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“A violência sexual na adolescência: significados e articulações”

por

Lusanir de Sousa Carvalho

Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências


na área de Saúde Pública.

Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Simone Gonçalves de Assis


Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Junqueira-Marinho

Rio de Janeiro, março de 2012.


Esta tese, intitulada

“A violência sexual na adolescência: significados e articulações”

apresentada por

Lusanir de Sousa Carvalho

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.ª Dr.ª Olga Maria Bastos


Prof.ª Dr.ª Neyza Maria Sarmento Prochet
Prof. Dr. Romeu Gomes
Prof.ª Dr.ª Liana Wernersbach Pinto
Prof.ª Dr.ª Simone Gonçalves de Assis – Orientadora principal

Tese defendida e aprovada em 28 de março de 2012.


Catalogação na fonte
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca de Saúde Pública

C331 Carvalho, Lusanir de Sousa


A violência sexual na adolescência: significados e articulações.
/ Lusanir de Sousa Carvalho. -- 2012.
204 f. : tab. ; graf.
Orientador: Assis, Simone Gonçalves de
Junqueira-Marinho, Maria de Fátima
Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca, Rio de Janeiro, 2012.

1. Violência Sexual. 2. Adolescente. 3. Vulnerabilidade.


4. Identidade. 5. Sexualidade. 6. Corpo. I. Título.

CDD – 22.ed. – 362.76


Ao meu pai Carvalho (in memorian) que sempre sonhou em ter um filho doutor. Dedico a ele e
também a minha mãe Ana que apesar do pouco estudo conseguiram despertar de forma singular,
a mim e a meus irmãos o desejo de aprender.

A todos os adolescentes com suas histórias de violência sexual, que direta ou indiretamente,
participaram deste estudo, me ensinando a ser uma pessoa melhor.
AGRADECIMENTOS

Esta tese é o resultado mais visível do processo de crescimento de minha trajetória


profissional, por este motivo, que expresso aqui o mais profundo agradecimento a todos aqueles
que tornaram a realização deste trabalho possível.

Sou muito grata à minha família por ter sido sempre presente. Vocês são, sem dúvida,
meus maiores incentivadores, sempre me apoiando e torcendo por mim.

À Simone Gonçalves de Assis, que foi sem dúvida a melhor orientadora que um aluno
pode desejar. Ao longo destes 4 anos esteve me apoiando, mesmo naqueles momentos mais
difíceis, em que eu tinha que conciliar trabalhos e estudo, ela conseguia ouvir e se mostrar
paciente para me ajudar a entender e aprender algumas coisas que para mim eram muito novas.
Muito obrigada!

À Fatima Junqueira, minha co-orientadora pela forma como orientou e aceitou me receber
durante o processo já iniciado. A cordialidade com que me acolheu e suas observações sempre
tão cuidadosas e pertinentes foram fundamentais na consecução deste trabalho. Muito obrigada!

Gostaria ainda de agradecer a algumas pessoas muito especiais, destaco meu querido
irmão Milton, sempre lendo cuidadosamente meus textos, mesmo sabendo que são de uma área
totalmente diferente de sua atuação profissional. Os meus adoráveis sobrinhos Rodrigo, Bárbara e
Aline, minhas amigas Jô e Aninha que se mostraram disponíveis para ler o meu trabalho me
ajudando a pensar e fazer as correções necessárias.

À minha cunhada Andrea pela sua disposição, apesar da dupla jornada, em colaborar
fazendo a tradução para o inglês do resumo,

Agradeço também à minha Coordenadora Magda, do Centro Universitário da Cidade pelo


incentivo institucional para a minha qualificação acadêmica.

Obrigada aos colegas de trabalho, da área da saúde e da área acadêmica, pelo interesse e
disposição em colaborar sempre que fosse necessário.
Destaco ainda a participação fundamental do Thiago (Claves) com sua grande
colaboração ao realizar a etapa estatística e a paciência em esclarecer todas as dúvidas. Também
a disponibilidade da Silvania e da Ildete em fazer a transcrição das entrevistas.

A todos os meus amigos pelo apoio e incentivo intelectual e emocional, incondicionais.

Enfim, muito obrigada também a todas as adolescentes que mesmo em um momento de


intensa fragilidade concordaram em fazer parte desta pesquisa.
Carvalho, L. S. A violência sexual na adolescência: Significados e articulações.
2012. 204 f. Tese [Doutorado em Saúde Pública] – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação
Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.

