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AMAZÔNIA

Templos indígenas da
Amazônia estão ameaçados
ACERVO ONLINE | BRASIL

por Luna Gámez


6 de setembro de 2019

O aumento da geração de energia hidrelétrica no Brasil


ameaça sítios arqueológicos e lugares sagrados para a
cosmologia de etnias da floresta amazônica.

Sob a espuma agitada do conjunto de cachoeiras que formam o Salto


Augusto, localizado no rio Juruena, estado de Mato Grosso, emergem as
cosmologias das etnias Rikbaktsa, Apiaka e outros grupos indígenas não
contatados. Este enclave, que forma parte do Parque Nacional do
Juruena, abraça diversos vestígios arqueológicos ainda pouco estudados
e possui uma diversidade ecológica que está sob ameaçada do projeto de
construção da hidrelétrica do Salto Augusto Baixo, também conhecida
como JRN-234b. O Brasil é o segundo gerador mundial de
hidroeletricidade depois da China.

O reservatório da usina do Salto Augusto Baixo, junto com a de São


Simão Alto, se construídas, alagariam 40 mil hectares do Parque numa
região situada entre os municípios mato-grossenses de Apiacás,
Cotriguaçu e Nova Bandeirantes, além de Apuí, no Amazonas, segundo as
previsões de WWF Brasil. Embora os processos estejam atualmente
bloqueados pela complexidade ambiental, ambas formam parte da
centena de hidrelétricas que estão sendo projetadas ao longo do rio
Juruena, para aproveitar o potencial hídrico de um dos cursos fluviais
menos explorados da Amazônia. O projeto soma um total de 138 usinas,
32 delas já em funcionamento e outras 10 em construção.

Quedas do Salto Augusto, na margem esquerda do Rio Juruena. (Crédito Guilherme Ru ng OPAN)

O lugar sagrado está sendo cobiçado por interesses econômicos


Os Rikbaktsa são um dos povos ancestrais que habitam a bacia do
Juruena. Depois de serem quase exterminados no período da ditadura
militar hoje alcançam uns 1 500 integrantes segundo os dados oficiais e
militar, hoje alcançam uns 1.500 integrantes, segundo os dados oficiais, e
uns 2.500 de acordo com as estimativas das lideranças da etnia. Alguns
anciões contam que os Rikbaktsa nasceram de um peixe que mora nas
águas doces amazônicas chamado cará, Geophagus brasiliensis. Outras
mitologias narram histórias de separação dos ancestrais por conta de um
menino transformado em anta. No entanto, a base da cosmologia desde
grupo indígena não se concentra na origem da sua etnia e sim nas suas
práticas rituais atuais, que foram ensinadas pelas forças sagradas do
fundo das águas do Salto Augusto.

Segundo a lenda, quando as fronteiras não eram mais nada do que


acidentes geográficos, os Rikbaktsa se deslocaram ao longo da bacia do
Juruena. Num dos pernoites da viagem, um grupo instalou seu
acampamento perto das cachoeiras do Salto Augusto, de onde emanaram
ritmos de instrumentos de vento enquanto os peixes mostravam suas
danças da água. Os indígenas aprenderam suas coreografias e
elaboraram suas próprias flautas artesanais, os dois elementos centrais
do que viria a ser o culto central deste povo: a Festa dos Peixes.
Flauta tradicional Rikbaktsa elaborada com osso de gavião. (Crédito Ana Caroline de Lima_OPAN)

Juarez Paimy, indígena e professor da língua Rikbaktsa, não poupa


nenhum detalhe para explicar aos mais jovens a história da cosmologia
do seu povo, que ainda hoje frequentam o salto das cachoeiras onde
cultivam a conexão com algumas das suas ancestralidades. “Nós
aprendemos os nossos rituais dos peixes”, repete em várias ocasiões
Paimy, sentado no sofá vermelho da sua cabana rodeada pelo canto
noturno das cigarras. “O Salto Augusto é sagrado para o nosso povo
porque lá moram nossos espíritos”, explica. A voz dele se resseca, o
brilho dos seus olhos se apaga, reacomoda as almofadas também
vermelhas, coloca seus pés no chão de madeira e aproxima seu rosto dos
ouvintes. “Há um tempo que descobrimos que existiam uns interesses de
construir uma barragem no nosso rio, perto do Salto Augusto, e que
poderia acabar com as cachoeiras”, anuncia este professor indígena em
referência ao projeto JRN-234b.
Juarez Paimy, professor de língua indígena Rikbaktsa com alunos da Aldeia Curva, MT. (Crédito Luna Gámez)

Quando questionado sobre como ele soube do plano da usina, Paimy


relata que encontrou um relatório da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE) na internet. “Eu quis confirmar os boatos e me deparei com 500
páginas numa linguagem técnica muito difícil de entender”, afirma. “Por
que não vem nos informar com clareza dos lugares que estariam
ameaçados de alagamento, dos recursos que perderíamos ou, inclusive,
dos benefícios que segundo eles obteríamos?”.

