por
apresentada por
A todos os adolescentes com suas histórias de violência sexual, que direta ou indiretamente,
participaram deste estudo, me ensinando a ser uma pessoa melhor.
AGRADECIMENTOS
Sou muito grata à minha família por ter sido sempre presente. Vocês são, sem dúvida,
meus maiores incentivadores, sempre me apoiando e torcendo por mim.
À Simone Gonçalves de Assis, que foi sem dúvida a melhor orientadora que um aluno
pode desejar. Ao longo destes 4 anos esteve me apoiando, mesmo naqueles momentos mais
difíceis, em que eu tinha que conciliar trabalhos e estudo, ela conseguia ouvir e se mostrar
paciente para me ajudar a entender e aprender algumas coisas que para mim eram muito novas.
Muito obrigada!
À Fatima Junqueira, minha co-orientadora pela forma como orientou e aceitou me receber
durante o processo já iniciado. A cordialidade com que me acolheu e suas observações sempre
tão cuidadosas e pertinentes foram fundamentais na consecução deste trabalho. Muito obrigada!
Gostaria ainda de agradecer a algumas pessoas muito especiais, destaco meu querido
irmão Milton, sempre lendo cuidadosamente meus textos, mesmo sabendo que são de uma área
totalmente diferente de sua atuação profissional. Os meus adoráveis sobrinhos Rodrigo, Bárbara e
Aline, minhas amigas Jô e Aninha que se mostraram disponíveis para ler o meu trabalho me
ajudando a pensar e fazer as correções necessárias.
À minha cunhada Andrea pela sua disposição, apesar da dupla jornada, em colaborar
fazendo a tradução para o inglês do resumo,
Obrigada aos colegas de trabalho, da área da saúde e da área acadêmica, pelo interesse e
disposição em colaborar sempre que fosse necessário.
Destaco ainda a participação fundamental do Thiago (Claves) com sua grande
colaboração ao realizar a etapa estatística e a paciência em esclarecer todas as dúvidas. Também
a disponibilidade da Silvania e da Ildete em fazer a transcrição das entrevistas.
RESUMO
Este estudo apresenta violência sexual e as possíveis implicações psicossociais que ela pode
provocar quando ocorre na adolescência. Discute sobre os diferentes contextos em que a
violência sexual se manifesta na vida dos adolescentes: nas relações afetivo-sexuais entre
parceiros, quando ocorre em relações familiares e naquela praticada por estranhos ou conhecidos,
especialmente em ambientes comunitários. O objetivo geral desta pesquisa foi investigar aspectos
da identidade e da sexualidade em adolescentes que vivenciaram violência sexual. A abordagem
metodológica articulou dados quantitativos e qualitativos, em uma perspectiva de triangulação de
métodos. Os dados quantitativos foram construídos com base em inquérito epidemiológico que
avalia a associação entre a violência sexual e outras variáveis. Já os dados qualitativos basearam-
se em entrevistas semiestruturadas com adolescentes vítimas de violência sexual. Os sujeitos da
pesquisa foram adolescentes com vivência de violência sexual. A análise dos resultados foi
organizada em duas partes: inicialmente apresentou o comportamento sexual de adolescentes
escolares brasileiros segundo a presença de violência sexual. Constatou-se que: a violência sexual
é complexa, multideterminada e democrática – todos são vulneráveis, independente de sexo,
classe social ou local de moradia; a adolescência é um período de elevada vulnerabilidade à
violência sexual. Com relação ao comportamento sexual dos adolescentes com história de
violência sexual observou-se: 10% dos adolescentes na faixa etária entre 15-19 anos já viveram a
experiência da violência sexual em alguma esfera relacional em algum momento de suas
trajetórias; apesar de ser teoricamente reconhecida como uma prática com prevalência mais
elevada no sexo feminino, também é reconhecida entre os homens; há associação da violência
sexual com outras formas de violência, tais como a violência física e a psicológica. A seguir, este
estudo abordou aspectos relacionados ao desenvolvimento da identidade e a constituição da
sexualidade dos adolescentes vítimas de violência sexual. Esta pesquisa destaca como a violência
sexual por seu caráter íntimo e relacional é capaz de revelar a fragilidade e a vulnerabilidade no
qual um sujeito em processo de ressignificações encontra-se. A análise aponta a violência sexual
como um fenômeno de difícil caracterização na adolescência, por ser provocante e instigador de
feridas e dores não só aos vitimizados, mas inclusive aos familiares e profissionais. Por sua vez,
adolescentes vitimas de violência sexual necessitam de atenção médica e psicológica, tendo em
vista as consequências desta experiência sobre a saúde física e mental. Sendo assim, salientou-se
a necessidade de investimento em políticas públicas intersetoriais no âmbito da assistência a
adolescentes de ambos os sexos vítimas de violência sexual.
ABSTRACT
This study presents sexual violence and its possible psychosocial implications when occurred in
adolescence. It discusses the different contexts in which sexual violence manifests itself in
adolescents: in affective-sexual relations between partners and in that done by strangers or
acquaintances, especially in the community. The general objective of this research was to
investigate aspects of identity and sexuality in adolescents who experienced sexual violence. The
methodological approach demonstrated quantitative and qualitative data in a mixed method
approach .The quantitative data were built based on epidemiological inquiry done with the
purpose of getting to know the sexual violence presented by public and private school students in
ten Brazilian capitals. The qualitative data were based on semi-structured individual interviews.
The subjects of the research were adolescents, victims of sexual violence. The analysis of the
results was organized in two parts: initially it presented the sexual behavior of Brazilian
adolescent students according to the presence of sexual violence. It was found that sexual
violence is a complex, multi-determined and democratic issue – everybody is vulnerable,
regardless of sex, social class or residence; the adolescence is a period of high vulnerability with
respect to sexual violence. In relation to the adolescent sexual behavior with a history of sexual
violence, it was observed that 10% of the adolescents aged 15 to 19 have already experienced
sexual violence in some relational sphere at a determined part of their lives. Although it is a
practice theoretically recognized in the female sex, it is also recognized among male, there is an
association of sexual violence with other ways of violence, such as physical and psychological.
This study also addressed issues related to the development of the identity and the constitution of
the adolescents’ sexuality victims of sexual violence. This research points out how sexual
violence, due to its intimate and relational characteristic, is capable of revealing the fragility and
vulnerability of a subject in process of redefinition. The analysis points out sexual violence as a
difficult phenomenon of characterization in the adolescence, as it is a provoking and instigating
issue, capable of causing pain, not only in the victim, but also in the family and professionals.
Thus, adolescents victimized by sexual abuse need medical and psychological assistance taking
into consideration the consequences of this experience on physical and mental health.
Consequently, there must be political investment and intersectorial intervention in order to
benefit both female and male adolescents, victims of sexual violence.
Tratamento do Delinquente
Página
Página
Tabela 10: Indicador de violência sexual e violência verbal sofrida nas relações
afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o 91
sexo ........................................................................................................................... 65-6
Tabela 13: Idade média em que começou a “ficar” namorar e transar e correlação
com indicador de violência sexual. Adolescentes de dez capitais brasileiras, 114
segundo o sexo ..........................................................................................................
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 15
3. DESENHO METODOLÓGICO......................................................................54
3.1 ABORDAGEM QUANTITATIVA....................................................................55
3.1.1 Variáveis analisadas/escalas.......................................................................57
3.1.2 Análises.........................................................................................................61
3.2 ABORDAGEM QUALITATIVA.......................................................................62
3.2.1 O Campo – Descrição do serviço................................................................64
3.2.2 Perfil das usuárias do Centro de Atendimento a Mulheres Vitimas de
Violência Sexual...........................................................................................66
3.2.3 As Entrevistas e os Entrevistados...............................................................67
3.2.4 Um adolescente do sexo masculino vítima de Violência Sexual..............69
3.2.5 Tratamento dos Dados................................................................................71
3.3 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS.............................................................................74
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................151
REFERÊNCIAS.....................................................................................................161
APÊNDICES
Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................174
Adolescente ....................................................................................175
Responsável ....................................................................................177
Apêndice B – Roteiro de temas a serem abordados – Parte Qualitativa................179
Entrevista Semi Estruturada ..........................................................180
Apêndice C – Modelo de Questionário – Parte Quantitativa................................181
Questionário – pesquisa Claves......................................................182
ANEXOS
Anexo A – Autorização da Direção do Hospital para a realização das entrevistas no
Serviço especializado..................................................................................198
Anexo B – Parecer do Comitê de Ética ENSP/FIOCRUZ.....................................200
Anexo C – Parecer do Comitê de Ética do HGNI..................................................202
15
1. INTRODUÇÃO
por parte dos profissionais vêm contribuindo para o aumento das notificações, tornando mais
visível este problema (PUTNAN, 2003).
A presente pesquisa volta-se para a compreensão de um tipo específico de violência: a
sexual. Investiga a violência sexual como problema de saúde pública, devido à sua grande
magnitude e relevância, com destaque para as fases iniciais do desenvolvimento humano.
Demanda uma abordagem que contemple a integralidade e a interdisciplinaridade para lidar
com os impactos significativos na vida dos adolescentes e jovens, principalmente nos
aspectos sexual e afetivo. Ao refletir sobre a violência e suas repercussões na saúde, Minayo
(2006, p.82) dá destaque à violência sexual da seguinte forma:
A classificação do abuso sexual diz respeito ao ato ou jogo sexual que ocorre
nas relações hetero ou homossexual e visa a estimular a vítima ou utilizá-la
para obter excitação sexual e práticas eróticas, pornográficas e sexuais
impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.
Qualquer ato sexual ou tentativa do ato não desejado, ou atos para traficar a
sexualidade de uma pessoa, utilizando repressão, ameaças ou força física,
praticados por qualquer pessoa independente de suas relações com a vítima,
qualquer cenário, incluindo, mas não limitado ao do lar ou do trabalho.
(KRUG, 2002, p.149)
Estima-se que uma em cada três ou quatro meninas jovens sofre alguma
violência sexual antes de completar 18 anos. O Ministério da Justiça registra
anualmente cerca de 50 mil casos de abuso sexual contra crianças e
adolescentes (ROCHA, 2007, p.95).
O sentido do conceito de identidade, uma vez fornecido pelo nome, remete o sujeito a
uma representação de si enquanto membro de um grupo. No entanto, ao mesmo tempo que o
nome separa, mantém a diferença; o sobrenome iguala. Essa representação torna-se
insuficiente para definir a identidade de cada um, tendo em vista a complexidade inerente às
18
relações que se dão com outras pessoas. Ao pressupor uma identidade, aos poucos ela vai se
constituindo através de um contínuo processo de identificação. Esse processo permite a cada
um constituir seu próprio eu com uma parte consciente de sua singularidade (CIAMPA,
1994).
Para os fins a que se destina este estudo, compreende-se a identidade não apenas como
preparação para o mundo adulto, mas sim como peculiaridades fundamentais em uma das
etapas do ciclo vital – a adolescência.
Ao longo deste estudo, estas e outras questões serão mais bem exploradas, para tal,
necessitamos de uma compreensão mais abrangente deste processo.
Alguns autores das ciências sociais, entre os quais citamos Azevedo (2007), Alvin
(1997), Saffioti (2007); e da psicanálise tais como Erikson (1976, 1978), Freud (1905, 1921),
Winnicott (1975, 1980, 1999), dentre outros, nos auxiliaram com as ferramentas necessárias,
orientando-nos na compreensão da relação do adolescente vitimizado sexualmente com os
seus pares, com seu corpo e com a sexualidade, durante o processo de construção de sua
identidade.
Buscando enfrentar tais questões, toma-se como objetivo principal desta tese
investigar aspectos da identidade e da sexualidade em adolescentes que vivenciaram violência
sexual.
Especificamente pretende-se:
1
Os resultados deste estudo foram publicados na obra: Minayo, Assis & Njaine (orgs.). Amor e Violência: Um
paradoxo das relações de namoro e do ‘ficar’ entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
21
semiestruturadas com seis adolescentes do sexo feminino vítimas de violência sexual. Este
grupo de adolescentes são usuários de um Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de
Violência Sexual. Assim, também poderão ser identificados aspectos relacionados ao
desenvolvimento da identidade e à construção da sexualidade dos adolescentes vítimas de
violência sexual.
Nas considerações finais, estas e outras questões serão apresentadas ao longo deste
estudo, de forma mais aprofundada e cuidadosa, a fim de contribuir - do ponto de vista
preventivo e com ações visando à saúde integral do adolescente - para a compreensão do
quadro da violência sexual presente em adolescentes no Brasil.
22
A prática clínica junto a adolescentes vítimas de violência sexual nos leva a focalizar o
problema da vitimização sexual nesta população, refletindo sobre os aspectos relativos ao
processo de construção identitária de adolescentes sexualmente vitimizados, bem como seus
impasses e conflitos em um cenário de cruzamento de fantasias e acontecimentos reais.
Para Winnicott (1980), o bebê, nos primeiros dias de vida, encontra-se em estado de
total fragilidade, sendo incapaz de sobreviver sem o cuidado do outro, representado pelos
pais. É através desse cuidado e proteção que aos poucos vai tornando-se capaz de adquirir
segurança e suficiente confiança em si mesmo e no outro. É um movimento de construção das
realidades interna e externa.
A integração, que tem início desde cedo, é favorecida pelas experiências pulsionais e
pelas técnicas do cuidado infantil que vão gradualmente construindo a personalização. Para
este autor, a integração irá se efetuar de forma gradativa, cujo ritmo irá variar de acordo com a
relação entre o bebê e sua mãe. Em relação aos cuidados físicos e emocionais, a dependência
da criança é absoluta. Este processo de integração é descrito por Winnicott (1993) em sua
teoria do desenvolvimento emocional como inato. De acordo com este autor, as primeiras
experiências afetivas e pulsionais da criança e sua mãe estão ligadas a amamentação.
As vivências proporcionadas pelo contato com o seio da mãe, objeto externo, fazem
com que aos poucos a criança possa ir se constituindo como unidade. As primeiras
experiências proporcionam momentos de ilusão que ocorrem quando a criança está excitada e
pronta para alucinar o seio. Neste momento se o seio real é apresentado a esta criança ela
conseguirá se satisfazer. De uma próxima vez, usará este material na alucinação, com
fragmentos cada vez maiores de realidade (WINNICOTT, 1993).