RESUMO

Este estudo apresenta violência sexual e as possíveis implicações psicossociais que ela pode
provocar quando ocorre na adolescência. Discute sobre os diferentes contextos em que a
violência sexual se manifesta na vida dos adolescentes: nas relações afetivo-sexuais entre
parceiros, quando ocorre em relações familiares e naquela praticada por estranhos ou conhecidos,
especialmente em ambientes comunitários. O objetivo geral desta pesquisa foi investigar aspectos
da identidade e da sexualidade em adolescentes que vivenciaram violência sexual. A abordagem
metodológica articulou dados quantitativos e qualitativos, em uma perspectiva de triangulação de
métodos. Os dados quantitativos foram construídos com base em inquérito epidemiológico que
avalia a associação entre a violência sexual e outras variáveis. Já os dados qualitativos basearam-
se em entrevistas semiestruturadas com adolescentes vítimas de violência sexual. Os sujeitos da
pesquisa foram adolescentes com vivência de violência sexual. A análise dos resultados foi
organizada em duas partes: inicialmente apresentou o comportamento sexual de adolescentes
escolares brasileiros segundo a presença de violência sexual. Constatou-se que: a violência sexual
é complexa, multideterminada e democrática – todos são vulneráveis, independente de sexo,
classe social ou local de moradia; a adolescência é um período de elevada vulnerabilidade à
violência sexual. Com relação ao comportamento sexual dos adolescentes com história de
violência sexual observou-se: 10% dos adolescentes na faixa etária entre 15-19 anos já viveram a
experiência da violência sexual em alguma esfera relacional em algum momento de suas
trajetórias; apesar de ser teoricamente reconhecida como uma prática com prevalência mais
elevada no sexo feminino, também é reconhecida entre os homens; há associação da violência
sexual com outras formas de violência, tais como a violência física e a psicológica. A seguir, este
estudo abordou aspectos relacionados ao desenvolvimento da identidade e a constituição da
sexualidade dos adolescentes vítimas de violência sexual. Esta pesquisa destaca como a violência
sexual por seu caráter íntimo e relacional é capaz de revelar a fragilidade e a vulnerabilidade no
qual um sujeito em processo de ressignificações encontra-se. A análise aponta a violência sexual
como um fenômeno de difícil caracterização na adolescência, por ser provocante e instigador de
feridas e dores não só aos vitimizados, mas inclusive aos familiares e profissionais. Por sua vez,
adolescentes vitimas de violência sexual necessitam de atenção médica e psicológica, tendo em
vista as consequências desta experiência sobre a saúde física e mental. Sendo assim, salientou-se
a necessidade de investimento em políticas públicas intersetoriais no âmbito da assistência a
adolescentes de ambos os sexos vítimas de violência sexual.

Palavras-chave: 1. Violência sexual. 2. Adolescência. 3. Vulnerabilidade. 4. Identidade. 5.


Sexualidade. 6. Corpo.
Carvalho, L. S. Sexual violence in adolescence: Meanings and joints. 2012. 204 f. Thesis
[Doctorate in Public Health] – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio
de Janeiro, 2012.

ABSTRACT

This study presents sexual violence and its possible psychosocial implications when occurred in
adolescence. It discusses the different contexts in which sexual violence manifests itself in
adolescents: in affective-sexual relations between partners and in that done by strangers or
acquaintances, especially in the community. The general objective of this research was to
investigate aspects of identity and sexuality in adolescents who experienced sexual violence. The
methodological approach demonstrated quantitative and qualitative data in a mixed method
approach .The quantitative data were built based on epidemiological inquiry done with the
purpose of getting to know the sexual violence presented by public and private school students in
ten Brazilian capitals. The qualitative data were based on semi-structured individual interviews.
The subjects of the research were adolescents, victims of sexual violence. The analysis of the
results was organized in two parts: initially it presented the sexual behavior of Brazilian
adolescent students according to the presence of sexual violence. It was found that sexual
violence is a complex, multi-determined and democratic issue – everybody is vulnerable,
regardless of sex, social class or residence; the adolescence is a period of high vulnerability with
respect to sexual violence. In relation to the adolescent sexual behavior with a history of sexual
violence, it was observed that 10% of the adolescents aged 15 to 19 have already experienced
sexual violence in some relational sphere at a determined part of their lives. Although it is a
practice theoretically recognized in the female sex, it is also recognized among male, there is an
association of sexual violence with other ways of violence, such as physical and psychological.
This study also addressed issues related to the development of the identity and the constitution of
the adolescents’ sexuality victims of sexual violence. This research points out how sexual
violence, due to its intimate and relational characteristic, is capable of revealing the fragility and
vulnerability of a subject in process of redefinition. The analysis points out sexual violence as a
difficult phenomenon of characterization in the adolescence, as it is a provoking and instigating
issue, capable of causing pain, not only in the victim, but also in the family and professionals.
Thus, adolescents victimized by sexual abuse need medical and psychological assistance taking
into consideration the consequences of this experience on physical and mental health.
Consequently, there must be political investment and intersectorial intervention in order to
benefit both female and male adolescents, victims of sexual violence.

