e terminais. Conforme relatório de acompanhamento do PAC, apenas 6,3% da obra,
completamente financiada com recursos públicos, foi realizada (MP, 2014). O objetivo é
175
125
Disponível em: <https://www.bcp.gov.py/boletin-de-comercio-exterior-trimestral-i400> Acesso em 05 de mar.
de 2014.
176
levar a desertificação de algumas áreas. Além disso, afeta a reprodução da vida marinha, que
junto com a intensificação do fluxo de embarcações, a realização de obras portuárias e os
aumentos da contaminação por cargas e descargas podem levar a extinção de espécies.
Acrescente-se, ainda, o estímulo a “expansão da fronteira agrícola nas margens dos três rios,
pela rentabilidade do transporte. Esta expansão da agricultura poderá resultar em
desmatamentos e no uso da terra [...] principalmente [para] a cultura da soja”. (ANDERSEN,
1994, p. 23).
Além dos impactos ambientais, as obras repercutem diretamente sobre as atividades
econômicas desenvolvidas na região, na medida em que impedem a continuidade das
atividades pesqueiras e/ou da pequena produção agrícola. Como salientamos no Capítulo 3, a
organização da produção de soja e outros grãos com base na monocultura é incompatível com
a manutenção em áreas próximas de outros cultivos, visto que a toxidade e a esterilização do
solo que provocam inibem o crescimento de outras plantas. Do ponto de vista social, isso
significa o aumento da concentração fundiária com a expulsão da população ribeirinha e dos
pequenos agricultores.
4.4.1.3 Mercosul-Chile
Esse eixo abarca as principais cidades dos países envolvidos que são, também, as
principais cidades do continente, como São Paulo (Brasil), Buenos Aires (Argentina),
Montevideo (Uruguai), Assunção (Paraguai), Santiago e Valparaíso (Chile) (Ceceña, 2007).
Por isso, do ponto de vista econômico esse é o eixo mais importante, visto que, “gera cerca de
70% da atividade econômica da América do Sul”. (ANTUNES, 2007, p. 109). Esta região
possui as redes para escoamento da produção mais desenvolvidas, de modo que a maior parte
das intervenções visa ampliar, readequar ou modernizar as instalações.
Os projetos que o Brasil faz parte pretendem melhorar a ligação entre os estados do sul
do Brasil e o Uruguai utilizando três modais: o rodoviário através da construção de uma
segunda ponte internacional ligando os municípios de Jaguarão (Brasil) e Rio Branco
(Uruguai). Essa obra faz parte do projeto maior que é o de diminuir a distância entre
Montevideo e Porto Alegre e que inclui a duplicação da BR-392, em execução, conforme
relatório do PAC (MP, 2014). O modal ferroviário através da reativação do trecho Santana do
Livramento (BR) –Rivera (UR). Aqui, a perspectiva é que a recomposição da ligação
ferroviária permita que produtos sejam transportados desde Montevidéu até São Paulo. Além
177
da diminuição dos custos, a importância dessa ligação está associada a “saturación que
presenta el puerto do Rio Grande”. (IIRSA, 2012, p. 571).
O perfil de comércio entre os dois países mostra que a indústria automobilista
instalada no Brasil e a agroindústria do Uruguai são os principais beneficiados dessa melhor
interligação, já que o Brasil exporta, dentre outros produtos, automóveis, carrocerias, chassis,
outras partes de automóveis e pneus para o Uruguai, e importa desse país, principalmente,
mercadorias da agroindústria como carnes, arroz, farinha de trigo, etc.
Ressaltamos que as intervenções também beneficiam os grandes fazendeiros
brasileiros que desde os anos de 1990 transferiram para o Uruguai - no bojo do acirramento da
luta pela terra no Rio Grande do Sul protagonizado pelo Movimento Sem Terra (MST) – a
produção pecuária. Com a crise de 2002, várias empresas brasileiras aproveitaram a
desvalorização dos ativos para adquirir frigoríficos uruguaios. “En 2007 sólo Mafrig
acaparava el 30% de la faena y las exportaciones de carnes uruguaias, controlando los
capitales brasileños el 43% de las exportaciones cárnicas, el primer rubro del comercio
exterior del país”. (ZIBECHI, 2012, p. 240).
