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EM BUSCA DA IDADE DE OURO

o PAPEL DA ALQUIMIA
EM DANTE ALIGHIERI

Na hierarquia dos pe<''ados e dos correspondentes castigos elaborAda por


Dante, surpreende à primeirA vista a brandurA da punição atribuída por ele
aos mágicos e adivinhos, comparada ao rigor aplicado aos alquimistas. Mas
isto se esclarece quando se recordam as fortes criticas do poeta à sociedade
do seu tempo! e a utopia nostálgica que ele construía como proposta alterna­
tiva. Ora, parA a concretização dessa utopia, a alquinúa era o melhor instru­
mento por ser um saber cantcterizado pela «vontade de fugir da história"2.
Exatamente por ser um crítico implacável de seu momento, o poeta não ignorA­
va o processo histórico, mas o interpretava de acordo com suas preocupações
escatológicas, colocando o sentido da história no próprio fim dela. Porém
antes disso ocorrer haveria, como etapa precedente, urna nova Idade de Ouro,
o reino terrestre de Cristo, o Milênio. Do ponto de vista dantesco, a alquinúa
tinha um importante papel a desempenhar na concretização daquela etapa.
Em função disso, na verdade Dante não pune na décima fossa do Oitavo
Círculo do Inferno os alqtil.mistas, e sim aqueles que se faziam passar por eles.
Castiga os falsos alquimistas por serem elementos perigosos, ao enganosa­
mente pretenderem elaborar a AT.5 Magna, o aperfeiçoamento do homem e
da natureza. Tal postura não era exclusiva do poeta, merecendo a atenção da

I. li. Franco Júnior. "A Trindadc do Mal c a DClIlonizaç-lo Social cm o-..ntc Alighieri", IIL<lória, 4,
1985. rI'. 71·78.
2. C. Crisciani c C. Gagnon, A/cbimie el pbilosopbieau MOJ"nAge: I'erspeclives el probli!mes,Montrcal,
Univcrs, 1980, rp. 24 c 72; j.·C. Margolin c S. Matton (dir.), AlcbimieelpbilosopbieàlaRenaissance,
Paris, Urin, 1993.
� poca. A falsitkaç:to de meta is era ohjeto de preocupaçüo dos pr6 prios alquimis­
tas·i. Juristas cOllm Oldm do da Ponte 0270-133'» interessavam-se pela alquimb
enquanto expn:ssào do fenômeno sociocultural da integra çã o entre filosofia
e med i c ina . considera ndo a lgu m"is de suas p r.íticas legai s e;: outms não1. O Pa­
pa João XXI!, adepto das i d�ias al qu imistas , condenou em 1317 a prática delas.
temeroso de que pudessem le v ar �I fals if i caç.i o d a moeda ; .
Dante coloca aqueles indivíduos, com lepl".1, ao lado de outros falsifica­
dores. os de identidade punid os com loucura, os de moedas com h id r opisia,
os de palavras com febre ardente". Tamb�m Tomás de Aquino não condena ­
va a prática alquímica, mas a falsificação de metal precios o . 1'''1".1 ele, "se a
alquimia fizer ouro verdadeir o não será ilícito vendê-lo como tal, pois nada
impede a arte de usar de celtas causas naturais para produzir efeitos naturais
e v erd ade ir o s " 7 .. Um dos mais pop u lares textos d o s�cul() XIII. Le ROlnO/I dI!
la Rose, t r.t d uz ido para () italiano por um celto OUl"dnte Fiorentino, possiv el­
mente () prcíprio poeta , tamb�m.J.Iceitava a transmutação de outra ma t �ri a em
ouro, mas le mb ra va que só teria m sucesso nessa ta re f a "os que, de fato, são
mestres em alquimia/[ .. .! a es te resultado não saberiam chegar/os que se ocu­
p a m apenas de falsa dência"6. Por te�e dedicado a esta � que Capocchio d e
Siena, colega de estudo de Dante, condenado e q uei mado vivo em 1293. toi
c h amado por ele de-"hom i mi tad or da natureza"').
O verdadeiro alquimist a não pre te nd ia realizar essa mera imitação, e sim
reordenar a nat ureza. Oaí o contemp orâneo Armlldo de VilIanova (I 240-1313)
afirm ar que "esta ciência não � out ra coisa que a perfe ita ins p iração de Deus"W.
Nascido no mesmo ano, o poeta Jean de Meun concordava com ele: Alqui m ia •

� uma t � cnica verdadeil".1/quem sabiamente a estudar! gl".1ndes m ara vi lhas aí


pode enc�ntl"dr"lI. Alberto M agno (I 193-1280), que Dante coloca no l'al"díso
e a quem se atribuíain di v er sos t l"dbalhos no cam po da alqu imi a, provavel­
mente compartilhava da mesma id�ia. Ainda que não esteja confirmada a au­
tentic idade de todas as obras atribuídas àquele, importante teólogo , elas pe lo

