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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

DANIELA FRANCO CERQUEIRA

A Integração do Brasil com os países da América do Sul (2003-2010): o IED


brasileiro, a IIRSA e a consolidação da dependência

Niterói
2014
DANIELA FRANCO CERQUEIRA

A Integração do Brasil com os países da América do Sul (2003-2010): o IED


brasileiro, a IIRSA e a consolidação da dependência

Tese de doutorado apresentada à Faculdade de


Economia da Universidade Federal Fluminense, como
parte dos requisitos necessários para a obtenção do
título de Doutor (a) em Economia.

Orientador: Profo. Dr. Marcelo Dias Carcanholo

Niterói
2014
Folha de Aprovação

DANIELA FRANCO CERQUEIRA

A Integração do Brasil com os países da América do Sul (2003-2010): o IED


brasileiro, a IIRSA e a consolidação da dependência

Tese apresenta ao Curso de Doutorado em Economia da Faculdade de Economia da


Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de
Doutor (a) em Economia, avaliada pelos seguintes membros:

COMISSÃO JULGADORA

--------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Marcelo Dias Carcanholo
Universidade Federal Fluminense (UFF)

-----------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Alexis Saludjian
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

----------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Eduardo Costa Pinto
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

----------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Victor Leonardo Figueiredo Carvalho de Araújo
Universidade Federal Fluminense (UFF)

------------------------------------------------------------------------
Profa. Dra. Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes
Universidade Federal Fluminense (UFF)

Niterói, 18 de dezembro de 2014.


Agradecimentos

A tese é o encerramento do curso de doutorado, sendo influenciada pelo conteúdo de


muitas das disciplinas estudadas e dos trabalhos realizados ao longo deste. Desse modo,
muitas pessoas colaboraram direta ou indiretamente para a realização dessa pesquisa.
Gostaria, aqui, de agradecer àqueles mais diretamente envolvidos com sua elaboração.
Ao Prof. Marcelo Dias Carcanholo, não apenas pelas orientações teórico-
metodológicas, mas pela ajuda na resolução de questões burocráticas, dando-me mais
tranquilidade para o encaminhamento da pesquisa. Além disso, vale mencionar que o curso
‘Tópicos Avançados em História do Pensamento Econômico’, por ele ministrado, muito
contribuiu na definição do referencial teórico utilizado nesse trabalho.
Estendo meus agradecimentos ao Prof. Xabier Arrizabalo Montoro pela tutoria no
Doutorado Sanduíche realizado na Universidad Complutense de Madrid. Ressalto, também,
o rico contato com demais professores e pesquisadores do grupo Análisis Crítico de la
Economía Capitalista.
Agradeço a gentileza que sempre me dispensaram todos os professores e
funcionários da pós-graduação da UFF e às colegas Laura e Cristiane pela companhia nas
disciplinas.
À minha mãe (Maria Conceição), especial agradecimento, pelo amor e apoio por
uma vida inteira. Agradeço também a todos da minha família que têm me dado apoio
emocional, afetivo (e, também, financeiro), sem os quais a vida teria se tornado um pouco
árida e menos feliz. Em especial, às minhas sobrinhas queridíssimas (em ordem
cronológica): Manu, Carol e Fafá; aos meus irmãos (Cintia e Dalmar), pelo carinho e amor
que sempre me dispensaram; e minha cunhada (Magda), pelas energias positivas e pela
torcida. Minha gratidão aos meus tios Sérgio e Helena pela estadia e pelo carinho.
A Mauricio, pelo insubstituível apoio na reta final e em vários outros momentos. Aos
amigos de longa data, com os quais tenho compartilhado as alegrias e preocupações: Nice,
Jair, Virgílio, Vanessa, Sandro, Iacy, Flavinha, Anderson e Cristiane. E àqueles mais
recentes que me acolheram com muita generosidade: Margarete, Blas, Sandra e Yannina.
RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de identificar em que medida o processo de integração do Brasil
com os países da América do Sul, entre os anos de 2003 e 2010, contribuiu para configurar
uma base produtiva através da qual o país pode promover estratégias que visem superar a
sua condição de país dependente e periférico. Além disso, caracterizando o padrão de
integração, pretendemos verificar as repercussões desse processo sobre as outras nações sul-
americanas e possíveis contribuições para a superação das debilidades estruturais dessas
economias. Para tanto, esta pesquisa analisa o perfil do Investimento Externo Direto (IED)
brasileiro na América do Sul e a importância de tais inversões em oito dos países que
compõem a região (Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador, Chile, Colômbia e
Peru). Na caracterização dos resultados da integração produtiva, são analisados, também,
alguns projetos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da Região Sul-Americana
(IIRSA) e os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) para obras de infraestrutura da região. Aqui assinalamos a relação entre a
infraestrutura física e energética, os investimentos das empresas brasileiras e o comércio
entre os países da região.

Palavras-chave: Integração regional. Dependência. América do Sul. Investimento Externo


Direto Brasileiro. Integração da Infraestrutura da Região Sul-Americana (IIRSA).
ABSTRACT

The present work has the objective of identifying in which extent the process of integration
of Brazil with the South America countries, concerning the period between 2003 and 2010,
contributed in configuring a productive base by which the country (Brazil) can promote
strategies aiming to get over its condition of peripheral and dependent country. Furthermore,
characterizing the integration pattern, we intend to verify the repercussions of this process
over the other South American nations and possible contributions for these economies’
debilities overcoming. In order to do this, this research analyses the Brazilian External
Direct Investment (IED) profile in South America and the importance of such inversions in
eight of the countries that compose the region (Argentine, Uruguay, Paraguay, Bolivia,
Ecuador, Chile, Colombia and Peru). In the characterization of the productive integration’s
results, some of the Initiative for Integration of South American Region Infrastructure
(IIRSA) and the National Bank for Economic and Social Development’s (BNDES)
financing for infrastructure buildings in the region’s countries are also analyzed. Here we
mark the relation between the physical and energy infrastructure, the Brazilian companies’
investments and the commerce among the region’s countries.

Keywords: Regional integration. Dependence. South America. Brazilian External Direct


Investment. South American Region’s Infrastructure Integration (IIRSA).
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por


grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os trabalhos e classes de
rendimento mensal de todos os trabalhos............................................................................... 44

Tabela 2 - Participação do Mercosul, Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile,


Bolívia, Equador, Peru e Colômbia no Comércio Exterior brasileiro: 1990, 2000-
2010....................................................................................................................................... 59

Tabela 3 - Estrutura do valor da transformação industrial das empresas industriais com 5 ou


mais pessoas ocupadas, segundo os grupos de atividades: Brasil, 1996, 2000-2010............ 83

Tabela 4 – Indicadores de Vulnerabilidade externa conjuntural: Brasil, 1994, 1999, 2000,


2003 – 2009........................................................................................................................... 85

Tabela 5 - Fluxos de saída de Investimento Externo Direto (IED) segundo o


desenvolvimento da economia e países selecionados: 1970, 1975, 1980, 1985, 1990, 1995,
2000-2010............................................................................................................................ 103

Tabela 6 - Fluxos de saída de Investimento Externo Direto (IED) em países selecionados e


na América do Sul: 1970-2011............................................................................................ 106

Tabela 7 - Principais Empresas Brasileiras Internacionalizadas, 2010............................... 115

Tabela 8 - Investimento Direto Brasileiro no Exterior segundo o ramo de atividade, 2000-


2010..................................................................................................................................... 119

Tabela 9 - Investimento Direto Externo Brasileiro segundo o país receptor, 2001-


2010..................................................................................................................................... 123

Tabela 10 - Investimento Direto Externo Brasileiro segundo o país receptor e com exclusão
de alguns paraísos fiscais, 2001-2010................................................................................. 125

Tabela 11 - Participação do Brasil no Investimento Externo Direto (IED) de países da


América do Sul: 2000-2010................................................................................................. 127

Tabela 12 - Participação do Estoque de IED brasileiro no total do IED Argentino:


2010..................................................................................................................................... 129

Tabela 13- Margem de Lucro das empresas brasileiras segundo o mercado de atuação: 2008
– 2012.................................................................................................................................. 153

Tabela 14 - Contas selecionadas do Balanço de pagamentos: Brasil, 2000-2013............... 157

Tabela 15 - Cartera de Proyectos e Inversión da Iniciativa para a Integração Regional


Suramericana (IIRSA) por Eixo de Desenvolvimento, 2013.............................................. 163
Tabela 16 - Principais produtos transportados na Hidrovia Paraguai-Paraná segundo o país
de origem............................................................................................................................. 174

Tabela 17 - Desembolsos BNDES Pós-embarque das exportações financiadas por categoria


de uso................................................................................................................................... 195

Tabela 18 - Desembolsos BNDES Pós-embarque por destino das exportações


financiadas........................................................................................................................... 196

Tabela 19 - Oferta Interna de Energia:Brasil, 2001 – 2010................................................. 204


LISTA DE QUADROS E MAPAS

Quadro 1 - Investimentos em infraestrutura física presentes no Programa de Aceleração do


Crescimento (PAC) e na Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Sul-Americana
(IIRSA)................................................................................................................................ 101

Quadro 2 - Projetos que integram a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API):


Brasil, 2005-2011................................................................................................................ 167

Quadro 3 - Contratações referentes a desembolsos no apoio à exportação pelo BNDES Pós-


embarque: 1998-setembro 2013.......................................................................................... 197

Mapa 1 – Corredor Bioceânico Paranaguá – Antofogasta................................................... 170

Mapa 2 – Hidrovia Paraguai – Paraná................................................................................. 173

Mapa 3 – Projetos do Eixo Amazonas................................................................................. 180

Mapa 4 – Projetos do Eixo Peru – Brasil – Bolívia............................................................. 182

Mapa 5 – Projeto de conexão entre os oceanos Atlântico em Porto Alegre no Brasil e o


oceano Pacífico em Coquimbo no
Chile..................................................................................................................................... 199
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Detentores da Dívida Pública Mobiliária Federal (DPMFi): Brasil,


dezembro/2011...................................................................................................................... 73

Gráfico 2 - Principais gestores de Fundos de Investimento: Brasil, 2008............................ 74

Gráfico 3 - Exportações e Importações Brasileiras por Fator Agregado: 2003 e 2010......... 84

Gráfico 4 - Decisões do Copom sobre a meta da Taxa Selic no Brasil e Taxas de Juros dos
EUA: 1999 – 2008................................................................................................................. 86

Gráfico 5 - Variação real anual dos componentes do Produto Interno Bruto: Brasil, 2000-
2008....................................................................................................................................... 88

Gráfico 6 - Setores de atividades segundo a participação no valor dos desembolsos do


BNDES, 2005-out/2011....................................................................................................... 150
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 13

1. Objetivo......................................................................................................................... 13
2. Hipóteses e algumas questões metodológicas............................................................. 18
3. Estrutura dos capítulos................................................................................................ 21

CAPÍTULO 1 - ELEMENTOS PARA CARACTERIZAR A DEPENDÊNCIA E SEUS


MECANISMOS DE REPRODUÇÃO............................................................................... 24

1.1 Neoliberalismo e padrão de inserção internacional.................................................... 24


1.2 A condição da dependência........................................................................................... 27
1.3 Elementos constitutivos da dependência..................................................................... 30
1.3.1 Participação na divisão internacional do trabalho.................................................. 30
1.3.2 Transferência de valor............................................................................................... 36
1.3.3 Superexploração da Força de Trabalho................................................................... 39
1.3.4 Dependência financeira.............................................................................................. 44
1.4 Integração dependente e papel do Estado................................................................... 49
1.5 As assimetrias da América do Sul e o Investimento Externo Direto
brasileiro.............................................................................................................................. 55

CAPÍTULO 2 - AS POLÍTICAS DO GOVERNO LULA E A


INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS................................. 61

2.1 Antecedentes do modelo econômico do governo Lula: a opção política pelo


neoliberalismo e pela inserção internacional dependente................................................ 61
2.2 A centralidade do modelo Liberal Periférico no governo Lula................................. 65
2.3 Os limites do crescimento do mercado interno e a inserção internacional ............. 78
2.4 A Política Industrial e o Investimento Externo Direto brasileiro............................. 89
2.4.1 Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)........................ 90
2.4.2 Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)......................................................... 92
2.4.3 Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).................................................... 98

CAPÍTULO 3 – O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO BRASILEIRO NA


AMÉRICA DO SUL.......................................................................................................... 102

3.1 Os primeiros movimentos do IED brasileiro e sua posição no mundo................... 102


3.2 Antecedentes do IED brasileiro dos anos 2000......................................................... 110
3.3 Características do IED................................................................................................ 118
3.3.1 IED setorialmente..................................................................................................... 118
3.3.2 IED geograficamente................................................................................................ 122
3.3.3 O IED brasileiro nos países da América do Sul..................................................... 125
3.3.3.1 Argentina................................................................................................................ 127
3.3.3.2 Uruguai................................................................................................................... 133
3.3.3.3 Paraguai.................................................................................................................. 136
3.3.3.4 Bolívia..................................................................................................................... 141
3.3.3.5 Equador.................................................................................................................. 143
3.3.3.6 Chile, Colômbia e Peru.......................................................................................... 145
3.4 Apoio governamental ao IED brasileiro.................................................................... 147
3.5 Lucratividade, Remessas de lucros e dividendos...................................................... 153

CAPÍTULO 4 - INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA.................................. 159

4.1 A Construção da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da Região Sul-


americana (IIRSA)............................................................................................................. 159
4.2 Princípios Orientadores da Integração da Infraestrutura....................................... 160
4.3 Carteira do COSIPLAN.............................................................................................. 163
4.4 O Brasil e os projetos da IIRSA................................................................................. 166
4.4.1 Eixos relacionados com o sul-sudeste do Brasil..................................................... 169
4.4.1.1 Eixo capricórnio..................................................................................................... 169
4.4.1.2 Hidrovia Paraguai – Paraná................................................................................. 172
4.4.1.3 Mercosul-Chile....................................................................................................... 176
4.4.1.4 Interoceânico Central............................................................................................ 178
4.5 Eixos relacionados com a região norte....................................................................... 179
4.5.1 Amazonas................................................................................................................... 179
4.5.2 Peru-Brasil-Bolívia................................................................................................... 181
4.5.3 Escudo Guayanes...................................................................................................... 183
4.6 A IIRSA, a política governamental e o modelo de desenvolvimento...................... 184
4.7 O BNDES e o financiamento da Integração da Infraestrutura............................... 189
4.8 Financiamentos de projetos que compõem ou complementam a carteira da
IIRSA.................................................................................................................................. 198
4.8.1 Aporte financeiro às construtoras e estímulo às exportações............................... 201
4.8.2 Financiamentos para a infraestrutura energética................................................. 201

5. Conclusões...................................................................................................................... 206

Referências..................................................................................................................... 213
13

INTRODUÇÃO

1. Objetivo

A economia brasileira, na primeira década dos anos 2000, apresentou dois


movimentos interligados que poderiam resultar numa alteração no seu padrão de inserção
internacional, no sentido de diminuir sua condição de país dependente e subdesenvolvido: i) a
retomada da internacionalização produtiva via investimento de empresas brasileiras,
especialmente para a América do Sul e ii) a consecução de acordos e implementação de
políticas para promover uma maior integração com os países da América do Sul, tendo em
vista o desenvolvimento do continente.
Os dois movimentos acima explicitados resultam numa maior integração com os
países da América do Sul, isto é, numa maior interdependência e inter-relacionamento entre
tais economias, que passam a apresentar uma maior complementaridade produtiva resultante
da mobilidade de fatores produtivos, do movimento do capital dinheiro e do tratamento
diferenciado aos bens e fatores oriundos dos respectivos espaços nacionais.
Tal complementaridade está expressa na intensificação dos fluxos de comércio entre
os países e, especialmente, na realização de investimentos não apenas na produção, mas na
organização de uma infraestrutura capaz de assegurar o aumento de tais fluxos. Dados do
Ministério das Relações Exteriores (MRE) ressaltam a intensificação dessa integração.
Conforme relatório de avaliação da política externa brasileira, no período de 2003 a 2010, “o
saldo comercial do Brasil com a América do Sul corresponde a 31,4% do superávit comercial
com o resto do mundo [...] A América do Sul tornou-se o principal destino dos investimentos
de empresas brasileiras no exterior”. (MRE, 2011, p. 21). Adicione ainda, os mais de “80
financiamentos para infraestrutura na América do Sul, totalizando cerca de US$ 10 bilhões
em projetos já aprovados”. (MRE, 2011, p. 22).
Diante do fortalecimento do processo de integração no âmbito da América do Sul e
entendendo o caráter dependente das economias da região, este trabalho tem o objetivo de
identificar em que medida o processo de integração do Brasil com os países da América do
Sul, entre os anos de 2003 e 2010, contribuiu para configurar uma base produtiva através da
qual o país pode promover estratégias que visem superar a sua condição de país dependente e
periférico. Além disso, caracterizando o padrão de integração, pretendemos, também,
identificar as repercussões desse processo sobre as outras nações sul-americanas e sua
14

contribuição para a superação das debilidades estruturais dessas economias. Para tal, esta
pesquisa analisa o perfil do Investimento Externo Direto (IED) brasileiro na América do Sul e
dos projetos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da Região Sul-Americana
(IIRSA) considerados prioritários pelo governo brasileiro e aqueles projetos que contaram
com financiamento do BNDES.
Além disso, esta tese pretende contribuir com os estudos que visam caracterizar o
projeto brasileiro de integração regional, bem como na análise crítica da estratégia
governamental de promoção do desenvolvimento do Brasil. Temas que têm mobilizado um
conjunto de pesquisadores que tentam caracterizar a economia brasileira contemporânea,
explicitando o caráter da expansão capitalista dentro do seu território e o modelo de
crescimento que o país tem “exportado” para a América do Sul.
Aqui ressaltamos que a seleção da infraestrutura como representativo dos projetos de
integração regional apoia-se na avaliação do MRE, que dentre as áreas de intervenção
propostas pela União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), aquelas que mais avançaram
na sua implementação, entre os anos de 2003 e 2010, foram as inversões na infraestrutura
física e na integração energética do continente1. Na área da energia, as ações se materializam
tanto através de alguns investimentos brasileiros na região, em especial, aqueles realizados
pela Petrobrás, quanto via financiamento de projetos de infraestrutura - como a ampliação de
gasodutos e a construção de hidrelétricas. Assim, consideramos que a partir da análise do IED
e dos projetos da IIRSA, abarcaremos as principais dimensões do processo de integração no
período.
A especificação do tema e definição dos objetivos da pesquisa, acima mencionados,
partiu da constatação de que, apesar da imbricação entre os dois movimentos e da reafirmação
dos dois processos como essenciais à consecução do desenvolvimento do país, eles têm sido
tratados de maneira diferente nos documentos oficiais. No que se refere à internacionalização
das empresas brasileiras, à integração produtiva com América Latina e Caribe e à integração
com a África são classificadas como destaques estratégicos “para o desenvolvimento
produtivo do país no longo prazo”, na medida em que podem abrigar investimentos ou se
constituírem em mercados para os produtos brasileiros (MIDC, 2008).

1
As ações na área da saúde quase se restringiram a acordos para o acesso recíproco das populações da fronteira
aos serviços de saúde. Na educação, aos acordos para o ensino do espanhol e do português como segunda língua
nas regiões de fronteira e outras ações para difusão da língua portuguesa nos países da região. Na área de ciência,
tecnologia e inovação a principal ação foi a compatibilização do padrão de TV digital utilizado pelos países. Para
maiores detalhes, ver MRE (2010).
15

A ideia é que uma maior inserção nos mercados do cone sul possa contribuir para
manter a competitividade das empresas brasileiras que sobreviveram ao processo de
desnacionalização dos anos de 1990, evitando, assim, o aumento das obrigações financeiras
com o exterior. Além disso, considera-se que,
[...] em uma economia globalizada, a competitividade das firmas nacionais
em mercados estrangeiros torna-se crescentemente importante para a
performance do país como um todo. A internacionalização deve ser vista
como um meio essencial para o aumento da competitividade internacional
das empresas, promovendo o desenvolvimento dos países e facilitando a
reestruturação econômica e o acesso a recursos e mercados. (ALÉM et al,
2010, p. 42).

Aqui, o desenvolvimento aparece intrinsecamente ligado ao desempenho competitivo


das empresas, ao aprendizado e dinamismo tecnológico adquiridos nos mercados
internacionais que, segundo essa visão, “transbordariam” para os mercados internos através de
um impulso às exportações e à geração de emprego. Reedita-se uma espécie de
desenvolvimento com base na expansão da indústria brasileira inferindo ampla convergência
entre os interesses nacionais (leia-se de todas as classes) e os interesses de lucratividade e
expansão das chamadas transnacionais brasileiras. Sendo assim, acredita-se que através do
IED pode-se melhorar a inserção internacional do país, aproveitando as brechas na economia
internacional, por meio das quais os países subdesenvolvidos poderiam construir alternativas
para superar a condição periférica.
Essa visão se mostra compatível também com a redefinição de um novo papel do
Estado como aquele responsável por criar um ambiente macroeconômico estável, condição
essencial para a concretização do investimento privado. Por isso, o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC), na exposição da estratégia de
internacionalização, ressalta que a integração produtiva é comandada pela iniciativa privada,
cabendo ao governo eliminar os obstáculos à consecução de tais objetivos.
A outra perspectiva a partir da qual é abordada a questão da integração no âmbito da
América do Sul relaciona-se a criação da Unasul, cujo tratado constitutivo, assinado no ano de
2008, representou o amadurecimento da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA),
criada em 2004. Enquanto a criação do Mercosul teve por objetivo promover a “livre
circulação de bens, serviços e fatores produtivos [...] e da harmonização de legislações nas
áreas pertinentes” (MRE, 2014)2, a Unasul, composta pelos doze países da América do Sul,

2
Outros objetivos do Mercosul são: i) estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC); ii) adoção de uma
política comercial comum e iii) coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais.
16

visa impulsionar “la integración regional en materia de energía, educación, salud, ambiente,
infraestructura, seguridad y democracia”. (UNASUR, 2014).
Desse modo, a Unasul expressa que o processo de integração é uma proposta que
transcende a órbita comercial — isto é, de facilitadora dos fluxos de bens e serviços dentro do
espaço regional — ou de mera busca de eficiência produtiva de empresas, e se coloca como
um elemento da estratégia de desenvolvimento para tais países. Tal perspectiva está
corroborada, também, em diversos documentos oficiais, assim como em declarações
presidenciais, de ministros das relações exteriores e de diplomatas pertencentes ao quadro do
Itamaraty3.
No âmbito dessas declarações, destaca-se, por exemplo, Guimarães (2005), segundo o
qual a política externa deve ter como objetivo manter a soberania nacional e ser um
instrumento que permita a um país eliminar as desigualdades sociais e debilidades estruturais
econômicas e políticas. A estratégia adequada à promoção dos interesses nacionais depende
do contexto histórico.
No presente, a chamada globalização resultou no aumento das assimetrias mundiais
nos âmbitos político, tecnológico, financeiro e militar, sendo que a concentração do poder e
da riqueza se fez em benefício dos principais países desenvolvidos. Nesse contexto, a
integração regional com os países da América do Sul se fortalece como alternativa possível
para dotar tais países de capacidade de intervenção no âmbito mundial, com vistas a criar as
condições de promover o seu interesse e de realizar políticas em torno de um modelo comum
de desenvolvimento.
As declarações conjuntas de países do Cone Sul também corroboram a perspectiva
acima descrita e enfatizam a prioridade dada à construção da integração com o objetivo de
permitir uma inserção autônoma destes países na economia internacional. Considera-se que,
[...] a integração regional constitui uma opção estratégica para fortalecer a
inserção de nossos países no mundo, aumentando a sua capacidade de
negociação. Uma maior autonomia de decisão nos permitirá enfrentar de
maneira mais eficaz os movimentos desestabilizadores do capital financeiro
especulativo, bem como os interesses contrapostos dos blocos mais
desenvolvidos, amplificando nossa voz nos diversos foros e organismos
multilaterais. Nesse sentido, destacamos que a integração sul-americana
deve ser promovida no interesse de todos, tendo por objetivo a conformação
de um modelo de desenvolvimento no qual se associem o crescimento, a
justiça social e a dignidade dos cidadãos. (MRE, 2003).

3
Para maiores detalhes sobre o acordo constitutivo da Unasul e declarações de chefes de Estado do referido
bloco, indicamos a página do Itamaraty. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/america-do-sul-e-
integracao-regional/unasul>.
17

Ressalta-se que a explicitação de tal intenção foi realizada num contexto de


questionamento do projeto neoliberal na América Latina, com a eleição de presidentes
oriundos de tradição política diferente daquela que deu origem à implementação do consenso
de Washington nos países do cone sul.
Outra diferença em relação à abordagem anterior refere-se ao papel do Estado na
consecução da integração. Conforme declarações do Consenso de Buenos Aires, assinado
pelo Brasil e Argentina em outubro de 2003, a condução do processo recai sobre os Estados
Nacionais através da consecução de “políticas públicas que alicercem o crescimento
sustentável e a distribuição eqüitativa de seus benefícios”. (MRE, 2003).
Certamente, implícita nessa diferença de abordagem está a variedade de significados
que se pode dar ao termo desenvolvimento, inclusive, quando se procura dar um caráter
coletivo e de defesa do interesse público a projetos que na verdade se referem à
implementação de reformas que se apropriam e utilizam os recursos públicos em benefício de
poucos, prática bem conhecida no Brasil.
Aqui não entraremos no longo debate que as escolas do pensamento econômico
travaram acerca do tema desenvolvimento. Vamos nos referir à dependência conforme
definida no âmbito da Teoria Marxista da Dependência (TMD). Nessa abordagem, a
dependência é entendida como a posição subordinada de algumas economias (chamadas
periféricas) no processo de acumulação do capital. A condição dependente deriva da inserção
das antigas colônias latino-americanas no sistema capitalista a partir da lógica e da
necessidade de expansão do capital e, portanto, de modo hierarquizado, configurando-se uma
divisão internacional do trabalho que conformou, de um lado, sistemas produtivos
diversificados, dotados de capacidade de gestar um crescimento autônomo e, de outro,
economias caracterizadas pela fragilidade financeira e tecnológica, cuja expansão é
dependente, porque está condicionada pelas modificações e pelo padrão de reprodução do
capital que emana dos centros capitalistas.
Além de considerar a inserção internacional dos países subdesenvolvidos, a TMD,
para identificar os mecanismos que reproduzem o atraso e a dependência, também analisa os
aspectos referentes à formação socioeconômica dos países em questão. Isto é, analisa os
mecanismos de funcionamento das economias, com vistas a explicitar as características
próprias da situação de dependência, as estruturas socioeconômicas e os conflitos de
interesses de classes e frações de classes subjacentes a esta - elementos que contribuem para
definir a forma de associação e inserção na economia internacional de modo mais ou menos
subordinado (VALENCIA, 2008).
18

Portanto, a partir da TMD, da caracterização que faz da relação centro-periferia e dos


mecanismos de reprodução da dependência, estabelecemos os parâmetros que permitiram
avaliar se os resultados derivados da integração construíram a base sobre a qual o Brasil pode
questionar sua posição periférica e promover estratégias de superação do
subdesenvolvimento.
Consideramos isto um elemento que torna a pesquisa relevante, uma vez que, embora
existam diversos textos na área da economia sobre a internacionalização das empresas
brasileiras via IED nos anos 2000, a maior parte constitui-se de artigos que adotam uma
perspectiva de análise microeconômica, enfatizando as motivações estratégicas das decisões
empresariais de inversões no exterior ou quantificando o fenômeno através de indicadores
como, por exemplo, a participação das filiais nas vendas totais das empresas ou o estoque de
ativos no exterior.
Ressaltamos que tais abordagens são importantes, entretanto, deixam de analisar o
papel desses investimentos na configuração de um projeto de integração regional que vise
superar o subdesenvolvimento de tais países. Desse modo, essa pesquisa - utilizando o
pensamento crítico latino-americano como referencial teórico - pode contribuir na análise
crítica da estratégia de desenvolvimento governamental adotada no período.

2. Hipóteses e algumas questões metodológicas

Ainda que as conclusões da tese tenham sido mais abrangentes que as hipóteses
inicialmente formuladas, consideramos importante assinalar as suposições que balizaram a
elaboração da pesquisa:
1. O Investimento Externo Direto Brasileiro na América do Sul está vinculado ao
processo de internacionalização de empresas brasileiras e tem sido conduzido segundo a
lógica de lucratividade das empresas que participam dessa internacionalização. Isto significa
que a intervenção estatal não se orienta no sentido de estabelecer diretrizes econômicas
prioritárias para integração, tais como: a definição de setores estratégicos e metas de inovação
que reduzam a dependência tecnológica, de modo que o IED não contribuiu para uma
alteração significativa da estrutura produtiva do país, adensando as cadeias produtivas ou
estimulando as empresas a diversificarem sua produção em direção a bens de maior valor
agregado. Até agora não se observou o efeito de “transbordamento” para a economia interna,
que supostamente a inserção internacional de capitais brasileiros promoveu. Ao contrário, ao
19

longo do período que esta pesquisa abarca, acentuou-se o processo de desindustrialização, o


que nos sugere que o IED não se constituiu numa base a partir da qual possa ser construída a
superação da dependência do país.
2. Na prevalência da lógica do mercado (que se relaciona aos critérios de lucratividade
e de retorno rápido dos investimentos), as empresas tendem a aproveitar o que as regiões têm
para oferecer ao processo de acumulação do capital (infraestrutura, condições naturais
propícias ou quaisquer outros fatores que interfiram na competitividade da firma) e não
desenvolver novas características produtivas, o que para ser concretizado, ampliaria o valor
das inversões necessárias, além de adiar e/ou tornar incerto a realização dos lucros. Desse
modo, as inversões realizadas pelo Brasil na América do Sul, também não rompem com a
lógica de tornar essa região fornecedora de matérias-primas para as economias centrais do
capitalismo.
3. A diversidade geográfica das inversões brasileiras no exterior sugere que os capitais
que saem do país estão em busca de espaços de valorização utilizando suas vantagens
comparativas em recursos naturais e mão de obra. Ou seja, as empresas do país estão atentas
às oportunidades de inversões nas mais diversas regiões do mundo, através da aquisição de
empresas desvalorizadas pelas crises financeiras e da celebração de joint-ventures com grupos
estrangeiros, o que pode resultar em dificuldades para a realização de investimentos com base
num projeto de integração associado à superação da dependência, na medida em que isso
signifique restrições para buscar recursos nos mercados financeiros internacionais para
concretizar as estratégias empresariais de internacionalização.
4. Os investimentos em infraestrutura física se constituem em prolongamento do IED e
visam reforçar o padrão de comércio exterior realizado entre o Brasil e a região, refletindo a
tendência à reafirmação de uma divisão inter-regional do trabalho segundo a qual o Brasil
supre os países da região de bens manufaturados e importa matérias-primas. Do mesmo modo,
a atuação do BNDES, na medida em que se destina a financiar um conjunto de inversões que
reproduz a debilidade produtiva dos países da região, não contribui nem para que o Brasil e
nem a América do Sul diminuam a sua posição dependente na economia internacional. No
caso dos países da América do Sul, os empréstimos e financiamentos incluem
condicionalidades para a sua concessão (como a aquisição de bens e serviços no Brasil) que
limitam a expansão da produção e/ou restringem possíveis encadeamentos produtivos nos
países em que as obras são realizadas.
Gostaríamos de ressaltar que, quando mencionamos o objetivo de analisar a
modificação ou não do caráter dependente da inserção do Brasil e da América do Sul, não
20

supomos que existe uma homogeneidade entre o país e a região. Ao contrário, reconhecemos
a posição diferenciada do Brasil na América do Sul. Isto é, embora o país não domine os
requisitos tecnológicos da produção dos bens e serviços que estão na fronteira da acumulação
do capital, como os países centrais do capitalismo, a sua estrutura produtiva, mesmo após a
reestruturação produtiva regressiva dos anos de 1990, apresenta um grau de complexidade e
um nível de especialização que é superior ao verificado nos outros países da América do Sul.
Portanto, comparativamente às outras nações da região, o Brasil apresenta um nível de
diversificação produtiva maior de sua economia, o que lhe confere um grau mais elevado de
autonomia e de instrumentos, os quais podem ser utilizados para sua expansão e dos capitais
presentes no seu espaço nacional.
O que queremos ressaltar é que a relação entre integração produtiva e ruptura com a
dependência não é automática, de modo que, mesmo conservando sua posição subordinada, a
economia brasileira pode impulsionar o aumento da integração regional e ainda contribuir
para manter ou reforçar a posição dependente dos outros países da região. Além disso,
consideramos que a capacidade produtiva e financeira diferenciada coloca para o processo de
integração o risco de aumentar as assimetrias intrarregionais e, portanto, explicita a
necessidade de considerar que as relações periferia-periferia são capazes de engendrar uma
divisão do trabalho que resulte na regressão produtiva de algumas nações pertencentes ao
bloco.
Por fim, mencionamos que a pesquisa não pode contar com acesso detalhado às
informações referentes ao financiamento do BNDES para as obras de infraestrutura da região.
A partir das estatísticas sobre os desembolsos de recursos para tais projetos, disponíveis na
página do banco, não é possível aferir com exatidão os montantes destinados para realização
de obras em cada um dos países da América do Sul, de modo que as informações utilizadas
são uma proxy do fenômeno4. Os dados sobre as exportações financiadas (modalidade através
da qual são financiadas as obras de infraestrutura) somente são apresentados conforme a
categoria de uso (Obras de infraestrutura, bens de capital e outros setores) ou por destino
geográfico. Com isso, não conseguimos estabelecer um cruzamento de dados da categoria de
uso por destino geográfico.

4
O maior acesso não apenas aos montantes envolvidos no financiamento dos projetos de empresas brasileiras e
estrangeiras, assim como, a explicitação dos critérios de aprovação dos empréstimos são reivindicações de
diversos movimentos sociais e entidades da sociedade civil que compõem a chamada Plataforma BNDES. Para
maiores detalhes sobre a questão, ver Tautz et al. (2010).
21

Em resposta ao pedido de um maior detalhamento da informação, o banco alegou a


obrigatoriedade do sigilo das operações financeiras como impeditivo para atender tal
solicitação. Conforme resposta enviada:
Cumpre-nos esclarecer que o BNDES financia a relação comercial
estabelecida entre exportador e importador. Nesse sentido, dados que têm
relação direta com os projetos aos quais as exportações se destinam [...], são
de natureza estritamente comercial, representando informações privativas e
estratégicas da empresa privada exportadora, não podendo ser fornecidos em
razão do sigilo bancário a que o BNDES está obrigado, com fundamento no
inciso I do art. 6º do Decreto nº 7724/2012 e Lei Complementar nº 105/2001.
(BNDS, 2013).

3. Estrutura dos capítulos

A fim de dar conta dos objetivos propostos, estruturamos a tese em quatro capítulos,
cujo conteúdo explicitamos abaixo.
No Capítulo 1 são caracterizados os determinantes externos da dependência. Além de
especificar os seus elementos constitutivos, explicita-se os elementos a partir dos quais
partimos para apreender em que medida se construiu a base sobre a qual o Brasil pode
questionar sua posição de periferia e promover estratégias de superação do
subdesenvolvimento. Para tanto, se evidencia alguns dos pressupostos do modelo de
desenvolvimento capitalista neoliberal no qual a América Latina foi inserida e a partir do qual
foram gestados projetos de integração regional. Em seguida, utilizando a Teoria Marxista da
Dependência (TMD) e, em especial, as contribuições de Ruy Mauro Marini, define-se a
condição de dependência e são expostos os seus mecanismos de reprodução: a subordinação
tecnológica e financeira, as transferências de valor das economias periféricas para as
economias centrais e o modo como internamente as economias periféricas compensam tais
transferências – a superexploração da força de trabalho. Aqui, também, são destacados
elementos do atual padrão de acumulação do capital que agravam a condição dependente da
região.
Em seguida, destaca-se a opção política da burguesia brasileira que conduz ao reforço
da dependência, assim como, o papel que o Estado Nacional cumpre para assegurar que o
grupo hegemônico possa aproveitar ao máximo a estratégia de vinculação subordinada à
economia internacional. Por último, elencamos algumas diferenças entre o Brasil e os países
da América do Sul, com vistas a caracterizar as assimetrias que existem entre o país e a
região.
22

No Capítulo 2 caracteriza-se como o processo de integração produtiva com a América


do Sul se articula com o modelo econômico do Brasil entre 2003 e 2010. O objetivo é,
também, evidenciar os determinantes internos da dependência. Para isso, faz-se um breve
apanhado dos elementos que levaram a adoção do neoliberalismo no Brasil. Em seguida, são
descritos os elementos de consolidação do modelo Liberal Periférico no governo Lula, bem
como a readequação de algumas de suas políticas com o objetivo de melhorar a situação do
balanço de pagamentos. É a partir da necessidade de melhorar as contas externas, evitando o
estrangulamento externo da economia, que podemos entender a importância que o governo
passa a dar ao processo de integração com os países da América do Sul. Além disso, o
impulso à internacionalização das empresas brasileiras aparece como um meio dos capitais
relativizarem a importância do mercado interno na sua lógica de expansão, dada a
instabilidade e baixas taxas de crescimento da economia do país que o modelo adotado impõe.
Por último, analisamos as políticas de incentivos à internacionalização do período (as
chamadas políticas industriais), especialmente, o padrão de inserção produtiva implícito na
Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e a relação do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) com os projetos da IIRSA.
No Capítulo 3 analisa-se o Investimento Externo Direto Brasileiro na América do Sul
entre os anos de 2003 e 2010, a fim de identificar os setores para os quais se dirigiram, o
perfil da organização produtiva e os efeitos que tais inversões acarretam sobre a economia dos
países da região. Para isso, inicia-se com uma caracterização da participação do IED brasileiro
no mundo e na América do Sul. Em seguida, se descreve os determinantes microeconômicos
(relacionados às estratégias empresariais) e macroeconômicos (relacionados à inserção do
país na globalização) do aumento das inversões no exterior, assim como, o perfil setorial e a
distribuição geográfica de tais investimentos.
Segue-se para a análise da importância da participação do IED brasileiro em oito dos
países que compõem a região (Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Equador, Chile,
Colômbia e Peru). Nesse tópico procura-se especificar a diversidade setorial das inversões em
cada país, a participação no mercado, se a condução do processo produtivo se contrapõe com
os interesses presentes nessas nações e possíveis contribuições para a melhoria da inserção
internacional de tais países. Posteriormente, ressalta-se o papel do apoio governamental para a
consecução e expansão das inversões brasileiras no exterior e os resultados em termos de
lucratividade e melhoria das contas do balanço de pagamentos do país. Aqui explicitamos,
também, as transferências de valor que ocorrem dos países sul-americanos para o Brasil.
23

O Capítulo 4 trata das intervenções do Brasil para a construção da Iniciativa para


Integração da Infraestrutura Sul-Americana (IIRSA). Na primeira parte, faz-se uma análise
dos pressupostos a partir dos quais foram definidas as intervenções físicas no território sul-
americano e organizada a IIRSA. Além disso, analisa-se os projetos considerados prioritários
pelo governo brasileiro, assinalando sua relação com os investimentos das empresas
brasileiras e com as correntes de comércio entre os países da região. Em seguida, mostra-se o
papel que a IIRSA cumpre nos projetos governamentais de desenvolvimento e na dinâmica
atual da acumulação capitalista.
Na segunda parte são examinados os financiamentos do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para consecução de obras nos países da
região. Aqui dividimos as intervenções em três modalidades: i) aquelas que complementam os
projetos da IIRSA; ii) outras que se constituem em apoio financeiro às construtoras brasileiras
e apoio às exportações e iii) algumas relacionadas à infraestrutura energética. Por fim,
apresentamos as principais conclusões do estudo, com base nos dados elencados nos
Capítulos 3 e 4, utilizando os referenciais teóricos desenvolvidos nos Capítulos 1 e 2.
24

CAPÍTULO 1 - ELEMENTOS PARA CARACTERIZAR A


DEPENDÊNCIA E SEUS MECANISMOS DE REPRODUÇÃO

1.1 Neoliberalismo e padrão de inserção internacional

A internacionalização brasileira dos anos 2000 se insere num contexto de aumento das
assimetrias mundiais no âmbito político, tecnológico e financeiro no qual a concentração do
poder e da riqueza se fez em benefício das principais economias desenvolvidas. Isto é, os
investimentos de empresas brasileiras no exterior ocorrem num contexto internacional
caracterizado pela:
aceleração do progresso científico e tecnológico e a restrição a sua difusão
por motivos empresarias e militares; a reorganização das empresas, dos
mercados e das organizações militares; a reorganização territorial; a
integração dos mercados mundiais e sua crescente oligopolização; a
concentração de poder econômico, político, militar e ideológico no centro do
sistema mundial; o persistente esforço de normatização com o objetivo de
consolidar juridicamente essa concentração de poder [...]. (GUIMARÃES,
2005, p. 248).

Chamar a atenção para o aumento das assimetrias da economia mundial tem o objetivo
de salientar que a reconfiguração do capitalismo mundial, através do que é comumente
chamado de globalização 5, acentuou as características dependentes da América do Sul e do
Brasil, em particular.
As transformações pelas quais passou a economia mundial na sua base produtiva e no
funcionamento dos mercados financeiros internacionais configuraram um novo padrão de
acumulação capitalista marcado pela liberalização dos fluxos de mercadorias e de capitais.
Com a adoção do modelo neoliberal, a partir da abertura comercial e financeira, o Brasil entra
em contato com o novo padrão de acumulação capitalista, sendo reintegrado aos fluxos de
capitais internacionais e promovendo um conjunto de modificações na sua economia - que
incluíram fusões, aquisições, privatizações e adoção das novas formas de gestão e
organização do trabalho – e na sua inserção internacional.
O suposto objetivo dessas medidas liberalizantes foi o de promover a elevação da
produtividade, superando a pobreza e a concentração de renda 6. Nesse modelo adotado pelo

5
As modificações recentes da economia mundial, que têm sido resumidas sob a denominação de globalização,
correspondem a um estágio mais avançado da internacionalização e integração da economia mundial, tanto no
âmbito produtivo quanto financeiro. Tal integração ocorre com a hegemonia do capital fictício.
6
Essa abordagem completa pode ser vista em Franco (1998).
25

Brasil e demais países da América do Sul, a estabilização era apenas uma das etapas a cumprir
no conjunto de reformas que foi apresentado como a única opção para superar a crise da
dívida externa, a qual a região ficou envolvida durante toda a década de 1980. Conquistar a
estabilidade macroeconômica era, segundo esse modelo, a condição necessária — mas não a
única — para voltar a crescer, restariam, ainda, a reforma tributária, as privatizações, a
reforma do sistema previdenciário e a flexibilização do mercado de trabalho.
Tais reformas visavam reorientar as economias dos países latino-americanos para o
mercado externo, aproveitando as oportunidades abertas pela globalização, retirando o peso
excessivo do Estado na economia e aproveitando os mecanismos de estímulo à
competitividade e alocação eficiente de recursos que os mercados têm a oferecer.
Nessa perspectiva, as hierarquias entre países no sistema mundial podem ser atenuadas
através da adoção desse novo modelo de desenvolvimento. A globalização é encarada como
uma oportunidade aberta a todas as regiões, onde os capitais estariam dispostos, a partir dos
critérios de eficiência e maximização dos lucros, a se instalar em qualquer lugar, dotando tais
países das chamadas “vantagens competitivas”, impulsionando o desenvolvimento produtivo
(dada a transferência tecnológica) e aporte financeiro, permitindo à região competir no
mercado internacional.
O novo modelo parte da crítica a industrialização por Substituição de Importações (SI)
e da identificação da inserção do Brasil na globalização como essencial para criar um ciclo
virtuoso de crescimento. A primeira crítica à SI refere-se à criação de uma reserva de
mercado, a partir de barreiras tarifárias e do fechamento da economia ao comércio
internacional, responsável por gerar uma estrutura produtiva pouco dinâmica, sem capacidade
de inovação.
De acordo com essa interpretação, a “inovação tecnológica não pode ser produzida
com reservas de mercado, favorecimentos fiscais e regulatórios e, principalmente, ausência de
competição”. (FRANCO, 1998, p. 64). O modelo de substituição de importações, na medida
em que oferecia a proteção de mercado e garantia lucros às indústrias, tenderia
inexoravelmente à estagnação da taxa de crescimento da produtividade.
O segundo problema do SI estaria associado à participação do Estado na economia. De
acordo com essa abordagem, o crescimento brasileiro financiado pelo gasto público foi gerado
a partir de déficits fiscais e de inflação, provocando efeitos negativos sobre a distribuição de
renda e penalizando os mais pobres. Ainda segundo essa visão, o aumento das despesas de
custeio do Estado após a Constituição de 1988 — que vinculou receitas para os gastos sociais
e aumentou os gastos com a previdência social — resultou em déficits crônicos, retirando a
26

capacidade de investimento do poder público. Qualquer tentativa nesse sentido somente


poderia ser feita com endividamento adicional e, por conseguinte, mais inflação.
Em síntese, a crítica identificava como aspectos inerentes ao modelo de Substituição de
Importações a estagnação da taxa de crescimento da produtividade, o aumento da
concentração da renda e um crescente déficit público gerador da inflação. Nas palavras de
Gustavo Franco (1998, p. 127):
Para demonstrar que a SI leva à concentração da renda é preciso demonstrar
que ela leva necessariamente à estagnação da taxa de crescimento da
produtividade. Nessas condições, um projeto consequente [...] de
crescimento com redução da pobreza e da concentração de renda, haverá de
ter lugar com a superação da SI e aprofundamento do processo de abertura.

De acordo com essa perspectiva, um novo modelo de desenvolvimento deveria


conjugar crescimento com ajuste fiscal e melhoria dos salários e da produtividade ao mesmo
tempo. No primeiro caso, a solução seria a retirada do Estado da economia através do
processo de privatização, cuja receita ainda contribuiria para reduzir o déficit fiscal — causa
primária da inflação.
No segundo caso, a solução estaria no aumento da produtividade da economia, cujos
ganhos seriam repassados para os salários e reinvestidos, sustentando a expansão do produto.
A abertura da economia seria essencial, tendo como objetivo a exposição da estrutura
produtiva nacional à concorrência, pois:
a) la liberación económica reduce las ineficiencias estáticas generadas por la
mala distribución y el desperdicio de recursos; b) la liberalización
económica estimula el proceso de aprendizaje; c) las economías orientadas al
exterior consiguen enfrentar mejor los shocks externos adversos; d) los
sistemas económicos basados en el mercado se muestran menos proclives a
actividades con fines rentistas, generadoras de desperdicio. (BAUMANN,
2001, p. 151).

A participação dos capitais externos é também considerada fundamental, visto que as


empresas internacionais deveriam arcar com os custos da reestruturação produtiva com base
nas novas tecnologias. Além disso, o capital internacional “através de seus efeitos sobre o
dinamismo tecnológico do país, [...] definirá os contornos básicos do novo ciclo do
crescimento”. (FRANCO, 1998, p. 122).
Note que a perspectiva acima descrita é similar a presente na proposta de regionalismo
aberto da Cepal ou das recomendações de política econômica para a América Latina do
Consenso de Washington. No caso do regionalismo aberto, propõe-se a abertura comercial
que favoreça o aumento do comércio e a inversão entre os países da América Latina, sem que
isso exclua a celebração de acordos de livre comércio com outros países ou regiões. Isto é, a
27

nova forma de inserção econômica da América Latina deve resultar do “[…] proceso que
surge al conciliar ambos fenómenos [...] la interdependência nacida de acuerdos especiales de
caráter preferencial y aquella impulsada basicamente por los señales de mercado resultantes
de la liberalización comercial general”. (CEPAL, 1994, p. 12).
Outra similaridade é o papel central que as empresas têm nesse processo, por isso a
Cepal advoga que os acordos não devem se constituir em entraves a integração impulsionada
pelo capital privado. Ao contrário, a ação estatal deve ser desenhada no sentido de reforçar as
estratégias empresariais.
A perspectiva da Cepal é que a integração ao eliminar as barreiras comerciais entre as
diversas economias reduz os custos de transação que, segundo a instituição, seriam as causas
da menor competitividade dos bens e serviços produzidos nos países sul-americanos. A
redução de custos através da eliminação de barreiras institucionais e legais resultaria no
aumento da produtividade que, por sua vez, se refletiria em maiores níveis de poupança,
gerando maiores níveis de investimento, criando um ciclo virtuoso.
Além disso, a integração permite, conforme a Cepal, o aproveitamento de vantagens
de escala através da especialização produtiva, estimula a competitividade e aumenta o
rendimento das inovações. A combinação de especialização e inovação permitiria aos países
latino-americanos desenvolver setores produtores de bens de maior valor agregado atendendo
a demanda de bens que possuem uma elevada elasticidade-renda no mercado internacional,
permitindo “a la región generar mayor valor agregado en su producción y apropriarlo por via
de las exportaciones”. (CEPAL, 1994, p. 57).
Os resultados da abertura comercial e financeira desses países foram, entretanto,
bastante diferentes da teoria. A adaptação de suas economias para atender aos novos padrões
organizativos da produção capitalista reforçou as características estruturais da América
Latina, que se expressam no aumento da dependência externa nos âmbitos financeiro,
produtivo e tecnológico e no crescimento das desigualdades sociais expressas no aumento do
desemprego, do subemprego e da queda do rendimento médio do trabalho.

1.2 A condição da dependência

A Teoria Marxista da Dependência (TMD) surge em meados dos anos de 1960, com o
intuito de explicar a situação subordinada dos países latino-americanos no sistema capitalista
mundial, através da “[...] aplicación creadora del marxismo-leninismo a la comprensión de las
28

especificades que asumen las leyes de movimento del modo de producción capitalista en
países como los latino-americanos”. (BAMBIRRA, 1978, p. 09).
A chave para tal análise, conforme a TMD, se encontra no lugar que tais países
ocupam no processo de acumulação do capital. Portanto, um dos pontos de partida da TMD é
a dinâmica da acumulação capitalista e a percepção de que a expansão desse modo de
produção incorporou as diversas regiões do mundo a sua lógica de valorização de maneira
diferenciada.
Tendo como referência a teoria do imperialismo de Lenin, ressalta a existência de
relações de subordinação nos âmbitos econômico, político e social que se destinam a
reproduzir a hierarquia e as desigualdades próprias do modo de produção capitalista. Tais
relações de subordinação dizem respeito tanto às relações entre classes sociais quanto aquelas
existentes entre as diferentes nações do mundo. Nesse caso, assinala a existência de uma
importância diferenciada dentro do sistema mundial entre os centros de acumulação do capital
(relações interimperialistas) e de relações assimétricas e hierárquicas entre os países do centro
e da periferia do capitalismo.
Além disso, entende que o desenvolvimento capitalista se apresenta de modo desigual
e combinado. O desigual se refere à noção de que o desenvolvimento capitalista não é linear e
nem realizado em etapas através das quais os países alcançariam níveis elevados de
desenvolvimento e bem-estar social. Ao contrário, cada nação passa por um processo
histórico particular, o que confere especificidades ao seu sistema econômico, não sendo
possível a “repetição das formas de desenvolvimento das diversas nações”. (TROTSKY,
2010). O combinado representa o caráter contraditório do desenvolvimento capitalista
mundial, que ao mesmo tempo em que constrói economias tecnologicamente avançadas,
expande sistemas produtivos débeis.
Portanto, a perspectiva de desigual e combinado, ao tempo em que atenta para a
necessidade de observar as especificidades históricas das formações econômicas e sociais de
cada nação, ressalta que a lógica de reprodução do sistema capitalista é contraditória e
geradora de desigualdades e exclusão, tanto internas aos países como no sistema mundial
entre nações. Por isso, o processo de acumulação do capital cria, ao mesmo tempo, países
desenvolvidos e subdesenvolvidos.
A dialética do desenvolvimento, assim percebida, concebe que o
subdesenvolvimento de alguns países/regiões resulta precisamente do que
determina o desenvolvimento dos demais. A lógica de acumulação de capital
em escala mundial possui características que, ao mesmo tempo, produzem o
desenvolvimento de determinadas economias e o subdesenvolvimento de
outras. É a esta dependência dos países periféricos, frente à acumulação de
29

capital, centrada em determinadas regiões, que a teoria da dependência


chamou a atenção. (CARCANHOLO, 2008, p. 254).

Na prática, isso significa que o movimento de expansão e reprodução do sistema


capitalista integrou esse continente ao mercado mundial de modo hierarquizado, organizando
todo o seu sistema produtivo com base na chamada divisão internacional do trabalho. Sendo
assim,
o subdesenvolvimento não é uma etapa que precede o desenvolvimento, ele
é um produto do desenvolvimento do capitalismo mundial; neste sentido, ele
corresponde a uma forma específica de capitalismo, que se apura em função
do próprio desenvolvimento do capitalismo. (MARINI, 1993, p. 88).

Nessa perspectiva, a dependência é entendida como uma situação gerada pela lógica
de expansão do capital, em que a economia de alguns países (os periféricos) está condicionada
pela expansão de outras (as centrais). Representa, portanto, uma “[...] relación de
subordinación entre naciones formalmente independientes, en cuyo marco las relaciones de
producción de las naciones subordinadas son modificadas o recreadas para asegurar la
reproducción ampliada de la dependencia”. (MARINI, 1991, p.3).
Conforme Dos Santos (1970), diferentemente de outras teorias que admitem a
existência de uma dependência externa dos países subdesenvolvidos, a TMD vai além, no
sentido de entender a dependência como “a consequence and part of the process of the world
expansive of capitalism – a part that is necessary to integrally linked with it”. (DOS
SANTOS, 1970, p. 231).
Ainda de acordo com o autor, a condição de dependente se mantém na medida em que
as economias centrais preservam o controle monopólico sobre a tecnologia, as finanças e o
comércio exterior – assegurando preços baixos das matérias-primas e preços altos dos bens
industriais – resultando numa desigual estrutura produtiva entre os países e alta concentração
de renda (DOS SANTOS, 1970).
Portanto, a lógica de expansão do capital teve e tem um papel chave na gestação da
organização da produção e das economias latino-americanas, conferindo-lhes um menor
desenvolvimento das forças produtivas (quando comparado com os chamados países
desenvolvidos) e um papel diferenciado na condução do processo de acumulação do capital,
que implica relações de subordinação.
O resultado é de um lado sistemas produtivos diversificados, dotados de capacidade de
gestar um crescimento autônomo e, de outro, economias caracterizadas pela fragilidade
financeira e tecnológica cuja expansão é dependente, porque está “conditioned by the
30

development and expansion of another economy to which the former is subjected”. (DOS
SANTOS, 1970, p. 231).

1.3 Elementos constitutivos da dependência

1.3.1 Participação na divisão internacional do trabalho

Um primeiro elemento que caracteriza as economias dependentes é a sua posição na


divisão internacional do trabalho. Ela resulta da “exportação” para a chamada periferia de um
padrão de acumulação do capital - vigente num determinado período histórico - com base em
elementos que não são do domínio desses países e que não podem ser facilmente reproduzidos
por tais nações.
Isto é, alguns países (os centros da acumulação capitalista) determinam os requisitos
técnicos do padrão de acumulação do capital, os quais irradiam para o conjunto do sistema,
conformando assim a estrutura produtiva de outros países (periféricos) de modo que esta seja
auxiliar no processo de acumulação. Os processos produtivos que as economias dependentes
adotam não estão inscritos num desenvolvimento prévio de suas sociedades como resultado
do amadurecimento contínuo das forças produtivas. Por isso, a expansão fica condicionada à
importação de bens de capital dos países centrais que disponibilizam tais valores de uso
somente para setores que não fazem parte do eixo central da acumulação capitalista.
Para definir quais os valores de uso que são produzidos na periferia do sistema
capitalista é necessário caracterizar como na realidade histórica concreta o capitalismo se
reproduz. Tal particularização é apreendida através da categoria padrão de reprodução do
capital. Conforme Osorio (2012, p. 40), “a noção de padrão de reprodução do capital surge
para dar conta das formas como o capital se reproduz em períodos históricos específicos e em
espaços geoterritoriais determinados, tanto no centro como na semiperiferia e na periferia
[...]”.
A noção de padrão de reprodução é construída a partir dos esquemas de reprodução do
capital7 e dos ciclos do capital8. A perspectiva dessa categoria é traduzir para o plano da

7
Os esquemas de reprodução são analisados em O capital, partindo de pressupostos simplificadores da realidade,
uma vez que “el objetivo de los esquemas no es el de dar cuenta de la compleja interrelación entre los numerosos
capitales tal como existen en el proceso concreto [...] en el somente lo que se analizan [son] las relaciones de
interdependencia entre los grandes sectores de la producción desde el punto de vista de los valores y valores de
uso”. (GILL, 2002, p. 350).
31

concretude o movimento do capital em geral. Especificar, no período histórico, sua trajetória


da reprodução, permitindo, assim, apreender a organização da produção das diversas
economias e como elas estão articuladas no sistema mundial para viabilizar a expansão do
capital. Ou seja, a “categoria de padrão de reprodução do capital estabelece, assim, mediações
entre os níveis mais gerais de análise (modo de produção capitalista e sistema mundial) e os
níveis menos abstratos ou histórico-concretos (formação econômico-social e conjuntura)”.
(OSORIO, 2012, p. 41).
A utilização de tal perspectiva significa observar a reconfiguração da divisão
internacional do trabalho considerando os padrões tecnológicos e de organização do trabalho,
os mecanismos de financiamento, os principais setores e ramos, os mercados de destinos e as
políticas estatais que impulsionam a expansão. Isto porque, do ponto de vista da organização
da produção,
não dá no mesmo valorizar o capital produzindo salsichas e produzindo
canhões, assinala Marx, para enfatizar que o valor de uso da valorização
define as características do capitalismo que será gerado. Os processos
produtivos de um ou outro valor de uso são diferentes, e diferentes são os
consumidores e os mercados de tais produções, assim como as políticas
estatais que daí se originam. Uma economia que sustenta sua valorização em
produtos bélicos estimulará a geração de conflitos e de guerras para criar
mercados para seus produtos. (OSORIO, 2012, p. 46).

Do exposto acima, depreende-se que embora a produção capitalista tenha como


objetivo central a produção de valor, isto se concretiza através de valores de uso. Sendo
assim, em cada fase histórica existem setores que se constituem no eixo central de
acumulação do capital9. Atualmente, na chamada 3ª revolução industrial 10, a microeletrônica,
as telecomunicações e a genética são as principais áreas de expansão 11.
Esses setores se constituem no eixo de acumulação porque são a base tecnológica dos
bens de capitais, isto é, do setor responsável pela difusão tecnológica para o conjunto da
8
Para analisar o ciclo do capital, Marx, também, parte do capital social, e ressalta que, “para compreender as
formas em sua pureza é preciso começar por abstrair todos os momentos que nada têm a ver com a mudança e a
constituição de formas enquanto tais. Por isso supõe-se aqui não só que as mercadorias sejam vendidas por seus
valores, mas também que isso ocorra em condições constantes. Portanto, também se abstraem as mudanças de
valor que possam ocorrer durante o processo de circulação”. (MARX, L. II, Vol III, 1988, p. 25).

9
Na 1ª. revolução industrial a produção têxtil ocupou lugar de destaque; na 2ª. revolução industrial o setor
químico e automobilístico se constituíram nos mais dinâmicos.
10
Para se configurar como uma clássica revolução industrial ainda é necessário que os processos produtivos
adotem um novo padrão energético o que ainda não ocorreu.
11
Aqui não abordaremos as questões relativas ao declínio e ascensão de novos padrões de acumulação que nos
remeteriam a uma discussão sobre a taxa de lucro e as crises capitalistas. O que nos interessa aqui é ressaltar a
posição diferenciada dos países no sistema capitalista mundial a partir da diferente importância que os valores de
uso apresentam na produção de mais-valor, evidenciando, assim, a posição subordinada e dependente da
América do Sul e do Brasil nesse sistema.
32

economia, já que aí se fabricam - com a introdução de um novo conteúdo técnico - as


máquinas e equipamentos utilizados pelos outros setores da produção.
Ademais, conseguem estimular diversos setores de atividade e propiciam maior
lucratividade, ou seja, ramos e segmentos que têm “la capacidad de convertise en pequeñas
locomotoras que jalen a la expansión”. (OSORIO, 2004, p. 43). Segmentos que cumprem esse
papel dinâmico, na medida em que criam novos produtos, que para serem confeccionados
necessitam de grandes investimentos na constituição de um novo aparato produtivo,
mobilizando, assim, uma multiplicidade de matérias-primas, partes e componentes que
espraiam o impulso do investimento inicial pelo conjunto da economia.
Cabe ressaltar que a emergência das novas formas de organização da produção no
capitalismo e a definição do padrão técnico dominante resultam de disputas entre as frações
de classe da burguesia e, portanto, representam processos políticos. Em outras palavras, são
“projetos de classe de determinados setores do capital [...] [que] se convertem em eixos de
acumulação [...], e projetos de classe [de] outros setores do capital [...] que ocupam lugares
subordinados ou perdem”. (OSORIO, 2012, p. 46).
A consolidação de um padrão tecnológico, portanto, resulta do processo de
concorrência, da luta capitalista pela apropriação de mais-valia que culmina com o
fortalecimento de uma fração de classe – aquela que consegue impor sua lógica de
acumulação aos outros capitais. Desse modo, as técnicas de produção respondem a interesses
que não estão baseados, estritamente, nos critérios de eficiência, racionalidade ou muito
menos bem-estar social.
Além disso, a adoção da tecnologia, também, está referida na relação capital-
trabalho. Nesse sentido, os padrões técnicos adotados - entre uma gama de possibilidades -
são aqueles que permitem um maior controle do capital sobre o processo produtivo e sobre a
força de trabalho, submetendo ao trabalhador e aumentando a uma intensidade do trabalho.
As dimensões econômicas e políticas que estão implícitas no padrão de acumulação do
capital implicam que, tais setores, isto é, a produção de tais valores de uso, sejam destinados
aos países que compõem o centro de acumulação capitalista, sendo que a produção na
periferia vai ser organizada a partir de tal reserva de modo a permitir que o ciclo do capital (D
– M ... P ... M’ – D’) ocorra com os menores obstáculos possíveis.
Atualmente, a especificidade do desenvolvimento capitalista relegou à América do Sul
o papel de exportador de matérias-primas e alguns produtos semi-industrializados. O retorno
33

ao que Osorio (2012) caracterizou como padrão exportador resulta de um ordenamento da


acumulação capitalista em termos produtivos e geográficos como resposta à crise 12.
O que nos interessa salientar é que a saída do capital da crise, com o reestabelecimento
de suas condições de reprodução, passa pela diminuição do capital excedente que não pode
ser valorizado. As frações do capital a serem “aniquiladas” ou retiradas, temporariamente, do
processo de valorização se decide no processo de concorrência, “[...] conforme as vantagens
especiais ou as posições já conquistadas, o prejuízo se reparte de forma muito desigual e
muito diferenciada, de modo que um capital é colocado em alquive, outro aniquilado, um
terceiro apenas sofre prejuízo relativo ou desvalorização transitória”. (MARX, L. III, Vol. IV,
1988, p. 182)13.
Nesse movimento de reordenamento do capital estão incluídos os processos de fusões
e aquisições, através dos quais se põem em prática o sacrifício de frações do capital para que
o capital sobrevivente possa restabelecer as condições de acumulação. Em outras palavras,
deve-se queimar capacidade produtiva para que o sistema possa retomar as condições de
valorização14. É necessária a redução do número de empresas para que o capital sobrante
possa encontrar alternativas rentáveis de aplicação.
Do ponto de vista concreto, isso significou a absorção de capitais latino-americanos
(dada sua maior fragilidade) com a reversão da industrialização que a região havia
experimentado durante a vigência do modelo de substituição de importações. A
reconfiguração produtiva implica, também, que o capital necessita diminuir seus custos de
produção, seja através da redução do valor da força de trabalho ou dos insumos e matérias-
primas utilizadas (desvalorização dos elementos do capital constante) 15. Nessa perspectiva - e
dada à disponibilidade de recursos naturais – a estrutura produtiva da América do Sul tem
sido reconfigurada, desde os anos de 1990, no sentido de reestabelecer seu papel de supridora

12
A caracterização das crises capitalistas foge ao escopo de nosso trabalho. Para uma discussão sobre as causas e
formas de manifestação da crise remetemos para Carcanholo (1997). Para discussões acerca da crise
contemporânea, ver Carcanholo (2010), Arrizabalo (2012) e Gill (2009).
13
Para exposição detalhada dos desdobramentos da crise de superprodução do capital, ver Marx (1988, livro III,
cap. XV).
14
O capitalista não emprega o seu capital se for “[...] incapaz de explorar o trabalho num grau de exploração que
é condicionado pelo desenvolvimento ‘sadio’, ‘normal’ do processo de produção capitalista, num grau de
exploração que ao menos aumenta a massa de lucro com a massa crescente do capital empregado; que, portanto,
exclui que a taxa de lucro caia na mesma proporção em que o capital cresce, ou até que a taxa de lucro caia mais
rapidamente do que o capital cresce”. (MARX, L. III, Vol. IV, 1988, p. 183).
15
A elevação da produtividade, através da introdução de novas tecnologias ou de processo de reorganização do
trabalho, também está entre os elementos utilizados pelo capitalista individual para recompor as suas condições
de valorização.
34

de matérias-primas, bens altamente poluentes ou que requerem uma grande quantidade de


insumos naturais, como terra, água e energia, a menores preços para o mercado mundial. Isto
é, a reprimarização dessas economias coloca novas fontes de matérias-primas, como o
petróleo, o aço, ferro, água, a serviço do capital.
Com a retirada do Estado da economia como produtor direto, a divisão internacional
do trabalho é realizada fundamentalmente pelas transnacionais, a partir da definição da
localização de suas atividades. Dentre os critérios utilizados na distribuição geográfica da
produção dos diversos valores de uso, as transnacionais levam em consideração a sua origem
nacional e a localização dos investimentos dos concorrentes direto dos oligopólios mundiais.
No que se refere à origem nacional do grupo, tem-se as vantagens ligadas ao sistema de
origem e que se refere aos “atributos do contexto produtivo, social e institucional do país”.
(CHESNAIS, 1996, p. 121).
Um primeiro atributo competitivo ligado ao sistema de origem é a estrutura do setor de
bens de capital, ou seja, do seu “tamanho e eficácia e, portanto, da competitividade
intrínseca”. (CHESNAIS, 1996, p. 122). Isso porque, o setor de bens de capital é aquele que
dinamiza o sistema capitalista e seu grau de desenvolvimento em cada país, e sua articulação
com os outros setores da economia é condicionante da capacidade competitiva das empresas.
Um segundo fator é a relação entre a produção e o sistema financeiro, cujo papel é alavancar
as estratégias no espaço mundial dos grupos, e um terceiro fator é o aproveitamento dos
sistemas nacionais de pesquisa e inovação. Tanto o suporte dado pelos órgãos públicos às
atividades de pesquisa quanto o conhecimento acumulado no espaço nacional, são utilizados
em proveito dessas empresas.
Outro aspecto determinante na definição de localização dos grandes grupos são os
investimentos de seus concorrentes. Tais rivais se constituem em grupos com poderio
financeiro e tecnológico suficiente para disputar mercados em condições de igualdade. Os
grandes grupos têm origem nos chamados países centrais, o que significa que as empresas que
participam dessa competição mundial devem estar, necessariamente, aí instaladas. Esse é o
espaço privilegiado de investimentos para as transnacionais. É lá que estão concentradas as
atividades de P&D, para onde converge toda atividade financeira do grupo e de onde sai a
estratégia para todas as filiais e parceiros da transnacional.
Tendo por base o ajustamento da economia sul-americana à lógica de acumulação do
capital e aos interesses das empresas transnacionais, a reorganização produtiva significou uma
maior fragilidade do setor de bens de capital e, por conseguinte, em reduzido domínio dos
padrões tecnológicos, o que implica em aumento da dependência. Além disso, a ausência do
35

setor de bens de capital ou seu pouco desenvolvimento produz uma fissura no processo de
acumulação capitalista. Isso porque, existe um descompasso entre renda interna gerada na
acumulação e as novas inversões necessárias à continuidade da expansão. Em outras palavras,
apesar do poder aquisitivo gerado internamente nos países subdesenvolvidos, o processo de
inversão de novos capitais se faz, principalmente, através das importações de máquinas e
equipamentos, diminuindo as sinergias entre os setores e os estímulos internos a expansão.
Portanto, o modelo de inserção capitalista internacional através das exportações de
bens primários e commodities industrializadas16 que vem sendo adotado nos países do
continente, ainda que tenha preservado segmentos dos setores industriais, estes não mais se
colocam como articuladores de uma dinâmica de crescimento dessas economias. Ao contrário,
a especialização produtiva exportadora [...] operam sem estabelecer relações
orgânicas com o restante da estrutura produtiva local, ao demandar
prioritariamente do exterior equipamentos, bens intermediários e, em alguns
casos, até matérias-primas, para não falar da tecnologia e do design, sendo os
salários e impostos o aporte fundamental à dinâmica da economia local.
(OSORIO, 2012, p. 113).

