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A JUSTIÇA EM SANTO AGOSTINHO1

Abimael Brelaz2
Aquino Passinho Jr²
Ademar Albuquerque²
Cláudio Vieira²
Cristiano Modesto²
Luís Otávio Teixeira²
Renato Leão²
Robertta Almeida²

RESUMO
O presente artigo realizou a análise do conceito de justiça presente nas principais obras de
Santo Agostinho com o objetivo de identificar como esta concepção religiosa pode ser
percebida na atualidade. Considerando o contexto histórico vivido pelo autor, suas obras
apresentam a influência dos valores clássicos e cristãos, expressos na dicotomia entre as duas
naturezas: humana e divina, as quais se manifestam na divisão entre a justiça divina e a justiça
humana. Com base nisso, as principais ideias do autor foram relacionadas a casos concretos,
nos quais se pretendeu perceber a correspondência daquelas com a materialidade da legislação
brasileira.

Palavras-chave: Justiça. Religião. Santo Agostinho.

INTRODUÇÃO

Para se compreender o conceito de justiça, é fundamental estudar seus diversos


aspectos dentro da história humana. Diante disto, não se pode desconsiderar seu aspecto
religioso, principalmente sua vertente cristã, destacada nas obras patríticas do período
medieval. Santo Agostinho é um dos principais autores desta época, cujas obras demonstram
como a justiça estava relacionada com a religião, substancializada na dicotomia entre justiça
humana e justiça divina. Esta oposição apresenta influência dos filósofos clássicos,
demonstrando como o contexto histórico de transição entre o fim da antiguidade e inicio do
medievo marcam o pensamento agostiniano.
Outro fator importante é a influencia da estrutura familiar de Agostinho para a
construção do pensamento do autor, o qual perpassa por diversos questionamentos filosóficos
até sua conversão ao cristianismo. Suas obras exprimem sua crítica aos costumes pagãos e

1
Trabalho apresentado como requisito avaliativo à Disciplina Filosofia Jurídica, ministrada pela Prof. Dra. Ieda
Fernandes, do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Pará em 25 de julho de 2017.
2
Discentes do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Pará - TURMA 040N/2017.
2

demais correntes religiosas da época, defendendo sua fé cristã das acusações desta ser a
responsável pela queda do Império Romano.
Diante desses aspectos, a justiça para este filósofo está relacionada à religião, em que a
justiça divina, eterna e imutável, se contrapõe à justiça humana, perene e imperfeita. Com
objetivo de compreender como a concepção agostiniana de justiça pode ser percebida na
atualidade, foi realizada uma breve revisão bibliográfica, a qual foi relacionada com a
realidade brasileira tanto relativa às ações governamentais como as concernentes a sociedade
civil.
1 MOMENTO HISTÓRICO
As teorias formuladas por Santo Agostinho estão intrinsicamente relacionadas ao
momento histórico vivido por este pensador. Sua vida foi marcada por conflitos internos e
externos, os quais são fundamentais para a compreensão de sua obra. Com base nisto, é
fundamental entender o momento histórico no qual está inserido este importante filósofo
medieval.
Santo Agostinho nasceu no norte da África em uma pequena cidade chamada Tagaste
localizada na Numídia, cuja capital administrativa era Cartago. Esta região do norte africano
era conhecida pela produção abundante de trigo e era controlada pelo Império Romano, cujos
costumes – como o teatro, basílicas, a língua – foram impostos aos habitantes daquela região.
Apesar da propagação da cultura romana no continente, algumas aldeias permaneceram com
costumes e idiomas nativos. Esta contradição é percebida ao analisarmos o histórico familiar
de Santo Agostinho: sua mãe era uma cristã fervorosa, enquanto seu pai era pagão. Diante
disto, nota-se o mundo dualista em que se desenvolveu o filósofo.
O contexto histórico de final do período antigo e inicio do medievo vai caracterizar as
principais obras deste pensador. No século IV, o cristianismo era a religião oficial do império
romano, exercendo grande influência na vida política e econômica da época. Entretanto, o
poder romano se encontrava em declínio devido a pressões internas e externas. Os problemas
econômicos gerados pela crise escravista, advinda da pax romana, repercutiram para os
demais setores da sociedade, incluindo para a área militar, enfraquecendo as fronteiras
romanas, as quais uma série de invasões bárbaras. Tribos, contrárias aos romanos, tentavam
conquistar parte do império para si. Considerando que a região da África, na qual Santo
Agostinho vivia era distante da capital Roma, ficava cada vez mais difícil defender a colônia.
Esses acontecimentos foram retratados nas várias obras do filósofo patrístico, destacando-se
as mais importantes: Confissões e A cidade de Deus.
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Confissões, obra deste pensador mais estudada no século XX, tem um caráter
filosófico, literário e teológico. Foi escrita por volta de 397 a 401 DC, dividindo-se em três
partes: os livros de um 1 a 9 relatam a vivência de Agostinho antes da conversão, o livro 10
remonta sua vida na atualidade na qual escreveu a obra, já os livros 11 a 13 comenta o
capitulo 1 versículos de 1 a 31 do livro de Genesis.
A cidade de Deus foi criada em um período de dez anos (416-427) e contem 22 livros.
A obra foi escrita durante o momento histórico da tomada da capital do império romano pelos
visigodos em 410 DC. Nos livros de 1 a 10, é exposto como o culto aos deuses pagãos não
proporciona a felicidade eterna, e nos demais volumes, livros 11 a 22, a ideia das duas cidades
(cidade dos homens e cidade de Deus) é construída pelo autor.