3. C. Cri.<ci,mi. "I... Quacsrio de Alchimia f..d J)lI�'..:enro e T�-c�....ro", M"dieJ(!'''. 2, 1976, rr. 119-168.
,. 1'. Millliorino, "Alchilllia l.ccita e IIk-cira ncl Trccenr,,", Qm.dern; M<'tIic!/J<.Ii, lI, 19111, rr. 6-41.
5. I.. '111orndikc. A Ili,"ol')' (11�/tI,�ic 1I,,,II�\1K!rilllc!"'lll �Çc;;(!ncc:. Nc.."\v York, Columhia Uni\rcrsity I'rcs.....
1931, "01. 111, r r. 1!l-3!!.
6. C."",,,,C!diil, Inferno XXIX. 137.
I. Tonüs de :'quino. SII"UI n.�II(�r:;ctl. 11-11. q. 77,:1. 2, cd.-tmd. A. Corrca. (t I \'ols.). I'ortu Alegre.
ESl."OIa Superior de "'"."ologia S;in l.uurenço de Brindes - lIni\'cr:;id.dc de C:axias do Sul-Sulina
Edi""",,, 19KO·19II1. "01. V, rr. 26IK-2620.
ti. Jean de Meun, /.e! No""", tle lil 1<0."*, \'\'. 16 105 c 16 115-16 116, l."<.l. A. l..anly. (1 ,·ols.), I'ari!'.
Ilonoré Ch:lIl1rion. 1973-1976. \"OI. IV, r r. 1,12-113.
9. COII/II/('Clitl. Inferno XXIX, 139.
lO, Citado por S. Ilutin. l.lI l-'1e l/lIoli(/icnllc dc...· 1I1cbimis'es tllI Jloyen A.r:(", Pa ri s , Ilachcttc. 1977, p.
111. N:l0 é impnn-á\'cI que I);mtc tenha co nhec id o a Ohr..l ou mesmo :1 pessoa de Arn..ddo, nu:-di­
co, tc61()�o e êllquimist:l que viveu n�l C�ltalunlm. em Paris. Monrpcllicr. rlorcn<;êl. 1\olonh:'l. N:1poh:s
c Palcrmo: Dr. Irotlcr. l\'otll,l(.Jf(1 hiogrtljJbie 1I11i1:C,/'S(,/I(!, Paris, Didor, lH'52. \·01. 1 1 1. col. 279-2H1.
11. I.d J(Oll1tlll de Illllo.,'\('. v\'. 16051-160'56, \'01. IV, p. 1'i0.
2.1.1
menos �dicam "um parentesco conceptual entre seu pensamento e certas pers­
pectivas alquímicas"ll. De fato, distinguindo entre magia natu....d e magia peca­
minosa, ele defendia a desco\)ert<t de vÍl1udes ocultas nos elementos, tendo
realizado pam isso diversos experimentos u. Postura endossada por Dante, que
faz Ue-"triz dizer que a experiênc ia "é na terra a nu t riz da melhor arte"11.
Não somente Dante com certeza ti ve ....t conta w com aquelas idé ias , como
algull.'; indícios nos sus.:erem certo donúnio desse saber por parte dele. No que
diz respeito à obten�"ào daqueles conhec i m ent o s, deve-se lembrar que a
alquinúa foi introd uz id a no Oci dente por influência árahel;, cultura com a
qual o florentino tinha contato e que estava presente em sua obral6• Se a
alquimia cristã for compreendida como uma forma de aristotelismo heterodo­
xo saído das t..."duções latinas do século XUl7, fica reforçada a idéia do aces­
so de Dante a ela: ele que conside....lva Aristóteles o "mestre do pensamen­
tO"18 e a quem con hecia através daquelas tmduções por não saber gres.:o.
O peso ·disso fica evidencia do quando lembramos que no conjunto de
s ua ohm, Alighieri fez mais de duas centenas e meia de cit<tções dos clássi­
cos, sendo quase metade delas do Estagirita. Acrescente-se a isso que quan­
do, em 1295, forçado pela situa\.;ào política, precisou fil iar- se a alguma das
muit�'i corpo ..."ções profissionais de Florença, Dante o fez na dos médicos e
farntacêuticos, opção estranha par.. um Iite ...dto e filósofo, porém compreensí­
vel par" alguém interessado pela alquimia. De acordo, aliás, com o crescente
interesse que aquele <.-amp<) do conhecimento então despertava e que fez com
que no século XIV o número de oh.....s alquímicas se multipli<..-asseI9.
Quanto à elabo..."�"ào daquele conhecimento, é importante observar que
alquimia e filosofia não se opunham, como muitas vezes se dL'ise - pelo con­
trário, se' complementavam. Não somente os alquimistas e.....m chamados de
filósofos20 - e buscavam por iSliO a pedra"filosofal" - como a sua arte era
"a tentativa de ju�ç ã o entre o discl;;so ·éientífjç���·Z)-;i lbólico"21. � O alqui�lista
re apresentava entre o sábio e o ignor"nte, ent re() s pr()êe(Jimentos espirituais
e os ntateriais, pretendendo atuar como uma ponte que os aproxin'iasse. A
alquimia impli<..-ava um processo cognitivo em dois planos. um ..."cional e expe-

12. Crisdani c Gagnon, "/>. cu., 1'. 27.


13. A. C. Cromb � JlL"lIri" :!,, I" Ci,mcill: llf: Sim Agl/.<lill " G"Ii1<'(), (trdd., 2 \'ols.), Madrid, Ali:1n�.a,
197�, vaI. I, rI'. 58 c 12�.
H. CO",,,,erJill, I'ardt"" li, 95-96.
15. Cri.�iani c G.. gn()n� o/J. cU. p. 19.
16. M. I'.. bcio� A:dn. 1.tIIiSCtllo/ogü, MlI.'mlnlllnll ,." Itl (.'0"1(·";0. �bdrid. llipcritín.-i. ud. ,19tH. sobre·
tudo 1'1'. 387-'121.
17. Cri.óni e G:tgnun, "/1. cit.• r. 79.
18. Co",,,,edi(/, Inferno IV, 131.
19. W. Gan..,nllluller, L'Alcbimiem, .�[((I"(I/llIge, (tr:td.l. I'ari., AlIhicr, 1910,1'1'.17 c 57.
20. Cri.<eani e Gagnon, 0". cI'., rI'. 2j e 65.
21. G. 11. AUard, "La I'cns6.: symbo1iquc au Moyen AHc", em CClbiers '''lernuliontlllJ.·de.�}""bolis11l(J,
21, 1972, r. 12.
rimental, outro divino e colocado além d:uazàu2l. Ord, o próprio poeta expl i­
ca que a Commedía encerm um sentido literdl e outro alegórico, tendo em
razão disso sido es<:rita em estilo simples e em idioma vulgar, como os que
"as mulheres utilizam em suas conversações diárias" 2:1.
Apesar de os tr.uados de alquimia se apresentarem misturados com
escritos da Escolástica, como se vê na obrd de Alberto Magno, o discurso alquí­
mico ocorria ford das instituiçôes devido aos seus motivos neoplatônicos e
herméticos, que desde o século XIII tinham sido expulsos da universidade2i.
Nessa perspectiva, poder-se-ia repensar as C'dzôes que levaram Dante a desis­
tir de obter o grdu de doutor na Universidade de Paris, () que possivelmente
teria depois aliviado a "extrema pobreza em que me deixou o desterro"li. O
naturalismo excluído do pensamento oficial refugiou-se então na tradição
mágica popular, aparecendo sobretudo em Le Roman de la Rose e na Commedia,
obrds inter-relacionadas em diversos aspectos: "Se o mundo voltasse mais a
mente/para o fundamento da natureza/seguindo-o seria melhor toda gente"26.
Em função disso, Dante Alighieri se colocava como defensor daquele
tipo de saber. Vendo na alquimia a atividade de um artesào que pensa e reza,
e que não tinha lugar na ideologia urbana do século XIV27, pode-se entender
melhor as críticas feitas por Dante à sociedade florentina. Ao reprovar a ambiç-do
e o despudor de seus conterrlneos, ele ao mesmo tempo lamentava as impli­
cações sociais do fato e exaltava implicitamente a necessidade de recorrer aos
métodos alquímicos que purificariam a lnatéria e o homem. Nessa linha, as
críticas feitas à alquimia no início do século XIV pelo papado e pelos francis­
canos, dominicanos e cistercienses, devem ter contribuído para as ácidas
observações do poeta sobre os pontífices e sobre aquelas ordens religiosas
naquele momento.
O mais importante, porém, era a prática daquele conhecimento por parte
de Dante. De fato, a viagem que ele realiza pelo mundo do Além segue o es­
quema das operações alquímicas, partindo da ca1cinação (destruição da forma
primária) até atingir a coagulaç-do filosófica (junção perfeita e inseparável dos
princípios da matéria). Quando "no meio do caminho desta vida/me encon­
trei numa selva escura/porque a via reta estava perdida"28, o poeta precisou
destruir sua matéria pecaminosa assistindo aos tormentos do Inferno, para
somente depois poder encontrdr Deus. Um interessante texto alquírnico do