Forma-se dessa maneira uma hierarquia entre os países que leva em consideração o
papel que desempenham na produção, constituindo países que cumprem funções mais
elaboradas (centrais) e aqueles aos quais estão designadas tarefas mais simples (periféricos).
Os países centrais, por serem os principais mercados e pela capacidade de alavancar
recursos financeiros, materiais e imateriais têm maiores condições de apoiar o processo de
expansão17. Ainda que ocorra a transferência de unidades produtivas para a periferia, isso não
significa transferência de tecnologia e nem de poderio financeiro, que continuam sob o
domínio dos conglomerados.
Martinelli et al. (1994) demonstram que paralelamente à descentralização das
operações produtivas de diversos oligopólios houve um “reforço da concentração de capital e
das estruturas de controle”. (MARTINELLI et al., 1994, p. 115), particularmente das
tecnologias e dos recursos financeiros nesses grupos. Nas palavras das autoras:
É interessante observar que as diferentes estratégias de reestruturação
(aquisições, joint-ventures, externalização, etc.) podem ser empreendidas em
simultâneo, e sobretudo que, embora acarretem uma concentração acrescida
de capital e do controle, não implicam necessariamente uma concentração
das operações. Com efeito, a produção pode permanecer fisicamente
atomizada; em função das exigências ligadas aos mercados de trabalho e dos

16
O que chamamos ao longo do texto de commodities industriais são os setores caracterizados pela produção em
larga escala de bens indiferenciados como alumínio, ferro, aço, cimento, celulose, além da indústria extrativa
mineral.
17
No caso dos EUA, acrescente-se o poderio militar.
36

produtos [...] beneficiando ao mesmo tempo das facilidades que as grandes


companhias podem pôr a sua disposição, nos domínios financeiro, comercial
e da distribuição. (MARTINELLI et al., 1994, p. 113).

Dentro desse limite geral, cada uma das economias periféricas vai se inserir na
produção mundial conforme as possibilidades da sua formação econômica e social. Ou seja,
ressaltar as determinações gerais da lógica de acumulação do capital na conformação da
estrutura produtiva das economias dependentes:
[…] no implica suponer que las regiones y naciones semiperifericas y
dependientes operarán como simple reflejo en su reproducción capitalista de
lo que acontece en los centros del sistema. Pero su espacio de acción estará
en el largo plazo delimitado por los movimientos de la reproducción
considera de manera sistémica. (OSORIO, 2004, p. 77).

Ainda que o movimento geral do processo de acumulação esteja conduzindo a


América do Sul para a produção de bens primários e commodities industriais, observar a
especificidade de cada país revela as diferentes estruturas produtivas presentes na região.

1.3.2 Transferência de valor

A divisão internacional do trabalho, mencionada anteriormente, segundo a qual aos


países dependentes fica circunscrita a produção de bens de menor conteúdo tecnológico
enquanto nos países centrais se verifica a produção dos bens tecnicamente mais sofisticados
resulta numa desigual distribuição de valor, em que os países periféricos transferem
excedentes para os países centrais. Isto é,
[...] o centro tem a “capacidade de se apropriar – mediante diversos
mecanismos – de valores produzidos em outras extensões econômico-
espaciais, as chamadas periferias ou economias dependentes. Assim, temos
um sistema mundial que opera com núcleos de acumulação de valor em
contraste com amplos territórios que sofrem de desacumulação. (OSORIO,
2012, p. 76).

Temos, portanto, o segundo elemento que caracteriza a condição dependente: o fato de


que tais economias transferem uma parte do excedente gerado na produção. Estes excedentes
deixam de fazer parte da acumulação interna e na medida em que são apropriados
externamente se integram ao processo de acumulação das economias centrais
(CARCANHOLO; SALUDJIAN, 2013).
Tal transferência ocorre tanto através do comércio internacional – em que prevalece o
mecanismo de troca desigual – quanto da remessa de excedentes como resultado do
37

Investimento Externo Direto (IED) (lucros, amortizações, dividendos e royalties) e/ou de


empréstimos (juros).
No que se refere ao comércio internacional, Marini (1991) inicia a análise dos
mecanismos de transferência de valor considerando as diferentes produtividades existentes
entre os capitais individuais que participam do mesmo setor de atividade. Partindo da análise
realizada por Marx, Marini assinala que aqueles que possuem uma maior produtividade
podem auferir uma mais-valia extraordinária, isto é, um valor extra, porque utilizam técnicas
de produção mais modernas quando comparadas com as utilizadas pelos seus concorrentes.
Uma maior produtividade do trabalho significa a produção de mais mercadorias sem
que haja alteração do valor total produzido. Isso significa que o valor unitário de cada
mercadoria diminuiu porque requer agora um tempo de trabalho menor do que o socialmente
necessário para produzi-la. Entretanto, o capitalista vende sua mercadoria pelo valor de
mercado, o que lhe permite se apropriar de uma mais-valia extraordinária – o mais-valor
extraído por um capitalista é apropriado por outro.
Portanto, “[...] nesse nível de abstração mais elevado, a lei do valor no plano da
economia mundial implicaria que economias que possuem capitais com produtividade abaixo
da média mundial tenderiam a produzir mais valor do que aqueles de que realmente
conseguem se apropriar”. (CARCANHOLO; SALUDJIAN, 2013, p. 195). Como os países
centrais possuem ramos de produção com maior produtividade, devido ao maior
desenvolvimento técnico das suas indústrias, tais segmentos conseguem se apropriar de uma
mais-valia extraordinária.
Outro mecanismo de transferência de valor ocorre entre diferentes setores de produção
no processo de formação da taxa média de lucro18 da economia e da transformação dos
valores em preços de produção. A rentabilidade de cada esfera de produção com base no lucro
médio é um requisito da lógica de funcionamento do capitalismo, visto que se assim não
fosse, as esferas com menor participação do capital constante teriam taxas de lucro maiores e
os capitais individuais não teriam incentivos para aumentar a produtividade, uma vez que o
capital mais eficiente teria uma menor taxa de lucro. Isso contraria a tendência do capitalismo
de aumentar a composição orgânica do capital.

18
Essas diferentes taxas de lucro são igualadas pela concorrência numa taxa geral de lucro, que é a média de
todas essas diferentes taxas de lucro. O lucro que, de acordo com essa taxa geral de lucro, cabe a um capital de
grandeza dada, qualquer que seja sua composição orgânica, chama-se lucro médio. (MARX, L. III, Vol, IV,
1988, p. 117).
38

No processo de formação dos preços de produção19, os setores mais produtivos (de


maior composição orgânica do capital) podem se apropriar de um lucro extraordinário, porque
os preços de produção são superiores aos valores de produção. Em sentido contrário, os
setores com composição orgânica abaixo da média não realizarão a totalidade da mais-valia
que extraem, transferindo uma parte para os setores mais produtivos, uma vez que os preços
de produção são fixados abaixo dos valores de produção, resultando numa menor apropriação
de lucros. Somente os capitais com composição orgânica igual à média da economia terão
seus preços de produção iguais aos valores de produção, não se apropriando de lucros
extraordinários nem cedendo mais-valia para outros setores de atividade.
Considerando a divisão internacional do trabalho que mencionamos anteriormente, os
setores tecnologicamente mais avançados estão localizados nos países do centro, enquanto
aqueles com menor composição orgânica estão nos países periféricos, o que resulta na
transferência de valor destes para aqueles, de modo que “uma parte da mais-valia produzida
nas economias dependentes, [...] será apropriada, na forma de um lucro médio superior à
mais-valia produzida, pelos capitalistas operantes nas economias centrais”. (CARCANHOLO,
2013, p. 195).
Segundo Carcanholo (2012), Marini (1991) relaciona o monopólio de produção de
mercadorias apenas com a maior composição orgânica do capital e, portanto, com a
transferência de valor intersetorial, como podemos apreender do trecho abaixo:
[…] transacciones entre naciones que intercambian distintas clases de
mercancías, como manufacturas y materias primas - el mero hecho de que
unas produzcan bienes que las demás no producen, o no lo pueden hacer con
la misma facilidad [...] Esto implica que las naciones desfavorecidas deban
ceder gratuitamente parte del valor que producen, y que esta cesión o
transferencia se acentué en favor de aquel país que les vende mercancías a
un precio de producción más bajo, en virtud de su mayor productividad.
(MARINI, 1991, p. 07).

Entretanto, o monopólio de produção de mercadorias tem outra dimensão que implica


a transferência de valor via preços de mercado na medida em que os ofertantes fixem,
independente de oscilações conjunturais, tais preços acima dos preços de produção, em razão
de ser o único ofertante mundial, auferindo um lucro extraordinário (CARCANHOLO, 2012).
Além das transferências de valor associadas ao comércio internacional, tem-se aquelas
relacionadas ao Investimento Externo Direto (IED), ao pagamento de royalties e aos
empréstimos - remessas de juros, lucros e dividendos. Esses montantes são elevados, uma vez

19
Os preços que surgem “[...] calculando a média das diferentes taxas de lucro das diferentes esferas de produção
e adicionando essa média aos preços de custo das diferentes esferas e produção, são os preços de produção”.
(MARX, 1988, p. 117). Para estudo da questão, ver Marx (1988, livro III, cap. IX).
39

que as transnacionais com seu domínio dos mercados e poderio financeiro e tecnológico
abarcam as atividades mais rentáveis da economia, colocando os capitais de origem nacional
numa posição secundária na estrutura produtiva. No modelo de Industrialização por
Substituição de Importações (ISI), a ação do Estado Nacional nos países da América Latina,
principalmente nos maiores, como Brasil, México e Argentina, controlava setores estratégicos
da produção, o que contribuiu para limitar a inserção produtiva das transnacionais e, por
conseguinte, o aumento do passivo externo associado ao IED. Entretanto, os processos de
privatização e desnacionalização da estrutura produtiva, vividos pela América Latina,
resultaram no aumento do controle dos setores mais importantes dessas economias pelas
transnacionais, o que tende a elevar os montantes de transferência via esse mecanismo. A esse
respeito, cabe mencionar que, segundo a Cepal, entre 2003 e 2011,
[…] los beneficios que las empresas trasnacionales obtienen de sus
operaciones en América Latina y el Caribe se han multiplicado por cinco [...]
este fenómeno responde tanto al creciente peso de las empresas
trasnacionales en la economía de la región como al aumento de la
rentabilidad media, fruto del crecimiento de la demanda interna y de los altos
precios de las materias primas de exportación. (CEPAL, 2012, p. 55).

Esse é um elemento desestabilizador das economias subdesenvolvidas, que se


expressam nos desequilíbrios externos e na instabilidade financeira que caracteriza a região 20.
Tais remessas obedecem a critérios internos aos grupos e de maneira nenhuma se relacionam
com a disponibilidade de divisas dos países onde tiveram lugar os investimentos. O
desequilíbrio entre disponibilidade de divisas e pagamentos realizados para o exterior
contribui para gerar a dependência financeira das economias periféricas, como veremos
posteriormente.

1.3.3 Superexploração da Força de Trabalho

A fim de compensar as transferências de valor para as economias centrais recompondo


a sua lucratividade e evitando a interrupção da acumulação interna, o capitalismo periférico se

20
Prado Jr. (1966) também ressaltou o caráter desestabilizador das transnacionais sobre as economias
subdesenvolvidas em razão dos desequilíbrios externos e da instabilidade financeira. De acordo com o autor, o
descompasso entre as receitas de exportações, de um lado, e o pagamento das importações e remessas de lucros e
dividendos, de outro, resulta numa pressão sobre o balanço de pagamentos dos países subdesenvolvidas que
acaba freando o crescimento de suas economias. Isto é, “A exportação, a importação, o serviço financeiro do
capital estrangeiro e as novas inversões de capital [...] não se relacionam entre si de maneira a variarem em
função uns dos outros, assegurando um nivelamento, ou pelo menos uma tendência aos nivelamentos dos itens
respectivamente do haver e dever”. (PRADO JR., 1966, p. 204).
40

utiliza da superexploração da força de trabalho que “en términos capitalista [...] significam
que el trabajo se remunera por debajo de su valor”. (MARINI, 1991, p. 09).
O capitalismo dependente pode implementar a estratégia de superexploração da força
de trabalho através de três mecanismos: intensificação do processo de trabalho, aumento da
jornada de trabalho e/ou remuneração abaixo do valor da força de trabalho. O fundamental
para o capitalista nesse processo é alterar a relação entre trabalho excedente e trabalho
necessário, gerando uma maior taxa de exploração do trabalhador.
No que se refere à intensificação do processo de trabalho, observa-se um maior
desgaste da força de trabalho, que não é compensado pelo aumento do valor pago ao
trabalhador, ou seja, apesar do maior dispêndio de energia associado ao maior ritmo de
trabalho, sua remuneração continua sendo realizada com base nos bens necessários a sua
reprodução diária numa jornada de menor intensidade. Esse mecanismo equivale à redução do
tempo de trabalho necessário, já que a remuneração não repõe os elementos necessários à
recomposição física e mental do trabalhador.
Outra maneira de alterar a relação trabalho excedente/trabalho necessário é ampliando
o tempo da jornada de trabalho, aumentando a parte na qual o trabalhador se dedica a produzir
a mais-valia absoluta. Aqui, ainda que ocorra um aumento da remuneração da força de
trabalho, ela, geralmente, é inferior ao desgaste sofrido pelo trabalhador e insuficiente para
sua completa reposição. Portanto, representa a diminuição do tempo de trabalho necessário.
Por fim, a pura e simples remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor se constituiu
na outra maneira pela qual o capitalismo dependente utiliza para compensar a transferência de
valor para as economias centrais. A superexploração do trabalho se caracteriza
[…] por el hecho de que se le niega al trabajador las condiciones necesarias
para reponer el desgaste de su fuerza de trabajo: en los dos primeros casos,
porque se le obliga a un dispendio de fuerza de trabajo superior al que
debería proporcionar normalmente, provocándose así su agotamiento
prematuro, en el último, porque se le retira incluso la posibilidad de
consumir lo estrictamente indispensable para conservar su fuerza de trabajo
en estado normal. En términos capitalistas, estos mecanismos (que además
se pueden dar, y normalmente se dan, en forma combinada) significan que el
trabajo se remunera por debajo de su valor. (MARINI, 1991, p. 09).

Cabe ressaltar que isso não implica que as economias dependentes não incorporam
atualizações tecnológicas que promovam o aumento da produtividade. Ocorre que nem
sempre o aumento da produtividade implica em aumento da mais-valia. Conforme esclarece
Marini (1991, p. 04),
[…] si bien constituye la condición por excelencia de la plusvalía relativa,
una mayor capacidad productiva del trabajo no asegura de por sí un aumento
41

de la plusvalía relativa. Al aumentar la productividad, el trabajador sólo crea


más productos en el mismo tiempo, pero no más valor.

O aumento da produtividade somente se reflete no aumento da mais-valia quando


dentro da jornada de trabalho há a diminuição do tempo de trabalho necessário. Desse modo,
somente o aumento da produtividade daqueles setores responsáveis pela produção dos itens
que compõem o consumo dos trabalhadores significa uma diminuição, dentro da jornada
laboral, do trabalho necessário e, portanto, um barateamento do valor da força de trabalho.
Ressalte-se que, tais aumentos não significam que as forças produtivas se igualem às
dos países centrais, de modo que mesmo a introdução de novas máquinas e equipamentos não
estanca a transferência de valor, por isso, a superexploração aparece também ao lado do
aumento da produtividade. Diferentemente do que ocorre nas economias centrais, em que os
capitalistas podem se apropriar de um lucro extraordinário promovendo atualizações
tecnológicas, essa possibilidade está vedada aos capitais dependentes. Ainda que promovam
reestruturações produtivas que impliquem em aumento de produtividade, estas nunca são com
base no padrão técnico mais avançado, de modo que para manter a rentabilidade se utilizam
da superexploração da força de trabalho.
Nesses termos, a superexploração da força de trabalho é entendida aqui como uma
categoria das economias dependentes. Embora a possibilidade de aumento da mais-valia
através da redução dos salários abaixo do valor da força de trabalho “foi analisada ad
nauseam por Marx em O Capital [...] [não se constituiu] elemento central das leis gerais do
modo de produção capitalista”. (CARCANHOLO, 2012, p. 06), enquanto que nas economias
dependentes esse é o mecanismo estrutural de funcionamento do capitalismo nesses países, é
o que permite a continuidade do processo de acumulação interna.
É ilustrativo desse aspecto a diferenciação que Marini (2012) faz entre a exploração e
a superexploração dos trabalhadores. No primeiro caso, este é o aspecto fundante do
capitalismo que submete - através do aumento da produtividade, da intensidade do trabalho ou
da jornada laboral - o trabalhador a produção de excedentes cada vez maiores dentro de sua
jornada de trabalho. Aqui, o elemento que permite aumentar a mais-valia produzida e a taxa
de exploração é a diminuição do tempo de trabalho necessário.
Quanto à superexploração, o aumento da mais-valia se faz sempre através da
remuneração da força de trabalho abaixo do seu valor. Isto é, ainda que possa haver uma
diminuição do tempo de trabalho necessário e, portanto, a desvalorização real da força de
trabalho, a mais-valia aumenta porque uma parte do tempo de trabalho necessário não é paga
ao trabalhador.
42

[…] la superexplotación es la piedra angular para comprender la


especificidad del capitalismo latino-americano, en tanto da cuenta de las
formas particulares en que se asienta la producción de plusvalía, como es
explotada la fuerza de trabajo y las tendencias que de ello se derivan hacia la
circulación y la distribución. (OSORIO, 2004, p. 141).

Tradicionalmente, nos países da América Latina, a existência de um vasto setor de


subsistência, com parcela significativa da População Economicamente Ativa (PEA) excluída
dos processos econômicos e das relações de assalariamento, conferiu uma relativa
tranquilidade para que as burguesias desses países impulsionassem sua produção com base na
superexploração.
A inserção na globalização conferiu um poder ainda maior a essas classes para gerir de
maneira predatória a força de trabalho. Generalizando a experiência brasileira para a América
do Sul, o neoliberalismo enfraqueceu a organização dos trabalhadores na medida em que
significou a desestruturação do mercado de trabalho formal. São indicadores dessa
desestruturação: i) a redução do número de postos gerados; ii) a deterioração da qualidade do
emprego expressa pela diminuição salarial e pelo aumento do trabalho em tempo parcial; iii) a
perda de direitos trabalhista e, iv) o aumento da jornada de trabalho, resultando numa maior
exploração do trabalhador. Acrescente-se ainda, os processos de reestruturação produtiva com
a introdução de novas formas de gestão e organização do trabalho, que implicaram no
aumento da terceirização e na introdução de sistemas de controle de qualidade, cujo principal
objetivo é promover a intensificação do trabalho 21.
A estratégia de inserção externa das economias com base na exportação de produtos
de menor valor agregado é mais um elemento de agudização da superexploração do trabalho
e, consequentemente, do aumento da exclusão social e da concentração de renda, uma vez que
significam a intensificação dos mecanismos de transferência de valor.
Acrescente-se, ainda, que todas as atividades através das quais a região se inseriu nas
correntes de comércio internacional (por exemplo, agroindústria de soja na Argentina,
Bolívia, Brasil e Paraguai, atividades de extração mineral no Peru, segmento de Papel e
celulose no Uruguai) se caracterizam pelo uso intensivo do solo, de modo que as atividades
exportadoras ampliaram os processos de expropriação22 dos trabalhadores na América Latina,
em especial das comunidades indígenas e de trabalhadores rurais. Além disso, tais atividades

21
Para a caracterização das modificações no mercado de trabalho brasileiro nos anos de 1990 e suas repercussões
sobre os trabalhadores, remeto a Antunes (1995) e Pochmann (1998).
22
Aqui nos referimos à expropriação dos trabalhadores rurais no que poderíamos chamar de continuidade da
acumulação primitiva que separa, principalmente, os pequenos proprietários rurais dos seus meios de produção.
43

têm como marca a degradação ambiental do seu entorno, impedindo a continuidade de


unidades produtivas próximas, comprometendo a renda e o sustento de comunidades inteiras.
A diminuição da renda do trabalho pode ser aferida pela perda de participação dos
salários no PIB para o conjunto da região, apesar do crescimento econômico verificado entre
os anos de 2003 e 2008.
Si consideramos que a América Latina y el Caribe es una de las regiones con
mayor desigualdad en términos de la distribución del ingreso y de los
factores de producción, es más preocupante constatar el hecho de que la
participación de las remuneraciones en el PIB haya disminuido durante las
últimas décadas. Si bien el ritmo de esta caída ha sido más moderado que en
las otras regiones en desarrollo, la disminución fue más importante que en
los países desarrollados. (OIT, 2011, p. 16).

Observando os dados para os países da América do Sul, se percebe algumas


diferenças. Na Argentina, no ano de 2008, a participação dos salários no PIB se manteve num
patamar um pouco abaixo do registrado no ano de 2000. No Brasil23e na Venezuela (5%)
houve pequenos aumentos entre os anos de 2000 e 2009. No Chile, a participação permaneceu
praticamente estável e no Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia, Colômbia e Peru a queda variou
entre 10% a 25%.
A capacidade de concorrência desse padrão nos mercados externos reside na
deterioração dos salários locais e na depreciação de tudo o que implique
elevar o custo do trabalho, como benefícios sociais diversos. Essa é uma das
principais vantagens comparativas com que conta o capital que opera na
América Latina. (OSORIO, 2012, p. 124).

Considerando os indicadores do mercado de trabalho brasileiro (Tabela 1), observa-se


que entre 2001 e 2009 houve o decréscimo na participação de ocupados em todas as faixas de
rendimento superior a 3 salários mínimos. Assim, o aumento da participação dos salários no
PIB se deu pelo aumento do número de empregados e não pelo aumento da remuneração da
força de trabalho.
No que se refere às horas trabalhadas semanalmente, os dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD) 24 registram que, em 2001, 40,9% dos ocupados tinham
uma jornada de trabalho de mais de 45 horas semanais (sendo que destes 23,7% mais de 49
horas). Em 2009, houve uma queda dessas participações para, respectivamente, 31,9% e

23
Segundo os dados das Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2005, a
participação da Remuneração dos empregados representou 40,1% do PIB e em 2009 43,6%. Se considerarmos
apenas os salários, os números são, respectivamente, 31,7% e 34,4%, o que representa um aumento na
participação dos salários no PIB de cerca de 8,5%.
24
Dados da pesquisa básica da PNAD, extraídos através do banco Sidra/IBGE. Disponível em:
<http://www.sidra.ibge.gov.br/pnad/pnadpb.asp?o=3&i=P> Acesso em 17 de out. de 2014.
44

17,8%. Certamente, a diminuição dos ocupados com jornada laboral maior do que a legal está
associada ao aumento do emprego formal verificado na economia brasileira entre os anos de
2003 e 2008, o que obriga a observância das leis trabalhistas.

Tabela 1 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos
de horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os trabalhos e classes de rendimento
mensal de todos os trabalhos

Grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana


Classes de rendimento mensal
de todos os trabalhos Total 45 a 48 horas 49 horas ou mais
2001 2009 2001 2009 2001 2009
Total (mil pessoas) 76.936 93.784 13.247 13.138 18.205 16.736
Total (%) 100,0 100,0 17,2 14,0 23,7 17,8
Total (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Até 1/2 sm 7,8 9,6 5,0 5,1 4,6 5,3
Mais de 1/2 a 1 sm 16,3 19,7 18,5 22,3 15,6 17,4
Mais de 1 a 2 sm 26,0 31,8 33,9 42,0 26,4 30,6
Mais de 2 a 3 sm 12,9 10,7 16,0 11,9 14,6 13,7
Mais de 3 a 5 sm 11,0 9,2 11,8 8,2 13,4 13,3
Mais de 5 a 10 sm 7,9 5,3 6,8 3,8 10,5 8,5
Mais de 10 a 20 sm 3,5 2,1 2,3 1,4 5,5 3,7
Mais de 20 sm 1,6 0,7 0,9 0,4 2,8 1,7
Sem rendimento 11,6 8,9 3,4 2,9 4,8 3,2
Sem declaração 1,4 2,1 1,4 1,9 1,8 2,7
Fonte: PNAD/ IBGE

Poderíamos apreender, através desses números, que houve uma melhora parcial da
qualidade do mercado de trabalho brasileiro, uma vez que houve uma redução do
prolongamento da jornada de trabalho. Entretanto, se considerarmos a remuneração recebida
por esses trabalhadores observamos que, relativamente a 2001, em 2009 aumentou o número
de trabalhadores que recebiam até 2 salários mínimos. Isto é, o aumento da jornada de
trabalho não foi compensado pelo aumento do salário, o que mostra o caráter estrutural de
funcionamento do mercado de trabalho brasileiro conjugando baixos salários com
prolongamento da jornada laboral.

1.3.4 Dependência financeira

A superexploração da força de trabalho em determinadas conjunturas não é suficiente


para contrabalançar a transferência de valor para as economias centrais e manter o
crescimento econômico. Em termos concretos, significa que ocorre uma disputa pela
45

destinação do excedente entre os lucros, juros e dividendos e a necessidade de importações


para manter e/ou ampliar a atividade econômica. Nesse cenário, o recurso aos empréstimos e
financiamentos externos se constituiu historicamente na “solução” para o problema,
engendrando a dependência financeira. Isso porque tais países, para manter as transferências
de recursos para o exterior, se veem imersos num ciclo de novos e crescentes endividamentos
(para refinanciamento da dívida anterior e para as novas necessidades de fechamento do
Balanço de Pagamentos) que reforçam sua fragilidade financeira externa e a vulnerabilidade
externa.
Às formas clássicas de dependência financeira, relacionadas ao financiamento de
importações e ao Investimento Direto Externo (ambas como reflexo da dependência
tecnológica), se somam aquelas geradas pela abertura financeira das economias periféricas e
sua inserção na lógica de valorização do capital fictício.
Antes de prosseguirmos na análise, convém explicitar que o capital fictício é a forma
desdobrada do capital portador de juros. Ou seja, a complexificação do capital, quando este se
torna ele mesmo uma mercadoria que pode ser temporariamente alienada no mercado de
crédito com objetivo de render juros ao seu proprietário.
O capital portador de juros aparece com o desenvolvimento do sistema de crédito
quando a massa de capital monetário que se acumula nas mãos dos “comerciantes de
dinheiro” passa a ser emprestada, isto é, quando “tomar dinheiro emprestado e emprestá-lo
torna-se um negócio especial”. (MARX, L. III, Vol. IV, 1988, p. 287). A condição para que
tal transação ocorra é que o capital volte ao seu proprietário com um valor maior, ou seja,
renda juros, que nada mais é do que uma parte da mais-valia.
O capital portador de juros para se valorizar perfaz o ciclo (D – D’), portanto, não
participa diretamente da esfera da produção. Sendo assim, não produz mais-valia na medida
em que não se defronta diretamente com a força de trabalho. Apesar disso, o prestamista se
apropria de uma parte do mais-valor extraído, porque encaminha o ciclo de valorização do
capital ao permitir que o capitalista funcionante adquira os elementos materiais necessários à
produção e contrate a força de trabalho. Assim, o capital portador de juros apresenta-se
funcional ao capital, na medida em que alavanca os investimentos que - sem a existência
dessa massa de capital monetário concentrada - teriam que esperar até que o capitalista
46

funcionante acumulasse esses recursos. Desse modo, acelera a rotação do capital e permite o
aumento da massa de mais-valia25.
O capital portador de juros não apaga completamente a relação entre o capital
monetário e o capital produtivo, visto que os juros representam uma parte do lucro. Portanto,
ainda que indiretamente, a parte da mais-valia apropriada como juros está referenciada na
relação entre capital e trabalho. O capital fictício, entretanto, aparece completamente
dissociado da sua base objetiva de valorização, que é a exploração da força de trabalho,
porque o rendimento que se espera obter não necessariamente está referenciado num capital.
Portanto, não se define através de uma relação com a produção de mais-valia (que no capital
portador de juros é a cessão do valor de uso do capital para um capitalista funcionante).
Isso significa que no capital fictício, a relação produção/apropriação aparece invertida.
Enquanto na forma capital portador de juros a posse do capital dá o direito ao seu possuidor
de receber juros, isto é, “dá ao seu proprietário o poder de atrair para si o juro, certa parte do
lucro produzido pelo seu capital”. (MARX, L. III, Vol. IV, 1988, p. 242), no capital fictício a
produção é imputada a partir da capitalização do rendimento, ou seja, toda receita recebida
regularmente é concebida como juros, a partir da qual é calculado o capital correspondente,
seja tal rendimento proveniente ou não de um capital. Desse modo, o desdobramento da
“forma do capital portador de juros faz que cada rendimento monetário apareça como juro de
um capital, quer provenha de um capital ou não”. (MARX, L. III, Vol. V, 1988, p. 04).
Como mencionamos anteriormente, o capital fictício está composto pelos títulos de
propriedade (dívida pública, ações, derivativos, títulos privados, bônus) que “representam de
fato apenas direitos acumulados [...] cujo valor monetário ou valor-capital ou não representa
capital algum [...] ou é regulado independentemente do valor capital real que representam”.
(MARX, L. III, Vol. V, 1988, p. 07). Daí o seu caráter especulativo, visto que a determinação
de seu preço de mercado pode diferir do seu valor nominal sem que tenha havido alterações
do valor do capital real que representa. “O valor de mercado desses papéis é em parte
especulativo, pois não é determinado apenas pela receita real, mas também pela esperada,
calculada por antecipação”. (MARX, L.III, Vol. V, 1988, p. 06).
Mesmo que o rendimento provenha de um capital, “o valor-capital desse título é
puramente ilusório”. (MARX, L. III, Vol. V, 1988, p. 05). As ações representam meramente
títulos de propriedade que dão direito sobre a mais-valia futura, e desde que possam ser

25
O capital portador de juros também é disfuncional a acumulação de capital, na medida em que não produz
mais-valia. Isso “redunda na redução da taxa média de lucro do sistema, pois uma mesma massa de mais-valia
terá que ser agora distribuída (apropriada) por uma massa de capital maior”. (CARCANHOLO, 2010, p. 06).
47

transferidos livremente tornam-se mercadorias cujo valor de mercado pode diferir do valor
nominal sem que tenha havido alterações do valor do capital real que representam. Portanto,
seu caráter fictício se dá porque,
[...] ele tem como base a participação de títulos de crédito em rendimentos
futuros, que podem nem se realizar, além do que o mesmo título pode ser
revendido inúmeras vezes, a partir da mesma taxa de juros, formando várias
propriedades (direitos de participação) com base em apenas um montante de
capital inicial, que pode nem completar o seu processo de circulação.
(CARCANHOLO, 2008, p. 269).

A acumulação do capital monetário nessa forma representa, portanto, apenas acúmulo


de direitos sobre a produção futura ou aumento do preço de mercado independente do capital
real, constituindo-se, assim, do ponto de vista da totalidade, em capital ilusório (embora do
ponto de vista da particularidade do indivíduo, ele exista como capital), haja vista que não
contribuiu para a produção direta de mais-valia. Não queremos dizer com isso que tal capital
não auxilia o processo de valorização, ao contrário, apresenta as mesmas funcionalidades e
disfuncionalidades do capital portador de juros.
A apropriação de mais-valia para essa modalidade de capital requer a disponibilidade
de ativos financeiros e a liberdade para intercambiar papéis. No contexto da globalização, isso
significou a conversão de diversos bens e serviços em ativos transacionáveis nos mercados
financeiros (a exemplo do mercado de commodities), imprimindo uma dimensão especulativa
à acumulação capitalista que se expressa na preferência das empresas pelas fusões, aquisições,
investimentos em reestruturação e racionalização.
De acordo com Serfati (1998), a preferência pela mudança de propriedade e pela
racionalização da produção não pode ser explicada somente pelo processo de centralização e
concentração do capital, característico das fases de intensa concorrência, já que:
[...] em vez de contribuir para uma retomada duradoura da acumulação de
capital produtivo, elas geralmente se traduzem por um fortalecimento da
“financeirização” do grupo. [...] o objetivo era colocar as mãos nas empresas
visadas, na medida em que estas eram ativos financeiros dos quais se
esperava que seus valores nominais inflassem em razão do clima de euforia
das bolsas. Dessa alta da cotação dos títulos, os grupos adquirentes
esperavam tanto vantajosas mais-valias, quando de sua revenda, como sua
avaliação sob a forma de mais-valia latente. (SERFATI, 1998, p. 178).
Conforme ressalta Fontes (2010, p. 36), “o fato de se denominar fictício, e de
constituir de fato um capital fictício (especulativo, promotor de ‘bolhas’), não significa que
não tenha implicações reais e dramáticas na vida social”. Uma delas é a interferência na
gestão das empresas através das agências de classificação de risco que atestam a
confiabilidade e segurança dos papéis transacionados nos mercados financeiros. Elaborando
48

um ranking entre os diversos títulos negociados, impõe-se uma lógica de permanente


reestruturação produtiva destinada a aumentar a extração de mais-valor.
A posse de ações pelos investidores institucionais leva a acentuar tal orientação, na
medida em que, para estes a “dimensão industrial dos grupos pouco importa; ela não passa de
direito de propriedade que eles [os fundos] se esforçam em valorizar o mais rápido possível”.
(SERFATI, 1998, p. 177).
A dinâmica do capital fictício também transformou os instrumentos de política
econômica em veículos de apropriação de mais-valor, incorporando os mercados cambiais e a
dívida pública nas suas estratégias de valorização. Embora essa dinâmica esteja presente na
economia mundial, existem diferenças entre as relações que o capital estabelece com a
periferia e o centro. Uma primeira se dá em razão da hierarquia entre as moedas que circulam
no sistema mundial, aquelas garantidas pelos países centrais funcionam como moedas de
curso internacional (dólar) ou regional (euro e iene), enquanto as moedas dos países
periféricos somente desempenham a propriedade de reserva de valor no âmbito nacional. Em
segundo lugar, pela confiabilidade e segurança dos ativos financeiros, a dívida pública dos
países centrais é preferida à dos países periféricos.
Isso se reflete numa relação ainda mais fluída e especulativa do capital com as nações
periféricas, o que agudiza a perda de autonomia das políticas macroeconômicas e a
reflexividade dos fluxos financeiros, tornando a “[...] a política econômica [...] dependente da
dinâmica financeira dos capitais internacionais e das políticas econômicas de outras nações,
principalmente centrais”. (CARCANHOLO, 2002, p. 36).
Dessas características se extraem as duas dimensões do aumento da dependência
financeira que gostaríamos de ressaltar. A primeira se refere à adaptação das economias
desses países (via abertura financeira) a oferecer um conjunto de ativos rentáveis, sejam eles
reais ou monetários, que possam alavancar a valorização do capital. Ou seja, aprofunda-se o
mecanismo de transferência de valor através da dívida, agora associada ao capital
especulativo.
Daí resulta a fragilização externa com o aumento da necessidade de atrair
financiamento externo para fechar o balanço de pagamentos que se traduz num aumento ainda
maior da dívida, perfazendo o ciclo vicioso do endividamento. A adoção do neoliberalismo
pelos Estados Nacionais26é, portanto, o elemento que explica o aprofundamento da

26
Cabe ressaltar que o sancionamento do Estado dessa riqueza especulativa é o que contribui para a grande
dimensão que tomou o aparato financeiro (as chamadas inovações financeiras) e a valorização fictícia. Isso
porque, a valorização fictícia se constitui em lucros financeiros não lastreados por lucros produtivos da
49

subordinação financeira dos países da região, que se expressa pelo aumento da fragilidade
financeira externa e do endividamento.
A importância desse mecanismo de transferência de valor é ressaltada por Amaral
(2012)27. Conforme a autora, no Brasil, “entre os anos de 1993 [...] e 2010, as despesas com
investimentos em carteira crescem 1980% enquanto que, no mesmo período, as despesas
derivadas de investimentos externos diretos crescem 787%”. (AMARAL, 2012, p. 124) 28.
Tais números são a expressão da importância que a dinâmica financeira tem hoje, segundo a
autora, para caracterizar a dependência.
A segunda característica da dependência financeira se refere à perda de autonomia na
gestão macroeconômica (políticas monetária e cambial). Na medida em que tornou as
economias mais reflexas à conjuntura internacional, se debilitou seus centros internos de
decisão com a transferência do poder de fixação de variáveis centrais na determinação da
trajetória econômica para os mercados.

1.4 Integração dependente e papel do Estado

Ao contrário de um processo resultante do aprimoramento da estrutura produtiva do


país, o IED brasileiro se realiza num contexto de destruição econômica que se caracteriza pelo
aumento da dependência externa nos âmbitos financeiro, produtivo e tecnológico e na
reprodução de um padrão de crescimento com base na degradação dos recursos ambientais do
país e no aumento das desigualdades sociais.
Este foi o resultado do processo de inserção do país na chamada globalização, isto é,
do projeto de maior integração ao imperialismo, reatualizando a lógica da burguesia brasileira

economia, mas podem se tornar rendimentos viabilizados monetariamente, por causa da intervenção das
autoridades monetárias. É a possibilidade do Banco Central atuar como emprestador de última instância,
fornecendo dinheiro ao sistema antevendo a possibilidade de desvalorização da riqueza fictícia que permite a
manutenção e a concretização dos ganhos virtuais. Isto é, na ausência de compradores dos títulos e ações
valorizadas indevidamente, o BC fornece dinheiro ao sistema para que os valores virtuais se transformem em
efetivos (BRAGA, 2000).
27
Amaral (2012) ressalta a importância da dependência financeira no período atual, na medida em que a
fragilidade externa e a vulnerabilidade que a economia brasileira apresenta têm causas estruturais, ou seja,
repousa sobre a desestruturação regressiva de sua economia.
28
A dinâmica financeira se referencia na dinâmica produtiva, inclusive, através da maior geração de rendas de
propriedade em função do crescente consumo “que o desenvolvimento tecnológico autônomo dos países centrais
vai impondo ao resto do planeta”. (AMARAL, 2012, p. 135). Acrescente, ainda, que “os processos produtivos
são conduzidos, há pelo menos três décadas, sob a pressão rentista e curtoprazista que é própria dessa lógica.
Será mero acaso a feição acelerada e efêmera do atual paradigma tecnológico-produtivo?”. (AMARAL, 2012, p.
136).
50

de promover a expansão capitalista interna via integração subordinada e dependente ao capital


internacional. Conforme ressalta Fernandes (2006), as ações das classes hegemônicas
estiveram prioritariamente voltadas à manutenção de seu controle sobre os outros extratos da
sociedade.
Como não possui o controle das condições técnicas e da evolução do progresso
científico aplicado à produção, a burguesia brasileira se empenha em ter um excessivo
controle sobre a força de trabalho, garantindo a extração de excedentes com a
superexploração da força de trabalho, diminuindo, assim, a permanente ameaça de
deslocamento/supressão por outros capitais 29. A manipulação das condições sociais, portanto,
permite a sobrevivência das burguesias dependentes, na medida em que criam “uma série de
mecanismos de transferência de renda que oferecem uma série de compensações que
neutralizam parcialmente os riscos de uma situação adversa”. (SAMPAIO JR., 1999, p. 138).
A burguesia brasileira
[...] teme perder o único “capital” realmente eficaz para enfrentar os
sobressaltos do desenvolvimento induzido de fora: a possibilidade quase
ilimitada de manipular as condições socioeconômicas internas a fim de
perpetuar a superexploração do trabalho e a dilapidação dos recursos
naturais do país [...]. (SAMPAIO JR., 1999, p. 147).

Sampaio Jr. (1999, p. 149) destaca ainda que, “a ameaça – real ou potencial – de uma
insurreição dos condenados do sistema obriga os donos do poder a passar por cima de suas
diferenças e a cerrar fileiras contra o inimigo comum: as classes subalternas.”. Diante de um
forte poder internacional capaz de alijá-la de seu espaço econômico e político dentro do
território nacional e de uma fraca base econômica e social que permita o enfrentamento das
pressões externas para a construção de um país autônomo, as classes dominantes adotam a
perspectiva de se vincular aos capitais internacionais. Isto é, abandonam o projeto de
construção nacional e se articulam com os interesses internacionais.
[...] a nação não chega a ser definida como objetivo central do
desenvolvimento capitalista, invariavelmente centrado, através das
mudanças mais ou menos profundas ocorridas em cada fase, sobre alvos

29
Apesar de ressaltar a necessidade de se contrapor aos mecanismos de transferência de renda para as economias
centrais, a abordagem de Fernandez difere da elabora por Marini. Para Fernandez (2006), a superexploração do
trabalho, ao promover uma renda extra, impede que as inovações vindas do centro provoquem a desestruturação
dos setores tradicionais da economia dependente, resultando numa conjuntura mercantil precária caracterizada
pela supressão da racionalidade econômica e da concorrência como mecanismo “de socialização dos ganhos de
produtividade que bloqueiam os processos responsáveis pela centralização dos capitais, no capitalismo
dependente a ordem econômica não pode ser considerada como motor endógeno do desenvolvimento”.
(SAMPAIO JR., 1999, p. 141). Por isso, dada à heterogeneidade estrutural dessas economias, não se pode
analisá-las somente a partir das determinações do ciclo do capital, sendo necessário analisar os mecanismos
extraeconômicos, como o controle político e social e como as diversas frações dominantes, conciliam seus
interesses visando a incorporação do progresso técnico em cada momento histórico.
51

coletivos particularistas, os quais preenchiam a função de fundir os desígnios


dos estamentos ou das classes dominantes com os fins econômicos e extra-
econômicos da dominação imperialista. (FERNANDES, 2006, p. 263).

Atualmente, a continuidade dessa estratégia significou retroceder em graus de


liberdade e, portanto, de relativa autonomia para promover a sua expansão quando
comparamos com aquela vigente no modelo de Substituição de Importações (SI). No final dos
anos de 1970, o controle estatal sobre setores importantes da produção conferia a sua classe
hegemônica um maior raio de manobra sobre a condução da economia. O entrave principal
para ampliação da acumulação de maneira menos dependente estava no setor de bens de
capital, que ainda assim conseguia responder por 30% da demanda interna 30.
Ocorre que a inserção na globalização nos anos de 1990 representou um brutal
enfraquecimento de sua base produtiva, isto é, “[...] a centralização do capital significou uma
nova onda de desnacionalização econômica que enfraqueceu ainda mais as já bastante frágeis
burguesias dependentes”. (SAMPAIO JR., 2010, p. 41). Agora não apenas é necessária a
importação de máquinas e equipamentos para levar adiante a expansão da produção, mas são
adquiridas no mercado internacional as matérias-primas e insumos necessários, cujo
suprimento interno total ou parcial o modelo de substituição de importações havia organizado.
Um exemplo desse aprofundamento da dependência produtiva pode ser explicitado
através do suprimento de adubos e fertilizantes – insumo essencial para o setor “mais
dinâmico” da economia brasileira, o agronegócio. O processo de privatização do setor de
fertilizantes resultou no domínio da Bunge sobre a produção desse insumo e a significativa
ampliação das importações. Conforme Secex (2014), em 2003, o Brasil comprou US$ 0,33
bilhão de adubos e fertilizantes. Em 2008, esse valor - para acompanhar a expansão do setor
no período - foi de US$ 2,1 bilhões.
A burguesia brasileira cedeu parte do controle sobre o processo de acumulação do
capital no território nacional em troca de promover a sua atualização tecnológica –
proporcionada pela associação com as transnacionais - e retomar o processo de acumulação
que ficou paralisado durante toda a década de 1980. Ao tempo em que solapou a força do
movimento sindical, promovendo o disciplinamento da força de trabalho às exigências de
lucratividade do capital em razão do aumento do desemprego.
Isso tem implicações significativas sobre o processo de internacionalização de
empresas brasileiras na América do Sul, porque significa diminuir o escopo no qual tais

30
Um dos objetivos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) era a expansão dessa proporção para 48%.
Para maiores detalhes, ver Lessa (1998).
52

grupos podem se mover, tanto em termos de setores produtivos como em termos de


autonomia política para traçar as suas estratégias de expansão que - apesar de ocorrer nos
marcos gerais da lógica de expansão do capital - podem ser, às vezes, contrárias aos interesses
das potências hegemônicas.
Ressaltar a perda de autonomia é importante porque levar adiante a estratégia de
integrar o sistema econômico nacional ao sistema mundial de forma subordinada não significa
a eliminação do conflito de interesses entre capital externo e burguesia brasileira. Nesse
sentido, o Estado cumpre o papel de mediar os interesses externos e as mudanças propostas
pelos centros capitalistas que serão incorporadas à economia nacional (FERNANDEZ, 2006).
Além disso, tem o papel de contribuir para que as classes hegemônicas tirem o máximo
proveito da estratégia adotada. Portanto, a política do Estado no período, dentre as quais está
o apoio à internacionalização via IED, se insere na lógica dessa instituição de criar as
condições favoráveis à expansão máxima do bloco histórico hegemônico (GRAMSCI, 2002).
Um bloco histórico é uma composição política de determinadas forças da sociedade
num dado momento histórico. Representa uma relação de forças na qual existe um poder que
exerce a hegemonia na sociedade, sendo formado pelo vínculo orgânico entre a estrutura
econômica — com suas respectivas classes sociais — e a superestrutura (GRAMSCI, 2002).
Desse modo, um bloco histórico não é uma simples aliança política, mas um poder com
capacidade de dar “uma expressão centralizada a suas aspirações e necessidades”.
(GRAMSCI, 1966, apud PORTELLI, 2002, p. 163), e que por isso mantém a direção política,
intelectual e moral da sociedade civil.
Com isso, os conceitos de bloco histórico e hegemonia se entrelaçam. Isto é, o
processo de construção da hegemonia de uma classe fundamental economicamente é também
a construção de um bloco histórico composto pelos grupos sociais cujos interesses não são
antagônicos à classe dirigente e que aceitam a sua direção moral e intelectual.
O bloco histórico, portanto, é formado pelas classes e/ou movimentos cujos anseios se
referem a algumas reformas. Possui o objetivo de promover o máximo desenvolvimento
político, econômico e social dos grupos associados, em especial, da classe que é
economicamente fundamental, mantendo sua capacidade dirigente.
53

A hegemonia, entretanto, não se constrói apenas a partir do consenso que determinado


grupo social pode criar a partir da sociedade civil. Segundo Gramsci (2002, p. 62), “a
supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio’ e como ‘direção
intelectual e moral’”. A hegemonia é, portanto, uma combinação de força31 e consenso.
Ressaltar o caráter do Estado enquanto uma instituição destinada a permitir a máxima
expansão do grupo hegemônico não significa dizer que ele esteja livre da luta de classes. Ao
contrário, “o Estado é constituído-atravessado em toda a parte pelas contradições de classe”.
(POULANTZAS, 2000, p. 23). O Estado, portanto, além de ter uma hegemonia de classes
representa uma correlação de forças dentro da qual pode estar presente, mesmo de forma
desigual a contra-hegemonia (ALMEIDA, 2003 e 2004).
Desse modo, a política do Estado expressa uma correlação de forças entre as frações
do bloco de poder e a relação de forças entre estas e as classes dominadas. É, portanto, a
síntese: i) da luta dentro dos diversos ramos e aparelhos do Estado para acomodar os
interesses entre as frações do capital que compõem o bloco de poder; ii) da tentativa de
estender a hegemonia a uma parte das classes dominadas desorganizando a ação dos
trabalhadores; iii) do peso que a contra-hegemonia consegue ter no aparelho de Estado,
implementando sua política; e iv) da utilização da força e violência física com outras frações
dos grupos subalternos (POULANTZAS, 2000).
Na atual correlação de forças da sociedade brasileira, a inserção na globalização reflete
a preponderância dos interesses “dos investidores internacionais e dos bancos e fundos de
investimentos nacionais, articulando e subordinando os interesses das demais frações
burguesas aos interesses das finanças” (BOITO JR., 2004, p. 272), de modo que as principais
políticas do Estado ancoradas no ideário neoliberal refletem o enfraquecimento das forças
contra-hegemônicas e a supremacia dos setores ligados à acumulação fictícia.
Apesar dessa preponderância, o processo de construção do bloco histórico e da
hegemonia da classe dirigente pressupõe que o grupo dominante coordene seus interesses com
os grupos subordinados, realizando inclusive concessões, desde que estas não se refiram ao

31
A força é utilizada para as classes cujo projeto político e interesses orgânicos são antagônicos à classe
hegemônica, isto é, “um grupo social domina os grupos adversários, que visa “liquidar” ou a submeter inclusive
com a força armada.” (GRAMSCI, 2002, p. 62). Desse modo, um bloco histórico deve se organizar no sentido de
imprimir uma ação punitiva a todos aqueles que podem pôr em risco a hegemonia da classe dirigente. Cabe
ressaltar que nem sempre a utilização da força e de métodos violentos é o único meio de neutralizar ou
subordinar os grupos sociais antagônicos à classe dirigente. A direção política também faz parte do processo de
dominação, através do que Gramsci chamou de transformsimo, ou seja, “a absorção das elites dos grupos
inimigos [o que] leva à decapitação destes e a aniquilação por um período freqüentemente muito longo”.
(GRAMSCI, 2002, p. 63). Em outras palavras, o transformismo se expressa pela cooptação dos intelectuais das
classes antagônicas, fazendo com que estes abandonem o projeto das classes subalternas, aderindo a concepção
de mundo do grupo dirigente.
54

essencial. Sendo assim, a classe hegemônica não abre mão de seu controle sobre o núcleo
decisivo da atividade econômica. Nas palavras de Gramsci (2002, p. 48):
O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em
conta interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será
exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o
grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas
também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem
envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode
deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na
função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade
econômica.

Nesse sentido, a readequação de algumas políticas públicas no governo Lula, ao


mesmo tempo em que contribuiu para o reforço da fração hegemônica - permitindo a esta
continuar sua estratégia de vinculação aos mercados financeiros mundiais - incorporou os
interesses e reivindicações de alguns setores das classes dominantes que adotaram a sua
estratégia de expansão através da ampliação de sua inserção no mercado externo.
Sem alterar substancialmente a política macroeconômica de metas de inflação e juros
altos que sustenta a acumulação fictícia com a dívida pública, o governo mobiliza outros
instrumentos, tais como suas representações diplomáticas - que passam a acumular a função
de busca de mercados para as exportações e para investimentos das empresas brasileiras – e o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que através da sua
política de concessão de financiamentos auxilia a internacionalização de empresas brasileiras.
O novo arranjo do bloco de poder possibilitou uma integração mais ativa da
grande burguesia interna à política hegemônica do capital financeiro,
visando, através do crescimento das exportações, obter os dólares e a receita
necessários para remunerar o capital financeiro nacional e internacional.
Peça importante dessa operação é a política externa que o Estado brasileiro
vem implementando nos últimos anos [...]. (BOITO JR., 2004, p. 272).

Note que nessa readequação da política estatal nos anos 2000, não se questiona o
projeto de vinculação com o capital internacional, ao contrário, a perspectiva é transformar o
espaço nacional em base de operação para o capital internacional. Através da concessão de
facilidades creditícias e financeiras e de ampla liberdade de acesso aos recursos naturais do
país, espera-se interferir e reverter a estratégia de suprimentos das empresas transnacionais, de
modo que o Brasil passe a desempenhar funções na cadeia produtiva dessas empresas que
impliquem na produção de bens de maior valor agregado. Isto é, valorizar a
[...] participação das filiais brasileiras nas das redes mundiais de
fornecimento, o que implica na melhora das vantagens de localização da
economia brasileira, através de uma política de atração de investimento
direto estrangeiro articulada com políticas setoriais industriais, de ciência e
tecnologia e de comércio exterior, que busquem aumentar os impactos
55

positivos da atuação dessas empresas sobre os fluxos de comércio e sobre os


spillovers gerados para o restante da economia. (COUTINHO, 2003, p. 20-
21).

Por fim, gostaríamos de ressaltar que os instrumentos dos quais o Estado brasileiro
atualmente dispõe para promover a expansão dos capitais sediados no seu espaço nacional
foram reduzidos, devido às privatizações e a perda de autonomia da política macroeconômica.
Embora não atue diretamente na produção material, os subsídios e aportes ao setor privado
são realizados através de política de incentivos fiscais e creditícios, redução tributária e
reformas legislativas que retiram os entraves à expansão do capital.
Acrescente-se, ainda, a desarticulação dos movimentos sociais, seja através da
cooptação de lideranças e do transformismo de seus principais intelectuais orgânicos ou da
utilização do aparelho jurídico e legal no sentido de limitar e interferir na ação do bloco
contra-hegemônico.
Tais condutas expressam a nova configuração que o Estado no período neoliberal
adquire, um Estado que embora afastado da produção direta possui a tarefa de “implementar
todas as reformas estruturais [...] garantindo o funcionamento livre do mercado, e controlar
até autoritariamente, se preciso for, os conflitos daí resultantes”. (CARCANHOLO, 2002, p.
14). Isso significa que a construção do Estado mínimo neoliberal afastado de funções
econômicas e sociais pressupõe um Estado forte, capaz de reformar a sociedade, adequando-a
a lógica de valorização do capital através da submissão de todas as instâncias sociais e
políticas (CARCANHOLO, 2002), reforçando o poder de decisão dos mercados em
detrimento dos mecanismos coletivos de definição dos rumos da economia e da política na
sociedade.

1.5 As assimetrias da América do Sul e o Investimento Externo Direto


brasileiro

As características da dependência que analisamos anteriormente não se restringem


apenas a economia brasileira, mas abarca os demais países da América do Sul. Apesar disso,
não podemos considerar essa uma região economicamente homogênea. Ao contrário, o
processo de inserção internacional e associação ao imperialismo resulta numa hierarquização -
dada as diferenças de formações socioeconômicas - entre as nações periféricas, dotando-as de
diferentes níveis de diversificação produtiva e instrumentos dos quais podem dispor para
promover a expansão do capital.
56

Essa diferença de capacidade produtiva entre as economias da região coloca para o


processo de integração o risco de aumentar as assimetrias intrarregionais e, portanto, explicita
a necessidade de considerar que as relações periferia-periferia são capazes de engendrar uma
divisão do trabalho que resulte na regressão produtiva de algumas nações pertencentes ao
bloco.
Aqui relacionamos dois elementos que contribuem para explicar tais diferenças: i) o
grau de avanço do processo de industrialização por substituição de importações conduzido
pelas burguesias e pelos Estados Nacionais em cada país; e ii) no período recente, o ritmo e
intensidade em que as classes hegemônicas das diferentes nações sul-americanas se inseriram
na globalização.
No que se refere ao primeiro elemento, Bambirra (2013) propõe uma tipologia
diferenciando os resultados em termos de avanço no processo de industrialização que as
economias da América Latina conseguiram alcançar, em razão das suas condições internas.
Aquelas em que houve uma maior extensão do assalariamento “que, progressivamente,
chegam a ser predominantes em setores-chave da economia primário-exportadora”
(BAMBIRRA, 2013, p. 65), conformaram um maior mercado interno que permitiu a expansão
da industrialização no período das duas guerras mundiais e da crise de 1929 32.
Após a segunda guerra mundial, através do modelo de substituição de importações
contando com o apoio do Estado e com a participação dos capitais estrangeiros, algumas
destas frações das burguesias latino-americanas (especialmente na Argentina, Brasil e
México) levaram adiante o processo de industrialização. Ainda que obrigadas a ceder os
principais e mais dinâmicos setores da indústria para os capitais estrangeiros, a guerra fria
permitiu a essas burguesias impor algumas condicionalidades, tais como barreiras tarifárias,
reservas de mercado em alguns setores, tratamento diferenciado entre capital nacional e
estrangeiro.
A esta configuração da estrutura industrial mais completa em alguns países do que em
outros, devemos contrapor o processo de reversão dessa industrialização no final dos anos de
1970, com a adoção do neoliberalismo. Nos países onde as burguesas adotaram mais
prematuramente e radicalmente as experiências neoliberais, houve um processo mais intenso
de desestruturação produtiva nos anos de 1980 e 1990. A título de ilustração, enquanto o
regime militar brasileiro lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), em 1974, a

32
Argentina, México, Brasil, Chile, Uruguai e Colômbia.
57

política econômica do governo militar argentino, influenciada pelos setores exportadores do


país em 1976,
[…] alteró drásticamente el proceso de industrialización, no sólo porque
detuvo abruptamente el crecimiento industrial sino porque también modificó
profundamente las condiciones estructurales del sector y el comportamiento
de las firmas líderes en dicha actividad. La apertura económica impulsa un
acentuado proceso de "desindustrialización" y reestructuración
manufacturera, que alteró el tipo de industrialización y el patrón de
acumulación de capital vigente hasta ese momento. (CTA, 2005, p. 03)33.

No caso do Brasil, a política governamental do final dos anos de 1970 protegeu por
mais tempo o sistema produtivo do país da concorrência internacional e, com isso, preservou
por mais tempo a estrutura produtiva do país34. Do mesmo modo, as divergências em torno do
alcance da abertura comercial e financeira entre as classes dominantes, como veremos no
Capítulo 2, retardaram a entrada do país na globalização,
[...] reduzindo o ritmo da neoliberalização brasileira comparado aos demais
países da América Latina, ou, em outros termos, mais controlado pelo
contraditório jogo entre instâncias do grande capital de origem brasileira,
que via no processo, também, uma possibilidade de alçar-se, ainda que de
maneira dependente, ao novo patamar internacional de concentração.
(FONTES, 2010, p. 333).

Desse modo, a economia brasileira além de ter avançado no processo de


industrialização mais do que outros países da região, também preservou uma estrutura
produtiva relativamente diversificada, o que lhe confere uma maior capacidade para promover
a expansão territorial da produção sediada em seu espaço nacional vis-à-vis às outras
economias da América do Sul35. Ainda que o país não domine os requisitos tecnológicos da
produção dos bens e serviços que estão na fronteira da acumulação do capital, a produção
brasileira, mesmo após a reestruturação produtiva regressiva dos anos de 1990, apresenta um

33
A plena conversibilidade adotada pela Argentina contrasta com uma sistemática mais limitada de ancoragem
ao dólar no plano de estabilização brasileiro. Isso, também, contribuiu para a maior desestruturação do tecido
produtivo Argentino vis-à-vis aquele experimentado pelo Brasil. Para maiores detalhes sobre a trajetória da
economia Argentina desde os anos de 1980, ver Azpiazu (1996) e Basualdo (2010). Para elementos que
caracterizam o processo de desindustrialização do Chile e do México, ver Cano (2010).
34
Não é possível fazer um apanhado, ainda que breve, das condições sociais e políticas desses países que permita
uma caracterização da ação das frações dominantes nacionais. Somente queremos ressaltar que as mudanças
irradiadas dos centros capitalistas terão reflexos diferenciados sobre a estrutura produtiva dos países dependentes
e que tais diferenças estão associadas à formação histórica e social dessas nações.
35
Conforme mencionamos anteriormente, o papel do Estado tem sido central na condução da expansão
internacional da produção. A mobilização instrumentos financeiros como o Banco do Brasil e o BNDES e,
recentemente, a expansão de embaixadas e escritórios de representações diplomáticas fazem parte desse aparato
institucional que permite ao Estado brasileiro dar racionalidade e organizar a internacionalização produtiva via
IED.
58

grau de complexidade e um nível de especialização que é superior ao verificado nos outros


países da América do Sul.
O maior tamanho e diversidade setorial de economia brasileira e a possibilidade de
mobilizar recursos financeiros para os capitais a coloca numa posição privilegiada em relação
aos outros países da região. Essa assimetria pode ser observada através da relação comercial
entre o Brasil e os países da América do Sul.
A Tabela 2 mostra que houve a diminuição da proporção das exportações brasileiras
destinadas ao Mercosul entre 2000 (14,0%) e 2010 (11,2%). O mesmo comportamento pode
ser verificado para as importações. Considerando os nove países selecionados, as exportações
brasileiras diminuíram de 20,1% para 18,5% no mesmo período, enquanto para as
importações, os percentuais foram 19,5% em 2000 e 14,3% em 2010. A maior queda na
participação relativa da América do Sul nas importações brasileiras mostra que a região é
mais importante como mercado de exportação para o Brasil.
Os países que compõem esse bloco não acompanharam o crescimento dos montantes
envolvidos no comércio exterior brasileiro. Enquanto ao longo dos anos 2000 houve um
aumento de 266,3% das exportações brasileiras, para o Mercosul o crescimento foi de apenas
192,0% (Tabela 2). Certamente, o aumento das relações comerciais com a China resultou
numa perda relativa da região nas exportações brasileiras.
No que se refere às importações, enquanto houve um crescimento de 225,5% no
montante importado pelo Brasil, os bens adquiridos nos países do Mercosul aumentaram em
apenas 113,2%. Analisando os outros países selecionados, apenas Colômbia e Chile
apresentaram um aumento na participação das importações realizadas pelo país.
Os dados refletem a pouca diversificação dessas economias e o baixo conteúdo
agregado de seus produtos. Desse modo, dada a maior complexidade produtiva, o Brasil supre
a demanda de produtos de maior conteúdo tecnológico de países de fora da região,
dificultando a consecução de uma maior integração via comércio exterior. As informações
sobre o valor agregado confirmam essa dinâmica, uma vez que, em 2013, enquanto o Brasil
exportava 14,4% de produtos básicos e 82,7% de produtos manufaturados, importava da
América do Sul, respectivamente, 31,2% e 59,9% (SECEX, 2014).
59

Tabela 2 - Participação do Mercosul, Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile, Bolívia,


Equador, Peru e Colômbia no Comércio Exterior brasileiro: 1990, 2000-2010
Brasil (US$
Mercosul Argentina Paraguai Uruguai Venezuela Chile Bolívia Equador Peru Colômbia
Ano milhões F.O.B.)
Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp Exp Imp
1990 31.414 20.661 4,2 11,2 2,1 6,8 1,2 1,6 0,9 2,8 0,8 1,8 1,5 2,4 0,6 0,2 0,4 0,0 0,5 0,7 0,5 0,1
2000 55.119 55.851 14,0 14,0 11,3 12,3 1,5 0,6 1,2 1,1 1,4 2,4 2,3 1,7 0,7 0,3 0,2 0,0 0,6 0,4 0,9 0,7
2001 58.287 55.602 10,9 12,6 8,6 11,2 1,2 0,5 1,1 0,9 1,9 1,3 2,3 1,5 0,6 0,5 0,4 0,0 0,5 0,4 1 0,3
2002 60.439 47.243 5,5 11,9 3,9 10,0 0,9 0,8 0,7 1,0 1,3 1,3 2,4 1,4 0,7 0,8 0,6 0,0 0,7 0,5 1,1 0,2
2003 73.203 48.326 7,8 11,8 6,2 9,7 1,0 1,0 0,6 1,1 0,8 0,6 2,6 1,7 0,5 1,1 0,5 0,0 0,7 0,5 1 0,2
2004 96.677 62.836 9,2 10,2 7,6 8,9 0,9 0,5 0,7 0,8 1,5 0,3 2,6 2,2 0,6 1,1 0,5 0,1 0,7 0,6 1,1 0,2
2005 118.529 73.600 9,9 9,6 8,4 8,5 0,8 0,4 0,7 0,7 1,9 0,4 3,1 2,4 0,5 1,3 0,6 0,1 0,8 0,6 1,2 0,2
2006 137.807 91.351 10,1 9,8 8,5 8,8 0,9 0,3 0,7 0,7 2,6 0,7 2,8 3,1 0,5 1,6 0,6 0,0 1,1 0,9 1,6 0,3
2007 160.649 120.617 10,8 9,6 9,0 8,6 1,0 0,4 0,8 0,7 2,9 0,3 2,7 2,9 0,5 1,3 0,4 0,0 1,0 0,8 1,5 0,4
2008 197.942 172.985 11,0 8,6 8,9 7,7 1,3 0,4 0,8 0,6 2,6 0,3 2,4 2,3 0,6 1,7 0,4 0,0 1,2 0,6 1,2 0,5
2009 152.995 127.722 10,3 10,3 8,4 8,8 1,1 0,5 0,9 1,0 2,4 0,5 1,7 2,1 0,6 1,3 0,4 0,0 1,0 0,4 1,2 0,4
2010 201.915 181.759 11,2 9,1 9,2 7,9 1,3 0,3 0,8 0,9 1,9 0,5 2,1 2,3 0,6 1,2 0,5 0,0 1,0 0,5 1,1 0,6
%Var.
2000-2010 266,3 225,5 192,0 113,2
%Var.
2003-2010 175,8 276,1 297,6 192,3
Fonte: S ECEX/MIDC

Portanto, do ponto de vista do perfil tecnológico, as características das importações


brasileiras refletem uma divisão do trabalho interna a região na qual o Brasil “se especializou
na exportação de produtos com maior conteúdo tecnológico para a América Latina e Caribe
[...] enquanto esta se especializou na exportação de produtos primários e baseados em
recursos naturais para a economia brasileira”. (CARCANHOLO, 2010, p. 35). Isso permite ao
Brasil
[...] replicar o mecanismo de troca desigual [...] junto a seus parceiros
comerciais, que apresentam menores produtividades dentro dos mesmos
setores de produção e/ou na comparação entre os setores que predominam
nas estruturas de comércio exterior entre essas economias.
(CARCANHOLO; SALUDJIAN, 2012, p. 21).

