1) De acordo com a visão neoclássica da economia, cujo maior exemplo de seu
reducionismo é o chamado “diagrama do fluxo circular”, não há limites à expansão da
atividade humana impostos pelo ambiente. Segundo este modelo, produtos, insumos e dinheiro circulam entre empresas e famílias em mercados de fatores de produção e de bens e serviços, em um sistema considerado fechado, ignorando tanto os fluxos de entrada (materiais e energia) como os fluxos de saída (produtos e resíduos) do processo produtivo (CECHIN & VEIGA, 2010). Para este esquema analítico, a sustentabilidade é vista como uma questão de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimentos por agentes econômicos racionais, cujas motivações são maximizadoras de utilidade. A ação coletiva seria necessária apenas para corrigir as falhas de mercado decorrentes do fato de boa parte dos serviços ambientais se constituir de bens públicos não tendo, portanto, preços. Corrigidas estas falhas, a dinâmica de alocação intertemporal de recursos tenderia a se processar de modo eficiente, não havendo problemas de incerteza e de risco de perdas irreversíveis (ROMEIRO, 2010). Porém, esta é uma visão que contradiz a segunda lei da termodinâmica, a lei da entropia, que postula que nem toda energia pode ser transformada em trabalho, pois uma parte sempre se dissipa em calor, e energia dissipada não pode mais ser utilizada. Desta maneira, a degradação energética tende a atingir um máximo em um sistema isolado, e não é possível reverter este processo (CECHIN & VEIGA, 2010). Para a economia ecológica, a questão econômico-política da sustentabilidade é vista como um problema de distribuição intertemporal de recursos naturais finitos, pressupondo a definição de limites para seu uso. Assim, estaríamos diante de um processo envolvendo agentes econômicos cujo comportamento é complexo e que atuam em um contexto de incertezas e de risco de perdas irreversíveis que o progresso da ciência não tem como eliminar. Neste processo de escolha pública, caberia à sociedade civil decidir com base em considerações morais e éticas (ROMEIRO, 2010). Na prática, as implicações destas diferentes visões são variadas e distintas, de ordem não só política como social, cultural, moral e ideológica. Para os economistas neoclássicos, e entenda-se aí a corrente principal vigente no pensamento contemporâneo, o desenvolvimento sustentável compreende o fluxo máximo de produto/renda que pode ser gerado a partir de um estoque de capital em expansão, obedecida a exigência da sua conservação (MULLER, 2007). Ao ignorar o fluxo de resíduos que advém do processo de produção, esta escola não considera a crescente geração de poluição, tendo os impactos ambientais da atividade econômica importância não pelo que ocorre com a natureza, mas pelo que acarreta ao bem-estar dos indivíduos e ao próprio processo econômico. Por não diferenciar os recursos naturais dos demais tipos de recurso, os neoclássicos consideram possível e ilimitada a substitutabilidade destes recursos, essa substitutabilidade sendo apoiada em um crescente desenvolvimento tecnológico. O pensamento neoclássico tem um viés otimista e considera mínima a chance de que o esgotamento de um recurso natural exaurível venha a restringir a expansão da economia. Pelo acima exposto, decisões de política econômica calcadas na visão neoclássica se orientam na direção da manutenção e/ou ampliação dos atuais níveis de produção e consumo e do desenvolvimento tecnológico. Por outro lado, apoiada nas leis da termodinâmica, na teoria de sistemas e nos conceitos de absoluta essencialidade e irreversibilidade, a economia ecológica propõe que a continuação do crescimento econômico levaria a níveis intoleráveis de degradação ambiental, provavelmente com perdas irreversíveis de importantes serviços ecossistêmicos. Desta maneira, os economistas ecológicos advogam que um desenvolvimento sustentável só poderia ser alcançado com a redução do nível de crescimento/produção, em um movimento por alguns chamados de descrescimento. 