São esses contatos corporais, tranquilos e ao mesmo tempo excitados da mãe com a
criança, que irão possibilitar a identificação com aquilo que não é ela (criança) mesma. Aos
25
poucos e de forma por vezes dolorosa, porém necessária, ela poderá se diferenciar do mundo
externo, constituindo o eu e não-eu (WINNICOTT, 1993).
Para Erikson (1976), o sujeito vai aos poucos estabelecendo adaptações sucessivas,
vitais à sua personalidade, através de uma sequência de fases que se seguem de acordo com o
crescimento físico e social da criança: “Cada etapa e crise sucessivas têm uma relação
especial com um dos elementos básicos da sociedade, e isso pela simples razão de que o ciclo
da vida humana e as instituições do homem têm evoluído juntos” (p.230).
Outra leitura acerca da identidade pode ser encontrada na psicanálise freudiana. Freud-
1905 (1989) descreve nos “Três ensaios sobre a sexualidade”, como a vida infantil é alterada
devido a “transformações da puberdade”. Serão essas transformações que irão impulsionar
também transformações psíquicas. A puberdade é o momento de transição da identidade
infantil possibilitando a entrada no mundo adulto. Essa etapa do ciclo vital vai exigir do
adolescente um trabalho psíquico intenso.
Tendo em vista que o objeto original foi perdido, segue-se o outro tipo de
identificação, que ocorre com base em relações objetais. Neste caso, a identificação está
ligada à escolha de objeto, isto é, com aquele que se quer ter. O menino tem, ao mesmo
tempo, de um lado a relação objetal com a mãe e de outro, toma o pai como modelo
identificatório (FREUD-1921, 1989).
2
Grifo do autor
30
Para Aberastury et al. (1992, p.66), quando: “[...] o adolescente adquire uma
identidade, aceita seu corpo, e decide habitá-lo, enfrenta o mundo e usa-o de acordo com o
seu sexo. A conduta genital não se expressa só no ato sexual, mas em todas as atividades”. A
sexualidade passa a ser entendida de forma mais evidenciada. Para Outeiral (2002, p.83): “A
relação do adolescente com seu corpo é um dos indícios da integridade de seu ego”.
Quando ocorre o ato sexual com características violentas, o adolescente pode passar a
não sentir o seu próprio corpo, desaparecendo. Se este corpo torna-se algo estranho e que foi
invadido, distancia-se do sentido de vitalidade e prazer. Para muitos, adquire o sentido de
horror e morte, provocando sensações muito dolorosas. Consequentemente, o processo de
identificação do adolescente sofrerá transformações que irão demandar intenso investimento
psíquico de ressignificação de uma nova imagem de si mesmo, desvinculada da violência
vivida.
Apesar de sempre ter estado presente na história da humanidade, autores tais como
Domenach (1981) e Minayo (2006) descrevem como a preocupação em discutir sobre o
problema da violência é recente. Para estes autores, associar a violência ao emprego ilegítimo
da força física, contra a vontade do outro vem despertar interesse de estudiosos já na
modernidade através da consolidação da cidadania, pois fez com que o homem incorporasse
valores tais como o direito à liberdade e à felicidade. A partir daí, ações violentas passam a
ser percebidas e condenadas como um fenômeno indesejável que pode e deve ser controlado.
No Brasil a partir dos anos 90, o tema da violência ganha destaque também no âmbito
da saúde pública, com a implantação de políticas públicas e como objeto de prevenção e
promoção de saúde (MINAYO; SOUZA 1999). Ainda assim, a incidência da violência sexual
é apenas estimada, considerando que o número de registros é inferior ao número de pessoas
que foram vitimizadas pela violência sexual. No entanto, os estudos e as políticas públicas
existentes são ainda escassos.
Há uma relação desigual entre as fontes que fornecem dados sobre a violência sexual e
a magnitude do problema, demonstrando a invisibilidade da violência sexual. Em
levantamento descrito pela OMS (KRUG et al, 2002, p.149), relativo ao percentual de
mulheres com 16 anos ou mais que revelaram terem vivido violência sexual entre os anos de
1992 a 1997, tem-se:
Souza e Adesse (2005) argumentam que há algumas lacunas em torno de políticas para
a área da violência sexual, tais como a justiça, a segurança e a saúde, constituindo ações
pouco integradas. O estudo destas autoras nos mostra que algumas ações são muito
específicas e setorizadas, apresentando visões próprias e metodologias diferenciadas, o que
dificulta ainda mais o entendimento do problema da violência dentro de uma visão relacional
que a categoria de gênero pressupõe.
Apesar de historicamente a vitimização por violência sexual ter sido vista como uma
experiência significativamente mais comum entre as adolescentes do sexo feminino
(CHIODO et al. 2009), ambos os sexos são vulneráveis, com características de vitimização
diferenciadas e impacto negativo para o desenvolvimento (MACHADO et al. 2005;
MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009).
referem que “18% das mulheres da população em geral sofram pelo menos um episódio de
violência sexual durante a sua vida” (OSHITAKA et al.2011, p.702).
Apesar de todo o contexto citado, pode-se dizer que a violência sexual na adolescência
ainda encontra-se envolvida por um silenciamento, especialmente no tocante aos adolescentes
do sexo masculino (SEBOLD, 1987; SILVA, 2009). Prado (2006) em estudo sobre a
violência sexual praticada contra meninos aponta o paradoxo de o homem – o potencial
agressor de mulheres constituir-se também como uma vítima silenciosa. Assim como as
mulheres, ele cala-se por medo e vergonha.
Sob este aspecto, em estudo realizado pelo CLAM (Centro Latino Americano em
Sexualidade e Direitos Humanos), iniciado em 2003 no Rio de Janeiro, e desenvolvido
posteriormente em outras capitais do Brasil, os autores fazem um mapeamento dos “padrões
de violência e discriminação que atingem gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais”.
Em pesquisa realizada na cidade de Recife, os autores destacam a existência de violência
sexual em não-heterossexuais, inclusive em adolescentes.
Nada menos do que 30,6% das trans já foram vítimas de agressões sexuais.
Isto representa três vezes mais do que a freqüência do conjunto da amostra
(10,2%). A distribuição dessa violência é extremamente variável segundo os
diferentes grupos de identidade sexual agregada. Depois das trans, em
proporções bem menores, vêm os homens homossexuais (12,1%), as
mulheres bissexuais (6,1%), os homens bissexuais (5,8%) e as mulheres
homossexuais (3,8%). Quando observamos a idade, verificamos que a maior
incidência se encontra nas faixas etárias mais altas: 15% dos(as) que tinham
30 a 39 anos contra 5,3% dos(as) que tinham 19 a 21 e 7,6% dos(as) que
tinham 18 anos ou menos. (CARRARA, 2007, p.64)
Vale ressaltar que alguns fatores podem aumentar o risco da violência sexual, tais
como o próprio ambiente social em que o sujeito vive, destacando a família de origem e o
círculo de amizades. Um fator reconhecido por aumentar a vulnerabilidade à violência sexual
na vida adulta é ter sido vítima de violência sexual na infância e na adolescência (KRUG et al.
2002; POLANCZYK, 2003).
A preocupação com relação à violência sexual nas relações familiares tornou-se tema
presente em alguns países e também no Brasil nas últimas décadas.
37
Casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes são descritos pela literatura
desde a Antiguidade, “Um século separa o primeiro trabalho científico publicado sobre maus-
tratos contra crianças e adolescentes e sua inclusão como assunto de interesse das áreas de
pediatria e saúde pública” (ADED et al. 2006, p.205).
De acordo com Assis (1999), no mundo Greco-Romano, por volta do século VIII a.C.
o apego emocional aos filhos era frágil; o enjeitamento e o infanticídio eram práticas comuns.
A infração juvenil esteve presente também nestas culturas. O reconhecimento de que as
crianças precisariam ser educadas significou o uso das práticas disciplinares que se julgassem
necessárias para prevenir a delinquência; as faltas eram punidas e aplicadas pelo governador e
em casos de reincidência, os jovens eram açoitados.
Para Guerra (2001), a educação da infância nos séculos XVII e XVIII na Europa,
privilegiava práticas de castigo físico e espancamento, que eram aplicados visando punir
aqueles comportamentos considerados inadequados. Nesta época, a criança ocupava o lugar
de objeto e não de sujeito. De fato, a educação dos filhos baseada na utilização de práticas
disciplinares violentas, quando necessárias, vem sendo utilizada desde a antiguidade.
Portanto, a violência exercida dos pais contra os filhos não é uma expressão da modernidade.
No caso dos abusos sexuais, a maior parte deles ocorre no interior das famílias, apesar
das proibições biológicas e culturais do incesto. Histórias de abuso sexual em relações
familiares ocorrem em todas as classes socioeconômicas e apresentam um enorme potencial
de dano psíquico à vítima (HABIGZANG et al., 2005; DE ANTONI et al., 2011).
De acordo com Gabel (1997), Alvin (1997), Saffioti (2007), Seixas (1999) e
Habigzang (2005), os casos de violência sexual praticada contra crianças e adolescentes são
frequentemente ocultados, silenciados durante muito tempo. Às vezes por culpa, por medo de
tornar público por parte da vítima e ainda quando a criança e/ou adolescente o faz, o adulto
tem medo de escutá-lo. Esse adulto tanto pode ser algum membro da família ou o próprio
profissional de saúde que necessita ter uma escuta acolhedora para estas situações.
39
O conceito de abuso sexual aos poucos foi sendo ampliado. Neste estudo, o termo
abuso e violência serão utilizados como sinônimos. Na França, Gabel (1997, p.10) assinala
que:
Antes mesmo de ser definido, o abuso sexual deve ser claramente situado no
quadro dos maus-tratos infligidos à infância. Essa noção, aparecida
recentemente, assinala o alargamento de uma definição em que se passou da
expressão ‘criança espancada’, na qual se mencionava apenas a integridade
corporal, para ‘criança maltratada’, na qual se acrescentam os sofrimentos
morais e psicológicos. Maus-tratos abrange tudo o que uma pessoa faz e
concorre para o sofrimento e alienação de outra.
Para Capitão e Romaro (2008), Lima e Alberto (2010), Azevedo (2007), o grau de
parentesco nos casos de abuso sexual praticado por familiares determina a relação incestuosa,
comprometendo a personalidade deste sujeito em processo de desenvolvimento. A
criança/adolescente vivencia o desamparo quando não é ouvida; o significado atribuído às
figuras parentais, que deveria ser a base para a formação da personalidade é, neste caso,
introjetado de forma perversa e traumática, passando a dominar as suas ações psíquicas.
Sabe-se que essa forma de violência poderá produzir prejuízos físicos e psicológicos a
crianças e adolescentes abusados e ainda às pessoas presentes no ambiente familiar; além de
envolver uma questão legal de proteção às vitimas e de punição ao agressor (PFEIFFER;
SALVAGNI 2005).
A violência sexual é sempre uma tática utilizada para obter poder e controle sobre o
outro. Para Safiotti (2001), “há uma [pessoa] que comanda e se beneficia da relação; há outra
que obedece e sofre com a relação, embora possa ter benefícios secundários.” É uma tática
muitas vezes acobertada pelo silêncio e pela omissão; usualmente ocorre de forma repetitiva e
40
insidiosa. A revelação nestes casos vai envolver alguns setores como a saúde e a justiça,
necessitando então de ações multidisciplinares e da integração em uma rede de atendimento e
proteção à criança e ao adolescente e o acolhimento à família, pois: “Quando a família
demonstra credibilidade ao relato da criança e assume estratégias para protegê-la, esta se sente
fortalecida e apresenta maiores recursos para enfrentar a experiência abusiva” (HABIGZANG
et al. 2005, p. 346).
A passagem do silêncio à revelação pode levar até anos, o que faz com que a família
compactue também com essa relação de impunidade. O período que se segue a denúncia é
muito conflituoso para todos os envolvidos uma vez que vai gerar perdas e alterações no
sistema familiar, pois a revelação implica o ingresso no sistema judicial temido por muitos e a
intervenção terapêutica. Costa et al. (2007, p.249), descrevem esta fase como um ritual de
passagem: “procuramos, no ritual de passagem, enfatizar uma mudança de condição
normativa para uma possibilidade terapêutica”. A configuração familiar pode se alterar
radicalmente, principalmente se o abusador é o provedor, e a família passa a viver em situação
de grande vulnerabilidade social e financeira.
Diante desta perspectiva, a análise dos fatores referentes ao universo das famílias nas
quais a violência sexual ocorre é imprescindível, tendo em vista as influências que compõem
essa estrutura (SAFFIOTI, 2007). No entanto, independente do formato ou do desenho
41
assumido pela a relação familiar, constitui-se como uma referência imprescindível para a
garantia da sobrevivência, da proteção integral e do desenvolvimento da identidade do sujeito.
Sendo assim, a violência sexual, diferente de outras formas de violência não pode ser
considerada uma prática comum inserida no contexto familiar e organizada por mecanismos
de socialização (LIMA; ALBERTO 2010). É no interior destas famílias que o bebê estabelece
suas primeiras relações de afeto, que irão contribuir na construção da sua subjetividade ao
longo da vida.
No âmbito de uma relação afetiva, a violência sexual inclui tanto a vítima quanto o
agressor quando um dos parceiros comete um ato interpretado como violento dentro do
contexto da relação de namoro. Por ser uma violência interpessoal, chamamos atenção para as
situações em que essa modalidade de violência, através das relações de gênero, é legitimada e
naturalizada nas relações afetivo-sexuais entre casais.
Taquette et al. (2003) associam a violência nas relações afetivo-sexuais entre casais
adolescentes a fatores de risco tais como o envolvimento com álcool e drogas, ciúme e
infidelidade. Neste estudo, a violência é mostrada como elemento impeditivo para a proteção
às DST/AIDS. A violência presente no meio social no qual vivem jovens e adolescentes pode
propiciar ações violentas entre estes adolescentes apresentando-se como vítimas ou
perpetradores de violência em relacionamentos interpessoais.
Vários estudos destacam as variáveis tais como gênero, pensamentos suicidas, uso de
álcool e drogas ilícitas, comportamento sexual de risco, valores culturais, condições
socioeconômicas e nível educacional, que podem influenciar a cultura sexual gerando ações
de violência sexual entre esses casais (HOWARD et al. 2007; BANYARD et al. 2006;
GAGNÉ et al. 2005; HOWARD; WANG 2005; RICKERT et al. 2004; OZER et al. 2004;
SMITH et al. 2003; RUZANY et al. 2003; ACKARD; NEUMARK-SZTAINERB 2002;
SILVERMAN et al. 2001).