Tomando como base as transferências de valor entre as economias, poderíamos falar de


graus diferenciados de dependência, onde num extremo estariam aqueles países que somente
se apropriam de valor e no extremo oposto as nações que somente transferem valor. Portanto,
o perfil do comércio exterior reflete essa assimetria entre o Brasil e a América do Sul que
pode ter sido consolidada e/ou aprofundada pelo padrão de integração produtiva impulsionado
pelo IED brasileiro nesses países.
Em síntese, ao longo do capítulo procuramos explicitar os elementos que caracterizam
a dependência e a partir dos quais examinamos os resultados do processo de integração do
Brasil com os países da América do Sul. Portanto, na análise do IED brasileiro e da IIRSA
60

procuramos caracterizar o padrão de organização da produção, a existência de transferências


de valor e a forma de gestão da força de trabalho, identificando, assim, possíveis
contribuições para a diminuição da dependência e a consecução de uma integração produtiva
não assimétrica. Além disso, caracteriza-se o papel que o Estado brasileiro vem
desempenhando na condução da política de integração.
A posição do Brasil na divisão internacional do trabalho, as transferências de valor e a
superexploração da força de trabalho são os condicionantes externos da dependência e que
derivam da inserção do país na economia internacional. No capítulo seguinte analisamos os
condicionantes internos da dependência.
61

CAPÍTULO 2 - AS POLÍTICAS DO GOVERNO LULA E A


INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS

2.1 Antecedentes do modelo econômico do governo Lula: a opção política


pelo neoliberalismo e pela inserção internacional dependente

Analisar o papel da integração produtiva com a América do Sul na consolidação ou


não das características estruturais da economia brasileira requer, também, analisar como tal
movimento se articula com a lógica de acumulação interna do capital a partir dos resultados
da inserção do país na globalização. Nesse aspecto, cabe ressaltar que, dentre os maiores
países da América Latina, o Brasil foi o último a adotar as medidas de liberalização comercial
e financeira, se inserindo na globalização. Tal adesão ocorreu de forma completa com a
adoção do Plano Real, embora no governo Collor o caráter liberal das reformas já se
anunciasse.
Conforme Filgueiras (2006), a demora da adoção do modelo neoliberal no país
decorreu, por um lado, da forte mobilização social nos anos de 198036 e, por outro, da
dificuldade de ajustar os interesses de todas as frações dominantes do capital, visto que alguns
setores ainda apostavam na reciclagem do modelo de Substituição de Importações (SI). Para
estes, seria possível retomar o processo de industrialização através da reforma no sistema
financeiro, ampliando a disponibilidade de crédito para a produção; do exercício de um maior
controle sobre as estatais e da adoção de uma política industrial voltada ao estímulo de setores
tecnológicos (FILGUEIRAS, 2006).
Além disso, diversos setores econômicos se opuseram a algumas das medidas de
caráter neoliberal em função dos prejuízos econômicos com a sua implementação. Por conta
disso, segundo Fontes (2010, p. 333):
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e a
Confederação Nacional da Indústria (CNI) expressavam reticências quanto a
uma abertura total e incondicional da economia ao capital estrangeiro, pelo
risco da conversão dos industriais em importadores de similares estrangeiros.
Os bancos nacionais eram favoráveis às privatizações, mas contrários à
abertura do sistema financeiro nacional a novos bancos estrangeiros, e
contaram com ativa atuação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban),
pressionando pela proibição de capital estrangeiro novo no setor. Os grandes

36
Uma das expressões da mobilização popular e da negação do (neo)liberalismo como alternativa para a
sociedade brasileira está na constituição de 1988, que consagra alguns direitos sociais, vinculando, inclusive,
partes do orçamento público para a realização de políticas públicas no sentido da universalização da educação,
saúde e previdência social.
62

proprietários fundiários apoiavam a maior parte do programa neoliberal,


porém procuravam preservar os subsídios públicos à grande propriedade.

A dificuldade da burguesia em estabelecer uma clara hegemonia na sociedade


brasileira com a subordinação dos trabalhadores a um projeto de expansão do capitalismo
brasileiro nos anos 80, empurrou as diversas frações do capital para o neoliberalismo, ainda
que com entusiasmo e convicções diferentes em relação ao novo projeto.
Essa opção deve ser entendida considerando a importância que o domínio sobre a
força de trabalho tem para o capitalismo brasileiro. Como assinalamos no Capítulo 1, a
valorização no capitalismo dependente está assentada na superexploração da força de
trabalho. Qualquer rearranjo político-institucional que ponha em risco essa condição é
fortemente rechaçado pela burguesia brasileira, já que isso compromete sua lucratividade.
Certamente, dentre os elementos que ameaçavam o controle das classes dominantes sobre o
processo produtivo estava a intensa disputa política com os trabalhadores, que culminou com
a quase vitória de Lula, em 1989, com um projeto que, dentre outros elementos, propunha
reforma agrária e uma distribuição de renda mais ampla dentro da sociedade brasileira.
Além disso, a perspectiva de impor limites aos direitos trabalhistas através da
flexibilização da legislação e da desregulamentação do mercado de trabalho se constituíram
num poderoso atrativo para as classes dominantes do país, haja vista a já mencionada
necessidade estrutural da superexploração do trabalho. De modo que “um elemento geral e
permanente da política neoliberal que atende ao interesse do conjunto da burguesia e do
imperialismo é a política de desregulamentação do mercado de trabalho, de redução de
salários e de redução ou supressão de gastos e direitos sociais”. (BOITO JR., 2004, p. 272-
273).
Ressalte-se, ainda, que as políticas neoliberais oferecem novas frentes de expansão do
capital através da apropriação do patrimônio estatal via privatizações37 e da
desregulamentação dos chamados serviços públicos e sociais (saneamento, educação, saúde,
previdência social).
No caso dos grandes capitais internacionais, a pressão pela implantação do
neoliberalismo no Brasil, através da abertura comercial e financeira da economia, representou
a busca de novas frentes de valorização, tanto na esfera produtiva (como capital funcionante)
quanto financeira, mediante a lógica de valorização especulativa do capital fictício. O rápido

37
A quase totalidade das empresas estatais foi a leilão, contando com favorecimentos de todo tipo – subestimação
do valor das empresas, possibilidade de utilização das chamadas moedas podres, financiamento subsidiado pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), informações privilegiadas, preferência e
ajuda das autoridades governamentais, etc. (BOITO JR., 2004, p. 242).
63

crescimento do montante de capital monetário necessitando de aplicações rentáveis vis-à-vis a


relativa saturação dos mercados centrais no início dos anos de 1990, responde pela
reincorporação dos países periféricos aos fluxos de capitais internacionais. Desse modo,
confirmando a condição de país periférico, o gerenciamento e readequação de sua economia
através das políticas de desregulamentação correspondem a uma necessidade estrutural do
capital mundial sobrante, que em busca de novas aplicações e da diversificação dos seus
portfólios, migraram para a América Latina.
Além das dinâmicas empresariais que transformaram os ganhos patrimoniais com
títulos e ações em importante fonte de rentabilidade, a administração dos fundos de pensão e
dos fundos de investimento por critérios de mercado e associados a ganhos de capital de curto
prazo, também, impulsiona a lógica financeira da economia mundial 38. Nesse caso, dada as
elevadas somas de recursos que manejam “bem como do acesso privilegiado ao crédito,
tornam-se o lócus por excelência do processo de controle e centralização de capital. A sua
ação condiciona a direção e intensidade do processo de acumulação financeira, ou seja, a
morfologia e intensidade da valorização fictícia”. (CARNEIRO, 2010, p. 44-45).
Contribuíram, também, para a reincorporação da América Latina, e do Brasil em
particular, aos fluxos de capitais internacionais, os fatores cíclicos da economia internacional,
como a “deflação de riqueza mobiliária e imobiliária observada já no final de 1989, nos
mercados globalizados” (BELLUZZO; COUTINHO, 1996, p. 140), resultando na “queda de
nível de atividades e rendimentos nos países centrais a partir do início dos anos 90”.
(CARNEIRO, 2002, p. 244).
Acrescente-se, ainda, como fator de atração dos fluxos de capitais a realização, nesses
países, de “programas de estabilização com as normas dos mercados financeiros
liberalizados” (BELLUZZO; COUTINHO, 1996, p. 141), que inclui a abertura comercial e
financeira da economia, a manutenção de elevadas taxas de juros que garantem elevados
rendimentos ao capital ingressante e a criação de diversos ativos passíveis de investimentos,
tais como:
[...] títulos da dívida pública, em geral curtos e de elevada liquidez; ações de
empresas em processo de privatização; bônus e papéis comerciais de
empresas e bancos de boas reputação; e posteriormente, ações depreciadas
de empresas privadas, especialmente daquelas mais afetadas pela abertura
econômica e pela valorização cambial. (BELLUZZO; COUTINHO, 1996, p.
141).

38
Conforme Chesnais (1996), os fundos mútuos e os fundos de pensão são os principais grupos interessados e
beneficiados pelo processo de abertura financeira.
64

Às necessidades de valorização do capital internacional, somaram-se as instituições


financeiras domésticas ávidas, também, para aumentar a sua rentabilidade se inserindo em
novos mercados, especialmente os paraísos fiscais, lucrando com as chamadas inovações
financeiras e diversificando suas receitas 39. Como ressalta Pinto (2010), embora a integração
da economia brasileira à economia internacional seja um projeto originalmente gestado no
âmbito das grandes praças financeiras internacionais, ele não teria sido implantado sem a
opção de parte das classes dominantes brasileiras de se inserirem, ainda que de modo
completamente subordinado, à nova lógica de expansão capitalista.
Apesar dos atritos que o modelo neoliberal implantado no primeiro governo de FHC
gerou entre as classes dominantes do país, em especial pela divergência quanto da abertura
financeira e a sobrevalorização cambial que afeta de maneira mais prejudicial os setores
exportadores e a indústria de transformação (FILGUEIRAS, 2006), a política de liberalização
comercial e financeira com manutenção do câmbio sobrevalorizado, taxas de juros elevadas e
ajuste fiscal do setor público foi implantada, expressando os interesses do capital
internacional e do grande capital bancário nacional (BOITO JR., 2004).
Ainda de acordo com Filgueiras (2006), a crise cambial de 1999, com a desvalorização
do real, resultou na redução dos atritos entre as frações de classe, haja vista que duas das
reivindicações dos setores mais afetados pela abertura – melhores condições para exportar e
para concorrer com produtos importados – puderam ser atendidas. O impulso ao setor
exportador – dada a desvalorização cambial - permitiu, também, contornar um dos problemas
estruturais do modelo, que é a dificuldade de geração de divisas necessárias para remunerar os
capitais aplicados no território nacional. O aumento do saldo exportador minimiza, ainda que
temporalmente, o estrangulamento externo da economia brasileira. Ou seja, a desvalorização
cambial:
[...] possibilitou uma soldagem mais orgânica do bloco dominante, com a
incorporação mais efetiva dos grandes e médios capitais, industrial e agrário,
ao circuito da acumulação financeira, através da função essencial de
provedores de divisas – condição fundamental para garantir a remuneração
do capital financeiro nacional e internacional e minimizar os impactos das
recorrentes crises financeiras e cambiais, quando então se explicita e reitera-
se o estrangulamento externo. (FILGUEIRAS, 2006, p. 194).

Ainda que a taxa de juros seja eventualmente uma fonte de atrito no bloco de poder, os
grupos não financeiros não são completamente antagônicos a essa política monetária, pois
também lucram aplicando nos títulos da dívida pública. Assim como na dinâmica especulativa

39
Para maiores detalhes sobre as diferentes estratégias dos grupos privados nacionais a partir dos anos de 1980,
ver Pinto (2010).
65

internacional, no Brasil, a dívida pública se tornou a principal fonte de rendimento,


especialmente em função da menor diversificação do mercado financeiro do país quando
comparado com os países desenvolvidos. O esgotamento dos processos de privatização e
venda de empresas privadas coloca a dívida pública estatal como ativo central da
rentabilidade financeira das diversas frações do capital nacional e estrangeiro. A característica
de ser um ativo altamente rentável e com menor risco torna os títulos do governo modalidades
de aplicações preferidas pelos capitais especulativos. Portanto,
[...] todos os grupos econômicos e as frações do capital [estão], hoje,
financeirizados – no sentido de estarem subordinados à lógica financeira e
aplicarem seus excedentes no mercado financeiro, em particular nos títulos
da dívida pública [...]. Assim, apesar da maioria dos grandes grupos
econômicos, no Brasil, não estar ligada, organicamente, ao capital financeiro
– através de um banco ou outro tipo de instituição financeira de propriedade
do grupo – esses grupos também se beneficiam da especulação e do
financiamento da dívida pública, ganhando também com as elevadas taxas
de juros. (FILGUEIRAS, 2006, p. 186) 40.

Os elevados juros somente começam a se tornar um problema para os setores


exportadores (agropecuária e a indústria de commodities) quando isso significa uma
valorização cambial que põe em risco a sua inserção externa. Isso porque, as grandes
empresas brasileiras possuem acesso aos mercados de capitais internacionais, através dos
quais conseguem financiamento com menores custos.
Ressalte-se que isso não significou a superação das divergências entre as classes
dominantes brasileiras, pois a indústria continuou perdendo espaço na estrutura produtiva do
país, em função, segundo os empresários do setor, de “uma política econômica na qual a
indústria continuaria a ocupar um lugar de segunda ou terceira ordem”. (BIANCHI, 2010, p.
257). Ainda assim, não havia um questionamento ao projeto neoliberal, apenas a elementos da
política macroeconômica, em especial, as elevadas taxas de juros.

2.2 A centralidade do modelo Liberal Periférico no governo Lula

A convergência entre as frações de classes que compõem o bloco hegemônico em


torno ao neoliberalismo foi um dos elementos que contribuiu para a continuidade desse
modelo econômico no período do governo Lula. A implementação desse padrão de

40
O autor usa o termo capital financeiro como “a fração do capital que se reproduz, fundamentalmente, ou
principalmente, na esfera financeira, no âmbito da acumulação fictícia, podendo assumir várias formas
institucionais – não excluindo as duas acepções anteriores”. (FILGUEIRAS, 2006, p. 185). Tais acepções são o
conceito de Hilferding e de Hobbson.
66

desenvolvimento capitalista - a partir da inserção do país na globalização - deu origem ao


modelo Liberal Periférico (LP), cujas diferenças em relação ao modelo de industrialização por
substituição de importações, podem ser apreendidas através da caracterização das
modificações na “1 – relação capital/trabalho, 2 – [...] entre as distintas frações do capital, 3 –
[na] inserção internacional (econômico-financeira) do país, 4 – [na] estrutura e o
funcionamento do Estado e 5 – [nas] formas de representação política”. (FILGUEIRAS et al.,
2010, p. 40).
O modelo neoliberal periférico, portanto, reflete a reconfiguração das relações entre as
frações da classe burguesa brasileira, como mencionamos no tópico anterior, e entre estas e a
burguesia internacional, que se expressa através de um novo padrão de inserção externa mais
dependente. Tais modificações se refletem no caráter da intervenção do Estado, cuja
prioridade não é mais planejar e conduzir a expansão da economia, mas promover as reformas
para que o capital o faça. Além disso, se expressa através da diminuição da capacidade de
articulação da contra-hegemonia em torno de um projeto alternativo, haja vista o
enfraquecimento da “capacidade política e de negociação da classe trabalhadora brasileira”.
(FILGUEIRAS et al., 2010).
O enfraquecimento do trabalho frente ao capital resultou do processo de reestruturação
produtiva e da abertura comercial e financeira da economia brasileira nos anos de 1990. O
desemprego estrutural, o aumento da informalização e a queda do rendimento do trabalho
resultaram numa desarticulação da resistência ao avanço do capital, mesmo nos setores mais
organizados da classe trabalhadora brasileira 41.
Esse cenário não se reverteu ao longo da primeira década dos anos 2000. O
crescimento da economia, embora tenha resultado na diminuição da taxa de desemprego e no
aumento da formalização, não eliminou:
[...] a heterogeneidade do mercado de trabalho brasileiro, caracterizado por
elevadas taxas de desemprego, presença relevante da informalidade nas
relações de trabalho, desigualdade nas condições de inserções regionais e na
qualidade dos postos de trabalho. Por um lado, a precarização da ocupação
se reduz na década em algumas de suas formas mais tradicionais, como o
assalariamento sem carteira, mas, por outro, assume novas formas, sendo
uma delas a expansão do processo de terceirização das atividades produtivas
para todos os setores econômicos. (DIEESE, 2012, p. 51).

A timidez dos resultados favoráveis ao mercado de trabalho se expressa através das


estatísticas de desemprego. Segundo o Dieese, em 1999, a taxa de desocupação - calculada

41
Para a caracterização detalhada da desestruturação do mercado de trabalho brasileiro nos anos de 1990, ver
Antunes (1995); Pochmann (1998).
67

com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - foi de 9,6%. Em 2008,
esse valor foi de 7,2%, voltando a apresentar trajetória de crescimento em 2009, quando
registrou a taxa de 8,3%. Caso a análise seja realizada através da Pesquisa de Emprego e
Desemprego (PED), os valores são 20,2% e 14,2%42, respectivamente.
No governo Lula, o modelo LP consolidou a readequação de algumas das políticas
econômicas adotadas para diminuir a sua instabilidade sem comprometer o essencial da lógica
de desenvolvimento do neoliberalismo, que são a abertura comercial e financeira, permitindo
a livre mobilidade de capitais e mercadorias. A maior instabilidade que a adoção do
neoliberalismo acarreta nos países periféricos se explica porque ele agrava os recorrentes
problemas de financiamento externo (fragilidade financeira externa) desses países, o que
significa o aumento da vulnerabilidade e das restrições externas ao crescimento.
Apesar disso, do ponto de vista das relações entre as classes hegemônicas, manteve-se
o peso e importância dos setores ligados às atividades financeiras no modelo. Isso se expressa
através da continuidade do processo de abertura financeira e pela manutenção da política
macroeconômica do segundo governo FHC, caracterizada pelo regime de metas de inflação,
taxa de câmbio flutuante e ajuste fiscal.
A conjugação de maior abertura financeira, de acordo com as recomendações
neoliberais, com a política macroeconômica de taxa de câmbio flutuante, resultou num
aumento do caráter especulativo dos mercados cambiais brasileiros a partir de 2006. Essa
dimensão especulativa na determinação da taxa de câmbio se constitui em um dos elementos
que caracterizam a chamada globalização financeira. A liberalização desse mercado significa
que o valor dessa variável chave da economia passa a depender da entrada e saída de capitais
internacionais, dos critérios de rentabilidade e solvência dos bancos, de empresas e de
rentistas sediados no Brasil e no exterior.
Ainda que no regime de câmbio flutuante ocorram intervenções do Banco Central do
Brasil (BCB), a desigual correlação de forças entre o governo e os mercados financeiros
internacionais - dada pela limitada quantidade de reservas de que dispõe o BCB vis-à-vis aos
montantes de massa de dinheiro que circulam no mundo - impede que em momentos de

42
A divergência entre os índices apresentados está relacionada às diferenças metodológicas das respectivas
pesquisas. A principal delas se refere à incorporação na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) da categoria
Desemprego oculto por desalento: “pessoas que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias,
por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de
trabalho nos últimos 12 meses” (SAEDE, 2014). Acrescente-se, ainda, que a PED capta o desemprego apenas
nas regiões metropolitanas do país: São Paulo, Belém, Distrito Federal, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e
Salvador.
68

reversão do fluxo financeiro se mantenha uma relativa estabilidade dessa variável


macroeconômica43.
Acrescente-se ainda que a lógica de valorização financeira transformou o câmbio em
um dos principais ativos financeiros. A lucratividade está nos diferenciais de taxas observadas
num período de tempo, isto é, nas flutuações dos valores das moedas, estimulando um
comportamento especulativo nesses mercados. Guttmann (1998), analisando os dados sobre a
movimentação nos mercados de câmbio, ressalta que das operações diárias apenas cerca de
15% “correspondem a fluxos comerciais e fluxos de capitais de longo prazo”. (GUTTMANN,
1998, p. 83). Essa cifra expressa a transformação do comércio de divisas em uma mercadoria
em si destinada a gerar lucro para quem as realiza e não como um meio para consecução de
atividades na esfera da produção. Daí a prevalência da dimensão de curto prazo e especulativa
vigente nos mercados mundiais de divisas.
Nesse aspecto, cabe ressaltar que a flexibilização da necessidade de ingressar toda a
receita de exportações no país – a chamada cobertura cambial das exportações - significou o
reforço das posições especulativas dos exportadores, que passam a perseguir ganhos
financeiros, a partir da posição de importantes ofertantes de divisas nos mercados cambiais.
Na prática, “os fluxos de ingresso de divisas das exportações passam a depender também do
diferencial das taxas de juros interna e externa [...] – de forma similar aos fluxos financeiros
internacionais” (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007, p. 111), interferindo na dinâmica de
determinação da taxa de câmbio 44. Aqui, além dos ganhos financeiros no mercado cambial, a
intervenção visa preservar a lucratividade das ações das empresas e/ou manter a variável em
valores compatíveis com a lucratividade da atividade produtiva desses setores. Portanto, o
governo Lula deu maior poder de intervenção na política econômica ao setor exportador.
No que se refere à manutenção do regime de metas de inflação, tem-se a confirmação
da execução da política monetária com o objetivo central de controlar a inflação, criando uma

43
Farhi (2006) mostra a grande variabilidade da taxa de câmbio brasileira. Entre 1999 e 2002 a desvalorização
chegou a 225% e de 2002 a 2006 a valorização atingiu 45%.
44
De acordo com a legislação atual, as receitas de exportação podem ser integralmente recebidas no exterior.
Quando isso ocorre, não há contratação de câmbio, portanto não há alteração no fluxo cambial. Na contabilidade
do balanço de pagamentos o embarque da mercadoria é creditado na conta de exportação, mas um valor
equivalente é debitado da conta financeira, como uma operação de crédito comercial. Uma vez no exterior, não
há controle dessas receitas pelo Banco Central, já que essas podem ser usadas para gastos no exterior e, quando
são internalizadas, não se caracterizam mais como receitas de exportação, mas como transferência de ativos de
residentes e, portanto, entram como um fluxo financeiro. (ROSSI, 2012, p. 101).
69

razoável estabilidade dos preços45. A lógica presente nesse tipo de gestão é propiciar um
ambiente estável “que ofereça aos investidores possibilidade de traçar cenários e avaliarem os
riscos de escolha dos seus portfólios” (PINTO, 2010, p. 249), evitando perdas de capital. Isto
é, “a estabilidade da moeda é imprescindível para que a livre movimentação de entrada e
saída de capitais não seja afetada por incertezas e prejuízos que poderiam advir de variações
grandes ou abruptas na taxa de câmbio ou nos preços internos”. (BOITO JR., 2004, p. 274).
Nesse sistema, as autoridades monetárias imputam à taxa de juros a tarefa de limitar a
variação do valor da moeda nacional. Para que o sistema funcione é necessário, segundo seus
formuladores, manter a transparência na condução da política monetária, permitindo que o
mercado monitore e avalie o desempenho e compromisso da autoridade monetária com o
controle da inflação. A ideia é que tal conduta evita escolhas erradas dos agentes econômicos
mantendo as variáveis macroeconômicas em suas taxas naturais. Aposta-se, portanto, no
virtuosismo do mercado como gestor da atividade econômica, cabendo ao Estado a
manutenção de um ambiente que reforce as escolhas privadas de aplicação e investimentos.
O perfeito funcionamento do regime de metas de inflação, ainda segundo seus
idealizadores, requer a independência do Banco Central, de forma a evitar o gerenciamento da
política econômica tendo em vista outros critérios – por exemplo, aumento do emprego – que
não o controle da inflação 46. No caso do Brasil, a independência do Banco Central, embora
proposta durante o governo FHC, ainda não se colocou como uma questão fundamental
porque na prática essa instituição perdeu sua dimensão pública. Seu caráter privado se
materializa no desempenhado de suas funções de gestor do sistema financeiro nacional em
prol da criação ou reprodução dos elementos que caracterizam a acumulação do capital nos
padrões atuais. Aqui nos referimos não apenas à gestão da política monetária, mas ao auxílio
às instituições financeiras com a transferência de recursos públicos massivos e a
desregulamentação do sistema.

45
Partindo do pressuposto de que os agentes econômicos seguem uma lógica racional na formação de suas
expectativas quanto ao funcionamento futuro da economia e de que a moeda é neutra, os macroeconomistas
novo-clássicos concluem que a política monetária é ineficiente para estimular a demanda agregada e, portanto, o
aumento do emprego e da renda na economia. Acrescentam, ainda, que a política monetária discricionária do
governo, dada as expectativas racionais, somente provoca o aumento de preços, sendo, portanto, inconsistente,
com o objetivo da estabilização. Para maiores detalhes sobre a escola novo-clássica e os pressupostos do regime
de metas de inflação, ver Snowdon e Vane (2005).

46
No Brasil, o conselho Monetário Nacional (CMN) anuncia previamente a meta para a inflação e uma banda ao
longo da qual a meta pode variar. Além disso, fixa um horizonte temporal para se alcançar tal objetivo e utiliza
como parâmetro para mensurar o cumprimento dessa meta o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA)
(BCB, 2014).
70

Sendo assim, o regime de metas de inflação é a construção teórico-ideológica do


neoliberalismo no âmbito da gestão macroeconômica. Com base em pressupostos
questionáveis sobre a racionalidade individual, propõe uma maior regulação da esfera
econômica pelos mercados. A manutenção dessa política representa, portanto, a consolidação
dos mercados financeiros na condição de gestores da política macroeconômica e, em especial,
das taxas de juros, o que significou a manutenção de elevados diferenciais de juros da
economia brasileira em relação à média da economia mundial, apesar do ciclo de liquidez
internacional pós 2003.
Para Farhi (2006), o regime de metas de inflação é inadequado para o controle da
inflação. Isso porque, a estrutura de preços internos, altamente vinculada às variações
cambiais, significa que as desvalorizações da moeda em razão da alteração dos fluxos de
capitais se transformam em pressão sobre os preços domésticos e em aumentos sistemáticos
da taxa de juros. Além dos bens comercializáveis que possuem sua cotação no mercado
internacional em dólares, a indexação dos contratos dos serviços públicos, como energia,
quando da privatização, tornou as tarifas:
[...] muito sensíveis à taxa de câmbio e demais choques de oferta. A
participação agregada dos bens comercializáveis e dos que têm preços
administrados representa quase 69% do IPCA [...]. Assim, para manter a
inflação medida pelo IPCA dentro dos limites fixados pelo sistema de metas,
o Banco Central tem de compensar uma eventual alta dos preços
administrados fazendo que o segmento livre da economia tenha aumentos
bem inferiores. Essa compensação é feita via juros altos, eventual
valorização da taxa de câmbio, contenção mais acentuada da demanda e
contração da atividade. (FARHI, 2006, p. 192).

A adoção do regime de metas de inflação, em que pese sua inadequação para o


controle inflacionário, somente pode ser explicada através do compromisso que o governo
Lula manteve com a lógica de rentabilidade financeira dos grandes grupos dominantes.
Mantendo a determinação da taxa de juros e da taxa de câmbio amarradas aos fluxos de
capitais - dependentes, em grande medida, da ação privada – e aos critérios de rentabilidade
privada, debilitando esse instrumento de política econômica que é a política monetária
praticada pelos Estados Nacionais.
[...] a política de juros altos favorece o setor bancário de duas maneiras. De
um lado, pelo fato de esse setor; dispondo de maior liquidez que o setor
produtivo, ser o principal detentor dos títulos da dívida pública [...] de outro
lado, [...] pelo fato de fazer parte dessa política a concessão de total
liberdade aos banqueiros para estipularem, ao seu bel-prazer, os juros que
irão cobrar dos empréstimos que concedem às empresas e ao consumidor.
(BOITO JR., 2004, p. 274-275).
71

Além da manutenção da estabilidade de preços, o objetivo da política macroeconômica


é manter a sustentabilidade da dívida pública. Para esse objetivo, direcionou-se a política
fiscal para o controle dos gastos públicos de modo a sinalizar para os investidores estrangeiros
o compromisso do governo com o pagamento da dívida e que o mercado brasileiro
representava um baixo risco de aposta.
A relação entre política monetária e política fiscal se estabelece através da dívida
pública. Isto é, a política fiscal do período foi estruturada de forma a “contribuir no esforço de
conter a expansão da demanda agregada dentro dos parâmetros de produto potencial definidos
pelo Banco Central e manter o compromisso com a evolução da dívida pública”.
(LOPREATO, 2006, p. 214).
Note que o ajuste fiscal das contas públicas visa manter uma trajetória de solvência da
dívida pública sem, no entanto, mexer nas causas de seu crescimento, a saber, os juros altos e
o acúmulo de reservas. A redução dos gastos sociais com vistas a gerar crescentes superávits
fiscais é uma política regressiva na medida em que transfere renda dos assalariados para as
diversas frações do capital. Se considerarmos, ainda, a diminuição dos gastos sociais através
da desvinculação orçamentária, completa-se a política regressiva do ponto de vista da
distribuição de renda que penaliza aqueles que mais dependem dos serviços públicos como
educação e saúde. Destaca-se, ainda, que se elimina a perspectiva de um gasto público
associado ao investimento e a expansão do produto, o que explica porque não tivemos ao
longo dos anos 2000 uma contribuição sustentada dos gastos governamentais na conformação
do PIB.
Aqui gostaríamos de ressaltar a ineficácia do ajuste fiscal para estabilizar ou diminuir
o endividamento público. O crescimento explosivo da dívida pública brasileira se deve, num
primeiro momento, à adoção do Plano Real. A chamada âncora cambial para se viabilizar
necessitava da entrada massiva de capitais externos. Dado o grande afluxo de capitais, a
política do Banco Central do Brasil (BCB) foi de esterilização do aumento da base monetária
via emissão de títulos da dívida pública e do acúmulo de reservas. O objetivo era evitar que a
excessiva liquidez interferisse na estabilidade monetária, além de permitir a constituição de
um “colchão” de reservas que garantisse a estabilidade da taxa de câmbio.
Os juros dos títulos públicos oferecidos aos investidores se situavam, mesmo no início
do plano, em níveis elevados para os padrões internacionais, enquanto as reservas então
acumuladas pelo BCB tinham uma remuneração inferior àquela oferecida via títulos,
resultando num diferencial de juros que aumentou progressivamente a dívida pública. Nas
fases de saída de capitais e diminuição das reservas, aumentava-se ainda mais os juros,
72

resultando, também, num aumento da dívida pública. A situação financeira e fiscal do setor
público foi se deteriorando com o aumento expressivo da dívida pública que passou de 29,2%
do PIB, em 1994, para 50% em 2000 47, tornando o país mais dependente dos capitais
externos.
O crescimento do estoque da dívida coloca em xeque a possibilidade de refinancia-la,
o que significa a necessidade de aumento das taxas de juros internas, para atrair ainda mais
capitais para a sua rolagem. Junto com isso, surge a necessidade de contratar nova dívida,
visto que os fatores que a geram - o acúmulo de reservas e o déficit nas contas externas – não
são revertidos. Os juros aumentam numa relação direta com a vulnerabilidade externa da
economia e com a dependência de capitais estrangeiros para financiar o passivo externo
líquido. Com isso, as taxas de juros do Brasil não podem ser reduzidas abaixo de determinado
limite estabelecido pelas exigências de remuneração do capital.
Assim, entra-se num ciclo vicioso de endividamento que se expressa num aumento da
participação da dívida líquida do setor público no PIB. Em 2006, essa proporção representava
44% e, em 2009, diminuiu para 36,7%. Mesmo nos anos em que a proporção da dívida
pública no PIB diminuiu, dado o crescimento da economia, isso não significou uma
diminuição do seu montante em termos absolutos, que saltou de R$ 881,1 bilhões em 2002
para R$ 1.067,4 bilhões em 2006 e R$ 1.125,0 bilhões em abril de 2009 48.
Esses números revelam que a causa da significativa deterioração da situação fiscal do
Estado brasileiro se deve ao crescimento explosivo da dívida pública, ancorado em elevadas
taxas de juros para atender aos critérios de rentabilidade financeira do setor privado.
Conforme assinala Pinto (2010, p. 257), a “[...] taxa de juros alta é a expressão mais aparente
da atual hegemonia da fração bancária-financeira no interior do bloco no poder”. Para além de
uma variável macroeconômica, ela expressa uma relação de forças dentro da sociedade
brasileira capaz de gerir a política estatal. Através dela, a política macroeconômica do
governo Lula manteve a relação entre lucro bancário e dívida pública, como expressa a
análise do perfil dos detentores49 da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). No

47
Batista Jr. (1996).
48
Os dados se referem à Dívida líquida do Setor Público Consolidado. As informações foram retiradas do Banco
Central do Brasil. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?DIVIDADLSP> Acesso em 12 de out. de 2014.
49
“Os principais compradores de títulos públicos no mercado interno podem ser divididos em seis grupos. [...]
‘Instituições Financeiras’ representa a carteira própria de bancos comerciais nacionais e estrangeiros, bancos de
investimento nacionais e estrangeiros e corretoras e distribuidoras. [...] bancos estatais, comerciais e de
desenvolvimento. As aplicações das instituições financeiras por meio de fundos de investimento também estão
vinculadas a esta categoria. A categoria ‘Fundos’ [...] as aplicações [...] a partir dos fundos de investimento,
excetuando-se aquelas detidas por ou com participação de instituições financeiras, entidades de previdência,
73

Gráfico 1, observa-se que, em 2011, as Instituições financeiras detinham quase um terço dos
títulos da dívida brasileira. Aqui, estima-se que a maior participação seja de bancos
comerciais nacionais que já no ano de 2008 representavam “[...] mais de 83% do segmento e
55,5% da DPMFi em poder do público”. (BITTENCOURT, 2008, p. 388). Acrescentando-se
a categoria Fundos de investimento50 (25,3%) – em que estão incluídos os grandes grupos
econômicos não financeiros - e as aplicações de não-residentes (11,3%)51, chegamos a cifra de
que quase 70% da dívida pública governamental está sob domínio de grandes grupos
financeiros e não-financeiros nacionais e internacionais.

Gráfico 1 – Detentores da Dívida Pública Mobiliária Federal (DPMFi): Brasil, dezembro/2011

31,5%

25,3%

15,4%

11,3%
8,8%

4,1% 3,6%

Fundos de Fundos de Instituições Não residentes Governo Seguradoras Outros


Previdência Investimento financeira

Fonte: Ministério da Fazenda (2012).

Cabe ressaltar que, a maior premência dos bancos comerciais na gestão da dívida
pública brasileira se explicita quando observamos que estas instituições são em sua maioria

investidores não-residentes, seguradoras e governo [...] A categoria ‘Investidores não-residentes’, individuais ou


coletivos, considera contas de pessoas físicas ou jurídicas, dos fundos ou de outras entidades de investimento
coletivo, com residência, sede ou domicílio no exterior. Nesta categoria estão incluídos os títulos detidos por
não-residentes por meio de fundos de investimento. Os grupos ‘Previdência’ e ‘Seguradoras’ incluem
Previdência Aberta, Fechada e os Regimes Próprios de Previdência Social - RPPS, seguradoras e resseguradoras
[...] o segmento ‘Governo’ inclui fundos e recursos administrados pela União, tais como FAT, FGTS, fundos
extramercado, Fundo Soberano, fundos garantidores, enquanto na categoria ‘Outros’ estão basicamente
representadas as aplicações em títulos públicos de pessoas físicas e pessoas jurídicas não-financeiras, à exceção
das anteriormente citadas”. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2012, p. 40-41).

50
Os Fundos de Investimento detinham, em 2008, R$ 1,1 trilhão de patrimônio líquido dos quais 2/3 estavam
aplicados na dívida pública federal (BITTENCOUT, 2008).
51
Cabe ressaltar que a categoria não-residentes não computa a importância das instituições financeiras
internacionais na aquisição da dívida pública brasileira, porque aí somente são agregadas as instituições
estrangeiras que não possuem sede no território nacional, de modo que as transnacionais domiciliadas no país
estão agregadas - junto com as instituições nacionais – nas outras categorias, a depender da natureza de sua
atividade.
74

gestores dos Fundos de investimento, isto é “dos dez maiores gestores de fundos de
investimentos, oito estão entre os dez maiores bancos”. (BITTENCOURT, 2008, p. 390).

Gráfico 2 – Principais gestores de Fundos de Investimento: Brasil, 2008


21,4%

13,9%
12,7%

7,4 7,0%
4,3% 4,2% 3,8%
2,3% 2,3%

BBDTVM Bradesco Itaú Santander Caixa HSBC Unibanco UBS Banco Nossa
S. A. Pactual Safra Caixa

Fonte: Bittencourt (2008).

Apesar dessa rubrica (Fundos de investimento) expressar a vinculação de interesses


entre os grandes grupos financeiros e demais frações do capital que, também, estão
financeirizados, ela confirma que “aqueles que se articulam organicamente com a esfera
financeira, através do controle e propriedade de uma ou mais instituições financeiras, são os
sujeitos fundamentais dessa lógica, que subordina o Estado, a política econômica e social e a
ação política em geral”. (FILGUEIRAS, 2006, p. 186).
No que se refere à categoria Fundos de pensão, os dados do Banco Central informam
que somente a partir de 2006 - após a isenção de CPMF na aquisição de títulos públicos para
tais instituições - tem havido um aumento sistemático de sua participação no montante da
dívida total52.
Essas são as frações predominantes do bloco hegemônico no país e que direcionam e
subordinam todas as políticas públicas a seus critérios de rentabilidade e manutenção da
política macroeconômica do endividamento. O aumento do poder econômico dessas frações
do capital é proporcional ao aumento do endividamento público. A instabilidade da economia
associada às dificuldades de rolagem da dívida e de financiamento do Balanço de Pagamentos
(BP) do país significam cada vez maiores concessões econômicas para seus detentores. De
modo que temos um ciclo que se autoalimenta: a abertura comercial e financeira geradora de

52
A tendência é a ampliação dessa participação, dada à reforma da previdência realizada no governo Dilma,
segundo a qual os funcionários que ingressam na carreira pública a partir de 2013 somente se aposentarão pelo
teto da previdência, devendo buscar a complementação no mercado privado.
75

dívida e da vulnerabilidade externa da economia brasileira tem como “solução” mais abertura
financeira para acomodar os interesses de maior liberdade de movimento desses capitais.
Por isso, o governo Lula deu continuidade ao processo de abertura da economia
brasileira “[...] a partir da mesma estratégia adotada pelos governos precedentes [...] seja
mediante resoluções e circulares do Banco Central, seja por meio de medidas provisórias”.
(PRATES, 2006, p. 136). As medidas adotadas tiveram como resultado a maior liberdade para
que residentes detivessem a posse de ativos externos e realizassem transferências de capitais
para fora do país. Através da unificação dos segmentos de mercados cambiais de pessoas
físicas e jurídicas, os residentes:
[...] passam a poder comprar e vender moeda estrangeira para fins de
aplicação no exterior, sem limitação de valor, diretamente da rede bancária
[...] além de serem extintas as contas CC-5, também foram eliminadas a
obrigatoriedade de retorno dos recursos associados a venda de investimentos
no exterior [...] e a necessidade de envio ao Banco Central de documentação
específica comprobatória nas operações relacionadas a investimento direto
no exterior [...] liberaliza totalmente as aplicações de pessoas físicas e
jurídicas em mercados de capitais no exterior [...] permite que a
integralidade desses recursos seja mantida fora do país. (BIANCARELI,
2010, p. 70-71).

Essa possibilidade de manter recursos no exterior não pode ser concretizada sem a
geração de divisas, pois além de ser vital para o capital estrangeiro que quer voltar ao circuito
financeiro internacional converter os juros, lucros e dividendos auferidos na economia
brasileira em moeda de curso internacional, é importante também para os grupos brasileiros
que agora se livraram das “amarras” de manter seus recursos vinculados ao espaço nacional.
É nessa perspectiva que deve ser entendida a importância que ganham as políticas de
incentivo a exportação no governo Lula, tanto no âmbito interno - com a ampliação das linhas
de financiamento destinadas ao setor - quanto no âmbito externo - nas rodadas da
Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse aspecto, cabe ressaltar que na 6ª Reunião
Ministerial da OMC, realizada em Hong Kong no final de 2005, o Brasil e a Índia foram
acusados de trair os interesses do G-20, por pressionarem o grupo no sentido de abrir seus
mercados aos serviços e produtos não agrícolas, fabricados pelos países desenvolvidos, sem a
contrapartida de diminuição dos incentivos e subsídios agrícolas que tais países mantêm para
seus produtores e que impedem o maior acesso dos países subdesenvolvidos a esses
mercados.
Também nas negociações da OMC, em 2008, o governo brasileiro, em parceria com o
governo norte-americano, agiu atendendo dois grupos de interesses: o dos países
desenvolvidos que querem maior liberalização e desregulamentação da economia mundial e o
76

do agronegócio que quer a redução dos subsídios destinados, principalmente, aos pequenos e
médios produtores. Com isso, “[...] o governo brasileiro foi desqualificado por não expressar
os interesses majoritários dos países em desenvolvimento”. (GONÇALVES, 2008).
Diante das dificuldades de ampliação do saldo comercial através de modificações na
estrutura produtiva do país, a melhoria da balança comercial tem sido perseguida através de
políticas que potencializam o aproveitamento das vantagens que o país tem na agroindústria e
na produção de commodities industriais. Isto é:
[...[ a possibilidade de uma ampliação rápida dos saldos comerciais do Brasil
se apoiava na perspectiva de um incremento rápido das exportações
agrícolas e minerais no curto prazo. Assim, isso foi tomado em consideração
nas formulações de curto prazo da política externa nas negociações
comerciais em que o Brasil estava envolvido. (MINEIRO, 2010, p. 142).

Note que a intervenção estatal para melhorar o saldo comercial brasileiro não é
incompatível com o neoliberalismo. Conforme ressalta Carcanholo (2002), as dificuldades de
se verificar na realidade concreta alguns dos pressupostos do neoliberalismo no que se refere
ao comércio internacional, em especial à ideia da existência de concorrência perfeita e de
retornos constantes de escala, têm levado a revisões que admitem falhas de mercado e, por
isso, a intervenção transitória do poder público. A partir da revisão dessas hipóteses do
modelo de Heckscher-Ohlin-Samuelson (H-O-S), as recomendações de políticas neoliberais
[...] sugerem situações em que se vislumbram formas de proteção comercial.
Como os mercados costumam operar com retornos crescentes e concorrência
imperfeita, a política comercial ativa possui um papel importante em duas
frentes: (i) ela pode ser utilizada para reduzir o poder de mercado das
empresas estrangeiras no mercado interno, tanto no que se refere às
importações como ao investimento direto; e, (ii) ela pode reforçar o poder de
mercado das empresas nacionais em sua competição no estrangeiro.
(CARCANHOLO, 2002, p. 25).

O apoio governamental ao Investimento Externo Direto (IED) brasileiro também se


insere na lógica de compensar a vulnerabilidade externa da economia, através do aumento de
ingresso de recursos via exportação e das rendas de investimentos e empréstimos no exterior.
Ou seja,
[...] uma posição superavitária significativa e persistente na balança
comercial permitirá neutralizar o déficit estrutural da conta serviços [...]
diminuir drasticamente a dependência de recursos externos portadores de
instabilidade potencial e exigentes de elevados prêmios de risco [...] a
reestruturação da pauta comercial brasileira está inextricavelmente associada
à reestruturação das relações com o investimento direto estrangeiro e com o
investimento direto brasileiro no exterior. (COUTINHO, 2003, p. 01).
77

Ainda conforme o autor, a abertura de escritórios de representação, canais de


distribuição e serviços pós-vendas no exterior, no caso dos setores de commodities primárias,
se constituiu em elemento fundamental para a expansão dessas exportações. Quanto aos
setores industriais, especialmente o de bens de consumo, o IED deveria se concentrar em
ativos físicos, na consolidação das marcas e - devido à necessidade de proximidade do
mercado consumidor - na melhoria da logística. Nos demais segmentos da indústria brasileira,
a internacionalização seria uma condição para a sobrevivência das empresas, elemento crucial
para a manutenção da competitividade das empresas que sobreviveram ao processo de
desnacionalização dos anos de 1990, evitando, assim, o aumento das obrigações financeiras
com o exterior. Segundo Coutinho et al. (2003, p. 27-28):
[...] em um conjunto grande de setores, a internacionalização das operações é
uma variável importante para expandir as exportações [...] em um certo
grupo de setores, o aumento consistente das operações no exterior, tanto
comerciais quanto produtiva, tornou-se um componente essencial da
estratégia competitiva de empresas que almejam alcançar e manter posições
relevantes no mercado. Nesses setores a competição já extrapolou o âmbito
nacional/regional, com a concorrência passando a ocorrer, crescentemente
em bases globais.

A perspectiva acima descrita é que os efeitos do aumento do saldo comercial sobre a


restrição externa (a vulnerabilidade estrutural) permitiriam o manejo da política monetária e
fiscal em prol do processo de industrialização, isto é, propiciariam a redução dos juros e dos
superávits fiscais estimulando a inversão produtiva. Além disso, significaria uma menor
dependência do afluxo de capitais para o financiamento da dívida pública e do passivo
externo líquido, suavizando os efeitos da instabilidade dos mercados financeiros globais sobre
a economia brasileira, contribuindo para uma maior estabilidade da taxa de câmbio - ambos
necessários a criação de um ambiente propício ao investimento.
Tal perspectiva apresenta similaridades com teses do chamado
neodesenvolvimentismo 53. De acordo com Katz (2014), uma das proposições do novo modelo
de desenvolvimento é promover a reindustrialização dos países da América Latina, entretanto,
tais teóricos na consecução desse objetivo não questionam os principais elementos do

53
O autor analisa as proposições de Aldo Ferrer e Bresser Pereira (2010). Além deles, fazem parte do mesmo
grupo “[...] Robert Boyer, Oswaldo Sunkel, Gabriel Palma, Cristóbal Kay, Alejandro Portes, João Sicsú, Luiz De
Paula, Michel Renaut, José Luis da Costa Oreiro”. (KATZ, 2014, p. 01). Os novo-desenvolvimentistas não são
um grupo homogêneo. Nesse sentido, é ilustrativa a observação de Sicsú (2007, p. 01): “Bresser-Pereira publicou
um instigante artigo, na Folha de São Paulo (19/09/2004), intitulado ‘Novo-desenvolvimentismo’ — com o qual
temos muitos pontos concordantes —, e que explora basicamente linhas gerais macroeconômicas relacionadas a
esse conceito”. Apesar disso, consideram a realidade da globalização como dada e procuram promover algumas
readequações para permitir uma melhor inserção do Brasil no contexto internacional.
78

neoliberalismo, ao contrário, assinalam que se poderia aproveitar “las ventajas comerciales


evitando los peligros financieros”. (KATZ, 2014, p. 07). Por isso, propõem reduzir a
vulnerabilidade externa da economia brasileira sem fazer alterações na política monetária
responsável por tal situação e sem questionar a abertura financeira da economia. O caminho é
potencializar o saldo comercial promovendo uma maior integração comercial e produtiva da
economia brasileira, agora de maneira não mais subordinada como nos anos de 1990, mas
contando com uma política industrial de apoio financeiro e voltada ao desenvolvimento
tecnológico.
A análise realizada por Mineiro (2010) das diretrizes de governo do então candidato
Lula – o Programa de governo 2002 e a Carta ao povo brasileiro - mostra como essa visão foi
gestada tendo em vista conquistar o apoio e confiança dos mercados. Os documentos
transitam, respectivamente, de uma perspectiva que propunha mudanças estruturais da política
econômica e criticavam a abertura financeira, para uma abordagem de ajuste do balanço de
pagamentos associada à obtenção de saldos comerciais. Portanto, aqui já se anunciava a
primazia dos interesses dos setores financeiros que subordinam todas as demais intervenções
governamentais.
Para Boito Jr. (2004), houve uma acomodação ainda maior do bloco de poder no
governo Lula, com o aumento do estímulo às exportações e da inserção internacional de
empresas brasileiras. De modo que, “nenhuma fração burguesa tem lutado para substituir o
modelo capitalista neoliberal por outro modelo de desenvolvimento. A grande burguesia
interna, agora mais do que nunca, tem interesses na reprodução do modelo e os custos de uma
luta pela hegemonia seriam grandes”. (BOITO JR., 2004, p. 260). Isso não significa dizer que
não existam atritos, entretanto, estes se referem à tentativa de promover ajustes pontuais da
política econômica.

2.3 Os limites do crescimento do mercado interno e a inserção internacional

A característica fundamental da economia brasileira que impõe limite à expansão do


produto é a sua vulnerabilidade externa, entendida como a reduzida capacidade do país para
resistir a choques externos que impliquem na diminuição dos fluxos financeiros para o
fechamento das contas do balanço de pagamentos. A vulnerabilidade externa estrutural
“decorre de mudanças no padrão de comércio, na eficiência no aparelho produtivo, no
79

dinamismo tecnológico e na robustez do sistema financeiro nacional”. (FILGUEIRAS;


GONÇALVES, 2007, p. 62).
A análise desses elementos mostra que a reestruturação produtiva regressiva da
economia brasileira significou o aumento da importância de setores intensivos em recursos
naturais e força de trabalho e um maior comprometimento do sistema financeiro nacional com
a lógica de valorização fictícia. Isto é, apesar do aumento de produtividade geral da economia,
houve um aumento da dependência tecnológica, uma piora do padrão de comércio
internacional e o aumento das características rentistas do sistema financeiro nacional que
contribui com os movimentos desestabilizadores dos fluxos de capitais, uma vez que esse
segmento é ator ativo nos ataques especulativos e fuga de capitais.
Portanto, o que historicamente se constituiu em restrição externa ao crescimento, com
o processo de abertura se radicalizou e dotou a economia do país de um caráter extremamente
instável, com maior reflexividade à dinâmica da economia internacional e aos fluxos de
capitais financeiros.
O aprofundamento dessa vulnerabilidade se iniciou no governo de Fernando Henrique
Cardoso, como resultado da valorização cambial e da abertura comercial da economia. Tais
medidas provocaram o aumento expressivo das importações vis-à-vis à queda das
exportações, resultando num déficit da balança comercial brasileira, que junto à situação
cronicamente deficitária da conta de serviços levou a um elevado déficit nas transações
correntes. Para financiá-lo, o governo adotou a política de juros elevados para atrair capitais54.
Somente após a desvalorização cambial em 1999, o déficit comercial começou a ser revertido,
passando de mais de um bilhão de dólares nesse ano para 698 milhões em 200055. A partir de
2001, a balança comercial voltou a apresentar superávit.
Porém, a reversão do saldo comercial não resolve o problema da vulnerabilidade
externa da economia brasileira, na medida em que “os déficits externos acumulados desde
1995 levaram a uma grande ampliação dos passivos internacionais do país. Em consequência,
o balanço de pagamentos em conta corrente ficou sobrecarregado por pesadas remessas de
juros, lucros e dividendos”. (BATISTA JR., 2002, p. 144). Esses passivos externos se referem
à dívida externa pública e privada, ao Investimento Externo Direto e de portfólio.

54
Conforme mencionamos anteriormente, os juros elevados também tinham o objetivo de sustentar a âncora
cambial.
55
Banco Central do Brasil.
80

No que se refere à dívida externa bruta, seu aumento derivou dos empréstimos diretos
para o financiamento dos crescentes déficits nas transações correntes. Entre 1994 e 2002 os
montantes saltaram de R$ 148,2 bilhões para R$ 226,9 bilhões. Ressalta-se que, entre 1999 e
2001, esse aumento foi explosivo em razão da crise do real que levou a contratação de
empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e da crise na Argentina.
Conforme dados do Banco Central56, durante o governo Lula, a dívida externa aumentou de
R$ 227,6 bilhões – valor de dezembro de 2003 - para R$ 277,5 bilhões em 2010.
A participação do poder público na dívida externa bruta total (governo geral e
autoridade monetária) diminuiu em termos proporcionais de 48% para 25% e em termos
absolutos de R$ 103 bilhões para R$ 68,9 bilhões nesse período. Tal redução resultou do
aumento expressivo do acúmulo de reservas que permitiu o pagamento não apenas dos juros,
mas do montante principal da dívida. Na verdade, o governo trocou dívida externa por dívida
interna. Cabe salientar que, embora a maior parte da dívida externa seja privada, na medida
em que possui a garantia do governo brasileiro é computada como uma obrigação do poder
público na sua integralidade.
No que se refere ao aumento do passivo externo relacionado à balança comercial,
destacamos que de uma elevação conjuntural relacionada à valorização cambial, este se
tornou um elemento estrutural. Isso se deve ao aumento do coeficiente de importações da
economia brasileira em decorrência da regressão da estrutura produtiva do país. De acordo
com Laplane e Sarti (1997), a reestruturação produtiva significou a diminuição dos
encadeamentos produtivos com aumento do coeficiente de importações, ou seja, as empresas
instaladas no Brasil, de origem nacional ou estrangeira, aumentaram a participação de
insumos estrangeiros na composição de seus produtos finais, desverticalizando a produção.
Como resultado, tivemos a “fragilização dos encadeamentos produtivos e tecnológicos [que
significou] perda do poder multiplicador e indutor da indústria”. (LAPLANE; SARTI, 1997,
p. 151).
O aumento do coeficiente de importação não foi homogêneo entre os setores de
atividade e penalizou aqueles mais intensivos em tecnologia e o de bens de capital. Segundo
Coutinho (1997), em 1993, o coeficiente de importações dos bens de capital seriados e bens
eletrônicos era de 29%, em 1996, esse percentual aumentou para entre 65% e 75%. Já para
produtos como cimento e matérias-primas esse coeficiente variava de 0,5% a 2,5% em 1993 e
passou a se situar entre 1% e 4% em 1996.

56
Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/?SERIEDEBH> Acesso em 17 de out. de 2014.
81

Como mencionamos no Capítulo 1, a participação do setor de bens de capital da


economia tem relação direta com a dependência tecnológica dos países periféricos. O
abandono dessa indústria significa a internalização do avanço tecnológico via importação de
equipamentos e não através da produção interna, isso significa que o país se dedica à
produção de bens cujos requisitos tecnológicos não domina ou têm pouco acesso, uma vez
que o controle do progresso tecnológico e do poder financeiro é exercido pelas empresas
transnacionais.
Cabe salientar que, mesmo nos setores que sobreviveram à abertura comercial e
financeira da economia brasileira, a desverticalização em busca da especialização se deu com
a concentração das empresas em atividades de maior rentabilidade e fechamento das linhas de
produção que continham um grau maior de incerteza ou de tempo de maturação. Com base
nesses critérios de corte, as linhas de produção abandonadas foram aquelas de maior conteúdo
tecnológico e os (poucos) investimentos em P&D. A especialização regressiva significou a
concentração da indústria brasileira nas chamadas commodities industriais com reflexos sobre
o valor agregado das exportações57.
Assim se produziu um descompasso entre importações de maior conteúdo tecnológico
vis-à-vis exportações de menor valor agregado, o que pode levar a déficits sistemáticos na
balança comercial, aumentando a vulnerabilidade da economia, na medida em que isso
significa o aumento da transferência de valor para as economias dos países centrais, conforme
explicitamos no Capítulo 1.
A abertura financeira também aumentou o Investimento Externo Direto (IED), que se
direcionou às fusões e aquisições com as empresas estrangeiras adquirindo diversos grupos de
capital nacional crescendo, assim, a importância de sua participação na economia do país. À
transferência de ativos privados se juntou as privatizações, resultando na desnacionalização da
estrutura produtiva do país que tem reflexo sobre as contas externas, na medida em que
aumentam as remessas de lucros e dividendos.
Acrescente-se, ainda, que a desnacionalização representa o maior controle de setores
estratégicos da economia do país pelas grandes transnacionais que promovem a especialização
produtiva com base na divisão internacional do trabalho, ao definirem o papel das suas filiais
e a relação destas com a matriz. Nessa segmentação, concentram nos países desenvolvidos as
atividades inovadoras.

57
A Vale é um exemplo dessa opção, visto que a empresa tem priorizado o segmento de extração mineral em
detrimento de promover uma ampliação da transformação do aço em bens de uso específico para indústria, o que
certamente significaria uma produção de maior valor agregado.
82

As transnacionais, portanto, além de aumentarem a necessidade estrutural de


importações por conta da estratégia de promover uma maior integração das filiais brasileiras
na rede corporativa das respectivas matrizes, também promovem um perfil produtivo
regressivo da economia brasileira, resultando no aumentando da vulnerabilidade externa do
país através de pressões sobre as Transações Correntes.
O processo de regressão da estrutura produtiva nacional, embora iniciado no governo
FHC, teve continuidade ao longo do governo Lula. Um primeiro elemento que contribuiu para
o reforço dessa tendência foi a persistência da valorização cambial. Isso porque, as atividades
intensivas em tecnologia podem resultar em prejuízos, pois as descobertas científicas não
necessariamente são aplicáveis, imediatamente, a confecção de mercadorias. Se a essa
incerteza microeconômica, acrescenta-se a volatilidade das variáveis macroeconômicas, o
resultado é a retração de tais atividades. Além disso, o aumento dos preços internacionais das
commodities agrícolas e industriais com elevação da margem de lucro para os capitais
investidos nesses setores, atraíram mais investimentos.
A continuidade da desestruturação produtiva da economia brasileira se expressa na
diminuição do valor agregado internamente, na descontinuidade das cadeias produtivas, na
regressão produtiva com especialização em setores intensivos em recursos naturais e na perda
de participação da indústria de transformação no Valor da Transformação Industrial (VTI).
No que se refere ao VTI, a Tabela 3 mostra os seguintes movimentos ocorridos entre 2003 e
2010:
i) o aumento da participação da Indústria extrativa de 3,1% para 7,9% vis-à-vis a
diminuição da indústria de transformação. Portanto, um indicativo de aumento da produção de
bens de menor valor agregado, haja vista que as atividades extrativas se referem apenas à
extração, elaboração ou beneficiamento de minérios que serão utilizados em outras fases da
produção industrial;
ii) dentre os ramos da indústria de transformação, os setores de Alimentos e bebidas,
Fabricação de produtos de metal e Montagem de veículos foram os únicos que se expandiram
no período;
iii) Já os setores de Produtos químicos; Fabricação de máquinas e equipamentos e
Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos perderam
participação no VTI. No setor químico, o segmento de maior intensidade tecnológica
(química fina) foi aquele que mais se reduziu. Esses bens estão entre os que o Brasil possui
maior déficit na balança comercial. Além disso, os outros setores que apresentaram perda de
participação estão diretamente ligados aos bens de capital.
83

iv) crescimento da participação da indústria de petróleo (quase o dobro) no VTI em


relação ao ano de 1996.

Tabela 3 - Estrutura do valor da transformação industrial das empresas industriais com 5 ou


mais pessoas ocupadas, segundo os grupos de atividades: Brasil, 1996, 2000-2010
Valor da transformação industrial (Percentual)
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE)
1996 2000 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Total (R$ ]Milhões) 160.547 254.545 408.007 480.374 507.628 551.820 594.481 716.104 668.498 823.315
Indústrias extrativas 2,2 2,8 3,1 3,5 4,2 4,0 4,1 5,1 4,9 7,9
Extração de minerais metálicos 1,5 2,1 2,2 2,5 3,2 3,1 3,0 3,9 3,4 6,3
Indústrias de transformação 97,8 97,2 96,9 96,6 95,8 96,0 95,9 94,9 95,1 92,1
Fab. de produtos alimentícios e bebidas 17,2 14,1 16,3 15,4 15,8 16,0 15,3 15,2 17,9 17,3
Fab. de produtos do fumo 1,1 0,8 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,7 0,9 0,6
Fab. de produtos têxteis 3,3 2,8 2,2 2,2 2,0 2,0 1,8 1,7 1,8 1,7
Preparação de couros e Fab. de artefatos de couro 2,2 1,9 2,1 1,9 1,6 1,6 1,5 1,5 1,6 1,6
Fab. de produtos de madeira 1,1 1,2 1,6 1,7 1,4 1,3 1,3 1,2 1,1 1,1
Fab. de celulose, papel e produtos de papel 3,7 4,3 4,3 3,8 3,4 3,5 3,7 3,2 3,2 3,1
Edição, impressão e reprodução de gravações 4,9 4,1 3,1 2,9 2,9 2,9 1,0 0,9 1,0 1,0
Fab. de coque, refino de petróleo, elaboração de
combustíveis nucleares e produção de álcool 7,0 14,0 14,8 14,0 16,3 16,6 15,8 16,5 15,2 13,8
Fab. de produtos químicos 12,7 11,9 11,1 11,0 10,2 9,7 7,7 7,3 6,8 6,6
Fab. de artigos de borracha e plástico 4,1 3,6 3,8 3,4 3,5 3,3 3,4 3,1 3,5 3,4
Fab. de produtos de minerais não-metálicos 3,4 3,7 3,6 3,3 2,9 3,2 3,2 3,2 3,5 3,5
Metalurgia básica 5,4 6,4 7,3 9,2 8,1 7,8 8,0 8,1 5,3 5,6
Fab. de produtos de metal - exceto máquinas e equipamentos 3,8 3,1 2,9 3,1 3,7 3,3 3,8 3,9 4,0 3,7
Fab. de máquinas e equipamentos 6,8 5,3 5,7 5,9 5,2 5,4 4,5 4,5 4,3 4,6
Fab. de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 2,6 2,4 2,1 1,9 2,4 2,2 2,7 2,6 2,9 2,8
Fab. de equip. de informática, produtos eletrônicos e ópticos 4,9 5,3 3,0 3,5 3,3 3,5 2,8 2,7 2,4 2,4
Fab. e montagem de veículos automotores 8,1 6,8 7,6 7,8 7,9 8,0 9,5 10,0 10,2 10,1
Fab. de outros equipamentos de transporte 0,8 1,5 1,7 2,0 1,7 1,9 1,8 1,7 1,6 1,6
Fab. de móveis e indústrias diversas 2,3 2,1 1,7 1,6 1,5 1,6 2,0 1,9 2,2 2,3
Nota: 1) Para a variável Serviços industriais prestados por terceiros e de manutenção: inclusive reparação de máquinas e equipamentos ligados à produção.
Fonte: IBGE - Pesquisa Industrial Anual - Empresa

No que se refere à balança comercial, os trabalhos que analisam o desempenho da


economia brasileira são unanimes em demonstrar o aumento da concentração em produtos
intensivos em recursos naturais, respondendo a uma demanda do mercado chinês e refletindo
a perda de competitividade de produtos mais intensivos em tecnologia em razão da
valorização cambial. Com base no Gráfico 3, é possível observar que houve um aumento da
participação dos produtos básicos nas exportações brasileiras entre 2003 e 2010 – que
representaram quase metade do total exportado do país em 2010 - e diminuição dos
manufaturados. Movimento oposto apresentou as importações do país, que registraram um
pequeno aumento da participação dos manufaturados.
84

Os dados de comércio exterior deixam claro que houve um aumento da


vulnerabilidade estrutural da economia brasileira:
[...] visto que commodities se caracterizam pela alta volatilidade de preços e
instabilidade da receita de exportação; rápida e profunda transmissão
internacional dos ciclos econômicos; maiores barreiras de acesso ao mercado
internacional; escalada tarifária; menor valor agregado; dumping ambiental
com redução do nível de bem-estar social; e, dumping social com redução do
nível de bem-estar social [...]. (GONÇALVES, 2011, p. 05).

Gráfico 3 – Exportações e Importações Brasileiras por Fator Agregado: 2003 e 2010


Exportações Brasileiras por Fator Agregado (%)
53,8
44,3
39,7

29,1

15,3 13,8

Básicos Semimanufaturados Manufaturados


2003 2010

Importações Brasileiras por Fator Agregado


79,2 83,0

16,9 13,1
4,0 3,9

Básicos Semimanufaturados Manufaturados


2003 2010

Fonte: MIDC.

A vulnerabilidade externa pode ser analisada, também, do ponto de vista conjuntural.


Para tanto, é necessário considerar os instrumentos de política com os quais as autoridades
econômicas contam, assim como, os “custos do enfrentamento (ajuste) em virtude dos
choques externos”. (CARCANHOLO, 2002, p. 69). Nesse aspecto, a Tabela 2 mostra que
entre 2003 e 2009 houve a melhora de todos os indicadores utilizados para avaliar a
capacidade de reação governamental diante da interrupção dos fluxos de capitais externos. Tal
melhora resultou de um cenário internacional favorável para as chamadas economias
emergentes a partir de 2003, caracterizado pela forte expansão no comércio internacional com
a exportação de commodities requeridas para assegurar o elevado ritmo de crescimento da
85

economia chinesa. Acrescente-se ainda, o aumento do consumo das famílias americanas a


partir de 2001 como impulso para a economia mundial 58.

Tabela 4 – Indicadores de Vulnerabilidade externa conjuntural: Brasil, 1994, 1999, 2000, 2003 –
2009
Serviço da dívida Dívida Dívida externa Reservas Dívida externa Dívida externa
externa/ externa total/ total líquida/ internacionais/ total/ exportações total líquida/
Ano
exportações (%) PIB (%) PIB (%) dívida total (%) (%) PIB (%)
1994 38,2 26,3 15,3 27,1 3,3 1,9
1999 126,5 42,0 32,5 16,1 4,7 3,6
2000 88,6 36,0 28,4 15,2 3,9 3,1
2003 72,5 38,8 27,3 22,9 2,9 2,1
2004 53,7 30,3 20,4 26,3 2,1 1,4
2005 55,8 19,2 11,5 31,7 1,4 0,9
2006 41,4 15,9 7,0 49,8 1,3 0,5
2007 32,4 14,1 -0,9 93,3 1,2 -0,1
2008 19,0 12,1 -1,7 97,7 1,0 -0,1
2009 28,6 12,6 -3,9 120,3 1,3 -0,4
Fonte: Carcanholo (2010).

Além disso, diferentemente do período 1999-2002, que se caracterizou por condições


de liquidez internacionais desfavoráveis, a partir de 2003 observa-se a reversão do ciclo como
resultado da “conjugação entre as políticas monetárias japonesa e americana [que]
impulsionaram o [...] ciclo de crédito e de inflação de ativos”. (BELLUZZO, 2006, p. 47). A
ausência de crises financeiras e de bruscas reversões do afluxo de capitais conferiu uma
relativa facilidade para financiamento do passivo externo brasileiro, se refletindo numa
aparente estabilidade macroeconômica.
Apesar desse quadro econômico favorável, que contribuiu para que a economia
brasileira diminuísse sua vulnerabilidade externa conjuntural, os empecilhos ao crescimento
permaneceram. Isso porque tais indicadores apenas refletem uma melhora aparente da
economia brasileira. Do ponto de vista estrutural, sua trajetória continuou condicionada pela
crescente necessidade de recursos externos para financiar o déficit em transações correntes e
para a rolagem da dívida pública. O financiamento de tais obrigações implica na manutenção
de elevadas taxas de juros e de elevado ajuste fiscal, o que significa uma política
sistematicamente restritiva com reflexos negativos sobre a expansão do produto. Aqui,
58
Segundo os dados do FMI, entre 2004 e 2010, a Venezuela (8,4%), Argentina (8,3%), Peru (7,8%), Uruguai
(6,7%) e Paraguai (5,5%) apresentaram taxa média de crescimento do PIB superior a do Brasil (5,3%). Colômbia
(5,2%), Equador (5,1%), Chile (4,9%) e Bolívia (4,7%) ficaram abaixo da média brasileira. Disponível em:
<http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2010/02/weodata/weoselgr.aspx> Acesso em 08 de mar. de 2012.
86

também, a taxa de câmbio se subordina à dinâmica financeira, visto que sua determinação está
atrelada ao fluxo de entrada e saída de capitais.
Portanto, os instrumentos de política econômica (câmbio e juros) continuaram a variar
em função das condições macroeconômicas dos países desenvolvidos, e, em especial, das
expectativas e da especulação daqueles que atuam nos mercados financeiros internacionais,
conforme sugere a oscilação da taxa de juros básica da economia brasileira a partir do ano
2000 (Gráfico 4).
Em 2003, por exemplo, a economia brasileira teve a maior taxa de juros registrada no
período analisado, quando a selic estipulada pelo Copom foi de 26,50% a.a.. Nesse mesmo
ano, o Banco Central dos EUA estipulou a taxa básica de juros em 1,25%, valor bastante
inferior ao fixado pelo BCB. Portanto, não existia aperto de liquidez internacional que
justificasse os diferencias entre as taxas de juros do país e as do governo norte-americano.
Aqui a determinação da variável esteve associada a especulação dos mercados financeiros
diante do início do governo Lula.
Com isso, as taxas de juros sempre estiveram entre as mais elevadas do mundo e não
exibiram um comportamento estável até meados de 2005 quando então mostra uma trajetória
de queda. Apesar disso, a trajetória econômica do período esteve caracterizada pelo baixo
crescimento médio.