2 BIOGRAFIA
Conforme foi apontado, Aurelius Augustinus (Aurélio Agostinho) nasceu na província
de Numídia, onde se localiza atualmente a Argélia, no dia 13 de novembro de 354 D.C,
ficando mais conhecido como Santo Agostinho de Hipona. Ele foi o principal filósofo do
período da filosofia conhecido como Patrística. Filho de Mônica - uma cristã fervorosa, tanto
que tornou-se santa, Santa Mônica, celebrada no dia 27 de agosto, um dia antes da festa de
Santo Agostinho - e Patrício - pagão e pequeno proprietário de terras. Agostinho teve uma
infância simples, sendo educado em latim na sua cidade natal e aos 11 anos foi mandado à
cidade vizinha Madaura, onde teve contato com a literatura latina e as práticas e crenças
pagãs. Ele estudou música, física, matemática e filosofia, bem como, iniciou seus estudos em
retórica, também gostava de poemas e textos de prosadores latinos, entre eles Virgílio e
Terêncio. Por volta de 369 ou 370, já com seus 16 anos, leu o diálogo perdido de Cícero,
“Hortêncio”, o qual despertou seu interesse pela filosofia.
No ano seguinte, volta para Tagaste, para junto de sua família, no entanto seus pais
queriam que Agostinho continuasse seus estudos, e por meio de um amigo da família,
Romaniano, o qual intermediou sua ida para Catargo, segunda maior cidade do império
romano no ocidente. Com apenas 17 anos, Agostinho aprimorou seus estudos em retórica,
destacando-se devido a sua eloquência.
Agostinho passou a seguir o maniqueísmo, doutrina que consistia basicamente em
afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o
Mal). Como os jovens de sua época e de sua classe social, adotou um estilo de vida hedonista,
concepção filosófica baseada na busca pelo prazer.
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Em seguida, volta a Tagaste, para ficar com a família, pois seu pai estava doente, o
qual não resiste à enfermidade e vem a falecer. Contudo, em seu leito de morte, Patrício
converte-se ao cristianismo. Ao retornar para Catargo, Agostinho inicia seu romance com uma
linda jovem catarginense, chamada Calída, com a qual teve um filho em 373 chamado de
Adeodato. O casal se manteve em concubinato por mais de 13 anos, já que sua mãe não
aceitava o casamento deles, devido a origem humilde de Calída.
Com o objetivo de lecionar gramática, volta para Tagaste por volta de 374. Já no ano
seguinte, mudou-se de vez para Cartago, pois foi convidado para dirigir uma escola de
retórica. E no ano de 383, fundou uma escola particular de retórica em Roma. Devido a seu
talento na condução das palavras em seus discursos, foi convidado, desta vez, para ser
professor de retórica e assumir o cargo de eloquente na corte imperial, em Milão, o qual
assumiu no final de 384, aos 30 anos de idade.
Seu aprofundamento nos estudos sobre o neoplatonismo passou a atraí-lo para a fé
cristã, foi influenciado pelos pensadores Plotino - o autor das "Enéadas", Porfírio e Vitorino.
Mas foi o Bispo Ambrósio, quem mais influenciou Agostinho, pois em seus sermões,
encontrou respostas para suas inquietações. E no ano de 386, depois de ouvir um discurso da
vida de Santo Antão do Deserto, converteu-se. A conversão foi incitada por uma voz infantil,
pedindo-lhe insistentemente para "tomar e ler", "tomar e ler". Apesar de não entender de onde
viria essa voz, ele pegou a Bíblia que estava ao seu lado e abriu justamente nas Epístolas de
Paulo.
No ano seguinte, foi batizado pelo Bispo Ambrósio, juntamente, com seu filho
Adeodato, na Vigília da Páscoa. Tempo depois, sua mãe morre e Agostinho perde sua maior
conselheira. Em seguida, retorna a Tagaste e vende todos os bens herdados de sua família,
excerto uma pequena propriedade, a qual funda com seus amigos, o primeiro Mosteiro
Agostiniano.
Quatro anos, mais tarde, em 391, foi ordenado sacerdote (padre) em Hipona e tornou-
se um pregador muito famoso e em 395, foi nomeado bispo auxiliar, e posteriormente,
assumiu a cadeira de Bispo de Hipona, após a morte de Bispo Valério, posição que manteve
até sua morte em 28 de agosto de 430, aos 75 anos. Agostinho foi canonizado Santo por
aclamação popular e foi depois reconhecido como Doutor da Igreja em 1298 pelo papa
Bonifácio VIII.

