total de geração
de 11.181,30 megawatts (MW)
e alagará uma área de apenas
440 km2. Estudo recente apontou
divergências quanto ao total
de ‘energia firme’ (produção
mínima garantida)
que Belo Monte gerará, e uma
análise do tipo custo-benefício,
levando em conta essa
divergência, permite levantar
dúvidas quanto à viabilidade
do empreendimento.
a mais recente versão dos estudos de viabilidade so para a exploração continuada do rio Xingu e,
desse complexo. Essa versão previu uma grande em conseqüência, da Amazônia gera vários ques-
redução no reservatório a ser formado pela barra- tionamentos quanto à sua sustentabilidade.
gem da usina, dos 1.225 km2 do projeto inicial A navegação, seja para o transporte de passagei-
para 440 km2, graças à mudança de concepção da ros ou para o escoamento da produção extrativista,
barragem – dois pontos principais de barramento é hoje essencial à população que vive em áreas
e uso de dois canais naturais para desvio de fluxo próximas ao rio Xingu. A Eletronorte informa, nos
(figura 2). Além disso, a Eletronorte afirma que a estudos sobre Belo Monte, que o transporte fluvial
energia firme (isto é, a produção de energia que de Altamira (principal cidade da região em que
pode ser mantida continuamente) será de 4.714 será construída a usina) para as comunidades ri-
MW, com uma potência instalada (produção máxi- beirinhas a jusante será interrompido, mas não
ma possível) de 11.181,30 MW. aponta qualquer alternativa para contornar essa
No estudo de viabilidade apresentado pela situação. O projeto recebe críticas de especialistas
Eletronorte, as justificativas para a construção de de diferentes áreas (ver ‘A polêmica das hidrelé-
Belo Monte relacionam o aumento do consumo de tricas do rio Xingu’, nesta edição).
energia elétrica, a possibilidade de conexão dessa De acordo com o engenheiro ambiental Arnaldo
usina com o Sistema Interligado Nacional e a bai- Müller, da Pontifícia Universidade Católica do
xa densidade demográfica nas áreas a serem inun- Paraná e da organização não-governamental Insti-
dadas, o que reduziria significativamente os im- tuto de Desenvolvimento Sustentável, a formação
pactos do projeto. Segundo a empresa, tais fatores, de um reservatório implica elevação do nível das
aliados a um custo de geração – sem considerar as águas, o que pode induzir alterações no processo
linhas de transmissão – de US$ 12,40 por mega- natural de acumulação e descarga de aqüíferos.
watt-hora (MWh, ou seja, geração de 1 MW mantida Tais alterações têm reflexos ecológicos e econômi-
ao longo de uma hora) tornam o projeto atrativo.
Nove municípios paraenses seriam influenciados
diretamente com a implantação do complexo: Por-
to de Moz, Pacajá, Anapu, Senador José Porfírio,
Vitória do Xingu, Altamira, Brasil Novo, Uruará e
Medicilândia.
A Volta Grande
do Xingu
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), cerca de 40% do potencial hidrelétrico
brasileiro estimado situa-se na bacia do rio Ama-
zonas, e estima-se que 14% do potencial amazôni-
co esteja no rio Xingu. A construção do complexo
de Belo Monte está prevista para a acentuada si-
nuosidade do rio Xingu, conhecida por ‘Volta Gran-
de’, que forma a maior parte do contorno do mu-
nicípio de Vitória do Xingu (PA). A crença de que
esse empreendimento será apenas o primeiro pas-
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POLÍTICA ENERGÉTICA
a b r i l d e 2 0 0 6 • C I Ê N C I A H O J E • 23
POLÍTICA ENERGÉTICA
com certeza não serão idênticos, dada a diferença pela engenheira Neidja Leitão (co-autora deste
entre as regras de operação. artigo), em sua tese de mestrado, em 2005. Essa
Em sua tese de doutorado, em 2003, Cicogna análise teve como objetivo avaliar os custos e be-
apresentou duas simulações feitas no Hydrosim nefícios, em bases monetárias, dos impactos oca-
para a usina hidrelétrica de Belo Monte. Nessas sionados pela construção da usina em questão.