Autores (BANYARD et al. 2006) demonstram correlação entre as variáveis ter sido
vítima de violência física e sexual e o relato de cometer violência física e sexual e/ou ambas.
Aqueles que são vítimas de violência sexual têm 21 vezes a chance de praticar violência
sexual.
serviços de saúde constituem-se no primeiro espaço de referência para esses indivíduos serem
acolhidos, exigindo a atenção máxima por parte de profissionais da saúde. Pode-se afirmar
que o sistema de saúde é um “espaço” adequado para identificar, tratar e referir adolescentes
em situação de violência sexual. Neste sentido, é importante que a saúde pública estabeleça a
integração com as instâncias legais (REIS et al. 2004). Relatório apresentado pelo World
Report on Violence and Health (KRUG et al. 2002) reitera que a violência sexual vem sendo
área de pesquisa e de atenção negligenciada, face à dimensão médica e social que o fenômeno
tem.
Entretanto, a relação entre a saúde e o direito ainda encontra-se pouco eficiente diante
das necessidades enfrentadas pelos adolescentes após a violência sexual.
Do ponto de vista jurídico, Pimentel et al. (1998) há alguns anos atrás chamava
atenção para o fato de que no Brasil o crime de estupro ainda está enquadrado dentro da
categoria de crime contra os costumes e não contra a pessoa, abrangendo apenas a conjunção
carnal e não o ato sexual em si. Em 07 de agosto de 2009, a Lei nº 12.015 alterou a antiga lei
do estupro tipificado no Código Penal brasileiro de 1940. Atualmente designado como crime
contra a dignidade sexual, de acordo com o Art. 213: “Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso. pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos” (BRASIL, 2009).
Segundo esta nova legislação, homens e mulheres podem ser vitimas de estupro,
quando constrangidos de forma violenta ou por grave ameaça a praticar a conjunção carnal ou
mesmo qualquer ato libidinoso. A sexualidade é então considerada como forma de expressão
da dignidade das pessoas (BRASIL, 2010).
Estudos indicam que na maioria dos crimes sexuais, o uso da força física pelos
agressores é menos utilizado em adolescentes. Os meios coercitivos de intimidação mais
empregados junto a esta população são a grave ameaça e a violência presumida (PIMENTEL
et al. 1998; REIS et al. 2004; DREZETT et al. 2001; DREZETT et al. 2004). Assim, a
existência ou não de lesões constitui-se um peso em decisões judiciais. De acordo com Vargas
(2008, p. 183):
Segundo De Antoni et al. (2011), a violência sexual cometida por estranhos pode
assim evidenciar algumas lacunas existentes no próprio espaço familiar, tais como a
fragilidade afetiva, a ausência de comunicação e os modelos de relação parental pouco
protetivos. “A tendência é repetir em suas experiências adversas, em outros contextos, esse
modelo relacional não protetivo aprendido em sua família” (p.104). Pode-se dizer que a
experiência de conviver nestes ambientes pouco protetivos faz com que a violência seja
percebida como natural e até mesmo esperada. Estes genitores apresentam dificuldades em
promover o cuidado adequado aos seus filhos por não saberem como fazê-lo, uma vez que
não vivenciaram este tipo de relação em suas histórias familiares. Assim, por não terem
recebido o apoio de seus próprios pais, não puderam contar com um modelo de relação com
os filhos de compartilhar as angústias vivenciadas e os desejos, “talvez esse seja um dos
canais de transição para ambientes abusivos” (DE ANTONI et al. 2011, p.104).
De Antoni et al. (2011) salientam o quanto alguns adolescentes por estarem em fase de
transformações internas e externas, por vezes se colocam em risco de serem sexualmente
vitimizados em ambiente extrafamiliar, sem que efetivamente o percebam. Segundo as
autoras, a própria fase da adolescência proporciona uma vulnerabilidade especial denominada
por Knobel (1992) de “atitude social reivindicatória”, uma forma de defesa egóica diante dos
conflitos pelas transformações impostas pela saída da infância e entrada no mundo adulto,
uma espécie de rebelião3. Vivem intensamente, com atitudes de curiosidades, sonhos,
buscando por autonomia necessária para o desenvolvimento, com o pensamento mágico de
que nada irá lhes acontecer, querendo experimentar um pouco de tudo o que for possível (DE
ANTONI et al.,2011).
A violência sexual, dentre as várias modalidades de violência se destaca por ser a mais
subnotificada. Observa-se que quando cometida por estranhos aspectos semelhantes aos que
ocorrem no contexto intrafamiliar, como por exemplo, a fragilidade nas relações familiares e
o pacto de silêncio (DE ANTONI et al. 2011). Dentre alguns motivos que justificam o
desconhecimento da prevalência destes casos na adolescência, destacam-se: a vergonha, o
medo de retaliações por parte dos agressores, a falta de credibilidade no sistema legal, o
3
Grifo do autor
50
Estudos demonstram os sérios prejuízos sobre a saúde física e mental causados pela
violência sexual praticada contra adolescentes. Do ponto de vista emocional, as consequências
têm impacto diferente para adolescentes do sexo feminino e do masculino, porque o
significado da violência é percebido de forma diferenciada. Entre os meninos observa-se
associação direta com a homossexualidade ou por questões culturais em relação aos papéis de
masculinidade presentes na sociedade patriarcal, por este motivo autores referem-se a eles
como as “vítimas negligenciadas”. Já entre as meninas as reações estão na ordem da culpa,
autodesvalorização e depressão (COHEN; GOBBETTI 1998; AZEVEDO; GUERRA 2007;
PRADO, 2006).
acerca de si mesmo. Para Assis et al. (2003, p.679), no geral, os adolescentes têm uma visão
positiva de si mesmos:
Também Guedes e Moreira (2009, p.86), em estudo sobre adolescentes com história
de violência doméstica e sexual afirmam que: “baixa autoestima, nesses adolescentes, pode
fazer com que o círculo da violência continue ocorrendo e se perpetuando nas relações
afetivas posteriores e no desenvolvimento psíquico/mental”, em função da posição de
dominação a qual estes sujeitos se sentem submetidos, incorporando atitudes com estas
características.
Para Gabel et al. (1997), quanto mais precocemente crianças e/ou adolescentes
vivenciam experiências de violência sexual, maior o risco das sequelas serem irreversíveis do
ponto de vista da construção da identidade. Para eles, o corpo é vivenciado como violado e
independentemente da idade, muitas vezes a reação somática é o modo de expressão
simbólica mais significativa para expressar o sofrimento.
Muito embora a violência sexual em adolescentes e adultos jovens possa vir a ocorrer
em todas as classes sociais, levar em conta os padrões socioeconômicos pode ser mais um dos
53
elementos que contribua para a compreensão das consequências desta vivência, junto a esta
população (FERRIANI, 2004; PUTNAM, 2003; REIS et al. 2004; IRWIN; RICKERT 2005;
LUCÂNIA, 2009). Para Ruzany et al. (2003) pertencer à camada social menos favorecida
economicamente e viver em ambiente presenciando situações de violência aumentam o risco
da violência. Em estudo com 1.041 indivíduos entre 14 e 22 anos (53,6% do sexo feminino)
foram constatados comportamentos de risco à saúde sexual – pouco uso de preservativos e
relacionamento sexual por troca de objetos – e à violência sexual, observando-se ainda
associados à violência estrutural em função da precariedade das condições sociais e dos bens
de serviço público.
3. DESENHO METODOLÓGICO
Os momentos nos quais se utilizou métodos diferentes para estudar o mesmo problema
foram assim respeitados, sabendo-se que dados produzidos por óticas diferenciadas podem
gerar conclusões nem sempre integradas. (MINAYO et al. 2005). No entanto, ao longo da
triangulação metodológica perceberam-se as seguintes situações: algumas das descobertas
quantitativas foram também evidenciadas na etapa qualitativa; a abordagem qualitativa, em
certos aspectos, ampliou os resultados do quantitativo; a perspectiva psicanalítica foi a opção
eleita para a análise das questões identificatórias/de identidade do adolescente vítima de
violência sexual.
55
Os alunos de 2o ano foram escolhidos devido a: maior facilidade que esse grupo
hipoteticamente apresenta, em função de sua idade, em responder temas delicados como o da
sexualidade; o maior envolvimento em encontros afetivo-sexuais; não estarem ainda no
último ano do ensino médio, etapa em que as escolas têm mais dificuldade em permitir a
liberação dos estudantes para participarem de pesquisas.
A amostra foi dimensionada para se obter estimativas de proporção, com erro absoluto
de 0,10, nível de confiança de 95% e proporção (P) da ocorrência de vitimização entre
namorados igual a 70% 5.
4
Os resultados deste estudo foram publicados no seguinte livro: Amor e Violência: Um paradoxo das relações de namoro e
do ‘ficar’ entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
5
Prevalência encontrada na amostra de Manaus, primeira cidade a ser pesquisada e que serviu de referência para todo o
prosseguimento do estudo. O estudo em Manaus apresentou como peculiaridades: a) a prevalência de 50% utilizada para o
cálculo da amostra (opção mais desfavorável, gerando a maior variância possível, e consequentemente maximizando o
tamanho amostral); b) ensino noturno investigado buscando aferir diferenças em relação ao diurno. Em relação a este último
aspecto, como não encontramos distinção significativa entre alunos dos distintos turnos no que se refere à violência nas
relações afetivo-sexuais, apenas o curso diurno foi investigado nas demais nove cidades. Cabe ressaltar que as diferenças
encontradas em Manaus, quando existentes, deviam-se à idade mais elevada de alunos do curso noturno.
56
O plano amostral foi assim delineado com o objetivo de encontrar menor tamanho
amostral com maior precisão e poder de inferência para a população das dez capitais.
Entretanto, devido à seleção por conglomerados, foi incluído um efeito de desenho de pelo
menos 2, a fim de se manter o mesmo nível de precisão de uma amostra aleatória simples
(AAS).
A distribuição do número de alunos pelos estratos e escolas foi fornecida por cada uma
das Secretarias Municipais de Educação para o ano de 2007. Uma das dificuldades
encontradas para a seleção da amostra foi a inexistência do número de alunos por turma,
somente sendo disponível o número de alunos e de turmas por escola. Esse fato permitiu que
o número de amostra calculado e o efetivamente amostrado divergisse um pouco. A coleta de
dados se deu em 2007 para a cidade de Manaus e em 2008 para as demais cidades 6.
6
Foram utilizados neste estudo os seguintes programas computacionais: software R 2.7.1 nos packages pps e sampling para
seleção amostral das escolas e turmas; EpiData 3.1 para entrada de dados; e Statistical Package for Social Sciences - SPSS
versão 16.0 para análise dos dados.
57
1 Esta coluna refere-se ao total de jovens participantes da pesquisa SEM os que se encontram na coluna
“excluídos da análise”.
2 Critérios de exclusão: idade não informada ou fora da faixa de 15-19 anos. Dois casos adicionais foram
excluídos face aos respondentes terem, respectivamente, síndrome de Down e autismo, com reduzido
preenchimento do instrumento.
Violência sexual
A aferição de violência sexual apresentada nos resultados desta tese está baseada na
construção de um indicador composto por quatro variáveis que descrevem situações que o
adolescente poderia ter sofrido violência sexual.
· Sofrer violência sexual do parceiro afetivo atual: “a pessoa com quem ‘fica’ ou
namora atualmente ou no último ano forçou você a fazer sexo quando não queria?”.
· Sofrer violência sexual do parceiro afetivo anterior: “já sofreu agressão de outros(as)
namorados(as) ou pessoa com quem “ficou” ao longo da vida?”.
· Ter experiência sexual com pais/responsáveis: “a sua relação com seus pais
/responsáveis já envolveu alguma experiência sexual?”.
Sexualidade
A pesquisa também possui questões para aferir o comportamento sexual com dados
sobre a atividade afetiva e sexual. As questões abordam a idade em que os adolescentes
começaram a “ficar” e namorar e o número de pessoas com quem já “ficou” ou namorou.
Também foi possível determinar a idade média da iniciação sexual e o número médio
de pessoas com que os adolescentes entrevistados já “transaram”. Aos adolescentes que já
tinham vida sexual ativa, foram feitas perguntas sobre o uso ou não de preservativos durante a
atividade sexual, gravidez, aborto e os cuidados referentes ao contágio por doenças
sexualmente transmissíveis.
Oito itens compõem um indicador que avalia se o jovem sofreu no último ano
violência na escola e na comunidade através de: humilhação, ameaça, agressão; se já teve
danificada alguma coisa sua; se já conviveu com pessoas que carregam armas brancas ou de
fogo e se já foi furtado e roubado (KAHN et al. 1999). A resposta positiva para pelo menos
um item determinou a presença de violência. Os itens do indicador foram propostos pela ONU
em pesquisas sobre violações autoassumidas (self reported offenses). No Brasil estes itens
foram utilizados pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do
Delito e Tratamento do Delinquente - ILANUD/ONU (KAHN et al. 1999). Em estudo
anterior com esses indicadores (ASSIS et al. 2006), a violência na escola mostrou Coeficiente
de Correlação Intra-Classe (ICC) de 0,6342. A violência na localidade apresentou ICC de
0,6992.
Autoestima
Estrato social
3.1.2 Análises
A análise de associação entre as diversas variáveis categóricas e sexo foi realizada por
uma variação do teste de qui-quadrado de segunda ordem de Rao-Scott e p-valores<0,05 e
indicaram associações estatisticamente significativas. O mesmo nível de significância foi
utilizado para todos os demais cruzamentos realizados.
A subjetividade está muito presente: uma pessoa fala. Diz “Eu”, com o seu
próprio sistema de pensamentos, os seus processos cognitivos, os seus
sistemas de valores e de representações, as suas emoções, a sua afetividade e
a afloração do seu inconsciente. E ao dizer “Eu”, mesmo que esteja falando
de outra pessoa ou de outra coisa, explora, por vezes às apalpadelas, certa
realidade que se insinua por meio do “estreito desfiladeiro da linguagem”, da
sua7 linguagem, porque cada pessoa serve-se dos seus próprios meios de
expressão para descrever acontecimentos, práticas, crenças, episódios
passados, juízos... (BARDIN, 2011, P.93-4).
Para que pudéssemos nos aprofundar no estudo, constatamos que o tempo necessário
para cada adolescente poderia ultrapassar mais de um encontro, considerando-se a
profundidade do tema. Essa definição foi acontecendo naturalmente em função de cada
situação descrita e do envolvimento do adolescente durante o relato; pois para alguns, narrar
sobre a vida e descrever a violência sexual foi uma experiência dolorosa.