3 JUSTIÇA EM AGOSTINHO
O jusnaturalismo, enquanto linha de pensamento clássico do direito, é caracterizado
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por abranger uma forma de conceber o conjunto das normas, que podem ser consideradas
como justas, as que de alguma maneira se apresentam como eternas e universais, assumindo
conceituações como Direito Ideal, Direito Verdadeiro, ou mesmo, Direito Natural. O
pensamento agostiniano se situa nessa linha de pensamento e é marcado por uma
ambivalência. A ele, um profundo estudioso das Sagradas Escrituras e da filosofia Platônica,
atribui-se a responsabilidade de "cristianizar" o conceito platônico que dicotomiza duas
naturezas da realidade, um feito que o conduziu ao status de pater ecclesiae.
Platão dizia existir dois mundos: um ideal, onde ocorreriam as manifestações
metafísicas e permanentes das coisas concretas, e um terreno, exatamente onde ocorreriam
estas coisas concretas, temporais e limitadas. O mundo ideal Platônico é constituído de ideias
correspondentes as várias coisas que existem na terra, portanto, para cada ser físico e sensível
existente no mundo terreno há um correspondente metafísico, as coisas podem nascer, crescer
e perecer enquanto que a ideia é absoluta, imutável e incorruptível.
Agostinho se utiliza desses conceitos para afirmar sua visão sobre o Mundo Divino e
que, por ser pagão, Platão não entendia que o mundo ideal era, na verdade, o Mundo Divino,
além do mais, afirmar também sobre o mundo terreno, ou seja, para Agostinho, o mundo dos
homens e suas vidas passageiras.
O autor acreditava, assim como consta no livro de Gênesis, que quando Deus criou o
homem à sua imagem e semelhança, este participava e usufruía da presença de Deus e
desfrutava de sua justiça natural, no paraíso. Entretanto, o homem, por deter uma livre
vontade de escolha sobre suas condutas e ações, livre-arbítrio, ele escolhe cometer o pecado
original fazendo com que o homem fosse expulso do paraíso e, consequentemente, se
afastasse de Deus. Para Agostinho, só havia o bem absoluto que era o próprio Deus - diferente
do pensamento maniqueísta em sua época que concebia a existência do bem e do mal, no
entanto, o homem, por ter livre-arbítrio e por ter sua natureza manchada pelo pecado, comete
erros, se torna cego para o reino de Deus e, por consequência, gera o mal e a injustiça, mesmo
se bem intencionado.
Dessa forma, cria-se um abismo entre a humanidade e Deus, onde este último se
encontra, agora, em um mundo transcendente ao mundo terreno de onde sofreria as
consequências do seu pecado. Esta é a ideia contida na existência dos dois amores possíveis
ao homem se envolver, um o amor a si próprio e a negação de Deus e o outro o amor a Deus e
a negação a si próprio. A questão da separação entre Deus e a humanidade, então, desenharia-
se da seguinte maneira: como o homem se reconciliaria com Deus?
Agostinho acredita que para isso ocorrer o homem tem de buscar no seu interior tomar
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uma decisão de renunciar aos seus desejos e vontades, arrepender-se de seus erros e buscar
viver de maneira pautada na lei divina. A existência de uma lei humana em nada invalida a lei
divina, tanto que em caso de conflito entre uma e outra se deve preferir a obedecer a lei
divina. Para Agostinho a Lei Divina seria o direito natural ao qual o homem não teria
condição de conhecer se não por meio do manisfesto da fé como vontade de buscar o bem que
visa a paz eterna. Por outro lado, na Lei humana estaria o ordenamento moral estabelecido
entre os indivíduos da sociedade para que vivessem em harmonia.
Agostinho dizia que era preciso que a fé orientasse a lei dos homens, de modo que
essas leis se tornem minimamente justas. Esse tipo de lei, para o autor, visa a paz social.
Portanto, podemos perceber então que ao mesmo tempo em que a condição de uma livre
escolha é uma possibilidade a perdição da alma para sempre, é também uma possibilidade de
salvação. As leis divinas, diferentemente das humanas, possuem generalidade, são
imperecíveis e não são circunstanciais, ou seja, mesmo que hajam muitas leis morais em
diversos povos, a Lei Divina continua sendo a mesma, pois é universal e atemporal.
Também na literatura agostiniana se percebe no direito de governar que o poder detido
pelo governante é algo que advém da vontade divina, pois por Deus foi possibilitado que o tal
governasse, do contrário não estaria exercendo o cargo. Por outro lado, o súdito também está
numa condição em que o direito divino lhe atribui possibilidade de que ele esteja onde Deus
quer que ele esteja, ou seja, o súdito não alcança postos hierárquicos mais elevados na esfera
governamental pelo fato de não ter nascido para isso.
É encontrado, para além disso, em Agostinho, um papel do soberano que é o de
garantidor da ordem divina, aquele pelo qual a ela deveria se realizar na terra dos homens. As
leis humanas existem para garantir a boa convivência em uma sociedade onde o mínimo de
direitos devem ser garantidos, como o direito a vida, isto pode ainda hoje ser visto na
Constituição da República Federativa do Brasil, a exemplos: no art. 3º, inciso III. O soberano
deve ser responsável pela manutenção da boa conduta dos indivíduos e assim o faz de acordo
com o conjunto de normas estabelecidas para determinado momento histórico, levando em
consideração a cultura, o ambiente político, o sistema econômico vigente etc. O julgo dos
delitos e o estabelecimento das penas deve ser exclusivo do Estado, que é a autoridade
competente para realizá-lo. Isto é também observável na Continuação Federal, a exemplo, no
art. 5º, inciso LIII, "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente".
No estudo da filosofia patrística agostiniana se constata que a mesma abriu novas
dimensões à reflexão sobre o justo e o injusto, uma vez que a justiça cristã aponta para ideias
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e valores que elevam a compreensão do delito para além do campo físico, fazendo-nos
observar uma natureza singular em cada sociedade, em cada caso. A Agostinho se deve uma
concepção religiosa de justiça a qual ecoa na contemporaneidade, identificando a Lei dos
Homens como transitória e, por vezes, instrumento de usurpação de um poder corruptível -
independente de quem se encontre no posto de liderança - e a Lei de Divina que age de forma
perfeita, absoluta, imutável e atemporal.
Em virtude de sua fundamentação no platonismo e neoplatonismo, o pensamento
agostiniano está centrado no transcendente e em sua ambivalência com o sensível, noção esta
que permeará diversas dicotomias, como corpo-alma, sensível-inteligível, imperfeito-perfeito,
relativo-absoluto, e, entre elas, justo-injusto.