Acrescente-se ainda, as inversões no setor energético, especialmente na distribuição de
gás e gasolina, de modo que a Petrobras em “diciembre de 2005, domina el 22% del mercado
de combustibles [uruguaio]”. (ZIBECHI, 2012, p. 240).
O terceiro modal é a hidrovia, com a ligação Laguna Merín-Laguna dos Patos126, a
intenção é “dragagem, derrocamento e sinalização, elaboração de cartas náuticas eletrônicas
[...] ampliação dos terminais de carga [...] de Pelotas, Porto Alegre, Estrela, Cachoeira do Sul,
Santa Vitória do Palmar e Rio Grande, e implantação do terminal de São José do Norte”.
(IIRSA, 2010, p. 549).
As intervenções nos modais também incluem os passos da fronteira entre Brasil e
Uruguai, isto é, a celebração de acordos com vistas a diminuir ou eliminar os trâmites
aduaneiros.
126
Os rios e lagos onde as obras serão realizadas fazem parte da Hidrovia do Mercosul, que conforme o
Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), está “localizada na bacia do Sudeste é
constituída principalmente pelos rios Jacuí e Taquarí, que são ligados à Lagoa dos Patos pelo Lago Guaibá,
seguindo pelo Canal de São Gonçalo e finalmente à Lagoa Mirim. São 650 km entre as cidades de Estrela - rio
Taquari - e Santa Vitória do Palmar, já na divisa com o Uruguai”. (DNIT, 2010). Disponível em:
<http://www.dnit.gov.br/hidrovias/hidrovias-interiores/hidrovia-do-mercosul> Acesso em 18 de fev. de 2014.
178
127
Para fins da integração nos moldes da IIRSA, cabe a Bolívia a participação na integração energética do
continente como fornecedora de gás, principalmente, para Brasil, Argentina e Chile.
179
4.5.1 Amazonas
O eixo amazônico é composto pela região norte do Brasil, Colômbia, Equador e Peru.
O objetivo das obras é criar “cuatro corredores bimodales que conectam terminales marítimos
em el pacífico con hidrovias [...] de la cuenca del amazonas” (IIRSA, 2011, p. 26), ligando a
Amazônia brasileira e peruana à costa e aos portos, permitindo o escoamento da produção via
pacífico.
A maior parte das intervenções - 19 dos 25 projetos individuais que são prioritários
para o eixo Amazonas - será realizada no território peruano. No Brasil, o único projeto é o
melhoramento da navegabilidade do rio Içá, que nasce na Colômbia com o nome de
Putumayo e ao entrar no Brasil ganha nova denominação.
As intervenções visam “sinalizar, balizar, fiscalizar, executar serviços de limpeza e
manutenção, além de construir um terminal hidroviário em Santo Antônio do Içá”. (IIRSA,
2012, p. 304). Essa obra objetiva, também, conectar a cidade de Manaus com uma saída para
o pacífico através do rio Solimões, onde desagua o rio Içá (Mapa 3 – Grupo 1).
La vocación de los corredores bimodales que funcionarían al poner en
marcha las hidrovías y terminales fluviales correspondientes, es tener como
destino comercial a la ciudad de Manaos, sin perder de vista la posibilidad
de conectar a mercados de ultramar. Manaos es la ciudad más importante de
la Amazonía en su conjunto. (IIRSA, 2011, p. 20).
Cabe mencionar que, no trajeto que vai do Rio Iça até Manaus estão sendo construídos
terminais hidroviários. Ao longo da Bacia Amazônica, o PAC 2 prevê a realização de 27
terminais: 6 já foram concluídos, 12 estão em execução e 9 na fase preparatória da obra (MP,
2013).
Apesar da maioria das obras serem executadas no Peru, a Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD) e a Votorantim metais serão diretamente beneficiadas. A primeira explora a
mina de rocha fosfática Bayóvar, matéria-prima usada na produção de fertilizantes (VALE,
2014). A segunda extrai zinco e índio metálico do Peru e possui uma unidade de
beneficiamento em Lima (VOTORANTIM, 2014). Os projetos incluem a melhoria dos
portos, a navegabilidade de hidrovias e construção de estradas que favorecerão o escoamento
da produção dessas empresas.
180
Fonte: IIRSA128
128
Disponível em: <http://www.geosur.info/geosur/iirsa/pdf/es/grup_ama.jpg> Acesso em 11 de maio de 2014.