simulações, ele utilizou a regra conhecida, no Hy- Como ferramenta para essa avaliação foi utilizado
drosim, como ‘regra paralelo puro’, que também o ‘valor presente líquido’, que representa o ganho
prevê enchimento e deplecionamento sincroniza- líquido (receitas menos despesas, em valores de
dos para os reservatórios, como no MSUI. A simu- hoje) previsto para um projeto durante determina-
lação feita para o conjunto de usinas projetadas do tempo (para isso, rendimentos e custos futuros
inicialmente para o rio Xingu (Jarina, Kokraimoro, são ‘acertados’ para valores atuais através da apli-
Ipixuna, Babaquara, Kararaô) apontou que a meta cação de uma taxa de desconto). O ‘valor presente
de cerca de 11 mil MW de energia firme seria líquido’ pode indicar se um empreendimento é
atingida – isso porque a construção de usinas em viável (quando seu resultado é maior que zero), se
cascata, no mesmo rio, pode levar a um aumento o investimento naquele projeto é indiferente (quan-
da geração média daquelas situadas a jusante, na do o valor obtido é igual a zero) ou, finalmente, se
seqüência, já que a vazão do rio torna-se mais é um projeto inviável (valor menor que zero).
regular. Entretanto, para a construção isolada de Embora haja algumas restrições a essa meto-
Belo Monte, o resultado foi um valor de energia dologia, optou-se por realizar o cálculo desse modo,
firme de apenas 1.172 MW, muito inferior à pre- tendo em vista a sua utilização pelos empreende-
visão oficial (de 4.714 MW). dores do setor elétrico e a comparação de resulta-
Como explicar essa diferença de valores? A dos obtidos para diferentes cenários. Ressalte-se,
resposta certamente está na grande variação das porém, que as taxas de desconto utilizadas para
vazões naturais do rio, aliadas à falta da regulari-análises desse tipo supervalorizam o tempo pre-
zação que seria promovida por reservatórios ante- sente em detrimento do futuro. Em última análise,
riores a Belo Monte (a montante). Assim, para gerar supervalorizam a liquidação imediata dos recur-
mais do que 1.172 MW de energia firme, esse sos naturais, ao invés de sua preservação.
complexo dependeria da implantação de novos Foram montados dois cenários para a avaliação
empreendimentos hidrelétricos naquele rio. do valor presente líquido do projeto, o primeiro
com a energia firme anunciada pelo empreende-
dor (4.714 MW) e o segundo com aquela obtida
24 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 8 • n º 2 2 5
POLÍTICA ENERGÉTICA
Figura 4.
Perdas no turismo = 48,1% Custos
decorrentes
Perdas de água por consumo na bacia = 38,6% de fatores
externos
Perdas de água por evaporação = 9,2%
Além do custo total da obra em si estimado pelo energia firme, esse benefício chegou a US$ 375
empreendedor, de cerca de US$ 6,52 bilhões, o milhões por ano. Finalmente, a projeção desses SUGESTÕES
estudo também considerou custos econômicos dados para o prazo de 50 anos resultou em um PARA LEITURA
(ambientais e sociais) que não constam do orça- valor presente líquido positivo de US$ 2,63 bi-
CICOGNA, A.M.
mento padrão, mas são importantes na caracteriza- lhões para o primeiro cenário e em um valor pre- Sistema de suporte
ção do projeto, pois resultam em situações de perda sente líquido negativo de US$ 3,39 bilhões para o a decisão para
o planejamento
coletiva. Entre esses custos podem ser citadas as segundo cenário. e a programação
perdas na qualidade da água, na ictiofauna migra- da operação
de sistemas de
tória e aquelas que afetarão a população humana
energia elétrica
que vive na região. Tais fatores são conhecidos como
‘externalidades’. Os custos decorrentes das exter- Divergência (tese de
doutorado).