3.1 Lex temporalem e lex aeterna


Para Agostinho, a problemática da justiça está centrada em uma relação entre dois
tipos de lei, uma lei humana (lex temporalem) e uma lei divina (lex aeterna). As leis humanas,
denominada como as da Cidade dos Homens, fruto das decisões humanas, seria imperfeita,
em contraponto ao perfeito das leis divinas, denominadas como as da Cidade de Deus.
A justiça humana, portanto, seria aquela realizada inter homines, como consequência
das decisões feitas pelos próprios homens, não sendo seu objetivo – e sem sendo capaz de –
ocupar-se do que preexiste às relações humanas. Este último caberia apenas à justiça divina,
uma vez que é Deus a origem de todas as coisas. A justiça divina é tida como universal e
também desvinculada de condições temporais ou quaisquer relativismos socioculturais que
podem alterar as leis temporais. A lex aeterna é considerada, portanto, imutável, absoluta,
infalível, perfeita e, principalmente, infinitamente boa e justa.
Importante ressaltar que o pensamento agostiniano não exclui do grupo de lex aeterna
àquelas criadas pelos homens, estando consideradas, portanto, também as leis humanas, por
terem sido dadas por Deus, além da justiça oriunda diretamente do próprio Criador. Este
entendimento consiste na ideia de que a fonte última da lex temporalem é a lex aeterna e que
suas imperfeições residem justamente nas imperfeições e desvios da natureza humana. A lei
divina é impressa no espírito humano influenciando a criação das leis humanas.
Essa característica esta manifesta em nosso texto Constitucional no preâmbulo da
Carta Magna de 1988 ao ser promulgada, nas palavras do legislador, sob a proteção de Deus.
Ainda que, por se tratar do preâmbulo, não ter força normativa, este trecho revela como uma
das fontes para a parte normativa da constituição (lex temporalem) a lei divina (lex aeterna).
Sob a perspectiva da filosofia agostiniana, a lex aeterna como fonte da lei dos homens faz de
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nossa Constituição texto que se aproxima da plena justiça e do pleno bem.


Essas diferenças vão além da questão da própria lei, mas também da maneira como as
atitudes são julgadas por cada uma delas. O julgamento segundo as leis divinas é considerado
perfeito, ao passo que o julgamento segundo as leis humanas pode, inclusive, ser injusto, uma
vez que a natureza divina é onisciente e onipresente, sendo capaz de discernir perfeitamente o
mal e o bem, o que não ocorre com a dos homens.
A própria ocupação entre essas diferentes justiças se diferencia. A lex temporalem se
ocupará da tutela daquilo que garanta a paz social e não necessariamente daquilo que se ocupa
a lex aeterna. Desta forma, por exemplo, o roubo dos bens materiais é preocupação da lex
temporalem e não da lex aeterna (que inclusive condena a paixão aos bens materiais); ao
passo que a inveja, ódio, dentre outros é preocupação da lex aeterna e não são sequer
regulamentados pela lex temporalem a medida que não se concretizam como condutas ilegais.
Para Agostinho, a lex temporalem é indispensável para o governo das coisas humanas
mesmo considerando sua transitoriedade e mutabilidade. Aí reside a importante noção
agostiniana sobre a relação entre justiça e direito, uma vez que a lex temporalem, por ser
mutável, pode por vezes ser injusta, o que, segundo seu pensamento, não consistiria em
direito. Desta forma, só há direito se houver justiça, não apenas quando há leis. Como a
justiça divina é a última fonte para que a lex temporalem seja justa, só haverá direito quando o
governo pautar-se nos preceitos da lex aeterna. O governo que não se pautar nesses preceitos
seria vazio e sem sentido.
Assim, o governo de direito é o governo justo, aquele que dá a cada um o que é seu,
coordenando os interesses e vontades. Um governo injusto, que dá a um aquilo que dele não é
merecedor estaria na contramão da ordem de Deus e, por isso, não seria justo, não sendo,
consequentemente, de direito.

3.2 Livre arbítrio


O homem, enquanto união de corpo e alma e, tendo esta alma a destinação da vida
eterna, acaba vivendo segundo uma relação entre a vontade de sua alma errática (desgarrada
de Deus após o pecado original) e a lei divina inscrita em seu coração. Existe aí, portanto,
uma relação entre a lex aeterna e uma faculdade do homem entre escolher que suas condutas
estejam de acordo aos preceitos de justiça divina, o que Agostinho tratará como livre arbítrio.
A ideia de justiça divina, portanto, está fundamentalmente ligada ao livre arbítrio, uma
vez que ao homem, ainda que tenha inscrito em si o discernimento sobre o certo e o errado
segundo as leis divinas, é permitido agir segundo sua própria vontade, por vezes
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descumprindo a justiça divina. Neste sentido, para Agostinho, a razão é de fundamental