Key words: 1. Sexual violence. 2. Adolescence. 3. Vulnerability. 4. Identity. 5. Sexuality. 6.


Body.
LISTA DE SIGLAS

OMS Organização Mundial da Saúde

SPM Secretaria de Políticas para as Mulheres

CLAVES Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli

ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca

FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz

CLAM Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

CADRI Conflict in Adolescent Dating Relationships Inventory

IML Instituto Médico Legal

ONU Organização das Nações Unidas

ILANUD Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e

Tratamento do Delinquente

ICC Coeficiente de Correlação Intra-Classe

ABEP Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa


LISTA DE GRÁFICOS

Página

Gráfico 1: Distribuição dos adolescentes segundo vivência de violência sexual 78


em pelo menos uma esfera relacional, segundo o sexo .............................................

Gráfico 2: Comunicação entre pais e filhos ............................................................. 97

Gráfico 3: Uso de drogas por adolescentes do sexo feminino ................................. 105

Gráfico 4: Uso de drogas por adolescentes do sexo masculino ............................... 105


LISTA DE TABELAS

Página

Tabela 1: Tamanho amostral calculado e obtido, segundo redes de ensino ............ 57

Tabela 2: Indicador de violência sexual e outros itens de violência sexual sofrida


nas relações afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, 81
segundo o sexo ..........................................................................................................

Tabela 3: Indicador de violência sexual e outros itens de violência sexual


perpetrada nas relações afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais
82
brasileiras, segundo o sexo.........................................................................................

Tabela 4: Indicador de violência sexual e violência física sofrida nas relações


afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o 83
sexo ...........................................................................................................................

Tabela 5: Indicador de violência sexual e violência física perpetrada nas relações


afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o 84
sexo ...........................................................................................................................

Tabela 6: Indicador de violência sexual e ameaça sofrida nas relações afetivo-


sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo .......... 86

Tabela 7: Indicador de violência sexual e ameaça perpetrada nas relações afetivo- 87


sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo ..........

Tabela 8: Indicador de violência sexual e violência relacional sofrida nas relações


afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o 88
sexo............................................................................................................................
Tabela 9: Indicador de violência sexual e violência relacional perpetrada nas 89
relações afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras,
segundo o sexo ..........................................................................................................

Tabela 10: Indicador de violência sexual e violência verbal sofrida nas relações
afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o 91
sexo ........................................................................................................................... 65-6

Tabela 11: Indicador de violência sexual e violência verbal perpetrada nas 93


relações afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras,
segundo o sexo ..........................................................................................................

Tabela 12: Relação entre autoestima e violência sexual .......................................... 101

Tabela 13: Idade média em que começou a “ficar” namorar e transar e correlação
com indicador de violência sexual. Adolescentes de dez capitais brasileiras, 114
segundo o sexo ..........................................................................................................

Tabela 14: Número de pessoas com quem os adolescentes “ficaram” namoraram


e transaram e correlação com indicador de violência sexual .................................... 115

Tabela 15: Tipos de relação de “ficar” ou namoro estabelecidas no último ano.


Adolescentes (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo e indicador 116
de violência sexual ....................................................................................................

Tabela 16: Distribuição dos adolescentes entrevistados na abordagem qualitativa . 121


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 15

2. AS DIMENSÕES DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA ...... 22


2.1 A IDENTIDADE EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
SEXUAL... ...................................................................................................... 23
2.2 A VIOLÊNCIA SEXUAL COMO UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA
NA ADOLESCÊNCIA........................................................................................32
2.3 OS CONTEXTOS DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA.......... 36
2.3.1 Em Relações Familiares.............................................................................. 36
2.3.2 Em Relações Afetivo-Sexuais......................................................................42
2.3.2 Cometida por Estranhos ............................................................................45
2.4 CONSEQUÊNCIAS SOBRE A SAÚDE FÍSICA E MENTAL DE SOFRER
VIOLÊNCIA SEXUAL.......................................................................................50