22. Cnseiani e Gagnon, op. cil., pp. 50-51.


23. Dante Alighieri,l1IJIslOÚle, XIII, 31, cd. E. I'istelli, Enclclo/Jedit. Dantesca. AjJpendice, Roma, Istitulo
della Enciclopedia Il2liana, 1978, p. 815.
24. Criseiani e Gagnon, op. C;,., p. 17.
25. E/Jlslolae, li, 7, p. 806.
26. Commedia, Paraíso VIII , 142-1 H.
27. Criseiani c Gagnon, o/,. cit., p. SO.
28. Commedia, Inferno I, 1-3.
século XIII, Aurora C01/surgens, que foi atribu ído a Tomás de Aquino.!'J, afir­
ma que a criança vem à luz após ficar no ventre três meses conservada na
água, três meses alimentada pelo ar, três meses preservada pelo fogo. Somente
então ela nasce, recebendo vida do sol, "o ressuscitador de todas as cois as
mortas·. No seu proces so de renascimento espilitüal, -Dante tambem -passOu
por essas três faSeS;ã prliúeir� dcmfulãda pela ilgÍJii: nu poço aoTnfe�o,- es(��d;;­
o pr6prio Lücifer semi-enterr4do num hloco de gelo; a segunda deu-se ao ar
livre, na montanha do Purg4tório; a terc eir4 nos céus, próximo aos astros e
caminhando sempre em direç-lo à fonte luminosa q ue é Deus. Em termos mais
precisos, S"'4indo da escuridão do Inferno (,zigredo) pam o branco do Purgatório
.
(albedo) e depois para a luminosidade do Par4 íso (nlbedo e cilrinitas).
Na mes ma fonte sonhava-se com um éspírito que "libertasse minha alma
do mais profundo Inferno":!o, passagem de claro paralelismo com o agradeci­
mento de Dante a Beatriz: "Sendo eu servo, me des te a liberdade"31. Beatriz,
que aliás lhe apareceu pela primeif"4 vez ve stida de "cor sanguínea" .."ortan­
to na etapa do rubedo, pois a pouca idade do poeta preservava sua pureza.
Anos mais tarde ela lhe aparece de ·cor br4nquíssima", pois o jovem Alighieri .
já precisava purificar sua alma32• A morte da amada lançou-o de vez na escuridãõ
do pecado, que ela lhe recriminaria ao reencontrá-1033. Portanto a tf"4jetória
espiritual do Florentino involuiu, apesar de suas boas inClinações naturais3i.
Para reverter esta situação é que Beatriz interveio recolocando o poeta no
caminho do autoconhecimento.
Também é preciso lembr4r que havia estreita relação entre alquimia e
astrologia, com a Gr4nde Obra somente podendo ser realizada em condições
astrológicas favor.iveis e que precisariam, portanto, ser bem conhecidas pelos
alquimistas. Qra., Dante demonstr4 seguidamente seu saber aStrológic035. Ele
afirma, através de Beatriz, qUe):fliOffiomento do nasci�oa-sestreias·
definé� d�destiqQ..de cada indivíduo36. Atribui mesmo seu ta­
lento ao fato de ser do signo de Gêmeos·�7. Mais ainda, acredita que da "radia­
ç-lo e dos movimentos das luzes sacras"38, ou seja, dos astros, são criaaasas
alnw· dos-;;ri�s plantas. Portanto, os astros são intermediários entre
Deus e todas as partes da CriEM>� ..exceto._os...aojos, as homens Q..!:é.u_e
. a
tTI;itér� p�ordi�I, criados diretamente pela Divindade. Porque toda Grande

29. M. L. Von Franz. Alquimia: Introdução ao Simbolismo e ti l�sic{)ln.qitl, ( [fad.), São I'aulo, Cultrix,
1985, p. 213.
30. Ide"" p. 216.
31. Commedia, Paraíso XXXI, 85.
32. Darue Alighicri. Vila Ntwva. li, 3. ceI. M. lIarui, lincic/opedia DanlesCll. A/lpendice. p. 623.
33. Commedia. Purgatório XXX , 130-132.
31. Idem, XXX, 115-117.
35. Ide"" lnk'fno VI, 68 el l_Sim.
36. Idem, I'urgatório XXX. 109-111.
37. Idem, raraíso XXII, 112-114.
38. Idem, VII, 141.
_ / Obra deve ser começada por volta do equinócio da primav�ra.1'), a viagem de
i Dante pelo O utro Mundo ocorre em abril de 1300, exatamente naquele momen­
Lto, ou pelo menos próximo a eleiU•
Em suma, ou tendo sido um alquimista (hipótese não descartável) ou
apenas tendo tido certo contato c.:om aquele tipo de conhecimento - o que
seria coerente com o encidopedismo da época - a verdade é que Dante
encontrou na alquim ia mais um elemento para a construl.'ào de seu sonho de
uma sociedade perfeita1 1 • Sabemos que a Ars Magna buscava mudança s na
natureza e.'ipiritual do homem a (Ydltir de alteraçües na composil.'ào química
das coisas, não estando portanto a.'isociada à feitiçaria12. Por L'isO mesmo, da
era a ciência ou a arte da imortalidade, pretendendo possibilitar o reencon­
tro do estado anterior. à Q ueda4.i . É interessante que as duas etimologias admiti­
das para alquimia estejam ligadas a essa idéia : a palavra viria de Kemia, for­
mada do egípcio Kem, " terra ne�,'ra", que era um dos nomes do Egito, ou do
chinês Kiam-oik, suco de ouro", um dos nomes do elixir da imortalid ade
"