De acordo com este membro da etnia Rikbaktsa, que mora entre pés de
mandioca que parecem querer tocar o céu, o alagamento das áreas
próximas prejudicaria seu sustento de vida que vem da terra e do rio e, o
mais preocupante para ele, destruiria seu lugar sagrado. “Primeiro veio o
turismo -diz em referência a uma pousada próxima das cachoeiras- e
agora a hidrelétrica. O Salto Augusto está sendo cobiçado por interesses
econômicos mas este é um lugar de conhecimento sagrado para todos
nós indígenas desta região”. A placidez de quem adora receber
convidados em casa com uma chicha de batata doce -suco típico dos

Rikbaktsa- se apaga. Os dentes sorridentes somem numa expressão


agora mais tensa do que triste, e Paimy pede aos mais jovens uma ajuda
para consertar seu computador quebrado. “Precisamos desses
instrumentos para nos informar e ficar preparados”.

Perante ao desejo de informação das populações que moram nas regiões


onde certas usinas hidrelétricas poderiam ser construídas, Carolina
Fiorillo Mariani, analista de pesquisa energética da Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), responde que “todos os processos (de planificação de
uma usina) tem uma fase de orientação metodológica para informar aos
atingidos”. Mas esclarece que atingidos são só aqueles “que terão suas
terras alagadas pela barragem”. A EPE é uma empresa pública vinculada
ao Ministério de Minas e Energia que participa na fase inicial de
planificação do setor energético.

A história de restos arqueológicos e geoglifos


O Salto Augusto é também templo sagrado dos Apiaká, um povo que
ainda luta pela demarcação da sua terra e pelo reconhecimento da sua
identidade indígena. Seus quase 1.000 habitantes estão distribuídos
entre o norte de Mato Grosso e sul do Pará, dispersados pelas frentes de
ocupação da Amazônia. Desde tempos remotos, as rochas que rodeiam
as cachoeiras são o cenário dos rituais de entrada desses indígenas na
fase adulta, exatamente no mesmo lugar onde os antigos guerreiros da
etnia vinham se purificar após enfrentamentos com outros grupos. “Ali
que eles, Apiaká, fazem suas perfurações corporais para colocar suas
ornamentações, como brincos, e enfeitam os corpos com pinturas antes
dos seus rituais”, detalha a antropóloga Juliana de Almeida, que realizou
uma expedição de reconhecimento no lugar junto com a organização
Operação Amazônia Nativa (OPAN). Os resultados foram publicados no
livro “Paisagens Ancestrais do Juruena”, editado pela OPAN.
Nas margens do Juruena, na altura das cachoeiras do Salto Augusto, a
expedição confirmou a existência de pinturas rupestres em abrigos
rochosos, assim como objetos de cerâmica ainda pouco estudados pela
arqueologia. Os indígenas Apiaká reivindicam uma relação histórica com
estes artefatos e acreditam que as pinturas próximas às cachoeiras
tenham sido feitas pelos grupos indígenas não contatados que moram na
frondosidade da floresta, segundo relata Almeida. Ela destaca que estes
são objetos chaves para conhecer a história dos assentamentos humanos
nessa parte da bacia do Juruena. “A presença de populações indígenas
deve ser considerada no projeto de construção da hidrelétrica [JRN-
234b]. Qualquer alteração do Salto Augusto mudaria a memória e a
perspectiva de vida dos Rikbaktsa e dos Apiaka, sem considerar os
impactos dos grupos sociais isolados que é muito difícil de dimensionar”.

Incipientes estudos arqueológicos nas bacias dos rios Juruena, Aripuanã


e Teles Pires, na região sul da floresta Amazônica, revelaram a presença
de mais de 80 geoglifos, imensas marcas em formas geométricas que

aparecem quando o desmatamento desnuda a terra. Estes desenhos,


junto com os cemitérios indígenas, sublinham a evidência de que uma
população muito mais densa do que o até agora imaginado habitou estas
áreas antes da colonização. “Entender o passado é importante para
valorizar o lugar e pensar num plano mais sustentável para a gestão
atual”, adiciona Almeida”.