181
4.5.2 Peru-Brasil-Bolívia
129
Nesse eixo existia, também, o projeto de construção de uma ponte internacional sobre o rio Acre unindo as
cidades de Assis Brasil (AC) e Iñapari, no Peru, possibilitando a conexão com a BR- 317, que se estende até o
estado do Amazonas. Tal obra foi concluída em 2006.
182
Fonte: IIRSA130.
130
Disponível em: <http://perugeopolitica.blogspot.com.br/2011/07/geopolitica-peru-en-el-mundo.html> Acesso
em 01 de mar. de 2014>.
131
Vale e Votorotim citadas anteriormente. Cabe mencionar o caráter predatório não apenas da indústria extrativa
mineral, mas a atuação das empresas brasileiras do setor. A esse respeito (Bossi et al: 2009, p. 162) destacam que
“Desmatamento, deslocamento de populações, destruição de modelos tradicionais de subsistência, poluição
183
Ressalte-se ainda, que no futuro a perspectiva é ligar o sistema de vias fluviais do Rio
Madeira, em Porto Velho (BR), com portos peruanos. Além de transformar este rio num
corredor de escoamento de exportações, pretende-se, também, transformá-lo em fornecedor de
energia para empreendimentos que visam explorar os recursos naturais da região, daí a
construção de hidrelétricas.
Além da exploração dos minerais, as intervenções brasileiras objetivam acessar os
portos peruanos no pacífico. Nesse aspecto, os projetos desse eixo são complementares ao do
Amazonas, cujas intervenções abarcam os portos de Calao, saindo de Pucallpa, que se localiza
perto da fronteira com o Acre, onde passa a BR – 364 (Mapa 3 – Grupo 4).
Cabe ressaltar que o comércio entre as cidades que compõem a fronteira entre os três
países é praticamente inexistente. O registro de movimentação no porto Maldonado no Peru é
de mercadorias oriundas de São Paulo, Lima e Arida, de modo que a obra visa permitir o
escoamento da produção das cidades mais desenvolvidas dos países que compõem o eixo.
O eixo Escudo Guayanes está formado pelo norte do Brasil, todo o território da
Guiana e do Suriname e a região oriental da Venezuela. As obras visam promover a melhor
interconexão entre essas áreas. São três os projetos brasileiros:
i) melhorar a ligação entre a cidade de Boa Vista (RO) até a cidade litorânea de
Georgetown na Guiana, “facilitando la exportación de bienes a Norteamérica, Centroamérica
y el Caribe a través de los servicios portuarios”. (IIRSA, 2011, p. 45);
ii) construção de uma ponte sobre o Rio Takutu, concluída em 2009, ligando o
município de Bomfim (RO) à cidade de Lethem na Guiana;
iii) melhorar a ligação Caracas-Manaus, visto que a estrada se encontra deteriorada. O
objetivo da reabilitação da via é - assim como as obras do eixo Amazonas - transformar a
capital do estado do Amazonas em centro de convergência de mercadorias dos diversos países
que compõem a floresta Amazônica. A perspectiva é fortalecer a Zona Franca de Manaus
propiciando uma maior facilidade no abastecimento de matérias-primas para os setores
econômicos, que incluem
[…] actividades industriales (electrónica, biotecnología, química,
farmacéutica, cemento, naval, aluminio, fertilizantes), agrícolas (caña de
“consolidar e expandir a liderança [de] setores e empresas que têm projeção internacional e
capacidade competitiva e que buscam consolidar e expandir essa liderança”. (MIDC, 2008, p.
16).
As intervenções na infraestrutura física, portanto, compõem outros movimentos da
política governamental brasileira que incluem: diminuir o desequilíbrio no Balanço de
Pagamentos (BP), aumentar o IED, o comércio regional e a integração de cadeias produtivas
com a América do Sul, de modo que o país possa obter ganhos de escala e aproveitar as
“oportunidades econômicas em mercados regionais e globais”. (MIDC, 2008, p. 11). Isto é, a
IIRSA complementa as ações e proposições do PDP no sentido de impulsionar um
movimento que já se verificava na economia brasileira de ampliação das exportações e das
inversões no exterior, especialmente, para os países sul-americanos.
A confluência entre o PDP e a IIRSA se evidencia quando observamos que os
principais setores beneficiados pelas obras de infraestrutura são, também, aqueles
considerados prioritários na intervenção governamental. Conforme explicitado no PDP, são os
ramos de mineração, siderurgia, carnes, petróleo, gás natural e petroquímica.