O relato colhido através das entrevistas semiestruturadas buscou uma reflexão dos
adolescentes sobre a experiência de ter vivenciado a violência sexual nesta etapa da vida. O
importante é o significado que o entrevistado dá à realidade que vivencia (MINAYO, 2010).
Assim, ao entrevistar o adolescente, foi dada ênfase ao seu ponto de vista, objetivando coletar
informações condizentes com o estudo em questão.
Deve-se destacar aqui, que este é um local reconhecido e integrado à rede pública no
âmbito da assistência a pessoas vitimizadas pela violência sexual e referência para a região da
Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.
No entanto, uma das características deste serviço é ser situado dentro de uma unidade
assistencial de saúde destinada a realizar atendimentos de urgência e emergência de média e
alta complexidade. Assim, o Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual
tem a porta aberta e faz o acolhimento a todos aqueles que lá se dirigem ou são
encaminhados, fazendo os encaminhamentos necessários quando a vítima é do sexo
masculino.
Para se conhecer um pouco mais do serviço e das mulheres nele atendidas, optamos
inicialmente por realizar um levantamento de dados dos atendimentos iniciais efetuados pela
equipe do Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual entre o período de
junho de 2009 a junho de 2011. Para realizar o levantamento dos dados, o estudo foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral de Nova Iguaçu e aprovado sob
o número 14/2010 - CAAE: 0015.0.316.000-10 em 06 de julho de 2010. O perfil é
apresentado a seguir.
66
A população atendida entre julho de 2009 e junho de 2010 foi composta por 185
pessoas incluindo crianças, adolescentes e adultos, destes 113 são adolescentes na faixa etária
entre 10-24 anos com idade média de 15,8 anos (DP=3,8). Estes dados confirmam a literatura
que descreve a adolescência como período de elevada vulnerabilidade para violência sexual.
Informe mundial sobre violência afirma que aproximadamente um terço das vítimas de
violência sexual têm idade em torno dos 15 anos (KRUG et al. 2002). A idade média da
primeira relação sexual descrita por estas adolescentes que chegam ao serviço é de 14,3 anos
(DP=3,4) com uma média de 1,9 parceiros sexuais (DP=1,2).
A maioria das adolescentes atendidas nos dois anos reside na Baixada Fluminense do
Rio de Janeiro. Uma grande parcela mora em Nova Iguaçu (43%), seguido por Belford Roxo
(28%), Queimados (9%) e Mesquita (7%), municípios próximos ao local do serviço. Há ainda
pessoas oriundas de municípios vizinhos tais como: São João de Meriti (5%), Duque de
Caxias e Nilópolis (3%) e do Rio de Janeiro (5%). Dentre estas pessoas, 50% se auto
declararam ter cor da pele parda, os outros se dividem em negros (23,1%), brancos (19,2%)
ou amarelos (7,7%).
67
Sabemos que a violência sexual ocorre para ambos os sexos em qualquer faixa etária.
Porém é sobre o sexo feminino a maior incidência, com perfis diferenciados para as moças e
os rapazes. Deve-se ressaltar que, durante os 9 anos em atuação no Centro de Atendimento a
Mulheres Vítimas de Violência Sexual foram raras as vezes em que o ambulatório recebeu
meninos, estando este fato coerente com o perfil do serviço. No entanto, durante a etapa de
realização do campo da pesquisa, tivemos a oportunidade de receber no serviço um
adolescente do sexo masculino. Por ser um serviço exclusivamente para mulheres, a chegada
de um adolescente do sexo masculino – pela primeira vez – em busca de atendimento causou
certo estranhamento a toda a equipe profissional.
Valnei tem 13 anos, está cursando o 6º. ano do ensino fundamental, residente no
município de Nova Iguaçu. Foi o único entrevistado do sexo masculino. Estava acompanhado
pelo pai, que informou que a esposa não pode comparecer por motivo de doença. O pai
descreve a situação de violência vivenciada pelo filho. Durante o acolhimento aos dois, o pai
revela que Valnei foi abusado sexualmente por um vizinho amigo da família. O vizinho o
convidou para ir a sua casa e lá cometeu a violência sexual ameaçando o adolescente caso
revelasse a alguém. Valnei contou para o irmão mais próximo durante uma conversa informal
entre os dois. Este irmão então contou para o pai e a mãe. Foram à delegacia policial e de lá
encaminhados para o serviço. De acordo com o pai, Valnei ao chegar à delegacia não
confirmou a violência, mas mesmo assim ficou preocupado com o filho e resolveu levá-lo
para atendimento médico.
Ele falou que eu falei tudo que aconteceu; depois eu voltei atrás falei que
não aconteceu (Valnei).
Valnei pertence a uma família constituída por pai, mãe e mais cinco irmãos do sexo
masculino, com uma estrutura familiar com mudança de papéis, sendo a mãe que determina as
regras e impõe os limites no lar. No entanto, Valnei descreve sua relação de muito afeto e
identificação com a mãe.
Ela subiu o monte da igreja e quando ela chegou em casa, passou uns 4 ou
5 dias. Aí ela foi, aí eu pintei o cabelo dela, ai ela passou mal. Ela foi pro
médico [...]. Porque ele (irmão) para de falar com a minha mãe eu também
parei de falar com ele! (Valnei).
Pensamos que o fato de ser um serviço para mulheres pode ter inibido de alguma
forma o adolescente a descrever o ocorrido. Por mais que o adolescente e seu responsável
tenham concordado voluntariamente em participar do processo, foi muito difícil fazer este
adolescente relembrar e narrar sobre a violência sexual durante a entrevista individual. Por
este motivo, esta entrevista está apresentada separadamente, não tendo sido incluída na
análise.
O tratamento dos dados foi estruturado a partir do material obtido nas entrevistas
semiestruturadas e da fundamentação teórica. Com a finalidade de discutir os resultados,
foram construídas categorias de análise retiradas no decorrer do processo. A descrição e a
análise dos dados foram os caminhos utilizados para a interpretação e ancorados no
referencial teórico proposto, ressaltamos que “tanto a análise quanto a interpretação ocorrem
ao longo de todo o processo” (GOMES, 2010, p.81).
72
A trajetória da análise seguiu algumas etapas, porém, “há que se separar para explicar,
mas, na prática, as diferentes etapas se interpenetram” (GOMES, 2005, P.205). São elas: (a)
pré-análise (leitura flutuante das entrevistas, buscando mapear os sentidos atribuídos pelos
adolescentes para os eixos temáticos); (b) análise dos sentidos expressos e latentes (com a
finalidade de identificarmos “núcleos de sentidos”); (c) elaboração de temáticas que
sintetizassem as falas acerca do objeto de estudo e (d) análise final (discussão das temáticas à
luz do quadro teórico).
Para a etapa da análise dos sentidos expressos e latentes, foram criados quadros que
integravam as falas com o objetivo de se identificar núcleos de sentido, capazes de abarcar
significados emergentes da totalidade das entrevistas dos sujeitos, ainda que por possíveis
diferenças. Os núcleos identificados foram:
8
Grifo do autor.
73
Cabe ressaltar que a elaboração da análise final se deu a partir de uma interlocução
com a abordagem quantitativa.
irredutibilidade eu/não eu, utilizou-se a noção de identificação formulada por Freud pela
teoria psicanalítica por ampliar a argumentação em torno desta distinção.
A outra temática, mais voltada para os aspectos da violência sexual em si, foi
interpretada segundo as contribuições no campo da saúde pública.
Este capítulo apresenta dados de 3.496 adolescentes entre 15-19 anos moradores de
dez capitais brasileiras e estudantes das redes públicas e privadas de ensino, cujo perfil será
apresentado a seguir. Serão apresentados resultados do comportamento sexual dos
adolescentes do sexo feminino e masculino que vivenciaram violência sexual em pelo menos
uma esfera relacional. Os adolescentes pesquisados estarão ora na posição de vítimas, ora
como perpetradores de variadas formas de violência. São também apresentados dados sobre as
relações familiares na presença de violência sexual, destacando-se também aspectos que
contribuem na construção identitária e na vida sexual dos adolescentes vitimizados
sexualmente.
Quanto à faixa etária, a idade média dos entrevistados é de 16,4 anos (desvio
padrão/DP=0,88). Do total de entrevistados, 11,4% têm 15 anos de idade, 53,9% possuem 16
76
anos, 22,9% têm 17 anos, 9,8% estão com 18 anos e 2% com 19 anos de idade. Observa-se
que adolescentes do ensino particular têm idade média pouco inferior (16,1 anos, DP=0,74)
aos da rede pública (16,5 anos, DP=0,91).
Um total de 45,2% dos adolescentes declara ter a cor da pele branca; 14,1% a referem
como preta e 35,1% como parda, compondo 49,2% de adolescentes afro-descendentes; apenas
5,6% afirmam que a cor da pele é amarela ou se consideram indígenas. Adolescentes com cor
da pele branca, amarela ou indígena são mais novos (16,2 anos, DP=0,81) que seus pares
afro-descendentes (16,5 anos, DP=0,94; p<0,001).
Quanto à estrutura familiar, 62% dos adolescentes vivem com ambos os pais, 22,5%
moram com um dos pais apenas, 11,5% com um dos pais e seu novo companheiro e 4%
vivem com outros familiares ou já construíram suas próprias famílias.
· Ter passado por experiência sexual com pais/responsáveis: referida por 3,7% dos
adolescentes: 2,7% meninas e 5,4% meninos, p<0,001);
· Ser forçado pelo atual parceiro a fazer sexo quando não queria: informada por
4,6% dos adolescentes (4% meninas e 5,6% meninos; p<0,001);
77
· Sofrer agressão sexual de parceiro afetivo anterior: confirmada por 2,4% dos
adolescentes (2,5% de meninas e 1,9% de meninos; p<0,001);
Gráfico 1: Distribuição dos adolescentes segundo vivência de violência sexual em pelo menos
uma esfera relacional, segundo o sexo. N homens=1363; N mulheres=1982
78
· meninos relataram sofrer mais violência sexual (12,5%) do que as meninas (8,7%). Estes
dados apontam para característica distinta do que o observado na literatura. No entanto
não podemos descartar a subnotificação envolvendo o sexo masculino. Em geral, os
estudos sobre violência sexual focalizam-se em meninas, como se entre os meninos a
violência sexual fosse incomum ou de impacto menor ao seu desenvolvimento (PRADO,
2006). Pode-se dizer que a visibilidade da violência está recortada por gênero, na qual a
mulher tem sido o foco da atenção, principalmente no âmbito de políticas públicas
voltadas à saúde sexual e reprodutiva. Consequentemente, os artigos que trabalharam com
a população de adolescentes feminina e masculina, descrevem padrões diferenciados de
violência sexual por gênero; nestes as adolescentes do sexo feminino revelam sofrer mais
violência sexual do que os do sexo masculino (POLANCZYK et al. 2003; HOWARD,
2007; BANYARD et al. 2006; ACKARD, 2002). Conforme abordam alguns autores,
talvez o sentido atribuído por cada um dos sexos é que se diferencie (MACHADO et al.
2005; MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009).
· aqueles na faixa etária entre 17-19 destacam-se com mais elevada prevalência (entre
13% e 19%) do que os mais novos (entre 5-8%). A adolescência constitui-se um momento
nas quais as condições de transformações e ambivalência são sentimentos vivenciados
pelos adolescentes, podendo tornar-se mais vulnerável a situações de revitimização à
medida que os relacionamentos se sucedem e se expandem.
79
Vale apontar que a estrutura familiar, a escolaridade dos pais, o estrato social da
família, bem como a religião praticada pelos adolescentes são aspectos similares para todos os
entrevistados, sem distinção segundo a vitimização sexual avaliada na pesquisa.
A variável composta que afere violência sexual será, a partir deste ponto, avaliada
segundo outras questões que aferem violência na esfera das relações afetivo-sexuais, visando
observar se há outros comportamentos presentes nessas relações que se distinguem no grupo
que sofre a vitimização sexual (reiteramos que este grupo equivale a 10,1% do total de
adolescentes participantes da pesquisa), se comparado ao que não reporta ter vivenciado esta
forma de violência (89,9%). Em todas as análises apresentadas a seguir, será feita a
discriminação segundo o sexo do adolescente, visando identificar diferenças de gênero
porventura existentes. Sempre que possível, serão apresentadas a posição do adolescente
enquanto vítima e perpetrador de variadas formas de violência.
80
4.1.2 Ser vítima de violência sexual em pelo menos uma esfera relacional e vulnerável a
outras formas de violência sexual
No que se refere a ser tocado sexualmente quando não quer, verifica-se que há
associação entre sofrer violência sexual e ser mais tocado sexualmente nas frequências
sempre, às vezes e raramente, tanto entre meninos quanto entre meninas. Vale ressaltar que
quase a metade das meninas e 40,3% dos rapazes afirmam vivenciar tal toque quando não o
desejavam.
No que se refere a ser ameaçado numa tentativa de fazer sexo com o (a) parceiro (a),
tem-se o mesmo quadro: tanto rapazes quanto moças que sofreram violência sexual são mais
ameaçados a fazer sexo (15% e 27,7%, respectivamente) pelos (as) parceiros (as).
81
Tabela 2: Indicador de violência sexual e outros itens de violência sexual sofrida nas relações afetivo-
sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
Situação distinta ocorre com a variável tocar sexualmente o(a) parceiro(a) quando
este(a) não quer: tanto os meninos quanto as meninas que sofrem violência sexual informam
agir mais dessa forma (mais respostas positivas nas frequências sempre, às vezes e
raramente).
Igual realidade foi observada para ameaçar os parceiros numa tentativa de fazer sexo
com ele: o grupo que sofre violência sexual também perpetra mais ameaças que visam forçar a
existência de relações sexuais.
Tabela 3: Indicador de violência sexual e outros itens de violência sexual perpetrada nas relações
afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
Constatou-se ainda que no grupo de adolescentes que sofreu violência sexual em pelo
menos uma esfera relacional há mais relatos de perpetração de agressão sexual a parceiro
afetivo anterior entre as moças (0,7% contra 0,1% dentre as que responderam negativo a
variável composta que afere violência sexual; p=0,005) e entre os rapazes (5,6% e 0,6%,
respectivamente; p=0,000).