importância para garantir a governabilidade da alma pela alma, evitando que o home sucumba
aos seus instintos e impulsos.
Agostinho trata do livre arbítrio não apenas em sua forma contra legem (contrário à
lei), mas também secundum legem (conforme à lei), ou seja, o ser livre não corresponde
necessariamente à transgressão às leis divinas, mas também à livre opção de ser guiado pelo
espírito divino em direção a Deus, em direção à justiça absoluta. O julgamento segundo às leis
divinas está justamente no livre arbítrio do homem, nas suas escolhas. As obras humanas são,
portanto, a identidade da alma que será julgada pela justiça divina. Está na própria alma a
forma de garantir que o livre arbítrio favoreça que o homem proceda conforme a lex aeterna,
devendo ele voltar-se ao seu interior para que a encontre inscrita em seu coração e aí descubra
a Verdade, a justiça.
A ideia agostiniana de dar a cada um o que é seu tem ligação direta com sua noção de
livre arbítrio, considerando que as livres escolhas do homem, seja para agir conforme ou
contras as leis divinas farão com que o Juízo Final, o Supremo Julgamento, dê aos bons o bem
supremo e aos maus o mal supremo, havendo uma separação entre os justos e os injustos,
entre os que valeram-se de seu livre arbítrio para agir a favor ou contra as leis divinas.
A ideia de livre arbítrio juntamente com o “dar a cada um o que é seu” é observada no
Direito quando se trata dos direitos e dos deveres individuais. Em nossa Constituição Federal
de 1988, por exemplo, todos os incisos do Art. 5º tratam dos direitos individuais garantidos
aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, dentre eles a liberdade, bem como trata da
existência de penas a serem aplicadas (ou não) a quem infringe alguma norma definida do
ordenamento jurídico. O ordenamento brasileiro, no caso, garante a liberdade como direito
individual, porém prevê as sanções a quem o descumpre, tal qual a justiça agostiniana.

3.3 Preocupação com o Estado


Considerando na filosofia agostiniana a importância do direcionamento da alma para o
alcance da justiça divina, parte de sua preocupação estará voltada às organizações sociais e
políticas humanas na medida em que elas sejam capazes de orientar as almas em particular no
sentido de sua salvação. Para Agostinho, um poder temporal ligado à espiritualização,
especificamente a intervenção dos chefes espirituais, é capaz de conduzir os homens, as suas
almas, à pax aeterna. Em suma, o poder político deve estar subordinado ao poder divino (no
caso, aos representantes do poder divino).
Na questão política, portanto, o Estado é meio para a realização da lei eterna, o que
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Agostinho define como compromisso teocrático do Estado, guiando os homens que, com seu
livre arbítrio podem distanciar-se da ordem divina. O Estado deve ser meio, portanto, à junção
eterna das almas com Deus.
Partindo da ideia de que as relações humanas se estruturam na cidade (civitas), além
da casa (domus) e do mundo (orbis terrae), Agostinho abordará que a natureza humana, em
vez de buscar à justiça divina, fará com que as organizações humanas terrenas (Civitas
terrena) a ignorem, por meio das guerras, roubos, assassinatos, autoritarismo e outros.
Agostinho denomina esta organização e este momento como Cidade dos Homens, constituída
da reunião dos ímpios, governada por eventos irracionais, maculada em sua origem em função
do pecado original.
Agostinho aponta que a Cidade dos Homens, é capaz de formular leis e julgamentos
que sejam injustos, uma vez que ignoram a justiça divina, citando como exemplo a tortura e a
pena de morte, consideradas condenáveis pela lex aeterna.
A comunidade de homens que conheçam a Deus e valem-se de seu libre arbítrio para a
concretização da justiça divina é designada por Agostinho como Cidade de Deus (Civitas
Dei), a contraposição da Cidade dos Homens. O compromisso teocrático do Estado, portanto,
seria o de garantir que reine já na terra a Cidade de Deus, fundada por Jesus Cristo e
mantenedora da justiça divina, da lex aeterna.
Na divisão feita por Agostinho entre a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus, existe
a ideia de que há nos homens dois amores distintos. Na Cidade dos Homens, dos ímpios, há o
amor de si e o desprezo de Deus; ao passo que na Cidade de Deus, há o amor de Deus e o
desprezo de si. A diferença entre essas comunidades garantirá a elas fins diferentes no Juízo
Final, que determinará que a comunidade dos ímpios seja condenada. Importante ressaltar que
perpassa pelo livre arbítrio a constituição de uma Cidade dos Homens e de uma Cidade de
Deus, bem como pelos governos e pelo direito.
A Cidade dos Homens possui um caráter transitório, entendendo Agostinho que o
Estado terreno é garantidor da ordem e paz social ao passo que, após o Juízo Final, será
instaurada a ordem divina, unindo a paz social à paz eterna. Em suma, a filosofia agostiniana
direciona-se numa desagregação dos valores mundanos em função dos teológicos, em uma
desagregação da Cidade dos Homens rumo a uma construção da Cidade de Deus.