3. DESENHO METODOLÓGICO......................................................................54
3.1 ABORDAGEM QUANTITATIVA....................................................................55
3.1.1 Variáveis analisadas/escalas.......................................................................57
3.1.2 Análises.........................................................................................................61
3.2 ABORDAGEM QUALITATIVA.......................................................................62
3.2.1 O Campo – Descrição do serviço................................................................64
3.2.2 Perfil das usuárias do Centro de Atendimento a Mulheres Vitimas de
Violência Sexual...........................................................................................66
3.2.3 As Entrevistas e os Entrevistados...............................................................67
3.2.4 Um adolescente do sexo masculino vítima de Violência Sexual..............69
3.2.5 Tratamento dos Dados................................................................................71
3.3 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS.............................................................................74

4. ADOLESCENTES BRASILEIROS E VIOLÊNCIA SEXUAL:


OS NÚMEROS EM FOCO..............................................................................75
4.1 OS ADOLESCENTES BRASILEIROS ESTUDADOS E A CONVIVÊNCIA
COM A VIOLÊNCIASEXUAL.........................................................................75
4.1.1 Os adolescentes e a violência sexual...........................................................76
4.1.2 Ser vítima de violência sexual em pelo menos uma esfera relacional
e vulnerável a outras formas de violência sexual......................................80
4.1.2.1 Relações entre ser vítima de violência sexual e sofrer/praticar violência física
nas relações afetivo-sexuais...........................................................................82
4.1.2.2 Relações entre ser vítima de violência sexual e sofrer/praticar violência
psicológica nas relações afetivo-sexuais.......................................................85
a) Ameaças..................................................................................................85
b) Violência Relacional..............................................................................87
c) Violência verbal/emocional...................................................................89
4.2 AS RELAÇÕES FAMILIARES NA PRESENÇA DE VIOLÊNCIA
SEXUAL.............................................................................................................95
4.3 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE NA PRESENÇA DE VIOLÊNCIA
SEXUAL...........................................................................................................100
a) Autoestima..................................................................................................101
b) Autoconfiança............................................................................................102
c) Competência escolar................................................................................. 102
d) Amizades.....................................................................................................102
e) Consumo de substâncias legais e ilegais..................................................103
f) Visão cultural/gênero................................................................................106
g) Idéias suicidas............................................................................................109
h) Coping ativo – busca de ajuda..................................................................109
4.4 A VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE NA PRESENÇA DE VIOLÊNCIA
SEXUAL...........................................................................................................112
4.4.1 Relacionamentos Afetivo-sexuais.............................................................117
4.4.2 Comportamentos de Risco........................................................................118

5. REVELAÇÕES SOBRE VIOLÊNCIA SEXUAL: APROFUNDANDO


O CONHECIMENTO ATRAVÉS DO ENFOQUE QUALITATIVO.............121
5.1 AS ADOLESCENTES ENTREVISTADAS INDIVIDUALMENTE..............122
5.2 A IDENTIDADE DA ADOLESCENTE VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL:
RELAÇÕES COM AS FIGURAS MASCULINA E FEMININA, GRUPO
DE IGUAIS E CONFLITOS NO CAMPO DA SEXUALIDADE...................127
5.3 A VIOLÊNCIA SEXUAL: DO CORPO INVADIDO À BUSCA DE SI
MESMO.............................................................................................................141

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................151

REFERÊNCIAS.....................................................................................................161

APÊNDICES
Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................................174
Adolescente ....................................................................................175
Responsável ....................................................................................177
Apêndice B – Roteiro de temas a serem abordados – Parte Qualitativa................179
Entrevista Semi Estruturada ..........................................................180
Apêndice C – Modelo de Questionário – Parte Quantitativa................................181
Questionário – pesquisa Claves......................................................182
ANEXOS
Anexo A – Autorização da Direção do Hospital para a realização das entrevistas no
Serviço especializado..................................................................................198
Anexo B – Parecer do Comitê de Ética ENSP/FIOCRUZ.....................................200
Anexo C – Parecer do Comitê de Ética do HGNI..................................................202
15

1. INTRODUÇÃO

O trabalho como psicóloga em uma instituição de saúde suscitou em mim algumas


questões que conduziram a confecção deste estudo. A ideia de conhecer melhor sobre a
violência sexual em adolescentes emergiu de narrativas coletivas que se construíram no
cotidiano de minha prática, enquanto membro durante, aproximadamente, dez anos de um
serviço de atendimento a mulheres vítimas de violência sexual.