naquela civilização11. De qualquer forma , as duas possibilidades falam da


mesma coisa , uma adotando o �nto de partida (a terra da qual foi feito o
homem, matéria a ser purit1<.:ada),outra o de chegada (o ouro, a luz, a essên­
cia divina).
Pela Tábua Esmeralda, que os medievais atribuíam a Hermes Trimegisto,
a realização da Grande Obra era análoga à origem do mundo, à o rganiz ação
do CaOS primitivo , daí ser para os alquimistas um processo sagrdd015. Isto é,
a prdt ica alquímica apenas acelerdri a os processos da natureza, revelando a
verdade essencial: "O que está emIYaixo é como o que e.�tá em cima e o que
está em cima é igual ao que está em/Ydlxo, para realizar os milagres d e uma
única coisa"1tí. Por isso o local em que se tentava realizar tal obr.i era umlabo­
ratório, lugar de trabalho (labor) e de ordç'do (oratorium). Pard os alquimis­
tas, o crL�anL'imo libertara o homem do pecado, mas não lhe restituíra a
natureza primordial, daí pretenderem akanç�r a pedrd filosofai, identificada

39. lIutin, 0/). cil, p. 77.


40. A dat-.J. exara do início da viagem dantCSC"tI é difícil de ser prcciS:J.d;t. ma....; dc.!vi:l c,$Iar entre 25 de
março (primeiro dia do ano pclo C'dlendário flo rentino ) e 8 de abril (s<''Xt;,·rdra s.nt� naquele ano
de 13(0). Como na éf'X>Cl de l)o.lnte usava-sc o calendário iuliano. que apr(.'SeIU2''''.. lima difercnç".1.
par.. mais, de de." dia..... em rc la(;ão ao ak.-ndário gregoriano ut il i.,.ado a ...artir de 1582. () prim eiro
dia dc abril (."(urespondia :tstronomic:uncntc ao 21 de março, cxaramcntc o dia do l."<luinócio de
...rimavcrA no hcmi..�fério nortc.
11. Contudo. a rrestigiosa IiIlCicJO/l,!tlit, /JanlesCtl. dir. \l. lIosco. (5 \'ols.). 1970-1976. dcdia, ao ass u n ·
to um ver1.x..'(c de apenas nove linhas. $'-"111 nenh uma indicação bihliogr.ifica (\'01. I. p. 110).
42. J. 11. Ru..",I, Il'lilcbcntjl inIbe ""idd/u JIRe.� Irhacu. CorneU lJni\'crsity I're.... 1972, rr. 9 c 263.
-13. Ilutin. ('/1. cil., ... . 60; li. l)u\'.II, 1.i1I\�".fi{.%!al,bimiqlle e/Ia ClJIIle dll (jrtltll, Paris. Ilonoré Champioll.
1979, r. 250.
41. D\I\"dl, ojJ. cil., r. 9K.
45. l I\1tin. ojJ. cU., rr. 76·77.
46. IIcnnc..'S Trismcgisto. "Tábua de Esmcr'",.lIw", cm (."cJllJl1... 1Ii:,.meliclIlII. ((moJ, São Paulu. lICI11US,
1983, r. 127.
ao Cris(()�7. Estt!, cOlno Sfulholo do Si·l)lt!slllo. dt:liv,,-v.!!..!.!JI)�ão dos Op(�Sms:
do pqnt�� .Y!��lu��ui�n ��. "I.llllt�.r.i,í" .(��_.�C .m�t:ndiatr.U1.sfonii;lr el"da
vida Pliíqu.i�<i! <I .()2!��<:'<.?lTesPEt:lc.I�Ei,� .<t('. R!!'<;t!1!1óO ��jll�ivi��.açã�'"!.
. _ . .. .

N a pt!rspt!ctiva d t! Dantt:, t: nt a rt:descobt!rta do homt:m primordial. Era


o retorno ã Idade de Ouro passada, para cujo restabelecimento e1t! acredita­
va estar prt!destinado a contribuir. Para ele o processo alquímico significava
passar do chumbo (cujo planeta correspondente � Saturno) ao ouro, portan­
to à idade primordial, presidida pelo próprio Saturno ou Crono, deus das ori­
gens e do tempo. Ao relembrar esst! fato, Virgílio fala a Dante sobre a ilha de
Creta, onde no reinado daquele deus ac ontecera a I dade de Ouro. Lá, no mon­
te Ida onde Rea tinha escondido seu filho pa ..... não ser devorddo pelo pai (o
tempo), há o vulto de um velho posicionado dt: costas para Damieta e de
frt:ntt: para Roma. A caheç,) delt: � dt! ouro, os br.tços e o peito de prata, o

vt:ntrt: de cobrt:, o restante dt: ferro, menos o p� d ireito , feito de argila. ·Em
cada uma de:: suas partes, mt:nos a cabeça. há u ma fenda de ond e saem lágri­
mas que fonuam os rios do Inferno t: o lago Cocito19.
. l'assagem rica de simbolismo, e difícil de interpretar. Os comentadores
de-Dante quase sempre .se reft:rt:m à figura do velho como sendo análoga à
da estátua descrita pelo livro bíblico de Daniel, a qual alegorizava os vários
impérios do mundo;u. Mais qut: isso, por�m, deve-se in!listir em que Virgt1io
falava num "mundo casto";I, no qual estava "morta toda malícia", co mo o pró­
prio Dante lembr.tria mais adiante52. Erd ali, dentro da montanha, portanto no
seio da Mãe-TerrA, que se encontrd v a o "gr.mde velho";·i, apesar de a ilha estar
"agord deserta como coL�a inútil";1. Imagem, portanto, de um mundo puro
que já não existi a na épO<.'a de Dante, tanto que se achava desabitado. Ou
melhor, nele pemtanec..ia apenas o v e l ho frágil com todo seu peso apoiado
,

num pé de argila.
Ademais, o Grande Velho dantesco apresentava as cores típicas do proces­
so alquímico, porém na ordem inversa, expressão da decadênc..ia humana:
dourddo, brdnco, vermelho, preto. Contudo suas partes nobres, sedes do espíri­
to e da alma, a cabeça e o peito, ainda er.tm de metais preciosos. Mais impor­
tante, o pé de argila sublinhava a ambigüidade do ser humano, pois argila é

47. lIusscl, OI'. cit., p. 30-31.