4 CRISTOLÂNDIA
A prefeitura de São Paulo não foi capaz de impedir que pessoas viciadas em drogas
ilícitas, entre elas o crack, criassem um espaço em plena zona urbana, pejorativamente
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denominado de Cracolândia, que já perdura por diversos anos. No mês de maio de 2017, o
prefeito de São Paulo João Dória promoveu uma ação para acabar com aquele espaço
marginal, utilizando a força policial para remover a população residente no local. Entretanto a
ação não obteve o resultado esperado, uma vez que diversas organizações repudiaram o
ocorrido. Segundo a Advogada Marina Dias do Instituto de Defesa do Direito de Defesa,
foram realizadas diversas violações de direitos, “desde direitos de ir e vir, direitos de ter
acesso a uma saúde pública decente, direito de ter os seus direitos respeitados” (Dias apud
BOEHM, 2017). Com base nisso, observa-se que foi desrespeitado o art 5º XV da CF, o qual
assegura o direito de livre locomoção, pois restringiu a locomoção no lugar sem justificativa
razoável, bem como infringiu o caput do art 6º, no qual é garantido o direito à saúde, uma vez
que transformou a situação de drogadição em caso de polícia, pois promoveu a internação
compulsória.
Em função disso o governo precisou replanejar suas ações, e buscou estabelecer
parcerias com Organizações Não Governamentais que já desenvolvem trabalhos bem
sucedidos junto àquela comunidade, como é o caso do Projeto “Cristolândia” desenvolvido
pela Igreja Batista, que há mais de oito anos vem trabalhando a recuperação dos dependentes
químicos desta comunidade. O trabalho voluntário e sem fins lucrativos está baseado no amor
e na vontade de promover a justiça e paz social, na cidade dos homens, trabalhando não só a
cura do corpo, mas principalmente da alma, para que haja um desenvolvimento espiritual do
indivíduo, preparando-o para que, no tempo propício, possa viver plenamente na cidade de
Deus.
Considerando a concepção de Santo Agostinho, na qual a política que norteia a vida na
cidade dos homens deve proporcionar justiça social ao mesmo tempo que prepara o indivíduo
para entrar na cidade de Deus, o cidadão deve buscar viver, para si e para o outro, a caridade.
Portanto, o dirigente político deve agir de tal forma que o povo veja nele a busca por garantir
a paz social, observando os princípios dispostos no preâmbulo da CF 1988, pois as
instituições governamentais só terão êxito se colocarem os interesses sociais acima dos
interesses particulares.
É claro que Agostinho não está falando que a cidade dos homens deve ser governada
de tal forma a tornar-se a cidade de Deus. Ele não deseja que isso aconteça e nem mesmo acha
que é possível, pois sabe que o indivíduo é apenas um peregrino nesta terra e que, portanto,
deve se preparar para, no momento propício, determinado por Deus, passar a viver
definitivamente na cidade de Divina, a felicidade plena.
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Para Agostinho o homem deve buscar valorizar as coisas espirituais em detrimento dos
materiais. Ele entende que os bens terrenos devem ser utilizados como meios de alcançar os
bens espirituais.
“Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e
onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde
a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois
onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração.” (Mateus 6.19-21).

Ele entende que os que valorizam as coisas materiais são pertencentes à cidade dos
homens, enquanto aqueles que valorizam as coisas espirituais são pertencentes à cidade de
Deus.
Agostinho entende que toda sociedade necessita estar debaixo de um poder, e que o
poder vem de Deus, e que deve buscar a justiça baseada no amor, pois “Quem não ama não
conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 João 4.8). Assim, o poder deve estar a serviço da
sociedade, independentemente de quem está no governo. O importante é que o representante
do povo, aquele que está no poder, governe segundo os princípios da ética, da moralidade e da
justiça, agindo para promover a paz social, assegurada no cumprimento dos art. 5° e 6° CF.

5 AGOSTINIANOS EM BELÉM
O Centro Social Santo Agostinho (CSSA) é uma Instituição sem fins lucrativos que
tem a missão de transformar a realidade social em que está inserido na Paróquia São José de
Queluz, da Ordem dos Agostinianos Recoletos, localizado na Avenida Cipriano Santos, em
Belém do Pará. Ele está situado em uma área com grande contingente populacional onde se
constata a insuficiência de políticas públicas, relevantes à necessidade básica para atender a
comunidade, como posto de saúde, segurança pública, atendimento de caráter social,
saneamento básico e outros.

Foi inaugurado em 22/05/2003, e, atualmente, a estrutura hierárquica do CSSA está


ligada diretamente ao Prior Provincial Fr. SIMÓN PUERTAS PEREZ, ao Vicário do Brasil Fr.
JUAN JOSE ORMAZABAL GARMENDIA e ao Diretor do CSSA em Belém, Fr. ANTONIO
RABANAL BUENO. Este trabalho torna concreto o sonho de vida desses religiosos, que
sempre vivenciaram, em seu apostolado que, oração e ação é uma aliança eterna dentro dos
ministérios sacerdotais, e tem relação com as instâncias econômicas, políticas e sociais. E,
dessa maneira, conscientes de sua missão que exercem seus direitos e deveres perante aos
mais necessitados.

A organização desenvolve projetos para atender famílias de baixa renda de Belém do


Pará, especialmente do bairro de Canudos e circunvizinhanças ao que médicos e psicólogos
13

consideram o básico para a prevenção de doenças e para o bom desenvolvimento do ser


humano. O Centro Social capacita pessoas para atuar no mercado de trabalho, além de
voluntários que se doam para multiplicar os projetos para crianças, jovens e adultos de nossa
comunidade.
A realidade que o Centro Social Santo Agostinho oferece é de condições mínimas para
atender às necessidades da comunidade, dentro de um tripé: Saúde, Educação e Assistência,
que contemplam algumas áreas básicas da assistência pública.
Esse local oferece cursos e qualificações das mais diversas áreas de atuação no
mercado de trabalho, tais quais: Alfabetização de jovens e adultos, Arte Culinária, Artesanato
(aplique em sandálias e boneca de pano), Corte e Costura, Departamento Pessoal, Eletricidade
Predial, Garçom/Barman, Informática Avançada e Básica, Malharia, Manicure, Manutenção
de Micros e Redes, Secretariado, Noções Básicas de Corte e Costura e Operador de Caixa.
Sobre a assistência à saúde básica, o Centro Social fornece atendimentos de consultas
médicas voltadas para as áreas de Clínica Médica, Pediatria, Psicologia, Ginecologia,
Urologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Nutrição, Odontologia e
Cardiologia. Todas com prévio agendamento em diversas datas e horários durante a semana.
É válido ressaltar também que o Centro Social também proporciona um serviço de
prestação de assessoria e consultoria jurídica gratuita em parceria com o escritório RMF&F
Advocacia, bem como ingresso de ações judiciais simples. Essas atividades são realizadas
todas terças e quintas das 8h30min às 11h, com atendimento máximo de 06 (seis) pessoas por
dia.
Diante desta realidade, o Centro Social Santo Agostinho, vem implementando
programas e ações socioculturais, promovendo o fortalecimento e a melhoria da qualidade de
vida da comunidade, oferecendo condições para o exercício da cidadania e o combate à
exclusão social.