Gráfico 4 - Decisões do Copom sobre a meta da Taxa Selic no Brasil e Taxas de Juros dos EUA:
1999 - 2008
Meta Selic % a.a.
45,00

26,50
18,50 15,75 18,50 16,00 19,75 15,25 11,25 13,75
17,50
mar-04

mar-05

mar-06

mar-07

mar-08
mar-99

mar-00

mar-01

mar-02

mar-03
jul-99

jul-00

jul-01

jul-02

jul-03

jul-04

jul-05

jul-06

jul-07

jul-08
nov-99

nov-00

nov-01

nov-02

nov-03

nov-04

nov-05

nov-06

nov-07

Federal Funds Rate % a.a.


6,0
4,75 5,0 4,75 5,25
3,5
2,75 2,25
1,75 1,25 1,00
3,00
nov-99

nov-00

nov-01

nov-02

nov-03

nov-04

nov-05

nov-06

nov-07
jul-99

jul-00

jul-01

jul-02

jul-03

jul-04

jul-05

jul-06

jul-07
mar-99

mar-00

mar-01

mar-02

mar-03

mar-04

mar-05

mar-06

mar-07

mar-08

Fonte: Banco Central do Brasil e Federal Reserve.


87

Outro elemento que demonstra a fragilidade da melhora conjuntural é que a


diminuição da dívida externa foi realizada, conforme mencionamos anteriormente, através da
substituição por dívida interna cujos juros são mais elevados e apresentam um prazo mais
curto de vencimento. Houve, portanto, uma piora do perfil de endividamento público.
Um segundo aspecto que mostra como a diminuição da vulnerabilidade externa
conjuntural não eliminou os empecilhos ao crescimento é que ainda na fase ascendente do
ciclo – a partir de 2005 - houve uma piora da conta serviços e rendas por causa do aumento da
remessa de lucros e dividendos relacionados ao IED e ao crescimento da remessa de juros
associada ao acúmulo de reservas internacionais (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007 e
CARCANHOLO, 2010).
Com a melhora do saldo comercial nos anos de 2003 e 2006, foi possível sustentar o
pagamento dos crescentes valores da conta serviços e rendas, entretanto, a partir de 2007 essa
tendência se inverte de modo que aumenta a necessidade de atrair capitais. Além da
diminuição das exportações, em 2007 ocorreu um aumento das importações estimulado pela
elevação da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) da economia (Gráfico 3), contribuindo
para a diminuição do saldo comercial. Aqui se expressa mais um componente da restrição
externa que afeta o crescimento econômico: a insuficiência de divisas para simultaneamente
realizar o pagamento de dívidas, as remessas de lucros e dividendo e manter a importação de
bens necessários à expansão do PIB.
Diante das restrições ao crescimento do mercado interno impostas pela manutenção da
política macroeconômica de juros altos e câmbio valorizado, as exportações passam a ter um
peso maior na dinâmica de expansão da produção nacional, ou seja:
[...] o impulso primário da acumulação e a dinâmica do crescimento passam
a ser dados, principalmente, pelo comportamento da demanda internacional,
recolocando-se, dessa forma, em novas bases (atualizando-se), um tipo de
dependência que era próprio da fase primário-exportadora e que o Modelo de
Substituição de Importações (MSI) havia superado [...]. (FILGUEIRAS,
2005, p. 40).

O reflexo da dinâmica internacional sobre a economia brasileira pode ser observado


através do Gráfico 5. A variação dos componentes da demanda agregada mostra que no Brasil
a exportação foi aquele que mais cresceu entre os anos de 2000-2005. A participação do gasto
governamental se mostrou compatível com a política de ajuste fiscal - outro empecilho a
expansão do produto. Ainda conforme mostra o Gráfico 5, nos anos de 2000, 2005 a 2006
este foi o componente da demanda agregada que menos se expandiu.
88

A partir de 2006, a FBCF passa a ser um componente importante, provavelmente a


elevação da utilização da capacidade produtiva da economia brasileira estimulou novos
investimentos em ampliação. Cabe ressaltar que tais inversões se fazem, principalmente, a
partir da importação de máquinas e equipamentos, o que contribuiu para a elevada
participação das importações de bens e serviços na composição do PIB nacional. Esse
componente foi o que teve a maior média de crescimento do período de expansão (2004 –
2008), inclusive bem acima das exportações entre os anos de 2006 e 2008.

Gráfico 5 - Variação real anual dos componentes do Produto Interno Bruto: Brasil,
2000-2008

19,9
18,4 18,5

15,3
13,9 13,8
12,9 13,3

10,8 10,0 10,4


9,3 9,8
9,1 8,5
7,4
6,2
5,6
5,0 4,7 5,0 5,1
4,1
3,6
2,7 2,3 2,6
1,5 1,2

-0,6
-0,2 0,4 -1,6
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*

-4,6
-5,2

Consumo famílias Consumo governo


FBCF Exportação
-11,8
Importação (-)

Fonte: IBGE - Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais.


(*) Dados sujeitos a retificação.

A importância das exportações pode ser mensurada se comparamos a variação desse


componente do PIB em relação ao consumo das famílias. Durante o ciclo expansivo 2003-
2007, esse valor (5,3%) foi um pouco superior ao das exportações (5,0%) somente no ano de
2006. Não queremos dizer com isso que o mercado interno não seja relevante ou negar a sua
maior participação na formação do PIB, mas que o mercado interno tem perdido importância
para frações do capital sediado no país. No setor automobilístico, por exemplo, “o
sobreinvestimento e, portanto, a alta capacidade ociosa destes setores no Brasil explica, em
parte, esse impulso exportador”. (COUTINHO, 2003, p. 17).
As decisões de internacionalização de várias empresas, conforme veremos no Capítulo
3, estão assentadas na baixa taxa de crescimento e volatilidade da economia brasileira,
inclusive, quando comparada com as dos países da América do Sul. Além disso, a
89

internacionalização via construção ou aquisição de ativos no exterior somente é realizada


depois de “a firma ter alcançado um nível relativamente elevado de exportações como
proporção de suas vendas totais [...] funcionando como um ‘gatilho’ que conduz a empresa a
pensar em formas mais profundas de participação no mercado externo”. (RIBEIRO; LIMA,
2008, p. 31).
Outro indicador da importância do setor externo para a indústria brasileira é a análise
elaborada pela Fiesp (2012), o estudo mostra que o coeficiente de exportação no 4º trimestre
de 2010 chegou a 83,6% nas indústrias extrativas; 63,8% no segmento de Preparação de couro
e artefatos de couro; 46,5% na indústria metalúrgica; 39,9% no segmento de Ferro gusa e
ligas e 26,9% no setor de alimentos. No caso das chamadas transnacionais brasileiras, um
indício do aumento da importância do mercado externo foi o aumento da quantidade de
funcionários no exterior (13,66%) superior ao verificado no país (5,08%) entre 2007 e 2009
(FDC, 2010).
É nesse cenário de crescente dependência das exportações como impulso primário do
crescimento, da necessidade de promover novas frentes de expansão para os grupos do núcleo
central do capitalismo brasileiro - dado os limites que a política macroeconômica impõe a
expansão do mercado interno - que podemos entender o apoio e estímulo às exportações e
internacionalização das transnacionais brasileiras. Acrescente-se, ainda, a necessidade de
gerar divisas de modo a garantir ao capital aplicado no país sua mobilidade.

2.4 A Política Industrial e o Investimento Externo Direto brasileiro

Do ponto de vista da relação entre Estado e mercado, o período esteve caracterizado


pela abertura de novas frentes de valorização para o capital, seja na área econômica com a
continuidade das privatizações através das Parcerias Público Privadas (PPP’s) 59, seja na área
social, através da transformação de direitos em mercadorias supridas pela iniciativa privada,
como demonstra a reforma da previdência (2003). Além disso, o compromisso com as
necessidades do capital se traduziu na aprovação da lei de falências (2005).
Apesar dessas intervenções de corte nitidamente neoliberal, durante o período de
2003/2010, o governo Federal lançou três programas destinados, segundo seus idealizadores,

59
Em 2004, privatização do Banco do Estado do Maranhão; em 2005, do Banco do Ceará. Em 2007, concessão
das seguintes rodovias a iniciativa privada: Régis Bittencourt; Fernão Dias; Transbrasiliana; BR – 101; Trechos
da BR-116; em 2008, BR – 116/Ba. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2013/11/78768-as-principais-privatizacoes-de-cada-
presidente.shtml> Acesso em 17 de set. de 2014.
90

a retomar a intervenção do Estado na economia com vistas a promover uma trajetória de


crescimento do país com distribuição de renda. O primeiro em 2003 - Política Industrial,
Tecnológica e de comércio Exterior (PITCE); o segundo - Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) - em 2007; e o terceiro - Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) –
em 2008.
Apesar dos objetivos apontados, tais políticas se afastam do que se entende por
política industrial, na medida em que não se constituem em estratégias de reversão das
características produtivas atuais da economia brasileira e nem do processo de
desindustrialização. Portanto, o que se convencionou chamar de política industrial do governo
Lula representa a interferência estatal na reacomodação do bloco de poder dominante. Ou,
como diz Tautz et al. (2010), “uma reorganização do capitalismo brasileiro”, através da qual
as frações do capital nacional (ainda que mais associada aos grupos transnacionais) tentam,
por meio do Estado, recompor e garantir espaço no processo de acumulação mediante uma
maior inserção internacional.

2.4.1 Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)

O anúncio da primeira política industrial do governo Lula foi feito em 2003, com o
lançamento da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), cujo plano
de ação “tem como objetivo o aumento da eficiência econômica e do desenvolvimento e
difusão de tecnologias com maior potencial de indução do nível de atividade e de competição
no comércio internacional”. (MIDC, 2003, p. 02).
O diagnóstico implícito no objetivo e diretrizes desse plano é o reconhecimento de que
a inserção do Brasil na globalização foi feita à custa da fragilização de sua estrutura
produtiva, com a diminuição dos setores de maior conteúdo tecnológico e dos encadeamentos
produtivos e tecnológicos.
Note que, isso não significa uma ruptura com os principais elementos que consolidam
tal inserção, que são a abertura comercial e financeira. Considera-se que tais movimentos
resultaram na deterioração das contas do Balanço de Pagamentos (BP) e na ampliação da
vulnerabilidade externa, porque foram realizados sem a consecução de políticas industrial,
tecnológica e comercial. Por isso, o PITCE (2003, p. 4-5) considera que “o Brasil tem
apresentado um desempenho externo aquém de suas potencialidades. Apresentamos taxa de
crescimento de exportações menor do que a de vários países em desenvolvimento”.
91

Ademais de explicitar as funções da política industrial e tecnológica no


desenvolvimento nacional, o PITCE aponta quatro setores como opções estratégicas:
semicondutores; software, fármacos e medicamentos e bens de capital 60. Alguns se justificam
pelo peso no desequilíbrio da balança comercial brasileira (as atividades de tecnologias de
informação e comunicação e química fina), outros, pela capacidade de geração de
encadeamentos produtivos e/ou centralidade que ocupam no processo de crescimento
sustentado e pelo papel no processo de difusão tecnológica para o conjunto dos outros setores
econômicos (bens de capital).
Apesar dos objetivos ambiciosos, isto é, de dotar a indústria brasileira de capacidade
de inovação, as principais ações governamentais envolvendo as metas do PITCE se
restringiram: i) a criação de instituições, a exemplo da Empresa Brasileira de Hemoderivados
e Biotecnologias, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e da Agência
Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI); ii) a aprovação de nova legislação como a
lei das Parcerias Público-Privadas e a Lei de Inovação 61, bem como a instituição de regimes
tributários especiais, a exemplo do Regime Tributário para incentivo à Modernização e à
ampliação da estrutura portuária ou do Regime especial de tributação para a plataforma de
Exportação de Serviços de Tecnologia de Informação e iii) a abertura de linhas de
financiamento no BNDES, a exemplo do apoio a inovação da Finep e linhas para capital de
giro62 (CANO, 2010).
Ressalte-se, ainda, as medidas destinadas a desonerar os investimentos e as
exportações, como a redução de alíquotas do IPI, isenção para contribuição do PIS/PASEP e
Cofins para importação de bens de capital, máquinas e equipamentos, atendendo as
reivindicações de diminuição dos custos de capital dos setores mais afetados pelos elevados
juros e as condições macroeconômicas adversas da economia brasileira em 2003.

60
Os critérios adotados para a escolha dos setores de intervenção prioritários foram: a) apresentam dinamismo
crescente e sustentável; b) são responsáveis por parcelas expressivas dos investimentos internacionais em
Pesquisa e Desenvolvimento; c) abrem novas oportunidades de negócios; d) relacionam-se diretamente com a
inovação de processos, produtos e formas de uso; e) promovem o adensamento do tecido produtivo; f) são
importantes para o futuro do país e apresentam potencial para o desenvolvimento de vantagens comparativas
dinâmicas. (MIDC, 2003, p. 16).

61
Estabelece novo marco para a relação entre universidades e institutos de pesquisa públicos e empresas
privadas, além de possibilitar ação mais positiva do Estado no apoio à inovação empresarial, pelo instrumento da
subvenção econômica a empresas para desenvolvimento tecnológico e pela possibilidade de compras
tecnológicas pelo Estado. A lei permite, por exemplo, o investimento público em empresas privadas.
(SALERNO, 2006, p. 12).
62
Para uma lista completa de todas as medidas, ver Cano et al. (2010).
92

Aqui obtiveram maior êxito as medidas “que demandavam menos do Ministério da


Fazenda” (CANO et al., 2010, p. 188), ou seja, aquelas que puderam ser realizadas sem que
implicasse em grande alteração na política macroeconômica.
O conjunto descompassado e não articulado de iniciativas que foram sendo
implementadas, no bojo de um processo de reconstrução de instâncias de
planejamento e gestão de instrumentos de política, não foi capaz de
influenciar significativamente o nível de investimentos na direção
pretendida, nem reverter os problemas estruturais. (CANO, 2010, p. 188).

O PITCE se constituiu mais em diretrizes para a política industrial do que


propriamente um planejamento mais detalhado com a elaboração de metas nas intervenções
setoriais. Acrescente-se, ainda, que ao reafirmar as virtudes da política macroeconômica e sua
manutenção como essencial para a diminuição do risco Brasil e para o próprio sucesso da
implantação da política industrial, mostra sua subordinação à política macroeconômica.

2.4.2 Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)

O PDP foi lançado em 2008 com o objetivo de elevar a competitividade da economia


brasileira. Está composto por três níveis de intervenção. O primeiro desses níveis são as Ações
sistêmicas, isto é, medidas relacionadas ao ambiente econômico geral capazes de gerar
“externalidades positivas para o conjunto da estrutura produtiva e que favorecem a melhoria
de um ambiente propício a expansão do investimento produtivo e tecnológico com o foco no
aumento da competitividade”. (MIDC, 2008, p. 01).
Num segundo nível de intervenção estão os destaques estratégicos que se referem aos
complexos produtivos “fundamentais para desenvolver a indústria do país”. (MIDC, 2008, p.
01). Aqui há uma clara referência ao estímulo aos setores de bens de capitais e àqueles que
estão na fronteira da acumulação, como o de Tecnologia de informação e comunicação e o de
biotecnologias, se constituindo no ponto de encontro com o PITCE. Conforme ressalta
Almeida (2009), a formulação da política industrial brasileira remonta os modelos
neoschumpterianos de necessidade de criar um ambiente de aprendizado e cooperação entre
agentes públicos e privados para promover a capacitação e inovação tecnológica.
Por fim, teríamos os programas estruturantes que é a materialização propriamente dita
das intervenções governamentais nos setores produtivos. É nesse conjunto de intervenções
que está o programa para “consolidar e expandir a liderança” que classifica a Integração
produtiva com América Latina e Caribe e a Integração com a África, como destaques
93

estratégicos “para o desenvolvimento produtivo do país no longo prazo”, na medida em que


podem abrigar investimentos ou se constituírem em mercado para os produtos brasileiros.
A consecução de tais destaques estratégicos passa pelo programa para “consolidar e
expandir a liderança brasileira com ênfase na inovação e na internacionalização de empresas
[...] contemplando setores e empresas que têm projeção internacional e capacidade
competitiva”. (MIDC, 2008, p. 16). Para tal, o PDP elegeu os setores de mineração; celulose e
papel; siderurgia; carnes; complexo aeronáutico; petróleo, gás natural, petroquímica e
bioetanol como alvo de uma agenda de ações que contém medidas de apoio técnico, de
financiamento, de incentivos tributários e de alteração do marco regulatório, adequando-o às
particularidades das atividades produtivas (MIDC, 2008).
O perfil setorial das intervenções propostas pelo PDP mostra que este é um plano
destinado a incorporar na política pública os setores produtivos que se fortaleceram
aproveitando o crescimento da economia mundial entre os anos de 2003 e 2008. Isto é,
acomodar as modificações da participação dos grupos empresarias brasileiros na riqueza do
país ao longo dos governos FHC e Lula. Pinto (2010), analisando a evolução do patrimônio
líquido, da receita operacional líquida e do lucro líquido dos diversos setores econômicos,
chegou à conclusão de que, no governo Lula, a indústria foi o setor que apresentou o maior
crescimento nas três variáveis acima mencionadas.
[...] No entanto, essa evolução positiva não se deu de forma homogênea
entre os segmentos industriais; pelo contrário, o que se verificou foi uma
expansão elevada, em termos absolutos e relativos, dos grupos econômicos
industriais produtores de commodities (fortemente influenciados pelos
efeitos Vale e Petrobrás) destinadas, em boa medida, ao mercado externo; ao
passo que os setores industriais tradicionais e difusores de tecnologia – que
destinam sua produção ao mercado interno – decresceram em termos
absolutos e relativos. (PINTO, 2010, p. 165).

Relacionando a trajetória da evolução da participação dos grupos econômicos no


estoque e fluxo de riqueza, o autor conclui que:
A grande burguesia industrial que destina sua produção, predominantemente,
ao mercado externo (produção de commodities) ampliou de forma
impressionante o seu estoque de riqueza. Isso ocorreu devido aos seus
elevados lucros líquidos (fluxos de riqueza) nesse período, que, inclusive,
ultrapassaram a participação dos lucros do setor financeiro. Essa ampliação
temporal da riqueza dessa fração dominante expressa a causa e o efeito do
aumento do seu poder político e econômico. Isso evidencia uma mudança de
posição relativa dessa fração no bloco de poder, sob o governo Lula.
(PINTO, 2010, p. 167).

Portanto, o aumento da riqueza desses setores na estrutura econômica nacional, bem


como o papel na geração de divisas que desempenham, explicam a maior importância das
94

políticas destinadas a promover a maior inserção internacional da indústria brasileira através


da promoção do IED. Além do empenho da diplomacia brasileira na consecução de arranjos
internacionais com os países da América do Sul, a exemplo da constituição da Unasul, a ação
dessa fração do capital orientou a política e os investimentos do BNDES para a estratégia de
expansão internacional. Temos, portanto, políticas públicas destinadas a consolidar o
movimento de internacionalização de empresas brasileiras nos moldes de seu padrão de
acumulação, ou seja, a intervenção governamental em setores específicos que visa reforçar as
opções e movimentos da iniciativa privada.
A análise do PDP fornece uma caracterização desses setores de atividade e a natureza
do padrão de inserção internacional que se busca através da intervenção pública. No setor de
Petróleo e gás, o objetivo das ações é transformar a Petrobrás na fornecedora de bens e
serviços para todo o Atlântico Sul (América do Sul e África). Expressando a composição
societária dessa empresa, a estratégia implica a associação com empresas estrangeiras, em
especial, via “atração de centros de P&D de transnacionais (Schlumberger, Baker Hughes e
FMC)”. (MIDC, 2008, p. 34).
No bioetanol, o objetivo é promover o processo de concentração do setor
impulsionando o processo de internacionalização das empresas brasileiras. Além disso, o PDP
visa limitar o processo de desnacionalização do setor que se intensificou nos anos 2000, em
função do aumento dos preços de petróleo. Nesse período, se
produjeran 99 fusiones y adquisiciones en esa industria al punto que la
participación de los cinco mayores grupos del sector creció del 12% al
21,5%. En ese proceso comenzaron a tallar con fuerza grupos como Bunge,
Cargil y Adecoagro de George Soros, además de la gigante Cosan que
controla casi el 10% del sector. (ZIBECHI, 2012, p. 167).

Para preservar a participação do segmento nacional dessa indústria, o governo inseriu


a Petrobrás no setor e tem usado a empresa para realizar parcerias com os grupos privados,
dotando-os de maior capacidade de mobilização de recursos para que consigam competir com
as grandes empresas do agronegócio mundial. Além disso, o aporte aos grupos privados,
também, contou com a concessão de benefícios tributários para as usinas de álcool, visando a
diminuição de custos do setor e uma maior capacidade de competição.
No setor de carnes o objetivo é consolidar as empresas brasileiras como líderes
mundiais. O plano prevê a concessão de benefícios tributários, a melhoria da infraestrutura
física e a inserção do setor nas negociações bilaterais para facilitar e ampliar as exportações.
No setor de celulose, o central da intervenção estatal é a concessão de isenções fiscais e
tributárias, bem como o aumento das linhas de financiamento para exportação.
95

Na siderurgia, o apoio governamental a internacionalização prevê a melhoria da


logística e ações tributárias desonerando o investimento. A diminuição dos custos de
produção, especialmente depois da crise de 2008, constitui a principal reivindicação do setor.
Ressalte-se que, a estratégia de expansão internacional representa a maneira pela qual esse
segmento pode aumentar a sua lucratividade, haja vista que “a capacidade produtiva brasileira
atual é praticamente o dobro do consumo aparente interno, o que não estimula novos
investimentos direcionados para o mercado interno”. (MIDC, 2008, p. 60).
No que se refere à melhoria do perfil tecnológico da produção siderúrgica, o PDP
propõe a atração de investimentos de empresas transnacionais conformando um
encadeamento produtivo entre os grupos privados nacionais como ofertantes de aço
semiacabado e os grupos estrangeiros como produtores e exportadores de uma variedade de
produtos siderúrgicos de maior valor agregado destinados as mais diversas indústrias.
Subjacente à estratégia está o reconhecimento de que os grupos empresariais brasileiros têm a
opção pelo “crescimento mais acelerado do minério de ferro, em detrimento da siderurgia”.
(MIDC, 2008, p. 62).
Por fim, a ação governamental passa, também, pela flexibilização das normas
ambientais, para tal “já foram iniciadas conversações com o Ibama florestas, visando
melhorar o ambiente regulatório para a cadeia de siderurgia a carvão vegetal”. (MIDC, 2008,
p. 62). Aqui a política pública se destina a retirar os entraves à consecução dessa atividade,
cujos impactos sobre a natureza incluem o aumento da poluição - através da emissão de
dióxido de carbono - e a diminuição da biodiversidade por causa do desmatamento da mata
nativa e das florestas (para utilização da madeira) e da criação de monoculturas de
reflorestamento.
Na mineração, o grande ganho apontado pelo PDP foi a intensificação da
internacionalização da Vale com a aquisição de minas na América do Sul, África e Austrália.
Além disso, o programa visa impulsionar a pesquisa mineral não apenas no Brasil, mas em
país onde existe empresa de capital brasileiro operando no setor. Aqui se vislumbra a atração
de investidores internacionais para investimentos na indústria extrativa mineral, através do
modelo de concessões.
Dos objetivos acima expostos, podemos concluir que a Política de Desenvolvimento
Produtivo, apesar das referências ao desenvolvimento tecnológico e a promoção de uma
inserção nas correntes dinâmicas de comércio internacional, reforça a especialização
produtiva, isto é:
96

[...] o padrão do comércio mundial neste início de século XXI, puxado pela
maior inserção da China no comércio mundial como consumidor de
alimentos e matérias-primas, favorece e consolida a atual estrutura produtiva
brasileira, concentrada na exportação de produtos de baixa intensidade
tecnológica. A política industrial ao invés de contrabalançar esse efeito-
demanda, na verdade o fortalece ao estimular a concentração e
internacionalização das empresas brasileiras produtoras de commodities e
produtos de baixa tecnologia. (ALMEIDA, 2009, p. 25).

Além disso, possui a perspectiva de adequar as medidas financeiras, tributárias e


fiscais à organização setorial ou às necessidades das empresas, leia-se, às necessidades de
redução de custos do capital sem que isso signifique alterações no encadeamento produtivo do
setor, diminuição dos coeficientes de importação de insumos ou geração de empregos. Isto é,
não existe um programa geral pensado a partir das necessidades de superação da dependência,
ao contrário, os projetos se aderem às necessidades daqueles que demonstram intenção em
ampliar sua produção.
Outra característica importante da política do período é a confirmação do projeto de
crescimento vinculado ao capital internacional, conforme explicita o PDP, para os setores de
petróleo e mineração. Acrescente-se, ainda, que tal ligação não significa necessariamente uma
posição de destaque para as empresas brasileiras, ao contrário, reproduz a divisão
internacional do trabalho segundo a qual os países periféricos estão inseridos em atividades de
menor valor agregado e degradadoras do meio ambiente, portanto, respeita as especializações
produtivas e a organização setorial, a exemplo do setor siderúrgico.
Expressando a perspectiva de maior articulação com investidores internacionais,
acima descrita, mantém-se a igualdade entre capital nacional e estrangeiro na fruição das
medidas de apoio governamental. Tal opção reflete, também, a participação acionária de
grupos estrangeiros nas empresas brasileiras.
Por fim, podemos perceber que a política tenta preservar alguns segmentos para os
capitais nacionais, a exemplo do bioetanol, apoiando-os no processo de concorrência com os
capitais internacionais. Note que mesmo nesse caso, não se observam medidas legislativas
que visem limitar a participação estrangeira na matriz industrial brasileira. A escolha é
transferir recursos estatais para que as empresas brasileiras com menor eficiência competitiva
continuem atuando no mercado.
Implícito nessa opção está a perspectiva de evitar retaliações que signifiquem em
limitações a expansão das empresas brasileiras. Além disso, expressa o objetivo de criar o
mercado internacional de bioetanol, o que em tese abriria novas oportunidades de
investimentos para os capitais brasileiros envolvidos nesse setor, dada as vantagens
97

comparativas do país nessa produção. Considera-se que a presença de grandes empresas


transnacionais no segmento facilita a transformação do etanol em commoditie internacional. A
lógica de expansão dos capitais nacionais, portanto, não é antagônica aos capitais
estrangeiros, a maior ligação é vista como um meio de potencializar a inserção internacional.
A presença de inversões estrangeiras também é desejável pelos efeitos que acarreta,
segundo seus formuladores, na estrutura produtiva. Segundo o PDP, os investimentos de
grupos internacionais resultaram na “diminuição da fragilidade financeira do setor, bem como
a introdução das melhores práticas de governança, aumentando a sustentabilidade da
produção”. (MIDC, 2008, p. 36).
Aqui os formuladores da chamada política industrial brasileira estabelecem a
associação entre atração de IED e a consecução de uma melhor inserção internacional. A
constatação de que as empresas transnacionais atuam nos segmentos mais dinâmicos e
intensivos em tecnologia torna desejável a associação entre capitais nacionais e estrangeiros.
Aposta-se que ocorra transferência tecnológica ou que as transnacionais instalem atividades
de pesquisa e desenvolvimento, conforme, também, expressa o PTICE. Tal abordagem
apresenta similaridades com o neodesenvolvimentismo 63, que considera que a brecha
tecnológica dos países em desenvolvimento com relação aos países desenvolvidos pode ser
diminuída com a ajuda das transnacionais. Portanto:
[…] supone que esa disminución surgirá de una mayor presencia económica
de las firmas que generan esa fractura [...] [al contrario] esas empresas no
derraman conocimientos hacia la periferia. Transfieren a sus filiales un
manejo acotado de las prácticas requeridas para asegurar sus líneas de
fabricación […] El neo-desarrollismo considera que esos obstáculos pueden
remontarse, forjando “sistemas nacionales de innovación” patrocinados por
el estado y las empresas transnacionales. (KATZ, 2014, p. 05).

O PDP, portanto, sistematiza a política que vinha sendo adotada pelo BNDES e por
outros órgãos do poder público como o Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio
Exterior (MIDC) e o Ministério das Relações Exteriores. A novidade talvez seja o
delineamento de objetivos ambiciosos para esses setores na perspectiva de consolidar sua
inserção internacional e diminuir a relação com o mercado interno. Conforme visto
anteriormente, a vulnerabilidade externa brasileira impõe limites ao crescimento de sua
economia. Portanto, a ideia é dotar tais capitais de relativa independência da evolução da
economia interna, ainda que tal estratégia apresente o inconveniente de que os países da
América do Sul, também, padecem das mesmas fragilidades da economia brasileira.

63
Apresenta, também, similaridades com o Regionalismo aberto da Cepal.
98

Certamente, esse diagnóstico tem levado a diversificação geográfica das inversões brasileiras
em direção às economias centrais, em especial, os EUA.

2.4.3 Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que deveria ter sido executado


entre os anos de 2007 e 2010 foi lançado num contexto de crescimento econômico em que as
insuficiências e deterioração da infraestrutura brasileira ficaram mais visíveis, interferindo nos
custos dos setores exportadores. Além disso, se insere num contexto de fracasso do projeto de
Parceria Público Privadas (PPP’s) como alternativa ao investimento público para ampliação e
modernização da infraestrutura64.
Assim como os demais planos, o PAC reafirma o compromisso governamental com o
neoliberalismo como estratégia de desenvolvimento. Nessa perspectiva estão as propostas de
alterações na legislação, que têm por objetivo “criar um novo marco regulatório para melhorar
o ambiente de investimento” (GOVERNO FEDERAL, 2007, p. 18), dentre as quais
destacamos: i) flexibilização da legislação ambiental para facilitar e acelerar os
investimentos; ii) abertura do Mercado de Resseguros para aumentar a concorrência e reduzir
custos dos financiamentos; iii) criação do marco legal das agências reguladoras com o intuito
de “criação de ambiente institucional/legal que favoreça a elevação do investimento privado
em infra-estrutura” (GOVERNO FEDERAL, 2007, p. 52); e iv) regulamentação do regime
de concessão no setor de gás.
Além disso, o PAC reafirma seu compromisso com o ajuste fiscal e o pagamento da
dívida pública, visto que propõe o controle das i) despesas com pessoal restringindo os
aumentos salariais a 1,5% a.a. mais IPCA e ii) limitando os gastos com previdência. Para
tanto, foi criado o Fórum Nacional da Previdência Social, com o objetivo de regulamentar a
previdência complementar do servidor público federal.
Considerando os investimentos propostos pelo programa, observa-se a maior
destinação de recursos para a área de energia (54,5%). Tais montantes incluem obras previstas

64
Os investimentos em infraestrutura se caracterizam pelo longo prazo de maturação e retorno, o que desestimula
a participação das empresas privadas, especialmente num contexto em que a desregulamentação financeira põe à
disposição dos capitais uma grande quantidade de aplicações de elevada liquidez e alta rentabilidade. Por isso,
mesmo quando as obras são realizadas num regime de concessão, como no caso da construção do complexo
hidroelétrico do Rio Madeira, gerido pela Madeira Energia S. A. (MESA) – consórcio formado por Odebrecht,
Furnas, Andrade Gutierrez, Cemig e um Fundo de Participações (FIP) que tem como cotistas Santander e Banif –
as empresas privadas exigem aporte do poder público, que na citada obra se traduziu na concessão de
financiamento pelo BNDES de R$ 6,1 bilhões.
99

pelas estatais do setor, isto é, “expressam estratégias de investimentos em projetos específicos


dessas empresas. Elas ocorreriam independentemente do PAC”. (FILGUEIRAS;
GONÇALVES, 2007, p. 199).
Quanto às intervenções no setor de transporte e logística, o PAC se caracteriza pela
insuficiência de recursos. Conforme indica o Plano Nacional de Logística e Transportes
(PNLT), os montantes previstos para a realização de obras representam 66,1% dos
investimentos necessários para a recuperação desse segmento 65 (FILGUEIRAS;
GONÇALVES, 2007).
As obras nas áreas de energia e transporte, além de se destinarem a diminuir os custos
do setor exportador, também visam favorecer as inversões brasileiras na América do Sul. Tal
objetivo se concretiza através da inclusão de 21 projetos que compõem a carteira da Iniciativa
para a Integração da Infraestrutura Sul-Americana (IIRSA) no PAC.
A análise do Quadro 1 mostra que das 21 obras, 11 estão localizadas na região sul do
Brasil, em rotas realizadas para alcançar as fronteiras entre o Brasil e os países vizinhos -
Argentina, Uruguai e Paraguai. Conforme veremos no Capítulo 3, a produção de muitas
empresas no Uruguai se destina a abastecer o mercado brasileiro. Ademais, alguns setores,
como o de carnes, utilizam tais países como plataforma de exportação, necessitando, por isso,
de uma melhor infraestrutura para escoar a produção. Portanto, as intervenções visam facilitar
o fluxo de cargas na região do Mercosul. No caso dos investimentos em energia, ressalta-se
dois objetivos: i) diminuir os custos das empresas brasileiras instaladas na região e ii)
importar o excedente produzido através de acordos como o celebrado entre Brasil e Paraguai
para comercialização da energia da usina hidrelétrica de Itaipu.
A prioridade conferida a esses empreendimentos dentro da lógica de
internacionalização do capital brasileiro é um dos responsáveis pela incorporação das obras
pelo Tesouro Nacional e pelo BNDES66, haja vista que um dos entraves a consecução dos
projetos da IIRSA é a dificuldade em conseguir investidores estrangeiros ou contar com o
financiamento de agências multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento

65
Mesmo com a dotação de recursos inferior as necessidades de ampliação da infraestrutura, nos primeiros dois
anos do PAC o Governo Federal não conseguiu gastar mais que 28% do orçamento” (IPEA, 2009, p. 14) 65. São
apontados com fatores impeditivos da consecução dos investimentos “projetos executivos mal elaborados, falta
de mão de obra para condução destes projetos, dificuldades para consecução de licenciamento ambiental,
paralisações no Tribunal de Contas da União (TCU) por irregularidades de processo etc. (IPEA, 2009, p.14).
66
O BNDES tem papel de destaque no financiamento dos projetos do IIRSA como veremos no capítulo 4 e ainda
mais importante no que se refere ao financiamento das inversões no PAC.
100

(BID). Além disso, conforme a institucionalidade do IIRSA, os países envolvidos nas obras
são os principais responsáveis pela sua consecução, o que significa elaboração do projeto,
readequação da legislação e o financiamento, seja via empréstimos ou através de recursos
próprios.
Em síntese, o projeto de internacionalização das empresas brasileiras para a América
do Sul se articula ao modelo Liberal Periférico do governo Lula através de três eixos
fundamentais: i) expressa o fortalecimento de uma fração do capital não antagônica ao
processo de liberalização financeira. Ao contrário, tais grupos econômicos rejeitam a
consecução de arranjos financeiros internacionais no âmbito dos países da América do Sul
que ponha em risco seu acesso aos mercados financeiros globalizados; ii) reflete a
necessidade de melhorar a situação do Balanço de Pagamentos e favorecer a geração de
divisas de modo que os capitais que aqui se instalam e mesmo aqueles de origem nacional
possam exercer a sua liberdade de movimento e iii) na medida em que o modelo econômico
acentua a vulnerabilidade externa da economia brasileira, a internacionalização aparece como
um meio dos capitais relativizarem a importância do mercado interno na sua lógica de
expansão. São esses elementos que explicam o apoio estatal ao Investimento Direto Externo
Brasileiro, cujos montantes, características e reflexos sobre os países da América do Sul
passaremos a analisar.
101

Quadro 1 - Investimentos em infraestrutura física presentes no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e na Iniciativa para a Integração da
Infraestrutura Sul-Americana (IIRSA)
Valor (US$
No Eixo Obras milhões) Objetivo Situação*
1 HPP Melhoramento da navegabilidade do Rio alto Paraná 70 Ampliar a capacidade de transporte de carga
Desviar o tráfego do centro urbano de Curitiba, reduzindo o tempo
2 Conclusão do anel rodoviário de Curitiba 75 de viagem Em andamento
CAP
Corredor Bioceânico tramo Paranaguá - Cascavel e variante
3 ferroviária entre Guarapuava e Engenheiro Bley 0 Expandir a malha ferroviária Em andamento
4 Conexão viária Rio Branco- Cruzeiro do Sul 40 Área de expansão de fronteira agrícola e mineral Em andamento
AMA Construção de 62 terminais hidroviários nos estados do Amazonas,
5 Rede de terminais marítimos fluviais na Amazônia 200 Acre, Pará e Rondônia Em andamento
6 Circunvalação viária de Campo Grande (MS) 10 Retirar o fluxo de cargas do centro urbano da cidade Em andamento
IOC Arco viário do Rio de Janeiro e acesso viário ao porto de Retirar o transito da Av. Brasil e da ponte Rio-Niterói e otimizar o
7 Itaguaí 614 fluxo Corumbá - Santos-São Paulo-Rio de Janeiro Em andamento
8 Dragagem e Construção das avenidas no porto de Santos 178 Incrementar as exportações no porto de Santos Em andamento
9 Adequação do trecho Navegantes - Rio do Sul 400 Facilitar fluxo de cargas na região industrial de Santa Catarina Em andamento
10 Ampliação do aeroporto de Campinas 1.190 Aumento da demanda de transporte de cargas e passageiros Concluída
11 Ampliação do aeroporto de Guarulhos 957 Absorver fluxo do aeroporto de Congonhas Concluída
12 Construção do anel viário da RM Belo Horizonte (BR- 381) 140 Deslocar o trânsito de veículos pesados da RM de Belo Horizonte Em andamento
Construção e pavimentação da BR- 282 na fronteira entre Integrar o Estado de Santa Catarina aos portos de Itajaí, São
13 Florianópolis e Argentina 100 Francisco Sul e Laguna Concluída
14 MCC Construção do Tramo Santa Maria - Rosário Sul (Br-158) 30 Escoar produção agrícola; ligação com Argentina, Uruguai e Chile Concluída
15 Duplicação do tramo Palhoça - Osorio (Br - 101) 700 Melhorar o fluxo rodoviário no corredor Mercosul Concluída
16 Adequação do tramo Rio Grande - Pelotas (BR - 392) 400 Fluxo rodoviário entre Porto alegre, Argentina e Uruguai Em andamento
17 Construção da hidroelétrica de Garabí no Rio Uruguai 2.728 Geração de energia Nd
18 Transporte Lagoa Merín (Uruguai) e lagoa dos Patos (Brasil) 100 Transporte fluvial de cargas Em andamento
19 Construção do anel viário de São Paulo 3.181 Reduzir tráfego sobre a marginal Tietê Em andamento
20 Construção da hidrelétrica de Panambí no Rio Uruguai 2.474 Geração de energia Nd
Complexo hidrelétrico do Rio madeira (Santo Antonio e
21 PBB Jirau) 18.209 Geração de energia Em operação**
Fonte: IIRSA
* Classificação com base no 10º Balanço do PAC referente aos meses de março/junho de 2014. **Conforme relatório do PAC, em 2014 houve "a entrada em operação de mais sete unidades geradoras da usina de Jirau
(3.750 MW), totalizando 600 MW, e 26 unidades de Santo Antônio (3.150 MW) totalizando 1.854 MW, ambas as usinas estão localizadas em Rondônia" (p. 74).
102

CAPÍTULO 3 – O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO BRASILEIRO


NA AMÉRICA DO SUL

3.1 Os primeiros movimentos do IED brasileiro e sua posição no mundo

Os países desenvolvidos responderam, até o início dos anos de 1990, por quase toda a
exportação de capitais realizada no mundo, investindo em diversas partes do globo através de
suas empresas ou da concessão de empréstimos. Somente a partir do ano de 1985, a
participação dos países em desenvolvimento no Investimento Externo Direto (IED) começa a
aumentar, chegando no ano de 2010, conforme mostra a Tabela 5, a quase 25% do total
registrado no mundo.
A trajetória de crescimento do IED nas economias em desenvolvimento está assentada,
principalmente, no desempenho econômico da Ásia, em especial das economias de Hong
Kong e China que, de acordo com dados da UNCTAD 67 da Tabela 6, se constituíram, desde
1985, nos principais exportadores de capitais do mundo subdesenvolvido, respondendo,
respectivamente, por 23,2% e 20,8% desse volume em 2010. Cabe destacar, também, o
aumento da participação da Rússia a partir do ano de 2002 – proporção que atinge 15,8% em
2010 - e da Índia na segunda metade dos anos 2000.

67
Pela metodologia da UNCTAD, o Investimento Estrangeiro Direto (IED) é definido como um investimento que
envolve uma relação de longo prazo e reflete um interesse duradouro de uma entidade residente em uma
economia em controlar (investidor directo estrangeiro ou empresa-mãe) uma empresa residente em uma
economia diferente. Tal investimento envolve a operação inicial entre as duas entidades e todas as transações
subsequentes entre elas e entre filiais estrangeiras. Os Fluxos de saídas e entradas de IED inclui o capital
fornecido (diretamente ou através de outras empresas relacionadas) por um investidor estrangeiro directo a uma
empresa de IED, ou o capital recebido por um investidor estrangeiro direto de uma empresa de IED.
O Investimento Direto Externo inclui os três seguintes componentes: capital social, lucros reinvestidos e
empréstimos intra-empresa.
- O capital social é a compra do investidor estrangeiro direto de ações de uma empresa em um país
diferente daquele de sua residência.
- Os ganhos reinvestidos incluem a remuneração do investidor não distribuída como dividendos pelas
filiais ou lucros não remetidos para o investidor direto que são reinvestidos.
- Empréstimos Intra-empresa se referem a empréstimos de curto ou de longo prazo e empréstimos de
fundos entre investidores directos (empresas-mãe) e empresas afiliadas.
Dados sobre os fluxos de IDE são apresentados em bases líquidas (créditos das operações de capital
menos os débitos, computados entre os investidores directos e suas filiais no exterior). Diminuição líquida em
ativos ou aumento líquido do passivo são contabilizados como créditos (com sinal positivo), enquanto os
aumentos líquidos de ativos ou diminuições líquidas de passivos são registrados como débitos (com sinal
negativo). Assim, os fluxos de IED com sinal negativo indicam que pelo menos um dos três componentes do
IED é negativo e não compensado por valores positivos dos componentes restantes. Estes são chamados de
desinvestimento (UNCTADSTAT, 2011). Disponível em :
<http://unctadstat.unctad.org/UnctadStatMetadata/Documentation/UNCTADstatContent.html> Acesso em 07 de
nov. de 2011.
103

Tabela 5 - Fluxos de saída de Investimento Externo Direto (IED) segundo o desenvolvimento


da economia e países selecionados: 1970, 1975, 1980, 1985, 1990, 1995, 2000-2010
Mundo Países em Países Brasil/ Participação no IED das economias em desenvolvimento
Ano (US$ Desenvol Desenvol Brasil China Hong Taiwan Índia Coréia Malásia Rússia Cinga África
milhões) vimento vidos Mundo Kong pura do Sul
1970 14.151 0,4 99,6 0,1 27,5 - 0,0 2,0 0,0 - 0,0 - 0,0 32,9
1975 28.594 1,9 98,1 0,4 20,1 - 0,0 0,0 0,0 0,7 0,0 - 7,1 23,5
1980 51.590 6,2 93,8 0,7 11,5 - 2,6 1,3 0,1 0,8 6,3 - 3,1 23,6
1985 62.014 6,4 93,6 0,1 2,0 15,9 24,3 2,0 0,1 14,9 5,3 - 6,0 1,3
1990 241.498 4,9 95,1 0,3 5,2 7,0 20,5 44,0 0,1 8,8 1,1 - 17,1 0,2
1995 362.746 15,2 84,6 0,3 2,0 3,6 45,3 5,4 0,2 6,4 4,5 1,1 12,3 4,5
2000 1.232.117 10,9 88,8 0,2 1,7 0,7 44,2 5,0 0,4 3,2 1,5 2,4 4,4 0,2
2001 752.660 11,0 88,7 -0,3 -2,7 8,3 13,7 6,6 1,7 2,5 0,3 3,1 24,2 -3,8
2002 537.183 9,3 89,9 0,5 5,0 5,1 35,1 9,8 3,4 5,9 3,8 7,1 4,7 -0,8
2003 573.792 8,0 90,1 0,0 0,5 6,2 12,0 12,3 4,1 8,6 3,0 21,1 5,9 1,2
2004 930.105 13,0 85,4 1,1 8,1 4,5 37,7 5,9 1,8 4,7 1,7 11,4 8,9 1,1
2005 882.132 13,8 84,5 0,3 2,1 10,0 22,3 4,9 2,4 5,2 2,5 10,5 9,2 0,8
2006 1.405.389 16,1 82,2 2,0 12,4 9,3 19,8 3,3 6,3 4,9 2,7 10,2 8,3 2,7
2007 2.174.803 13,5 84,1 0,3 2,4 7,6 20,8 3,8 5,9 6,7 3,8 15,6 11,1 1,0
2008 1.910.509 16,2 80,7 1,1 6,6 16,9 16,4 3,3 6,3 6,6 4,8 18,0 -0,1 -1,0
2009 1.170.527 23,1 72,7 -0,9 -3,7 20,9 23,6 2,2 5,9 6,4 2,9 16,1 6,8 0,4
2010 1.323.337 24,8 70,7 0,9 3,5 20,8 23,2 3,4 4,5 5,9 4,1 15,8 6,0 0,1
Fonte:UNCTAD/UNCTADstat

No que se refere ao Brasil, as inversões do país no exterior têm um primeiro impulso


nos setores de Construção, Siderurgia e Petróleo. De acordo com CAMPOS (2009), a Mendes
Júnior foi a empresa pioneira na participação de projetos no exterior ainda em 1969. No final
dos anos de 1970, outras empresas do ramo da construção, como a Norberto Odebrecht,
Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, também iniciam seu processo de internacionalização
com projetos de construção de barragens e estradas. A queda da demanda pública por obras de
infraestrutura, dada a estagnação da economia brasileira durante os anos de 1980, foi o
principal impulsionador da internacionalização dessas empresas.
A consecução de IED no ramo de Construção está associada à oligopolização desse
setor já nos anos de 1970, constituindo desde cedo uma estrutura concentrada de grandes
empresas dotadas de capacidade gerencial e tecnológica, tornando-as, assim, capazes de
promover sua internacionalização. Contribuíram para isso, os elevados lucros e a aquisição de
know how com as obras de infraestrutura que realizaram no país desde o plano de metas
como, por exemplo, a construção de usinas hidrelétricas, a abertura de grandes estradas
ligando as regiões do Brasil, a criação do BNH e de plataformas e refinarias para a Petrobras
(CAMPOS, 2009).
Cabe ressaltar outro fator importante no processo de expansão internacional do setor, a
reserva de mercado para os grupos privados nacionais, instituída pelo decreto 64.345 em
104

1969, segundo o qual as obras públicas somente poderiam ser delegadas a empresas com sede
no país e com controle acionário de brasileiros. Conforme Lessa (1998), a grande engenharia
nacional, em razão das articulações com frações do capital nacional que compõem a cadeia
produtiva do setor e em função da geração de empregos, sempre teve prioridade na dotação de
recursos e nas políticas governamentais. Tal primazia dotou o setor de experiência técnica e
rendeu apoio do poder público para a realização de obras no exterior.
O movimento de internacionalização das empresas do setor, na segunda metade dos
anos de 1970, contou com o apoio financeiro do Banco do Brasil, através da Carteira de
Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX), que passou a financiar “até 90% do valor
dos contratos estabelecidos pelas empresas de engenharia [...] As condições de financiamento
eram altamente convidativas, com juros anuais de 7% ao ano, 4 anos e meio de carência
outros 6 anos para pagar”. (CAMPOS, 2010, p. 75). Para ajudar na tarefa nasceu, em 1976, a
Interbrás “que uniu empresas e entidades governamentais numa parceria capaz de
comercializar produtos e serviços de engenharia brasileiros em troca de petróleo”.
(PETROBRAS, 2014)68. Além do Cacex e da Interbrás, o Itamaraty também atuou de forma a
facilitar a inserção externa dessas empresas.
Outro setor que investiu no exterior nesse período foi o de extração de petróleo,
representado pela Petrobras. Seu movimento de internacionalização data de 1972, com a
criação da Braspetro, “subsidiária encarregada de buscar boas oportunidades e parcerias
vantajosas em todos os cantos do planeta”. Aqui, a proximidade dos recursos naturais é a
principal motivação para a internacionalização desta empresa, que além do aporte financeiro
estatal contou com a capacidade tecnológica adquirida na exploração das jazidas brasileiras
para promover a internacionalização de suas atividades via IED.
No caso da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a internacionalização se deu via
joint ventures com empresas japonesas, italianas e espanholas ao longo dos anos de 1970 e
com a montagem de redes e canais de comercialização, através da:
Itabira Eisenerz – subsidiária sucedida pela Rio Doce Europa (RDE), criada
em janeiro de 1974, com sede em Bruxelas, responsável pela
comercialização da produção da CVDR [...] Itabira International Corporation
(Itaco) e a Rio Doce América (RDA), subsidiária integral da Itaco, sediada
em Nova York, que respondia pela comercialização do minério de ferro e
das pelotas da CVRD nos EUA, no Canadá, no México e em Trinidad e
Tobago. (VALE, 2012, p. 7-8).

68
Conforme vídeo, a Interbrás promoveu não apenas a exportação dos serviços de construção, mas também a
exportação de carros, eletrodomésticos e produtos agrícolas, como açúcar, café e soja. Disponível em:
<http://sites.petrobras.com.br/minisite/memoria/petrobras/index.htm> Acesso em 12 de jul. de 2014.
105

As movimentações dos setores de Construção, Siderurgia e Extração de petróleo


resultaram numa elevação da participação do IED brasileiro para 0,7% do IED mundial, em
1980, e 1,4% em 1982, proporção que somente foi ultrapassada em 2006 (2,0%), conforme
mostra a Tabela 6. Nela podemos observar, também, que embora a participação brasileira na
exportação de capitais do mundo sempre tenha sido pequena, representava uma proporção
significativa do IED dos países em desenvolvimento até o ano de 1985, quando então, as
economias asiáticas se lançam numa estratégia de desenvolvimento através da
internacionalização de suas empresas que não foi acompanhada pelo Brasil - mesmo após sua
inserção na globalização em 1994.
Esse quadro somente começa a se modificar no ano de 2004, quando o montante do
IED brasileiro chega a 1,1% daquele verificado no mundo e 8,1% do registrado entre os
países em desenvolvimento, mostrando que a internacionalização da produção via inversões
no exterior entrou na estratégia de expansão de algumas empresas brasileiras e nos projetos de
desenvolvimento governamental, contando, por isso, com o aporte técnico e financeiro do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Considerando as principais economias da América Latina, podemos observar tanto a
primazia do Brasil quanto a maior importância nos fluxos e estoques de IED em relação à
Argentina, Chile e México. Como mostra a Tabela 7, o Brasil, assim como a Argentina,
começou a registrar fluxos de inversões no exterior já em 1970, embora em termos de valores
a participação brasileira, nesse ano, seja cerca de dez vezes maior que a da Argentina.
106

Tabela 6 - Fluxos de saída de Investimento Externo Direto (IED) em países selecionados e na


América do Sul: 1970-2011
Fluxos de IED (%)
Estoque de IED (%)
Mundo Eco em Mundo Eco em
Ano desenvolvi desenvolvi
(US$ Argentina Brasil Chile Mexico América (US$ Argentina Brasil Chile Mexico América
mento da mento da
milhões) América do Sul milhões) América do Sul
1970 14.151 0,0 0,1 0,0 0,0 0,2 0,1 nd nd nd nd nd nd nd
1975 28.594 0,0 0,4 0,0 0,0 0,8 0,4 nd nd nd nd nd nd nd
1980 51.590 -0,2 0,7 0,1 0,0 1,7 0,8 548.922 1,1 7,0 0,0 0,3 8,7 8,2
1985 62.014 0,1 0,1 0,0 0,4 1,1 0,2 898.767 0,7 4,4 0,0 0,2 5,6 5,2
1990 241.498 0,0 0,3 0,0 0,1 0,1 0,5 2.091.496 0,3 2,0 0,0 0,1 2,7 2,4
1995 362.746 0,4 0,3 0,2 -0,1 2,2 1,0 3.791.296 0,3 1,2 0,1 0,1 2,3 1,7
2000 1.232.117 0,1 0,2 0,3 0,0 4,0 0,7 8.025.834 0,3 0,6 0,1 0,1 2,6 1,2
2001 752.660 0,0 -0,3 0,2 0,6 4,9 0,0 7.804.039 0,3 0,6 0,2 0,7 3,7 1,2
2002 537.183 -0,1 0,5 0,1 0,2 2,4 0,8 7.891.989 0,3 0,7 0,2 0,6 3,7 1,3
2003 573.792 0,1 0,0 0,3 0,2 3,7 0,9 10.053.730 0,2 0,5 0,1 0,4 3,1 1,1
2004 930.105 0,1 1,1 0,2 0,5 3,1 1,4 11.845.887 0,2 0,6 0,2 0,4 2,9 1,1
2005 882.132 0,1 0,3 0,2 0,7 4,9 1,3 12.575.883 0,2 0,6 0,2 0,5 3,2 1,2
2006 1.405.389 0,2 2,0 0,2 0,4 5,7 2,5 15.766.400 0,2 0,7 0,2 0,5 3,2 1,2
2007 2.174.803 0,1 0,3 0,1 0,4 3,5 0,6 19.343.062 0,1 0,7 0,2 0,4 3,2 1,2
2008 1.910.509 0,1 1,1 0,4 0,1 4,9 1,8 16.511.202 0,2 0,9 0,3 0,4 4,1 1,6
2009 1.170.527 0,1 -0,9 0,7 0,6 4,8 0,3 19.518.956 0,2 0,8 0,3 0,4 3,9 1,4
2010 1.323.337 0,1 0,9 0,7 1,1 7,9 2,3 21.130.046 0,1 0,9 0,3 0,5 4,3 1,5
2011 1.678.035 0,1 -0,1 1,2 0,7 6,3 1,7 21.441.873 0,1 0,9 0,4 0,5 4,7 1,7
2012 1.390.956 0,1 -0,2 1,5 1,8 7,4 1,5 23.592.739 0,1 1,0 0,4 0,6 4,9 1,8
Fonte:UNCTAD

Somente na segunda metade dos anos de 1990, as inversões no exterior da Argentina


superaram a brasileira (Tabela 6). Entretanto, a abrupta exposição da economia argentina à
concorrência internacional e a adoção da conversibilidade monetária resultaram num processo
de desindustrialização com a falência de muitas empresas, revertendo-se, assim, esse impulso
inicial de internacionalização. Isso porque, a abertura comercial e financeira solapou a base
sobre a qual as empresas argentinas alavancavam seu processo de expansão que era o
predomínio no mercado doméstico.
Portando, “la manera en que se implementaron las reformas económicas y debido a la
crisis posterior, las translatinas argentinas no pudieron mantener su ímpeto inicial y
terminaron vendiendo la mayoría de sus activos, tanto en el país cuanto en el exterior”.
(CEPAL, 2005, p. 80). Dentre estas, estão as empresas dos segmentos de alimentos e bebidas,
como a Quilmes, que chegou a abastecer 95% do mercado de cerveja do Paraguai e 98% do
mercado uruguaio, a YPF e a Pérez Companc, vendidas, respectivamente, à Repsol
(Española) e Petrobras (Brasileira) (CEPAL, 2005).
Além disso, outras empresas somente mantiveram a inserção internacional mediante
associação com grandes transnacionais, como a Arcor, que possui o grupo Danone como um
107

dos acionistas, ou a Impsa, que possui entre os acionistas o Banco Credit Suisse e o
Mastellone, associada com o fundo de Investimento Dallpoint Investiments LLC 69.
O primeiro registro de inversões no exterior realizadas a partir do Chile foi em 1976,
entretanto, somente a partir de 1992 os montantes de recursos aumentaram de volume e
apresentaram regularidade. Esse comportamento expressa dois momentos da política
governamental do país. Um primeiro, caracterizado pela abertura comercial entre 1976-1982,
que desarticulou a indústria chilena impedindo uma possível continuidade de seu processo de
internacionalização.
Num segundo momento, nos anos de 1990, com a nova onda de liberalizações, “o
governo [...] passou a facilitar ainda mais a saída de capital nacional para investimentos no
exterior”. (CANO, 2000, p. 331). Isso foi feito, principalmente, através da ampliação dos
limites e setores de aplicação dos fundos de pensões e fundos mútuos no exterior, “entre 1991
e 1997 o investimento externo chileno efetuado por mais de uma centena de empresas já
somava 5,6 bilhões de dólares (principalmente Argentina, Brasil e Peru) na compra de terras,
privatizações e especulação financeira”. (CANO, 2000, p. 335).
As inversões do período (1992-1997) incluíram também empresas do setor de energia
que aproveitaram os processos de privatização em países da América do Sul, em especial, na
Argentina. “Este proceso se produjo en un período en el que no existían grandes operadoras
globales y en el que el mercado mundial estaba muy atomizado y el mercado nacional estaba
controlado por empresas estatales”. (CEPAL, 2005, p. 160). No entanto, com o avanço do
processo de oligopolização do setor e com a entrada de novos concorrentes no mercado
mundial, o controle acionário das empresas Enersis, Endesa e Gener passou para empresas
espanholas e norte-americanas. Da mesma maneira, as inversões realizadas pelos fundos de
pensão chilenos no exterior foram adquiridas por empresas transnacionais (CEPAL, 2005).
Portanto, o que se capta como IED chileno são inversões em que os grupos empresariais
chilenos não detêm o controle acionário das empresas, mas apenas uma participação
minoritária das ações.
Nos anos de 2000, o IED chileno deve ser entendido, também, considerando a
assinatura de Tratados de Livre Comércio com os EUA e a União Europeia, através dos quais
foram negociados capítulos relacionados aos serviços e, em especial, aos serviços financeiros,

69
A Cepal considera a Techint uma transnacional Argentina, entretanto, essa empresa pertence a uma família
italiana e a sede da empresa está registrada em Luxemburgo, de modo que, embora essa empresa possa ter laços
com o espaço nacional argentino, não pode ser considera de propriedade desse país. Do mesmo modo, a Tenaris
S. A. tem 60,4% de suas ações pertencente a Techint e, também, com sede em Luxemburgo.
108

dando continuidade ao processo de liberalização financeira da economia chilena. De acordo


com dados do Banco Central do Chile (BCC), o setor que ao longo da década apresentou o
maior fluxo de saídas para o exterior foi o de Serviços financeiros e empresariais que, em
2009, detinha 36,2% do estoque total de IED chileno, seguido pelo setor de eletricidade e gás,
com 14,3% e pela Indústria manufatureira, na qual o destaque é o segmento de recursos
florestais70 (14,2%) (BCC, 2011).
Diante disso, parte significativa dos fluxos de IED responde à estrutura de
conglomerados ou holdings do segmento financeiro e empresarial que se formaram no país
após a nova rodada de liberalização financeira. Assim como explicita o informe do BCC:
Es necesario destacar que la inversión en el sector servicios financieros y
empresariales es impulsada en parte por disposiciones tributarias, plataforma
de inversiones o plataforma de negocios, que permiten a los inversionistas
extranjeros establecer en Chile, una sociedad para administrar inversiones en
terceros países. (BCC, 2011 p. 14).

As empresas apresentam uma intrincada rede de propriedade, em que os grupos de


origem chilena possuem poucas ações e dividem a propriedade com bancos, fundos de pensão
e empresas transnacionais do mesmo setor.
Por fim, mencionamos a expansão de grupos ligados ao comércio varejista que
lograram realizar IED no setor de supermercados, lojas de departamento, farmácia,
administração de centros comerciais, etc. Contribuiu para a internacionalização dessas
empresas a posição privilegiada no mercado nacional, que “opusieran una férrea resistencia a
las principales empresas mundiales, consolidaron su posición en el mercado interno y luego
exploraron nuevas oportunidades comerciales en los países vecinos”. (CEPAL, 2005, p. 169).
Temos, portanto, que a “generalização” do IED para outros países da América Latina é
um reflexo do padrão de acumulação capitalista. A implantação de planos de estabilização
monetária conjugada com a maior abertura comercial e financeira resultou num processo de
fusões e aquisições com oligopolização e desnacionalização das economias da região.
Esse processo significou a maior associação das classes dominantes locais ao capital
internacional, permitindo aos grupos econômicos mais consolidados da América Latina
promover sua atualização tecnológica 71, ganhar escalas e ampliar sua inserção no mercado

70
Cabe destacar que o setor de celulose e papel durante todo o período da ditadura militar – mesmo durante o
período de abertura indiscriminada - recebeu subsídios governamentais e investimento público em
reflorestamento (CANO, 2000). Certamente, esse é um dos elementos que contribui para que duas empresas do
setor estejam entre as empresas do país que se internacionalizaram.
71
A atualização tecnológica se faz nos marcos da divisão internacional do trabalho, isto é, apenas nos setores que
não estão na fronteira da acumulação. Temos aqui, portanto, a reafirmação da dependência tecnológica, haja
vista que tais países incorporam processos produtivos sobre os quais não possuem controle dos requisitos
109

internacional não apenas como exportadores, mas, também, através de inversões. Note que a
contrapartida para o fortalecimento de alguns setores das classes dominantes é a destruição de
outros setores, o que se expressa através da desindustrialização e regressão da estrutura
produtiva desses países, haja vista a quantidade de bens e serviços que tais economias deixam
de produzir internamente e cujo suprimento passa a ser feito pelas grandes empresas
transnacionais.
Sendo assim, a exportação de capitais a partir da América Latina se insere num
processo de concentração e centralização típico das economias capitalistas e que impõe a
busca permanente por novas frentes de expansão, sejam elas em novos mercados ou áreas
geográficas. A constituição de grupos que possuem uma massa maior de valor para ser
valorizada impulsiona a busca de novas oportunidades de inversão.
Embora o processo de internacionalização de empresas da Argentina, Chile e Brasil
faça parte de um contexto geral de desenvolvimento capitalista, gostaríamos de ressaltar a
singularidade e importância do IED brasileiro vis-à-vis o de outros países da América do Sul.
Um primeiro aspecto é o quantitativo, a participação do IED brasileiro no estoque mundial é
dez vezes maior que o da Argentina e mais que o dobro do Chileno (Tabela 6). Em segundo
lugar, os grupos brasileiros internacionalizados efetivamente detêm o controle acionário das
empresas, diferentemente do que ocorre na Argentina e no Chile.
O terceiro elemento a destacar é qualitativo e se refere a importância das cadeias
produtivas brasileiras que se internacionalizaram. Os valores de uso produzidos pelos setores
de energia, siderurgia e metalurgia, por exemplo, ocupam uma posição mais destacada no
processo de valorização do capital quando comparado com lugar que ocupa o comércio
varejista. Os montantes de capitais envolvidos, a condição de insumos essenciais a
consecução da atividade produtiva e os impactos ambientais (negativos) que podem gerar os
investimentos brasileiros são diferenciados.
Por último, nem na Argentina e nem no Chile esse movimento se transformou em
frente de intervenção e estímulo estatal como no Brasil, levando ao significativo aumento das
inversões desse país após o ano de 2003, como veremos a seguir.

técnicos e científicos e o fazem em setores de menor rentabilidade que foram secundarizados pelas grandes
transnacionais em seus processos de redefinição estratégica.
110

3.2 Antecedentes do IED brasileiro dos anos 2000

Inicialmente gostaríamos de ressaltar que as estatísticas sobre o IED são uma proxy do
fenômeno, uma vez que ocorre a subestimação das inversões realizadas por empresas
controladas por capitais brasileiros 72 que o fazem a partir de filiais no exterior, como é o caso
da Petrobras, que investe na Bolívia “através de subsidiárias localizadas na Europa
(destacadamente na Holanda)”. (RIBEIRO; LIMA, 2008, p. 13). Do mesmo modo, as
inversões de empresas estrangeiras feitas a partir das filiais com sede no país são computadas
como IED brasileiro, superestimando tais inversões73.
O interesse de empresas brasileiras na internacionalização de suas atividades através
da aquisição de ativos no exterior é um reflexo da inserção do país na chamada globalização,
entendida aqui como um estágio mais avançado da internacionalização e integração da
economia mundial nos âmbitos produtivo e financeiro. Tal integração ocorre com a
hegemonia do capital fictício. Não é possível abordar todas as dimensões da globalização, por
isso, mencionaremos aqui apenas os aspectos relevantes para entender o impulso que ela deu
ao IED brasileiro ao longo dos anos 2000.
Um primeiro elemento é o acirramento da concorrência, dada a maior integração dos
sistemas produtivos nacionais à economia mundial. Nesse contexto, ocorre no Brasil a
reformulação das estratégias empresariais. Ou seja, a “internacionalização surge não só como
uma opção para o crescimento da empresa, mas em muitos casos como uma condição
necessária para fortalecer sua posição competitiva diante da crescente concorrência em seus
mercados domésticos”. (AMBROSIO, 2008, p. 01). O IED aparece como um elemento que
contribui para diminuir custos, na medida em que pode resultar num melhor acesso a fontes
de matérias-primas essenciais ao processo produtivo ou pode propiciar acesso a mercados
com barreiras não tarifárias e diminuir a dependência dos mercados locais.