Campinas,
nalidades foram estimados em US$ 290 milhões
(figura 4), e incluíram a queda na atividade pes- e viabilidade Unicamp, 2003.
Disponível em
http://libdigi.
queira (pela perda de espécies migratórias) e nas unicamp.br/
atividades turísticas, as perdas de água por consu- A divergência é clara entre os dois cenários. Quan- document/?code
mo na bacia e por evaporação no reservatório, a do a análise utiliza o valor de energia firme divul- =vtls000336854.
ELETRONORTE.
emissão de gases de efeito estufa e as despesas para gado pelo empreendedor, o resultado é a viabilida- Complexo
o tratamento de resíduos e efluentes sanitários. de do projeto, mas isso não ocorre quando é utili- Hidrelétrico
de Belo Monte:
Quanto aos benefícios, não se pode negar que zado o valor para a geração mínima constante ob- Relatório de
empreendimentos desse tipo geram progresso eco- tido pela simulação com o modelo Hydrosim LP. Viabilidade
nômico: novos postos de trabalho, durante e após Cabe dizer ainda que, nessa avaliação econômica, (Relatório Final,
Tomos I e II).
a fase de construção, planos de educação, saúde e não foram consideradas muitas externalidades, Brasília, 2002.
transporte, além da produção de energia, a qual sem falar em custos indiretos e em outros valores Disponível
em http://www.
complementará a matriz energética de outros cen- de difícil quantificação – o que resultou em valo- belomonte.gov.br/
tros consumidores. Tais benefícios, porém, tam- res subestimados, em termos de custos socioam- menu.html.
bém provocam custos, em função dos efeitos do LEITÃO, N.C.S.
bientais.
Avaliação
uso intensivo de energia – um exemplo está no É bem verdade que a carga de informações de sócio-ecônomica
aumento, nas regiões que receberão mais energia, natureza puramente ambientalista lançadas sobre e ambiental
do Complexo
de oferta e consumo de bens e serviços. Esse au- a população gera muitas vezes um sentimento de Hidrelétrico
mento gera, por exemplo, poluição das águas, do oposição às obras de grande porte. No caso do setor de Belo Monte
(tese de mestrado).
ar, do solo, assim como o desmatamento de áreas energético, porém, não se pode negar que a ener- São José dos
verdes e o consumo de recursos naturais e maté- gia é uma necessidade fundamental da sociedade Campos, ITA, 2005.
ria-prima. Assim, em nosso estudo, os benefícios moderna. Portanto, sabendo que todo empreendi- Disponível em
http://www.
foram representados apenas pela energia firme mento nesse setor vai gerar impactos ambientais e bd.bibl.ita.br/
produzida. O cálculo desses benefícios baseou-se sociais, em maior ou menor grau, é preciso encon- MOTTA, S.R. Manual
para valoração
no valor normativo, que corresponde ao custo de trar formas de reduzir ao máximo tais impactos. econômica
referência para compra de energia pelas empresas Torna-se, assim, evidente a necessidade de levan- de recursos
distribuidoras e à referência para a definição do tamentos e estudos mais acurados sobre os diver- ambientais. Brasília,
MMA, 1998.
custo a ser repassado às tarifas cobradas dos con- sos aspectos abordados neste texto, pois um pro- MÜLLER, A.C.
sumidores. blema ainda maior passa a existir quando os estu- Hidrelétricas,
meio ambiente e
No primeiro cenário, com a estimativa de 4.714 dos são restritos ou apresentam informações de- desenvolvimento.
MW para a energia firme, o benefício anual resul- sencontradas, promovendo desgastes na opinião São Paulo, Makron
tante atingiu US$ 1,5 bilhão. Já para 1.172 MW de Books, 1996.
geral sobre o projeto. ■