Desse modo, as políticas governamentais se destinam (e são delineadas) para os
segmentos que sobreviveram ao processo de desnacionalização dos anos de 1990 e que para
manter sua competitividade adotam a estratégia de expansão de suas atividades para a
América do Sul.
Além de alavancar as estratégias dos capitais sediados no Brasil, a necessidade de
recuperar e ampliar parte da infraestrutura física dos países da América do Sul, abrindo o
vasto território da região à exploração capitalista, tem elementos explicativos na atual
dinâmica da acumulação do capital. Nesse sentido, não é um mero acaso que a modificação
institucional que visa dar consequência à infraestrutura regional tenha se dado em 2009, após
deflagrada a crise de 2008. Isto é, a criação do COSIPLAN - um órgão ministerial - visa dotar
os gestores da IIRSA de capacidade de mobilizar, inclusive financeiramente, diversos órgãos
da administração pública em prol da consecução dos projetos.
Nesse cenário, as intervenções na América do Sul visam organizar sua contribuição na
recomposição da lucratividade do capital132, visto que a “saída da crise para o capitalismo tem
132
Conforme mencionamos anteriormente, durante a última década a remessa de lucros e dividendos das
transnacionais aumentou em cinco vezes em relação ao valor médio observado entre os anos de 1998- 2002.
“Este fenómeno responde tanto al creciente peso de las empresas transnacionales en la economía de la región
como al aumento de la rentabilidad media, fruto del crecimiento de la demanda interna y de los precios de las
materias primas de exportación”. (CEPAL, 2012, p. 55).
186
“Para objetivar dado quantum de trabalho, portanto para apropriar dado quantum de mais-trabalho, se requer
133
menor dispêndio nas condições de trabalho. Caem os custos que são exigidos para apropriar-se desse
determinado quantum de trabalho”. (MARX, LIII, Vol. IV, 1988, p. 61).
187
alimentar - se coloca como mais um elemento de tensão na disputa pelos recursos naturais do
planeta.
À necessidade histórica do capital em dominar os recursos naturais, se acrescenta a
importância do capital fictício na atual dinâmica de acumulação do capital. Nessa lógica, a
descoberta de novas fontes de matérias-primas, a aquisição de jazidas minerais, de poços de
petróleo, de terras e o registro de patentes podem significar uma valorização imediata de
títulos e ações, portanto, ganhos financeiros, mesmo que tal exploração demore ou nunca se
concretize. A prática especulativa da exploração agropecuária e mineral se expressa de modo
contundente nas bolsas de valores, em que, conforme “la Agencia de Naciones Unidadas
sobre Comercio y Desarrollo (UNTACD) [...] el volumen del comercio de commodities em
los mercados financeiros derivados es, actualmente, de 20 a 30 veces mayor que el que se
aplica al comercio de la producción física”. (SEAONE, 2012, p. 15).
Como alavanca do processo de valorização baseada no capital fictício está em marcha
processos de expropriações que visam transformar bens coletivos em ativos financeiros, a
exemplo da água, da biodiversidade, dos hidrocarburetos e dos minerais. Dentre os
mecanismos utilizados para a conversão dos bens públicos em bens privados estão: i) as
privatizações; ii) as políticas públicas; iii) as novas regulamentações e iv) a expansão da
lógica que fundamenta o mercado de carbono a uma gama de recursos naturais e atividades
produtivas.
Assim como realizado com a emissão de CO2, a orientação é que a problemática
ambiental, dada pelos limites físicos do planeta a expansão do capital, se converta em fonte de
lucro através dos mercados financeiros. Assim que a ação de diversos estados nacionais,
dentre eles o Brasil, e de organizações multilaterais como a Organização Mundial do
Comércio (OMC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se destina a limitar os
níveis de poluição e desmatamento, ao mesmo tempo em que cria a possibilidade de empresas
e países poluidores adquirirem esse direito através da compra de títulos emitidos pelos
detentores dos recursos ambientais.
No Brasil, o Plano Nacional sobre Mudanças Climática (PNMC) normatiza a
utilização dos títulos de carbono nos setores de energia, siderurgia, mineração e agronegócio.