72
A maior parte das empresas brasileiras abriu seu capital a partir da segunda metade dos anos de 1990 e possui
participação de sócios estrangeiros. Desse modo, o que chamamos, ao longo do texto, de empresas brasileiras
são em sua maioria empresas cuja maior parte das ações ordinárias está em poder de brasileiros.
73
O Banco Central (BC) computa nas estatísticas de IED todas as pessoas físicas ou jurídicas residentes,
domiciliadas ou com sede no País [...] detentoras de valores de qualquer natureza, de ativos em moeda, de bens e
direitos mantidos fora do território nacional. Em 31.12.2001, o limite mínimo para a obrigatoriedade de se
declarar foi de R$200 mil ou o seu equivalente em outras moedas e, em 31.12.2002, o valor mínimo estabelecido
foi de R$300 mil. A partir da terceira declaração, o piso foi fixado em US$100 mil ou o seu equivalente em
outras moedas (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011). Disponível em:
<http://www4.bcb.gov.br/rex/CBE/Port/Manual_do_declarante_CBE_2011_3o_Trimestre.pdf> Acesso em 08 de
mar. de 2012.
111

Além disso, as inversões no exterior visavam superar os limites do mercado interno à


expansão da produção. Este se refere à volatilidade do crescimento econômico brasileiro, cuja
taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), ao longo dos anos 2000, se situou
em patamares inferiores ao verificado em alguns dos principais países da América Latina,
como mencionamos no capítulo 2. Acrescente-se, ainda, que tais empresas já eram líderes do
mercado doméstico, o que dificulta a conquista de novas frentes de expansão, a menos que se
dê via criação de novos produtos. Desse modo, a internacionalização das empresas brasileiras
foi estimulada, também, pela “necessidade de encontrar novos mercados a serem explorados,
que permitam que as empresas mantenham taxas elevadas de crescimento do faturamento e
dos lucros”. (RIBEIRO; LIMA, 2008, p. 27).
A redução dos custos de transporte e a melhor logística para o fornecimento dos
mercados também interferem na decisão de investimento. O determinante aqui é a
impossibilidade de fornecer os bens via exportação, especialmente de produtos de baixo valor
unitário, dado os elevados custos para as mercadorias chegarem aos mercados consumidores.
Esse elemento tem impactado fortemente na competitividade dos produtos brasileiros, por
isso, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da América do Sul (IIRSA) tem figurado
como parte importante nos projetos governamentais de integração regional.
Um segundo elemento da inserção do Brasil na globalização que contribuiu para a
concretização de inversões empresariais no exterior foi a realização de uma reestruturação
produtiva e a adoção do padrão tecnológico baseado na microeletrônica e nas
telecomunicações, resultando na modernização das empresas brasileiras. Além disso, houve
um intenso processo de fusões e aquisições, que aliado às privatizações conformou grandes
grupos nacionais articulados com grupos estrangeiros que ganharam robustez suficiente para
participar do mercado internacional.
Portanto, ao lado da desarticulação produtiva que descrevemos no Capítulo 2, houve o
fortalecimento e expansão de alguns grupos nacionais que aproveitaram a falência de
empresas para expandir o domínio do mercado. Além disso, o pouco interesse dos capitais
estrangeiros em empresas características da segunda revolução industrial permitiu ao capital
privado brasileiro adquirir as estatais de setores como o de siderurgia e petroquímica.
A esse respeito é ilustrativo a pequena participação do capital estrangeiro (5%) nas
privatizações entre 1990 e 1994. Já entre 1995 e 2002 essa participação aumentou para 53%,
pois foi nesse período que setores estratégicos (energia) ou que estão entre os mais dinâmicos
e rentáveis (telecomunicações) ou que fazem parte da valorização fictícia (bancos) foram
privatizados.
112

Cabe ressaltar que a oligopolização da estrutura de mercado brasileira - com


constituição de grandes grupos - foi estimulada pelo governo dentro de sua estratégia de criar
empresas com porte suficiente para competir internacionalmente. A esse respeito é ilustrativo
o caso do setor petroquímico em 2009, quando a Braskem incorporou a Petroquímica Triunfo,
passando a deter participações nas quatro centrais petroquímicas brasileiras74.
Além da reconfiguração da estrutura de propriedade, houve uma redefinição da
estrutura produtiva caracterizada pela “especialização regressiva na economia brasileira com
ampliação do peso dos setores intensivos em recursos naturais e trabalho e redução da
importância – com exceções – dos intensivos em tecnologia e capital”. (CARNEIRO, 2002, p.
320).
Os setores aos quais pertencem os principais grupos internacionalizados é um reflexo
desse ajuste regressivo da estrutura produtiva. Conforme mostra a Tabela 7, a presença das
chamadas commodities industriais - produtos químicos da primeira e segunda geração,
siderurgia e metalurgia -, dos setores tradicionais (têxtil e alimentos), da indústria extrativa e
da construção respondem juntos pela atividade de quase metade (45,0%) dos grupos
brasileiros internacionalizados. Outros 27,5% correspondem ao setor de serviços com
destaque para aqueles ligados ao ramo de transporte, energia e tecnologia da informação. Os
27,5% restantes representam o setor automobilístico, de bens de capital e de material de
transporte.
Do ponto de vista da globalização financeira, gostaríamos de destacar que ela também
contribuiu para a internacionalização das empresas brasileiras. O processo de liberalização
financeira se refere à constituição de um arcabouço jurídico capaz de conferir maior facilidade
para que os residentes possam adquirir ativos e passivos expressos em moeda estrangeira e os
não-residentes operar nos mercados financeiros domésticos.
Dentre as modificações no marco regulatório brasileiro podemos citar: a autorização
para as empresas captarem diretamente empréstimos através da emissão de títulos nos

74
A formação da Braskem (empresa controlada pelo grupo Odebrecht) é um exemplo de como as privatizações,
fusões e aquisições levaram ao surgimento de grandes grupos empresariais. Nos anos de 1990, no âmbito do
Programa Nacional de Desestatização (PND), a Odebrecht compra parcela significativa da Copesul (Central de
Matérias-Primas do Polo Petroquímico do Rio Grande do Sul), o controle da PPH, da Poliolefinas, da Salgema e
da CPC. A Odebrecht integra a PPH e a Poliolefinas, criando a OPP Petroquímica S.A. Integra, também, a
Salgema e a CPC, criando a Trikem S.A., a primeira integração vertical do setor no país. Em 2001, em parceria
com o Grupo Mariani, a Odebrecht adquire o controle da Copene (Central Petroquímica de Camaçari), no estado
da Bahia, e inicia um processo de integração de ativos, de primeira e de segunda gerações, nasce daí a Braskem,
em 2002. Em 2006, a Braskem incorpora a Polialden, em 2008, incorpora a Ipiranga Petroquímica e
Petroquímica Paulínia (BRASKEM, 2012).
113

mercados internacionais de capitais e para as instituições financeiras adquirirem livremente


moeda no mercado de câmbio flutuante. Permitiu-se, também, a aquisição de ativos no
exterior. Além disso, o Banco Central do Brasil (BCB) dispensou a exigência de
documentação para repatriação de recursos, permitiu a abertura de novos setores ao
investimento externo direto e equiparou a empresa estrangeira à empresa nacional permitindo
o acesso destas ao sistema público de crédito e aos incentivos fiscais (CARNEIRO, 2002).
Durante o governo de Lula, duas medidas principais podem ser destacadas: i) a
extinção da conta CC5, eliminando os limites para que pessoas físicas e jurídicas
convertessem o real em moedas estrangeiras e efetuassem remessas para o exterior; ii) a
flexibilização da cobertura cambial às exportações, o que “ampliou a conversibilidade da
conta corrente do Balanço de Pagamentos”. (PRATES, 2006, p. 137).
Considerada como elemento explicativo das características do processo de
internacionalização, a abertura financeira possibilitou maior acesso a crédito, inclusive, em
moeda estrangeira, permitindo a alavancagem das estratégias empresariais no exterior. Além
disso, a maior liberdade para realizar operações financeiras, propiciada pelas medidas acima
citadas, tornou os ganhos patrimoniais com títulos e ações parte importante dos lucros
operacionais contabilizados pelas empresas, estimulando estratégias de internacionalização
com objetivo de aproveitar as oportunidades de ganhos patrimoniais.
As inversões puramente financeiras dos grupos brasileiros ocorreram porque as
finanças se transformaram em mais uma frente em que se dá a concorrência capitalista, visto
que uma posição privilegiada nos mercados financeiros pode garantir aos grupos recursos
para alavancar suas estratégias, dando-lhes a capacidade de influenciar as variáveis
macroeconômicas, evitando flutuações do câmbio e dos juros que resultem em prejuízos
(PILHON, 1998). Além disso, reflete uma tradição rentista do sistema financeiro nacional,
habituado, desde o início dos anos de 1980, a manter seus lucros a partir de ganhos
financeiros, inicialmente com a inflação e agora com aplicações em títulos do governo.
Gostaríamos de ressaltar mais dois elementos que explicam a intensificação da
internacionalização brasileira. O primeiro se refere aos altos preços de um conjunto de
matérias-primas nos mercados internacionais a partir de 2003. A lucratividade de tais
inversões permitiu aos grupos brasileiros da área de mineração, petróleo e produtos da
agroindústria, aporte financeiro para expandir seus ativos no exterior.
O segundo elemento diz respeito à divisão internacional do trabalho e ao desinteresse
das economias desenvolvidas em alguns setores de atividade. Analisando os determinantes da
expansão das chamadas translatinas, Bianco et al. (2008, p. 16) ressalta que, “aquellas que
114

efectivamente han podido convertirse en global players lo han hecho a partir de su


participación en determinados nichos de mercado en los cuales las principales ETs mundiales
no fijaban sus estrategias de expansión o no resultaban de gran interés”.
115

Tabela 7 - Principais Empresas Brasileiras Internacionalizadas*, 2010


Empresa Setor Principal Estrutura de propriedade Países onde o grupo mantém operações
Mais de 100 países entre eles Brasil, Estados
JBS-Friboi Agronegócio FB participações 59,1%; BNDES Participações 18,5% Unidos, China, Austrália, Rússia
Brasil, Canadá, EUA, Argentina, México,
Metalúrgica Gerdau (45,40%); BNDES Participações (3,5%); Ações em tesouraria Guatemala, República Dominicana, Venezuela,
Gerdau Siderurgia e Metalurgia (0,8%); Outros (50,30%) Colômbia, Peru, Chile, Uruguai, Espanha, Índia
Empresários no México, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Chile e Argentina, a Argentina; Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador,
Nielsen NetRatings empresa norte-americana, Millward Brown Inc. e o Grupo WPP, Estados Unidos, Guatemala, México, Panamá,
Ibope Pesquisa de Mercado líder mundial em propaganda, marca e marketing Paraguai, Peru, Porto Rico,Uruguai,Venezuela
Rio Verde Consultoria Ltda. (13,78%); Thema Participações Ltda. (11,95%); HSBC
Máquinas e Materiais Gestão de Recursos Ltda. (7,28%); Fairfax Participações Ltda. (5,47%); Outros Brasil, Dinamarca, Turquia, EUA, México,
Metalfrio Elétricos (61,52%) Bahamas, Rússia
Brasil, EUA, Argentina, Peru, Colômbia, Venezuela,
Angola, República Dominicana, México, Cuba,
Panamá, Portugal, Emirados Árabes Unidos, Coréia
do Sul, Djibuti, Inglaterra, Líbia, Moçambique,
Equador, Chile, Bolívia, Costa Rica, Uruguai,
Odebrecht Obras de Infraestrutura Kieppe participações (62,92%): Empresa da família Odebrecht China, Espanha
MMS participações (40,77%) - Marcos Antônio M dos Santos e Márcia Aparecida P
dos Santos; BNDESPar (13,89%); OSI Internacional Holding (5,8%)- EUA; Group Brasil, União Europeia, América do Sul, América
Marfrig Produtos Alimentícios Internacional (5,21%); Outros (34,33%) Central, Ásia, Nafta, Oriente Médio, Austrália
Brasil, Estados Unidos, Argentina, Chile, Peru,
Colômbia, Barbados, Canadá, África do Sul,
Namíbia, Angola, Moçambique, Congo, Guiné,
Omã, China, Reino Unido, França, Suíça,
Mineração 92%; Valepar (52,7%) - Bradespar (controlada pela família Aguiar com 21,21%) e Litel Alemanha, Cazaquistão, Índia, Mongólia, Tailândia,
Transporte 6%; Energia Participações (capitaneada pelo fundo de pensão Previ) 49% das ações, Mitsui com Coréia do Sul, Japão, Taiwan, Filipinas, Singapura,
Vale 1% 15%, BNDESpar com 9,5%, Elétron (Opportunity) com 0,03%; BNDES (6,70%) Indonésia, Nova Caledônia, Austrália, Noruega
Plantas no Brasil, Argentina, Estados Unidos,
Fundada por um imigrante húngaro em 1939 na cidade de São Paulo é uma empresa Alemanha, Áustria, China e Hungria, além dos
Sabó Autopeças de controle familiar e com 100% de capital nacional escritórios na França, Inglaterra e Japão
Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
Tigre Material de Construção Equador, Estados Unidos, Paraguai, Peru, Uruguai
Artecola Produtos Químicos Brasil, Argentina, México, Colômbia, Peru e Chile
Lupapar Negócios e Empreendimentos Ltda. (20,87%); Fundação PETROS (14,98%);
Máquinas e Materiais BNDESPAR (11,44%); Conselheiros, Diretores e Gerentes (4,35%); Ações em
Lupatech Elétricos Tesouraria (0,05%); Outros Acionistas (48,32%) ND
Brasil, Angola, Argentina, Chile, Colômbia,
Camargo Curaçao, Equador, Espanha, Estados Unidos,
Corrêa Obras de Infraestrutura Participações Morro Vermelho (99,99%); Outros (0,01%) Moçambique, Paraguai, Peru, Venezuela
Magnesita Mineração, produção de Alumina Holding (34,37%); Rearden L. Holding (8,33%); Mad. Fundo de Sedes: Brasil, Alemanha, China, EUA. Escritórios
116

materiais refratários Investimento (3,70%); Outros (53,60%) de venda e assistência técnica: Argentina, Áustria,
Canadá, Chile, China, Colômbia, Emirados Árabes,
França, Alemanha, Índia, Itália, México, Paraguai,
Peru, África do Sul, Coréia do Sul, Sri Lanka,
Suécia, Taiwan, Reino Unido, EUA, Venezuela
Marcopolo Automotores e Brasil, China, Egito, África do Sul, Argentina,
Veículos Carrocerias Família Bellini 65,86%; Acionistas no Brasil 34,14% México, Colômbia, Índia
Brasil, Chile, Colômbia, Argentina, Venezuela,
México, Estados Unidos, Bélgica, França,
Weg participações e serviços (51,1%; Werner Ricardo Voigt e família (6,03%); Alemanha, Inglaterra, Itália, Suécia, Austrália, Índia,
Máquinas e Materiais Eggon João da Silva e família (5,87%); Lilian Werninghaus e família (2,59%); Outros Japão, China, Singapura, Emirados Árabes Unidos,
Weg Elétricos (34,41%) África do Sul, Rússia, Portugal, Espanha
Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Estados
Unidos, México, Panamá, Peru, Venezuela,
Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França,
Stefanini IT Tecnologia da Itália, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia,
Solutions Informação Suécia, Suíça, China, Filipinas, Índia
Brasil, Bahamas, Canadá, Estados Unidos,
Minerais Não- Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru, Bélgica,
Votorantim Metálicos Hejoassu Administração (98,58%) Inglaterra, Suíça, Áustria, China
Brasil, Paraguai, Argélia, Chile, Líbano, Rússia,
Minerva Foods Alimentos VDO Holdings (68%) e Outros (32%) Arábia Saudita, Irã e Europa
Brasil, EUA, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai,
Tam Empreendimentos e participações (46,20%); Agropecuária Nova Fronteira Chile, Peru, Venezuela, França, Inglaterra, Itália,
Tam(1) Transporte aéreo (0,05%); Outros (53,75%) Alemanha, Espanha
Previ (13,75%); Janus Capital management (10,24%); Cia. Bozano (7,85%);
Equipamentos de Oppenheimer fund's (6,04%); Thounburg invest management (5,09%); BNDESPar Brasil, Estados Unidos, França, Portugal, China,
Embraer Transporte (5,05%) Singapura
Lisis Par (22,30%) -Antonio Luiz Seabra, Utopia Par (21,28%)- Guilherme P Leal; Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru, Colômbia,
Cosméticos e Higiene Passos Par (5,25%) - Pedro Luiz Passos; ANP Par (5,25%)- Anizio Pinotti; RM Venezuela, México, Portugal, Chile, Espanha,
Natura Pessoal Futura Par (3,7%) - Ronuel M de Mattos; Outros (42,22%) França, Holanda
Angola, Argentina, Austrália, Benin, Bolívia, Brasil,
Chile, China, Cingapura, Colômbia, Cuba, E.U.A.,
Equador, Gabão, Holanda, Japão, Líbia, México,
Namíbia, Nigéria, Nova Zelândia, Paraguai, Peru,
Ext. de Petróleo e Gás União Federal (54,18%); BNDESPar (2,35%); BNDES (3,05%); Fundo Soberano Portugal, Reino Unido, Tanzânia, Turquia, Uruguai,
Petrobras Natural (4,67%); Demais acionistas (35,75%) Venezuela
Brasil, Argentina, Angola, Argélia, Bolívia, Canadá,
Congo, Equador, Espanha, EUA, Guiné, Peru,
Andrade Administradora São Miguel (33,34%); Administradora Sant'Ana (33,33%); Grécia, Mauritânia, México, Panamá, Portugal,
Gutierrez Obras de Infraestrutura Administradora Santo Estevão (33,33%) República Dominicana, Venezuela
117

Brasil, EUA, Ilhas Cayman, Portugal, Luxemburgo,


Financeiro 96,44%; Argentina, Uruguai, Paraguai, Japão, Chile, China,
Construção 1,74%; Reino Unido, Ilhas Bahamas, Antilhas Holandesas,
Itaúsa (Holding Eletroeletrônico 1,35%; Itaú Unibanco Holding S.A. e suas controladas Banco Itaú e Banco Itaú BBA, no Emirados Árabes, Costa Rica, Itália, França,
de capital Químico e petroquímico segmento financeiro, e Duratex, Itautec e Elekeiroz, líderes de seus respectivos ramos México, Bélgica, Venezuela, Equador, Espanha.
aberto) 0,47% industriais. Os controladores de até 34,51% das ações. Suíça, Holanda, Colômbia
LC EH Participações (17,18%); BNDESPar (6,52%); Genesis Asset Managers, LLP
(5,11%); Dynamo Adm. (5,05%); Miguel Abuhab (3,82%); Laércio José de L.
Tecnologia da Consentino (2,22%); Ernesto Mário Haberkorn (1,89%); Yafo Fundo de invest. em
Totvs Informação ações (1,69%); Outros (54,87%) Brasil, Argentina, México, Portugal
Ultrapar participações (23,99%); Aberdeen Asset Management PLC (8,10%); Parth
investiments company (7,87%); Caixa de Prev. Fun. BB (6,61%); Monteiro Aranha
Distribuição de (4,57%); Dodge & Cox, INC (4,45%); Genesis Asset Managers LLP (3,68%); Ações Brasil, Estados Unidos, Argentina, México,
Ultrapar Combustíveis de tesouraria (1,59%); Outros (39,14%) Venezuela, Bélgica
Ações em circulação (55,62%); José Salim M Jr. (13,07%); Antonio Cláudio B.
Locação de Resende (12,0%); Flávio B. Resende (8,6%); Eugênio P. Mattar (8,6%); Ações em Brasil, Equador, Argentina, Bolívia, Paraguai,
Localiza(2) Transportes tesouraria (2,1%), Conselho de Administração (0,01%) Uruguai, Chile, Peru, Colômbia
DRAMD Participações e administração (40,43%); Previ (8,74%); Fundos de
Randon Reboque e Carrocerias Investimento Itaú (1,17%) Brasil, Argentina, Estados Unidos, China
Pine Bridge (19,6%); Grupo G&G (Governança e Gestão) (19,6%); Grupo ASAS
Prod. Higiênicos e (18,9%); Grupo Espírito Santo (9,8%); Outros (3,8%); Free Float (28,1%); Tesouraria
Cia Providência Descartáveis (0,2%) Brasil e Estados Unidos
Indústrias: Argentina, Inglaterra e Holanda;
Escritórios: Chile, Uruguai, Venezuela, Ilhas
Previ (12,70%); Petros (10,04%); Fundação Sistel de Seguridade Social (1,50%); Cayman, Hungria, Inglaterra, Rússia, Holanda,
Fundação Vale do Rio Doce de Seg. Social - Valia (2,96%); Tarpon (7,01%); FPRV Itália, Áustria, Portugal, França, Alemanha, Turquia,
Brasil Foods Produtos Alimentícios Sabiá FIM Previdenciário (0,83%); Família Furlan e Fontana (12%) Cingapura, Japão, China
Cemig Energia Elétrica Estado de Minas Gerais (50,96%); AGC Energia S/A (32,96%); Outros (11,76%) Brasil e Chile
Eletrobrás Energia Elétrica Governo Federal (52%) Brasil e Paraguai
Fonte: Fundação Dom Cabral (2009), Revista Exame Maiores e Melhores 2010 e Sites das empresas.
* Não participaram da pesquisa os grupos Itaú-Unibanco e Itautec (por fazerem parte do grupo Itaúsa), Oi (parte do grupo Andrade Gutierrez) e Aracruz (agora integrante do grupo Votorantim).
**Previ, Petros, Funcef e Funcesp –, patrocinados, respectivamente, pelo Banco do Brasil, Petrobras, Caixa e Companhia Energética de São Paulo, reunidos na holding Litel, e o governo federal, via BNDESPar,
atingiram 60,5% do capital votante.
118

3.3 Características do IED 75

3.3.1 IED setorialmente

A composição setorial das inversões brasileiras no exterior pode ser vista na Tabela 9.
Nela observamos a elevada participação dos Serviços prestados às empresas no perfil setorial
do IED brasileiro até 2006, ano no qual essa participação atingiu o maior valor (51,8%).
Posteriormente, houve diminuição na participação relativa e absoluta dos montantes
invertidos nesse setor. Em 2010, por exemplo, a participação foi de apenas 5,7%. Se
acrescentarmos as atividades de consultoria o percentual chega a 10% do IED total do IED
nesse ano.
O acirramento da concorrência estimulou a internacionalização como forma de
assegurar e consolidar os mercados exportadores, oferecendo assistência técnica e serviços
pós-vendas para os consumidores. Desse modo, o IED se destinou a “estabelecer canais de
distribuição, serviços de assistência técnica ou comercial aos clientes, serviços pós-vendas ou
qualquer atividade cuja finalidade seja apoiar a estrutura de produção e venda”. (RIBEIRO;
LIMA, 2008, p. 55). Esse perfil do IED é, entretanto, característico das fases iniciais de
internacionalização. A consolidação da empresa no mercado mundial requer inversões em
unidades produtivas, o que explica a queda na participação dos serviços após 2006.
Os investimentos relacionados às atividades financeiras76 também mostram
significativa participação no IED brasileiro. De acordo com Freitas (2010), os países
periféricos foram atraídos para o exterior, desde meados dos anos de 1970, pela expansão dos
Euromercados. Mais recentemente, esse processo se consolida com a desregulamentação
financeira das economias nacionais. No caso do Brasil, a internacionalização das instituições
financeiras privadas foi uma resposta concorrencial dos bancos nacionais a entrada de bancos
estrangeiros no país. Além disso, a internacionalização está associada com a colocação de
títulos no mercado exterior, à formação de empresas offshore em paraísos fiscais, abertura de

75
Nesse tópico utilizamos os dados da declaração anual dos Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) feita ao
Banco Central do Brasil (BCB) por residentes, domiciliados ou com sede no país que possuem bens e valores no
exterior num montante igual ou superior a cem mil dólares. Isso porque, essa base de dados disponibiliza
informações sobre o destino setorial e geográfico das inversões brasileiras no exterior.

76
Nessa rubrica estão agregadas as atividades relativas aos bancos (comerciais, múltiplos, de investimento, de
desenvolvimento); as financeiras; aos fundos de investimento (carteira de títulos e/ou valores mobiliários); as
sociedades de atividades de participação; as sociedades de capitalização; a securitização de créditos, etc.
119

capital com a colocação de ações de empresas brasileiras em bolsas internacionais e ao


aproveitamento das oportunidades de ganhos financeiros em geral77.

Tabela 8 - Investimento Direto Brasileiro no Exterior segundo o ramo de atividade, 2000-


2010

Investimento Direto por Ano


Ramo de Atividade
2001 2002 2003 2004 2005 2006
Total (US$ milhõe s) 42.584 43.397 44.769 54.027 65.418 97.715
Serviços Prestados Principalmente As Empresas 33,6 32,1 39,8 37,0 36,1 51,8
Intermediação Financeira 30,9 34,8 30,9 28,0 26,3 21,0
Atividades Auxiliares da Intermediação Financeira,
Seguros e Previdência Complementar 17,7 19,5 18,9 23,9 22,8 16,9
Comércio Por Atacado e Representantes Comerciais e
Agentes do Comércio 4,0 4,2 4,2 4,1 4,4 2,8
Extração de Petróleo e Serviços Relacionados 3,7 0,2 0,4 1,0 4,3 2,4
Construção 2,9 3,5 1,6 1,0 0,9 1,1
Fabricação de Coque, Refino de Petróleo, Elaboração
de Combustíveis Nucleares e Produção de Álcool 1,5 0,5 0,5 0,0 0,0 0,0
Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos 1,0 0,6 0,1 0,0 0,0 0,0
Fabricação de Produtos do Fumo 0,4 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Transporte Aquaviário 0,4 0,4 0,3 0,3 0,3 0,0
Fabricação e Montagem de Veículos Automotores,
Reboques e Carrocerias 0,4 0,3 0,2 0,1 0,1 0,1

Investimento Externo Direto por Ano


Ramo de Atividade
2007 2008 2009 2010
Total (US$ milhõe s) 111.339 113.755 132.413 169.066
Serviços financeiros e atividades auxiliares 38,8 35,3 38,8 38,2
Agricultura,pecuária e extrativa mineral 34,2 31,2 31,6 31,2
Extração de minerais metálicos 32,7 29,8 30,2 27,4
Serviços de escritório e outros serviços prestados à empresas 6,8 8,2 6,3 5,7
Atividades profissionais, científicas e técnicas 5,9 8,3 6,5 6,5
Atividades de sedes de empresas e de consultoria em gestão de empresas 4,0 6,5 5,3 4,3
Comércio, exceto veículos 2,5 1,5 1,4 1,8
Produtos alimentícios 1,3 2,1 2,5 3,3
Extração de petróleo e gás natural 1,3 1,2 1,3 3,7
Produtos minerais não-metálicos 1,0 1,1 1,3 2,3
Serviços pessoais 0,9 0,9 0,8 0,7
Eletricidade, gás e outras utilidades 0,8 0,8 0,7 0,6
Metalurgia 0,6 0,7 1,1 1,7
Obras de infra-estrutura 0,5 0,3 0,5 0,5
Outros serviços 0,3 0,1 0,1 0,1
Veículos automotores, reboques e carrocerias 0,3 0,5 0,4 0,4
Atividades imobiliárias 0,3 0,4 0,3 0,7
Agricultura, pecuária e serviços relacionados 0,1 0,1 0,1 0,1
Fonte: Declarações do CBE (Capitais Brasileiros no Exterior) / Banco Central do Brasil

Os dados sobre os grupos brasileiros internacionalizados na Tabela 7 mostram que os


bancos Itaú, BMG, e Bicbanco possuem agências nas Ilhas Cayman, o Bradesco em

77
De acordo com estudo de Freitas (2010), quase 28% das filiais de bancos brasileiros no exterior estão
localizadas em paraísos fiscais do Caribe e da Ásia, mostrando a relevância das estratégias puramente financeiras
na instalação de agências no exterior.
120

Luxemburgo, o Votorantim e o BBM estão localizados nas Bahamas. Cabe ressaltar que
bancos e financeiras estrangeiras com sede no país e que remetem dinheiro para os paraísos
fiscais, também inflam as estatísticas do IED brasileiro relativas ao setor financeiro. É o caso,
por exemplo, do HSBC (inglês) e do Santander (espanhol).
No caso das instituições públicas, a abertura de filiais no exterior está associada ao
financiamento do comércio exterior brasileiro - Banco do Brasil (BB) - e das inversões
produtivas de diversos setores de atividade - no caso do BNDES - apesar disso, tanto o Banco
do Brasil quanto o Banrisul possuem agências nas Ilhas Cayman 78.
Cabe ressaltar que não apenas as instituições financeiras têm operações declaradas nos
paraísos fiscais. De acordo com a Tabela 7, a Brasil Foods possui operações nas Ilhas Cayman
e a Metalfrio nas Bahamas, mostrando que as operações financeiras compõem os lucros de
alguns dos principais grupos empresariais do país.
A Agroindústria despontou, a partir de 2007, como o setor responsável por cerca de
um terço do IED brasileiro. Esses números resultam da aquisição de empresas no exterior, em
especial no setor de carnes. Dentre elas, destacamos a compra da processadora de carnes
holandesa Plusfood Groep BV pelo grupo Brasil Foods; a aquisição da americana Swift Foods
& Company pelo frigorífico JBS-Friboi; a compra das empresas argentinas Best Beef S.A. e
Estancias Del Sur e dos frigoríficos uruguaios La Caballada, Tacuarembé e Elbio Perez
Rodriguez pelo Marfrig Frigoríficos.
A literatura que aborda a internacionalização do agronegócio brasileiro considera
como relevante para a decisão desse setor investir no exterior o financiamento que o BNDES
dispõe para a expansão de empresas que têm projeção internacional e capacidade competitiva.
Acrescente-se, ainda, que a
[...] possibilidade de atender mercados mais exigentes e com melhor
remuneração atraiu o interesse dos frigoríficos brasileiros para a aquisição de
empresas localizadas em países da América Latina, Austrália, Estados
Unidos e Europa, livres das restrições fitossanitárias. Outras vantagens são a
proximidade do mercado consumidor, conhecimento sobre os canais de
distribuição e divulgação da marca da empresa. (STAL; SEREIA, 2010, p.
08).

78
Conforme informações retiradas dos sites, o Banco do Brasil possui agências, subagências, subsidiárias e/ou
escritórios de representação comercial nos seguintes países: Alemanha; Argentina; Áustria; Bolívia; Chile;
Espanha; Estados Unidos; França; Inglaterra; Itália; Japão; Paraguai; Portugal; Venezuela; México; Emirados
Árabes; Hong Kong; Peru; Angola; Uruguai; Panamá; Coréia do Sul; Japão; Ilhas Cayman. O BNDES possui
escritório no Uruguai e subsidiária no Reino Unido e o Banrisul possui duas agências, uma em New York e outra
nas Ilhas Cayman. A Caixa Econômica Federal funciona no exterior através de bancos correspondentes.
121

Outro segmento que elevou a participação no IED do Brasil, a partir de 2007, foi o de
minerais não-metálicos, que passou a responder por cerca de 30% das inversões estrangeiras.
Esse setor tem na Vale do Rio Doce (empresa privatizada em 1997) a principal empresa
responsável pela sua expansão. O fator determinante para o movimento de internacionalização
desse segmento é a busca de recursos naturais que constituem a base de sua atividade
produtiva.
Dentre os investimentos que sustentam a sua participação no IED podemos citar:
aquisição da mineradora Canadense Inco; aquisição da AMI holding Australia Pty que opera e
controla ativos de carvão em 2007; contrato entre a Vale e a Jogmec (empresa Japonesa de
petróleo, gás e mineração) para exploração de recursos naturais na África em 2008. Em 2009,
houve o lançamento da pedra fundamental do Projeto de exploração de carvão de Moatize em
Moçambique; a conclusão da aquisição de ativos de carvão da Cimentos Argos S.A. na
Colômbia e o aumento da participação de 10% para 26,87% na Thissenkrupp CSA
Siderúrgica do Atlântico Ltda (VALE DO RIO DOCE, 2011).
Por fim, gostaríamos de mencionar a pequena participação dos investimentos em
infraestrutura. Embora as construtoras brasileiras tenham participado de diversos projetos na
América do Sul79, eles não são completamente captados pelas estatísticas do IED, visto que os
insumos e matérias-primas usadas em empreendimentos financiados pelo BNDES são
adquiridos obrigatoriamente no Brasil e, por isso, contabilizados nas estatísticas de comércio
exterior. Essa é uma área cujos recursos empregados tendem a crescer, haja vista que uma das
estratégias governamentais para a América do Sul é promover a integração física e energética
dos países da região, conforme veremos no Capítulo 4.
Os dados acima observados nos mostram que os investimentos no exterior podem ser
divididos em duas fases: a primeira caracterizada pela constituição de escritórios comerciais
com vistas a fornecer assessoria técnica e serviços pós-venda. Essa fase tinha o principal
objetivo de garantir o mercado exportador das empresas. Posteriormente, a partir de 2006,
houve o que poderíamos chamar de um maior comprometimento das empresas com a
internacionalização, o que resultou no investimento em unidades produtivas no exterior,
principalmente, através de aquisições de empresas ou da constituição de joint-venture.

79
Os seguintes empreendimentos contaram com recursos do BNDES: Construção da Usina Hidrelétrica de São
Francisco no Equador, Usina Hidrelétrica de La Vueltosa na Venezuela; Linhas 3 e 4 Metrô de Caracas;
Transmilênio - Transporte Urbano na Colômbia; Ruta 10 (PR); Ampliação Metrô Santiago no Chile; Gasodutos
TGN/TGS em Albanesi na Argentina; Águas de Maldonado no Uruguai; Transantiago no Chile; Linha
Transmissão UTE Punta del Tigre no Uruguai (COUTINHO, 2009).
122

Os setores mais importantes do IED brasileiro (mineração/siderurgia e o agronegócio)


estão representados, respectivamente, pelas empresas Vale do Rio Doce, Gerdau, Votorantim
e Friboi, Mafrig, Brasil foods, conforme a Tabela 8. Considerando o perfil dessas empresas,
percebemos que se trata de grandes grupos caracterizados pela diversidade de setores de
atuação, isso significa a possibilidade de deslocamento de recursos intragrupo que permita
sustentar uma estratégia de internacionalização mais agressiva.
A dimensão desses grupos permite que além das unidades de produção, adquiram
participações em ferrovias80, centros de distribuição81, terminais marítimos82 e rodoviários83
em alguns países onde atuam, facilitando o escoamento da produção via exportações para
países próximos nos quais as empresas se inserem. Além de contar com o financiamento
público, o tamanho dos grupos permite, também, maior acesso a fontes de financiamento
privado. Vemos, portanto, que o tamanho e a diversificação dos grupos que atuam na
Agroindústria de mineração e siderurgia, certamente contribuíram para o peso desses
segmentos na internacionalização brasileira.

3.3.2 IED geograficamente

Observando o destino do IED brasileiro, a Tabela 9 mostra que, apesar do declínio ao


longo da década, parte expressiva das inversões se destina a paraísos fiscais como as Ilhas
Cayman, as Ilhas Virgens Britânicas e as Bahamas, que em 2010 responderam por 38,4% das
inversões brasileiras no exterior - valor inferior ao registrado em 2001, que foi de 65,6%. De
acordo com a FIESP, “esse movimento corresponde às vantagens fiscais oferecidas por esses
países, o que não necessariamente traduz o destino final dos recursos”. (FIESP, 2009, p. 01).
Cabe ressaltar que as empresas offshore têm se proliferado porque permitem sigilo e
privacidade nos negócios e eventual acesso a determinados tipos de financiamento
internacional a juros baixos, propiciando maior aproveitamento das oportunidades de
negócios no mundo inteiro. Além disso, as empresas em paraísos fiscais desfrutam de

80
A Vale possui uma ferrovia na Argentina e Colômbia. A empresa investe, também, em atividades de estudo e
desenvolvimento de novas fontes de minerais na África do Sul, Angola, Cazaquistão, China e Filipinas.
81
A Friboi possui 31 centros de distribuição nos EUA e 05 na Austrália. A Mafrig possui centros de distribuição
nos EUA, Chile, Argentina, França, Inglaterra, Alemanha, Kuwait, Emirados Árabes, Coréia do Sul, Austrália e
Nova Zelândia.
82
A Vale possui instalações portuárias na China, a Votorantim possui terminal marítimo na Austrália.
83
A Votorantim possui terminal rodoviário no Canadá.
123

isenções fiscais ou impostos reduzidos sobre os rendimentos, diminuindo os custos


administrativos.
Tabela 9 - Investimento Direto Externo Brasileiro segundo o país receptor, 2001-2010

Investimento Direto Brasileiro no Exterior


Países
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Total (US$ milhões) 49.689 54.423 54.892 69.196 79.259 114.175 139.886 155.668 164.523 189.222
Cayman, Ilhas 37,4 44,4 40,5 38,0 33,4 30,5 29,8 33,5 27,7 24,0
Virgens, Ilhas (Britânicas) 15,8 10,8 12,2 9,6 9,7 9,4 8,5 7,2 8,2 7,8
Bahamas, Ilhas 12,4 13,4 12,6 11,9 9,9 8,2 6,9 6,2 6,4 6,5
Uruguai 7,3 4,1 6,6 3,4 3,0 1,6 1,5 1,6 1,7 1,4
Argentina 3,6 3,0 3,0 2,6 2,7 1,9 1,8 2,3 2,7 2,8
Espanha 3,4 5,4 3,3 4,3 4,2 3,7 3,0 3,3 3,2 4,8
Estados Unidos 3,1 3,9 4,2 4,1 5,5 3,7 5,9 6,8 6,9 7,4
Madeira, Ilha da 2,1 1,3 1,3 0,8 0,6 0,3 nd nd nd nd
Bermudas 2,0 2,0 1,1 0,6 0,9 13,2 0,5 0,2 0,7 0,3
Panamá 1,9 1,8 1,4 0,6 0,7 0,5 0,8 2,4 0,6 0,9
Portugal 1,5 2,2 2,0 1,4 1,1 0,9 1,2 0,9 1,2 1,7
Luxemburgo 1,2 0,8 3,8 4,5 4,5 3,5 3,1 3,0 2,8 2,7
Países Baixos (Holanda) 1,2 0,7 1,4 1,7 3,7 2,9 1,6 1,6 2,3 5,9
Canadá 0,9 0,5 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,8 1,1
Reino Unido 0,7 0,2 0,8 0,7 1,1 0,8 0,6 0,9 0,7 0,5
Chile 0,3 0,3 0,4 0,3 0,3 1,6 0,4 0,3 0,3 0,3
Colômbia 0,3 0,1 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1 0,2 0,4 0,5
França 0,3 0,4 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,3 0,3 0,6
México 0,2 0,2 0,1 0,2 0,2 0,1 0,4 0,2 0,6 0,4
Equador 0,1 0,2 0,1 0,2 0,01 0,04 nd nd nd nd
Paraguai 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1
Bolívia 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 nd nd nd nd
Peru 0,1 0,1 0,1 0,4 0,4 0,2 0,4 0,2 0,4 1,2
Venezuela 0,1 0,1 0,0 0,1 0,2 0,1 0,2 0,2 0,5 0,4
Fonte: Declarações do CBE (Capitais Brasileiros no Exterior)/BCB

Considerando o destino do IED brasileiro sem a participação dos paraísos fiscais,


podemos observar, na Tabela 10, que a importância da América do Sul também decresceu ao
longo da década, passando de 34,8%, em 2001, para 10,9% em 2010. A queda de participação
dessa região nos montantes de IED brasileiro não significa a perda de importância desses
países como base de operação e rentabilidade. Ao contrário, alguns dos grandes grupos, como
Petrobras e Camargo Corrêa, têm na Argentina suas principais operações fora do Brasil.
Apenas num primeiro momento o IED brasileiro se concentrou geograficamente onde
existiam maiores facilidades, tais como: proximidade física, empresas em dificuldades
financeiras, mercados menos oligopolizados e empresas com menor poderio tecnológico e
financeiro do que as existentes nos países desenvolvidos.
Destaca-se ainda que, de acordo com Coutinho et al. (2003), a diversidade setorial dos
investimentos brasileiros na América do Sul torna essa região mais importante em razão da
maior integração produtiva vis-à-vis países que apresentam inversões em apenas um setor de
124

atividade. Nesse caso, podemos ver, a partir da Tabela 7, que dentre as empresas mais
internacionalizadas apenas quatro (Metalfrio, Embraer, e Cia Providência) não possuem
atividades em nenhum dos países da América do Sul.
Além disso, os projetos de integração da infraestrutura se restringem a América do Sul
e visam, sobretudo, criar as condições para melhorar a circulação de bens e serviços da região.
Isto é, beneficiar “a logística das exportações da região ao abrir alternativas de escoamento da
produção, com menores distâncias, custos mais baixos e, consequentemente, maior
competitividade dos produtos no mercado internacional”. (MRE, 2011, p. 20). Desse modo, a
América do Sul consta nos interesses da burguesia brasileira ávida por realizar um conjunto
de obras que permita às suas mercadorias um deslocamento mais rápido aos países centrais,
além de lucrar com a construção de tais vias (ZIBECHI, 2008).
Por fim, gostaríamos de mencionar que o estabelecimento de marcos regulatórios e
acordos comerciais estimula os investimentos brasileiros na região, dentre os quais
destacamos as reduções das alíquotas do Imposto de Importação concedidas para Bens de
Capital, Informática e Telecomunicações84. A esse respeito, Ribeiro e Lima (2008) ressaltam
que a estabilidade de regras foi um dos fatores determinantes para a consecução de inversões
na América do Sul.
Os Estados Unidos manteve uma participação significativa no destino das inversões
brasileiras ao longo dos anos 2000, chegando a representar 12,1% desse total no ano de 2010.
Sem dúvida, a inserção e consolidação num dos principais mercados consumidores do mundo
e centro financeiro se constituiu no impulso a esses investimentos. Cabe ressaltar que a
produção das empresas nos EUA acaba sendo mais elaborada do que a realizada em outros
países. Um exemplo disso é a Vale, que produz aço laminado plano e dutos nos EUA,
enquanto em diversos outros países mantém apenas a atividade de extração mineral. Do
mesmo modo, a Friboi possui abate bovino, suíno e ovino nesse país, enquanto em outras
nações mantém apenas uma dessas unidades.

84
Para maiores detalhes ver a Tarifa Externa Comum (TEC) assinada entre os países que compõem o Mercosul.
Para os outros países da América do Sul ver os Acordos de Complementação Econômica (ACE) realizados no
âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e da Comunidade Andina (CAN).
125

Tabela 10 - Investimento Direto Externo Brasileiro segundo o país receptor e com


exclusão de alguns paraísos fiscais, 2001-2010
(US$ milhões)
IED
Países
2001 2002 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Total 49.689 54.423 54.423 54.892 69.196 79.259 114.175 139.886 155.668 164.523 189.222
Total* 17.086 17.126 17.126 19.010 27.991 37.269 59.256 76.738 82.790 94.890 116.594
Alemanha 0,6 1,0 1,0 0,7 0,8 0,5 0,4 0,2 0,3 0,2 0,1
Argentina 10,5 9,5 9,5 8,7 6,4 5,7 3,7 3,3 4,3 4,7 4,6
Áustria 0,1 0,6 0,6 1,7 1,4 1,8 6,4 40,7 37,7 38,2 32,2
Bermudas 5,8 6,5 6,5 3,2 1,6 1,9 25,4 0,9 0,3 1,3 0,5
Bolívia 0,3 0,4 0,4 0,3 0,2 0,2 0,1 nd nd nd nd
Canadá 2,6 1,6 1,6 0,3 0,2 0,2 0,0 0,0 0,0 1,4 1,9
Chile 0,9 1,0 1,0 1,1 0,7 0,6 3,0 0,7 0,5 0,5 0,5
Colômbia 0,8 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1 0,3 0,4 0,6 0,8
Dinamarca 0,1 0,1 0,1 0,1 23,1 25,4 17,5 14,1 9,7 10,2 8,3
Equador 0,4 0,6 0,6 0,3 0,4 0,0 0,1 nd nd nd nd
Espanha 9,8 17,3 17,3 9,4 10,6 9,0 7,2 5,5 6,3 5,6 7,8
Estados Unidos 9,0 12,3 12,3 12,1 10,1 11,6 7,1 10,7 12,7 12,0 12,1
Luxemburgo 3,4 2,4 2,4 10,8 11,2 9,6 6,8 5,6 5,6 4,9 4,4
Países Baixos (Holanda) 3,4 2,2 2,2 3,9 4,2 7,9 5,7 2,8 3,0 4,0 9,6
Panamá 5,6 5,6 5,6 4,1 1,5 1,4 1,0 1,5 4,5 1,1 1,4
Paraguai 0,3 0,2 0,2 0,4 0,3 0,3 0,3 0,2 0,2 0,2 0,2
Peru 0,3 0,3 0,3 0,3 1,0 0,8 0,4 0,8 0,3 0,7 1,9
Portugal 4,3 7,0 7,0 5,7 3,5 2,3 1,7 2,1 1,8 2,1 2,8
Reino Unido 2,0 0,7 0,7 2,3 1,7 2,4 1,6 1,1 1,6 1,1 0,8
Uruguai 21,1 13,1 13,1 19,2 8,3 6,4 3,1 2,6 3,0 2,9 2,3
Venezuela 0,2 0,2 0,2 0,1 0,2 0,4 0,2 0,3 0,3 0,8 0,6
Fonte: Declarações do CBE (Capitais Brasileiros no Exterior)/BCB

3.3.3 O IED brasileiro nos países da América do Sul

Na análise das inversões brasileiras realizadas nos países da América do Sul, um


primeiro elemento a considerar é a participação do Brasil no IED da região. Na Tabela 11,
observa-se uma grande variabilidade dos números entre 2000-2010, em que o peso do
ingresso de investimentos brasileiros é significativo em alguns anos, como em 2006 no
Paraguai, ou apresenta uma participação residual, como na Colômbia em 2004. A exceção é a
Argentina, onde pode ser observada uma maior estabilidade do fluxo de IED brasileiro,
indicando relações mais consolidadas entre os capitais brasileiros e esse país. Gostaríamos de
destacar alguns números:
1) A elevada participação do IED brasileiro na Argentina, em 2002, se explica pela
crise do país com a ruptura do regime de conversibilidade e a recessão econômica.
Esta situación afectó notablemente a las subsidiarias de las ETs que en su
gran mayoría presentaban alto grado de endeudamiento en moneda
extranjera. A su vez, la pesificación de los ingresos, así como la escasa
126

orientación exportadora de las inversiones redujo la capacidad de dichas


firmas para gestionar la crisis, resultando en una notable reducción de los
ingresos de IED. (BIANCO et al.; 2008, p. 31).

Portanto, além da diminuição do fluxo global de IED para o país, o período apresenta
um conjunto de oportunidades de inversões para o Brasil, devido ao número de empresas em
dificuldades financeiras;
2) A participação das inversões brasileiras no Paraguai nos anos de 2003, 2006 e 2009
resulta da oscilação entre lucros reinvestidos e lucros remetidos para fora do país 85. Nos anos
de 2003 e 2009, os montantes de lucros enviados pelas empresas brasileiras resultaram num
fluxo negativo do IED nesse período. Inclusive, no ano de 2009, os fluxos de IED do setor
primário no país também foram negativos, mostrando a influência do movimento de capitais
brasileiros nesse setor do Paraguai. No ano de 2006, houve a remessa de lucros e dividendos
de outros países (Luxemburgo, Panamá e Portugal), o que aumentou o peso do IED brasileiro;
3) No Equador, a brusca diminuição do IED brasileiro após 2007 está associada a
expulsão da Odebrecht em 2008 e a posterior decisão da Petrobras de sair do país.
Do exposto apreende-se que os fluxos de IED brasileiro para a América do Sul estão
condicionados por critérios econômicos e não por definições estratégicas para a consecução
de uma integração regional. Desse modo, a variabilidade dos fluxos expressa a lógica de
decisão empresarial (como qualquer decisão de investimento estrangeiro) relacionada ao
processo de privatização, fusões ou aquisições de empresas privadas, concessão de serviços
públicos, quadro macroeconômico e crescimento da economia.
Vejamos agora mais detalhadamente as principais inversões brasileiras em cada um
dos países da região.

85
“Conforme esclarece o Banco Central do país, ‘El flujo de la Inversión Extranjera Directa se descompone en
tres partes: capitalización, utilidades reinvertidas y préstamos’ os lucros reinvestidos por sua vez são o resultado
dos lucros reinvestidos menos os lucros reenviados.” (BCP, 2012).
127

Tabela 11 - Participação do Brasil no Investimento Externo Direto (IED) de países da


América do Sul: 2000-2010

Países da Participação do IED Brasileiro no fluxo de IED Total


América do
Sul 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Argentina -0,6 2,2 45,0 7,1 12,5 17,9 6,0 11,4 14,2 -11,4 15,8
Bolívia Nd 8,2 18,2 10,8 1,6 2,3 2,9 7,9 11,9 14,0 8,4
Chile 0,2 0,4 0,3 0,5 -0,3 1,1 1,7 0,9 5,0 0,5 5,8
Colômbia 0,6 2,3 1,8 -0,2 0,1 0,0 0,4 6,1 1,6 0,8 1,3
Equador Nd 0,0 2,4 0,6 22,6 58,4 136,2 40,0 4,6 1,0 6,1
Paraguai Nd nd 10,7 -52,9 0,5 28,2 54,7 20,3 19,9 -27,5 13,3
Peru Nd -1,5 0,3 -0,1 13,2 0,0 2,1 0,1 0,1 3,0 7,3
Venezuela Nd nd Nd Nd nd nd nd nd nd nd nd
Uruguai Nd 0,7 1,5 -0,3 3,7 2,4 3,7 6,4 8,7 7,0 nd
Fonte: Banco Central Argentina, Banco Central Chile, Banco Central Paraguay, Banco Central Uruguay, Comunidad Andina.

3.3.3.1 Argentina

Conforme relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), dentre os elementos


que tornam a Argentina um destino atrativo está o seu mercado consumidor e as
possibilidades de crescimento de sua economia. Além disso, “algumas das empresas
brasileiras vislumbram a possibilidade de crescer e consolidar sua marca pelo fato de dispor
de vantagens tecnológicas ou de know-how, que as colocaram em situação favorável perante
os concorrentes locais”. (IGLESIAS, 2007, p. 27).
Outros elementos importantes para a escolha do país foram: i) a disponibilidade de
recursos minerais; ii) a celebração de acordo bilateral entre Argentina e Brasil para facilitar o
pagamento das transações comerciais através do Sistema de Pagamentos em Moeda Local
(SML) 86, facilitando as transações entre matriz e subsidiária argentina; e iii) a desvalorização
de diversas empresas argentinas em função da crise do país em 2001/2002.
Do ponto de vista setorial, as inversões brasileiras no país se concentraram
[…] desde mediados de los noventa hasta la actualidad [en] los recursos
naturales (Petróleo y gas), las manufacturas basadas en recursos naturales
(Alimentos y bebidas; Materiales para la construcción; Industrias básicas del
86
Pelo sistema, os pagamentos são realizados em moeda local e não são utilizadas operações de câmbio real-
dólar e dólar-peso (ou vice-versa). A conversão entre as moedas se dá pela taxa de câmbio negociada pela
instituição financeira onde serão feitos os depósitos ou pela taxa do SML definida pelo Banco Central.
Diferentemente dos créditos via CCR utilizados pelo BNDES para financiar as operações de investimento, nessa
modalidade “os bancos centrais atuam apenas como intermediários da operação. Não assumem nem risco de
crédito recíproco nem risco de crédito das instituições financeiras autorizadas em seus países”. (BCB, 2014).
Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?SMLFAQ>.
128

hierro y el acero; Petroquímica), algunas manufacturas de contenido


tecnológico medio Automotriz y autopartes; Fabricación de productos
metálicos) y servicios de tipo variado (Comercio; Construcción; Bancos y
servicios financieros; Energía eléctrica; Transporte). (BIANCO et al., 2008,
p. 35).

O perfil setorial das inversões não poderia ser outro, já que o Brasil “exporta” para os
países da América do Sul o padrão produtivo vigente em sua economia. Isto é, o seu IED está
limitado pelo seu padrão de inserção na economia internacional. Portanto, as empresas
brasileiras podem, no máximo, organizar a produção nos moldes que fazem em seu próprio
país, uma vez que os limites em termos de desenvolvimento tecnológico, encadeamentos
produtivos e nível de emprego são dados pelo próprio padrão vigente na economia brasileira.
Dado desse limite geral, cada empresa vai transferir mais ou menos atividades para os países
da região conforme a rentabilidade e a importância desses mercados em sua estratégia de
expansão.
Com base em dados do Banco Central da República Argentina (BCRA), em 2013, o
estoque de IED brasileiro no país correspondia a 6,3% do total, situando o Brasil como o
quinto maior detentor de ativos atrás dos EUA (21,0%), Espanha (18,0%) 87, Holanda (9,0%) e
Chile (7,0%). Chama atenção a diversidade setorial dos investimentos (Tabela 12).
Dentre os setores com maior participação do que foi registrado como inversões
brasileiras, não nos ateremos ao automobilístico e de máquinas e equipamentos, haja vista que
estão relacionadas às transnacionais que atuam no Brasil. Nos concentraremos nos setores de
Alimentos e bebidas, Construção, Minerais não-metálicos e Transportes, que efetivamente
expressam investimentos de empresas de capitais brasileiros. No que se refere ao setor de
petróleo, embora a participação seja residual, incluiremos a Petrobras na análise, já que
Bianco et al. (2008) e Gomes (2011) incluem a empresa entre os principais inversionistas
brasileiros na Argentina. Acreditamos que a diversidade das operações da empresa (presente,
também, no setor de energia elétrica e distribuição de combustíveis) impede a captação de
seus investimentos apenas na rubrica Petróleo.

87
Houve uma mudança de posição em relação a 2010 quando, conforme o BCRA, Espanha detinha 26,3% do
estoque de IED do país e os EUA 16,8%.
129

Tabela 12 - Participação do Estoque de IED brasileiro no total do IED Argentino: 2010

País Total Brasil %

Total 92.778 5.842 6,3


Petróleo 18.305 47 0,3
Alimentos, Bebidas e fumo 5.383 691 12,8
Indústria têxtil 986 231 23,4
Indústria de Papel, edição e impressão 1.287 39 3,0
Indústria química, borracha e plástico 9.575 420 4,4
Produtos minerais não-metálicos 973 178 18,3
Metais comuns e metalurgia 4.266 85 2,0
Máquinas e equipamentos 4.154 309 7,4
Indústria automotriz 5.596 1.617 28,9
Outras indústrias manufatureiras 1.055 76 7,2
Eletricidade 1.200 -14 -1,2
Comércio 4.068 234 5,8
Transporte 1.808 429 23,7
Comunicações 5.262 12 0,2
Mineração 8.460 23 0,3
Agricultura, pecuária e outras 2.067 24 1,2
Construção 1.311 314 24,0
Serviços de informática 1.004 28 2,8
Serviços de lazer e entretenimento 908 75 8,2
Oleaginosas e cereais 2.027 19 0,9
Seguros 963 40 4,2
Setor privado financeiro 5.669 682 12,0
Turismo e hotelaria 259 1 0,5
Outros serviços 1.445 9 0,6
Inversora, Holding 1.858 255 13,7
Outros setores privados não financeiros 1.510 17 1,1
Fonte: BCRA.

O setor de transporte está relacionado à concessão para a iniciativa privada dos


serviços de administração de estradas, portos, aeroportos e demais serviços ligados à logística
e transporte. Aqui a ALL Logística opera “duas das mais importantes ferrovias de carga do
país”. (GOMES, 2011, p. 48). No Brasil, essa empresa opera malhas ferroviárias que ligam a
fronteira com Argentina, Paraguai e Uruguai aos principais portos do sul e sudeste do país, a
exemplo do porto de Santos e de Paranaguá, além de ligar Corumbá a São Paulo.
Especializada no transporte de commodities agrícola; derivados de combustíveis e etanol e
produtos industrializados, as atividades dessa empresa na Argentina são um prolongamento
das suas operações no Brasil, visto que a ALL logística se internacionalizou, principalmente,
para acompanhar seus clientes que se instalaram no país vizinho 88. No que se refere a outras

88
Os clientes do setor agropecuário são: ADM, Amaggi, Bunge, Cargill, Copersucar, Dreyfus, Trevo, Usina
Santa Terezinha. No segmento de produtos industrializados, presta serviço para: Braskem, Camargo Corrêa,
Camil, Cimento Ribeirão, Rio Tinto, CSN, Gerdau, Belgo Mineira, Gonvarri, Grupo Votorantim, Ipiranga,
Josapar, Klabin, Masisa, Sadia, Vega do Sul, MCR, Vetorial, Frangosul, Seara, Renault e Unilever (ALL
Logística, 2014).
130

empresas do setor, sua internacionalização está associada ao aumento do volume de comércio


entre os países da região nas duas últimas décadas.
No ramo da construção, as principais empresas são a Alusa e a Odebrecht. No
primeiro caso, a empresa tem “permissão para realização de obras de infraestrutura, como a
licitação vencida, em 2005 [...] para a construção de linhas de transmissão de energia elétrica
no Sul do país”. (GOMES, 2011, p. 48). A Odebrecht participa desde 2009 da construção de
refinaria em parceria com a petroleira YPF.
No segmento de petróleo, a Petrobras possui uma produção integrada na Argentina
que abarca as atividades de exploração e produção de petróleo e gás, refino e distribuição de
combustíveis. Além disso, se inseriu na atividade petroquímica e na
produção/comercialização de energia elétrica 89. A estrutura produtiva mais elaborada na
Argentina vis-à-vis de outros países da América do Sul (como veremos a seguir no caso da
Bolívia) demonstra o peso desse país na rentabilidade no exterior dessa empresa, uma vez
que, conforme informações da Petrobras, em 2013, 90% da produção de barris de petróleo dos
seus ativos na América Latina foi extraído na Argentina 90.
Os investimentos da empresa foram realizados visando aproveitar o mercado interno
desse país e a disponibilidade de matérias-primas, uma vez que, depois da Bolívia, a
Argentina possui as maiores reservas de gás da região. Considerando a participação no
mercado Argentino, em 2013, a Petrobras respondia pelo abastecimento de 5% do mercado de
geração de energia elétrica. Dados do Instituto Argentino del Petróleo y del Gás (IAPG)
mostram que a empresa, em 2010, ocupava a terceira maior posição na produção de petróleo
do país (6,5% do total) e a quarta posição na produção de gás (9,1% do total extraído). Quanto
ao mercado de distribuição, em 2010, ocupava a quarta posição nas vendas de gasolina
(11,1%) e óleo (16,3%)91.

89
“La política oficial llevó a Petrobras a disminuir su presencia en las áreas donde el Estado ejerce intervención a
través del control de precios y tarifas, como la producción y comercialización de combustibles y la distribución
eléctrica”. (ZIBECHI, 2012, p. 264).
90
Conforme dados do Banco Central da Republica Argentina (BCRA), a rentabilidade média do setor de petróleo
no país entre 2005 e 2010 foi de 21,7%.
91
Na produção de petróleo está atrás da YPF S. A. (34,4%) e Pan American (18,7%) empresa controlada pela
British Petroleum y Bridas. Na produção de gás da Total Austral S. A. (28,1%); da YPF S. A.; (24,8%) e da Pan
American (12,6%). Nas vendas de gasolina e óleo está atrás da YPF (57,2% e 35,5%); Shell (13,3% e 23,1%) e
Esso (13,0% e 20,2%). Essa colocação em vendas no mercado interno argentino se reproduz para outros
produtos como lubrificantes (9,4%). Em alguns ocupa a terceira posição - nafta comum (14,6%); solventes
(24,4%), graxas (11,4%) - ou a segunda posição como na produção de asfalto (28,0%) e óleo para navios
(28,9%).
131

A importância do setor e o peso das atividades da Petrobras na Argentina têm levado a


um maior acompanhamento das operações da empresa pelo governo Argentino. Segundo
Zibechi (2012, p. 263),
el gobierno argentino puso limites a Petrobras cuando pretendió vender
Transener a una empresa estadounidense ya que la consideraba estratégica
para el país y la forzó a abortar la operación. Además sofrió presiones acerca
del volumen de las inversiones para mantener sus concesiones de
explotación así como en materia de precios para el mercado doméstico.

No segmento de Minerais não-metálicos, a principal empresa é o Grupo Camargo


Corrêa. A Argentina também é o país de maior importância no seu processo de
internacionalização, haja vista que aí (além do Brasil) possui maior diversificação de suas
atividades, produzindo não apenas cimento, mas vestuário e calçados, além de atuar no
segmento de engenharia e construção. No que se refere à produção de cimentos, a aquisição
da Loma Negra, com suas nove fábricas e uma ferrovia, assegurou ao grupo o controle de
46% da produção argentina. Além de abastecer o mercado interno, tal estrutura permitiu
transformar a subsidiária Argentina em base de exportação para outros países.
No setor de Alimentos, as duas maiores empresas do setor de carnes no Brasil têm
investimentos na Argentina (Friboi e Marfrig). No que se refere à Friboi, sua unidade nesse
país representava, em 2006, cerca de 27% da capacidade produtiva total, o que mostra a
relevância desse país para suas operações. Além de possuir o controle do mercado local de
carnes, a importância da Argentina está em que a filial da empresa aí instalada se constitui em
base de exportação de alguns produtos para os mercados regionais. Além disso, “teniendo en
cuenta las condiciones naturales y la estructura de costos del negocio en Argentina, fue
acompañada de márgenes de ganancia superiores a los presentes en otras localizaciones”.
(BIANCO et al., 2008, p. 57).
A adoção de um padrão organizativo com base na criação do gado em confinamento
trouxe problemas sociais e ambientais adicionais àqueles já relacionados à produção de soja
no país. Essa modalidade de criação de gado funciona em ciclos de 100 dias, durante os quais
os animais recebem alimentação especial e hormônios para estimular o rápido crescimento 92.
O grande volume de dejetos e a utilização em larga escala de compostos químicos - ao longo
dos mais de três ciclos de engorda anuais - resultam na poluição dos solos e no
comprometimento dos mananciais de água subterrânea pela penetração de diversas drogas de
uso veterinário. Com isso,

92
Os animais que podem chegar a pesar até 500 kg.
132

La presencia de establecimientos de engorde a corral incide directamente en


la posibilidad de desarrollo sustentable de producciones vecinas, no sólo por
la presencia permanente de olores nauseabundos, sino también por la
contaminación difusa del suelo y agua. Esta situación provoca situaciones
directas de expulsiones de los pequeños productores. (VICENTE et al.,
2010, p. 14).

Além da destruição da pequena produção, observa-se o aumento da concentração de


terras através da incorporação de pequenos produtores a essa lógica produtiva através do
sistema de parcerias, em que criadores de gado seguem as estritas recomendações dos
abatedouros, que determinam os padrões técnicos e realizam o controle da execução das
tarefas conforme o pacote tecnológico padrão do setor.
Portanto, a atuação da Friboi no mercado Argentino acentua a lógica de produção
associada à exploração dos recursos naturais, a qual acarreta o aumento dos conflitos sociais
já existentes no país envolvendo os estabelecimentos de criação de gado em currais, em
especial, entre a população que vive ao redor e “lucha para erradicar estos emprendimientos y
imposibilitar la instalación de otros nuevos”. (VICENTE et al., 2010, p. 16).
As principais empresas do setor têxtil que se instalaram na Argentina a partir do ano
de 2004 foram a Coteminas, a Camargo Corrêa divisão têxteis, a Penalty e a Santana textiles.
No caso da Coteminas, o principal impulso a internacionalização foi o fim do acordo de cotas
de exportação entre o Brasil e os EUA. O objetivo da empresa é abastecer o mercado norte-
americano através da produção na Argentina.
Estatísticas da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT) mostram que a
Argentina (27,5%) é o principal destino das exportações brasileiras do setor, seguida pelos
EUA (26,2%). A conjugação de IED e elevadas exportações do Brasil para o país, nos leva a
crer que as empresas instituem uma divisão do trabalho entre as suas unidades, importando
insumos e matérias-primas do Brasil para usar na produção argentina.
Outro elemento que caracteriza a organização da produção de algumas dessas empesas
é a terceirização do trabalho, usando a chamada Lei do Trabalho em Domicílio para
estabelecer sociedades com pequenas empresas locais. Conforme Arcos (2013), as marcas
Topper93 e Penalty estão entre aquelas que utilizam o trabalho em domicílio de imigrantes
bolivianos em condições precárias. Neste tipo de trabalho a jornada diária varia entre 10 e 12
horas num ambiente caracterizado pela insalubridade e pelas condições inadequadas de
segurança e higiene.

93
A Camargo Corrêa atua no mercado Argentino “em Vestuário e Calçados, [...] com a Alpargatas, que gerencia
marcas líderes [...] como Havaianas, [...], além de Osklen, Mizuno, Topper, Timberland, entre outras”.
(CAMARGO CORRÊA, 2014).
133

Los talleres de costura se sirven generalmente de la explotación informal de


migrantes bolivianos, dentro de domicilios privados en la ciudad capital […]
organizaciones representantes de los trabajadores de la costura como la
Fundación Alameda, y el Sindicato de Obreros de la Industria del Vestido y
Afines (SOIVA) calculan que la tercerización en talleres de costura precarios
afecta a más del 80% de las marcas de indumentaria […] Esta rama
representaría el 25% del trabajo no registrado en el país […] Por otro lado, el
Instituto Nacional de Tecnología Industrial estimaba en 2011 una tasa de
informalidad de un 70%. (ARCOS, 2013, p. 334).

Cabe ressaltar que os empresários da indústria têxtil argentina já propuseram o


estabelecimento de cotas de importação para os produtos brasileiros desse setor haja vista o
aumento de cerca de 222% nos montantes importados a partir de 2004. Os déficits comerciais
da Argentina levaram a adoção de restrições à entrada de produtos brasileiros no país, através
do cancelamento da licença automática de importações para alguns produtos (a exemplo de
calçados, têxteis, pneus). Tais conflitos têm sido mediados através de reuniões entre a Fiesp e
os empresários argentinos, que também envolvem os governos dos dois países 94.
A relação conflituosa entre setores empresariais dos dois países, em razão dos
desequilíbrios comerciais e assimetrias nas estruturas produtivas, contrasta com a confluência
de interesses no agronegócio em que os grupos empresariais das duas nações têm defendido a
eliminação dos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos.
Por fim, gostaríamos de mencionar os investimentos da Vale. Esta empresa realiza
atividades de pesquisa e extração mineral na Argentina. Não existem unidades de
beneficiamentos da produção de minério de ferro e manganês extraído pela empresa nesse
país. A produção é totalmente escoada para suas unidades no Brasil pela Hidrovia Paraná-
Paraguai utilizando o Porto San Nicolás, também de propriedade da companhia.

3.3.3.2 Uruguai

A Tabela 11 mostra que, no Uruguai, embora a participação das inversões brasileiras


não tenha a mesma importância verificada no Paraguai, houve um aumento entre 2006 e 2008.
Os investimentos brasileiros no país estão na quinta posição, com uma participação média de
4,2% do total do IED que entrou no país entre 2001 e 2011, situados atrás de,
respectivamente, Argentina (21,9%), Espanha (8,8%), Bahamas (6,1%) e Estados Unidos
(5,8%) (URUGUAY, 2013).