4.1.2.1 Relações entre ser vítima de violência sexual e sofrer/praticar violência física nas
relações afetivo-sexuais
Na tabela 4 pode ser observada a associação entre o indicador que afere sofrer
violência sexual na família, comunidade/escola e no namoro/‘ficar’ e ser vítima de violência
física nas relações afetivo-sexuais. Observa-se que há associação entre sofrer violência sexual
e ter parceiro (a) que joga algo sobre o entrevistado em ambos os sexos; entre os rapazes que
relataram violência sexual a violência física está mais presente (26,1%) versus (18,8%) entre
moças também vitimizadas sexualmente. No que se refere a ter parceiro (a) que bate, chuta
ou dá socos no (a) entrevistado (a), observa-se igual cenário.
Em relação aos entrevistados cujos parceiros lhes dão tapas e puxões nos cabelos,
apenas entre as moças há mais relato dessa forma de agressão física. O mesmo fato ocorre em
83
relação a ser empurrado (a) ou sacudido(a) pelo(a) parceiro(a), que mostra associação com
vitimização sexual apenas entre as moças.
Tabela 4: Indicador de violência sexual e violência física sofrida nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
Em relação a entrevistados que dão tapas e puxões nos cabelos dos(a) parceiros (a),
constata-se que para ambos os sexos há mais relato de perpetração dessa forma de agressão
física dentre aqueles que também vivenciam violência sexual. Nota-se que mais meninas
vitimizadas sexualmente (38,8%) agem com tal forma de violência física em comparação aos
meninos em igual condição (19,2%).
Tabela 5: Indicador de violência sexual e violência física perpetrada nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
4.1.2.2 Relações entre ser vítima de violência sexual e sofrer/praticar violência psicológica
nas relações afetivo-sexuais
A seguir será apresentada a associação sofrer violência sexual em pelo menos uma
esfera relacional e sofrer/praticar violência psicológica na relação afetivo sexual atual. A
escala CADRI distingue três formas de violência psicológica: ameaças, violência
verbal/emocional e violência relacional, detalhadas a seguir.
a) Ameaças
As ameaças são aferidas através dos seguintes itens: quebrar ou ameaçar destruir algo
de valor do parceiro, tentar amedrontá-lo de propósito, ameaçar bater ou jogar alguma coisa
nele e ameaçar machucá-lo. São avaliadas tendo o adolescente como vítima (ameaça sofrida)
ou agente da ação (ameaça perpetrada).
Dois tipos de ameaças são mais presentes apenas entre os rapazes vítimas de violência
sexual: ele(a) tentou me amedrontar de propósito (36,6%, versus 14,3% dentre os que não
sofrem); e ele/ela ameaçou me machucar (15,1% e 4,3%, respectivamente).
Quanto ao item ele/ela ameaçou bater em mim ou jogar alguma coisa em mim,
rapazes e moças vítimas de violência sexual são mais vítimas dessa forma de ameaça, com
percentuais próximos (10,3% e 13,4% respectivamente).
86
Tabela 6: Indicador de violência sexual e ameaça sofrida nas relações afetivo-sexuais por jovens (15-
19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
Na tabela 7 estão descritos os dados da associação entre ter sido vítima de violência
sexual e praticar ameaças aos parceiros(as).
Quase a metade dos rapazes (45,8%) que sofreram violência sexual em alguma esfera
relacional assume a postura de tentar amedrontar o(a) parceiro(a) de propósito (15,9% no
grupo não vitimizado sexualmente). Em relação às moças não há associação nesta variável.
Observa-se que entre as mulheres há associação entre ser vítima de violência sexual e
ameaçar machucar o parceiro. Entre os rapazes, os resultados mostram-se próximos à
significância estatística avaliada na tese, devendo ser analisado com ressalvas.
Sofrer violência sexual e ameaçar bater ou jogar alguma coisa no parceiro(a) mostra-
se associado em adolescentes do sexo feminino e masculino. Dentre as mulheres observa-se
maior frequência deste tipo de ameaça do que entre os homens.
87
Tabela 7: Indicador de violência sexual e ameaça perpetrada nas relações afetivo-sexuais por jovens
(15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
b) Violência Relacional
Apenas entre os homens verificou-se associação entre sofrer violência sexual e ter um
parceiro que disse coisas aos amigos do adolescente entrevistado, para virá-los contra ele
88
(14% entre os rapazes vitimizados sexualmente e 5,6% dos que não passaram por tal
experiência).
Tabela 8: Indicador de violência sexual e violência relacional sofrida nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
Na tabela 9 observa-se a associação entre sofrer violência sexual em pelo menos uma
esfera relacional e a perpetração de violência relacional.
Há associação entre sofrer violência sexual e tentar virar os amigos contra o (a)
parceiro (a) entre as meninas (6,8% dentre as vitimizadas sexualmente e 2,7% dentre as que
não sofreram tal forma de violência).
Nos itens: dizer coisas sobre o(a) parceiro (a) aos seus amigos, para virá-los contra
ele/ela e eu espalhar boatos sobre o(a) parceiro (a), apenas se constata associação com
vitimização sexual entre os homens.
89
Tabela 9: Indicador de violência sexual e violência relacional perpetrada nas relações afetivo-sexuais
por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
c) Violência verbal/emocional
Há associação entre sofrer violência sexual e ter parceiro(a) que fez algo para causar
ciúmes, para ambos os sexos. Os adolescentes do sexo masculino que têm parceiros que
provocam ciúmes se destacam no grupo que sofreu violência sexual (80,6% entre homens e
69,4% entre as mulheres), se comparados ao grupo que não sofreu violência sexual (56,1% e
50,3%, respectivamente).
A maior parte das questões que aferem violência verbal/emocional se mostra associada
à vitimização por violência sexual apenas entre as mulheres. No grupo feminino vitimizado
90
Estes dados nos conduzem a reflexão sobre o ciúme mencionado por adolescentes de
ambos os sexos. A frequência elevada de violência verbal demonstra que esta é uma forma de
comunicação mais comum entre aqueles que já sofreram violência sexual do que no grupo
sem esta experiência. O grupo de adolescentes entrevistados na abordagem qualitativa, como
se verá no capítulo seguinte, também refere mesma forma de comunicação.
Tabela 10: Indicador de violência sexual e violência verbal sofrida nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
Em relação ao item fazer algo para provocar ciúmes no (a) parceiro (a), os resultados
observados para ambos os sexos mostram a inexistência de associação com ser vítima de
violência sexual, embora em níveis próximos à significância estatística definida no estudo.
Outros itens também não mostram associação com vitimização por violência sexual.
São eles: mencionar algo de ruim do(a) parceiro(a), que ele/ela fez no passado; ridicularizar
ou caçoar o(a) parceiro (a) na frente dos outros; vigiar com quem e onde ele/ela estava;
culpar ele/ela pelo problema. Como se pode constatar, esses comportamentos refletem
práticas e linguagens muito frequentes entre os jovens, independente de sexo ou vitimização
sexual. São fruto de uma sociedade de vigilância e controle (FOUCAULT, 1977) que
determina formas de regulação social e sexual configuradas de acordo com as normas do
espaço social no qual a violência se manifesta. Relações como estas podem tornar os jovens mais
vulneráveis a comportamentos violentos em relacionamentos futuros.
Uma única questão encontra-se associada à vitimização sexual entre as mulheres: dizer
coisas ao parceiro(a) somente para deixa-lo(a) com raiva. Das moças vitimizadas
sexualmente, 66,8% referem tal comportamento, em relação a 50,2% das que não sofreram
violência sexual.
Tabela 11: Indicador de violência sexual e violência verbal perpetrada nas relações afetivo-sexuais
por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
***
94
Os entrevistados foram ainda indagados se contribuíam com suas atitudes para que a
família tivesse maior diálogo e respeito entre si. Não houve associação entre ter sido vítima de
violência sexual e cooperar com o diálogo ou o respeito dentro da família, para ambos os
sexos. O quadro observado assinala que não há diferença na postura em relação ao sexo ou
96
quanto à vitimização sexual: mais de 68% dos adolescentes consideram que contribuem muito
para o diálogo; e acima de 82% também concordam contribuir muito para o respeito.
Verifica-se que os pais, ainda que em alguns momentos não sejam considerados como
interlocutores prioritários são avaliados de forma positiva por ambos os sexos.
Gráfico 2: Comunicação entre pais e filhos segundo temáticas e vitimização por violência sexual.
A supervisão dos pais sobre os filhos adolescentes foi avaliada pela imposição de
limites ao sair com amigos. Não se notou distinção segundo a vitimização por violência
sexual. No total das adolescentes, 32,7% têm que dizer aos pais a hora de retornar para casa,
49,5% combinam com o pai a hora de voltar, 14,2% voltam para casa a hora que quiserem e
3,6% nunca saem sem os familiares. Entre os meninos tem-se que 28,2% dizem aos pais o
horário em que irão voltar; 40,5% combinam com os pais a hora de voltar para casa; 26,7%
voltam para casa quando querem; e 4,6% nunca saem sem os familiares.
A relação dos adolescentes com seus irmãos foi outro tema abordado na pesquisa, sem
que houvesse diferenciação entre os grupos que sofreram ou não a violência sexual. Em geral,
59,4% das moças e 72,9% dos rapazes brigam com seus irmãos a ponto de se machucarem,
xingam e humilham um ao outro. Estes elevados percentuais apontam para frágeis relações
fraternas.
Nota-se que apesar dos adolescentes apontarem, de uma forma geral, ter bom diálogo
com os pais, algumas condutas presentes no curso do crescimento emocional implicam em
relações familiares pautadas em violências, que talvez não sejam reconhecidos pelos jovens
como tal.
Mesmo quadro ocorre no que se refere à violência física severa do pai sobre o adolescente no
último ano: 28,5% foi o percentual observado entre os rapazes que sofrem vitimização sexual
e 12,9% naqueles sem este histórico (p=0,007). Dentre as moças, 7,6% informam tal
comportamento paterno.
***
estabelecido, este espaço que seria de proteção é também o que pode proporcionar condições
de perigo e desproteção (SAFFIOTI, 2001). É neste ambiente que algumas tendências
antissociais podem se desenvolver, tornando os sujeitos vulneráveis a envolverem-se em
situações adversas e permeadas pela violência (WINNICOTT, 1999).
Sendo assim, cabe avaliar quais aspectos podem contribuir na construção dos
processos identitários de adolescentes vitimizados sexualmente. Os resultados estão descritos
a seguir.
adolescente com sua identidade fragilizada, tendo em vista toda a sua complexidade, mas em
busca de filiação e reconhecimento.
a) Autoestima
Não foi encontrada associação entre nível de autoestima – escala de Rosemberg (1989)
– e ter sido vítima de violência sexual (tabela 12). Oito por cento de adolescentes do sexo
feminino e 13,6% do sexo masculino com história de violência sexual apresentam baixa
autoestima.
Pode-se suspeitar a partir destes resultados que a maior frequência de baixa autoestima
dos adolescentes do sexo masculino esteja relacionada à menor denúncia de violência sexual
junto a este grupo. Para Chavez et al. (2009), a subnotificação ocorre devido a questões de
gênero, pois de acordo com estes autores, a denúncia da violência sexual nesta faixa etária,
está associada ao reconhecimento de experiência homossexual forçada. Outros fatores
também contribuem para que meninos se calem, dentre eles estão as questões sociais,
culturais e emocionais (PRADO, 2006).
102
b) Autoconfiança
Com relação à maneira como os adolescentes solucionam os conflitos que têm com os
amigos tem-se que 88,9% das moças e 79,3% dos rapazes conseguem, muitas vezes,
solucionar as dificuldades conversando. Entretanto, os meninos apresentam comportamento
menos dialógico e mais agressivo se comparado com as meninas, pois, muitas vezes xingam
uns aos outros (13,2% dos meninos e 2,7% das meninas), humilham uns aos outros (7,9% e
1,2%, respectivamente) e batem ou empurram uns aos outros (6,7% e 0,6%, respectivamente).
c) Competência escolar
O relacionamento com professores foi relatado como bom por 83% dos rapazes e
79,8% das moças.
Não foi encontrada associação entre ter sido vítima de violência sexual e competência
escolar, aferida pela avaliação das notas escolares, da participação na escola e através da
qualidade do relacionamento aluno-professor para ambos os sexos.
d) Amizades
· Amigos do sexo masculino: 76,6% dos rapazes relatam ter muitos amigos,
comparados a 58,9% entre as mulheres. Um total de 22,9% dos rapazes possui poucos
103
amigos (39,2% entre as mulheres) e apenas 0,5% informam não ter amigos (1,9%
entre as moças).
· Amigas do sexo feminino: 72,6% das moças têm muitas amigas (70,5% entre
homens), 27,2% relatam poucas amizades femininas (26,9% dos rapazes assim
afirmam) e 0,3% não têm amigas (2,7% dos homens).
Constatou-se que os rapazes têm em média 4,8 amigos (dp=5,1) e as moças 4,5
(dp=4,4). Não se notou distinção entre ter ou não amigos/amigas segundo vitimização por
violência sexual.
Rapazes que relataram sofrer violência sexual informam maior número de amigos com
quem se sentem à vontade para poder falar sobre quase tudo (correlação de Somers´D =
0,178221; p<0,001).
Quanto ao uso de medicação para emagrecer, constata-se que há maior uso também
entre os meninos que não foram vitimizados sexualmente (4,8%, contra 0,4% relatado pelo
grupo que sofreu violência sexual). Dentre as meninas, em torno de 9% relata uso deste tipo
de medicação.
*p-valor<0,05
*p-valor<0,05
106
Em relação aos prejuízos causados pelo uso abusivo de bebida alcoólica nesta faixa
etária, autores alertam para a associação do uso de álcool na adolescência com
comportamentos de risco. Estar alcoolizado aumenta a chance de violência sexual seja no
papel de vítima como de agressor (PECHANSKY et al. 2004).
f) Visão cultural/gênero
serem fortes, viris, ativos e independentes e as meninas recebem educação para serem frágeis,
submissas, altruístas, dependentes (SAFFIOTI, 2001). Pode-se observar nos resultados
abaixo, que apontam alguns comportamentos vistos como naturalizados em relação à posição
do homem e da mulher nas relações afetivas.
A perspectiva que os adolescentes têm sobre o papel do gênero nas relações afetivo-
sexuais pode ser constatada através das respostas dadas ao item como considera:
· O namorado humilhar a namorada: 98% das moças consideram grave ou muito grave
praticar tal ação (sem distinção segundo vitimização sexual). Para os rapazes que são
vitimizados sexualmente, este percentual se reduz para 85,9% (94,4% entre os rapazes
não vitimizados; p=0,047).