4) Para saber se uma economia está num estado de "sustentabilidade forte", não é necessário dar um valor monetário ao "capital natural". O capital natural representa tanto os estoques de energia e materiais de baixa entropia como os estados biofísicos e funções ecossistêmicas que geram serviços, podendo se dividido em estoque de insumos fornecidos pela natureza (Kne) e em fundo de serviços do capital natural (Kns). Dado o caráter de difícil mensuração deste capital, a atribuição de um valor monetário ao capital natural é disciplina regida por demasiadas incertezas. Além disso, pela sustentabilidade forte, a incomparabilidade de valores entre bens ambientais, econômicos e sociais fazem com que estas fontes de capital não possam ser mutuamente substituídas (MAY, 2009). No que tange à importância efetiva do capital natural para o desenvolvimento sustentável, divergências se apresentam sob os conceitos de sustentabilidade fraca e de sustentabilidade forte. Em suma, a principal diferença entre estes conceitos é quanto ao grau de substitutabilidade entre diferentes tipos de capital. Para a visão da sustentabilidade fraca, o capital total e o produto têm como crescer de forma quase ilimitada, pois se considera que o capital produzido (Kp) e o capital natural (Kn) podem substituir um ao outro com facilidade, sendo essa substituição ainda mais fácil se houver desenvolvimento tecnológico (MULLER, 2007). Dentro desta visão, para que se atinja a sustentabilidade, o que tem que ser mantido constante ao longo do tempo é o valor do capital total. O estoque físico do capital natural não teria necessidade de ser constante, pois poderia ser substituído por capital produzido. Tratando ainda do capital natural, apenas os estoques de “capital natural crítico” teriam que ser mantidos, isto é, aqueles para os quais não há substitutos. Por sua vez, o conceito de sustentabilidade forte vê como condição necessária para o desenvolvimento sustentável que todo o estoque de capital natural se mantenha constante, e não apenas o capital natural crítico. Esta visão considera, ao contrário da sustentabilidade fraca, que capital natural não pode ser substituído por capital produzido, senão de forma limitada. Tendo em vista a complementaridade dessas duas categorias de capital (natural e produzido), a contínua expansão do produto real da economia requer a conservação do capital natural (MULLER, 2007). Dentro deste contexto, a atribuição de um valor monetário ao capital natural não seria pertinente nem necessária. Além da sabida insubstitutabilidade de alguns componentes do capital natural, a incerteza quanto ao funcionamento e ao valor total do ecossistema e a irreversibilidade de certas perdas ou degradações ambientais também argumentam para a manutenção de seus estoques. Em relação às políticas referentes ao uso de recursos naturais, decisões baseadas no conceito de sustentabilidade fraca tendem a não ser restritivas quanto ao uso de recursos naturais, confiando no desenvolvimento tecnológico para a substituição do capital natural e manutenção do crescimento econômico, e conduzindo a uma postura de acentuado otimismo. Assim sendo, esta escola conta com o avanço tecnológico para a substituição até do capital natural crítico e trata o esgotamento de um recurso natural como um mero evento, não como uma catástrofe, acreditando que mecanismos de mercado podem resolver estes problemas. Já as decisões pautadas no conceito de sustentabilidade forte se orientam na direção da manutenção da estabilidade dos serviços ecossistêmicos, salientando a importância não apenas do capital natural crítico, mas de todo o capital natural para um desenvolvimento sustentável. Para que não haja depleção do capital natural, argumenta-se a suma importância da redução do uso de recursos naturais, com conseqüente redução do fluxo de resíduos que resulta do processo produtivo. Em termos de recomendações de políticas, suas exortações são no sentido de que se introduzam mudanças na atual ordem econômica. Referências:
CECHIN, A. e VEIGA, J.E. O fundamento teórico da economia ecológica. In: May, P.
(org.) Economia do meio ambiente: teoria e prática. 2a Edição. Rio: Elsevier/Campus, 2010, p. 33-48.
MAY, P.H. Contradições entre crescimento e desenvolvimento sustentável: inovações
institucionais nos BRICS. In: Dupas, G. (org.) Tensões entre crescimento e meio ambiente. Edusp, São Paulo, 2009.
MUELLER, C. Os Economistas e as relações entre o sistema econômico e o meio
ambiente. Ed. UnB/Finatec, Brasília, 2007, Parte II: Bases conceituais da avaliação das principais escolas da economia do meio ambiente, p. 149-217.
ROMEIRO, A. Economia ou economia política da sustentabilidade. In: May, P. (org.)
Economia do meio ambiente: teoria e prática. 2a Edição. Rio: Elsevier/Campus, 2010, p. 3-32.