94
Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/noticias/relacoes-entre-brasil-e-argentina-estao-mais-transparentes-
diz-embaixador-enio-cordeiro/>.
134

Os investimentos realizados a partir da Argentina estão direcionados para a produção


de soja e o segmento de construção. Nesse caso, ocorre uma superestimação da participação
desse país, uma vez que as obras de construção de casas para a classe média e edifícios
empresariais são realizadas pela Loma Negra, que é de propriedade do grupo brasileiro
Camargo Corrêa. No segmento imobiliário, o grupo brasileiro reparte o mercado com
empresas norte-americanas e espanholas (URUGUAY, 2014).
Assim como na Argentina, as inversões brasileiras no Uruguai apresentam uma
diversidade setorial e de porte das empresas envolvidas. Do ponto de vista dos setores temos:
Alimentos e bebidas (processamento e conservação de carnes, laticínios, arroz, cerveja);
vestuário, papel, produtos químicos, metalurgia, construção e engenharia, energia, serviços de
hotelaria, serviços financeiros e de transporte. Considerando o porte, observa-se desde
pequenas empresas de vestuário com doze empregados até as principais empresas da
agroindústria como JBS-Friboi (CINDES, 2014).
As estratégias são diferenciadas e procuram aproveitar diferentes “vantagens”
produtivas do Uruguai. No primeiro caso, busca-se manter mão de obra mais barata e
eventuais incentivos fiscais para a produção, que é completamente exportada para o Brasil95.
No segundo caso, aproveitar os recursos naturais do país (especialmente os menores preços
das terras e a disponibilidade hídrica), transformando-o em plataforma de exportação com
acesso a mercados como América do Norte e Europa. Não nos ocuparemos das pequenas
empresas do sul do Brasil que cruzam a fronteira. Apenas nos ateremos aos grandes grupos
que possuem um peso relevante na estrutura produtiva desse país.
Nesse conjunto, os principais investidores brasileiros no Uruguai no período foram
Mafrig e JBS-Friboi (indústria de carnes); Camil (agroindústria do arroz); Eletrobrás, Vale e
Petrobras. No que se refere ao setor de carnes e arroz
[…] existe una gran concentración de la fase industrial, controlada
fundamentalmente por capitales brasileños: en la industria cárnica cerca del
48% de la faena y 60% de las exportaciones (25% en manos del grupo
Marfrig, a la que suma JBS-Friboi y Minerva), 50% de la industria arrocera,
y la totalidad de la producción y comercialización de maltas y cervezas
(controlada por el grupo AMBEV, de capitales belgas y brasileros).
(OYHANTÇABAL; NARBONDO, 2003, p. 412).

A elevada participação das empresas brasileiras na exportação de carnes do país reflete


a divisão de mercados nessa indústria a partir da qual os capitais uruguaios abastecem,

95
No rol das grandes empresas também existem aquelas que destinam quase toda a sua produção para o mercado
brasileiro. São elas: Petrosul e Votorantim cimentos.
135

principalmente, o mercado interno e os produtores brasileiros destinam sua produção para o


mercado externo. Tal divisão reflete a menor oligopolização do setor no Uruguai, onde a
atividade criatória ainda é predominantemente extensiva, com baixas barreiras a entrada e
pouca incorporação do padrão produtivista da criação por confinamento.
Certamente, a entrada dos frigoríficos brasileiros, a expansão da soja e dos projetos de
reflorestamento deverá estimular a conversão da atividade pecuária, haja vista que os três
segmentos citados são intensivos em terras e o país já se encontra num processo avançado de
ocupação das áreas disponíveis. Isto é, “la superficie ocupada con actividades ganaderas o
agrícola ganaderas es de 15,8 millones de hectáreas, un 83 por ciento de la superficie
utilizable del país”. (ALFARO; OLIVEIRA, 2009, p. 33). Dessa maneira, o aumento da
produtividade deve se dá através da incorporação de tecnologia em detrimento da ampliação
da área utilizada.
A disputa por terras entre as atividades criatória, de soja e de celulose se evidencia
através do perfil do IED do setor agropecuário, que tem se destinado “a la compraventa de
tierras. En 2012 se invirtieron US$ 90 millones en tierras por parte de extranjeros”.
(URUGUAY, 2014, p. 12). Tais inversões são provenientes, principalmente, da Argentina e
dos EUA (e Bahamas). Além da perspectiva de iniciar uma atividade produtiva, a aquisição
de terras nesse país está associada à expansão dos fundos de pensões e sua lógica de
valorização. Ou seja,
[…] en los últimos 4 años se ha ido consolidando en Uruguay una etapa
cualitativamente distinta dentro de lo que ya se conocía como característica
del modelo del agronegocio. Ahora, además de los actores empresariales
clásicos, empresas transnacionales enfocadas en sectores concretos de
producción, fueron apareciendo nuevas formas de organización del capital,
integrando diferentes rubros productivos y con nuevas estrategias de
actuación. Entre estas nuevas formas se encuentran los “fondos de
pensiones” extranjeros y los fondos de inversiones que agrupan accionistas
del mundo entero que destinan capital a la adquisición de tierras, producción
de commodities, intermediación y comercialización agrícola. Este proceso se
encuadra en el fenómeno global conocido como “financiarización de la
naturaleza”. (REDES, 2012, p. 04).

Diante da disputa por áreas de expansão, as empresas brasileiras do segmento de


carnes estabelecem parcerias com pecuaristas, através das quais fornecem o “protocolo
sanitário de alto nível, com padronização de procedimentos e acompanhamento nutricional
[...]”. (FRIBOI, 2014).
O apoio do governo brasileiro ao setor é dado através da Embrapa, que “trabalha
muito para ampliar o rendimento do gado com melhora genética [...] [e do] BNDES [que]
136

detém 30% do capital da JBS, 13,9% do da Mafrig e 2,5% do da BRF, com investimentos de
R$ 8 bilhões, R$ 3,5 bilhões e R$ 430 milhões, respectivamente”. (VALOR, 2011, p. 46-47).
Além disso, a presença do Banco do Brasil e do banco Itaú no Uruguai se constitui em outras
fontes de financiamento.
No setor da Energia, os investimentos da Eletrobrás e da Petrobras no Uruguai estão
associados à chamada política de integração energética no continente, que se refere à
diversificação das atividades da petrolífera para os diversos segmentos de produção e
distribuição de energia, seja ela petróleo, gás, eletricidade ou biocombustíveis. A ideia é
integrar os ativos da empresa no Brasil com as explorações feitas nos países da região.
Nesse projeto, o Uruguai se transformou num caminho de fluxo obrigatório entre a
Argentina e o Brasil. Isto é, algumas das fontes de gás natural que a empresa detém na
Argentina necessitam passar pelo Uruguai para chegar até o Brasil.
Além disso, a empresa passou a atuar no mercado uruguaio controlando a distribuição
de gás natural no país através das empresas Conecta Sur, da qual detém 55%, e da
Montevidéu gás, da qual possui 66% das ações (PETROBRAS, 2014). A Petrobras é a
segunda no abastecimento de combustíveis (21%) e lubrificantes (34%), atrás apenas da
Administración Nacional de Combustibles, Alcohol y Portland (ANCAP), que possui,
respectivamente, 48% e 54%. Apesar de sua importância na etapa de distribuição, no que se
refere à exploração de petróleo, a empresa não tem inserção no país. O mercado está dividido
entre diversas transnacionais do setor como: YPF (Argentina), Galpp (Portugal), BP (Reino
Unido) e Inpex (Japão).

3.3.3.3 Paraguai

Os dados da Tabela 11 demonstram o peso do IED brasileiro nesse país, seja através
dos chamados desinvestimentos, como os verificados em 2003 e 2009, ou dos investimentos,
como entre 2005 e 2008. Considerando a participação no Estoque de IED do Paraguai, no
primeiro semestre de 2004, de um total de US$ 1.100,4 milhões em ativos estrangeiros no
país, os EUA possuíam 39,1%, Holanda 8,7%, Brasil 8,3% e Argentina 8,0%. Em 2010, o
estoque total registrado foi de US$ 3.111,4 milhões distribuídos da seguinte maneira: os EUA
possuíam 50,2%; o Brasil 14,3%, a Argentina 7,9% e a Espanha 6,8% (BCP, 2004 e 2010).
137

Cesar (2012) ressalta que as estatísticas das inversões brasileiras no Paraguai se


encontram subestimadas, porque muitas se realizam a partir dos paraísos fiscais, ainda assim,
tais investimentos ocupam a segunda posição, atrás apenas das realizadas a partir dos EUA.
Um dos determinantes dos investimentos brasileiros no país é a integração da
produção no âmbito do Mercosul. Objetiva-se tanto aproveitar o mercado interno do país
como transforma-lo em plataforma de exportação. Outro fator que impulsiona as inversões no
Paraguai é a busca de menores custos de produção. Com isso, além de grandes empresas,
existe um conjunto de pequenas e médias empresas do sul e sudeste do Brasil que instalaram
unidades produtivas no Paraguai, visando aproveitar
[…] además del Régimen de Maquila, […] una carga tributaria simplificada
y liviana, menores cargas sociales, eletricidad barata, proximidad de los
grandes centros brasileños de producción y consumo […]. La amplia oferta
de mano de obra constituye por si sola una gran ventaja competitiva para las
empresa brasileñas. (CÉSAR, 2012, p. 09).

Desse modo, aproveitando as tarifas preferencias do Mercosul, empresas dos setores


de confecções, alimentos, plásticos e química transformaram o país em plataforma de
exportação para abastecer o mercado brasileiro. Além dos benefícios tributários e fiscais 96,
empresários brasileiros ressaltam as vantagens do mercado de trabalho do Paraguai:
[…] en Brasil, los empleados tienen 48 días menos de trabajo al año, en
comparación con Paraguay […] los paraguayos trabajan cuatro horas más
por semana, por lo que produce el doble. Además, todos los empleados del
país vecino tienen 30 días de vacaciones, cuando en Paraguay los días
dependen de los años trabajados. (ULTIMAHORA, 2012)97.

Certamente, esses fatores contribuem para que as inversões brasileiras sejam bastante
diversificadas, conforme assinala o BCP. Apesar disso, no ano de 2010, as atividades de
intermediação financeira possuíam os maiores montantes, representando 47,4% do total
registrado como investimento brasileiro, em seguida as atividades comerciais (31,3%), a
Fabricação de defensivos agrícolas e outros produtos químicos agropecuários (5,8%) e a
Produção e processamento de carne (5,6%) (BCP, 2010).
Cabe ressaltar que os bancos privados estrangeiros que fazem inversões no Paraguai
através do Brasil, a exemplo do Santander, inflam as estatísticas relacionadas a esse setor.

“La mayor parte de los empresários brasileños optan por el Régimen de Maquila, que permite producir con
96

exención tributaria para importar insumos y bienes de capital, pagando solamente una alícuota de 1% sobre el
valor agregado localmente.” (CÉSAR, 2012, p. 09).
97
Disponível em: < http://www.ultimahora.com/crece-incursion-firmas-brasilenas-el-pais-atraidas-los-
beneficios-n563163.html> Acesso em 16 de abril de 2014.
138

Apesar disso, “los bancos de capital brasilero, a la fecha, controlan el 18,69% del total de los
activos y 17,56% de las colocaciones netas y, poseen 7,28% del total de las 426 sucursales a
nivel país de todos los bancos”. (SUPERINTENDÊNCIA DE BANCOS BCP, 2013 apud
VUYK, 2012, p.15). As atividades dessas instituições abarcam o financiamento do comércio
exterior, do agronegócio, da indústria de carnes e do consumo. Observa-se ainda que, “una
gran mayoría de las instituciones públicas poseen sus cuentas bancarias y manejan el
movimiento de salarios de sus trabajadoras/es a través del banco Itaú [...]”.
(SUPERINTENDÊNCIA DE BANCOS BCP, 2013 apud VUYK, 2013, p. 15).
Dentre as grandes empresas que realizaram investimentos entre 2005 e 2007 estão a
Minerva e JBS, que adquiriram frigoríficos paraguaios (setor de carnes); a Petrobras, que
adquiriu os ativos da Shell (setor de comercialização); e a Votorantim e Camargo Corrêa, que
juntas construíram uma fábrica de cimento em parceria, também, com a Concret-Mix
(CÉSAR, 2012).
A organização e os efeitos da verticalização da produção de carnes já foram
explicitados através da análise dos efeitos da instalação da JBS na Argentina e no Uruguai.
No caso da Petrobras, a empresa está inserida apenas na área de distribuição no “mercado de
combustíveis (gasolinas e diesel), tendo a maior participação no mercado (atualmente, 21%
das vendas)”. (PETROBRAS, 2014).
Aqui gostaríamos de tecer algumas considerações sobre a produção de soja de
produtores brasileiros. As atividades agropecuárias de brasileiros no Paraguai não foram
captadas pelas estatísticas de estoque de IED que mencionamos anteriormente. Uma
explicação possível é que uma parte da agroindústria brasileira opere no país através de
arrendamento ou subcontratação de pequenos produtores, fornecendo todo o pacote
tecnológico. Além disso, a antiguidade da ocupação desses produtores, presentes no país
desde meados de 1960, resulta na dupla nacionalidade desses empresários, de modo que não
figuram nas estatísticas como ativos estrangeiros.
Os agricultores brasileiros, contando com o apoio do Banco do Brasil, controlam parte
das melhores terras desse país. “Los últimos datos del Censo Agropecuario Nacional (CAN,
2008) demuestra que por lo menos 19,4% del território nacional se encuentra controlado por
extranjeros [...] 11,78% del território nacional, se encuentran bajo control de proprietários
brasileiros”. (VUYK, 2013, p. 10). Esses números são subestimados, na medida em que não
levam em conta a posse ilegal e nem os arrendamentos de terras dos camponeses paraguaios.
Zibechi (2013) estima que a participação desses produtores representa 20% das melhores
terras aráveis do Paraguai.
139

Essa participação é significativa não apenas do ponto de vista quantitativo, mas


qualitativo se consideramos que o país não possui grandes reservas minerais nem de petróleo,
apresenta um baixo grau de industrialização (em 2008, os serviços representavam 60% do
PIB), de modo que as principais riquezas e fontes de renda de sua população são a terra e os
recursos hídricos.
A importância desses recursos naturais para a sociedade paraguaia aliada à expansão
do agronegócio, da produção de biocombustíveis e da pecuária levou ao recrudescimento da
disputa pela terra no país. Os pequenos produtores expulsos de suas terras passaram a ocupar
as grandes propriedades rurais, principalmente, aquelas localizadas nos municípios da
fronteira com o Brasil, onde se registra a maior presença de agricultores brasileiros e
brasiguayos sem título de propriedade ou com títulos de procedência duvidosa, áreas que “[...]
fueran reductos de la agricultura familiar y de la potente tradición campesina de Paraguay
[...]”. (ZIBECHI, 2012, p. 243).
A intervenção do governo brasileiro no conflito, através do Ministério das Relações
Exteriores (MRE), foi no sentido de pressionar o governo paraguaio, a fim de que as
autoridades do país controlassem a expansão do movimento campesino, restituindo aos
grandes produtores brasileiros as terras ocupadas, ainda que de maneira violenta. As
reivindicações foram apoiadas pelas classes dominantes paraguaias, na medida em que os
latifundiários do país encontram nos investidores brasileiros aliados para a contenção dos
movimentos de trabalhadores que lutam pela reforma agrária através, inclusive, da utilização
de milícias.
Tal apoio se assenta, também, nas relações produtivas que os blocos hegemônicos dos
dois países estabelecem. Na produção de soja, por exemplo, a expansão da produção brasileira
beneficia os proprietários paraguaios através do aumento das rendas e lucros via especulação
com as terras e a inserção em atividades secundárias (como o comércio varejista) estimuladas
por tais inversões.
Ainda no que se refere à produção de soja, do ponto de vista dos encadeamentos
produtivos e da organização da produção, a integração entre a produção dos dois países
reserva ao Paraguai a exportação do produto final para o Brasil - a soja – e a importação dos
insumos da cadeia produtiva como sementes selecionadas, agroquímicos, fertilizantes,
máquinas e equipamentos. Conforme Vuyk (2013), a produção funciona num sistema de
enclave em que os produtores brasileiros utilizam da terra, água e mão de obra do país e
exportam o bem final em estado bruto para ser manufaturado no Brasil.
140

Além da associação com as classes dominantes paraguaias, o Brasil estabelece uma


parceria com os EUA. Isso porque, embora tenha as chamadas vantagens comparativas na
produção doméstica, que serve de apoio à internacionalização, o Brasil não possui o domínio
tecnológico nem o setor de bens de capital para ter um controle absoluto da cadeia produtiva,
por isso, reproduz no Paraguai parte da divisão do trabalho através da qual funciona. Ou seja,
em associação com as grandes transnacionais, como Cargil e Monsanto, das quais adquire
insumos, como sementes transgênicas, agrotóxicos, máquinas e equipamentos. Por isso,
[…] el principal capital que controla la mayor parte de la producción
agrícola en el país – principalmente sojera – es el capital norteamericano, el
cual controla las principales actividades de provisión de insumos, acopio,
industrialización y exportación. La producción en sí está principalmente
controlada por el capital brasileiro y brasiguayo, así como por capitales
paraguayos, desarrollado a través de empresas cooperativas. (VUYK, 2013,
p. 12).

Assim como no caso da criação de gado em confinamento, a produção de soja também


polui o meio ambiente e traz em sua dinâmica de expansão o aumento da concentração da
propriedade da terra. Portanto, os investimentos brasileiros contribuem para conformar no
Paraguai um padrão de apropriação e utilização da terra que implica na formação de
latifúndios, dilapidação dos recursos naturais pelo uso de agroquímicos e poucos
encadeamentos produtivos locais, haja vista a importação de grande parte dos insumos do
Brasil. Constata-se ainda, os prejuízos sociais, como a concentração de renda e conflitos de
terras, por conta da expulsão dos pequenos produtores.
Por fim, gostaríamos de mencionar a questão energética. A relação com o Paraguai
nesse campo está marcada pela disputa pelo controle da hidrelétrica de Itaipu. Além da
revisão das tarifas cobradas pela venda da energia ao Brasil, o Paraguai deseja uma maior
autonomia para decidir a quem vender seu excedente, uma vez que hoje está obrigado por
contrato a cedê-la somente para o Brasil. Além disso, reivindica a revisão da dívida a qual o
país incorreu para financiar a construção da hidrelétrica. A renegociação entre os países, que
contou com o apoio das classes dominantes paraguaias, embora tenha triplicado o valor da
energia paga ao Paraguai, não promoveu alterações na gestão do empreendimento, que
continua sob controle brasileiro. Gostaríamos de destacar que, na disputa pela energia de
Itaipu, os capitais norte-americanos que operam em território paraguaio apoiaram o governo
do país (VUYK, 2013).
141

3.3.3.4 Bolívia

Os investimentos brasileiros na Bolívia, de acordo com a Tabela 11, mostraram uma


tendência de crescimento de 2001 a 2003 e 2008 a 2009. As maiores empresas brasileiras que
possuem inversões no país são Petrobras, Votorantim, Grupo Camargo Corrêa, Odebrecht,
Banco do Brasil, OAS e Queiroz Galvão (RIBEIRO; LIMA, 2008) 98.
Os dois principais ramos de atuação de empresas brasileiras na Bolívia são o de gás -
através da Petrobras - e a produção de soja, na qual os produtores brasileiros se engajaram
desde o final dos anos de 1980, atraídos pela disponibilidade e menores preços das terras, pela
legislação ambiental mais flexível e pela liberdade na remessa de lucros.
Conforme mencionamos anteriormente, a organização da produção desse cultivo pelo
agronegócio segue um padrão mundial caracterizado pela monocultura, produção com uso de
produtos químicos, sementes transgênicas e elevados níveis de mecanização da produção. A
lógica de exploração é extrativista, isto é, extrair o máximo dos recursos naturais, ainda que a
custo da degradação do meio ambiente, que nesse caso, atinge diretamente o solo. As
sementes transgênicas são resistentes a certos herbicidas e pesticidas, o que permite aos
agricultores o uso intensivo de agrotóxico sem provocar queda da produção. Além disso, faz-
se uso intenso de fertilizantes que, entretanto, não revertem o esgotamento do solo, haja vista
que a modificação genética das mudas impõe uma lógica de crescimento acelerado que resulta
no aumento dos requerimentos de nutrientes.
A combinação de maiores quantidades de insumos químicos vis-à-vis a maior
absorção dos nutrientes naturais da terra provoca, no médio prazo, o seu esgotamento,
inviabilizando sua utilização para novas safras de soja ou para qualquer tipo de cultivo. Desse
modo, a expansão da fronteira agrícola decorrente da infertilidade do solo é intrínseca ao
modelo de produção, assim como a concentração da propriedade das terras nas mãos dos
grandes produtores para que sejam paulatinamente incorporadas ao cultivo.
Ainda do ponto de vista da organização da produção, estima-se que cerca de 80% dos
insumos utilizados na produção de soja boliviana sejam importados. Os dados do Banco
Central da Bolívia mostram que 88,1% da importação de bens de capital para a agricultura em
2010 foram adquiridos no Brasil (66,4%), EUA (11,9%) e Argentina (10,2%). Quanto às
matérias-primas e insumos utilizados na agricultura Boliviana 69,9% são importados da

98
Outras empresas que atuam no país são: Tigre, Natura, Gol, Varig, Ecoplan engenharia, Hacienda Santa Maria,
Latin Consult Engenharias S/S.
142

Argentina (28,9%), Brasil (23,6%) e China (17,4%). Os capitais brasileiros se concentram na


fase da produção e dividem a comercialização e exportação com transnacionais com a Cargil.
Assim como no Paraguai,
[…] el control de la cadena productiva de la soya en Bolivia está en manos
de empresas extranjeras y grandes productores, quienes “coincidentemente”
proveen la semilla de soya y los agroquímicos usados en su producción. Este
es el caso de la multinacional estadounidense Monsanto. (CATACORA et
al., 2006, p. 02).

No que se refere aos investimentos no setor de gás, a Petrobras é a principal detentora


da exploração, com 63,8% da produção total em 2009 (VILLEGAS, 2011). Presente no
território boliviano desde 1996, “entre 1994 e 2005 a Petrobras respondeu por cerca de 20%
dos investimentos diretos totais recebidos pela Bolívia e por aproximadamente 40% dos
investimentos no setor de petróleo e gás”. (RIBEIRO; LIMA, 2008, p. 13). Como resultado,
as inversões acumuladas da empresa no país superaram US$ 1,5 bilhão em 2005 99.
A empresa desenvolve atividades de exploração, produção e transporte do produto
através de dutos para o Brasil e Argentina. Estes países são praticamente os únicos
compradores da produção boliviana de gás, uma vez que os dois mercados juntos foram o
destino, em 2008, de 93,0% das vendas totais realizadas pela empresa, respectivamente,
86,0% e 7,1%. Essa participação se reduziu para 80,04% em 2011 (63,1% para o Brasil e 17,
3% para Argentina), como resultado do aumento do consumo interno do produto
(FUNDACIÓN JUBILEO, 2012).
Apesar da chamada nacionalização do gás boliviano, “la producción y de ahí el
abastecimiento del mercado interno y la exportación está hecho en manos de las
trasnacionales”. (VILLEGAS, 2010, p. 36). Isso porque, as medidas governamentais se
concentraram, principalmente, no aumento da participação do Estado nos lucros, taxando a
produção de hidrocarbonetos em 32%, o que elevou a participação dos entes públicos
bolivianos para 50% do total das rendas produzidas pelo setor100.
Do ponto de vista da produção, a estatal boliviana – Yacimientos Petrolíferos Fiscales
Bolivianos (YPFB) - produz apenas 20,7% do total de gás e 19,9% do petróleo do país.

99
As estatísticas do Brasil não captam o volume de investimentos da Petrobras realizados na Bolívia, porque “os
investimentos da empresa são realizados principalmente através de subsidiárias localizadas na Europa
(destacadamente Holanda)”. (RIBEIRO; LIMA, 2008, p. 13).
100
A nacionalização do gás boliviano significou a aquisição da maioria das ações apenas das empresas
anteriormente de propriedade do Estado e que foram privatizadas: CBLH, Transredes, Andina, Chaco e duas
refinarias. Com isso, a YPFB passou a deter mais de 50% dessas empresas que ainda continuam como
sociedades anônimas com participação do capital privado. Para detalhes sobre o processo de nacionalização do
gás boliviano, ver Villegas (2010).
143

Portanto, a Petrobras, devido a sua maior participação, tem o poder de direcionar a


organização da produção do setor e faz isso com base nos marcos do extrativismo mineral.
Isto é, o produto extraído é quase totalmente exportado na sua forma bruta, para então sofrer
processos de transformação que dão origem a produtos das cadeias petroquímica e de
fertilizantes, que são vendidos no mercado internacional por preços superiores, em até 15
vezes, àqueles que a empresa adquire o gás boliviano (VILLEGAS, 2011). Por isso,
Bolivia sigue sin exportar gas con valor agregado pero importa gas licuado
(GLP), gasolina y diésel […] Petrobras es la gran beneficiada, pues del lado
brasileño y argentino cuenta con plantas que separan del gas boliviano
gasolinas, GLP e otros compuestos […] La petrolera brasileña prepara en
Minas Gerais la construcción de la primera fábrica latinoamericana de ureia
y amoníaco con gas boliviano atraves de un ramal del gasoducto Gasbol.
(ZIBECHI, 2012, p. 251).

A lógica empresarial e de lucratividade da Petrobras significa a não duplicidade da


capacidade produtiva, haja vista que essa empresa já possui subsidiárias de processamento do
gás, ou seja, “en el lado brasileño e argentino Petrobras tiene plantas que aprovechan
industrialmente […] gas; separan gasolinas, GLP y otros compuestos; y Argentina le vende
GLP a Bolivia”. (VILLEGAS, 2010, p. 38). Conforme dados do Banco Central da Bolívia, em
2010 o país comprou 13,1% e 12,5% do total das importações de combustíveis e lubrificantes,
respectivamente, da Argentina e do Brasil. Em 2012, esses valores foram 26,8% e 13,3%.
A empresa, portanto, estabelece uma divisão regional do trabalho entre suas
subsidiárias de Bolívia, Brasil e Argentina, o que se constitui num empecilho à
industrialização boliviana, para que o país passe a exportar bens de maior valor agregado,
diminuindo a dependência de sua economia da exportação de gás bruto.

3.3.3.5 Equador

O Equador também apresentou um significativo ingresso de capitais brasileiros em sua


estrutura produtiva entre os anos de 2004 e 2007 (Tabela 11). Note que no ano de 2006, tais
ingressos superaram o saldo do IED equatoriano em razão da saída de capitais de outras
nacionalidades (EUA, Canadá e México). As inversões estiveram relacionadas com a
Petrobras e a Odebrecht. No caso da primeira empresa, a aquisição de blocos de exploração de
petróleo, e da segunda, a construção de hidrelétrica. A diminuição da importância do Brasil no
IED do Equador está associada à expulsão da Odebrecht do país em 2008 por
144

superfaturamento, obras inconclusas e problemas técnicos que comprometeram o


funcionamento da hidrelétrica 101.
Nesse processo, o importante a observar é como as construtoras brasileiras exportam,
além dos serviços, as práticas ilícitas e criminosas que usam na relação com o poder público
brasileiro para aumentar a rentabilidade de seus negócios. Note que, apesar das provas das
irregularidades cometidas pela empresa, o governo brasileiro - através do ministro das
relações exteriores e do presidente da república - defendeu a construtora. Tal postura somente
pode ser compreendida se levarmos em conta os vínculos políticos que unem construtoras
brasileiras e dirigentes políticos. Além das relações pessoais, tais laços se consolidaram com a
presença de representantes do setor em cargos públicos e através do financiamento direto de
campanhas eleitorais (CAMPOS, 2010).
Acrescente-se, ainda, que o setor de construção logrou construir uma aliança entre
diversos setores dos capitais que atuam no Brasil ganhando capacidade de intervir e direcionar
as políticas públicas. Através da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Indústrias
de Base (ABDIB), as grandes empreiteiras brasileiras têm
[...] a importância central de ser um produtor de interesses não de um
reduzido setor apenas, mas de projetos que expressam as combinações de
diferentes frações do capital e ramos econômicos, como a indústria de
construção pesada associada aos interesses da indústria siderúrgica e outras
de bens de capital, empresas de energia elétrica e bancos. (CAMPOS, 2010,
p. 08).

A queda da importância das inversões brasileiras no Equador também está associada à


saída da Petrobras do país em 2010. Esta empresa “decidió dejar de operar en Ecuador, al
negarse a renegociar sus contratos de explotación de petróleo para ajustarlos a un único
modelo de prestación de servicios”. (ZIBECHI, 2012, p. 258). Tal modelo se refere à
incorporação dos aumentos de preços de petróleo verificados no mercado internacional nas
rendas recebidas pelo governo equatoriano. Além disso, a empresa teve os seus interesses
afetados pela política equatoriana, que optou pela preservação do Parque Nacional Yasuní -
reserva indígena e de biodiversidade amazônica – em detrimento da exploração da reserva
petrolífera aí existente.

101
Em 2012, a Odebrecht voltou ao Equador para a construção da hidroelétrica Manduriacu. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/26535-apos-tres-anos-de-briga-brasil-volta-a-investir-no-
equador.shtml> Acesso em 15 de abril de 2014.
145

3.3.3.6 Chile, Colômbia e Peru

Esses países mostraram elevações pontuais no montante de IED brasileiro: o Peru em


2004 e 2010, o Chile em 2008 e 2010 e a Colômbia em 2007 (Tabela 11). Na Colômbia, o
grupo Votorantim adquiriu a siderúrgica Acerias Paz del Rio. A empresa se encontra
“encravada num vale, numa imensa área rodeada por jazidas de minerais como ferro, carvão e
calcário”. (INSTITUTO AÇO BRASIL, 2014). O objetivo da empresa é abastecer o mercado
interno de lingotes de aço - matéria-prima usada na construção civil (VOTORANTIM, 2014).
A Gerdau e a Petrobras destinam a maior parte de sua produção para o exterior. A
Gerdau para os Estados Unidos, Peru, Canadá e Brasil e a Petrobras para Europa e países da
América Latina (RIBEIRO; LIMA, 2008). A Marcopolo, Weg, Odebrecht, Camargo Corrêa
também possuem operações nesse país.
O Chile, em 2008, recebeu investimentos da Petrobras e Vale. A primeira adquiriu os
ativos da Esso Chile de distribuição, “na mesma operação, a Petrobras adquiriu 22% da
Sociedad Nacional de Oleoductos e 33,3% da Sociedad de Inversiones de Aviación. Assim, a
empresa passa a ocupar 16% do comércio minorista de combustíveis do Chile e 14 % do
mercado industrial”. (CINDES, 2014). No caso da Vale, os investimentos estiveram
relacionados à exploração de mina de cobre.
Além das empresas acima citadas, a Gerdau está presente no Chile desde 1992
produzindo aço para a construção civil, a Marfirg e o Banco Itaú se instalaram recentemente
no país, respectivamente, em 2006 e 2007, e as construtoras Camargo Corrêa e Odebrecht já
participaram de obras de infraestrutura no país (RIBEIRO; LIMA, 2008).
A menor presença do Brasil no Chile esteve associada a seu menor mercado
consumidor quando comparado a outros países da região, a exemplo da Argentina. Entretanto,
a expansão das exportações brasileiras para os mercados do sudeste asiático transforma a
localização desse país numa maneira de diminuir custos de transporte. As empresas brasileiras
também ressaltam “a estabilidade de regras, a menor burocracia, a facilidade dos
procedimentos fiscais e administrativos” (IGLESIAS, 2007, p. 31), como atrativos do país
para operação de unidades produtivas. Desse modo, a perspectiva das inversões brasileiras é
transformar o Chile em plataforma de exportação para o sudeste asiático. Além disso, dado os
acordos de livre comércio com os EUA, almeja se inserir no mercado norte-americano
(RIBEIRO; LIMA, 2008).
146

No Peru, no ano de 2010, a Votorantim comprou 29,5% da Cementos Portland,


empresa que possui como sócias a peruana IPSA e a espanhola World Cement Group. Além
disso, a Vale realizou inversões na exploração mineral de Bayovar. Certamente, a perspectiva
de exploração mineral unificando a Amazônia brasileira e peruana se constitui em impulso às
inversões nesse país. A organização da produção é extrativa. A empresa importa do Brasil os
componentes e insumos usados na extração e concentração mineral e transporta a produção
através de um porto de sua propriedade. Estão presentes no Peru, também, a Petrobras, a
Gerdau (siderurgia), a Vale (extração mineral), a Odebrecht e a Camargo Corrêa.
A presença da China na produção mineral também impulsiona a expansão das
empresas de mineração e siderurgia brasileiras na América do Sul. Isto é, “no mundo da
mineração, tratar de internacionalização se traduz em como enfrentar a China na disputa pelo
mercado mundial”. (VALOR, 2011, p. 36). Aqui existe uma relação dupla com este país. Por
um lado, ele é um dos principais importadores das matérias-primas produzidas pela Vale,
visto que em 2010 “representou 59% da demanda global de ferro transoceânico, 37% de
níquel e 38% de alumínio e foi responsável por 33,1% da recita total da Vale”. (VALOR,
2011, p. 37). Por outro lado, também é importante produtor mundial de vários dos minerais e
matérias-primas semi-industrializadas que necessita para impulsionar o desenvolvimento de
sua indústria de transformação. Conforme ressalta Bruckmann (2011, p. 51):
Ya en 2003, según datos de producción de mina, China se coloca como
primer productor mundial de carbón (45% de la producción mundial),
cemento (42%), fluorita (55%), tierras preciosas (85%), aluminio (18%),
antimonio (89%), magnesio (45%), acero (23%), estaño (32%), tungsteno
(83%) y zinc (22%). Para los siguientes minerales, China se coloca como
uno de los cinco primeros productores mundiales: cobre (2do lugar, 12%),
oro (4to. lugar 8%), plomo (2do lugar 18%) y molibdeno (3er. Lugar, 24%).

Assim, nos mercados de cimento, ferro, aço e alumínio, - segmentos de atuação da


Votorantim e da VRD -, em que a produção chinesa não é suficiente para atender a sua
demanda interna, esse país pode entrar na disputa com as empresas brasileiras pelo controle
da produção em países da América do Sul. Essa dinâmica concorrencial tem estimulado
empresas brasileiras a se anteciparem na expansão de suas inversões para países nos quais até
então possuíam uma participação marginal nos mercados.
Em síntese, dentre os países da América do Sul, o IED brasileiro promoveu uma
maior integração com Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia. Possivelmente, a consolidação
das inversões nesses países servirá de suporte para alavancar a inserção em outros espaços
nacionais mais concorridos com antiga e forte presença de grandes grupos transnacionais,
como Chile e Colômbia, onde o Brasil ainda possui participação secundária.
147

Embora a importância do IED brasileiro nas economias da região seja mais


significativa do que as estatísticas do Brasil sobre a distribuição geográfica permitem captar,
não podemos dizer que existe uma premência dos capitais brasileiros na América do Sul, ou
seja, este não é um espaço de valorização para os capitais brasileiros em detrimento de
capitais de outras nacionalidades. Apesar de ter uma importante presença em setores das
economias do Uruguai, Paraguai e Bolívia e manter uma importante participação em
segmentos da indústria Argentina, os investimentos brasileiros dividem os espaços de
valorização com capitais de variadas nacionalidades, se associando, inclusive, em alguns
segmentos, como o de petróleo e agronegócio.
Embora a sua lógica de expansão não tenha uma importância maior do que de outros
capitais na dinâmica de acumulação da América do Sul, contribui para consolidar a posição
subordinada da região na economia internacional, na medida em que o IED que parte do país
reforça o papel de produtoras de matérias-primas da região e visa abrir novos mercados para a
acumulação nos setores em que o Brasil possui vantagens comparativas e, por isso, foram
eleitos pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) como prioritários para a
intervenção governamental, tais como: mineração, celulose e papel, siderurgia, carnes,
petróleo, gás natural e petroquímica.

3.4 Apoio governamental ao IED brasileiro

O volume das inversões brasileiras no exterior e, em especial, na América do Sul, não


teria se ampliado sem a forte intervenção estatal. A lógica de intervenção do poder público,
conforme ressaltamos no Capítulo 2, tem sido reforçar o movimento e opções estratégicas do
capital privado brasileiro, conferindo uma racionalidade ao processo que de outra maneira
tenderia a ficar restrito às empresas que se internacionalizaram nos anos de 1970 ou a resultar
na absorção de diversos grupos por empresas transnacionais, como no Chile e na Argentina.
Tal racionalidade se expressa não apenas no aporte de recursos financeiros aos grupos, mas na
sistematização de estratégias de expansão por órgãos públicos, na elaboração de estudos
visando identificar as debilidades setoriais para adequar as políticas públicas e na remoção de
entraves na consecução das inversões privadas dentro de sua definição estratégica.
Desse modo, podemos classificar o aporte do poder público na internacionalização de
empresas de capitais brasileiros em quatro níveis: i) identifica as oportunidades de
investimento no exterior não apenas através de estudos utilizando os quadros técnicos da
148

administração pública, mas das representações diplomáticas do Brasil no exterior; ii) promove
a conglomeração dos setores, a fim de que obtenham escala para competir no mercado
internacional; iii) financia as operações e iv) participa como sócio do empreendimento,
aportando capital e interferindo na administração. Com isso, algumas das grandes empresas
internacionalizadas acabam se transformando num conglomerado BNDES - Fundos de Pensão
públicos - grupos privados. Vejamos cada uma das dimensões da intervenção governamental.
O envolvimento de instituições da Administração pública na consecução de estudos
técnicos para identificar as oportunidades de investimento na América do Sul para as
empresas brasileiras abarca o IPEA, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX). Além
disso, existem instituições destinadas ao desenvolvimento de pesquisas e apoio técnico, como
a Embrapa, que “trabalha muito para ampliar o rendimento do gado com melhora genética”.
(VALOR, 2011, p. 45). Certamente, a empresa também oferece suporte a toda cadeia do
agronegócio.
Para além das instâncias técnicas, o suporte governamental ao processo de
internacionalização das empresas brasileiras também se utiliza das instâncias políticas, como
a Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN) do Ministério da Fazenda e o Ministério das
Relações Exteriores (MRE). Além das tradicionais funções de promoção das exportações do
país, o MRE tem participado da “discussão e da elaboração de propostas de políticas
governamentais que facilitem a inserção e a presença de empresas brasileiras nos mercados
externos, de modo a transformar as oportunidades em benefícios efetivos para o País 102”.
(MRE, 2014). Para tal, reformulou o seu Departamento de Promoção Comercial (DPR)
incorporando uma divisão de investimentos.
Além disso, dentre as novas atribuições das representações e escritórios diplomáticos
estão a assistência jurídica e a intervenção em conflitos de interesses entre empresas
brasileiras e os Estados Nacionais onde ocorrem as inversões, a exemplo da contenda entre
Odebrecht e o governo equatoriano, entre a Petrobras e a Bolívia ou entre os latifundiários
brasileiros e o movimento campesino no Paraguai.

102
Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/servicos-do-itamaraty/promocao-comercial/print-nota> Acesso
em 14 de abril de 2014.
149

Dentre as políticas desenvolvidas no âmbito do MRE, podemos ainda mencionar os


esforços na consecução dos Acordos de Complementação Econômica (ACE’s) com os países
andinos que visam promover a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos através da
eliminação das restrições tarifárias e não-tarifárias; as negociações para levar adiante os projetos
da IIRSA e na orientação dos recursos do PROEX para projetos de integração no âmbito da
América do Sul (RIBEIRO; LIMA, 2008).
A participação da diplomacia brasileira e a disponibilidade para acionar os diversos
órgãos e instituições que compõem a administração pública não é uma questão menor na
medida em que se constitui num elemento que se destina a eliminar o que as empresas
chamam de riscos políticos e econômicos aos seus investimentos, tais como, a adoção de
medidas regulatórias no mercado de trabalho, no comércio exterior ou na gestão tributária,
restrições às remessas de lucros e dividendos, problemas com questões ambientais.
A orientação da política do MRE, seja no que se refere às relações entre os países da
América do Sul ou nos fóruns de discussão internacionais - como a Organização Mundial de
Comércio (OMC) -, visa criar condições para a expansão do bloco histórico hegemônico que
se consolidou no Brasil durante o governo Lula, na medida em que o MRE define os
parâmetros de sua política externa a partir dos elementos que caracterizam a política interna
do país.
No que se refere ao financiamento, o principal instrumento utilizado pelo Estado
brasileiro são os recursos do BNDES. Conforme mencionamos no capítulo anterior, a
condução do programa para consolidar e expandir a liderança brasileira internacional foi
deixada a cargo do BNDES, visto que esse banco já se constituía no principal financiador das
estratégias empresariais de investimentos no exterior. De acordo com o banco, de 2005 até
outubro de 2011 foram efetuados desembolsos no valor de R$ 12,7 bilhões para financiar o
referido projeto. Os recursos foram destinados à ampliação da capacidade instalada, ao
financiamento de aquisições, à construção de novas plantas e à instalação de filiais
(COUTINHO, 2009).
O dinheiro foi aplicado em treze setores de atividades conforme as proporções
ilustradas no Gráfico 6. Nele podemos observar que a exceção do Bioetanol, os segmentos
considerados estratégicos pelo PDP foram contemplados com apoio financeiro
governamental. O segmento de Aeronaves e peças respondeu pela maior participação nos
desembolsos do BNDES em razão de ser o setor de maior conteúdo tecnológico e valor
agregado. Além disso, o tempo de retorno do investimento de mais longo prazo dificulta o
acesso a fontes privadas de financiamento.
150

No caso do ramo de Alimentos, que registrou a segunda maior participação no valor


dos desembolsos, a elevada solicitação de recursos governamentais ocorre porque as empresas
do setor possuem menor capacidade de autofinanciamento e menor acesso a outras fontes de
recursos quando comparadas, por exemplo, às empresas do setor de Petróleo ou Siderurgia
que possuem uma atuação internacional mais consolidada.

Gráfico 6 - Setores de atividades segundo a participação no valor dos desembolsos do


BNDES, 2005-out/2011
Outros Metalurgia Veículos e peças Transporte e logística
7% 3% 3% 3%
Aeronaves e Peças
Alimentos
29%
14%

Construção e
Engenharia
8%

Mineração
7%

Siderurgia Petroleo e Gás


6% 7%
Papel e Celulose Finanças Telecomunicações
5% 4% 4%
Fonte: Coutinho (2011).

O aporte do BNDES ao setor tem permitido às empresas continuarem sua expansão


apesar da crise econômica, das margens de lucros e de eventuais perdas nos mercados
financeiros. A esse respeito é ilustrativo o caso do JBS – Friboi que em 2008 adquiriu as
empresas americanas National Beef, Smithfield e Tasman e, em 2009, a Pilgrim’s Pride.
Nenhuma característica espanta tanto os americanos quanto o inesgotável
fôlego da JBS para aquisições. Como, num negócio de margens tão pequenas
e num momento em que todas as empresas do setor sofrem, os brasileiros
conseguem tanto dinheiro para aquisições? A resposta, como se sabe, está no
bolso do BNDES, o banco estatal (...). Em cada uma das grandes aquisições,
lá estava o BNDES fazendo um aporte de capital para tornar o negócio
viável sem sacrificar a saúde financeira da empresa. (LETHBRIDGE;
JULIBONI, 2008, apud ALMEIDA, 2009, p. 30).

Para sermos mais precisos, a internacionalização do setor de carnes somente se inicia


no ano de 2006, em razão da interferência do BNDES que capitalizou as empresas do
segmento (30% do capital da JBS, 13,9% da Marfrig e 2,5% da BRF) e estimulou o processo
de fusões com vistas a aumentar o tamanho dos grupos e permitir sua inserção internacional.
No ano de 2008, por exemplo, a Sadia foi à falência em razão de perdas no mercado de
derivativos cambiais. Ao invés da solução de mercado, o BNDES aportou investimentos
151

através dos fundos de pensão da Petros e da Previ e conduziu o processo de fusão com a
Perdigão formando a Brasil Foods103.
A ação do BNDES, portanto, vai além do financiamento para aquisição de ativos no
exterior ou para as exportações, o banco atua na consolidação da estrutura produtiva interna
das empresas, promovendo o processo de oligopolização da economia brasileira, através de
fusões e aquisições com objetivo de criar grandes grupos (os campeões nacionais). O processo
de fusão entre a Veracel e Aracruz celulose, a Friboi e a Bertin e a aquisição da Petroquímica
triunfo pela Braskem são exemplos dessa ação que visa consolidar as empresas no mercado
interno afim de que adquiram escalas para competir no mercado internacional. A esse
respeito, Almeida (2009) ressalta que, em alguns casos “o BNDES procura firmas para
oferecer ajuda no processo de F&A”. (ALMEIDA, 2009, p. 48).
Outra forma de participação do BNDES no apoio às inversões brasileiras no exterior
ocorre através de sua participação acionária nas empresas via BNDESpar – holding criada
para administrar tais participações. Conforme podemos ver na Tabela 8, oito empresas
(Gerdau, Marfrig, vale, Lupatech, Embraer, Petrobras, Bematech e Totvs) possuem como
coparticipe dos empreendimentos o BNDES. Acrescente-se, ainda, que o governo federal
utiliza de sua participação na gestão dos principais fundos de pensão de funcionários públicos
do país (Previ, Petros) para alavancar as estratégias de expansão empresarial. Ainda conforme
a Tabela 8, a Embraer, Ultrapar, Rondon e Brasil Foods têm na sua estrutura de propriedade a
participação de alguns dos fundos de pensão mencionados.
Em algumas dessas empresas a participação do BNDES e dos fundos de pensão resulta
no controle acionário, como no caso da Vale, em que as duas instituições detêm 53% das
ações. “De ese modo, a través de los fundos de pensiones y el BNDES la vale ‘privatizada’
está controlada por el Estado o, más precisamente, por esa camada nueva de gestores de
fondos de pensiones entrelazados con grandes empresas brasileñas y el BNDES”. (ZIBECHI,
2011, p. 176).
A importância do BNDES no processo de internacionalização das empresas brasileiras
foi aferida pelo próprio banco. Segundo declarações do chefe do departamento de
internacionalização,

103
O “[...] ex-Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan, [...] foi
instrumental no processo de fusão da Sadia com a Perdigão. Furlan saiu da Sadia para entrar no governo. Após a
fusão, saiu do governo e voltou para a presidência do Conselho Administrativo da empresa”. Disponível em:
<http://d4rk.com.br/como-as-privatizacoes-criaram-novas-estatais-no-brasil/> Acesso em: 20/09/2014
152

[...] no ano passado o BNDES fez um levantamento interno para qualificar


sua contribuição à inserção internacional de empresas controladas por capital
nacional [...] em programas de apoio ao investimento ou exportação. O
resultado mostrou ajuda do banco a 140 empresas de 26 segmentos
diferentes [...] das 140 empresas apontadas no levantamento do BNDES, 45
figuravam na lista das 52 relacionadas no ranking 2009 das mais
internacionalizadas elaborado pela [...] SOBEET. (VALOR, 2011, p. 20).

A grande ampliação dos desembolsos vis-à-vis a relativa estabilidade de crescimento


de sua principal fonte de financiamento, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), tem
significado o aporte de recursos do Tesouro nacional, especialmente depois da crise de 2008.
[...] no biênio 2009-2010 totalizaram R$ 180 bilhões. Em março de 2011 foi
realizado um novo empréstimo no valor de R$ 55 bilhões. Em 2010, os
empréstimos do Tesouro totalizavam 47% do fluxo de caixa do banco e 46%
do seu passivo, constituindo a sua principal fonte de recursos depois do
retorno das operações do banco. Em função dos subsídios contidos nas
operações do Tesouro Nacional com o BNDES, o debate se acirrou, pois o
Tesouro capta recursos remunerando-os à taxa Selic, ao passo que os
empréstimos do BNDES teriam um custo, em média, pouco superior à taxa
de juros de longo prazo (TJLP). (IPEA, 2012, p. 295-296).

O BNDES, portanto, atua como um agente de mobilização de grandes somas de


recursos financeiros internos como o FAT 104, os recursos do Tesouro Nacional e os fundos de
pensão dos trabalhadores brasileiros, transferindo-os para a iniciativa privada. Apesar dos
crescentes montantes envolvidos nas operações do banco 105, não são estabelecidas metas a
cumprir no que se refere à geração de empregos, a observância da legislação trabalhista e
ambiental ou a consecução de encadeamentos produtivos com a economia local.
Por fim, gostaríamos de mencionar que além dos montantes envolvidos na
internacionalização propriamente dita, existem as linhas de apoio à exportação que têm sido a
principal maneira de expansão da construção civil em projetos de infraestrutura da América
do Sul, como veremos no Capítulo 4.

104
“[...] o BNDES não tem que cumprir um cronograma preestabelecido de amortização do principal. Considera-
se que o FAT Constitucional é ‘quase um capital’ do BNDES e, por este motivo, parte do seu saldo pode até
mesmo ser computado para efeito de cálculo do patrimônio de referência do BNDES”. (IPEA, 2012, p. 272).
105
Conforme dados do BNDES, houve um aumento nos desembolsos de R$ 33,5 bilhões em 2003 para R$ 180
bilhões em 2010.
153

3.5 Lucratividade, Remessas de lucros e dividendos

Os dados da Fundação Dom Cabral (FDC) mostram que paulatinamente as operações


no exterior foram aumentando a sua lucratividade, conseguindo, em 2012, se equiparar ao
retorno dos investimentos no mercado nacional. Esse aumento da rentabilidade das empresas
brasileiras no exterior foi influenciado pela elevada rentabilidade das atividades na América
do Sul. Conforme Cepal (2012), os lucros que as transnacionais obtiveram de suas inversões
na América Latina, entre 2003 e 2013, se multiplicaram por cinco em relação ao montante
gerado entre 1998 e 2002. “Pasaron de una media de 20.000 millones de dólares corrientes
entre 1998 y 2002 a un máximo de 113.067 millones en 2011”. (CEPAL, 2012, p. 55).
Tal resultado, além de refletir o aumento da participação das transnacionais na
estrutura produtiva desses países, expressa o maior crescimento dessas economias em
comparação com as taxas europeias e norte-americanas106 e, especialmente, do aumento dos
preços dos produtos primários no mercado internacional. A esse respeito, a Cepal assinala
que, “los países donde las utilidade han alcanzado mayores niveles son aquellos en los que
prima la estrategia de búsqueda de recursos naturales”. (CEPAL, 2012, p. 55).

Tabela 13 - Margem de Lucro* das empresas brasileiras segundo o mercado de atuação: 2008 –
2012

Ano
Mercado
2008 2009 2010 2011 2012
Mercado Doméstico 18,7 16,5 15,5 13,8 13,9
Mercado Exterior 8,8 10,8 11,8 13,0 13,8
Fonte: FDC (2013).
* EBITDA

Portanto, as empresas brasileiras que investem na América do Sul, especialmente nos


setores de recursos naturais como mineração, petróleo e gás se beneficiaram com o aumento
da rentabilidade dessas atividades no período. Nesse sentido, cabe destacar que Bolívia e Peru
estão entre os países onde a rentabilidade das operações (renda do IED com relação ao
estoque de IED em suas economias) dentro da América Latina e Caribe mais cresceu.
Diferenciando os resultados segundo os países da região, a Cepal (2012, p. 07) assinala

“De 2002 a 2011 la renta de IED casi se ha multiplicado por cuatro (a precios corrientes) en las regiones en
106

desarrollo, mientras que en los Estados Unidos, la Unión Europea y el Japón aumentó poco más del doble”.
(CEPAL, 2012, p. 56).
154

[…] un grupo de países donde la estrategia de las empresas transnacionales


se ha centrado en la extracción de materias primas para su exportación
(Bolivia (Estado Plurinacional de), Chile, Colombia, el Perú y, en menor
medida, la República Dominicana). Estas economías han registrado una
rentabilidad de la IED recibida superior al 10% en promedio durante los
últimos cinco años —en el caso del Perú alcanzó el 25%—, cuando en el
conjunto de la región se situó en un 7,8.

Outros países da América do Sul também mantêm uma rentabilidade superior à média
da região. Nesses grupos estão Argentina e Uruguai, no primeiro as inversões estão
principalmente relacionadas com o segmento de papel e celulose, no segundo estão
localizadas na indústria de transformação, em especial, a metalurgia, mineração (20%) e
extração de hidrocarbonetos (16%). No caso da Argentina, todos os setores de maior
rentabilidade possuem inversões de empresas brasileiras 107.
A importância das rendas geradas no exterior e da participação da América do Sul nos
lucros é bastante diferenciada entre as empresas brasileiras. As operações internacionais são
particularmente importantes para oito empresas que auferem mais de 50% de suas receitas
totais no exterior. Conforme índice de receitas calculado pela FDC 108 em 2010, fazem parte
desse grupo Coteminas (0,885); JBS (0,763); Suzano (0,657); Construtora Odebrecht (0,598);
Gerdau (0,563); Vale (0,566); Marfrig (0,538) e Magnesita (0,533). Para outras, a
internacionalização significa mais de um terço das receitas: Sabó (43,2%); Metalfrio (40,0%);
Weg (39,2%); Embraer (34,9%); Stefanini (35,7%); Construtora Andrade Gutierrez (33,3%)
(VALOR, 2011, p. 30).
A partir dos relatórios financeiros de algumas das empresas brasileiras
internacionalizadas, podemos inferir a participação da América do Sul na sua lucratividade.
No caso da Friboi, os dados mostram que a empresa extrai 24% do seu faturamento na região,
a Odebrecht tem na América do Sul e Central a sua segunda maior receita, ficando atrás
apenas de suas operações no Brasil109. A Gerdau teve 13% das vendas, em 2010, realizadas na

107
O relatório ressalta que os setores de serviços onde o governo estabeleceu uma política de controle de preços
via congelamento houve rentabilidade abaixo da média da região no período que foi de 7,8%.

No que se refere às receitas no exterior, o relatório alerta que a desvalorização do dólar “em torno de 25% (de
108

R$ 2,33 para R$ 1,74)” (FDC, 2010, p. 6) e a diminuição dos preços dos produtos brasileiros são elementos que
impedem avaliar de maneira mais precisa a evolução desse indicador.
109
Conforme relatórios anuais de atividades da empresa, em 2010, o Brasil respondeu por 65,6% da receita bruta
e a América do Sul e Central 20,3%. Em 2012, esses valores foram, respectivamente, 36,3% e 13,6%. Disponível
em: <http://www.odebrecht.com/pt-br/comunicacao/publicacoes/relatorios-anuais> Acesso em 12 de out. de
2014.
155

América Latina110. A Marfrig, em 2008, obteve 32,5% de sua receita líquida na Argentina e
Uruguai111.
Os dados do Balanço de Pagamentos do Brasil demonstram que houve aumento nas
receitas recebidas na conta Serviços e Rendas no período de 2000 a 2013. Nos Serviços, o
montante que ingressou no país, em 2000, foi de US$ 9.498 milhões. Em 2013, este valor
subiu para US$ 39.1274 milhões, isto é, quadruplicou apesar da crise da economia mundial
(Tabela 14). Tal crescimento esteve relacionado ao item ‘serviços financeiros’ que passou de
US$ 376 milhões em 2000 para US$ 2,9 bilhões em 2013 e a rúbrica ‘serviços empresariais’
cuja receita, em 2013, foi de US$ 18,9 bilhões, o que representou quase metade do total de
recursos que ingressou pela conta Serviços.
No que se refere aos serviços financeiros, os resultados refletem o aumento dos
empréstimos brasileiros no exterior, provavelmente, associados à atuação do BNDES no
processo de internacionalização das empresas do país. Quanto aos serviços empresarias, os
números expressam a exportação dos serviços de engenharia para a América do Sul e África,
os principais mercados das construtoras brasileiras no exterior.
No caso da conta Rendas, em especial, as ‘rendas recebidas por investimento direto’,
observa-se um crescimento de quase 400% dos montantes recebidos que chegaram a quase
US$ 5 bilhões em 2013 (Tabela 14). Embora os dados do Banco Central não estejam
desagregados por origem geográfica, considerando que mais de 77,0% 112 das empresas
brasileiras no exterior estão presentes na América do Sul e que os projetos de infraestrutura
também estão concentrados nesse continente, podemos inferir que uma parte significativa dos
valores recebidos pela conta Serviços e Rendas é oriunda da região.
Vale salientar que as remessas de lucros e dividendos estão condicionadas as
estratégias de expansão das empresas, entretanto, é razoável supor que as rendas de IED no
período tenham sido resultado tanto do aumento das inversões quanto de sua rentabilidade.
Além disso, a situação macroeconômica do Brasil e dos países onde são realizados os
investimentos, também, influenciam no fluxo dessa receita. Nesse sentido, um primeiro

110
Argentina, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Peru, República Dominicana, Venezuela, Uruguai.
111
Disponível em: < http://ri.marfrig.com.br/rao/2008/index.html> Acesso em 12 de out. de 2014.
112
Não podemos associar diretamente esse percentual ao lucro auferido em tais países em razão da diferente
rentabilidade dos mercados nos quais as empresas atuam e da importância das maiores empresas na geração de
excedentes, a exemplo da Vale e da Petrobras, que apresentam uma inserção geográfica mais diversificada.
156

elemento a destacar são os adiamentos da ampliação da capacidade produtiva e de reinversões


de lucros em razão das baixas taxas de crescimento na economia mundial, o que contribui
para as maiores repatriações.
Em segundo lugar, ressalta-se a situação macroeconômica da Argentina nos anos de
2011 e 2012. A perspectiva de desvalorização da moeda do país em 2012 113, provavelmente,
contribuiu para acelerar a repatriação de recursos aí aplicados com impactos positivos sobre a
conta rendas no balanço de pagamentos do Brasil, haja vista a importância que o país tem na
inserção internacional das empresas brasileiras.
Isso indica que o IED brasileiro, seguindo a lógica do investimento de qualquer
transacional, contribuiu para aumentar a instabilidade econômica dos países da América do
Sul através de pressões sobre o Balanço de pagamentos, agravando a vulnerabilidade externa
dessas nações. Isso porque, conforme mencionamos anteriormente, a remessa destes recursos
está associado a critérios empresariais 114 e de nenhuma maneira se relacionam com a
disponibilidade de divisas.
Cabe ressaltar que apesar da contribuição do IED para suavizar o desequilíbrio do BP
brasileiro, tal auxílio pode se tornar cada vez mais marginal, na medida em que a lógica de
desenvolvimento com participação de capital estrangeiro (expressa no PDP) implica na
atração de Investimento Direto Estrangeiro que gera novas obrigações financeiras. A esse
respeito, o relatório da Cepal mostra que o Brasil é o país da América Latina que mais
recebeu inversões estrangeiras em 2012, respondendo por 29% do IED total da região nesse
ano. Em seguida, tem-se “Chile (17%), Colombia (13%), Perú (12%) y México (9%)”.
(CEPAL, 2012, p. 70).
Além disso, como ressaltamos no Capítulo 2, a maior abertura financeira da economia
durante o governo Lula significou maior liberdade para as empresas brasileiras manterem seus
ativos no exterior, não existe a obrigatoriedade de repatriar nem os saldos de exportação, nem
ativos financeiros, de modo que certamente uma parte da lucratividade dessas empresas migra
para paraísos fiscais.

113
A conjuntura econômica do país, em 2012, esteve caracterizada pela redução do superávit fiscal, pela
diminuição dos preços dos produtos exportados e pela crescente dificuldade de conseguir divisas para as
importações do setor industrial. Desse cenário resultou a crescente saída de capitais que tentaram se antecipar a
uma possível desvalorização da moeda Argentina que colocasse em risco os lucros, em dólares, gerados na sua
economia.
114
A respeito de tal conduta empresarial, cabe mencionar que algumas empresas ameaçam deixar a economia
Argentina por causa do controle das tarifas que limitam a rentabilidade de alguns setores. Além disso, reclamam
dos controles de cambio que dificultam o envio de dividendos ao exterior.
157

Tabela 14 - Contas selecionadas do Balanço de pagamentos: Brasil, 2000-2013

US$ milhões

Var
Discriminação 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 %
2013/
TRANSAÇÕES CORRENTES -24.225 -23.215 -7.637 4.177 11.679 13.985 13.643 1.551 -28.192 -24.302 -47.273 -52.473 -54.249 -81.108 2000
Balança comercial (FOB) -698 2.650 13.121 24.794 33.641 44.703 46.457 40.032 24.836 25.290 20.147 29.793 19.395 2.399
Serviços e Rendas -25.048 -27.503 -23.148 -23.483 -25.198 -34.276 -37.120 -42.510 -57.252 -52.930 -70.322 -85.251 -76.489 -86.874
Serviços -7.162 -7.759 -4.957 -4.931 -4.678 -8.309 -9.640 -13.219 -16.690 -19.245 -30.835 -37.932 -41.042 -47.096
Receita 9.498 9.322 9.551 10.447 12.584 16.047 19.476 23.954 30.451 27.728 31.599 38.209 39.864 39.127 411,9
Serviços financeiros -294 -307 -232 -383 -77 -230 -110 283 93 -42 394 858 709 1.115
Receita 376 317 390 363 423 507 751 1.090 1.238 1.570 2.073 2.662 2.684 2.908
Empresariais, profiissionais e técnicos 2.251 2.300 2.460 2.158 2.378 3.651 4.556 6.230 8.147 7.297 8.413 10.699 11.552 10.167
Receita 3.888 3.921 3.848 3.719 4.515 6.038 7.524 10.076 12.915 12.374 14.629 18.346 20.067 18.900 486,1
Serviços jurídicos, de auditoria, contabilidade,
consultoria tributária e de educação 58 52 57 43 67 455 1.437 1.890 2.684 2.286 2.860 3.131 3.363 3.147
Serviços de engenharia, arquitetura, P&D e
assistência técnica 1.957 1.854 1.933 1.918 2.536 3.382 3.724 4.854 5.764 5.810 5.887 7.718 9.243 8.496
Rendas -17.886 -19.743 -18.191 -18.552 -20.520 -25.967 -27.480 -29.291 -40.562 -33.684 -39.486 -47.319 -35.448 -39.778
Receita 3.621 3.280 3.295 3.339 3.199 3.194 6.462 11.493 12.511 8.826 7.405 10.753 10.888 10.071 278,1
Renda de investimentos -17.965 -19.838 -18.292 -18.661 -20.701 -26.181 -27.657 -29.740 -41.107 -34.287 -39.985 -47.886 -35.959 -40.289
Renda de investimento direto -3.239 -4.638 -4.983 -5.098 -5.789 -10.302 -12.826 -17.489 -26.775 -19.742 -25.504 -29.631 -19.960 -22.547
Receita 999 367 967 886 1.114 733 1.073 2.202 1.997 1.287 1.080 2.085 4.603 4.989 499,4
Lucros e dividendos -2.173 -3.438 -4.034 -4.076 -4.937 -9.142 -11.445 -16.745 -25.348 -17.765 -23.591 -27.379 -17.183 -19.251
Receita 932 264 857 760 916 641 928 1.152 1.526 1.186 888 1.804 4.488 4.603
Lucros reinvestidos no Brasil 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Juros de empréstimo intercompanhia -1.066 -1.201 -949 -1.022 -852 -1.161 -1.381 -744 -1.427 -1.977 -1.913 -2.252 -2.777 -3.296
Receita 67 103 109 126 198 92 145 1.050 472 100 193 282 115 386
Despesa -1.133 -1.303 -1.058 -1.148 -1.050 -1.253 -1.526 -1.794 -1.898 -2.077 -2.106 -2.533 -2.892 -3.682
Renda de investimento em carteira -8.545 -9.621 -8.384 -8.743 -10.415 -11.778 -11.028 -7.065 -8.039 -9.213 -9.964 -12.164 -9.911 -11.003
CONTA CAPITAL E FINANCEIRA 19.326 27.052 8.004 5.111 -7.523 -9.464 17.021 89.086 29.357 71.301 99.912 112.381 70.010 74.245
ERROS E OMISSÕES 2.637 -531 -66 -793 -1.912 -201 -95 -3.152 1.804 -347 -3.538 -1.271 3.138 936
RESULTADO DO BALANÇO -2.262 3.307 302 8.496 2.244 4.319 30.569 87.484 2.969 46.651 49.101 58.637 18.900 -5.926
HAVERES DA AUTORIDADE MONETÁRIA (-=aumento) 2.262 -3.307 -302 -8.496 -2.244 -4.319 -30.569 -87.484 -2.969 -46.651 -49.101 -58.637 -18.900 5.926
Fonte: Banco Central do Brasil (BCB).

Em síntese, os montantes envolvidos no processo de internacionalização das empresas


brasileiras são bastante inferiores aos registrados em outros países periféricos, como a Rússia,
a Índia e as economias asiáticas. Apesar disso, ocupam um lugar de destaque entre os países
da América do Sul. Sem dúvida, o impulso inicial do IED brasileiro foi a globalização que, se
por um lado resultou no ajuste regressivo da estrutura produtiva nacional, por outro promoveu
a oligopolização de setores produtivos, propiciou acesso a novas fontes de financiamento e
permitiu a atualização tecnológica das empresas brasileiras, constituindo a base sobre a qual
os grupos começaram a traçar suas estratégias de internacionalização.
Mais recentemente, os projetos elaborados pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MIDC) e conduzidos pelo BNDES representam um importante
apoio para a continuidade do processo. Ressaltamos, entretanto, que o PDP sanciona uma
158

inserção internacional do país com base na divisão do trabalho construída pelo mercado, qual
seja: a especialização em produtos de menor valor agregado e conteúdo tecnológico, além de
um padrão de crescimento com base na exploração de recursos naturais e da força de trabalho.
Desse modo, longe de significar uma intervenção efetiva do poder público para promover
modificações da estrutura econômica— a iniciativa pública “corre atrás” da iniciativa privada,
sancionando as opções de IED formuladas pelo mercado.
Na medida em que o Investimento Externo Direto Brasileiro na América do Sul tem
sido conduzido segundo os critérios de lucratividade das empresas que participam dessa
internacionalização, tais inversões não rompem com a lógica de tornar essa região em
fornecedor de matérias-primas para as economias centrais do capitalismo. Ao contrário, há
uma tendência à reafirmação dessa divisão internacional do trabalho, agora com a
contribuição dos capitais brasileiros, cujo resultado tem sido a transferência de valor dos
países da região, também, para o Brasil, como demonstram a conta Serviços e Rendas do BP.
159

CAPÍTULO 4 - INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA

4.1 A Construção da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura da


Região Sul-americana (IIRSA)

O acordo entre os países da América do Sul com vistas a impulsionar a construção de


uma infraestrutura física mais adequada ao processo de integração regional foi celebrado em
2000. Numa reunião de cúpula de chefes de Estado realizada em Brasília, as nações sul-
americanas reafirmaram o projeto de integração como elemento essencial ao desenvolvimento
da região. Além disso, assinalaram a necessidade de melhorar a interconexão física para a
concretização de uma maior interdependência econômica, social e política, isto é:
La formación del espacio económico ampliado suramericano, que anhelan
las sociedades de la región, dependerá de la complementación y expansión
de proyectos existentes y de la identificación de otros nuevos proyectos de
infraestructura de integración, orientados por principios de sostenibilidad
social y ambiental, con capacidad de atracción de capitales extraregionales y
de generación de efectos multiplicadores intraregionales. (IIRSA, 2000, p.
07).