Ao tempo em que fornece uma fonte de rentabilidade para os proprietários dos recursos
naturais, permite a expansão de atividades econômicas predatórias do ponto de vista social e
ambiental. Isto é,
[...] a Política Nacional de Mudanças Climáticas cria a demanda de redução
das emissões nacionais e a delega ao mercado através da autorização de
188
134
Tais expropriações, a autora denomina de secundárias e incluem não apenas o conhecimento, mas aquelas que
“[...] incidem sobre os trabalhadores já de longa data urbanizados [...] [e] não são, no sentido próprio, uma perda
de propriedade de meios de produção (ou recursos sociais de produção), pois a grande maioria dos trabalhadores
urbanos dela já não mais dispunha”. (FONTES, 2010, p. 54). Tais processos se referem às expropriações de
direitos trabalhistas, impondo novas condições nas quais a força de trabalho está disponível para o capital, e de
direitos sociais, abrindo novas frentes de valorização do capital na saúde, educação e previdência social.
“Trabalhadores livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como
135
escravos, ou servos, etc, nem os meios de produção lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês
economicamente autônomo, etc.”. (MARX, L. I, Vol. II, 1988, p. 262).
136
O processo de centralização do capital, também é um processo de expropriação, porém entre capitalistas,
através do processo de concorrência no qual os capitais mais frágeis são absorvidos pelos mais fortes.
189
137
No governo Getúlio Vargas o banco aportou recursos para estruturação dos setores de petróleo e siderúrgico.
No governo de Juscelino Kubitschek financiou a indústria de base e no governo militar o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND). Posteriormente, nos anos de 1990, serviu como suporte do modelo neoliberal dos
governos Collor e FHC e financiou diversas empresas privadas na aquisição das estatais do país, viabilizando o
processo de privatização.
190
Para que o BNDES pudesse cumprir essa nova atribuição, foram realizadas algumas
mudanças estatutárias e organizacionais, a exemplo da aprovação, em 2002, de diretriz que
condiciona o apoio aos investimentos no exterior ao incremento de exportações. Na prática,
isso significa que somente poderão ter acesso às linhas de financiamento do banco aquelas
empresas que usarem em seus projetos produtivos bens e serviços confeccionados em
território nacional. Este pré-requisito também está presente nas obras de infraestrutura na
América do Sul que contam com recursos financeiros do BNDES.
Além da mudança estatutária, a partir de 2009 adotou-se modificações nos
procedimentos de análise de crédito para os chamados clientes preferenciais, o que significou
a supressão de etapas de análise dos projetos agilizando os trâmites para a liberação dos
recursos (TAUTS et al., 2010). Ainda com o intuito de ampliar o apoio à inserção
internacional, inaugurou-se um escritório em Montevideo, uma subsidiária em Londres –
ambos no ano de 2009 - e uma representação na África, em 2013. De acordo com o BNDES,
Dentre outras atribuições, caberá ao escritório em Montevidéu identificar,
estruturar e facilitar negócios de interesse do Brasil na América do Sul, em
especial nos países do Mercosul [...] os principais objetivos da BNDES PLC
[em Londres] são aumentar a visibilidade do Banco junto à comunidade
financeira internacional, auxiliar de maneira mais efetiva as empresas
brasileiras que buscam espaço no mercado externo e fazer a ponte entre
investidores internacionais e as grandes oportunidades oferecidas pelo Brasil
[...] [a] representação em Joanesburgo, na África do Sul [...] permitirá ao
Banco concentrar esforços para a efetivação de parcerias e investimentos em
todo o continente africano. (BNDES, 2014).
138
Os critérios para ter acesso às linhas de financiamento são: a) Finame: requer um índice de nacionalização de
60% das máquinas e equipamentos. Poderão solicitar apoio financeiro sociedades nacionais e estrangeiras e
fundações, com sede e administração no Brasil; b) Finem: poderão solicitar financiamento associedades com
sede e administração no País e controle nacional, incluindo subsidiárias no exterior; esociedades estrangeiras
cujo acionista com maior capital votante e que exerça influência dominante sobre as atividades nelas
desempenhadas seja:
a.pessoa jurídica controlada, direta ou indiretamente, por pessoa física ou grupo de pessoas físicas
domiciliadas e residentes no País; ou
b.pessoa jurídica controlada por pessoa jurídica de direito público interno.