Os indígenas Rafael e Gertrudes Rikbaktsa destacam importância da oresta e das plantas medicinais (Crédito Luna Gámez)

Flexibilização do licenciamento ambiental


“Existe necessidade de expansão de geração porque, embora pouco, o
i á d id d d li ã d i ”
pais está crescendo e vamos ter necessidade de ampliação de energia”,
declara Guilherme Fialho, consultor técnico da EPE, que sublinha a
preocupação com a diversificação de fontes energéticas. A hídrica é, com
diferença, a primeira fonte de energia no Brasil: 64% do total da energia
gerada provem de hidrelétricas, enquanto as termelétricas geram 24,6%,
as eólicas 9%, as solares fotovoltaicas 1,3% e as termonucleares 1,2%. O

pais possui 1.352 hidrelétricas em funcionamento, 35 em construção e


outras 110 em fase de planejamento, segundo os dados da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), consultados no 20 de agosto.

No entanto, a antropóloga Almeida faz referência à ineficiência de


muitas das usinas já instaladas e questiona: “que sentido faz construir
uma obra de grande porte numa área onde, na margem direita do rio tem
indígenas e na esquerda um Parque Nacional? Não estamos falando de
um serviço que iria atender a demanda de consumo local, essa energia é
para outros fins, não é para as populações da região”.

A EPE já tinha concluído o primeiro estudo da usina que atingiria o Salto


Augusto há mais de uma década, no entanto, o projeto foi eliminado do
Plano Decenal de Expansão de Energia 2023 (PDE) no momento da sua
elaboração em 2014 devido à “morosidade do processo”. Naquele
momento, Mauro Armelin, superintendente de conservação de WWF-
Brasil, questionou o que parecia uma grande conquista pois considerava
que o argumento não deveria ser a demora para obter o licenciamento
ambiental e sim a complexidade ambiental do lugar.

“O Juruena é um dos maiores parques do país e está localizado num


mosaico de áreas protegidas, ou seja, é uma região fundamental para
frear o desmatamento, a ocupação desordenada e a grilarem de terras”,
declarou Armelin em defesa de uma região que considera de “extrema
importância biológica”. Segundo a WWF, as barragens do Salto Augusto e
de São Simão “colocariam em risco 42 espécies animais ameaçadas que
só existem naquela região”, além de bloquear os cursos migratórios de
alguns peixes.

Potencial hidrelétrico da região

Embora o projeto JRN-234b não seja citado explicitamente entre as


usinas preferenciais do mais recente PDE 2027, o documento destaca o
potencial hidrelétrico do norte do país para a ampliação energética na
próxima década mas citando as sensibilidades de cunho ambiental e a
presença de populações indígenas na região. A flexibilização das leis
ambientais e a inclinação do atual governo pela exploração de recursos
naturais pode dar um impulso à centena de usinas projetas para a bacia
do Juruena.

No começo do novo governo em janeiro deste ano, o ministro de Meio


Ambiente Ricardo Salles prometeu celeridade com os licenciamentos
ambientais e o presidente Jair Bolsonaro especificou que reduziria os
prazos de licitação das pequenas centrais hidrelétricas (PCH). “Até ano
passado levava em média dez anos para uma licença, é um absurdo isso
aí […]. Em dois ou três meses é mais do que suficiente”, declarou.

Cada projeto de usina realiza seu estudo de impacto ambiental e, se for


pertinente, seu estudo de componente indígena, mas de forma isolada e
sem considerar o prejuízo multiplicado pelo acumulo de barragens num
mesmo rio, neste caso o Juruena. Elisângela Medeiros, supervisora de
meio ambiente da EPE, explica que é de responsabilidade da Agência
Nacional de Eletricidade (ANEEL) realizar uma valoração integrada para
decidir quantas usinas podem ser instaladas numa bacia hidrográfica.
Estes mesmos mecanismos, que até agora tem ignorado a importância
dos lugares sagrados, permitiram a construção de barragens
consecutivas, além de um complexo de hidrelétricas, no rio Teles Pires,
no estado de Mato Grosso, próximo ao Juruena.

Alguns empreendimentos já têm sido responsáveis da destruição de


elementos chave para a cosmologia indígena. Na etnia dos Enawenê-
nawê, os seus espíritos podem ter se vingado após a destruição de

alguns lugares sagrados, pois pouco depois de construir as usinas foram


morrendo os mestres de canto desta etnia, segundo conta a antropóloga
Almeida. “A partir do momento que se alaga um dos lugares sagrados de
uma etnia indígena, se alaga uma parte da sua história. Para eles, não é
só um lugar da natureza, é a sua Notre Dame, o seu templo”, destaca ela.

Luna Gámez é jornalista.

Esta reportagem teve apoio da Rainforest Journalism Fund da Pulitzer


Center, em parceria com Proteja Amazônia

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