Para impulsionar a construção de tal infraestrutura foi criada a Iniciativa para a


Integração da Infraestrutura da Região Sul-americana (IIRSA). Além disso, formou-se uma
comissão técnica para elaborar uma lista das obras de interesse bilateral e detalhar tais
projetos utilizando o Plano de Ação - de autoria do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) – que se converteu no Plano de Ação para a Integração da
Infraestrutura Regional na América do Sul para os anos de 2000 a 2010.
Em 2009, cria-se o Consejo de Infraestructura y Planeamiento (COSIPLAN), instância
de discussão política e estratégica que se tornou responsável pela implementação da
“integración de la infraesctrutura regional de los países miembros de la Unasur” (IIRSA,
2010, p. 07), substituindo a IIRSA, que passa a ser uma instância apenas técnica. Longe de
significar uma ruptura, o referido órgão reafirma o objetivo de “desarrollar una infraestructura
para la integración regional reconociendo y dando continuidad a los logros y avances de la
iniciativa para la Integración de la Infraestructura Regional Suramericana (IIRSA),
incorporándolos a su marco de trabajo”. (UNASUR, 2009, p. 02)115.

115
Disponível em: <http://www.unasursg.org/index.php?option=com_content&view=article&catid=95:consejo-
suramericano-de-infraestructura-y-planeami&id=335:estatutos-del-consejo-de-infraestructura-y-planeamiento>
Acesso em 04 de fev. de 2014.
160

A criação do COSIPLAN teve por objetivo substituir um órgão diretivo por outro
ministerial, dada à necessidade, segundo seus idealizadores, de remover os entraves na
consecução dos investimentos em infraestrutura. A ideia é que os governos, através dessa
mudança institucional, disponham de instrumentos políticos, jurídicos e econômicos, bem
como de aporte financeiro para impulsionar de forma mais efetiva a consecução das obras.
O Brasil, além de se incorporar a essa nova tentativa de efetivar a integração da
infraestrutura da América do Sul, tem adotado medidas no âmbito de sua política nacional
com esse objetivo, a saber: inclusão de obras da IIRSA no Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), abertura de linhas de financiamento para os projetos através do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reformas legislativas no país (a
exemplo do código florestal), supressão dos direitos legítimos dos povos indígenas e das
populações diretamente afetadas pelas obras, etc.

4.2 Princípios Orientadores da Integração da Infraestrutura

A construção da infraestrutura regional aparece como um dos requisitos para realizar a


integração nos marcos do regionalismo aberto que, conforme explicitado no Capítulo 1, visa
construir “una economia internacional más abierta y transparente, en vez de convertirse em un
obstáculo que lo impida”. (CEPAL, 1994, p. 13).
A partir dessa ótica, a integração regional impulsionada pelos governos deveria ser
direcionada para redução dos custos de transação - responsáveis pela menor competitividade
dos bens e serviços da região - reforçando, assim, as ações da iniciativa privada. Dentre as
medidas propostas para diminuir os custos do capital estão: i) a compatibilização de normas -
eliminando a incerteza para os investidores; ii) a extensão do tratamento nacional às empresas
estrangeiras - suprimindo normas discriminatórias; iii) a estabilização macroeconômica; iv) a
criação de mecanismos de pagamentos para facilitar o comércio na região e v) a melhoria e
ampliação da infraestrutura física, cujos benefícios seriam
[…] por el lado de la oferta, una mayor disponibilidad y calidad de los
servicios de infraestructura contribuyen a incrementar la productividad de
los factores y reducen los costos de producción, favoreciendo la
competitividad de las firmas e incentivando la inversión y el crecimiento
económico; por el lado de la demanda, el crecimiento económico genera un
aumento de la demanda de servicios de infraestructura, completándose el
círculo virtuoso. (CEPAL, 2011, p. 10).
161

A partir da ótica do regionalismo aberto, a América do Sul foi dividida em nove Eixos
de Integração e Desenvolvimento (EID), onde os projetos de infraestrutura foram agrupados.
A origem da divisão territorial por eixos data do trabalho apresentado por Elieser Batista e
incorporado pelo Consórcio Brasiliana, em estudo realizado no governo de Fernando
Henrique Cardoso, em 1995.
Nesse trabalho, o consórcio define eixo de integração como áreas geográficas
contíguas onde se pode promover o desenvolvimento. Como critérios para conformação dos
eixos foram observados: i) a existência de uma rede multimodal de cargas através da qual as
áreas que compõem o eixo podem ser acessadas e ii) a possibilidade de desenvolver alguma
atividade econômica que ultrapasse o eixo e se insira no âmbito nacional e/ou internacional
(CONSÓRCIO BRASILIANA, 1994, apud Nasser, 2000). Essa perspectiva foi incorporada
pela IIRSA, conforme citação abaixo:
Los principales criterios técnicos utilizados para el análisis del territorio son:
cobertura geográfica de países y regiones; flujos existentes; flujos
potenciales; y sostenibilidad ambiental y social. En IIRSA se identificaron
diez EIDs: Eje Andino; 2. Eje Andino del Sur; Eje Capricornio; Eje Hidrovía
Paraguay-Paraná; Eje Amazonas; 6. Eje Escudo Guayanés; Eje del Sur;
Interoceánico Central; Eje Mercosur-Chile; Eje Perú-Brasil-Bolivia. (IIRSA,
2011).

Mais do que uma mera divisão geográfica, a institucionalização dos eixos de


desenvolvimento representa a proposição de uma metodologia de planejamento regional para
a América do Sul que utiliza como critério os fluxos comerciais e as cadeias produtivas com
inserção internacional que existem ou podem ser criados dentro de um território nacional ou
multinacional. Partindo dessa perspectiva, consolida-se, assim, a lógica do capital de
promover a integração seletiva de regiões. Desse modo, a IIRSA define Eixos de Integração e
Desenvolvimento (EID) como
[…] franjas multinacionales de territorio en donde se concentran espacios
naturales, asentamientos humanos, zonas productivas y flujos comerciales.
Los EIDs representan una referencia territorial para el desarrollo sostenible
de la región que facilitará el acceso a zonas de alto potencial productivo que
se encuentran actualmente aisladas o subutilizadas debido a la deficiente
provisión de servicios básicos de transporte, energía o comunicaciones.
(IIRSA, 2011).

Em consonância com o regionalismo aberto, nos eixos de desenvolvimento a ênfase


recai sobre a dinamização do fluxo de mercadorias e as potencialidades da região - as
vantagens de localização, os recursos naturais, a mão de obra mais barata - são canalizadas
para os setores produtivos. A intervenção estatal se destina a fortalecer a ligação entre
162

diferentes espaços geográficos, facilitando a utilização de tais recursos a custos menores. Essa
perspectiva de abordar o território é mais adequada à nova lógica de acumulação caracterizada
pela maior mobilidade do capital após a desregulamentação comercial e financeira da
economia, da revolução nas telecomunicações e da introdução da microeletrônica nos
processos produtivos.
As inovações tecnológicas e a eliminação das barreiras comerciais permitem a
fragmentação do processo produtivo entre diversos países, onde cada componente do produto
final pode ser confeccionado em locais diferentes e enviados para a montagem. Os avanços
tecnológicos na área da microeletrônica permitem aos grupos contratarem, através da
terceirização, empresas ou pequenos produtores locais, enviando-lhes os insumos ou partes
componentes do produto final, gerenciando a produção a distância, a partir dos sistemas
computadorizados.
Entretanto, para que o capital se beneficie plenamente das novas formas de
organização e gestão da produção é necessário deslocar com rapidez os fluxos de mercadorias
através do território. Para tal, foi impulsionado o campo da logística que agrega além do
transporte, o manuseio e a armazenagem de cargas, utilizando muitas vezes o transporte
multimodal.
Na América do Sul, essa forma de organização da produção também significou o
aumento do fluxo de matérias-primas e produtos semiacabados, ampliando a demanda sobre a
infraestrutura da região que, no entanto, está caracterizada pela
[…] insuficiente interconexión terrestre en los principales corredores;
transporte terrestre insuficiente desde los principales centros de producción
hacia los mercados de transformación, consumo y exportación; limitaciones
físicas en la capacidad de puentes; problemas de acceso a las principales
ciudades, y deficiencias físicas y organizacionales en los pasos de frontera.
(CEPAL, 2011, p. 23).

Diante do diagnóstico das insuficiências dos sistemas de transportes da América do


Sul, ganha importância a efetivação das obras da IIRSA que compõem a carteira do
COSIPLAN. Ainda mais se considerarmos que, conforme a Cepal (2011), os custos dos
transportes “sobre el comercio igualan y a veces superan el costo de aranceles o fluctuaciones
del tipo de cambio”. (CEPAL, 2011, p. 08).
163

4.3 Carteira do COSIPLAN

A base de dados dos projetos para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-


americana (IIRSA) que compõe a carteira do COSIPLAN continha 583 projetos em 2013,
perfazendo um total de US$ 157,7 bilhões em inversões (Tabela 15). A quantidade expressiva
de projetos se explica porque a chamada IIRSA abarca, além da construção de novos
empreendimentos, a recuperação da infraestrutura já existente e deteriorada pelo tempo e pela
falta de manutenção adequada116.

Tabela 15 - Cartera de Proyectos e Inversiónda Iniciativa para a Integração Regional


Suramericana (IIRSA) por Eixo de Desenvolvimento, 2013

Proyectos Inversión Estimada


Eixo117
Nº % Millones de US$ %
Total 583 100 157.730,5 100
Amazonas 88 15 28.948,9 18,3
Andino 65 11,1 9.183,5 5,8
Capricornio 80 13,7 13.974,6 8,9
Escudo Guayanés 20 3,4 4,560,4 2,9
HidrovíaParaguay-Paraná 94 16,1 7.865,1 5
Interoceánico Central 62 10,6 8.830,5 5,6
MERCOSUR-Chile 122 20,9 52.701,1 33,4
Perú-Brasil-Bolivia 26 4,4 28.089,8 18,4
Sur 28 4,8 2.762,0 1,7
Fonte: IIRSA (2013).

O maior número de inversões e de recursos destinados ao eixo Mercosur-Chile se


destina a amparar a área que responde por cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) da
América do Sul. Chama a atenção também o fato do segundo maior volume de recursos ser
destinado ao eixo Amazonas, alvo de um conjunto de inversões que se propõe a reordenar seu
território.
Considerando a base de dados de 2013, os projetos são classificados quanto à etapa do
seguinte modo: 147 estão na fase perfil, isto é, elaboração de estudos a “respecto de la
116
O Brasil, por exemplo, incluiu na carteira da IIRSA a reabilitação de várias estradas como a BR-174 que,
também, liga Manaus a Caracas, a recuperação da Bacia do Prata, a adequação às normas internacionais de
trechos ferroviários, etc.
117
1. Andino (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela); 2. Andino do Sul (Argentina, Bolívia e Chile); 3.
Capricórnio (Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Chile); 4. Hidrovia Paraguai-Paraná (Argentina, Brasil,
Paraguai e Bolívia); 5. Amazonas (Colômbia, Equador, Peru e Brasil); 6. Escudo Guayanés (Venezuela, Brasil,
Guiana e Suriname); 7. Eixo do Sul (Argentina e Chile); 8. Interoceânico Central (Bolívia, Brasil, Chile,
Paraguai e Peru); 9. Mercosul-Chile; 10. Peru-Brasil-Bolívia.
164

conveniencia y factibilidad técnico-económica de llevar a cabo la idea del proyeto”.


(FRANCESCON; MESSERE, 2010, p. 05). Outros 158 na fase de pré-execução, que consiste
na escolha da melhor alternativa técnica dentre as elencadas na fase do perfil, na definição da
fonte de financiamento e na elaboração do programa de desembolso do investimento. Temos,
ainda, 165 em execução, “esta fase se refiere al conjunto de actividades necesárias para la
construcción física en si [...] la compra e instalación de maquinarias y equipos, instalaciones
varias, etc”. (FRANCESCON; MESSERE, 2010, p. 06), e 86 projetos foram concluídos.
Os projetos no setor de transporte respondem por 88,2% das obras e 67,7% do total
das inversões. A energia conta com 10,1% dos projetos e cerca de 32,3% do montante total de
investimentos e as comunicações com apenas 10 projetos e 0,04% dos recursos previstos
(IIRSA, 2013). A elevada participação do setor de transporte se justifica pelos mais de 20
anos de ausência de inversões públicas nesse segmento. A crise da década de 1980 e o
neoliberalismo dos anos de 1990 comprometeram as finanças públicas dos governos da
região, impedindo a realização de inversões na infraestrutura desses países.
Na infraestrutura energética, o setor de petróleo - apesar dos poucos investimentos em
pesquisa de novas jazidas – contou com inversões realizadas pela PDVSA (Venezuela),
PetroPeru (Peru), PetroEcuador (Equador), YPFB (Bolívia), Ecopetrol (Colômbia), ENAP
(Chile), a Enarsa (Argentina) e Sinopec (China). Acrescente-se, ainda, que os processos de
privatização do setor aumentaram a participação das transnacionais como a Chevron, Royal
Dutch, Conoco Philips, Exxon Mobil, ENI, Statoil, Repsol, BP e Petrobras na exploração de
bacias petrolíferas e na construção de gasodutos, garantindo um nível mínimo de
investimentos (ANTUNES, 2007). Desse modo, as inversões do setor energético da carteira
da IIRSA se concentram na construção ou reparação de gasodutos (9) e hidroelétricas (16) 118.
No caso das telecomunicações, as privatizações dos sistemas nos anos de 1990
transferiram para a iniciativa privada o planejamento da expansão do sistema. Ademais, os
grandes grupos transnacionais investem em seus próprios sistemas internos de comunicação,
dispensando a intervenção do poder público.

118
A carteira da IIRSA apresenta os seguintes projetos de construção de hidrelétricas: Eixo Andino: duas
microcentrais em Chinchipe e Taguien; Microcentral na Província de Sucumbíos; Eixo Capricórnio: Construção
da Hidroelétrica de Iguazú; Eixo Hidrovia Paraguai-Paraná: desvío do Arroyo Aguapey; Eixo Amazonas:
Projeto Hidroelétrico Morona (1MW), Projeto Hidroelétrico Rio Luis; Eixo Mercosur– Chile: Sistema de Itaipú
(Existente), Construção da Planta Hidroelétrica de Corpus Christi, Construção da Planta Hidroelétrica de Garabí,
Represa Hidroelétrica de Yacyretá. Llenado a cota 83, Pequenas Centrais Hidroelétricas de Centurión e Talavera
65 MW sobre Rio Jaguarão, Construção da Planta Hidroelétrica de Panambí, Modernização da Central Elétrica
de Salto Grande; Eixo Peru-Brasil-Bolívia: Hidroelétrica CachuelaEsperanza (Rio Madre de Dios - Bolívia),
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (Hidroelétricas Santo Antônio e Jirau), Hidroelétrica binacional Bolívia–
Brasil (IIRSA, 2012).
165

O maior entrave na redução de custos para o capital são os transportes que abarcam os
modais rodoviário, ferroviário, hidroviário e aéreo. As privatizações de rodovias e aeroportos,
bem como as tentativas de estabelecer Parcerias Públicas Privadas (PPP’s) não se
constituíram em solução para a questão, fazendo com que muitas das obras fossem inseridas
em planos nacionais de desenvolvimento através dos quais passaram a receber dotações
orçamentárias para se concretizarem119.
Não é possível analisar todas as iniciativas voltadas para a integração regional, dado o
grande número de projetos. Para fins desse trabalho elegemos dois critérios de seleção:
i) Nos ateremos aos empreendimentos da Agenda de Projetos Prioritários de
Integração (API) que o Brasil participa. A API foi uma readaptação da Agenda de
Implementação Consensuada (AIC) 2005-2010, elaborada em 2004. Tal recorte se justifica
porque,
[…] la AIC se constituyó como una prioridad de ejecución para el período
2005-2010, con el propósito de acelerar la obtención de resultados concretos
en proyectos de alto impacto para la integración física suramericana y
concentrar la atención y esfuerzos de los países y de las instituciones
multilaterales en la búsqueda de resultados visibles, con un impacto
favorable en la atracción de inversiones para la región. Esto significó,
además, poner énfasis en la preparación, financiación y ejecución de estos
proyectos. (IIRSA, 2011, p. 13).

A elaboração da API foi necessária, haja vista que a inclusão do projeto de


infraestrutura na base da IIRSA não garante a sua execução e a fonte de financiamento, ao
contrário, na avaliação da situação da integração física da América do Sul, as equipes técnicas
dos 12 países que compõem o bloco ressaltam a dificuldade de conseguir fundos para a
implantação dos projetos. Diante dessa dificuldade, os governos (em comum acordo)
selecionaram 31 projetos estruturados que se desdobram em 88 projetos individuais, formados
por diversas obras e ações institucionais que são necessárias para a efetiva implantação do

119
Argentina: a) Plan Estratégico Territorial de Argentina e b) acuerdo firmado por los Congresos de Argentina y
Paraguay; Bolívia: a) Plan de Desarrollo de Bolivia, b) Matriz Programática de Programas y Proyectos del Sector
Transporte; c) Programa Operativo Anual 2010-2011 del Viceministério de Transportes; Brasil: a) PAC 1 e 2, b)
Plan de estudios de la Administración de las Hidrovías de la Amazonía Occidental; con acuerdo binacional
firmado y aprobado por los Congresos de Brasil y Paraguay; c) Plan Plurianual 2008-2011; Chile: a) Planes
viales; b) Tratado de Maipú firmado con Argentina en 2009; Colômbia: a) Plan Nacional de Desarrollo 2010-
2014 (Prosperidad para Todos) e b) Plan Plurianual de inversiones (2011-2014); Guiana: a) Estrategia Nacional
de Desarrollo; b) acuerdos bilaterales entre Brasil y Guyana, en los años 1989 y 2000 se realizaron dos estudios
de factibilidad; Peru: a) Planes del Ministerio de Transporte y Comunicaciones (Intermodal 2004-2023) y b)
Plan Nacional de Desarrollo Portuario de Perú (elaborado por la Autoridad Portuaria); Suriname: a) Nuevo Plan
Multianual 2012-2016; Uruguai: a) Dirección Nacional de Hidrografía del Ministerio de Transporte y Obras
Públicas para el quinquenio 2010-2014; b) Tratado de Cooperación para el Aprovechamiento de los Recursos
Naturales y el Desarrollo de la Cuenca de la Laguna Merín.
166

projeto estruturado. Os projetos da API superam os US$ 13.000 milhões, variando entre
14,5% e 17,7% do montante total da carteira da IIRSA.
Dentro da API, nos ateremos aos projetos dos quais o Brasil faz parte, visto que o
objetivo da pesquisa é identificar os caminhos que os capitais sediados no Brasil têm
percorrido na América do Sul e o projeto subjacente ao seu movimento. A participação do
Brasil em tais projetos implica, conforme a institucionalidade elaborada para a IIRSA, sua
corresponsabilidade - junto com os outros países beneficiados pelas obras de infraestrutura -
pelo detalhamento técnico do projeto, pela organização das questões legais, institucionais e do
marco regulatório e pelo financiamento com recursos próprios ou empréstimos.
Certamente tal institucionalidade assegura que os projetos de infraestrutura incluídos
pelo governo brasileiro na API guardam estreita relação com os objetivos da política
brasileira, que visa, sobretudo, criar as condições para melhorar a circulação de bens e
serviços da região. Isto é, beneficiar “a logística das exportações da região ao abrir
alternativas de escoamento da produção, com menores distâncias, custos mais baixos e,
consequentemente, maior competitividade dos produtos no mercado internacional”. (MRE,
2011, p. 20). Desse modo, consideramos que tais projetos dão uma visão geral sobre os
interesses dos capitais brasileiros na região.
ii) Visando caracterizar os interesses brasileiros na integração da infraestrutura
regional, selecionamos, também, os projetos realizados com o aporte de recursos do BNDES,
uma vez que este banco tem servido de instrumento para a promoção da política brasileira de
estímulo às exportações e inversões do país no exterior.

4.4 O Brasil e os projetos da IIRSA

O Quadro 1 mostra os projetos da API que o Brasil participa. Podemos agrupar as


intervenções físicas aí propostas a partir de dois critérios: i) aquelas que partem de São Paulo
ou do Sul do país visando melhorar a integração com os países do Mercosul - Argentina,
Paraguai, Uruguai, Venezuela 120 e ii) aqueles que visam conectar os países vizinhos e a região
norte do Brasil. Nesse caso, além de facilitar a exploração da Amazônia, o objetivo é
transformar Manaus em centro exportador de commodities industriais e bens primários para
EUA, Europa e Ásia. Nessas duas lógicas de intervenção no território, procura-se, também,
incluir as principais regiões produtoras de grãos do centro-oeste brasileiro.

120
A Bolívia é um Estado associado ao Mercosul.
167

Quadro 2 - Projetos que integram a Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API): Brasil, 2005-2011
Valor (US$ Situação
N. Projetos Estruturados Eixo Projeto Individual mil) Financiamento do projeto Países
Nova ponte Porto Presidente Franco -
Conexão vial Foz do Iguaçu- Cidade Porto Meira; área de controle integrado Tesouro Pré- Brasil e
1 del Leste - Assunçao – Clorinda Capricórnio PY-BR 80.000 Nacional execução Paraguai
Corredor Ferroviário Bioceânico Pré-
2 Paranaguá-Antofogasta Capricórnio Tramo Cascavel - Foz do Iguaçu 0 A definir execução Brasil
Corredor Ferroviário Bioceânico Ponte ferroviária com pátio de cargas Tesouro Pré- Brasil e
3 Paranaguá-Antofogasta Capricórnio (Cidade del leste - Foz do Iguaçu) 0 Nacional execução Paraguai
Tramo Paranaguá-Cascavel e adequação
Corredor Ferroviário Bioceânico de trecho entre Guarapuava e Pré-
4 Paranaguá-Antofogasta Capricórnio Engenheiro Bley 0 Público execução Brasil
Linha de Transmissão 500kw Itaipu - Linha de transmissão 500 kw (Itaipu - Pré- Brasil e
5 Assunção – Yacyreta Capricórnio Assunção) 125.000 A definir execução Paraguai
Bolívia,
Melhoramento da navegabilidade dos Melhoramento da navegabilidade do Rio Tesouro Pré- Brasil e
6 Rios da Bacia do Plata HPP Paraguai entre Apa e Corumbá (*) 35.000 Nacional execução Paraguai
Gov. Nacional
Melhoramento da navegabilidade dos Melhoramento da navegabilidade do Rio (72,7%) e gov. Em
7 Rios da Bacia do Plata HPP Tietê 550.000 estadual (27,3%) execução Brasil
Bolívia,
Melhoramento da navegabilidade dos Sistema de previsão de níveis no Rio Tesouro Pré- Brasil e
8 Rios da Bacia do Plata HPP Paraguai (Apa - Assunção) 0 Nacional execução Paraguai
Melhoramento da navegabilidade do Rio
Melhoramento da navegabilidade dos Alto Paraná (a partir de Saltos do Tesouro Pré-
9 Rios da Bacia do Plata HPP Guairá) 70.000 Nacional execução Brasil
Melhoramento da navegabilidade do Rio Tesouro
10 Acesso neoriental do Rio Amazonas Amazonas Içá 8.000 Nacional Execução Brasil
Reabilitação da estrada Caracas- Tesouro Em Brasil e
11 Manaus GUY Reabilitação da estrada Caracas-Manaus 300.000 Nacional execução Venezuela
Rota Boa Vista - Bonfim - Lethem - Rota Boa Vista - Bonfim - Lethem - Lindem - Pré- Brasil e
12 Lindem – Georgetown GUY Georgetown 250.000 A definir execução Guiana
Rota Boa Vista –Bonfim –Lethem- Tesouro Brasil e
13 Lindem-Georgetown GUY Ponte sobre o Rio Takutu 10.000 Nacional Concluído Guiana
168

Melhoramento da conectividade vial Pré-


14 no eixo IOC IOC Anel ferroviário de São Paulo 2.000 Banco Mundial execução Brasil
Melhoramento da conectividade vial Tesouro Em
15 no eixo IOC IOC Circunvalación vial de Campo Grande 10.000 Nacional execução Brasil
Melhoramento da conectividade vial Área de controle integrado Porto Suárez- Tesouro Pré- Bolívia e
16 no eixo IOC IOC Corumbá 2.000 Nacional execução Brasil
Ponte internacional Jaguarão - Rio Construção da ponte internacional Brasil e Uruguai Pré- Brasil e
18 Branco MCC Jaguarão - Rio Branco 65.000 - 50,0% cada execução Uruguai
Transporte multimodal Laguna Transporte multimodal no sistema de Laguna Tesouro Pré- Brasil e
Merín (UR) y Lagoa dos Patos (BR) MCC Merín (UR) y Lagoa dos Patos (BR) 100.000 Nacional execução Uruguai
Focem (52,0%);
Adequação do trecho Brasileira Rivera províncias
Corredor ferroviário (UR)-Santana do Livramento (RS)- Cacequi (35,5%); Privado Em Brasil e
20 Montevideu – Cacequí MCC (BR) 96.000 (12,5%) execução Uruguai
Conexão Porto Velho - Costa Tesouro Brasil e
21 Peruana PBB Ponte sobre o Rio Acre 12.000 Nacional Concluído Peru
Conexão Porto Velho - Costa Pré-
22 Peruana PBB Ponte sobre o Rio Madeira (BR-364/RO) 119.000 Tesouro nacional execução Brasil
Fonte: IIRSA (2011).
*Hidrovia Paraguai – Paraná (HPP); Escudo Guayanés (GUY); Interoceânico Central (IOC); Peru – Brasil – Bolívia (PBB); Mercosul-Chile (MCC).
169

4.4.1 Eixos relacionados com o sul-sudeste do Brasil

4.4.1.1 Eixo capricórnio

No Brasil, o Eixo Capricórnio agrega os estados de Santa Catarina, Paraná, Rio


Grande do Sul e oeste do Mato Grosso do Sul. Abarca, ainda, o Paraguai, o noroeste da
Argentina e os departamentos de Santa Cruz, Tarija y Potosí na Bolívia. No pacífico inclui o
norte do Chile (IIRSA, 2012). Conforme Ceceña (2007), o eixo capricórnio dentre aqueles
que compõem a IIRSA, é um dos mais importantes estrategicamente, porque inclui
los yacimientos de gas de Bolivia; el petróleo del área fronteriza entre
Bolivia y Argentina; una parte de los yacimientos metálicos de la Cordillera
de los Andes en suelo de Chile y Argentina; comprende asimismo el sur
industrializado de Brasil; la zona agrícola y particularmente sojera de
Paraguay, Argentina y Brasil; la capacidad hidrelétrica de Itaipú y Yaciretá;
y el acuífero Guaraní, tercero en tamaño del mundo y mayor del continente
[...] Geopolíticamente éste es uno de los puntos de mayor importancia
estratégica, por su alcance y su capacidad de irradiación hacia el cono sur.
(CECEÑA et al., 2007, p. 27).

Corroborando a visão de Ceceña, as intervenções no eixo visam melhorar a região


fronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina; promover uma maior interligação entre Bolívia
e Argentina melhorando o trânsito na fronteira e estender o corredor mineiro argentino até a
Bolívia, ligando “yacimientos de gran potencialidad minera”. (IIRSA, 2012, p. 40). Visa,
também, permitir o fornecimento de energia elétrica de Itaipu para Argentina, além de abrir
uma saída para o pacífico através do Chile, facilitando a exportação de soja.
Do ponto de vista dos interesses dos capitais sediados no Brasil, as obras de
infraestrutura visam melhorar o comércio de energia de Itaipu, reduzindo as perdas que
alcançam, segundo o projeto, 10% da energia transmitida e aumentar a capacidade de
transmissão. Como mencionamos anteriormente, a perspectiva é vender energia elétrica para a
Argentina.
Além disso, pretende-se criar o Corredor Bioceânico Paranaguá (Brasil) - Antofogasta
(Chile) (Mapa 1). O objetivo da obra é conectar saídas para o oceano atlântico e pacífico, por
onde as riquezas da região sul do continente seriam distribuídas internamente e/ou enviadas
para o exterior (IIRSA, 2012), encontrando uma saída mais rápida para atingir os países
asiáticos, especialmente, a China 121.

121
Para maiores detalhes técnicos-operacionais do projeto, ver BNDES (2011).
170

Esse objetivo unifica os países que compõem o eixo, haja vista que a análise do
comércio exterior da região sul-americana demostra que, desde os anos de 1990, as
exportações sofreram “[...] ii) forte redução dos Estados Unidos como destino [...] e iii) o
substancial crescimento de novos destinos, como a China e o Resto do Mundo”.
(CARCANHOLO, 2010, p. 11-12)122.

Mapa 1 – Corredor Bioceânico Paranaguá – Antofogasta

Fonte: BNDES (2011).

No caso do Brasil, intenciona-se promover maior integração produtiva do agronegócio


entre Paraguai e Oeste do Paraná, especialmente das cadeias de soja, milho, trigo, avicultura e
gado. Na divisão do trabalho proposta por essa maior integração, cabe ao Paraguai exportar o
produto final para o Brasil - por exemplo, soja – e importar do país os insumos da cadeia
produtiva como sementes selecionadas, agroquímicos, máquina e equipamentos, fertilizantes.
Quanto à avicultura, a ideia é que a melhoria da infraestrutura permita a expansão da
produção de frangos que atualmente é exportada através da Hidrovia Paraguai - Paraná.
A melhoria da infraestrutura visa, portanto, apoiar o crescimento dos investimentos
brasileiros na região. Conforme o BNDES (2011), a precária infraestrutura do Paraguai é um
dos motivos que tem retardado novas inversões de empresas brasileiras na região, dada a

As cidades diretamente ligadas ao corredor bioceânico são: “no sentido leste-oeste: Paranaguá, Ponta Grossa,
122

Curitiba, Porto Alegre, Caxias do Sul, Passo Fundo, Erechim, Santa Maria, Santa Cruz do Sul, São Borja, Foz de
Iguaçu, Ciudaddel Este, Porto Iguazú, Encarnación, Apóstoles, Posadas, Asunción, Corrientes, Resistencia,
Formosa, Santiago del Estero, Tucumán, Salta, Jujuy, Catamarca, La Rioja, Copiapó e Antofagasta”.
(ANTUNES, 2007, p. 60).
171

dificuldade da produção de chegar a Hidrovia Paraguai-Paraná de onde é exportada para


outros destinos.
Assim como vários projetos da carteira do COSIPLAN, não é necessária a construção
de toda ferrovia, visto que dos 3.355 km totais, 916 km já existem no Brasil e mais 1.489 na
Argentina e no Chile. Restam, portanto, a construção de 850 km, dos quais 610 km no
Paraguai que, por isso, será o país que mais incorrerá em gastos para viabilizar o referido
corredor (BNDES, 2011). De acordo com o projeto técnico, a ferrovia será
[...] complementada pela construção de novas ferrovias entre Cascavel a Foz
do Iguaçú no Brasil e no Paraguai entre Presidente Franco até a Fronteira
Paraguai/Argentina, conectando-se com a rede da SOE Belgrano Cargas em
Resistencia na Argentina e ainda será construído um ramal entre Pirapó e
Encarnación no Paraguai. (BNDES, 2010, p. 36).

No que se refere às obras sob responsabilidade do Brasil, foram realizados o


rebaixamento da linha férrea Maringá, concluída em 2010, e o Contorno Joinville e Francisco
do Sul123, concluída em 2013. As duas intervenções estavam incluídas no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), assim como, a construção do tramo Paranaguá-Cascavel
que está em fase de estudo.
O principal entrave na consecução do corredor bioceânico é o financiamento do tramo
que passa pelo Paraguai. A perspectiva é que a construção seja realizada através de Parcerias
Público-Privadas (PPP’s) no regime de concessão e com financiamento externo. Mantendo-se
essa proposição, a menor economia dentre as diretamente envolvidas no projeto irá arcar com
os maiores custos da obra contribuindo para o aumento do endividamento estatal.
Além do tramo que passa pelo Paraguai, é necessário construir a ligação ferroviária
entre Salta (Argentina) e Antofogasta (Chile). Cabe ressaltar que além dessa intervenção, o
Chile somente possui outras duas incluídas em toda a API. Isso porque, a infraestrutura
construída para a exportação de cobre reduz a necessidade de intervenções no território desse
país (BNDES, 2011).
Apesar da melhor infraestrutura quando comparada a de outros países da região, ao
Chile interessa as obras da IIRSA porque pretende aumentar seu mercado de serviços
logísticos e o volume de comércio. Para tal, a estratégia do país é utilizar seus 86 Tratados de

123
Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/Noticia/496748/dilma-entrega-obra-com-tres-anos-e-meio-de-
atraso?referencia=minuto-a-minuto-topo> Acesso em 13 de fev. de 2014. No caso do contorno Joenville, as
obras estão paradas por problemas técnicos.
172

Livre Comércio (TLC) 124, que lhe dão acesso preferencial a vários mercados, e a sua posição
privilegiada para acessar os mercados asiáticos.
O Chile propõe beneficiar as mercadorias oriundas dos outros países da região,
utilizando a sua experiência em adequar as características dos produtos às normas
internacionais e reexportá-los (NUMAIR, 2009). No caso da relação com o Brasil, dado os
requisitos de conteúdo nacional mínimo que os TLC impõem às mercadorias comercializadas,
[...] os dois países vêm estudando alternativas de triangulação das operações,
processo que tem envolvido no Brasil a classe empresarial, o BNDES,
Federações de Indústrias e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior [...]. Algumas opções passam pela formação de joint-
ventures com empreendedores chilenos fornecendo insumos à produção, ou
a instalação de unidades fabris de empresas brasileiras no Chile. (NUMAIR,
2009, p. 142).

4.4.1.2 Hidrovia Paraguai – Paraná

A Hidrovia Paraguai – Paraná parte do município de Cáceres, no estado do Mato


Grosso (BR), e vai até Nueva Palmira, no Uruguai. Formada pelos rios Paraná, Paraguai,
Uruguai e Tietê, articula Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai (Mapa 2). A
coordenação entre os países que compõem a Bacia do Plata visando melhorar as condições de
navegabilidade de seus rios data de 1967, com a declaração de intenções de Buenos Aires. Tal
encontro resultou na assinatura, em 1969, de acordo entre os cinco países para promover
estudos e obras nacionais e multinacionais visando a instalação de indústrias e o aumento dos
fluxos comerciais ao longo da hidrovia.
Conforme BID (2010), entre 1971 e 1986 uma multiplicidade de estudos acerca das
potencialidades e problemas da Bacia do Plata foi realizada e, em 1989, foi criado o Comitê
Intergovernamental da Hidrovia Paraguai-Paraná (CIH), com o objetivo de coordenar os
projetos e obras necessárias, indicando as prioridades de execução, de modo a assegurar as
condições de navegabilidade. Alguns dos estudos foram conduzidos pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), posteriormente, foi delegada à Corporação
Andina de Fomento (CAF) a responsabilidade de contratar a assessoria técnica (OEA, 1994).

124
A estratégia econômica de abertura e inserção nas correntes de comércio internacional, iniciada desde os anos
de 1970, é um dos fatores que explica a grande quantidade de Tratados de Livre Comércio celebrados entre o
Chile e seus parceiros comerciais.
173

Mapa 2 – Hidrovia Paraguai - Paraná

Fonte: Unep/Geo (2000).


Disponível em: <http://www.grida.no/publications/other/geo2000/?src=/geo2000/English/0088.htm>

Em 1990, os projetos que hoje compõem a API já estavam delineados: i) a necessidade


de melhorar a sinalização ao longo da hidrovia para permitir a navegação noturna e melhorar
a navegação diurna; ii) dragagem de trechos para permitir a navegação durante todo o ano de
embarcações maiores; iii) estudos sobre a navegabilidade entre Corumbá e o Rio Apa,
considerado o trecho mais difícil e mais custoso da hidrovia.
O elemento de novidade na chamada IIRSA é a maior importância que confere a
realização de estudos sobre a previsão dos níveis do rio Paraguai (em função da alternância
dos períodos de alta e baixa do volume da hidrovia) e a ênfase nas questões institucionais,
como harmonização das legislações nacionais, facilitação dos fluxos de mercadorias,
diminuição dos custos de transportes, modelo de funcionamento para o setor e para a
definição de tarifas.
Temos, portanto, que a Hidrovia Paraguai-Paraná é um projeto antigo que deriva da
importância da Bacia do Plata no comércio da região e via oceano Atlântico. O objetivo é
adaptar essa hidrovia para facilitar a navegabilidade e reduzir o tempo “de 36 para 16 días
para el trayecto Corumbá- río de la Plata – Corumbá”. (CECEÑA et al., 2007, p. 30). Sendo
assim, a intenção é remover as barreiras naturais que aumentam os custos do capital,
estabelecendo uma rota de escoamento do Mato Grosso via Corumbá até a região da bacia do
Plata. A partir daí a produção pode ser escoada através do corredor bioceânico.
174

Note que os cinco países que compõem o eixo HPP utilizam a hidrovia para exportar
seus produtos. Espera-se que as intervenções nos rios melhore a
[…] navegabilidad de las vías fluviales [...] [con] significativas reducciones
del costo del transporte de flujos de tráfico interno entre regiones, así como
para los tráficos extrarregionales. Esto generará mayor competitividad de los
productos regionales, principalmente para los de aquellas áreas más alejadas
de los puertos marítimos. (IIRSA, 2010, p. 49).

Como pode ser visto na Tabela 16, a hidrovia é utilizada pelo agronegócio, pelas
indústrias mineral, de derivados de petróleo, celulose, química e petroquímica. A maior parte
do fluxo de mercadorias atende ao comércio intrarregional. Em termos de fluidez que confere
a circulação do espaço sul-americano, certamente, esse eixo é um dos mais importantes. Além
disso, como possui ligações com os eixos Mercosul-Chile, Interoceânico Central e
Capricórnio, propicia a rápida conversão do destino das mercadorias, direcionando-as para o
mercado externo.
O caso da soja Argentina é um exemplo ilustrativo da utilização da hidrovia para
exportação. Nesse país, a consecução da obra é defendida pela Monsanto, Cargil, Bunge e
Molinos Rio del plata, que além da exportação de alimentos, também se beneficiam com a
comercialização dos insumos de toda a cadeia produtiva. As obras beneficiam as províncias
de Córdoba, Santa Fé e Entre Rios, que juntas respondem por 63% da produção de soja na
Argentina.

Tabela 16 - Principais produtos transportados na Hidrovia Paraguai-Paraná segundo o país de


origem
País Produto
Argentina grãos e derivados, mineral de ferro e magnésio, combustíveis, produtos
químicos e petroquímicos, celulose, veículos, container
Bolívia grãos e derivados, combustíveis, containers
Brasil grãos e derivados, mineral de ferro e magnésio, combustíveis, madeira e
cimento, fertilizantes
Paraguai grãos e derivados, combustibles, clinker, cemento

Uruguai grãos e derivados, mineral de ferro e magnésio, frutas, madeira, celulose


Fonte: BID/FOMIN.

Dentre os quatro projetos brasileiros na API, dois estão ligados ao sistema Tietê-
Paraná. No Tietê está sendo realizada adequação de pontes, canais e eclusas, construção de
barragens e terminais. Conforme relatório de acompanhamento do PAC, apenas 6,3% da obra,
completamente financiada com recursos públicos, foi realizada (MP, 2014). O objetivo é
175

duplicar a movimentação atual para 11 milhões de toneladas e reduzir a “viagem em até 2


horas por ponte e [...] em cerca de 20% os custos de transportes”. (IIRSA, 2012, p. 101). No
Alto Paraná se prevê a realização de dragagem, elaboração de cartas eletrônicas e sinalização.
A importância dessa obra para o agronegócio está em ligar os cinco maiores produtores de
grãos do Brasil: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná, se
constituindo numa alternativa ao Porto de Santos.
Os outros dois projetos se relacionam ao trecho entre Corumbá e Assunção. Incluem a
dragagem do Rio Apa, com vistas a manter as condições de navegabilidade de 10 pés durante
todo o ano, a sinalização da via, a sistematização de informações sobre a hidrologia e a
construção de estações hidrográficas para fazer previsões sobre os níveis de água.
Além de otimizar a ligação com o Paraguai, beneficiando, como mencionamos
anteriormente, o agronegócio, abre-se uma nova rota para chegar ao norte da Argentina, onde
estão localizadas reservas petrolíferas e minerais. Apesar da maioria das inversões realizadas
nesse país terem o intuito de produzir para o mercado interno, isso não descarta a colocação
de excedentes no mercado internacional.
A empresa Vale, por exemplo, transporta minério de ferro e manganês pela hidrovia,
sendo, portanto, uma das beneficiárias do melhoramento da sua estrutura. Além dela, o Grupo
Camargo Corrêa (GCC) abastece de cimento o mercado regional a partir do território
Argentino, visto que “más de la mitad de la producción de cemento comercializada por el
GCC es producida en la Argentina [...]”. (BIANCO et al., 2008, p. 54).
Ainda serão beneficiadas as empresas sediadas no Brasil que exportam sementes de
soja para Bolívia e Uruguai; mineral de ferro e manganês para Uruguai e Argentina;
fertilizantes e máquinas para o Paraguai. Os grupos localizados no Paraguai que exportam
soja, milho, mandioca, trigo, carne, arroz, feijão e carvão para o Brasil, também são
favorecidos pelas obras, embora a importância do Brasil como mercado consumidor da
produção Paraguaia venha diminuindo. Segundo informações do Banco Central do
Paraguai125, em 2000 o mercado brasileiro foi destino de 64,6% do total das exportações do
país, em 2013, esse percentual caiu para 28,2%.
Por fim, vale mencionar os impactos ambientais e sobre a qualidade de vida da
população que vive no entorno da hidrovia, em especial, no ecossistema do Pantanal, incluído
nas obras. As alterações no curso dos rios modificam o regime de cheias e secas podendo

125
Disponível em: <https://www.bcp.gov.py/boletin-de-comercio-exterior-trimestral-i400> Acesso em 05 de mar.
de 2014.
176

levar a desertificação de algumas áreas. Além disso, afeta a reprodução da vida marinha, que
junto com a intensificação do fluxo de embarcações, a realização de obras portuárias e os
aumentos da contaminação por cargas e descargas podem levar a extinção de espécies.
Acrescente-se, ainda, o estímulo a “expansão da fronteira agrícola nas margens dos três rios,
pela rentabilidade do transporte. Esta expansão da agricultura poderá resultar em
desmatamentos e no uso da terra [...] principalmente [para] a cultura da soja”. (ANDERSEN,
1994, p. 23).
Além dos impactos ambientais, as obras repercutem diretamente sobre as atividades
econômicas desenvolvidas na região, na medida em que impedem a continuidade das
atividades pesqueiras e/ou da pequena produção agrícola. Como salientamos no Capítulo 3, a
organização da produção de soja e outros grãos com base na monocultura é incompatível com
a manutenção em áreas próximas de outros cultivos, visto que a toxidade e a esterilização do
solo que provocam inibem o crescimento de outras plantas. Do ponto de vista social, isso
significa o aumento da concentração fundiária com a expulsão da população ribeirinha e dos
pequenos agricultores.

4.4.1.3 Mercosul-Chile

Esse eixo abarca as principais cidades dos países envolvidos que são, também, as
principais cidades do continente, como São Paulo (Brasil), Buenos Aires (Argentina),
Montevideo (Uruguai), Assunção (Paraguai), Santiago e Valparaíso (Chile) (Ceceña, 2007).
Por isso, do ponto de vista econômico esse é o eixo mais importante, visto que, “gera cerca de
70% da atividade econômica da América do Sul”. (ANTUNES, 2007, p. 109). Esta região
possui as redes para escoamento da produção mais desenvolvidas, de modo que a maior parte
das intervenções visa ampliar, readequar ou modernizar as instalações.
Os projetos que o Brasil faz parte pretendem melhorar a ligação entre os estados do sul
do Brasil e o Uruguai utilizando três modais: o rodoviário através da construção de uma
segunda ponte internacional ligando os municípios de Jaguarão (Brasil) e Rio Branco
(Uruguai). Essa obra faz parte do projeto maior que é o de diminuir a distância entre
Montevideo e Porto Alegre e que inclui a duplicação da BR-392, em execução, conforme
relatório do PAC (MP, 2014). O modal ferroviário através da reativação do trecho Santana do
Livramento (BR) –Rivera (UR). Aqui, a perspectiva é que a recomposição da ligação
ferroviária permita que produtos sejam transportados desde Montevidéu até São Paulo. Além
177

da diminuição dos custos, a importância dessa ligação está associada a “saturación que
presenta el puerto do Rio Grande”. (IIRSA, 2012, p. 571).
O perfil de comércio entre os dois países mostra que a indústria automobilista
instalada no Brasil e a agroindústria do Uruguai são os principais beneficiados dessa melhor
interligação, já que o Brasil exporta, dentre outros produtos, automóveis, carrocerias, chassis,
outras partes de automóveis e pneus para o Uruguai, e importa desse país, principalmente,
mercadorias da agroindústria como carnes, arroz, farinha de trigo, etc.
Ressaltamos que as intervenções também beneficiam os grandes fazendeiros
brasileiros que desde os anos de 1990 transferiram para o Uruguai - no bojo do acirramento da
luta pela terra no Rio Grande do Sul protagonizado pelo Movimento Sem Terra (MST) – a
produção pecuária. Com a crise de 2002, várias empresas brasileiras aproveitaram a
desvalorização dos ativos para adquirir frigoríficos uruguaios. “En 2007 sólo Mafrig
acaparava el 30% de la faena y las exportaciones de carnes uruguaias, controlando los
capitales brasileños el 43% de las exportaciones cárnicas, el primer rubro del comercio
exterior del país”. (ZIBECHI, 2012, p. 240).
Acrescente-se ainda, as inversões no setor energético, especialmente na distribuição de
gás e gasolina, de modo que a Petrobras em “diciembre de 2005, domina el 22% del mercado
de combustibles [uruguaio]”. (ZIBECHI, 2012, p. 240).
O terceiro modal é a hidrovia, com a ligação Laguna Merín-Laguna dos Patos126, a
intenção é “dragagem, derrocamento e sinalização, elaboração de cartas náuticas eletrônicas
[...] ampliação dos terminais de carga [...] de Pelotas, Porto Alegre, Estrela, Cachoeira do Sul,
Santa Vitória do Palmar e Rio Grande, e implantação do terminal de São José do Norte”.
(IIRSA, 2010, p. 549).
As intervenções nos modais também incluem os passos da fronteira entre Brasil e
Uruguai, isto é, a celebração de acordos com vistas a diminuir ou eliminar os trâmites
aduaneiros.

126
Os rios e lagos onde as obras serão realizadas fazem parte da Hidrovia do Mercosul, que conforme o
Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), está “localizada na bacia do Sudeste é
constituída principalmente pelos rios Jacuí e Taquarí, que são ligados à Lagoa dos Patos pelo Lago Guaibá,
seguindo pelo Canal de São Gonçalo e finalmente à Lagoa Mirim. São 650 km entre as cidades de Estrela - rio
Taquari - e Santa Vitória do Palmar, já na divisa com o Uruguai”. (DNIT, 2010). Disponível em:
<http://www.dnit.gov.br/hidrovias/hidrovias-interiores/hidrovia-do-mercosul> Acesso em 18 de fev. de 2014.
178

5.4.1.4 Interoceânico Central

A área econômica de maior relevância nesse eixo é a Bolívia, que incorpora os


departamentos de Santa Cruz, La Paz, Potosí, Cachabamba, Oruro, Chusquisaca, Beni.
A parte Boliviana é produtora e exportadora de gás natural, minérios e soja.
As principais jazidas de gás natural ficam em Chusquisaca. A mineração é
desenvolvida em Oruro e Potosí. Santa Cruz é o departamento com maior
participação no PIB da Bolívia e concentra grande parte da produção de soja.
O florestamento se dá em Beni, Santa Cruz e Cochabamba e os plantios de
cana-de-açúcar se localizam em Santa Cruz, La Paz e Beni [...] A indústria
manufatureira não tem grande desenvolvimento, é principalmente orientada
para o mercado interno e se concentra em Santa Cruz, La Paz e Cachabamba.
(IIRSA, 2009, p. 04).

Além de abranger a maior parte do território boliviano, abarca a região de Antofogasta


no Chile, os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, no
Brasil, as regiões agrícolas e produtoras de minérios do Peru e todo o Paraguai.
Dos projetos brasileiros na região, dois visam melhorar as condições do trânsito no
corredor Corumbá - São Paulo - Rio de Janeiro. Para tal, propõe-se retirar o fluxo de veículos
de cargas dentro do perímetro urbano das cidades de Campo Grande (MS) e São Paulo (SP).
A construção do Ferroanel visa, também, reorganizar “os fluxos de carga que tem origem,
destino e passagem pela Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) [...] e facilitar o acesso
aos portos de Santos e São Sebastião (SP) e de Itaguai (RJ)”. (IIRSA, 2012, p. 406).
O terceiro projeto se destina a melhorar a infraestrutura na fronteira entre Bolívia e
Brasil fazendo a conexão entre Corumbá (BR) – Puerto Suárez (BO) – Santa Cruz (BO). O
objetivo é remodelar os terminais do porto por onde “se canaliza la casi totalidade del
comercio bilateral entre Bolívia y Brasil (98,1%)”. (IIRSA, 2012, p. 422).
Em termos de setores de atividade econômica, tais obras beneficiam diretamente o
setor de soja da Bolívia, “de los cuales el 40% están en manos de hacendados brasileños, a lo
que debe sumarselas áreas dedicadas a ganadería”. (ZIBECHI, 2012, p. 249). Tais produtores
usam o puerto Suárez para, através da HPP, chegar aos mercados consumidores da União
Europeia. Acrescente-se ainda, a complementariedade produtiva entre Bolívia e Brasil nesse
ramo de atividade, como mencionamos no Capítulo 3127.

127
Para fins da integração nos moldes da IIRSA, cabe a Bolívia a participação na integração energética do
continente como fornecedora de gás, principalmente, para Brasil, Argentina e Chile.
179

4.5 Eixos relacionados com a região norte

4.5.1 Amazonas

O eixo amazônico é composto pela região norte do Brasil, Colômbia, Equador e Peru.
O objetivo das obras é criar “cuatro corredores bimodales que conectam terminales marítimos
em el pacífico con hidrovias [...] de la cuenca del amazonas” (IIRSA, 2011, p. 26), ligando a
Amazônia brasileira e peruana à costa e aos portos, permitindo o escoamento da produção via
pacífico.
A maior parte das intervenções - 19 dos 25 projetos individuais que são prioritários
para o eixo Amazonas - será realizada no território peruano. No Brasil, o único projeto é o
melhoramento da navegabilidade do rio Içá, que nasce na Colômbia com o nome de
Putumayo e ao entrar no Brasil ganha nova denominação.
As intervenções visam “sinalizar, balizar, fiscalizar, executar serviços de limpeza e
manutenção, além de construir um terminal hidroviário em Santo Antônio do Içá”. (IIRSA,
2012, p. 304). Essa obra objetiva, também, conectar a cidade de Manaus com uma saída para
o pacífico através do rio Solimões, onde desagua o rio Içá (Mapa 3 – Grupo 1).
La vocación de los corredores bimodales que funcionarían al poner en
marcha las hidrovías y terminales fluviales correspondientes, es tener como
destino comercial a la ciudad de Manaos, sin perder de vista la posibilidad
de conectar a mercados de ultramar. Manaos es la ciudad más importante de
la Amazonía en su conjunto. (IIRSA, 2011, p. 20).

Cabe mencionar que, no trajeto que vai do Rio Iça até Manaus estão sendo construídos
terminais hidroviários. Ao longo da Bacia Amazônica, o PAC 2 prevê a realização de 27
terminais: 6 já foram concluídos, 12 estão em execução e 9 na fase preparatória da obra (MP,
2013).
Apesar da maioria das obras serem executadas no Peru, a Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD) e a Votorantim metais serão diretamente beneficiadas. A primeira explora a
mina de rocha fosfática Bayóvar, matéria-prima usada na produção de fertilizantes (VALE,
2014). A segunda extrai zinco e índio metálico do Peru e possui uma unidade de
beneficiamento em Lima (VOTORANTIM, 2014). Os projetos incluem a melhoria dos
portos, a navegabilidade de hidrovias e construção de estradas que favorecerão o escoamento
da produção dessas empresas.
180

Mapa 3 – Projetos do Eixo Amazonas

Fonte: IIRSA128

A escolha do Peru para abrigar a maioria das intervenções do eixo Amazonas e a


expansão de capitais brasileiros para esse país devem ser entendidas considerando que, dentre
os países da América Latina, aí se concentra a maior diversidade de minerais estratégicos para
a indústria mundial.
Conforme Bruckmann (2011), O Peru possui jazidas de nove minerais que estão na
base da produção de valores de uso fundamentais para o processo de valorização do capital.
São eles: rênio (usados na produção de catalisadores e baterias), prata (utilizada na confecção
de baterias e pilhas), selênio (na produção de eletroeletrônicos e semicondutores), zinco
(produção de aço), molibdênio (produz ligas para fabricação de aviões), cadmio (fabricação

128
Disponível em: <http://www.geosur.info/geosur/iirsa/pdf/es/grup_ama.jpg> Acesso em 11 de maio de 2014.
181

de baterias e na geração de energia nuclear), chumbo (fabricação de munições e energia


nuclear), estanho (fabricação de munições e aço), ouro e cobre.
São, portanto, elementos utilizados pelas indústrias aeronáutica, bélica, de energia
nuclear e que estão na base das principais mercadorias da terceira revolução industrial, porque
viabilizam a confecção de toda gama de eletroeletrônicos portáteis. Para alguns desses metais,
a América Latina detém mais de um terço das reservas mundiais - rênio (54%); prata (44%),
cobre (40%), selênio (33%) e estanho (30%) (BRUCKMANN, 2010).
Por fim, vale mencionar que a Petrobras também tem interesses na melhoria da
infraestrutura da região, especialmente, depois da nacionalização do gás boliviano, visto que
tem utilizado as reservas de gás do Peru como forma de pressão sobre o governo boliviano.
Diante dos maiores custos na Bolívia, “la estrategia territorial de Petrobras en el norte de Perú
deja clara su intención de activar un eje petrolero continuo que siga entre los cauces de los
ríos Napo y Putumayo en conexión al Solimões”. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 130).

4.5.2 Peru-Brasil-Bolívia

Este eixo, complementar ao eixo amazônico, abarca os estados do Acre e Rondônia no


Brasil; La Paz, Beni e Pando na Bolívia; Moquegua, Arequipa, Apurimac, Cusco, Madre de
Dios y Puno no Peru. Possui apenas um projeto na API que visa melhorar as conexões entre
Brasil e Peru através de Rondônia 129. A construção de uma ponte sobre o Rio Madeira em
Abuña (RO), visa “consolidar o transporte rodoviário entre o Brasil e Peru na denominada via
[...] Carretera Interoceânica do sur”. (IIRSA, 2012, p. 662) (Mapa 4 – Grupo 3).
A obra representa a continuidade da BR-364 (que parte de Limeira, em São Paulo,
passa por Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre) de modo a promover a ligação Leste-Oeste
do continente, partindo de São Paulo (Brasil) até Abuña (Peru). A obra que faz parte dos
projetos do PAC 2 está em execução.

129
Nesse eixo existia, também, o projeto de construção de uma ponte internacional sobre o rio Acre unindo as
cidades de Assis Brasil (AC) e Iñapari, no Peru, possibilitando a conexão com a BR- 317, que se estende até o
estado do Amazonas. Tal obra foi concluída em 2006.
182

Mapa 4 – Projetos do Eixo Peru – Brasil – Bolívia

Fonte: IIRSA130.

Do ponto de vista dos interesses, o objetivo do Peru é acessar a BR-317 e BR-364


colocando seus produtos em Manaus e Rio Branco, de onde podem chegar aos mercados
europeus (França, Bélgica, Portugal, Espanha). Conforme Jaime Stiglich, embaixador
peruano, seu país tem interesse em prestar serviços
[...] portuários e de logística para o Brasil, possibilitado pela integração da
infraestrutura física, [além de] [...] intensificar as exportações para o Brasil
na via inversa da remessa de mercadorias brasileiras ao mercado asiático,
realizada através dos portos peruanos de San Juan, Ilo, Tacna e Matarani.
(NUMAIR, 2009, p. 144).

No lado brasileiro, o objetivo é permitir o acesso mais rápido a produção mineral


peruana. Conforme mostra a pauta de importações brasileiras, os principais produtos
adquiridos do Peru são os minérios de chumbo, sulfetos ou minérios de zinco, fios de cobre
refinados, zinco e prata (SECEX, 2014). Além disso, a melhoria da ligação com o Peru
permitirá acessar de maneira mais rápida seus portos, dando suporte não apenas a produção
que parte do Brasil, mas aos investimentos de empresas brasileiras no país 131.

130
Disponível em: <http://perugeopolitica.blogspot.com.br/2011/07/geopolitica-peru-en-el-mundo.html> Acesso
em 01 de mar. de 2014>.

131
Vale e Votorotim citadas anteriormente. Cabe mencionar o caráter predatório não apenas da indústria extrativa
mineral, mas a atuação das empresas brasileiras do setor. A esse respeito (Bossi et al: 2009, p. 162) destacam que
“Desmatamento, deslocamento de populações, destruição de modelos tradicionais de subsistência, poluição
183

Ressalte-se ainda, que no futuro a perspectiva é ligar o sistema de vias fluviais do Rio
Madeira, em Porto Velho (BR), com portos peruanos. Além de transformar este rio num
corredor de escoamento de exportações, pretende-se, também, transformá-lo em fornecedor de
energia para empreendimentos que visam explorar os recursos naturais da região, daí a
construção de hidrelétricas.
Além da exploração dos minerais, as intervenções brasileiras objetivam acessar os
portos peruanos no pacífico. Nesse aspecto, os projetos desse eixo são complementares ao do
Amazonas, cujas intervenções abarcam os portos de Calao, saindo de Pucallpa, que se localiza
perto da fronteira com o Acre, onde passa a BR – 364 (Mapa 3 – Grupo 4).
Cabe ressaltar que o comércio entre as cidades que compõem a fronteira entre os três
países é praticamente inexistente. O registro de movimentação no porto Maldonado no Peru é
de mercadorias oriundas de São Paulo, Lima e Arida, de modo que a obra visa permitir o
escoamento da produção das cidades mais desenvolvidas dos países que compõem o eixo.

4.5.3 Escudo Guayanes

O eixo Escudo Guayanes está formado pelo norte do Brasil, todo o território da
Guiana e do Suriname e a região oriental da Venezuela. As obras visam promover a melhor
interconexão entre essas áreas. São três os projetos brasileiros:
i) melhorar a ligação entre a cidade de Boa Vista (RO) até a cidade litorânea de
Georgetown na Guiana, “facilitando la exportación de bienes a Norteamérica, Centroamérica
y el Caribe a través de los servicios portuarios”. (IIRSA, 2011, p. 45);
ii) construção de uma ponte sobre o Rio Takutu, concluída em 2009, ligando o
município de Bomfim (RO) à cidade de Lethem na Guiana;
iii) melhorar a ligação Caracas-Manaus, visto que a estrada se encontra deteriorada. O
objetivo da reabilitação da via é - assim como as obras do eixo Amazonas - transformar a
capital do estado do Amazonas em centro de convergência de mercadorias dos diversos países
que compõem a floresta Amazônica. A perspectiva é fortalecer a Zona Franca de Manaus
propiciando uma maior facilidade no abastecimento de matérias-primas para os setores
econômicos, que incluem
[…] actividades industriales (electrónica, biotecnología, química,
farmacéutica, cemento, naval, aluminio, fertilizantes), agrícolas (caña de

atmosférica, intervenções em mananciais de abastecimento público e contaminação de curso d’agua são


atividades que acompanham o percurso da Vale desde a exploração dos minérios, passando pela transformação e
pelo transporte de seus produtos”.
184

azúcar, algodón, tabaco, café, algodón, soja, sorgo), agroindustriales,


forestales, pesqueras, extractivas (petróleo, gas, carbón, metales, uranio,
hierro, oro, esmeraldas) [...] con excelentes condiciones para la generación
de hidroelectricidad. (CECEÑA et al., 2007, p. 23).

Relatórios do IPEA ressaltam a necessidade de transformar esse eixo em uma


interconexão Amazônia-Orinoco em função de sua importância geopolítica, isto é, da
“quantidade e qualidade de recursos que reúne: biodiversidade, bacias hidrográficas, energia,
minério de ferro, entre outros. Brasil e Venezuela compartilham grande parte da Amazônia,
espaço de importância no quadro geopolítico regional e internacional [...]”. (IPEA, 2011b, p.
07).
Do ponto de vista das cadeias produtivas, a ideia é consolidar o perfil do comércio que
já se realiza entre os dois países. O Brasil exporta, principalmente, produtos da agroindústria,
como carnes, café, açúcar, milho e automóveis para Venezuela, e importa nafta, alumínio,
ureia, energia elétrica, chapas de vidro e enxofre desse país. Por isso, a proposta de integração
produtiva do IPEA inclui a complementação industrial nos setores metal-mecânica,
agroindústria, vidros, fertilizantes, petroquímico, mineração, automotriz, construção civil, etc.
A perspectiva é a integração entre a Zona Franca de Manaus e a Zona Franca de
Puerto Ordaz, através da
[...] articulação para a ampliação da produção de coque e enxofre na área da
faixa petrolífera do Orinoco [...] Acordo entre o serviço Geológico do Brasil
[...] e o Instituto Nacional de Geología Y Minería de Venezuela [...] esforço
binacional para a produção de fertilizantes destinados à produção agrícola
[...] [y] apoio brasileiro para o setor de construção civil, especialmente nas
proximidades do Eixo Orinoco-Amazonas e na região de fronteira. (IPEA,
2011, p. 10-11).

Através desses projetos, a perspectiva é garantir o fornecimento de coque de petróleo e


fertilizantes (fosfatados, nitrogenados e sais de potássio) para o Brasil e abrir mercado para o
setor da construção civil, através da venda de estruturas pré-fabricadas para construção de
casas populares na Venezuela.

4.6 A IIRSA, a política governamental e o modelo de desenvolvimento

A expansão e melhoria dos meios de transporte, ampliando a articulação entre o Brasil


e os países da América do Sul, se conectam com a Política de Desenvolvimento Produtivo
(PDP). Como exposto no Capítulo 2, tal programa apresenta a integração produtiva com a
América Latina e o Caribe como fundamental para desenvolver a indústria brasileira,
185

“consolidar e expandir a liderança [de] setores e empresas que têm projeção internacional e
capacidade competitiva e que buscam consolidar e expandir essa liderança”. (MIDC, 2008, p.
16).
As intervenções na infraestrutura física, portanto, compõem outros movimentos da
política governamental brasileira que incluem: diminuir o desequilíbrio no Balanço de
Pagamentos (BP), aumentar o IED, o comércio regional e a integração de cadeias produtivas
com a América do Sul, de modo que o país possa obter ganhos de escala e aproveitar as
“oportunidades econômicas em mercados regionais e globais”. (MIDC, 2008, p. 11). Isto é, a
IIRSA complementa as ações e proposições do PDP no sentido de impulsionar um
movimento que já se verificava na economia brasileira de ampliação das exportações e das
inversões no exterior, especialmente, para os países sul-americanos.
A confluência entre o PDP e a IIRSA se evidencia quando observamos que os
principais setores beneficiados pelas obras de infraestrutura são, também, aqueles
considerados prioritários na intervenção governamental. Conforme explicitado no PDP, são os
ramos de mineração, siderurgia, carnes, petróleo, gás natural e petroquímica.
Desse modo, as políticas governamentais se destinam (e são delineadas) para os
segmentos que sobreviveram ao processo de desnacionalização dos anos de 1990 e que para
manter sua competitividade adotam a estratégia de expansão de suas atividades para a
América do Sul.
Além de alavancar as estratégias dos capitais sediados no Brasil, a necessidade de
recuperar e ampliar parte da infraestrutura física dos países da América do Sul, abrindo o
vasto território da região à exploração capitalista, tem elementos explicativos na atual
dinâmica da acumulação do capital. Nesse sentido, não é um mero acaso que a modificação
institucional que visa dar consequência à infraestrutura regional tenha se dado em 2009, após
deflagrada a crise de 2008. Isto é, a criação do COSIPLAN - um órgão ministerial - visa dotar
os gestores da IIRSA de capacidade de mobilizar, inclusive financeiramente, diversos órgãos
da administração pública em prol da consecução dos projetos.
Nesse cenário, as intervenções na América do Sul visam organizar sua contribuição na
recomposição da lucratividade do capital132, visto que a “saída da crise para o capitalismo tem

132
Conforme mencionamos anteriormente, durante a última década a remessa de lucros e dividendos das
transnacionais aumentou em cinco vezes em relação ao valor médio observado entre os anos de 1998- 2002.
“Este fenómeno responde tanto al creciente peso de las empresas transnacionales en la economía de la región
como al aumento de la rentabilidad media, fruto del crecimiento de la demanda interna y de los precios de las
materias primas de exportación”. (CEPAL, 2012, p. 55).
186

que passar, necessariamente, pela criação/ampliação de espaços para valorização para o


capital sobrante, ao mesmo tempo em que são elevadas as taxas de mais-valia”.
(CARCANHOLO, 2010 b, p. 03).
Uma das formas para aumentar a taxa anual de mais-valia é através da redução do
tempo de rotação do capital determinado “pela soma de seu tempo de produção e de seu
tempo de circulação”. (MARX, L. II, Vol. 3, 1988, p.115). Assim, meios de transporte mais
rápidos, dada a nova organização da produção, afetam diretamente o tempo de produção -
haja vista o grande deslocamento de partes e componentes do produto final - e o tempo de
circulação do capital, isto é, o tempo que a mercadoria demora para ser vendida.

Além disso, menores custos de transportes diminuem o montante de capital necessário


para a confecção da mercadoria, ou seja, reduz o valor do capital constante que entra no
processo produtivo. Desse modo, mantendo-se o montante de capital variável e dada a taxa de
mais-valia, observa-se o aumento da taxa de lucro133 (MARX, 1988). Assim, transportes mais
rápidos e eficientes, na medida em que aceleram o ciclo do capital e implicam em menores
custos de produção, contribuem para elevar a lucratividade.

Ainda do ponto de vista da lógica do capital, a construção de uma infraestrutura que


lhe propicie controlar mais facilmente as fontes de matérias-primas pode favorecer sua
acumulação nos moldes do capital fictício, dado que os minerais e produtos agropecuários são
ativos financeiros transacionados na bolsa de valores.