191
As estatísticas dos desembolsos realizados pelo Finame e pelo Finem não separam as
operações internacionais daquelas destinadas à produção em território nacional, de modo que
não é possível, através desses dados, aferir o crescimento do apoio à internacionalização
brasileira e nem dos recursos destinados a financiar a construção da infraestrutura na América
do Sul.
Quanto às estatísticas referentes ao financiamento das exportações, “não é possível
identificar o uso final, no país importador, das exportações financiadas dentro da modalidade
de pré-embarque” (NYKO, 2011, p. 84), de modo que utilizaremos apenas os dados do Exim
pós-embarque. Nesse caso, embora tenhamos os montantes envolvidos nas operações de
financiamento, não contamos com um detalhamento das operações. O BNDES alega a
obrigatoriedade de sigilo comercial como impedimento para disponibilizar informações mais
desagregadas. Desse modo, os dados apresentados nesse trabalho são uma proxy do papel do
BNDES e dos montantes envolvidos no apoio ao financiamento da infraestrutura da América
do Sul.
A linha Exim pós-embarque financia a comercialização de bens e serviços brasileiros
no exterior, através do apoio ao exportador na modalidade que denomina Supplier’s credit ou
através de contratos de financiamento estabelecidos entre o BNDES e a empresa importadora
na modalidade Buyer’s credit. Como mencionamos anteriormente, o BNDES não financia
diretamente os projetos de infraestrutura, mas os bens e serviços brasileiros usados na
consecução de tais obras. Portanto, um critério para que países da América do Sul tenham
acesso a tal linha de crédito é a aquisição de mercadorias e serviços oriundos do Brasil.
Como descreve Mantega (S.D.), os empréstimos são feitos em moeda nacional do
Brasil e na prática nenhum recurso é entregue nas mãos dos contratantes, visto que
el BNDES paga al exportador brasileño, em reales en Brasil, el valor
equivalente a las exportaciones realizadas a medida en que se verifica el
cumplimiento del cronograma de realización de las obras. El importador, por
su parte, repaga el financiamiento al BNDES en moneda fuerte, lo que
asegura el ingreso de divisas a Brasil. (MANTEGA, s.d., p. 40).
c) BNDES Exim: requer um Índice de nacionalização de 60% das máquinas e equipamentos. No Exim
Pré-Embarque poderão solicitar financiamento as empresas exportadoras, de qualquer porte, constituídas sob as
leis brasileiras e que tenha sede e administração no País. No Exim Pós-Embarque as empresas exportadoras de
bens e/ou serviços, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País, incluindo
trading companye empresa comercial exportadora (BNDES, 2014).
192
Aqui ressaltamos que todas as empresas constituídas conforme as leis do país e que
tenham sede e administração no Brasil podem ter acesso a tais financiamentos. Desse modo, o
BNDES disponibiliza recursos também para as grandes empresas transnacionais, que a rigor
não têm problemas para financiar a expansão, haja vista que têm acesso ao mercado
internacional e usufruem de benefícios também nos países de origem.
A lógica da política governamental brasileira - que se expressa através da aprovação
dos empréstimos pelo banco - é a de que se pode influenciar a estratégia das empresas
transnacionais no que diz respeito à localização de sua produção, estimulando uma
reorganização da divisão do trabalho entre as diversas filiais, de modo que aquelas localizadas
no Brasil conquistem uma importância maior dentro da rede.
[...] dado o avanço das empresas estrangeiras nos setores de maior
intensidade tecnológica associados aos produtos mais dinâmicos no
comércio mundial, o desafio de melhorar a inserção internacional nesses
produtos transita necessariamente pelas estratégias dessas empresas. Mais
especificamente, pela valorização da participação das filiais brasileiras nas
das redes mundiais de fornecimento, o que implica na melhora das vantagens
de localização da economia brasileira, através de uma política de atração de
investimentos direto estrangeiro articulada com políticas setoriais industriais,
de ciência e tecnologia [...]. (COUTINHO et al., 2003, p. 20-21).
139
Jamaica: Mangels Ind. e Com Ltda.; Volvo do Brasil; México: Carnevalli Cia Ltda.; Alstom; BSH;
Continental Eletrodomésticos Ltda.; Busscar Ônibus S/A; Cotia Trading S/A; ForjasulEletrik S.A; Ind. Romi
S.A; MaqplasInd e Com de Máquinas Ltda.; Marcopolo S/A; Mercedes-Benz do Brasil Ltda.; Ouro Fino Saúde
Animal Ltda.; PolimaquinasInd e Com LTDA; RMS Software S/A; Tramontina S/A. (BNDES, 2014).