48. C. G.Jung. Aion: IisJudossobreoSimbo!i.nuodo Si-IIIc.lSmu, (rrdd.), P<.1")polis. Vozes, 1982, pp. 63·
66; A-().'stc.�rillm ConiullcJion;s, (trJ.�.). Pctr(lpolis. Vozes. 19K; ..,.1:4;, Apesar de o método dcJung
.

ser várias vezes problemático partO o historiador por sua tendência a·hi.óriCl, ao menos sobre a
alquimia ele -pode ser um cxccl'c nrc instnnt'cmo de cxcg(.�.sc". S«.."gUndo R. 11.illlclIx, l.es Texles
,,'cbimique-', TlIrnhollf, IIr erals . 1979, [l. ;5.
49. Co",media, Inferno XIV, 91-12U.
50. Dn 2, 31-15.
51. Cammedia, Inferno XIV, 96.
52. Idem, l'ardiso XXI, 27.
53. Idem, Inferno XIV, 103.
51. Idem, Inferno XIV, 99.
adamab, ou seja, ao Illt:SIllO tt:11lpO "solo" t: ·vermdho". Enquanto solo relem­
bra a fragilidade huma n a, já qut: "és pó e ao pó tornarás"s;;, mas enquanto
vermdho r egis tr", a possibil idad e de se recuperar o mundo perdido , pois rube­
do é a fas<:: da união com a própria alma, é a regener"'ção. Tudo isso não lem­
brava o Adã o alto e belo de antes da QuedaS/J ? O Adão andr6gino como o
mít i co Hermafrodito criado no próprio mome Ida;]?
Dessa forma o vdho colocado no centro da il ha de Creta - a monta­
nha é sempre um axis mundi5tJ - corre spondia pela lógic.t simbólica à árvore
plantada no centro do Paraíso. Se 1embr"'ffilos que esta é ao mesmo te m po
Adão t: Cristoi'J, que Saturno é alq uimi camente o primlls anlbroposoo e que
Cristo é o "último Adão"61, a figur", do gran veglio ganha todo o s eu sentido.
Ele é o Adão primordial. É por isso que de suas diversas partes, menos do
ouro incorruptível, saem lágrimas formadordS do s rios infernais, o Aqueronte
("sem alegria"), o Estige ("tri steza"), o FlegelOnte ("ardente") e o Cocito("pr",n­
to"). Tf""'tava-se, pois, de uma quaternidade inversa à do Paraíso, também cons­
tituída por quatro rios61.
É tal vez em r",zão d i s so que o velho se colocava de costas para Damieta,
L<;to é, pa r", o Orientt:, onde a geografia illlaginária medi eva l localizava o l'af"4!:
"
so. C�n.'ieqüentemente, ele o íhãvãpa
r", Roma como par", "seu De espe�
forma sig nificativa, apenas nesse momento da narrativa é que o poeta descreve
o velho e, atl"",vés dessa imagem da degradação humana refletida em Roma,
Dan te insistia na crítica à Ib'Teja, que ele consider",va prostituída61. Episódio
paf".llelo àquele no qual, envergonhado dos erros passados , o próprio Dante
vê seu reflexo nas águas do rio Letes, um pouco antes de entrar no Paraís065.
Aliás, foi naquele momento qu e ele reencontrou B ea triz , não por acaso ves­
tida de. ve r melho66. Podemos então, finalmente, entrever as intenções do poe -

55. Gn 3,19.
56. 11. Grdves e 11. I'ala i , 1.0.' Mitos ll<-breo.<, (t r d d. ), Madrid, Alian7.a, 1986, pp. 56-57; 11. I'ranro Júnior,
As UlopiaSMedieuai.<, S. Paulo, Ilrdsiliense, 1992, pp. 125-128.
57. Segundo o milo grego, I k'l"mafrodilo, fil h o de Ilermes e Afrodile , teria sido criado nas florestas de
Ida, na Frigia, cf. I'. Grimal, Oiclionntlire de "(l1bologie grecque el ronraine, ""ris, I'UF, 1990, p.
206. Conludo o rd(llo de Ganim<.'<ic por Zcus, mito lemhrado por D-dntC (Purg-dlório IX, 22-24), erd
localizado ora em (da da frígia, ora em Ida de ereta (Grimal, (l. 164). Como Ganimedes era o "mais
belo dos monais" c ganhava traços and róg in os na sua relaç'lo com Zcus, ele erd comparável ao
Adão pa .....disíaco. de forma que a idcntifk"ação mítica Hcrmafrodito/Ganimedcs/ Adão e sua asso­
ciação com a ilha de Cret3 pa recia m dados naml"'''is a Dante Alighieri.
58. M. liliade, TraJado de /listória da.• Re/(qiiie.<, (lr�d.l, l.isOOa, Cosmos, 1977, pp. 444 ..448.
59. Ou",..I, o/,. cit., pr. 250-251.
60. Jung, Aion, p. 188.
6 1. 1 Cor 15, H.
62. Gn 2, 10-14.
63. Commedia, I nferno XIV, 105.
64. Idem, Purgalório XXXII, 149.
65. Idem, XXX, 76-78.
66. Idem, XXX, 33.
ta. Ele � o Grande Velho, que � Cristo, que � Adão. Nele próprio, Dame, () exi­
lado, resume-se a história do Homem, exilado em busca do PardÍS<> perdido.
O tema ressurge quando o poeta lembrd os versos de Virgílio na IV Éclo­
ga, que ele reescreve assim: MO s�culo se renova/ volta a justiça e os primeiros
tempos do homem/e uma nova raça desce do c�u"67. Portanto, essa "nova
raÇ"d" erd na verdade a dos "primeiros tempos do homem", ou seja, a do ser
humano enquanto andrógino. De fdto, partindo da tradição judaica, a androginia
mantinha-se presente no cristianismo: "Não há homem nem mulher, pOͧ toilils
v.Q��is um s6 em Crjsto"68. �a ve�� essa concepção erd muito antiga e
-difu(ldida, erd parte integrante das _t:-�tlm!l!_-º!�i.s ��<lica..�! �.i_ a���
as próprias &i'-Úidãdeseram geralmente andróginas. A pre�!.1�<! ���asigi.lli �
ti atestaõáenÚfiversas socieOãdes·p�:maustriaisí'9, inClusive a cristã medievaFIl.
Ord, a reintegração dos opostos, a conjunclio oppositornmerd exatamente
a pedrd filosofai, chamada de "andrógina herm�tica"71. Ou iuelhor, conforme
afirmaria mais tard e Nicolau de Cusa 0401-1464), a coincidentia oppositorum
� a defini�'ào menos imperfeita de Deus72. Assim, tudo indica que, apesar de
rejeitada pela Igreja na sua formulação original, � coocepç=do andrógina do
homem primordial continuava viva na pSicolOgia coletiva medieval. Pard ela, a
iécuperdção do Paraíso e a da andêõginia andavam juntas. Essa crença erd ali:
mentada pelos textos bíblicos apócrifos, que gozavam de imenso prestígio. O
Evangelho de Tomás, por exemplo, afirmava que "só entrdreis no Ueino (",1
quando fizerdes do masculino e do fmunino um único ser, quando o masculino
nào for mais um homem, quando o fenUnino não for mais uma mulher"7:I. O
Evangelho de Filipe considerdva a separação dos sexos o inicio da morte74.
N��ua. p�cti�a fortemente e5C4l��.t.&9!.l.).?-ª-n e..Y.il!.a.recuperação da
androginia primordial como condição básica pard vo�ar .ª-i!!$.�ç'!�tos pJ;Í.1!1l:!iros
tempos. Acreãttava-se qu-e-Kdao ttribã sido untá-totalidade,. daí seu. nome,
segundo uni.apócrifo do Antigo...J'�S�.lQ,_t�LiidQ_for�d�· las-kt�ãs irti­ �
dais dos nomes de quatro estrelas vistas por anjos nos quatro cantos do
mund075. Logo, trdtava-se do simbolismo universal do número uatro como
plenitude, como glohalidade7 . Mas, como fora a sin1ilitude do �ome�.
a DiVindade que gerar-d a revolta de Lúcifetn:" a separ-dÇ"do dos sexos por parte
.�.�--_.-