O controle das fontes de matérias-primas usadas na produção - garantindo a


continuidade do processo de valorização - sempre foi importante para o capital. Na atualidade,
a maior explicitação da necessidade imperialista de controlar os recursos naturais decorre do
esgotamento da matriz energética petrolífera sem que, no entanto, outro padrão energético
tenha tomado o seu lugar.
O avanço das pesquisas na área da genética e da biotecnologia abre uma gama ampla
de materiais que podem ser usados como matriz energética do capitalismo. Daí a corrida para
se apropriar da biodiversidade do planeta, uma vez que pode garantir o controle e a
organização da extração da nova fonte energética que servirá de base para a produção. Além
disso, a emergência da China na economia mundial - em busca de sua segurança energética e

“Para objetivar dado quantum de trabalho, portanto para apropriar dado quantum de mais-trabalho, se requer
133

menor dispêndio nas condições de trabalho. Caem os custos que são exigidos para apropriar-se desse
determinado quantum de trabalho”. (MARX, LIII, Vol. IV, 1988, p. 61).
187

alimentar - se coloca como mais um elemento de tensão na disputa pelos recursos naturais do
planeta.
À necessidade histórica do capital em dominar os recursos naturais, se acrescenta a
importância do capital fictício na atual dinâmica de acumulação do capital. Nessa lógica, a
descoberta de novas fontes de matérias-primas, a aquisição de jazidas minerais, de poços de
petróleo, de terras e o registro de patentes podem significar uma valorização imediata de
títulos e ações, portanto, ganhos financeiros, mesmo que tal exploração demore ou nunca se
concretize. A prática especulativa da exploração agropecuária e mineral se expressa de modo
contundente nas bolsas de valores, em que, conforme “la Agencia de Naciones Unidadas
sobre Comercio y Desarrollo (UNTACD) [...] el volumen del comercio de commodities em
los mercados financeiros derivados es, actualmente, de 20 a 30 veces mayor que el que se
aplica al comercio de la producción física”. (SEAONE, 2012, p. 15).
Como alavanca do processo de valorização baseada no capital fictício está em marcha
processos de expropriações que visam transformar bens coletivos em ativos financeiros, a
exemplo da água, da biodiversidade, dos hidrocarburetos e dos minerais. Dentre os
mecanismos utilizados para a conversão dos bens públicos em bens privados estão: i) as
privatizações; ii) as políticas públicas; iii) as novas regulamentações e iv) a expansão da
lógica que fundamenta o mercado de carbono a uma gama de recursos naturais e atividades
produtivas.
Assim como realizado com a emissão de CO2, a orientação é que a problemática
ambiental, dada pelos limites físicos do planeta a expansão do capital, se converta em fonte de
lucro através dos mercados financeiros. Assim que a ação de diversos estados nacionais,
dentre eles o Brasil, e de organizações multilaterais como a Organização Mundial do
Comércio (OMC) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se destina a limitar os
níveis de poluição e desmatamento, ao mesmo tempo em que cria a possibilidade de empresas
e países poluidores adquirirem esse direito através da compra de títulos emitidos pelos
detentores dos recursos ambientais.
No Brasil, o Plano Nacional sobre Mudanças Climática (PNMC) normatiza a
utilização dos títulos de carbono nos setores de energia, siderurgia, mineração e agronegócio.
Ao tempo em que fornece uma fonte de rentabilidade para os proprietários dos recursos
naturais, permite a expansão de atividades econômicas predatórias do ponto de vista social e
ambiental. Isto é,
[...] a Política Nacional de Mudanças Climáticas cria a demanda de redução
das emissões nacionais e a delega ao mercado através da autorização de
188

emissão de bônus ou créditos de carbono por setores produtivos tidos como


mais “limpos”. A instalação de megaprojetos energéticos na Amazônia,
como a usina hidrelétrica de Belo Monte ou o Complexo Tapajós, além de
impactar os territórios indígenas e de povos tradicionais amazônicos e gerar
danos incomensuráveis à biodiversidade local, ainda poderão negociar, na
forma de “ativo ambiental”, seu bônus por deixar de emitir carbono,
levantando dinheiro no mercado financeiro. (PACKER, 2012, p.127-128).

Nesse processo de transformação de natureza em ativo financeiro, como propõe a


PNMC, à clássica expropriação de matérias-primas estratégicas, em especial recursos
minerais, água, terras, soma-se a apropriação de conhecimentos fruto de relações seculares
com a natureza e que deram a diversas comunidades a habilidade de utilização dos recursos
naturais como fonte de saúde e qualidade de vida. As chamadas biotecnologias e o
patenteamento desse conhecimento pelas grandes empresas transnacionais expressam a
expropriação desse conhecimento. (FONTES, 2010) 134.
Cabe ressaltar que a expropriação é um processo que acompanha a reprodução do
capital (FONTES, 2010). O movimento de concentração do capital é, também, o processo de
reprodução da relação social subjacente ao modo de produção capitalista: possuidores de
dinheiro e meios de produção de um lado e trabalhadores livres do outro135.
O desenvolvimento capitalista, portanto, amplia a separação entre os trabalhadores e
os meios de produção, visto que “tão logo a produção capitalista se apoie sobre seus próprios
pés, não apenas conserva aquela separação, mas a reproduz em escala crescente”. (MARX, L.
I, Vol. II, 1988, p. 262). Portanto, a acumulação capitalista por definição é a conversão de
trabalhadores em assalariados, assim que os processos de expropriações estão presentes em
toda a história desse modo de produção, não se limitando a chamada acumulação primitiva 136.
A especificidade e aumento da escala desse processo na atualidade se explica não apenas pela
valorização com base no capital fictício, mas por outras duas características da acumulação:

134
Tais expropriações, a autora denomina de secundárias e incluem não apenas o conhecimento, mas aquelas que
“[...] incidem sobre os trabalhadores já de longa data urbanizados [...] [e] não são, no sentido próprio, uma perda
de propriedade de meios de produção (ou recursos sociais de produção), pois a grande maioria dos trabalhadores
urbanos dela já não mais dispunha”. (FONTES, 2010, p. 54). Tais processos se referem às expropriações de
direitos trabalhistas, impondo novas condições nas quais a força de trabalho está disponível para o capital, e de
direitos sociais, abrindo novas frentes de valorização do capital na saúde, educação e previdência social.

“Trabalhadores livres no duplo sentido, porque não pertencem diretamente aos meios de produção, como
135

escravos, ou servos, etc, nem os meios de produção lhes pertencem, como, por exemplo, o camponês
economicamente autônomo, etc.”. (MARX, L. I, Vol. II, 1988, p. 262).
136
O processo de centralização do capital, também é um processo de expropriação, porém entre capitalistas,
através do processo de concorrência no qual os capitais mais frágeis são absorvidos pelos mais fortes.
189

i) Os novos processos produtivos na agricultura, em especial a utilização de sementes


transgênicas reduz o tempo de vida útil dos recursos naturais devido a degradação das
condições ambientais dos locais de cultivo e de seu entorno. Ou seja, a contrapartida da
diminuição do tempo de rotação do capital e a destruição da natureza. A decorrência é uma
corrida em busca do controle dos recursos ainda disponíveis, o que acelera os processos de
expropriação.
ii) O acirramento da concorrência também é outro elemento explicativo desse
movimento. No segmento de commodities agrícolas ou indústrias (como a celulose), as
oscilações nos preços de exportações são enfrentados com a redução dos custos de produção
não apenas através de “melhoramentos” genéticos, mas por meio de ganhos de escala, o que
significa a incorporação ao patrimônio das empresas de terras ou jazidas minerais antes
mesmo da necessidade de sua exploração.
Nesse cenário, a construção da infraestrutura física na América do Sul e, em especial,
na região da Amazônia contribui para viabilizar a exploração dos seus recursos naturais,
colocando-os a disposição da lógica da acumulação do capital. O grau de abertura e
internacionalização da economia brasileira garante que tal exploração seja realizada pelos
capitais locais em associação com capitais estrangeiros.

4.7 O BNDES e o financiamento da Integração da Infraestrutura

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é, conforme


demonstramos no Capítulo 3, um dos principais instrumentos utilizados pelo governo para
viabilizar as diretrizes do PDP e a reestruturação do capitalismo brasileiro tendo em vista a
maior integração física e produtiva com a América do Sul.
Criado em 1952 com o objetivo de apoiar a industrialização brasileira por substituição
de importações, ao longo de sua história o BNDES desempenhou a função de suporte ao
desenvolvimento capitalista no Brasil137. No governo Lula, tal função se materializou através
do fortalecimento dos grupos empresariais privados, apoiando-os na inserção internacional
por meio do estímulo à exportação e o Investimento Direto Externo.

137
No governo Getúlio Vargas o banco aportou recursos para estruturação dos setores de petróleo e siderúrgico.
No governo de Juscelino Kubitschek financiou a indústria de base e no governo militar o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND). Posteriormente, nos anos de 1990, serviu como suporte do modelo neoliberal dos
governos Collor e FHC e financiou diversas empresas privadas na aquisição das estatais do país, viabilizando o
processo de privatização.
190

Para que o BNDES pudesse cumprir essa nova atribuição, foram realizadas algumas
mudanças estatutárias e organizacionais, a exemplo da aprovação, em 2002, de diretriz que
condiciona o apoio aos investimentos no exterior ao incremento de exportações. Na prática,
isso significa que somente poderão ter acesso às linhas de financiamento do banco aquelas
empresas que usarem em seus projetos produtivos bens e serviços confeccionados em
território nacional. Este pré-requisito também está presente nas obras de infraestrutura na
América do Sul que contam com recursos financeiros do BNDES.
Além da mudança estatutária, a partir de 2009 adotou-se modificações nos
procedimentos de análise de crédito para os chamados clientes preferenciais, o que significou
a supressão de etapas de análise dos projetos agilizando os trâmites para a liberação dos
recursos (TAUTS et al., 2010). Ainda com o intuito de ampliar o apoio à inserção
internacional, inaugurou-se um escritório em Montevideo, uma subsidiária em Londres –
ambos no ano de 2009 - e uma representação na África, em 2013. De acordo com o BNDES,
Dentre outras atribuições, caberá ao escritório em Montevidéu identificar,
estruturar e facilitar negócios de interesse do Brasil na América do Sul, em
especial nos países do Mercosul [...] os principais objetivos da BNDES PLC
[em Londres] são aumentar a visibilidade do Banco junto à comunidade
financeira internacional, auxiliar de maneira mais efetiva as empresas
brasileiras que buscam espaço no mercado externo e fazer a ponte entre
investidores internacionais e as grandes oportunidades oferecidas pelo Brasil
[...] [a] representação em Joanesburgo, na África do Sul [...] permitirá ao
Banco concentrar esforços para a efetivação de parcerias e investimentos em
todo o continente africano. (BNDES, 2014).

O banco exerce o papel de financiador internacional de empresas sediadas no território


nacional através de três linhas: i) BNDES Finame, que inclui o financiamento de bens de
capital para empresas que participam de concorrência internacional, isto é, na “aquisição e
produção de máquinas e equipamentos nacionais novos, exceto ônibus e caminhões, que
requeiram condições de financiamento compatíveis com as ofertadas para congêneres
estrangeiros em concorrências internacionais”; ii) BNDES Finem, que possui uma linha
aplicada a investimentos em inserção internacional e iii) o BNDES-Exim, destinado a
financiamento das exportações de bens e serviços brasileiros (BNDES, 2014)138.

138
Os critérios para ter acesso às linhas de financiamento são: a) Finame: requer um índice de nacionalização de
60% das máquinas e equipamentos. Poderão solicitar apoio financeiro sociedades nacionais e estrangeiras e
fundações, com sede e administração no Brasil; b) Finem: poderão solicitar financiamento associedades com
sede e administração no País e controle nacional, incluindo subsidiárias no exterior; esociedades estrangeiras
cujo acionista com maior capital votante e que exerça influência dominante sobre as atividades nelas
desempenhadas seja:
a.pessoa jurídica controlada, direta ou indiretamente, por pessoa física ou grupo de pessoas físicas
domiciliadas e residentes no País; ou
b.pessoa jurídica controlada por pessoa jurídica de direito público interno.
191

As estatísticas dos desembolsos realizados pelo Finame e pelo Finem não separam as
operações internacionais daquelas destinadas à produção em território nacional, de modo que
não é possível, através desses dados, aferir o crescimento do apoio à internacionalização
brasileira e nem dos recursos destinados a financiar a construção da infraestrutura na América
do Sul.
Quanto às estatísticas referentes ao financiamento das exportações, “não é possível
identificar o uso final, no país importador, das exportações financiadas dentro da modalidade
de pré-embarque” (NYKO, 2011, p. 84), de modo que utilizaremos apenas os dados do Exim
pós-embarque. Nesse caso, embora tenhamos os montantes envolvidos nas operações de
financiamento, não contamos com um detalhamento das operações. O BNDES alega a
obrigatoriedade de sigilo comercial como impedimento para disponibilizar informações mais
desagregadas. Desse modo, os dados apresentados nesse trabalho são uma proxy do papel do
BNDES e dos montantes envolvidos no apoio ao financiamento da infraestrutura da América
do Sul.
A linha Exim pós-embarque financia a comercialização de bens e serviços brasileiros
no exterior, através do apoio ao exportador na modalidade que denomina Supplier’s credit ou
através de contratos de financiamento estabelecidos entre o BNDES e a empresa importadora
na modalidade Buyer’s credit. Como mencionamos anteriormente, o BNDES não financia
diretamente os projetos de infraestrutura, mas os bens e serviços brasileiros usados na
consecução de tais obras. Portanto, um critério para que países da América do Sul tenham
acesso a tal linha de crédito é a aquisição de mercadorias e serviços oriundos do Brasil.
Como descreve Mantega (S.D.), os empréstimos são feitos em moeda nacional do
Brasil e na prática nenhum recurso é entregue nas mãos dos contratantes, visto que
el BNDES paga al exportador brasileño, em reales en Brasil, el valor
equivalente a las exportaciones realizadas a medida en que se verifica el
cumplimiento del cronograma de realización de las obras. El importador, por
su parte, repaga el financiamiento al BNDES en moneda fuerte, lo que
asegura el ingreso de divisas a Brasil. (MANTEGA, s.d., p. 40).

Ressalta-se que esse mecanismo é facilitado pela utilização do convênio de


Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) como garantia dos financiamentos do BNDES. Tal
convênio consiste num acordo ente os Bancos Centrais dos países da América do Sul de

c) BNDES Exim: requer um Índice de nacionalização de 60% das máquinas e equipamentos. No Exim
Pré-Embarque poderão solicitar financiamento as empresas exportadoras, de qualquer porte, constituídas sob as
leis brasileiras e que tenha sede e administração no País. No Exim Pós-Embarque as empresas exportadoras de
bens e/ou serviços, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País, incluindo
trading companye empresa comercial exportadora (BNDES, 2014).
192

promover a compensação entre exportações e importações, de modo que somente os saldos


finais dessas operações são transferidos, em dólares, aos países superavitários.
[...] a grande contribuição do CCR se dá pela redução dos riscos comerciais,
cambiais e políticos nelas envolvidos [...] [por causa de] três compromissos
assumidos pelos Bancos Centrais envolvidos: o primeiro é o da
conversibilidade, ou seja, pagamentos efetuados em moeda local pelas
instituições financeiras devem ter conversão imediata em dólares; o segundo
é o da transferibilidade, segundo o qual os pagamentos convertidos em
dólares pelo Banco Central do importador devem ser transferidos ao Banco
Central exportador; e por fim, o do pagamento da dívida líquida entre os
bancos centrais até a data final da compensação. (NYKO, 2011, p. 96).

Aqui ressaltamos que todas as empresas constituídas conforme as leis do país e que
tenham sede e administração no Brasil podem ter acesso a tais financiamentos. Desse modo, o
BNDES disponibiliza recursos também para as grandes empresas transnacionais, que a rigor
não têm problemas para financiar a expansão, haja vista que têm acesso ao mercado
internacional e usufruem de benefícios também nos países de origem.
A lógica da política governamental brasileira - que se expressa através da aprovação
dos empréstimos pelo banco - é a de que se pode influenciar a estratégia das empresas
transnacionais no que diz respeito à localização de sua produção, estimulando uma
reorganização da divisão do trabalho entre as diversas filiais, de modo que aquelas localizadas
no Brasil conquistem uma importância maior dentro da rede.
[...] dado o avanço das empresas estrangeiras nos setores de maior
intensidade tecnológica associados aos produtos mais dinâmicos no
comércio mundial, o desafio de melhorar a inserção internacional nesses
produtos transita necessariamente pelas estratégias dessas empresas. Mais
especificamente, pela valorização da participação das filiais brasileiras nas
das redes mundiais de fornecimento, o que implica na melhora das vantagens
de localização da economia brasileira, através de uma política de atração de
investimentos direto estrangeiro articulada com políticas setoriais industriais,
de ciência e tecnologia [...]. (COUTINHO et al., 2003, p. 20-21).

A perspectiva acima descrita é que se poderia reproduzir em alguma medida o êxito de


países como México, Irlanda, Cingapura, Malásia e China, onde as filiais das empresas
transnacionais desempenham um papel importante no fornecimento de peças e componentes
para outras empresas da rede (COUTINHO, et al., 2003). Disso resulta uma melhor inserção
no comércio internacional, maior competitividade da estrutura produtiva desses países e
menor desequilíbrio no Balanço de Pagamento.
A estratégia, portanto, é reverter o processo de inserção subordinada do Brasil na
globalização dos anos de 1990, via oferta de financiamento a prazos maiores e juros menores,
193

na tentativa de interferir na organização da produção das transnacionais. Assim, a política


governamental
[...] procura influenciar as filiais de transnacionais situadas no país ao
adicionar elementos temporais-espaciais às estratégias delas, para que aqui
estendam suas plantas operacionais. Nesse sentido, conta com um conjunto
de estímulos governamentais coordenados que envolvem medidas de
liberalização comercial e flexibilização legal, alianças empresariais público-
privadas [...]. (NOVOA, 2009, p. 190).

No que se refere ao BNDES, empresas como a Alstom, Ericsson, Ford, Wolkswagen,


Siemens, Scania, Iveco, Motorola, Mercedes-Benz receberam financiamento na modalidade
pós-embarque para exportação de produtos para a América do Sul. Constam, também, vendas
para Costa Rica, Jamaica, República Dominicana, México, Canadá, EUA e Espanha, nesses
dois últimos países predominam as operações da Embraer 139.
A composição geográfica do destino das exportações das filiais das transnacionais
demonstra que até o momento as fábricas localizadas no Brasil não se converteram em
supridores de grande alcance na cadeia global de tais empresas. Na melhor das hipóteses,
teriam se convertido num importante fornecedor na América Latina, disputando posições com
o México.
Sendo assim, a atuação do BNDES beneficia o Brasil em relação aos países da
América do Sul, isto é, acrescenta mais uma vantagem àquelas que o país já apresenta, a
saber: é a maior economia da região e, portanto, o maior mercado consumidor - elemento
importante na definição empresarial de localização de subsidiárias para o abastecimento do
mercado regional. Além disso, o país possui um grau de complexificação maior de sua
economia que se expressa na oferta de serviços industriais e de infraestrutura, disponibilidade
de matérias-primas e um nível de desenvolvimento tecnológico para utilização de tais
recursos, como o petróleo e energia elétrica. Ressalte-se, ainda, que apresenta uma mão de
obra barata como a de outros países da região e uma relativa estabilidade política com a
desarticulação de sindicatos e movimentos sociais pelo governo Lula.
O capital através da segmentação das atividades mantem a hierarquia entre os países
que compõem o sistema mundial, porque se beneficia de tais diferenças. Desse modo, o
suporte do BNDES às transnacionais pode contribuir para transformar o Brasil em base de
atuação para a América do Sul. Entretanto, dificilmente pode levar a reversão da estratégia em

139
Jamaica: Mangels Ind. e Com Ltda.; Volvo do Brasil; México: Carnevalli Cia Ltda.; Alstom; BSH;
Continental Eletrodomésticos Ltda.; Busscar Ônibus S/A; Cotia Trading S/A; ForjasulEletrik S.A; Ind. Romi
S.A; MaqplasInd e Com de Máquinas Ltda.; Marcopolo S/A; Mercedes-Benz do Brasil Ltda.; Ouro Fino Saúde
Animal Ltda.; PolimaquinasInd e Com LTDA; RMS Software S/A; Tramontina S/A. (BNDES, 2014).
194

relação a países que dentro da divisão internacional do trabalho cumprem funções mais
elaboradas no processo de acumulação do capital como, por exemplo, o país de origem dos
grupos e a chamada tríade: Japão, União Europeia e EUA.

São nesses espaços geográficos que as transnacionais mantêm uma eficiente estrutura
do setor de bens de capital e aproveitam os sistemas nacionais de pesquisa e inovação, através
do suporte dado pelos órgãos públicos às atividades de pesquisa. Além disso, o acesso ao
sistema financeiro das moedas de curso internacional pode alavancar mais facilmente as
estratégias no espaço mundial dos grupos. Esse é o espaço privilegiado para as transnacionais.
É lá que estão concentradas as atividades de P&D, para onde converge toda atividade
financeira do grupo e de onde sai a estratégia para todos as filiais e seus parceiros140.
No que se refere às empresas de capital brasileiro, a ação do BNDES - Conforme o
Plano de Desenvolvimento Produtivo (PDP) anteriormente descrito - é promover a formação
de grandes grupos nacionais em condições de competir no mercado internacional. Conforme a
lógica do banco e dos gestores governamentais, a internacionalização é fundamental para a
melhoria da competitividade do país e do desenvolvimento econômico, isto é
[...] a competitividade das firmas nacionais em mercados estrangeiros torna-
se crescentemente importante para a performance do país como um todo. A
internacionalização deve ser vista como meio essencial para o aumento da
competitividade internacional das empresas, promovendo o desenvolvimento
do país e facilitando a reestruturação econômica e o acesso a recursos e
mercados. (ALÉM; MADERA, 2010, p. 42).

Partindo da associação entre interesses privados e desenvolvimento nacional,


conforme descrito acima, o BNDES, através do Exim pós-embarque, tem impulsionado a
inserção internacional de empresas sediadas em território nacional. Como é possível observar
na Tabela 18, entre os anos de 2003 e 2010, a média de desembolsos do banco para o apoio às
exportações foi de US$ 1,9 bilhão. Os números relativos às exportações dos projetos de
infraestrutura para os países da América do Sul apresentam uma variação bastante
significativa. Essa amplitude está associada à dinâmica dos países importadores. Apesar de
contar com o apoio do BNDES, as empresas não podem determinar o volume que vão vender
e dependem da dinâmica de expansão de tais economias.
Essa variação percentual também está associada ao valor dos bens comercializados
como bens de capital que incluem, por exemplo, embarcações, caminhões, turbinas para
aeronaves. Desse modo, em anos, onde as operações da Embraer para fora da América do Sul

140
Tratamos o espaço dos países capitalistas desenvolvidos de forma homogênea, entretanto, mesmo dentro da
tríade existem hierarquias.
195

são financiadas pelo BNDES, têm o efeito de diminuir a participação das obras de
infraestrutura no montante total.

Tabela 17 - Desembolsos BNDES Pós-embarque das exportações financiadas por categoria de


uso
Total Obras de Obras de Obras de Bens de Outros
infraestrutura - infraestrutura infraestrutur capital - setores -
Ano (US$ - Demais da
América do América a - África Todas as Todas as
milhões) Sul (%) Latina (%) (%) regiões (%) regiões (%)
1998 1.077,7 6,2 - - 93,8 -
1999 1.157,4 8,5 - - 90,8 0,7
2000 1.776,6 5,2 - - 94,3 0,4
2001 1.633,2 4,5 - - 95,0 0,5
2002 2.669,6 1,4 - - 97,2 1,3
2003 2.025,3 2,5 3,5 - 92,8 1,3
2004 1.940,4 8,9 2,8 - 87,6 0,7
2005 2.696,7 10,4 2,7 - 86,0 0,9
2006 1.862,5 3,7 5,3 - 90,9 0,0
2007 697,6 52,9 7,9 20,8 18,4 -
2008 1.694,3 15,8 9,5 30,8 43,9 -
2009 2.150,2 17,7 8,5 35,2 38,6 -
2010 2.392,5 25,8 2,9 6,2 64,9 0,2
Média 2003
/2010 1.932,4 17,2

Fonte: BNDES.

Considerando o destino geográfico dos financiamentos, a Tabela 18, exposta abaixo,


mostra que Argentina e Venezuela são os parceiros comerciais prioritários. Ressalta-se que os
dados não se referem apenas à infraestrutura, mas a todos os bens que fazem parte da carteira
de financiamento do BNDES Exim Pós-embarque.
O peso dos montantes exportados para a Argentina se relaciona com a importância
desse país como destino do IED brasileiro. Conforme mostrado no Capítulo 3, as inversões
nesse país se caracterizam pela diversidade setorial e incluem os setores de petróleo,
siderurgia, indústria de alimentos, mineração, químico, etc. As empresas que realizaram tais
inversões promovem o encadeamento produtivo entre as linhas de produção dos dois países, o
que se reflete no aumento das importações de suas unidades do Brasil de partes e
componentes necessários para a produção na Argentina.
A participação da Venezuela nos financiamentos reflete, por um lado, o interesse do
Brasil em ampliar as relações produtivas e comerciais com este país, conforme demonstra o
envio de missão do IPEA para planejar parcerias econômicas entre as duas nações. Pelo lado
da Venezuela, a política de Chávez de buscar relativa independência de instituições
financeiras internacionais - historicamente ligada aos processos de endividamento e ajuste das
196

economias latino-americanas – provavelmente contribuiu para aumentar a demanda da


Venezuela por financiamentos do BNDES.

Tabela 18 - Desembolsos BNDES Pós-embarque por destino das exportações financiadas


América do Sul e países
selecionados 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
América do Sul
Total (US$ milhões) 650,6 808,5 1.494,0 1.468,4 2.491,0 1.910,0 1.732,9 2.353,2 1.643,0 264,4 1.251,5 1.700,9 1.298,2
Participação (%) 65,6 43,2 18,9 11,2 7,2 6,0 12,0 14,6 13,4 163,8 35,4 26,4 84,3
Paíse Selecionados (%)
Argentina 21,3 15,6 7,5 3,8 0,6 0,0 0,1 9,2 0,3 117,3 22,1 22,7 41,7
Bolívia 12,8 4,7 0,8 0,2 0,5 0,1 0,0 - 0,1 - - - -
Chile 0,2 0,9 0,6 0,2 0,2 1,4 1,3 1,3 4,1 12,0 9,6 0,7 7,9
Equador 13,7 13,5 6,7 2,6 1,6 0,0 6,5 2,4 7,2 6,6 0,1 0,0 -
Paraguai 0,8 0,3 0,0 1,0 0,7 1,4 1,0 0,3 - - - 0,1 -
Peru 6,0 4,2 0,7 0,7 0,1 0,3 0,5 0,2 0,1 0,1 0,0 0,0 10,4
Uruguai 0,8 1,0 2,4 1,6 0,1 - 0,0 - 0,2 1,2 0,2 0,1 -
Venezuela 10,1 2,9 0,1 1,2 3,3 2,9 2,5 1,1 1,5 26,6 3,5 2,8 24,3
Fonte: BNDES

A fim de termos uma melhor caracterização dos projetos de infraestrutura realizados


na América do Sul com o aporte do BNDES, analisamos o Quadro 2, que especifica as obras
executadas. Podemos dividi-las em três blocos: i) as que compõem ou complementam a
IIRSA; ii) outras realizadas com o intuito de alavancar o setor da construção civil e; iii)
aquelas relacionadas à integração energética no setor de gás natural e eletricidade.
197

Quadro 3 - Contratações referentes a desembolsos no apoio à exportação pelo BNDES Pós-


embarque: 1998-setembro 2013*
Ano da
País da
No Exportador Razão Social Mutuário Nome do Projeto contrata
Contratação
ção
1 Argentina Bureau consultoria LTDA. Gobierno de San Juan Projeto Túnel Água Negra 2012
2 Argentina Confab Industrial S/A Gasoduto Sur 2006/08 CruceMagallanes 2009
3 Argentina Confab Industrial S/A Transportadora de Gasdel Norte S/A Expansão do Gasoduto TGN 2005
4 Argentina Confab Industrial S/A Transportadora de GasdelSur S/A Expansão do Gasoduto TGS 2005
5 Argentina Camargo Corrêa S/A Água y Saneamientos Argentinos S/A Saneamento BUE Berazategui e DockSud 2010
6 Argentina Norberto Odebrecht SA Água y Saneamientos Argentinos S/A Planta Trat Água - Las Palmas - AYSA 2009
7 Argentina Norberto Odebrecht SA Gasoduto Sur/Norte Expansão Gasodutos TGS e TGN 2007
8 Argentina Norberto Odebrecht SA Gasoduto Sur 2006/08 Adequações Gasoduto Cammesa Módulo III 2012
9 Argentina Norberto Odebrecht SA Gasoduto Sur 2006/08 Expansão Gasodutos TGS e TGN 2007
10 Argentina Norberto Odebrecht SA Gasoduto Sur 2006/08 Gasoduto Cammesa Módulo III 2010
11 Argentina Norberto Odebrecht SA Transportadora de GasdelSur S/A Expansão do Gasoduto TGS 2005
12 Argentina Construtora OAS LTDA Gobierno de la Provincia de Chaco Aqueduto delChaco 2012
13 Chile Agrale Sociedade Anônima TransAraucarias S/A Agrale -Transantiago 2007
14 Chile Alstom Energia Brasil LTDA Empresa de transporte Metro SA Chile Metrô de Santiago 2003
15 Chile Alstom Energia Brasil LTDA Empresa de transporte Metro SA Chile Metrô de Santiago 2006
16 Equador Andrade Gutierrez S/A Ministério de Finanzas y Crédito Público Irrigação - Riego Tabacundo 1998
17 Equador Norberto Odebrecht SA Hidropastaza SA UHE San Francisco 2004
18 Equador Norberto Odebrecht SA Ministério de Finanzas y Crédito Público Manabi - Transp Rios Chone e Portoviejo 1999
19 Equador Norberto Odebrecht SA Ministério de Obras Públicas do Equador Rodovia Interoceânica 1999
20 Equador Engevix Engenharia S/A Ministério de Finanzas y Crédito Público Manabi - Transp Rios Chone e Portoviejo 1999
21 Equador Furnas Centrais Elétricas S/A Hidropastaza SA UHE San Francisco 2004
22 Equador Furnas Centrais Elétricas S/A Hidropastaza SA UHE San Francisco 2005
23 Equador Multitrade S/A Cedege-EstudiosDesarrollo Rio Guayas Águas de Santa Elena 1997
24 Equador Multitrade S/A Cedege-EstudiosDesarrollo Rio Guayas Águas de Santa Elena 1998
25 Equador Multitrade S/A Ministério de Obras Públicas do Equador Rodovia Interoceânica 1998
26 Equador Silex Trading S/A ND Manabi - manutenção de vias 1999
27 Equador Silex Trading S/A ND Veículos para Polícia Nacional do Equador 2001
28 Paraguai Arg LTDA Consórcio A.R.G.Tecnoedil Ruta8 2002
29 Paraguai Arg LTDA República do Paraguai Ruta 10 2001
30 Peru Confab Industrial S/A TGP - Transportadora de Gasdel Peru S.A - TGP Gasoduto Camisea 2009
31 Peru Andrade Gutierrez S/A Construtora Andrade Gutierrez S/A Peru Projeto Bayovar - Abastecimento de Água 2010
32 Peru Andrade Gutierrez S/A Construtora Andrade Gutierrez S/A Peru Projeto Bayovar - Abastecimento de Água 2010
33 Peru Norberto Odebrecht SA Empresa de GeneracionHuallaga S/A Usina Hidroelétrica de Chaglla 2013
34 Peru Marcopolo Trading SA ExpresoCial S/A Exportação para a ExpresoCial SAC 2004
35 Uruguai Norberto Odebrecht SA Consórcio Odebrecht/Benedito Roggio/Stiller Águas Maldonado 1998
36 Uruguai Construtora OAS LTDA Dist de Gás de Montevideo S/A Grupo Petrobras Renovação Rede Gás Montevidéu 2007
37 Uruguai Schahin Engenharia S/A Schahin Engenharia S/A Linha Transmissão UTE Puntadel Tigre 2006
38 Venezuela Alstom Energia Brasil LTDA Governo da Venezuela UHE La Vueltosa 2006
39 Venezuela Andrade Gutierrez S/A Governo da Venezuela Siderúrgica Nacional 2011
40 Venezuela Andrade Gutierrez S/A Petroleos de Venezuela S/A PDVSA Estaleiro 2012
41 Venezuela Norberto Odebrecht SA Norberto Odebrecht SA CNO - Supplier 2008
42 Venezuela Norberto Odebrecht SA Governo da Venezuela Metrô de Caracas - Linha 3 2006
43 Venezuela Norberto Odebrecht SA Governo da Venezuela Metrô de Caracas - Linha 4 2001
44 Venezuela Norberto Odebrecht SA Governo da Venezuela Metrô de Caracas - Linha 5 2009
45 Venezuela Norberto Odebrecht SA Governo da Venezuela Metrô Los Teques - Linha 2 2009
46 Venezuela Metso Brasil Ind. e Com LTDA Camargo Corrêa S/A (Venezuela) TUY IV (acueducto) 2012
47 Venezuela PDL Sistemas LTDA Camargo Corrêa S/A (Venezuela) TUY IV 2012
48 Venezuela Silex Trading S/A ND FONTUR 1998
Fonte: BNDES.
*Foram excluídas da listagem as contratações que permitiam identificar o valor individual de operações, protegido por sigilo nos termos do
art. 6º, I, do Decreto 7.724/2012, a partir do quadro de desembolsos por países. Dessa forma, foi preservado o sigilo das informações
detalhadas de operações por países com reduzido número de contratações realizadas por ano. Do total de 3.287 contratações, foram
excluídas 175 contratações originadas em 75 operações, das quais 5 são referentes a exportações brasileiras de bens e serviços para
construção de obras de infraestrutura.
198

4.8 Financiamentos de projetos que compõem ou complementam a carteira


da IIRSA

1. O Projeto Túnel Água Negra engloba a pavimentação de rodovias e a construção de


um túnel entre a cidade de San Juan (AR) e IV Región de Coquimbo (CH), para estabelecer
uma melhor ligação fronteiriça entre Argentina e Chile na Cordilheira dos Andes. A obra que
está incluída no eixo Mercosul-Chile da carteira de projetos da IIRSA, foi resultado de
estudos realizados pelos governos de Argentina e Chile “para a construção de uma nova
ligação e construção de grande extensão de túneis para reduzir os efeitos sobre as vias de
avalanches e deslizamentos de pedras” (BNDES, 2010, p. 61) oriundos da Cordilheira.
O projeto compõe o corredor Bioceânico Aconcágua de conexão entre os oceanos
Atlântico e Pacífico através, respectivamente, das cidades de Porto Alegre (BR) e Coquimbo
(CH), como pode ser observado no Mapa 5. Além de prover a estrutura necessária ao aumento
do intercâmbio entre Argentina, Brasil e Chile, o túnel visa facilitar o acesso aos mercados
asiáticos, visto que a principal rota desse comércio que passa pelas cidades de Mendoza (AR)
e Cristo Redentor (CH) está saturada. Acrescente-se ainda, que tal ligação mantém
“indisponibilidad en las temporadas invernales (40 días promedio al año)”. (GOBIERNO
SAN JUAN, 2014), de modo que a construção do túnel visa manter o acesso entre os dois
países durante todo o ano.
Na Argentina, a construção do túnel facilitou o transporte da produção do centro e
norte do país, especialmente nas províncias de Córdoba, Santa Fé e Entre Rios, que juntas
respondem por 63% da produção de soja argentina. No Brasil, a melhoria da infraestrutura
favorece o escoamento da produção de carnes e grãos da região sul (IIRSA, 2012).
199

Mapa 5 – Projeto de conexão entre os oceanos Atlântico em Porto Alegre no Brasil e o oceano
Pacífico em Coquimbo no Chile

Fonte: Gobierno Regional de Coquimbo (2012).

2. A Rodovia Interoceânica também integra os projetos da IIRSA do eixo Amazonas, e


visa conectar o Equador ao eixo vial Paita- Tarapoto –Yurimaguas no Peru (Mapa 3 – Grupo
3). O projeto parte da cidade de Los Omos, no Equador, para a cidade de Rioja, no Peru, onde
então se liga ao chamado eixo amazonas ramal norte. Através dos rios da bacia amazônica,
poder-se-á chegar ao Brasil (cidade de Manaus) e acessar a chamada rodovia interoceânica do
sul, que vai do Acre até São Paulo (Mapa 3 – Grupo 6). Desse modo, a obra complementa
mais uma ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
O objetivo da obra, por um lado, é facilitar o “transporte por carretera para carga y
pasajeros entre Ecuador y Brasil utilizando la recientemente construida Vía Interoceánica
entre Brasil y Perú” 141
. Além dessa via, está em estudo a ligação entre Manta – Manaus
através de eixo multimodal que possui ligação rodoviária e fluvial (MINISTÉRIO DE
RELACIONES EXTERIORES Y MOVILIDAD HUMANA, 2013).
Por outro lado, pretende-se estabelecer uma melhor ligação entre Equador e Peru
visando desenvolver a exploração extrativa mineral na fronteira entre os países, conforme
previsto no Programa Binacional de Desarrollo de la Región Fronteriza de Ecuador. O
referido plano contempla a construção de vias de escoamento, infraestrutura energética e de
comunicações, bem como a identificação de oportunidades de investimentos para a iniciativa
privada. Embora não existam ainda empresas brasileiras envolvidas, esta iniciativa pode se
constituir numa oportunidade de médio prazo, visto que o PDP prevê o estímulo à expansão
internacional de empresas brasileiras no setor de mineração.

141
Disponível em: <http://www.cedib.org/tag/ecuador/>.
200

3. A Linha de transmissão da Usina Termelétrica (UTE) Punta del Tigre, construída no


Uruguai, está incluída na carteira do IIRSA no eixo Mercosul-Chile. O projeto visa ampliar a
oferta de energia para uso nacional, em especial, para o “proyecto de construcción de un
terminal de regasificación de GNL en costas Uruguayas”. (IIRSA, 2012, p. 564). A
perspectiva é que o excedente seja exportado para o Brasil, haja vista que este é um projeto da
Petrobras.
4. A pavimentação da Rota 8, no Paraguai, não está na carteira da IIRSA, entretanto, é
um projeto complementar ao corredor bioceânico Paranaguá – Antogofogasta. Constitui-se
numa rodovia que cruza a ferrovia bioceânica nas proximidades de San Pedro del Paraná,
fronteira entre o Paraguai e a Argentina (BNDES, 2010). O objetivo é abrir vias de acesso
secundárias para que a produção de municípios mais afastados possa também ser escoada
através da ferrovia.
5. A reabilitação e pavimentação da Rota 10, também no Paraguai, visa conectar o
departamento de San Pedro com o Brasil: “su principal funciónes de transportar materias
como algodón, yerba y soja, desde el sur del departamento de San Pedro hasta la ciudad de
Salto del Guairá”. (MANTEGA, s.d., p. 48), que fica na fronteira com o Brasil, no estado do
Mato Grosso do Sul. Cabe ressaltar que tal via permite a ampliação da atividade agrícola da
região e a integração produtiva com o Brasil na cadeia de soja.
6. O Projeto Bayóvar de abastecimento de água integra o projeto de exploração
mineral das minas de Bayóvar-Sechura no Peru de propriedade da Vale. Conforme estudos de
avaliação ambiental, as obras visam construir um aterro sanitário para resíduos domésticos e
canais de abastecimento de água para as perfurações das minas, visto que “em el área del
proyecto no se han encontrado aguas superficiales ni aguas subterráneas, cabe indicar que em
el área del proyecto se han identificado únicamente quebradas secas”. (MAYO S. A. C., s.d.,
p. 03).
Na carteira da IIRSA consta como obra do eixo Amazonas a construção do Porto
Bayóvar para facilitar o escoamento dos “fosfatos extraidos y procesados de los yacimientos”
(IIRSA, 2012, p. 284), facilitando a exportação da produção mineral para o sudeste da Ásia,
especialmente, Indonésia e Japão.
201

4.8.1 Aporte financeiro às construtoras e estímulo às exportações

Nessa categoria estão as diversas obras de infraestrutura urbana, como o metrô


Santiago, o metrô de Caracas, as obras de saneamento básico, tratamento de água e aquedutos.
Tais construções não resultam numa maior integração física ou energética dos países da
América do Sul, de modo que o financiamento do BNDES se constitui num apoio à
internacionalização e abertura de mercados para as construtoras brasileiras, assim como, uma
maneira de estimular as exportações de produtos confeccionados no território nacional, tais
como vagões e locomotivas, ônibus, equipamentos de energia e bens da cadeia produtiva da
construção civil.
A importância das construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez como
exportadores dos projetos financiados pelo BNDES reflete o peso que a Construção Civil
possui na estratégia governamental de investimentos prioritários. Isso ocorre porque a
chamada cadeia da construção civil engloba o setor de cimento, metalúrgico, siderúrgico e
extração mineral, todos os ramos nos quais a intervenção do poder público está orientada para
a promoção de uma maior internacionalização.

4.8.2 Financiamentos para a infraestrutura energética

Nessas contratações observamos intervenções na área de gás e energia hidrelétrica. No


caso do gás, o financiamento da Transportadora Gás do Sul (TGS) é, também, o apoio às
atividades de uma empresa brasileira no exterior, haja vista que a Petrobras detém 50% do
capital social da TGS, empresa responsável pela distribuição de 62% do gás consumido na
Argentina142 e que possui a concessão dos gasodutos Nueba I, Nueba II y San Martín (TGS,
2014)143.
Verifica-se ainda que, os financiamentos do BNDES no setor de Gás e petróleo se
constituem também como aporte à internacionalização da Petrobras, cujo principal fator

142
Além disso, essa empresa produz CO2, etano, propano, butano y gasolina natural que vende no mercado
interno e exporta.
143
Os desembolsos do BNDES foram realizados depois da pressão do governo Argentino sobre a Petrobras, para
esta empresa ampliar a capacidade de transporte dos gasodutos com vista a prevenir falta de abastecimento do
mercado nacional durante o inverno. Notícia publicada no jornal Clarín, no dia 8 de setembro de 2004.
Disponível em: <http://prensa.cancilleria.gov.ar/noticia.php?id=10760385> Acesso em 14 de abril de 2014.
202

impulsionador é a busca da fonte de matérias-primas essenciais na continuidade da atividade


econômica dessa empresa.
Além disso, assim como no caso da TGN, que possui os gasodutos do norte e do
centro-oeste argentino, o financiamento visou dar apoio às exportações de serviços de
engenharia, construção e de “tubos para el proyecto de expansión de la capacidade de
transporte”. (MANTEGA, s.d., p. 42).
O aporte financeiro do BNDES ao setor de gás e petróleo possui uma dimensão
estratégica. Conforme explicita o Programa de Desenvolvimento Produtivo, o objetivo da
intervenção pública é converter toda a cadeia produtiva do setor de Petróleo e gás instalado no
Brasil em “um novo polo de fornecimento no Atlântico Sul para suprir principalmente
produtores do continente africano e da América Latina”. (MIDC, 2008, p. 31). Para tal, o
governo conta com a melhor infraestrutura e o desenvolvimento do setor no país vis-à-vis de
outros países da região e com o domínio tecnológico da Petrobras na exploração de petróleo e
derivados em águas profundas144.
Além da Argentina, o BNDES financiou a renovação da rede de gás Montevideo e a
expansão do gasoduto Camisea, no Peru. No primeiro caso, as obras certamente beneficiam as
empresas brasileiras instaladas no país, haja vista que 95% desse gás é destinado ao consumo
industrial. Além disso, o desenho do Gasoduto Cruz del Sur foi feito considerando a
possibilidade de acrescentar uma extensão de 400 km, de modo a chegar a cidade de Porto
Alegre (KOLZULJ, 2004, p. 39). Acrescente-se ainda, que o referido financiamento tinha por
objetivo – assim como do gasoduto Camisea - o apoio à exportação de serviços de engenharia
e bens produzidos no Brasil.
Ainda relacionado à questão energética consta o financiamento de três hidrelétricas,
uma na Venezuela, outra no Peru e uma no Equador. A hidrelétrica de Chaglla, no Peru,
compõe o acordo de integração energética firmado com o Brasil para o aproveitamento do
potencial energético daquele país. Tal acordo prevê a construção de 15 centrais hidrelétricas
no Peru para abastecimento prioritário do seu mercado interno e venda do excedente para o
Brasil. Os projetos no Peru são realizados a partir da associação entre Eletrobrás, Furnas,
OAS, Odebrecht, Engevix e Andrade Gutierrez (MNE, 2009).

La capacidad técnica que adquirió Petrobras además de dar a Brasil la autosuficiencia petrolera […] permitió
144

su ingreso a sectores estratégicos para el abasto estadounidense, como el Golfo de México y los campos del delta
del Níger. Lo cual, al tiempo de dar mayor independencia técnica a Brasil para la producción de crudo, permitió
extender su actividad fuera de sus fronteras y le otorgó mayor capacidad de negociación frente a Estados Unidos
por la importancia que para el abasto estratégico del imperio estadounidense tienen las innovaciones brasileñas.
(HERNÁNDEZ, 2007, p. 126-127).
203

A Petrobras e a Eletrobrás são empresas empenhadas na consecução da chamada


construção da infraestrutura energética da América do Sul. Tal processo se constitui na
integração dos mercados de energia, através do fortalecimento das interconexões (ampliando
as linhas de transmissões e gasodutos, além da homogeneização do marco regulatório do
setor) pondo à disposição das indústrias diferentes fontes energéticas a menores custos.
Junto com o BNDES, tais empresas procuram dar consequência ao Plano de Ação para
a Integração Energética assinado, em 2008, pelos países que compõem a União Sul-
Americana das Nações (UNASUL). Conforme as diretrizes do referido plano, faz-se
necessário estimular
[…] la complementariedad de todas las fuentes de energías disponibles en la
región, el intercambio tecnológico para la búsqueda de nuevas fuentes y
recursos energéticos; así como el desarrollo de toda la cadena de valor de la
energía, procurando su industrialización. (UNASUR, 2008, p. 02).

Assinala, também, a necessidade da participação da iniciativa privada na exploração


dos recursos naturais, de modo a obter maior eficiência no aproveitamento das riquezas da
região. E, ressalta a importância de homogeneização das regras de funcionamento do setor, de
uma política de preços para proteger os investimentos privados aí realizados e da
institucionalização de mecanismos de financiamento para o intercâmbio de energia.
Cabe enfatizar que do ponto de vista dos interesses brasileiros, a integração energética
visa suprir a indústria com energia a custos menores. Além dos imperativos da
competitividade internacional, tal objetivo se deve à especialização produtiva da economia
brasileira em commodities industrializadas que são, também, setores intensivos em energia.
Desse modo, a expansão de tais ramos de atividade requer o aumento da potência instalada na
economia, conformando excedentes que permitam um rápido aumento da produção em
resposta ao aumento da demanda de mercado. Ou seja, a “competição no mercado mundial,
sobretudo industrial, [exige] uma expressiva melhoria na qualidade dos serviços e, mais que
tudo, redução dos riscos de desabastecimento ou interrupção e custos competitivos”.
(VAINER, 2007, p. 27).
Na Tabela 19, os dados sobre as fontes de energia utilizadas na economia brasileira
mostram que houve um aumento na utilização de gás natural em 2010 (10,3%), sendo que
dessa oferta total, cerca de 1/3 proveem de importações. Conforme o MNE (2010), o setor
siderúrgico, de pelotização e de geração térmica foram os maiores responsáveis pelo aumento
do consumo dessa fonte energética em 2010.
Ainda de acordo com o MNE (2010), o setor industrial é o maior consumidor de
energia e responde por cerca de 35,6% da demanda total desse serviço em território nacional.
204

Considerando os montantes consumidos nos principais subsetores industriais, temos por


ordem decrescente: Alimentos e bebidas (9,8%); Ferro gusa e aço (6,9%); Papel e Celulose
(4,2%), Química (3,1%), não ferrosos (2,5%) e cimento (1,7%). As duas principais fontes de
energia da indústria são eletricidade e gás natural, consumindo, respectivamente, 44,2% e
36,5% do total ofertado no país. Portanto, o apoio ao suprimento dessas fontes de energia é
importante na estratégia de consolidar a liderança brasileira na América do Sul.

Tabela 19 - Oferta Interna de Energia:Brasil, 2001 – 2010 (%)


Fonte 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Energia não renovável 60,7 59,8 56,3 56,2 55,5 55,0 54,3 54,1 52,8 54,5
Petróleo e derivados 45,4 43,0 40,1 39,1 38,7 37,6 37,5 36,6 37,9 37,6
Gás natural 6,5 7,4 7,7 8,9 9,4 9,6 9,3 10,3 8,7 10,3
Carvão mineral e coque 6,9 6,5 6,7 6,7 6,3 6,0 6,0 5,8 4,7 5,2
Urânio 2,0 1,9 1,8 1,5 1,2 1,6 1,4 1,5 1,4 1,4
Energia renovável 39,3 41,2 43,7 43,8 44,5 45,0 45,7 45,9 47,2 45,5
Hidráulica e eletricidade 13,6 14,0 14,6 14,4 14,8 14,6 14,9 14,0 15,2 14,0
Lenha e carvão vegetal 11,6 11,9 12,9 13,2 13,6 12,5 12,0 11,6 10,1 9,7
Derivados de cana 11,8 12,8 13,4 13,5 13,8 14,6 15,9 17,0 18,2 17,8
Outras Renováveis 2,4 2,5 2,8 2,7 2,9 3,0 2,9 3,4 3,8 4,0
Fonte: Ministério das Minas e Energia (2010).

O financiamento das hidrelétricas na região também faz parte do projeto brasileiro de


máximo aproveitamento dos recursos hídricos do continente para a produção de energia. A
eletricidade representa 14% da oferta energética do país, incluídas aí as importações, sendo
que as fontes hidráulicas respondem por 74,4% desse total ofertado. A perspectiva, portanto, é
viabilizar a importação da energia excedente dos outros países da América do Sul. Além
disso, a construção de tais usinas, na medida em que implica o alagamento de amplas
extensões de territórios, permite a utilização dos rios como grandes hidrovias para o
transporte rápido e a menores custos para uso na produção agropecuária.
O aporte aos empreendimentos energéticos também se enquadra na perspectiva de
promoção da internacionalização das empresas do setor. A privatização do setor de petróleo,
gás e energia elétrica no Brasil e nos países da América Latina transformou essas atividades
em negócio para o capital, isto é, em atividade destinada a gerar lucros para seus
controladores. No cenário de mudança da matriz energética e escassez das fontes de petróleo e
derivados, algumas empresas têm acelerado investimentos na área com vistas a garantir o
controle das fontes ainda disponíveis.
Desse modo, o financiamento a TGS e a Usina Hidrelétrica de San Francisco foi,
também, o apoio à internacionalização da Petrobras, cujo principal impulso é o acesso às
fontes de matérias-primas.
205

Em síntese, os projetos da IIRSA considerados prioritários para o governo brasileiro


apresentam profunda relação com os investimentos das empresas brasileiras e com o comércio
entre o país e a América do Sul. Do mesmo modo, os financiamentos do BNDES para a
infraestrutura física e energética do continente mostram que a prioridade da política estatal é a
expansão das empresas sediados no Brasil e não a efetivação de uma integração que supere a
dependência ou a natureza extremamente desigual das sociedades latino americanas. Além
disso, a realização de obras visando melhorar a infraestrutura na região se insere na disputa
mundial pelo controle das fontes de matérias-primas e almeja facilitar o acesso às fontes de
recursos naturais, transformando-as em ativos financeiros transacionáveis nas bolsas de
valores do mundo inteiro e organizando a contribuição do continente a recomposição das
condições de reprodução capital.
206

5. Conclusões

O processo de integração do Brasil com os países da América do Sul, durante os anos


de 2003 e 2010, não se constitui numa estratégia para superar a condição dependente do país.
Os princípios balizadores da política de promoção do IED brasileiro para a região
(sustentação do modelo liberal periférico) e dos projetos da IIRSA (regionalismo aberto)
propõem não apenas fortalecer e sancionar as opções do mercado, como também, deixam a
cargo da iniciativa privada a definição da trajetória da economia brasileira.
Ocorre que na prevalência dos critérios empresarias de lucratividade e retorno rápido
dos investimentos, tende-se a fortalecer as características estruturais da economia e não gestar
mudanças qualitativas no seu perfil produtivo. Isso significa que o projeto subjacente à
condução da maior integração produtiva com os países da América do Sul não questiona a
inserção subordinada do Brasil na globalização. Ao contrário, reforça sua posição na divisão
internacional do trabalho como produtor e exportador de bens de menor valor agregado e
conteúdo tecnológico. Ora, o lugar que o país ocupa no processo de acumulação do capital é
o elemento definidor da sua condição dependente. Nem o IED nem a IIRSA questionam tal
posição, na medida em que não propõem dotar o país de um maior domínio sobre as
condições técnicas e financeiras necessárias à reprodução do capital, consolidando, assim, a
subordinação da economia brasileira.
No âmbito do IED, tal subordinação se expressa através do que poderíamos chamar de
uma dupla divisão internacional do trabalho: i) uma que se explicita na definição dos setores
de produção em que as empresas brasileiras se inserem, que são a produção de commodities
industriais e bens agropecuários e ii) outra que se configura na divisão de tarefas internas aos
setores que participa, isto é, na posição que as empresas brasileiras ocupam nas cadeias
produtivas. Ilustra esse aspecto, a organização do trabalho na produção agrícola onde as
transnacionais proveem os insumos, máquinas e equipamentos, enquanto os capitais
brasileiros se concentram na produção propriamente dita. Com isso, o perfil tecnológico do
setor e as modificações no padrão de produção não são determinados pelos capitais
brasileiros, e sim, pelas transnacionais. A produção siderúrgica também reflete essa dupla
divisão do trabalho. As três empresas do setor (Votorantim, Vale e Gerdau) produzem,
principalmente, aço semiacabado, que é reprocessado no exterior ou no Brasil pelas
transnacionais para, então, ser usado em diversas indústrias, como a automobilística,
aeronáutica, etc.
207

Portanto, mesmo nas atividades em que o Brasil se especializa, em função da


reestruturação regressiva de sua economia, não desenvolve as chamadas vantagens
competitivas visando ter o pleno domínio da cadeia produtiva. Ao contrário, concentra-se nos
produtos menos especializados.
Esse perfil produtivo do IED mostra que não existe incompatibilidade entre
dependência e inversões no exterior. A exportação brasileira de capitais expressa o maior grau
de oligopolização de setores da economia que, dada à saturação do mercado interno, buscam
alternativas de expansão. De maneira nenhuma se pode apreender desse processo uma
equiparação do Brasil com as economias desenvolvidas. Reflete, apenas, o resultado do
processo de concentração e centralização do capital e do aumento da produtividade da
economia. Tais movimentos impõem a busca por novas frentes de expansão, sejam elas novos
mercados ou áreas geográficas.
Cabe ressaltar que a maior dependência tecnológica e financeira dos grupos
empresariais brasileiros explica o voraz avanço sobre os recursos naturais do país (e da
América do Sul) e a diminuição do rendimento médio dos ocupados. Tais movimentos visam
compensar as maiores transferências de valor para as economias centrais.
No que se refere às repercussões do IED brasileiro nas economias sul-americanas, a
análise da organização da produção, no Capítulo 3, mostrou um padrão caracterizado pelo
extrativismo, ausência de encadeamentos produtivos e entraves no processo de
industrialização desses países. Isso mostra que, para as empresas brasileiras, o espaço sul-
americano é um lócus de extração de mais-valor, a partir do qual elas organizam
transferências de excedentes da região para o Brasil, compensando, em parte, as transferências
de valor que a economia brasileira faz para as economias centrais. Embora bastante inferiores
às saídas, o aumento da entrada de recursos através da conta ‘renda de investimento direto’ do
BP representa um auxílio importante para a continuidade do processo de acumulação da
economia brasileira, pois a grande fragilidade financeira e vulnerabilidade externa do país
colocam como horizonte possível a interrupção do processo de valorização do capital em
razão do estrangulamento externo da economia.
Ainda no que diz respeito ao IED, convém ressaltar que aquilo que comumente
aparece como uma relação homogênea com os países da América do Sul, apresenta diferenças
que poderíamos classificar em três grupos:
a) O Grupo I é formado pelo Paraguai, Bolívia e Uruguai. Nesses países, a presença do
Brasil nos principais setores de atividade econômica significa uma capacidade das empresas
brasileiras para influenciar a organização da produção, reforçando a posição destes como
208

produtores de matérias-primas e conformando uma divisão inter-regional do trabalho que lhes


é desfavorável. Esse maior peso econômico pode significar a interferência na vida política
dessas nações, no sentido de pressionar os respectivos governos a intervir favoravelmente aos
investimentos brasileiros em seus conflitos com interesses locais, como sugere o conflito
envolvendo latifundiários brasileiros e o movimento campesino paraguaio.
Apesar da importância que detém sobre a estrutura produtiva, a fragilidade de sua base
material, em razão da dependência tecnológica e financeira, requer que a condução do
processo produtivo seja em conjunto com os capitais estrangeiros, principalmente,
estadunidenses. Isso se expressa, por exemplo, na cadeia do agronegócio, onde os produtores
brasileiros se associam com as grandes transnacionais do setor para levar adiante a produção.
Tal configuração impede que consideremos esses países como uma região de domínio
brasileiro. Podemos afirmar que são nações onde os capitais brasileiros possuem uma maior
liberdade de ação, ainda que possam surgir conflitos com os setores dominantes locais, como
no caso da disputa acerca da energia elétrica de Itaipú. Aqui as classes dominantes paraguaias
não aspiravam deslocar os capitais brasileiros do controle da hidrelétrica, apenas aumentar sua
parte no excedente.
b) O Grupo II tem apenas a Argentina. Embora a distribuição setorial do IED
brasileiro na Argentina seja mais diversificada, o Brasil ocupa uma posição menos central
quando comparada com a presença que possui nos países acima mencionados, haja vista que
não domina os principais setores dessa economia. O maior tamanho da economia Argentina e
a maior diversidade de interesses estrangeiros presentes no país contribuem para o menor
protagonismo brasileiro.
Ao menor peso das inversões brasileiras na estrutura produtiva do país, contrasta a
importância que as filiais argentinas têm nas operações dos grupos brasileiros e nas
respectivas estratégias de inserção internacional. Nesse conjunto, destaca-se a Petrobras,
Camargo Correa, Coteminas e Friboi. No caso das três últimas empresas, a filial argentina se
consolidou como base de operações de exportação para outros destinos. A estabilidade do
fluxo de investimentos que sai do Brasil para a Argentina, também reflete a relevância desse
mercado. Isso nos leva a crer que a Argentina é mais importante para o IED brasileiro do que
o inverso, de modo que as inversões brasileiras têm um menor impacto sobre a estrutura
produtiva do país.
Aqui, observamos elementos conflitantes com relação aos investimentos brasileiros, a
exemplo do setor têxtil, em que a penetração das empresas e produtos brasileiros representa
uma forte concorrência no setor. Cabe ressaltar que, do ponto de vista político, a tentativa de
209

resolução de tais conflitos tem um caráter menos impositivo. A importância dos negócios
brasileiros no país e a necessidade do apoio da segunda maior economia do continente para a
levar adiante o processo de integração regional contribuem para adoção de uma postura mais
diplomática na resolução dos conflitos.
c) O Grupo III está composto pelo Chile, Colômbia e Peru. A recente tentativa de
inserção via IED nesses países ainda é incipiente, sendo que os capitais brasileiros não têm
significativa relevância. Entretanto, no Peru, a perspectiva é um aumento da participação das
inversões brasileiras através da IIRSA e da exploração das jazidas minerais. Acrescente-se
ainda que, como o Brasil já possui uma posição relativamente consolidada nos países que
compõem o Mercosul, a tendência é que amplie as tentativas de inserção produtiva via IED
nessas nações.
A segmentação acima proposta se encontra, também, referenciada nos projetos
prioritários da IIRSA, na qual predominam aqueles relacionados com a melhoria da conexão
logística entre os países do MERCOSUL, Conforme demonstramos, dos 22 projetos, 12 estão
diretamente localizados em eixos que incluem dois ou mais destes países (Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai). Além disso, o objetivo de abrir novas saídas para escoar a produção
mineral e agrícola via o Pacífico conduzem a parcerias com o Chile e com o Peru.
No âmbito da IIRSA, a ampliação da dependência da região também está relacionada
com a construção de projetos que visam facilitar a exploração intensiva de recursos naturais e
da força de trabalho. Além disso, tais intervenções transferem o controle das riquezas dos
territórios sul-americanos para os capitais, aprofundando um velho modelo conhecido dos
países da região de acumulação via devastação do meio ambiente e expropriações de
populações inteiras, privando-lhes de seus meios de vida para conceder o controle do
território e de seus recursos às transnacionais. Como foi exposto no Capítulo 4, são exemplos
de tais processos a construção de hidrelétricas, a modificação do ecossistema do Pantanal e a
abertura da Amazônia peruana para a exploração de minerais estratégicos.
Portanto, a prioridade da política estatal é a expansão das empresas localizadas no
Brasil e não a criação de uma integração que supere a dependência ou a natureza
extremamente desigual do país e das sociedades sul-americanas. Com isso, os projetos de
integração da burguesia brasileira com a América do Sul não podem ser executados senão
dentro da lógica de valorização do capital, que visa o reforço da região como produtora de
matérias-primas, colocando-a como um dos lugares centrais para os novos processos de
expropriação do capital.
210

Apesar de alguma prioridade para favorecer as chamadas empresas brasileiras nos


projetos de infraestrutura - em especial, as construtoras e empresas do setor energético – a
atuação do poder público não é antagônica ao capital internacional. Ao contrário, o projeto de
expansão se dá, também, através da vinculação com capitais estrangeiros. Isso ocorre porque,
o Brasil não dispõe das bases técnicas e científicas necessárias para levar adiante a produção
nos moldes do padrão de reprodução do capitalismo. Essa dimensão da fragilidade estrutural
da burguesia brasileira já foi mencionada por Fernandes (2006) como um dos elementos que
incentivam a “opção” pela inserção subordinada na economia internacional.
Além disso, o processo de integração do Brasil com a América do Sul não questiona o
aprofundamento dessa relação de subordinação porque o bloco de poder hegemônico acredita
que tal vinculação pode abrir novas frentes de valorização. Conforme explicita o PDP, o
capital estrangeiro é um sócio desejado no projeto de criar o mercado internacional de
bioetanol, na exploração mineral, na siderurgia e no setor de petróleo. Se aposta que tal
ligação permitiria a inserção dos capitais brasileiros em novos mercados, compensando a
perda de espaço no mercado interno.
O projeto brasileiro de vinculação ao capital internacional se expressa, ainda, através
das políticas públicas que intencionam transformar o espaço nacional em base de operação
estratégica das transnacionais. Tal perspectiva ainda não obteve êxito, na medida em que a
oferta de financiamento e de amplo acesso aos recursos naturais do país não lograram, até
então, reverter as opções estratégicas de tais empresas, que continuam relegando ao país a
produção de valores de uso menos complexos.
Vale salientar a fragilidade da estratégia adotada pelo bloco histórico hegemônico no
Brasil. Aceitar a posição subordinada na economia mundial não assegura áreas de expansão.
No médio e longo prazo, tal opção pode significar a reversão do processo de
internacionalização com a absorção das empresas brasileiras por capitais estrangeiros, como
ocorreu na Argentina e no Chile.
O acirramento da concorrência coloca esses capitais como os primeiros a serem
liquidados numa nova rodada de fusões e aquisições, processo ainda em pleno curso no
capitalismo contemporâneo, uma vez que o capital ainda não conseguiu sanar a sua crise a
ponto de reestabelecer as condições para a retomada do processo de acumulação.
A estratégia dos grupos brasileiros mostra sua debilidade porque o controle de parte
dos recursos naturais da América do Sul não garante as bases materiais para a continuidade do
processo de acumulação. Ao contrário, como mostramos no Capítulo 2, a desindustrialização
211

da economia brasileira continuou entre os anos de 2003 e 2010, apesar do IED e dos
investimentos da IIRSA.
Portanto, ainda que alguns grupos tenham aumentado de tamanho, isso não significa a
superação de suas debilidades produtivas, haja vista que tal ampliação ocorre com a
concentração da produção em atividades de menor valor agregado. Essa especialização
implica numa maior reflexividade aos ciclos internacionais em função da volatilidade dos
preços, quantidades e, por conseguinte, das receitas auferidas, o que pode resultar em maiores
dificuldades na concorrência com as empresas estrangeiras.
A fragilidade dessa estratégia também se revela quando consideramos que os países
onde o Brasil tem maior inserção são aqueles nos quais a ocupação foi iniciada no final dos
anos de 1960 e ao longo dos anos de 1970. Isto é, a expansão atual - embora tenha
aumentando sua participação na estrutura produtiva de alguns países, como a Argentina e o
Uruguai - não conseguiu colocar os capitais brasileiros num lugar de maior importância para o
conjunto dos países da América do Sul. A maior presença dos investimentos brasileiros ocorre
com o recuo na participação na produção das respectivas burguesias desses países e não
através da suplantação ou deslocamento de frações do capital estrangeiro.
Por fim, gostaríamos de mencionar que, uma das razões que permite ao Brasil levar
adiante seus projetos de integração com a América do Sul é a coordenação de seus interesses
com os das transnacionais e com os das classes dirigentes dos países sul-americanos. Apesar
dos prejuízos que causam, as intervenções na América do Sul que partem do Brasil -
especialmente aquelas relacionadas à IIRSA - seguem adiante porque estão em consonância
com estratégias empresariais de capitais instalados em outros países do cone sul, a exemplo
do agronegócio na Argentina e Bolívia, os setores de logística no Chile e no Peru ou
extrativos minerais do Peru e Equador.
Além disso, esta política se constitui num suporte para a acumulação do capital em
geral, cuja intenção é aproveitar os recursos da região em benefício da recomposição da
rentabilidade de seu processo de acumulação, de modo que os projetos estão em
conformidade com os interesses das transacionais que operam nesses países.
A ação brasileira reflete a articulação de diversos interesses da região e de fora dela
nos projetos de integração física e energética, função que desempenha tentando tirar o
máximo proveito da reestruturação do capitalismo mundial para as empresas com participação
de capital brasileiro. O governo tem possibilidade de cumprir esse papel porque manteve,
apesar das privatizações nos anos de 1990, uma estrutura estatal formada por três bancos
(Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES), um corpo técnico qualificado em
212

agências de pesquisa e fomento, além de instituições governamentais de pesquisa tecnológica


(a exemplo do IPEA e Embrapa).
Além disso, conservou a participação nas principais empresas do setor energético
(Petrobras e Eletrobrás) e com o apoio dos recursos dos fundos de pensão detém o controle
sobre tais empresas, conferindo uma racionalidade para a expansão nessa área. Ou seja,
manteve-se um aparato mínimo que permite ao Estado desempenhar a função de criar as
condições favoráveis para a máxima expansão do bloco de poder hegemônico.
Além disso, essa atuação é possível porque as classes dominantes de toda a América
do Sul aderiram ao projeto de inserção subordinada na globalização, pressionando os seus
respectivos governos no sentido de manter políticas de integração destinadas a facilitar a
expansão do capital. O que o Brasil faz é articular os diversos interesses das frações do
capital, utilizando a sua diplomacia para dirimir eventuais conflitos entre tais grupos, de modo
a garantir uma maior participação no excedente para a sua classe dominante. É nessa
perspectiva que deve ser entendida a atuação do Estado brasileiro na condução do processo de
integração com a América do Sul e não a partir do objetivo de reverter a condição dependente
do país.
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