194
relação a países que dentro da divisão internacional do trabalho cumprem funções mais
elaboradas no processo de acumulação do capital como, por exemplo, o país de origem dos
grupos e a chamada tríade: Japão, União Europeia e EUA.
São nesses espaços geográficos que as transnacionais mantêm uma eficiente estrutura
do setor de bens de capital e aproveitam os sistemas nacionais de pesquisa e inovação, através
do suporte dado pelos órgãos públicos às atividades de pesquisa. Além disso, o acesso ao
sistema financeiro das moedas de curso internacional pode alavancar mais facilmente as
estratégias no espaço mundial dos grupos. Esse é o espaço privilegiado para as transnacionais.
É lá que estão concentradas as atividades de P&D, para onde converge toda atividade
financeira do grupo e de onde sai a estratégia para todos as filiais e seus parceiros140.
No que se refere às empresas de capital brasileiro, a ação do BNDES - Conforme o
Plano de Desenvolvimento Produtivo (PDP) anteriormente descrito - é promover a formação
de grandes grupos nacionais em condições de competir no mercado internacional. Conforme a
lógica do banco e dos gestores governamentais, a internacionalização é fundamental para a
melhoria da competitividade do país e do desenvolvimento econômico, isto é
[...] a competitividade das firmas nacionais em mercados estrangeiros torna-
se crescentemente importante para a performance do país como um todo. A
internacionalização deve ser vista como meio essencial para o aumento da
competitividade internacional das empresas, promovendo o desenvolvimento
do país e facilitando a reestruturação econômica e o acesso a recursos e
mercados. (ALÉM; MADERA, 2010, p. 42).
140
Tratamos o espaço dos países capitalistas desenvolvidos de forma homogênea, entretanto, mesmo dentro da
tríade existem hierarquias.
195
são financiadas pelo BNDES, têm o efeito de diminuir a participação das obras de
infraestrutura no montante total.
Fonte: BNDES.
Mapa 5 – Projeto de conexão entre os oceanos Atlântico em Porto Alegre no Brasil e o oceano
Pacífico em Coquimbo no Chile
141
Disponível em: <http://www.cedib.org/tag/ecuador/>.
200
142
Além disso, essa empresa produz CO2, etano, propano, butano y gasolina natural que vende no mercado
interno e exporta.
143
Os desembolsos do BNDES foram realizados depois da pressão do governo Argentino sobre a Petrobras, para
esta empresa ampliar a capacidade de transporte dos gasodutos com vista a prevenir falta de abastecimento do
mercado nacional durante o inverno. Notícia publicada no jornal Clarín, no dia 8 de setembro de 2004.
Disponível em: <http://prensa.cancilleria.gov.ar/noticia.php?id=10760385> Acesso em 14 de abril de 2014.
202
La capacidad técnica que adquirió Petrobras además de dar a Brasil la autosuficiencia petrolera […] permitió
144
su ingreso a sectores estratégicos para el abasto estadounidense, como el Golfo de México y los campos del delta
del Níger. Lo cual, al tiempo de dar mayor independencia técnica a Brasil para la producción de crudo, permitió
extender su actividad fuera de sus fronteras y le otorgó mayor capacidad de negociación frente a Estados Unidos
por la importancia que para el abasto estratégico del imperio estadounidense tienen las innovaciones brasileñas.
(HERNÁNDEZ, 2007, p. 126-127).
203
5. Conclusões
resolução de tais conflitos tem um caráter menos impositivo. A importância dos negócios
brasileiros no país e a necessidade do apoio da segunda maior economia do continente para a
levar adiante o processo de integração regional contribuem para adoção de uma postura mais
diplomática na resolução dos conflitos.
c) O Grupo III está composto pelo Chile, Colômbia e Peru. A recente tentativa de
inserção via IED nesses países ainda é incipiente, sendo que os capitais brasileiros não têm
significativa relevância. Entretanto, no Peru, a perspectiva é um aumento da participação das
inversões brasileiras através da IIRSA e da exploração das jazidas minerais. Acrescente-se
ainda que, como o Brasil já possui uma posição relativamente consolidada nos países que
compõem o Mercosul, a tendência é que amplie as tentativas de inserção produtiva via IED
nessas nações.