Portanto, estando disposto às parcerias, seja com ajuda financeira ou material,


profissionais ou demais voluntários, o Centro Social Santo Agostinho (CSSA) abre suas
dependências, sempre que seja para favorecer a comunidade carente 3. Imerso na lógica de
funcionamento do Centro, evidencia-se a materialização dos ensinamentos do filósofo
religioso Santo Agostinho, atrelados aos primórdios das instituições paroquiais.

6 OMISSÃO DO PODER PÚBLICO EM BELÉM


Segundo Santo Agostinho na sua relação com a sociedade o homem deve possuir um
comportamento ético norteador que é o Amor ao próximo, devendo elevar-se como ser e
3
Considerando que o poder público não consegue atender ao mínimo necessário para propiciar a dignidade da
pessoa humana, conforme determina os princípios fundamentais expressos no art 1º III da CF/88.
14

buscar os prazeres divinos através da fé. Sendo assim, é possível notar a influência desta
concepção no Art. 6º da Constituição Federal de 1988, no capítulo II que versa sobre os
Direitos Sociais. Infelizmente tal afirmativa não é observada quando nos deparamos com a
omissão do Estado quanto à assistência social que deveria ser dada aos moradores de rua em
nossa metrópole.
Segundo pesquisa feita pela Universidade Federal do Pará (UFPa) no ano de 2015,
existem mais de 500 pessoas morando nas ruas da região metropolitana de Belém, dado este
de conhecimento do poder público municipal e estadual. Atualmente existem órgãos de
assistência social tanto estadual (SEASTER –Secretaria de Estado de Assistência Social)
como municipal (FUNPAPA – Fundação Papa João XXIII; porém, as questões relativas aos
moradores de rua são muito complexas.
Em um primeiro momento, podemos afirmar que são variados os motivos que levaram
tais pessoas a morarem nas ruas: o vício das drogas, do álcool, problemas familiares, a falta de
emprego, distúrbios psíquicos, a exclusão social pela idade avançada, dentre outros. Por isso
deveria haver ações especializadas que pudessem atender as demandas sociais existentes.
O grande contingente de indivíduos em situação de rua contrasta diretamente com a
falta de políticas públicas, municipais ou estaduais, adequadas que visem à retirada destas
pessoas das ruas e o acompanhamento psicossocial para que não venham a voltar para as
mesmas; o Estado não possui ações afirmativas que consigam fazer a re-socialização dos
indivíduos de forma digna, não há abrigos públicos que comportem essa quantidade de
pessoas, pois os que existem estão lotados; não há clínicas de reabilitação para viciados em
drogas ilícitas, tão pouco vagas em hospitais psiquiátricos que permitam fazer tratamento
adequado de quem tem distúrbios psíquicos ou, mentais. Mesmo um indivíduo dentro de um
abrigo público não possui acompanhamento psicológico, psiquiátrico, assistencial,
educacional, o que prejudica a reinserção destes na sociedade. Devido a ausência de políticas
públicas, este indivíduos recorrem às ruas, transformando-se em pedintes ou cometendo
furtos.
Infelizmente esse é o retrato da política assistencialista que temos em nosso município,
por mais que seja recebida verba federal para este fim, os quais são aquém ou são aplicados
de forma inadequada, pois o que se tem visto é o aumento da quantidade de pessoas morando
nas ruas a cada ano. Assim, mesmo amparados pela legislação, falta ação dos governantes de
forma a atender aos asseios sociais, de trabalhar para a coletividade e não somente em causa
própria. Neste ultimo caso, confirma-se a compreensão de Santo Agostinho acerca do Estado,
no caso o homem, o qual é passível de ser corrompido pelos prazeres mundanos, pois possui
15

livre-arbítrio e, portanto, decide por se manter na cidade dos homens, onde ama a si e esquece
a Deus.

7 CASO TEMER

O Presidente da República Michel Temer foi denunciado pelo Procurador Geral da


República Rodrigo Janot pelo crime de corrupção passiva4, a qual teve como base o acordo de
delação premiada realizado com o presidente da empresa JBS Joesley Batista. O governante é
acusado de receber propina, por meio de seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, a fim de
favorecer os interesses da referida empresa. As provas apresentadas incluem o áudio de uma
conversa realizada no Palácio do Jaburu, residência de Temer atualmente, sem registro na
agenda oficial da presidência, em que este indica Rocha Loures como “seu homem de
confiança” para resolver todos os assuntos envolvendo as relações entre o governo e a
empresa JBS. Outra evidencia considerada nas investigações é o vídeo do ex-assessor
recebendo uma mala de quinhentos mil reais de Rodrigo Saud, diretor da J&F – empresa
ligada a JBS, com objetivo de favorecer aquela no Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – CADE. Com tais provas, acrescida dos depoimentos dos empresários
envolvidos, o presidente temer está sendo acusado de crime comum em razão do cargo por
receber valores indevidos, bem como a promessa de trinta e oito milhões, para favorecer a
J&F no CADE5.
Ante a situação apresentada, é possível perceber como as ideias de Santo Agostinho
podem ser aplicadas na atualidade, uma vez que as ações consideradas más nascem da paixão
desordenada pelas coisas terrenas, como também pela preponderância da satisfação pessoal à
vontade divina (AGOSTINHO, 2005, p.35). Diante disto, tendo como base as alegações
realizadas por Janot, o presidente Temer ao aceitar valores indevidos praticou a satisfação
pessoal e demonstrou a paixão ao dinheiro, dos quais o mesmo nem poderia ser considerado
dono legítimo, evidenciando seu afastamento de Deus, isto é, da boa vontade6.
O Estado tem o compromisso teocrático de promover a realização da lei eterna por
meio da implementação dos valores cristãos a fim de alcançarmos a ordem divina. Não