Como se pode constatar, as moças tendem a considerar mais natural que o sexo
feminino humilhe o masculino do que o inverso, mesmo que esta diferença ocorra em patamar
elevado (isto é, a maioria das mulheres – acima de 90%, considera a humilhação do(a)
parceiro(a) como uma questão grave).
· Namorada agredir namorado: mais moças que não são vitimizadas sexualmente
consideram muito grave este fato (70,2%) do que as que sofreram tal violência
(52,8%; p=0,007), apontando algum grau de naturalização. Igual situação ocorre entre
adolescentes do sexo masculino, com 71,7% dos que foram vítimas de violência
108
considerando muito grave este ato, em comparação a 52,1% dos sem história de
violência sexual (p=0,027).
· Namorado agredir namorada: 99,3% das mulheres consideram muito grave ou grave
esta forma de agressão. Dentre os rapazes, este percentual diminui um pouco (97,3%),
mas também mostra uma interdição à agressão sobre a mulher, tema mais presente na
cultura brasileira. Não se observou distinção segundo vitimização sexual para nenhum
dos sexos.
· Um garoto tem direito de agredir outro que esteja dando em cima de sua namorada:
12,6% das mulheres e 47,7% dos homens concordam com tal afirmativa.
· Uma garota tem direito de agredir outra que esteja dando em cima de seu namorado:
20,3% das mulheres e 35,1% dos homens concordam com tal afirmativa.
· Se um garoto foi infiel a sua namorada, ele merece apanhar: 25,1% das mulheres e
20% dos homens concordam com tal afirmativa.
· Se uma garota foi infiel ao seu namorado, ela merece apanhar: 10% das mulheres
têm tal julgamento de valor. Entre os rapazes, os que são vítimas de violência sexual
relatam concordar mais com esta afirmativa (34,1%), se comparados aos seus pares
sem vitimização (18%; p=0,005).
Para a maioria dessas respostas, os homens tendem a concordar mais com a utilização
da agressão física como forma de resolução de conflitos (exceção para apanhar devido à
infidelidade masculina – comportamento culturalmente concebido como próprio do homem).
Para outras visões culturais não se verificou distinção segundo vitimização sexual. São
elas:
· Agredir prostitutas: 98,3% das mulheres e 91,3% dos rapazes consideram grave/muito
grave tal ato.
109
g) Idéias suicidas
Um total de 19,2% das moças já ficou triste e sem esperança no futuro por causa de
relacionamento amoroso, até o ponto de pensar seriamente em se matar. Entre os rapazes,
41,3% dos vitimizados sexualmente assim afirmaram, em contraposição a 16,4% dos que não
são vítimas dessa forma de violência (p=0,003).
Foi encontrado que entre adolescentes do sexo feminino que foram vítimas de
violência sexual 10,2% já buscaram ajuda profissional, contrapondo-se a 3,7% dentre as que
não foram vítimas; no sexo masculino, os percentuais obtidos foram: 4,2% e 1,3%,
respectivamente.
Nota-se que tanto os rapazes quanto as moças entrevistados inicialmente vão buscar
nos amigos apoio e proteção, sendo a família referida como a segunda opção por ambos os
sexos.
A visão da ajuda recebida é positiva (excelente ou boa) para ambos os sexos: 92,3%
das adolescentes do sexo feminino e 84,3% do sexo masculino consideraram bom ou
excelente o auxílio recebido.
***
Neste capítulo foi possível observar vários aspectos que podem interferir na busca da
identidade realizada pelos adolescentes, sendo este um trabalho psíquico no qual os
investimentos desta etapa do ciclo vital vão aos poucos sofrendo inúmeras transformações.
Apontamos a relação que os adolescentes estabelecem com seu corpo. Ter sido vítima de
violência sexual impõe dificuldades no desenvolvimento da representação de si mesmo e de
sua autoestima. Assis et al. (2003) em estudo sobre a representação social do adolescente
apontam a autoestima e o autoconceito como atributos individuais que influenciam
diretamente nas experiências interpessoais e que tendem a ser acometidos em situação de
violência. Nota-se que para adolescentes do sexo masculino vitimizado sexualmente a
autoestima é mais atingida do que entre as meninas, talvez em função de questões culturais
(PRADO, 2006).
A companhia dos pais na adolescência passa a não ser mais tão importante como era
antes, a relevância dada às amizades tanto pelos meninos quanto pelas meninas demonstra o
quanto o sentimento de pertencer a um grupo de iguais representa papel fundamental na vida
dos adolescentes, independente de ser ou não vítima de violência sexual.
Ter em média acima de quatro amigos, descrito pelos meninos e pelas meninas e ainda
quase 80% assumir que consegue solucionar conflitos de maneira dialógica com os amigos,
reflete a busca de segurança e estima pessoal proporcionadas pelos grupos de iguais.
Evidenciado também pelo fato de que a maioria dos adolescentes de ambos os sexos quando
está em dificuldades pessoais, busca primeiro os amigos e em seguida os familiares, pois: “o
111
grupo constitui assim transição necessária no mundo externo para alcançar a individualização
adulta” (KNOBEL, 1992, p.37)
Entretanto, nem sempre o adolescente consegue ter uma visão saudável de si mesmo
podendo envolver-se com experiências destrutivas. Neste sentido o destaque é para o alto
percentual de rapazes e moças vítimas de violência sexual que consomem substâncias legais
como álcool, e também em menor proporção o uso de substâncias ilegais como a maconha.
Sob este aspecto, autores (OUTEIRAL, 1994; CALLIGARIS, 2000) alertam para o fato de se
pensar esta questão de forma clara, sem exageros ou negação, uma vez que assim como ocorre
entre os adultos, os adolescentes são também seduzidos por uma promessa de satisfação aos
anseios e desejos.
No que diz respeito às relações afetivas, percebe-se que para os meninos e meninas é
um processo bastante complexo, evidenciado no fato de mais de 50% dos adolescentes de
ambos os sexos e com história de violência sexual consideram natural a namorada agredir o
namorado.
da violência, para só então alcançar a maturidade: “ter amadurecido é ter adquirido uma nova
maneira de amar o outro e de amar-se a si mesmo” (NASIO, 2011, p.31).
Tabela 13: Idade média em que começou a “ficar” namorar e transar e correlação com indicador de
violência sexual. Adolescentes de dez capitais brasileiras, segundo o sexo.
*Somers´D
Tabela 14: Número de pessoas com quem os adolescentes “ficaram” namoraram e transaram e
correlação com indicador de violência sexual. Adolescentes de dez capitais brasileiras,
segundo o sexo.
Violência
Sexo feminino Sexo masculino
sexual
Correlação Correlação
Média DP * Média DP *
(p-valor) p-valor
Número de pessoas com Sim 21,6 15,39 0,0444984 25,4 18,92 0,0828117
quem “ficou” (0,003) (0,053)
N homens=955; N Não 15,3 14,03 18,4 14,87
mulheres=1611
Número de pessoas com Sim 2,4 1,29 0,0018244 2,2 1,13 -0,0515832
quem namorou 1 (0,181)
N homens=823; N Não 2,1 1,20 2,3 1,30
(0,369)
mulheres=1390
Número de pessoas com Sim 2,2 1,15 0,2579986 2,3 1,43 0,0924213
quem transou (0,002) (0,282)
N homens=463; N Não 1,4 0,79 1,8 1,22
mulheres=529
*Somers´D
A maior parte dos meninos e das meninas costuma sair em grupo para paquerar ou
azarar. Dentre os meninos, há diferenciação entre as vítimas de violência sexual, pois 95,1%
afirmam tal comportamento (79,6% dentre os não vitimizados).
“Ficar”/namorar com uma pessoa exclusivamente foi mais relatado pelo sexo
feminino. Entre aquelas que são vítimas de violência sexual este comportamento é mais
relatado (86,9%), do que entre as que não são vítimas (77,3%).
Tabela 15: Tipos de relação de “ficar” ou namoro estabelecidas no último ano. Adolescentes (15-19
anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo e indicador de violência sexual.
Cada adolescente entrevistado para esta tese foi indagado para responder aos itens
sobre relacionamento afetivo-sexuais pensando no namorado atual ou no mais recente.
Indagando sobre a duração desse relacionamento, constata-se que para 40,8% dos rapazes o
relacionamento era menor que um mês, para 45,3% estava entre 1-11 meses e para 13,9%
durava mais de um ano.
Sobre o envolvimento nos relacionamentos afetivos, 87,7% das moças e 71,8% dos
rapazes considera o relacionamento importante/muito importante. Este dado ratifica a
relevância dos encontros amorosos na adolescência.
118
· sexo feminino: 47,7% sempre usa, 15,2% muitas vezes, 24,5% poucas vezes, 12,6%
nunca usou camisinha ao transar;
· sexo masculino: 70,8% sempre usa, 15,8% muitas vezes, 9,4% poucas vezes e 4%
nunca usou camisinha ao transar.
· Só usa camisinha quando transa com pessoas que não conhece bem: 50,2% das moças
e 62,9% dos rapazes assim afirmam, independente de vitimização sexual;
· Só transa usando ou se o(a) parceiro (a) usa camisinha: 66,8% das moças e 78,1%
dos rapazes, sem diferença segundo história de violência sexual.
· Não se preocupa tanto porque não é tão fácil assim pegar doenças: 14,5% das moças
agem de tal forma. Dentre os adolescentes do sexo masculino, há mais
despreocupação com o uso de preservativos dentre os que sofrem violência sexual
(19,6%, versus 7,4% entre os jovens que não relatam violência sexual; p<0,001).
No que se refere a já ter engravidado (no caso das meninas) ou uma namorada ter
ficado grávida (referente aos meninos), vê-se o resultado das relações sexuais desprotegidas:
7,5% dos rapazes já tiveram namoradas grávidas (independente de história de violência
sexual). Para o sexo feminino a situação é distinta: 10,9% das que sofreram violência sexual
já engravidaram, contrapondo-se a 3% das garotas sem tal histórico (p<0,001).
Dentre as moças que já engravidaram (ou as namoradas dos rapazes), 11,3% das
moças e 5,9% dos rapazes informaram ter recorrido ao aborto, sem distinção segundo o
histórico de vitimização sexual.
A relação sexual sem proteção facilita o nascimento de crianças: 1,2% dos rapazes já
são pais, independente da história de violência sexual. O quadro observado para o sexo
feminino é distinto: 2,2% das moças com história de violência sexual já são mães,
contrapondo-se a 0,2% dentre as que não relatam passar por tal violência (p˂0,05).
***
Pode-se perceber a partir dos resultados acima, como o adolescente se depara com
mudanças físicas e também emocionais em função da necessidade de um redimensionamento
de sua identidade. Seu corpo modifica-se, ele precisará então apropriar-se de um novo corpo
para assim poder assumir algumas atitudes mais responsáveis do ponto de vista preventivo.
120
Adolescentes vão aos poucos aceitando sua genitalidade, para assim iniciar na busca
de parceiros sexuais.
Deve-se considerar que a relação que o adolescente irá estabelecer com seu corpo, por
ser um momento de crise, que leva a indefinições e incertezas, influencia no processo de
constituição da identidade (ERIKSON, 1976). O pouco uso de preservativos e a gravidez não
planejada observada nos resultados apresentados indicam a existência de relações afetivo-
sexuais pouco saudáveis para muitos adolescentes.
9
Todos os nomes utilizados neste estudo são fictícios
122
Damiana
Foi entrevistada em duas ocasiões, com período de duas semanas entre a primeira e a
segunda entrevista. No primeiro encontro chorou muito ao lembrar do ex-namorado que fora
assassinado pouco antes de ter sofrido a violência sexual. Já na segunda entrevista, vem
sozinha mostrando-se mais tranquila. Apesar de ter saído do emprego por medo do trajeto,
revela estar em busca de escola para se matricular e retomar os estudos.
Nina
A adolescente foi violentada sexualmente pelo ex-namorado. Este seria o seu terceiro
namorado. Namoraram em casa com o consentimento da mãe, sem manter relações sexuais.
Após dois meses, ela terminou este relacionamento. Entretanto considera que seu ex-
namorado não aceitou o fato do término do namoro. Ele então a convidou para ir à casa de
uma amiga, mas a levou para a casa do pai. Ao chegar lá estavam um amigo e o pai. Os dois
rapazes a estupraram mais de uma vez, com uso de violência física. Chegou a perder a
consciência, pois eles a empurraram e a jogaram no chão. O pai do ex-namorado permaneceu
durante todo o episódio apenas observando. Nina lembra ter gritado muito. Após a violência
sexual eles a levaram para uma rua e lá permaneceu, sem voz e sem forças, até ser encontrada
pela mãe e os irmãos. Foram direto para a delegacia policial que estava fechada, tiveram que
esperar abrir e de lá eles a encaminharam para o serviço e para o IML.
Foi entrevistada em duas ocasiões. É a filha mais nova de três irmãos homens. O pai
morreu quando tinha 7 meses. Nos dois episódios esteve acompanhada da mãe. Apresenta
linguagem muito limitada e comportamento extremamente infantilizado para a idade; foi
também encaminhada para avaliação neurológica por queixas de fortes dores de cabeça,
123
náuseas e esquecimento. Apresenta boa relação afetiva com a mãe e os irmãos, todos mais
velhos. Durante as entrevistas responde as solicitações às vezes de forma resignada.
Núbia
Nunca tivera namorado até conhecer o agressor, 20 anos mais velho que ela,
encantando-se por ele, e mantendo relacionamento, mesmo contra a vontade da mãe. Eles se
conheceram na Igreja. Foi até a casa dele por duas vezes sem o conhecimento da mãe; na
terceira, ele a empurrou para dentro do banheiro e, usando força física, cometeu o estupro,
chegando a machucar o canal da sua vagina. Núbia lembra ter gritado, mas ele tampou sua
boca, ameaçando-a de morte caso revelasse para alguém o ocorrido. Logo após a violência
sexual, sua mãe chegou à casa dele, pois a irmã do agressor ligou para ela. Núbia contou para
sua mãe quando chegaram a sua casa. Adolescente revela que sua mãe ficou indignada com a
situação, sentindo-se traída pela filha e pelo agressor. Dirigiram-se à delegacia policial que as
encaminhou para o serviço. Durante o acolhimento inicial a mãe mostrava-se ainda muito
nervosa com toda a situação, queixando-se da atitude da filha e responsabilizando-a pelo
ocorrido.