A segmentação acima proposta se encontra, também, referenciada nos projetos
prioritários da IIRSA, na qual predominam aqueles relacionados com a melhoria da conexão
logística entre os países do MERCOSUL, Conforme demonstramos, dos 22 projetos, 12 estão
diretamente localizados em eixos que incluem dois ou mais destes países (Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai). Além disso, o objetivo de abrir novas saídas para escoar a produção
mineral e agrícola via o Pacífico conduzem a parcerias com o Chile e com o Peru.
No âmbito da IIRSA, a ampliação da dependência da região também está relacionada
com a construção de projetos que visam facilitar a exploração intensiva de recursos naturais e
da força de trabalho. Além disso, tais intervenções transferem o controle das riquezas dos
territórios sul-americanos para os capitais, aprofundando um velho modelo conhecido dos
países da região de acumulação via devastação do meio ambiente e expropriações de
populações inteiras, privando-lhes de seus meios de vida para conceder o controle do
território e de seus recursos às transnacionais. Como foi exposto no Capítulo 4, são exemplos
de tais processos a construção de hidrelétricas, a modificação do ecossistema do Pantanal e a
abertura da Amazônia peruana para a exploração de minerais estratégicos.
Portanto, a prioridade da política estatal é a expansão das empresas localizadas no
Brasil e não a criação de uma integração que supere a dependência ou a natureza
extremamente desigual do país e das sociedades sul-americanas. Com isso, os projetos de
integração da burguesia brasileira com a América do Sul não podem ser executados senão
dentro da lógica de valorização do capital, que visa o reforço da região como produtora de
matérias-primas, colocando-a como um dos lugares centrais para os novos processos de
expropriação do capital.
210
da economia brasileira continuou entre os anos de 2003 e 2010, apesar do IED e dos
investimentos da IIRSA.
Portanto, ainda que alguns grupos tenham aumentado de tamanho, isso não significa a
superação de suas debilidades produtivas, haja vista que tal ampliação ocorre com a
concentração da produção em atividades de menor valor agregado. Essa especialização
implica numa maior reflexividade aos ciclos internacionais em função da volatilidade dos
preços, quantidades e, por conseguinte, das receitas auferidas, o que pode resultar em maiores
dificuldades na concorrência com as empresas estrangeiras.
A fragilidade dessa estratégia também se revela quando consideramos que os países
onde o Brasil tem maior inserção são aqueles nos quais a ocupação foi iniciada no final dos
anos de 1960 e ao longo dos anos de 1970. Isto é, a expansão atual - embora tenha
aumentando sua participação na estrutura produtiva de alguns países, como a Argentina e o
Uruguai - não conseguiu colocar os capitais brasileiros num lugar de maior importância para o
conjunto dos países da América do Sul. A maior presença dos investimentos brasileiros ocorre
com o recuo na participação na produção das respectivas burguesias desses países e não
através da suplantação ou deslocamento de frações do capital estrangeiro.
Por fim, gostaríamos de mencionar que, uma das razões que permite ao Brasil levar
adiante seus projetos de integração com a América do Sul é a coordenação de seus interesses
com os das transnacionais e com os das classes dirigentes dos países sul-americanos. Apesar
dos prejuízos que causam, as intervenções na América do Sul que partem do Brasil -
especialmente aquelas relacionadas à IIRSA - seguem adiante porque estão em consonância
com estratégias empresariais de capitais instalados em outros países do cone sul, a exemplo
do agronegócio na Argentina e Bolívia, os setores de logística no Chile e no Peru ou
extrativos minerais do Peru e Equador.
Além disso, esta política se constitui num suporte para a acumulação do capital em
geral, cuja intenção é aproveitar os recursos da região em benefício da recomposição da
rentabilidade de seu processo de acumulação, de modo que os projetos estão em
conformidade com os interesses das transacionais que operam nesses países.
A ação brasileira reflete a articulação de diversos interesses da região e de fora dela
nos projetos de integração física e energética, função que desempenha tentando tirar o
máximo proveito da reestruturação do capitalismo mundial para as empresas com participação
de capital brasileiro. O governo tem possibilidade de cumprir esse papel porque manteve,
apesar das privatizações nos anos de 1990, uma estrutura estatal formada por três bancos
(Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES), um corpo técnico qualificado em
212
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