4
Segundo o Art. 317 do código Penal, é considerado crime de corrupção passiva “solicitar ou receber, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela,
vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
5
Com informações dos portais de notícias da internet – Portal Terra, O Globo, Justificando, Agência Brasil e G1,
os quais se encontram descritos na referência bibliográfica deste trabalho.
6
Santo Agostinho (2005, pg 56) compreende boa vontade como a disposição em viver uma vida reta e honesta,
com o objetivo de atingir a sabedoria.
16

obstante, os valores perpetuados pelo atual governante brasileiro estão eivados de vícios
considerando as constantes denúncias de corrupção, o que nos permite:

[...] Qualificar um governo como destemperado é dizer que este ou aquele governo
se distância da ordenação comum de todas as coisas. Em outras palavras, o governo
deve se guiar para a condução da coisa pública, e seu distanciamento desta significa
a recondução para interesses outros que não os comuns a todos, mas puramente
pessoais, egoístas. (BITTAR & ALMEIDA, 2005, pg. 1850).

O Estado brasileiro, representado neste caso pelo governante máximo do poder


executivo, tem valorizado as coisas terrenas, aquelas que podem ser tiradas sem sua vontade,
em detrimento das coisas divinas, as quais são imutáveis e não podem ser retiradas. Portanto,
a lei temporal, a qual assegura a paz e ordem na sociedade por meio da regulação das
condutas humanas, será encarregada de julgar as ações de seus agentes ao mesmo tempo em
que estes não ficarão impunes às leis divinas, as quais julgam os ânimos do praticante dos
vícios.
Na análise deste caso, o comportamento do Presidente Temer, caso seja comprovado,
teve como base o amor a si, por se utilizar do cargo para favorecer uma empresa em
detrimento do interesse público. Pode-se notar também que as declarações do acusado
buscaram desqualificar o empresário, bem como levantar suspeitas sobre a edição das
gravações, insistindo na necessidade de arquivamento da denúncia. Tal atitude demonstra o
desprezo do atual chefe do executivo pela justiça brasileira, cujos membros também são
objeto das acusações de Joesley Batista.
Desta forma, podemos realizar uma analogia entre o Estado Romano à época de Santo
Agostinho com a degeneração do Estado brasileiro, em que ambos estão marcados pela
corrupção e sensação de impunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou compreender o conceito de justiça nas obras de Santo


Agostinho, baseado na dicotomia entre a Cidade de Deus, regida pela justiça divina, e a
Cidade dos Homens, pela justiça humana. Após este entendimento, relacionou-se as principais
ideias do autor à realidade brasileira.
Apesar de o ordenamento jurídico expressar vestígios da ideologia agostiniana,
percebe-se que os governantes têm relegados os valores teológicos referentes ao amor ao
próximo em detrimento aos valores mundanos dos bens materiais, visando seu próprio
favorecimento.
17

Na medida em que as decisões do soberano são baseadas em sentimentos egoístas, de


favorecimento de seus interesses pessoais – seja ao violar o direito dos cidadãos, ao não
oferecer um serviço de qualidade ou se apropriar de valores indevidos – em detrimento do
interesse público, a lei humana se afasta da lei divina, gerando desigualdade e desordem. Não
obstante tal comportamento dos representantes governamentais, a sociedade civil tem
conseguido disseminar os valores cristãos por meio de ações assistenciais às pessoas em
vulnerabilidade social, tentando amenizar s efeitos da omissão do poder público.
Ainda assim, tal qual ocorreu no Império Romano, o país tem enfrentado pressões
internas e externas, expondo uma crise econômica, política e moral, cuja consequência é a
violência descontrolada. Há um enorme desrespeito pelo humano, E, consequentemente, pelo
sagrado, evidenciando a separação entre a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus.
Ante o exposto, constatou-se que a concepção de justiça presente nas obras do autor
medieval é indispensável para a compreensão do direito na atualidade, uma vez que
consubstancia o Direito Natural na justiça divina, a qual se opõe a justiça humana.

BIBLIOGRAFIA

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http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-06/pgr-denuncia-temer-por-crime-de-
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Paulus, 1995.

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 4.
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FRANCA, Ludmila. Fim do Império Romano. Instituto Noberto Bobbio. Disponível em:
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18

JUSTIFICANDO. Michel Temer é denunciado por corrupção passiva. Entenda os próximos


passos. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/26/michel-temer-e-
denunciado-por-corrupcao-passiva-entenda-os-proximos-passos/>. Acesso em: 03 de julho de
2017.

O GLOBO. Janot oferece denúncia contra Temer por corrupção passiva. Disponível em:
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PORTAL G1. PF afirma que provas mostram ‘com vigor’ que Temer praticou corrupção.
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BIBLIA, português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira
de Almeida. Edição Revisada e Atualizada no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil,
1969.

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