Valquiria
O vizinho que mantinha relações de amizade com a família há alguns anos, violentou-
a sexualmente em duas ocasiões. O agressor entrava na casa e subia até o quarto de Valquíria,
quando sabia que ela estava sozinha em casa. Ele a ameaçava de morte e a todos os familiares,
caso contasse para alguém. No segundo episódio, o irmão chegou a casa e viu o agressor
pulando o muro, percebendo o ocorrido. Contaram inicialmente para a avó e em seguida
foram à delegacia policial que a encaminhou para atendimento no serviço de referência.
Foram realizadas duas entrevistas nas quais a adolescente mostrou-se sempre muito
receptiva ao contato e sem nenhuma dificuldade de falar sobre sua vida, suas dores e seus
124
sentimentos. Durante a entrevista chorou e sorria ao lembrar fatos importantes de sua história
de vida. Veio acompanhada da avó paterna com quem convive desde o assassinato do pai
(estava no colo do mesmo durante o ocorrido) e a prisão da mãe, que mantinha relação
amorosa com o assassino de seu pai. Descreve relação afetiva muito forte com a avó paterna.
Refere envolvimento nos esportes após a violência. Tornou-se membro da equipe feminina de
futsal de sua escola, tendo ganhado alguns prêmios. Faz questão de mostrar seu investimento
para seguir nesta área.
Poliana
Foi vítima de violência sexual praticada pelo ex-marido da sua mãe. Na ocasião, sua
mãe trabalhava e o agressor, nos dias de folga do trabalho como motorista de ônibus ficava
em casa e tomava conta de Poliana. A violência sexual ocorreu três vezes. Durante a noite ele
ia até o seu quarto e cometia o estupro, ameaçando-a caso revelasse para sua mãe. Na terceira
e última vez, a mãe acordou e abordou o agressor no momento da violência. A mãe ficou
muito abalada com o ocorrido, conseguiu afastar a filha de casa e chamar a polícia que
prendeu o agressor em sua casa. Ele ficou preso até que os policiais ligaram para sua mãe e a
mesma já sabendo que estava esperando um filho dele, retirou a queixa. No entanto, após 2 ou
3 anos aproximadamente, quando o agressor, bêbado passou perto de sua casa, o tio e outras
pessoas bateram nele violentamente e o levaram para o hospital.
Poliana foi levada pela tia materna na primeira entrevista, pois segundo esta, a mãe
estava no trabalho. Na segunda ocasião a mãe acompanha a filha para o atendimento. A
adolescente demonstra, em história de vida, momentos de grande responsabilidade ao ter que
cuidar do avô quando a mãe está no trabalho; ao mesmo tempo apresenta comportamento e
linguagem infantilizados, com dificuldade de abordar a violência. Foi encaminhada para
tratamento psicológico uma vez que após a violência sexual vem apresentando sintomas de
enurese noturna.
Pamela
Pamela foi abusada pelo pai biológico dos 5 aos 10 anos de idade. Este parou de
abusá-la após ter ficado menstruada. Possui mais outras duas irmãs; segundo ela, o pai tinha
dúvidas se era sua filha, por suas outras irmãs serem negras e ela não. Revela que o pai
praticava violência sexual quando ficava em casa sozinha, ocorrendo aproximadamente três
vezes por semana, sempre ameaçando de morte a ela, a mãe e suas irmãs. Somente revelou
125
para a mãe quando esta pensou em levá-la para passar um tempo na casa do pai, uma vez que
já estavam separados há algum tempo. Foi então que tomaram conhecimento que antes de
casar com sua mãe, o pai já tinha duas passagens pela polícia, em uma delas por estupro. A
mãe foi então à delegacia e de lá foram encaminhadas para atendimento.
***
de um sujeito que se relaciona com o outro de forma singular, pois responde à violência com
uma linguagem natural, uma vez que termina ocupando lugar de vítima preferencial da
violência nos espaços sociais.
Considerada como qualquer forma de exercer uma atividade sexual não consentida, a
violência sexual, enquanto problema de saúde pública, é uma das piores formas de violência
que uma adolescente pode vivenciar, especialmente por estarem saindo da infância e
apresentarem um corpo sexuado ainda em processo de desenvolvimento. A partir dos relatos
das seis adolescentes foi possível constatar qual a percepção e os seus sentimentos após terem
sido vitimizadas por violência sexual.
A forma como a violência sexual se inscreve na subjetividade das mesmas, bem como
as consequências e o modo de produção dos significados nesta etapa de construção de
identidade são abordados neste estudo. Pretende-se refletir sobre a relação que a adolescente
vítima de violência sexual estabelece com seu corpo influenciando na maneira como constrói
sua identidade.
Ele (pai) sempre foi carinhoso com ela só que às vezes ele batia nela
também [...]. Aí ela foi discutir com ele; ele foi e deu um tapa na cara
dela (Pamela).
Ah, era bom, mas de uns tempos prá cá, depois que meu avô morreu ,
parece que a morte de meu avô mexeu muito com ela (avó). Daí ela
veio, de uns tempos prá cá ela (avó) ficou estranha com a gente. Aí
veio agredindo eu e minha mãe fisicamente e verbalmente (Nubia).
Para Macedo et al. (2010c), atualmente há novas configurações familiares, nas quais a
autoridade paterna vem mostrando-se mais enfraquecida e frágil. Daí surgem novas
perspectivas para o exercício dos papéis de mãe e de pai, inclusive quando nos referimos a
situações de violência sexual.
Bom, minha mãe fala que ele foi muito cachorro e continua sendo um
cachorro por... Não dá assistência pra mim, assim assistencial pra ela
pensão, em dinheiro [...]. Eu? Como eu conheci há pouco tempo eu
acabo meio que concordando com ela. Porque eu vejo também o jeito
dele... (Núbia).
[...] Eu sempre odiei ele. Porque ele me batia muito e na minha irmã
ele não fazia nada [...]. Estupidez da parte dele, porque eu tenho mais
característica com ele; assim só que eu sou branca e ele é preto
(risos). A minha orelha é igual a dele, a minha boca, o meu dedo,
(risos) tudo(Pamela).
Para algumas das entrevistadas a convivência com a mãe ou aquela que está neste
papel tem presença muito forte com marcas identitárias significativas. A figura materna é
descrita como forte, aquela que assume a liderança da família. Esses dados também estão
presentes nos resultados apresentados no capítulo 4, oriundos da análise quantitativa realizada
com jovens de dez capitais brasileiras. Pode-se dizer que o papel das mães em oferecer o
suporte emocional às filhas em situação de conflito pode contribuir para a manutenção de um
espaço de confiança, podendo repercutir de forma positiva principalmente no que diz respeito
à quebra do segredo que encobre as situações de violência sexual em adolescentes.
Minha mãe estipulava o horário, se fosse sair seis horas tinha que
estar sete e meia em casa (Nina).
[...] Ai minha mãe não quis aceitá-lo por ele ser mais velho, por ele
ter 30 anos eu ter 15, e que tava errado, aí minha mãe não aceitava e
nem aceita...(Núbia).
ao teorizar sobre a relação de objeto e o uso do objeto: “as mães, como os analistas, podem
ser boas, ou não suficientemente boas; algumas podem fazer o bebê passar do relacionamento
ao uso, ao passo que outras não o conseguem”. Sob este ponto de vista, pode-se dizer que é a
partir da relação com o objeto que o ambiente pode ser facilitador no sentido de favorecer a
construção do Eu (self).
Winnicott (1975) afirma que no início da vida do bebê o meio ambiente (cuidados
maternos) desempenha um papel que é vital, pois ele precisa passar de um estado de
dependência absoluta com a mãe e caminhar em direção à independência. A função do
ambiente deve ser a de proporcionar a experiência de continuidade de ser. Este processo irá
envolver o segurar, o manejar e a apresentação dos objetos. Neste sentido, a eficiência
materna excessiva, assim como a falha/ausência excessiva podem ser prejudiciais ao sujeito.
Quando a mãe é extremamente cuidadora e invasiva não abre espaço para o confronto com o
objeto e o surgimento do Eu.
Somente uma mãe suficientemente boa com suas falhas, as quais acontecem em
paralelo com a capacidade do bebê de suportá-las (no desenvolvimento normal), servirão para
a criação da realidade e também para colocar o objeto fora do Eu (self), devendo permanecer
assim durante o processo de desenvolvimento do sujeito. É durante a adolescência que certas
dificuldades emergem porque estão inerentes a estas fantasias vivenciadas na infância e, se
não puderam ser reparadas adequadamente, darão espaço para que a relação de dependência
permaneça (WINNICOTT, 1975).
132
É. Ela sempre fala que quando eu era pequena ele tinha essa
paranóia de... Quase não deixava ninguém me pegar no
colo...(Núbia).
Ah eu não sei... Assim algumas vezes parece que eles passam mais
segurança? Não sei, minha mãe também começou a namorar com 13
133
anos e meu pai tinha 23. [...] É. Só não engravidei e nem vou
engravidar. (Núbia).
Por outro lado, apesar da mãe ter uma função importante dentro da estrutura familiar,
observa-se em alguns depoimentos das adolescentes uma relação de distanciamento, impondo
mudanças nas relações entre elas. É este momento no qual adolescentes precisarão se afastar
da dependência e do cuidado dos pais e progredir em busca de si mesmo. No exercício da
função de mãe/cuidadora/protetora, algumas mulheres/mães podem apresentar dificuldades
em identificar as necessidades dos seus filhos adolescentes, não percebendo o processo de
desenvolvimento e crescimento dos mesmos (MACEDO et al. 2010c).
É. É difícil, eu sei que é difícil. Só que tem que perceber. Eu não sou
mais a criancinha, que eu era. E ela sempre fala que eu sou criança,
que eu não tenho idade pra namorar, que eu tenho que estudar,
estudar, estudar, estudar, estudar, [...] a gente tem que pelo menos se
divertir, se distrair [...]. Ela fica conversando comigo, aí ela fica me
observando. Aí eu não me sinto bem. Aí quando ela fala comigo eu
fico calada (Núbia).
é sem perna assim, ai cuido dele, dou comida pra ele e compro um
negócio pra ele lá e é assim...(Poliana).
Ah, eu não sei, assim de... Por eu não ser virgem, parece que eu não
tô mais me vendo como eu era antes, uma menina... Sei lá, acho que o
meu corpo mudou um pouco.... (Núbia).
Observamos que, quando ocorre o incesto, estes sentimentos evidenciam ainda mais a
relação de dominação presente e também a violência psicológica de longa duração e
repetitiva. Azevedo e Guerra (2007) definem o incesto como toda atividade sexual
envolvendo criança de 0 a 18 anos e um adulto com relações de consanguinidade, afinidade
ou ainda responsabilidade. Nestes casos consideram também as famílias adotivas e
substitutas. Neste sentido há a violação de regras presentes em nossa cultura.
Ele falava que se eu contasse pra minha mãe, ele ia matar minha mãe
e depois ia matar eu e as minhas irmãs (Pamela).
É eu sou bem... É como eu falei, eu não sou muito inteligente não, mas
o ano passado eu só tirava MB em matemática, mas esse ano eu num
tô porque os professor passa dever assim que, assim que ele fala que
é dever que a gente aprendeu no primário mas eu não aprendi no
primário. É coisa de, num sei acho que de faculdade (Poliana).
Não, elas (amigas) não falam não, elas são muito inocentes (risos)...
Minha mãe fala que eu sou muito criança (risos), só que eu não sou
uma criança (risos). A minha irmã ela fica contando quantos garotos
137
eu já fiquei (risos). Aí ela ficou com menos, ai ela fala você tem essa
idade toda e já ficou com um montão (risos). (Pamela).
Ciúme pra mim é a mesma coisa que eu sinto com ele; a mesma coisa
que ele sente comigo. Eu não gosto quando nenhuma mulher chega
perto dele, eu fico com ciúmes, nem amigas...(Nina).
a desconfiar do ser humano em geral, além de se sentir de alguma forma culpada pelo
ocorrido (AZEVEDO, 2007).
Observa-se a partir deste relato o impacto da violência sexual junto a esta adolescente,
com marcas especificamente na área da sexualidade. Ela descreve o medo de se envolver com
alguém do sexo oposto, uma vez que viveu sua primeira experiência de relação sexual de uma
maneira violenta. A recusa pela intimidade com os homens já se verificava antes mesmo da
violência.
Meninas eu só fiquei com uma menina. Não foi namoro, foi só ficar
assim. Só ficar pra ver como é que era [...] Tem dúvida. Já, já havia
dúvida antes e afirmou muito mais as dúvidas depois [...]. Já, já,
muita dúvida [...]. Em momento nenhum eu disse assim é com mulher
que eu quero ficar, ah é com homem e que eu quero ficar, ah é com os
dois, ah eu não sei. Eu to muito confusa, já estava confusa antes e
depois também eu fiquei muito mais confusa mesmo. Porque depois
disso eu não tive namorado, tive mais namorado, nada, nada, nada
(Valquíria).
A vivência da violência sexual para esta adolescente pode ter trazido à tona e
intensificado conflitos edipianos anteriores. Consequentemente, esta adolescente significa a
experiência traumática como algo da ordem da dor, ruim e não prazeroso, diretamente ligado
a relação sexual com parceiros do sexo oposto.
Para uma das entrevistadas que viveu relação incestuosa de violência com pai
biológico dos cinco aos dez anos de idade, o fato de ter sido iniciada pelo pai a praticar
relação sexual e a beijar na boca a torna mais experiente do que o seu grupo de amizades, no
que diz respeito à sexualidade. Em seu relato percebe-se que a expressão da sexualidade é
vivenciada de maneira naturalizada.
140
Aliás meu pai que me ensinou a beijar né [...]. É. Ele fazia, e beijava
também, ai eu aprendi (risos) (Pamela).
Percebemos aí o quanto este pai através da relação de sedução com a filha adolescente
favorece a expressão de relações afetivo-sexuais distorcidas, onde a sexualidade substitui o
afeto. A violência sexual incestuosa constitui-se em um acontecimento grave do ponto de
vista do psiquismo. A vivência edípica pode ser ressignificada como uma experiência de
difícil elaboração, tendo, dessa forma, um efeito traumatizante.
Observamos nas duas entrevistas, onde houve incesto, como a questão de reviver a
situação edípica com o pai ou seu representante – seu objeto de amor, foi sentida com um
significado ameaçador por estar relacionada a um registro de fantasia sexual com este pai. O
incesto então rompe a barreira da fantasia e se transforma em realidade. Esta adolescente não
consegue fazer uso de suas defesas; o que fora recalcado retorna, podendo desencadear
desordens emocionais.