67. Idtm� XXII. 70-72.


68. GI 3. 28. cf. também)o 17.23; 11m 12.4-5; 1 Cor 12. ri. , \
69. E. ZoUa. 7beAndrogyne, FusionofJheSexr!s, l.ondres. Thames and lIud<on. 1981, 1'1'. ;-29. eM.
E1iade. TraJado. 1'1'. 49;-197.
70. Cf., supra, ensaios n. 7 c 9.
71. Eliade. op. cU., r. 500.
72. M. E1iade. Mej'sJójeles.v el Androgino, (lrad.), DaK-elona. l.abor. 1981. r. \OI.
73. L·/ioangilede 7bomas. 22, tr"d. ).-Y. Leloup, Paris, Albin Michel, 1986, r. 93.
74. Apud E1iade, MefislÓfeles, p. 131.
7;. Vilil Adae, 57. L'd.). 11. Mozley, 7bejounllll of7be%gical S/udie". 30. 19291'1'. 147-148.
76. D.�I.",b, 1'1'. 795-7 96.
77. l-1/a Adae, 12-16, rI'. 131-133.
2111
de Deus tornou -se inevitável pard a afirma\."ào da Sua própria ' identidade e
poder. Sinúlitude que t i nha sua melho r exp ressào na androginia de Criador e
criaturd: "Oeus criou o homem à sua imilgelll, à i magem de Oeus () criou,
homem e mulher os criou·7K•
Portanto, em última análise () poeta pretend ia nào apenas voltar aos bons
tempos de seu trisavô79, mas negar () tempo, implantar o Fim da H is tór ia . Por
isso mesmo ele obselva, diante da Rosa PanldL�íaca, que aqu eles " lugares estão
tão t omados /que pouca gente mais ali ini"lllI. Aproximava-se então o mo me n­
to imaginado no s écu lo IX por Scotus Erigena, para quem a reu nific ação
andrógina do homem seria seguida da reunifica çlo escatológka da Terrd com
o ParafsoHl. Na visão político-oúlenarista que Dante tinha d e sua época, a dL�­
cutida figurd do 515 ou Veltr082 reurúficaria a hum anidade dividida para der­
rotar o Antic risto . Concretizada essa tarefa, f inalmente seria ina ugu rd do o Mi lê­
nio, período de paz e farturd, antecipação terrena do Pardíso, a Idade de Ouro
que p rec ede o Juízo Final.
Para se chegar a isso, as ope"'dçôes alquímicas procurdvam realizar a
fusão das partes masculina e fenúnina da matéria.. Buscava-se a androgin ia
dos minemis, considerddos sere.� vivos e sexuados8.�, pam se alcançar depo is ,
coroando as meditações e os experimentos, a reu nificação da personalidade,
o equilíbrio entre animus e anima, o homem integr.ll. De fdto, os indivídu­
os "submetidos a operdções a dequ a das/são suscetíveis de se trdnsformarem
de tantasrnaneirdS/que eles podem mudar sua constituiçào./(aque!a..<; opel"'d­
çõcsl os coloca em espécies diferentes/e lhes ti...d da espéci e anterior"lH. O eli­
xir alquíoúco, ao reali zar aquele retorno às origens, pernútiria o acesso à Árvo­
re da Vida, conforme Deus prometerd a Adão quando da expuL'ião do Pa"'dísoIl5•
O u seja, a pedra filosofai (al-ik,sir em árabe, donde "elixir") resgdtaria não
apenas o Pardíso, ma..� também urna de suas ca...acterísticas essendaL'õ, a imorta­
lidade. Portanto, mais uma vez, o Fim da His tór ia .
Cessaria então o "longo exílio "1I6 a ue o homem tinha sido '
pelo Pecádo Original. Nào cada à Árv
Co ecimento, que d erd ao ser primordial a consciência de sua masculini.dade
e de sua felninilidade? " Ent ão os olhos dos dois se abriram, e perc eberam Que
es�V"'��·87. A ruptura da unidade anterior rev e la v a-se a "pena de morte"88,

