1 Pelo amor à precisão não será ocioso dizer que o sentido primário da palavra
alétheia não é o de «descoberta», «patência». Ainda que o vocábulo contém a raíz *la-dh-,
«estar oculto», com o -dh- que é sufixo de estado (lat. lateo de *la-t, Benveniste; aí rahú- o
demónio que eclipsa o sol e a lua: talvez do gr. alastós, aquele que não se esquece dos seus
sentimentos, dos seus ressentimentos, violento, etc.), a palavra alétheia tem a sua origem no
adjectivo alethés do qual é o seu abstracto. Por sua vez alethés deriva de lethós, lâthos, que
significa «esquecimento» (passagem única Teoc. 23, 24). Primitivamente alétheia
significou, pois, algo sem esquecimento; algo em que nada caiu no esquecimento, completo
(Kretschmer, Debrunner). A patência única a que alétheia alude é, simplesmente, a da
recordação. Daí que, pelo que tem de completo, alétheia viesse a significar, mais tarde, a
simples patência, a descoberta de algo, a verdade. Mas a ideia mesma de verdade tem a sua
expressão primária noutras vozes. O latim, o celta e o germânico expressam a verdade com
base na raíz *uero, cujo sentido original é difícil de precisar; encontra-se como segundo
termo de um composto, em latim se-ueros (se(d)-versus), «estrito», «sério», o que faria
supor que *uero significaria confiar alegremente; daí heorté, festa. A verdade é a
propriedade de algo que merece confiança, segurança. O mesmo processo semântico dá-se
em línguas semíticas. Em hebraico, 'aman, «ser de fiar»; em hiph., «confiar», deu 'emunah,
«fedilidade, firmeza»; 'amen, «verdadeiramente, assim seja»: 'emeth, «fedilidade, verdade»;
em akadio, ammatu, «fundamento firme»; talvez emetu (Amarna) «verdade». Pelo
contrário, o grego e o indoiranio partem da raíz *es «ser». Assim ved. sátya-, aw haithya-,
«o que é realmente, verdadeiro». O grego deriva da mesma raiz, o adjectivo etó, eteós de
*s-e-tó, «o que é em realidade»; etá = alethé (Hesych). A verdade é a propriedade de ser
real. A mesma raíz dá lugar ao verbo etázo, «verificar», e estó, «substância, ousía».
Desde o ponto de vista linguístico, assim, na ideia de verdade ficam
indissoluvelmente articuladas três essenciais dimensões, cujo esclarecimento tem de ser um
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em todo o seu pormenor e estrutura interna, a inteligência não seria mais que um fiel espelho da
realidade. Mas não é isto que acontece. Antes a presença de uma coisas oculta a de outras; os
pormenores das coisas não se manifestam, sem mais, na sua estrutura interna. Daí que a
inteligência se veja envolvida numa situação azarosa. Necessita aprender a aproximar-se às
coisas para que estas se lhe manifestem cada vez mais. Este modo ou caminho de aproximar-se
a elas é o que desde antigamente se vem chamando méthodos, método. Método não é
mais o caminho que nos conduz às coisas, não é um simples regulamento intelectual. Aqui está
a primeira condição de verdade: ater-se às coisas mesmas.
Xavier Zubiri, «Realidad, Ciencia, Filosofía» (pp 25-57). In: Naturaleza, Hisoria,
Dios. Madrid: Alianza Editorial, 1987.
dos temas centrais da filosofia: o ser (*es), a segurança (*uer-) e a patência (*la-dh-).
Deixou-se aqui, apenas, indicado o problema.