Aí ele já tinha feito já, eu não falava nada que ele me ameaçava
[...].Eu não chorava, eu ficava na minha, porque se alguém
desconfiasse de alguma coisa ele me batia. Aí eu ficava quieta
(Pamela).
A violência sexual pode ser considerada como uma invasão do corpo e da intimidade
do sujeito. Assim, o acolhimento tanto às vitimas como aos familiares é fundamental por
tratar-se de uma situação tão delicada e do âmbito do privado. Podemos dizer que o sujeito
que vivencia uma experiência desta ordem não passa por ela impunemente. Observamos como
o estado emocional e as fantasias associadas à sexualidade geram insegurança e inibição a
estas moças em um período de ressignificações, fato observado em função da dificuldade de
algumas adolescentes em expor o ocorrido.
Sobre este aspecto, Costa (2003) aponta o equívoco do emprego do uso dos conceitos
de violência e agressividade como sinônimos, destacando a diferença existente entre a
violência humana e a agressividade animal.
Observamos que o fato de ter sido forçada a praticar o sexo contra a sua vontade por
alguém conhecido ou não, leva a mulher/adolescente a ter um sentimento de impotência, uma
vez que quando esse corpo é invadido ela sente-se incapaz de se defender. Assim, a violência
sexual faz com que esta adolescente se confronte ainda que precocemente com o luto pelo
corpo infantil, acirrando ainda mais o conflito adolescente entre ser criança e ser adulto. Ela
terá que ressignificar a imagem corporal em período de definição de si mesma e de sua
identidade (KNOBEL, 1992),
O Egui e o Fred (os dois agressores) fizeram tudo comigo e o pai ficou
espiando. Me jogaram no chão, me seguraram e depois eu não
lembro mais. Eu não sei porque eu desmaiei, não sei o que foi na
cabeça... Minha mãe me encontrou no meio do caminho toda molhada
[...]. Eu queria fugir e não conseguia, por causa que eles estavam me
143
Ai ele me chamou pra ir pra casa dele, e falou assim pra mim: a
minha irmã tá dormindo ainda... E você já pensou o que a gente pode
fazer agora? E aí eu falei: não é o que eu tô pensando não, né? Aí
ele: é... Aí eu falei não estou, isso é loucura. Eu disse que eu não
estou preparada pra fazer isso... Eu disse a ele: “eu gosto muito de
você só que eu não quero ainda fazer isso”. Ai ele me chamou pra ir
pro banheiro; eu não queria, a gente estava na sala. Aí foi na hora
que ele me arrastou pro banheiro, puxou pelo meu braço... Me
trancou no banheiro, tirou a minha roupa... (Núbia).
Eu me senti enojada de mim mesma... [...]. Acho que toda mulher, pra
toda mulher a sua primeira vez tem que ser a sua primeira vez! Tem
que ser seu momento, tem que ser o momento certo e não é o meu
momento certo! Não é. Claro que eu não, eu não estava preparada, eu
sinto nojo...(Valquíria).
Eu tento esquecer. É difícil botar uma pedra assim no que passou. Por
mais que fale que é passado, mas nunca é passado, sempre está
presente (Damiana).
Percebe-se que algumas repercussões são mais imediatas do que outras, tais como
sentimento de autoculpabilização, pensar que de alguma forma poderiam ter evitado a
violência, ou mesmo a culpa por ter sentido algum prazer físico vivido durante o ato. Sentem-
se desvalorizadas em relação às outras adolescentes e com baixa autoestima (AZEVEDO,
2007).
Este aspecto foi destacado por Azevedo (2007). Segundo esta autora os três problemas
emocionais mais frequentes entre as vítimas de violência sexual na infância e adolescência
são: sentimento de culpa, sentimento de autodesvalorização e depressão. Drezett (2000, p.9)
aponta outras consequências da violência sexual na adolescência: “na adolescência
predominam distúrbios comportamentais, psicossomáticos e psiquiátricos”.
No que diz respeito às relações afetivas após a violência sexual, nota-se que as
adolescentes necessitam de um período de adaptação, pois vão precisar desfazer e refazer
alguns investimentos em si mesmas e nos outros. Ser mulher vítima de violência sexual para
algumas adolescentes passa a se configurar como uma marca identitária. Algumas reações de
defesa aparecem tais como negar todo e qualquer envolvimento afetivo após o ocorrido, por
entendê-los como relações temerosas, agressivas, dominadoras e perversas em lugar de
humanas, afetivas, democráticas e amorosas (FALEIROS; CAMPOS 2000).
Entretanto, a possibilidade de assumir ter sido vítima de violência sexual e buscar por
auxílio no âmbito da saúde pública tendo em vista a prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, a Aids e a gravidez indesejada, também dependerá muito das relações
familiares. A violência sexual altera a rotina das famílias com uma série de outras rotinas que
precisarão ser devidamente seguidas, porque envolve uma intervenção psicossocial que inclui
147
a polícia, o judiciário, as redes sociais e o setor da saúde. É importante que estas esferas
atuem de forma complementar garantindo o sigilo necessário para a continuidade do
tratamento (SEIXAS, 1999).
Como será possível para elas a construção de outras marcas identitárias que não a de
vítima de violência sexual, se toda a rotina passa a circular em torno da violência?
Observamos, seja nos casos em que a violência sexual foi cometida por estranho, por familiar
ou por algum conhecido, o quanto essa experiência foi capaz de instaurar a fragilidade na
estrutura familiar. Frente a este quadro é de suma importância que esta adolescente e sua
família possam aderir ao atendimento psicológico. Assim terão espaço para expressar seus
sentimentos em busca da construção de novos significados, também defendido por Junqueira
(1998, p.123), “é fundamental tornar viável a este sujeito construir identidades que não sejam
a de vítima sexual”.
É, eu tentei falar com minha irmã quando ela era pequena, só que ela
também não entendia. Aí ela falava não, não meu pai não faz isso
não. Sei lá o quê. Aí eu não falei mais pra ninguém... (Pamela).
Safffioti (2007) alerta para atenção que deve ser dada às adolescentes vítimas de
violência sexual no contexto familiar, pois o corpo pode ser “percebido como o instrumento
que lhe permite obter o que deseja” (p. 63). O incesto provoca efeitos devastadores no nível
emocional, uma vez que a adolescente troca favores sexuais por atenção, o corpo pode ser
representado como algo vendável, uma mercadoria.
Algumas reações são significativas. Destacamos o choro como uma das mais comuns
entre as adolescentes entrevistadas, resultado da expressão do sentimento de impotência
diante de toda a situação vivida. Entretanto esta manifestação pode ser compreendida como de
inconformidade ao problema vivenciado por elas, tendo a palavra como aliada neste momento
de elaboração. Apesar de em alguns momentos das entrevistas a dor e o medo estarem mais
presentes, percebemos que ao refletir e expor sobre suas vidas e o ocorrido elas puderam
repensar o lugar da violência sexual em suas trajetórias.
Às vezes até acho que é bom chorar, aí que fico mais calma. Mas
agora se eu for chorar não vai ser mais por causa disso [...].Ah eu
decidi botar as coisas... Esquecer. Esquecer não, porque não tem
como né, falam que é passado, mas tá sempre no presente... Acho que
não tem como esquecer, também eu não vou mais chorar... Acho que
não vai adiantar chorar, ficar pensando... (Damiana).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estes resultados nos levam a concluir que por ser a adolescência uma fase de intensa
fragilidade, este tipo de experiência com características traumáticas traz consequências diretas
sobre o desenvolvimento psíquico destes sujeitos. Salientamos ainda para o perigo de ao
ressignificar sua identidade, o adolescente vitimizado sexualmente não conseguir romper este
ciclo de violência.
Interessante notar que no grupo dos adolescentes escolares, são os meninos vítimas de
violência que mais referem baixa autoestima, comparados às meninas. No estudo qualitativo,
esta questão se mostrou presente nos discursos das adolescentes em relação ao corpo e aos
olhares dos outros percebidos como acusatórios. Sobre este quadro, percebe-se que para
adolescentes de ambos os sexos, a baixa autoestima está ligada a questões culturais. Ser
vítima de violência sexual os conduz ao questionamento de seus valores e posições sociais.
Para os meninos, muitas vezes recai o peso da masculinidade; para as meninas o da
vulgaridade.
Neste sentido, consideramos que esta baixa autoestima entre adolescentes vítimas de
violência sexual está ligada à representação que este sujeito estabelece com o seu corpo em
um período do ciclo vital no qual irá precisar passar por um processo de ressignificação.
Embora não podemos afirmar que adolescentes vítimas de violência sexual tenham mais baixa
autoestima se comparados aos não vítimas, fica aqui evidente que a violência sexual interfere
154
Observamos no estudo qualitativo que o fato de ter tido a primeira experiência sexual
de forma violenta interfere na expectativa das adolescentes em relação ao comportamento de
“ficar”. No estudo quantitativo, observamos que “ficar sem compromisso” é muito comum
entre os adolescentes de um modo geral. No entanto, entre as adolescentes do estudo
qualitativo sexualmente vitimizadas que eram virgens na ocasião da violência sexual, esta
155
prática torna-se mais rara. Elas descrevem que após a violência sexual, se tornaram mais
retraídas ao contato com o outro. As explicações variam desde o controle maior por parte dos
familiares até o medo do envolvimento com o sexo oposto, tem-se novamente aqui como a
atitude das adolescentes sexualmente vitimizadas quanto à imagem de si mesmas será
determinante em relação às escolhas afetivas.
Possivelmente o fato de ter sido violentada sexualmente ainda virgem, associa-se com
o processo de construção da sexualidade na adolescência. Embora no estudo quantitativo este
dado não fosse explorado diretamente, o fato de mais de 60% das vítimas de violência sexual
descreverem que tem relacionamentos mais duradouros (entre 1 e 11 meses), também
apontam nesta direção. A violência sexual pode propiciar que adolescentes busquem
envolvimentos afetivos mais duradouros.
Por este motivo, vivenciar violência sexual neste momento torna estes adolescentes
um segmento vulnerável da população, pois a própria violência os expõe a esses riscos,
operando em várias dimensões. A reflexão sobre o relacionamento afetivo-sexual entre
adolescentes permitiu compreendê-los como parte do processo de aprendizagem para a vida
adulta. Neste sentido, o sexo é também um teste para este sujeito que busca a aquisição de sua
156
Embora nesta tese, não estejamos abordando aspectos ligados à clínica com crianças e
adolescentes do sexo feminino sexualmente vitimizadas, penso ser possível afirmar que a
identidade das adolescentes vítimas de violência sexual é construída com base na relação que
ela estabelece com o outro, e com seu corpo ressignificado na adolescência e novamente
ressignificado após o trauma vivido. O significado atribuído ao corpo violentado sexualmente
está relacionado à imagem de si mesma. Nota-se que para a maioria das adolescentes que
chega ao serviço após ter sido vítima de violência sexual o corpo é percebido como sujo,
impuro, nojento como se não fizesse parte de si mesma. Assim, para algumas o processo de
identificação é muito doloroso. É neste momento que a confiança no ambiente, descrita por
Winnicott (1980), torna-se condição para o desenvolvimento saudável.
Queremos salientar aqui, o lugar de destaque ocupado pelo corpo quando nos
remetemos à adolescência. Assim, é também neste cenário que o adolescente tem o acesso a
genitalidade, como nos aponta Freud-1905 (1989), já podendo vivenciar o prazer no encontro
com o outro. No entanto, para alguns adolescentes, as mudanças corporais são percebidas
como invasivas e persecutórias (MACEDO, 2010d).Desta maneira, a violência sexual ganha
157
Uma das saídas psíquicas do eu, apoiado no seu referencial interno, para fugir do
insuportável da violência sexual é se misturar com a maneira como o outro o vê, criando uma
imagem de si mesmo construída por um eu idealizado em referenciais parentais. A confiança
e a segurança naqueles pais da infância precisarão ser novamente sentidos e investidos
durante o processo de construção da identidade do adolescente vitimizado sexualmente. O
atendimento junto a estes adolescentes deve ocorrer em um ambiente acolhedor, para que
possam resgatar a confiança e investir nas suas figuras parentais. Nesse caso, o olhar e a
escuta dos profissionais devem ir além das questões relacionadas à violência sexual, para que
possam perceber este adolescente como um sujeito e auxiliá-lo no processo de ressignificação
da identidade (JUNQUEIRA, 2002).
Constatamos ao longo desta pesquisa que, no cotidiano das relações familiares, ações
violentas nem sempre são visíveis e/ou reconhecidas como tal. Em outras palavras,
percebemos como o modo de funcionamento de algumas famílias e a convivência com
práticas disciplinares violentas ou mesmo a vivência em ambiente violento, torna a violência
naturalizada nas relações entre os membros familiares.
Assim, percebemos que aqueles adolescentes com história de violência sexual, que
também vivenciam dentro de seu próprio contexto familiar violência psicológica, física e
negligência, permanecem envolvidos diretamente em um tipo de relacionamento no qual o
outro deixa de ser reconhecido em sua singularidade.
mulher humilhar e agredir o homem do que o inverso. Assim, é provável que nas situações de
resolução de conflitos, a adolescente do sexo feminino encontre-se em condição de maior
vulnerabilidade à violência sexual e também as outras formas de violência associadas. Em
relações afetivo-sexuais a atitude destas moças podem entrar em choque com os papéis de
gênero em nossa cultura.
No estudo qualitativo, a análise dos fatores de risco não foi contemplada seguindo os
mesmos padrões do estudo quantitativo. No entanto, notamos que, em contextos de violência
sexual cometida por estranhos, pode ocorrer a exposição dos adolescentes a situações de risco.
Ao olhar para a figura masculina como pouco expressiva, ou mesmo distanciada, a
adolescente pode não perceber os “olhares” dos potenciais agressores sexuais como
ameaçadores, por sua vez consideramos ser este um fator de risco para a violência sexual na
adolescência. Observamos que a própria situação da adolescência por ser um momento de
vulnerabilidades e conflitos internos, estas mudanças acabam sendo externalizadas através do
envolvimento, mesmo sem a percepção direta, nessas situações.
10
Grifo nosso (Prado, 2006)
160
um e também a escuta e o acolhimento devem ser dirigidos não somente aos vitimizados mas
também aos seus familiares.
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