Nesse período, quando novas técnicas críticas para criar e validar o conhecimento foram
se desenvolvendo na Europa, a autoridade e a confiabilidade das fontes que
tradicionalmente se usavam começaram a ser questionadas: rechaçavam-se os
testemunhos imediatos do corpo, para concentrar-se em dados quantitativos, recolhidos
e analisados por especialistas. Assim, as histórias do Novo Mundo que eram contadas
desde o século XVI por meio de testemunhas oculares (viajantes, soldados,
missionários, por exemplo) foram censuradas como pouco críveis. Da mesma maneira,
os escritos indígenas (códices, quipos etc.), largamente usados até então, foram
colocados em dúvida devido ao fato de constituírem-se em cronologias alternativas, que
se localizam em baixos e duvidosos rangos das escalas evolucionárias.
Nesse sentido, lembramo-nos das considerações de Doreen Massey em seu livro Pelo
espaço, no qual a autora concebe o espaço como uma imbricação de trajetórias, sempre
aberto ao inesperado, ao acaso, e que, enquanto locus da existência contemporânea, é
marcado pela multiplicidade, pelo encontro com o “outro” – colocando-nos, assim,
permanentemente frente ao desafio do novo. Massey enfrenta aquela subentendida
concepção de espaço como uma grande extensão através da qual viajamos; como a terra
que se estende ao nosso redor, o que faz com que o espaço pareça uma superfície,
contínuo e tido como algo dado. Para ela, essa maneira de entender o espaço pode,
facilmente, nos levar a pensar outros povos, lugares e culturas simplesmente como um
fenômeno “sobre” uma superfície – fazendo com que os mesmos fiquem desprovidos de
história. Ela cita, como exemplo, a chegada dos espanhóis ao México: ao invés de ser
um encontro de trajetórias, esse evento é visto como se os mexicanos estivessem
imobilizados, esperando o desembarque do “descobridor”, o único agente ativo, quem
atravessa o oceano para se deparar com aquele que está, simplesmente, lá. Assim, as
diferenças encontradas entre eles são tomadas como atraso, expressando espaço em
tempo; transformando geografia em história.
Não devemos imaginá-los como tendo suas próprias trajetórias, suas próprias histórias
específicas e o potencial para seus próprios, talvez diferentes, futuros. Não são
reconhecidos como outros coetâneos. Estão, meramente, em um estágio anterior, na
única narrativa que é possível fazer. Esta cosmologia de ‘única narrativa’ oblitera as
multiplicidades, as heterogeneidades contemporâneas do espaço. Reduz coexistências
simultâneas a um lugar na fila da história (Massey, 2009: 24).
Nesse sentido, de que maneira o cinema pode se constituir como uma fonte para pensar
a história da América Latina? O cinema é constantemente excluído pelos historiadores,
não apenas como uma fonte, mas, especialmente, como um objeto. Não se leva em
conta o poder da imagem para a construção de novas histórias.
Dou como certo que todos os tipos de vozes submersas habitam o corpo e as margens
dos textos, podendo ainda ser recuperados por meio das técnicas de análise retórica
fundadas por críticos literários pós-modernos. Também dou como certo que a ênfase da
historiografia tradicional nas identidades como opostos binários (ou seja,
colonizados/colonizadores, ameríndios/europeus) deixa escapar muitas das interações de
fato (“hibridismos”) que caracterizam as situações coloniais. (…) acredito que as
colônias e metrópoles não podem ser estudadas isoladamente e que suas trajetórias
históricas são informadas por suas interações mútuas (25).
MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2009.
In: https://cinemalatinoamericano.wordpress.com/2014/02/09/algumas-reflexoes-sobre-a-
introducao-de-como-escrever-a-historia-do-novo-mundo-de-jorge-canizares-esguerra/