711. Gn I, Z7.
79. COtlltled
l ia, I'ardíso xv, 97 e ss.
80. Idem, XXX, 131-132.
81. Cr. )'li.dc, MejL<lcífelos, [l. 131.
tl2. Co"""editl, Inferno I. \O()-IOl; l'urgat6rio xxxiii. 41.
113. 7.olla, o/,. cil.• 1'1'. 711·81, M. liliade. Fl!fT(!iro.<�Alqlli",i.<IlI.<. ttmd.l. l!in dejanciro. Z"har. 1979.
1'1'.29-3;.
81. l.e 1I0man de Itlllo.",. w. 16059-16061 e 16061-16065. \'01. IV, p. 111.
8;. Vila Adal!. 28. p. 136.
86. eo",media, I'ar.. íso XXVI, 116.
117.Gn 3, 7.
88. Gn 3. 3.
com que Deus ameaçam () homem caso tocasse no fruro proihido. Contudo
a própria Árvore do Conhecimento aprovara a opção do homem pela sabedo­
ria, ao invés de pda imOllalidade"'). Logo, esta s6 poder ia ser alcançada pela
renúncia da consciência, refundindo-se a s p,utes do homem ;;; p aradas pelo
pel.....do. Quer dizer, desde que ele volte os olhos par.! Deus, que Adão define
par.! Dante como o "espelho verdadeiro/que reflete 5emelhantementt: a si as
outrds coisas/mas que em coisa alguma pode ser refletido"'JO.

O homem super.!lÍa assim outro prohlema colocado pela ExpuL<;ão, a


dificuldadt: na ohtl:: n�,:ào de alimentos') I . No I:: ntanto esse aspl:: cto é mais difí­
cil de ser detectado em Dante. As mzôl:: s disso são pouco claras, sobretudo
se se pensar nas dificuldades materiais sofridas pelo poeta: "Vl:: rJs quão amar­
go/é o pão aUleio .1:: quão duro o caminho/quando se deVI:: subir I:: dl::sct:r esca­
da allleia"'J2. Talvt:z a apare'lte despreocupa(,.,<1 0 do florentino pelo tema se
devesse ao ·fdto dt: o pensamento mítico de sua época oferecer algumas
respostas àquelas necessidades. A principal delas era () país da .cocanha, local
de abundância ondt:, sem esforço, todos satisfazem aos seus sonhos de pr.!ze­
res DlateriaL<;. Local também da fonte da juventude, onde a .vida longa ·e saudá­
vel permite o pleno gozo daquele� prdz� res9.i. l'r�"a velm�.nte devido-tte tndivi­
dualismQ,-'!!ª1eriaIL<;QlQ...e.narquismo
..1!... daql1.<:�<? íug-dr mítico91 é que l)ante Dão
tenha incorporddo à sua utopia cardcteristicas da €acanha, tão con hecid a na
Itál:a de então.
Em suma, o que ele descreve na Commedia é o processo de trdnsmu­
tação espiritual que operdçôes de tipo alquímico produzirdlll em si mesmo. E
que poderiam, por L<;so, servir de modelo pard a humanidade. Daí sua obm
ser uma Grande Obrd, um "poema sacro/ao qual puserdm a mão o Céu e a

Tena"95. Isto é, pard cuja elabords,"ào utilíiÔÚ âoriªo


e o trdj)�lllo. F(jrnlas
de aceIerar as t ....msfoffilaçôes necessárias, de "trànsmutar as espécies natumis
em tempo curto"96, de obter ouro a partir de metais grosseiros e impuros.
Noutros termos, de caminhar em direÇ.:ão a uma nova época de Saturno, a uma
nova Idade de Ouro. Foi depois de passar pelo sétimo céu, o de Saturno, que
Dante ganhou nova compreensibilidade das coisas divinas. �a I11lente. pela
I�idade simbólica, Saturno tem uma função definidord, repres�.!;!rukllJ1U
ruo e um começo, a passagem de um CIcio pard outro97. Se antes Beatriz não

89. Gr:lV�'" e l'atai. I.os Mitos l Iebreos, (l. 70.


90. Commeditl, I'a",iso XXVI. 1116.. 1011 .
91. l-1Ia Ad<le, 1, (l. 1 29.
92. Commedia, Pa.....íso XVII. ;11-60.
93. J. Lc Goff. ".:Uropic médiévalc: t.c P:lys de Cocagnc", RevlIc eIlTOI,,:ellne des scieua's sociales, 27.
198'), (l(l. 27 1 ·286; l'"tnco Júnior. A., UWpit« Medievtlis, (l(l. 1 ;·19.
91. A. Ciomn�"SC". "U(O(lic: Coc-agnc ct âge d·or'. 1Ji0,�i!1l(,. n . 1 97 1 , (l(l. 9;·98.
9;. Commeclür. Par...íso XXV, ) ·2.
96. lolllii.< deAquino (atrihuido a), 11 1'<'<lm l'ilo_"'[tll, (t,",d . ). São "a"lo, Glohal, 1 9111, (l. 1;.
97. 1J.�.mb. (l(l. 818-819.
2�2
lhe podi;t sorrir para que el e não fosse inc ine mdo como Sêmele por Jú piterJII,
agord ela lhe diz "abre teus olhos e contempla qu em sou "9'J .
Desta bda e importa nte passagem pod emos concluir - dentre outras
leitu l'"ds verossímt:is - que naquele momento Dante descohria em Beatliz seu
oposto complementar. De fato, qu a ndo ele está a "elT'dr por u ma selva escu­
rd " Hkl , da é a l u z salvadora e protetord que enviou Virg íli o p ara guiá - lo pelo
suhmundo infernal. O mesmo Virgílio q ue na sua obrd falard do retorno emi­
nente da Idade de Ouro e que anu ncia a Dante o advento do Veltro l U l • É
Beatriz que o recebe na última etapa do Purgatório e o conduz pard o m ndo u
celestial. Ela é a figu l'"d sagra�a que se refere a si mesma com palavrds de
Cristo 102 . Ela é a pró pria VirgemW3. E l a é, em Dante , o lado div i no p re sente
em todo homem . Ao compreender isso, e ao recuperar assim sua androginia
psicológica, o poeta podia finalmente encontrar a Divindade .
Esta erd concebida como um i ntenso foco lunúnoso, o que expressava
um dado cu lturdl de longa durdção e ta mbé m os estudos da época sobre a
luz. A a ntiq üíssima oposição trevas-luz; qu e se tornard teologicamente vitorio­
sa no Ocidente a partir do sécu lo IX, graças à trddução que Scoto Erigena fiz­

era da obra do pseudo D i oniso Areopagita com sua teoria da luz em grddações,
levou ntais tarde, na primei rd metade do século XIII, às expe riê ncias óticas
realizadas por Roberto Grosseteste pard comprovar aquela idéia. A partir de
tais estudos, aquele frdnciscano i ngl ês atribuiu à luz u ma propriedade de
difusão múltipla e coexistente, bem como uma atividade criadord. Adotando
um a vi.<;ào neoplatônica da Divindade, ele afinnavà que todas as m udançds
ocorridas no Universo partiriam de movimentos da lu z, forma corpórea f n­ u
damentalwl, Tal concepção científica e teológica expressa va a visão de m u ndo
do sé cu lo XIII, na qual também a estética "se desenvolve n u m clima particu­
lar, o de uma mística da I UZ"I O;.
Partícipe dessa mística, Dante define a Divindade como "luz eterna que
é fonte de si mesnta " l 06 e que, pela teoria ne?platônica da propagação e da
difusão, "move o sol e as outrds estrelas" H17. Tudo é reflexo da idéia divina,
"luz viva" que sem se desu nir, como num jogo de espelhos, atinge todos os
elementos, lltaS a cada grdu com menor intensidadelOll• A nat ureza huntana

98 . Con",,,'tIia. I'ardiso XXI , 6. 62.


99. Idem, XXII I . 1 6.
I()(). Idem, I n rerno I, 2.
1 0 1. ItIl!m, I n rerno, I , 1 02.
102. Ide"" I'urgatôrio XXXIII, 1 0 .
J03. J I. r:r... nco J':mior. " 0 Pocra Que Ama"a u Amor: O Discurso Amoroso d e Dante Alighicri". 1.(.,-
lIi<lória, 1 1 , 1 9B7 , rr. 1 5-27.
101. Crombic, 0I', cit., \'01. I, r. 96.
10;. E. de IInlyne, mudes d'e.</bé/ique méc/it!mll!, Ilrul-lCS, De Tem""l. 1916, vol. 1 1 1 , r. 9.
106. Comnwdla, I'ar.. t.o XXX I I I , 121.
107. Idem, XXXI I I , 145.
lOS. Idem, X I I I , ;2-6 9.
obviamente faz parte desse jogo, e recebe sua porçào de luz. ainda que desigual
mo da D i vi nd ade, ma ior
conforme os indivíduos J(�). Ou seja, q u a n to mai s próx i
a l u m inosid a d e do ser humano. Daí as várias re feranci a s ao olhar de Beatriz ,
de brilho comp arável ao do Sol "u. Mais ainda, o fulgor de Beatriz em análo­
go ao da Virgem, que por sua vez o era ao de Cristo 1 1 1 .
Di�tnte de tudo isso, podemos reconhecer na trajetória espiritual do poeta
o caminho proposto pela alq u i llli,1 . A l u z , m últi p lo no u no, fu são d e cores e
feixes diversos, é uma coillcidelllia oppositormn. É inte re ss ,l O t e (:C)lllO certos
co me ntá rios ao Gêr,ese talavam d e Ad,io como tendo sido f órmado com pó
de vári:ls regi ões , daí as diversas çores do homem, () vermelho d a carne e do
sangue, o neg ro das entra nha s , o b ra nco dos ossos e t e ndõe s , o v e rd e- ol iva
da pele 1 1 2. Antes de cOlúer o fruto proibido, de s u a pele emanava u ma luz
bri lha nte 1 I .i , Assim como o dourddo d a luz é a fus ào de todas as çores e o
ouro é a fusã< ;Pürificada d a matériit,--oeus-e a fusà()·(lc) TJi1lversi;.-['()riiúli:<i a .
Di vind ade é Liii -por ser-ÃnOi'õgirii,-,- ·andróglnalRJf'se1'l.uz. Ou seja;-mistic:t -
mente o p oeta só recebe ess a luz após o reconhecimento da e ss ênci a de
Beatriz. O u , psicologicamente, a pós a harmonização com a a1l ima co mpleta r
seu processo de individuação. O u , alquimicamente, após a dep u raçào da maté­
ria obter o ouro_
Isso explka por q u e Da nt e p u nelua is dur,ll11énre os fa lsos alquimistas
que os fe iticeiros. Estes iludem o homem com falsas p rofe cias ou realizam
t rd ns fo r ma ções da natureza com ajuda demoníaca , poré m aqueles, ao falsifi­
carem o o u ro , trapaceavam com um:! i m a ge m divina. Tudo indica q ue quan­
do Dante condenava a fd l sifica çã o de ouro, nào o fa z ia devido às i mp lkações
econômicas do fato. De um lado po rque erd gmnde crítico das t ra ns for mações
da época, defendendo uma econom ia de valores de uso, e não d e valores de
troca. De outro lado porque. na Itália de fins do século XIII e começo do XIV,
a moneta rizaçã o estava suficientemente adiantada para que o meta l circulasse
apenas sob a forma de moeda, e os falsificadores de moeda recebiam seu
próprio ca s t igo 1 1 1.
,
Contudo () verdadeiro alqu imista também despertava s u spe i tas, poi s ·0

co m plexo da coincidel/tia oppositontm desperta sempre sentimentos ambiva­


lentes: de u m lado o homem se vê acossado pelo desejo de es capa r à sua si­
tuação particular e de se rejntegmr em u ma modalidade tmnspessoal; de outro,
está pamlisado pelo temor de perder sua 'identidade' e�e se 'esq u ecer' de si
me smo " I I ; . É ta lvez em função d isso que, na sua genialidade, o texto d e Dante

1 09. Ide/ll. X I I I . 13-; 1 .


] l O. Idem, Purg:;uôrin XXXI I . 1 1 ('1/ms.Ii;m.
1 1 1 . Idelll, Pal�líso XXXII, t;;-H7.
1 1 2. Grd\'CS c Parai, I.os Milos ""',n�o....·. p. S1.
1 1 3. /(/e/ll. p. 70.
1 1 1 . ComlllC!llitt, Infernu XXX. -16-90.
1 \ ;. Eliadc. Jl,/eJi.'/(íJi!le.', p. 1 ;7.
permite dupla leiturd , uma mais explícita . mais imediata. mais de acordo con1
os valores da culturd oficial, e outnt mais implícita, mais próxima da visào que
de pr<Íprio tinha da questão.

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