Desde 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência como um


problema de saúde pública (KRUG et al. 2002) e dá destaque à importância do seu
reconhecimento precoce e do atendimento eficaz para a prevenção de dificuldades na vida
adulta. A OMS a define como:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si


próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que
resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (KRUG et al. 2002,
p.5).

No Brasil, a luta do movimento de mulheres e de alguns segmentos da sociedade civil,


resultaram na implementação de importantes marcos políticos de proteção a mulheres em
situação de violência tais como: a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM); a Lei de
Notificação Compulsória no caso de violência contra mulheres, crianças, adolescentes e
pessoas idosas atendidos em serviços de saúde públicos ou privados; a Lei Maria da Penha,
entre outros (BRASIL,2010).

Apesar de reconhecer que a violência sexual praticada sobre crianças e adolescentes


sempre existiu na história da humanidade, tendo em vista sua magnitude e disseminação e o
crescimento do número de denúncias - pode-se dizer que ainda há muito a ser investigado
sobre esta temática. A pedofilia, o incesto, o estupro são alguns exemplos de violência sexual
comuns à faixa etária. O conhecimento público através da mídia, apesar de muitas vezes
transmitido e explorado de forma sensacionalista, bem como a conscientização sobre o tema
16

por parte dos profissionais vêm contribuindo para o aumento das notificações, tornando mais
visível este problema (PUTNAN, 2003).
A presente pesquisa volta-se para a compreensão de um tipo específico de violência: a
sexual. Investiga a violência sexual como problema de saúde pública, devido à sua grande
magnitude e relevância, com destaque para as fases iniciais do desenvolvimento humano.
Demanda uma abordagem que contemple a integralidade e a interdisciplinaridade para lidar
com os impactos significativos na vida dos adolescentes e jovens, principalmente nos
aspectos sexual e afetivo. Ao refletir sobre a violência e suas repercussões na saúde, Minayo
(2006, p.82) dá destaque à violência sexual da seguinte forma:

A classificação do abuso sexual diz respeito ao ato ou jogo sexual que ocorre
nas relações hetero ou homossexual e visa a estimular a vítima ou utilizá-la
para obter excitação sexual e práticas eróticas, pornográficas e sexuais
impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.

A violência sexual corporifica a sexualidade que é exercida como forma de poder.


Sendo assim, o termo violência sexual utilizado neste estudo será considerado seguindo as
diretrizes que a OMS (2002) utiliza para definir a violência sexual como:

Qualquer ato sexual ou tentativa do ato não desejado, ou atos para traficar a
sexualidade de uma pessoa, utilizando repressão, ameaças ou força física,
praticados por qualquer pessoa independente de suas relações com a vítima,
qualquer cenário, incluindo, mas não limitado ao do lar ou do trabalho.
(KRUG, 2002, p.149)

Estudos têm apontado a adolescência como período de elevada vulnerabilidade para


violência sexual. Informe mundial sobre violência afirma que aproximadamente um terço das
vítimas de violência sexual tem idade em torno dos 15 anos (KRUG et al, 2002). Recentes
estudos nacionais (MARTINS; MELLO JORGE 2010; OSHITAKA et al, 2011) também
destacam a importância de maior atenção a esta fase da vida, pois:

Estima-se que uma em cada três ou quatro meninas jovens sofre alguma
violência sexual antes de completar 18 anos. O Ministério da Justiça registra
anualmente cerca de 50 mil casos de abuso sexual contra crianças e
adolescentes (ROCHA, 2007, p.95).

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2005) segue o referencial da OMS que compreende


a adolescência como a faixa entre 10 e 19 anos e a juventude entre os 15 e 24 anos. Este
estudo irá utilizar essa perspectiva adotada pelo Ministério da Saúde, uma vez que os
propósitos do mesmo estão afinados com a área da saúde. Entretanto, compreende-se que
17

fatores determinantes do início e do final da adolescência, bem como de suas características,


estão intrinsecamente ligados a determinantes socioculturais e não apenas à faixa etária.

A literatura está repleta de registros indicando as concepções acerca da adolescência e


suas características. Podemos conceituar a adolescência a partir de diferentes perspectivas, a
biológica, a psicológica, a jurídica e a sociocultural, mas é fundamental apontar que nenhuma
destas perspectivas, isoladamente, é capaz de definir este momento evolutivo do ser humano.

Neste estudo, utilizaremos o termo adolescente quando nos referirmos a qualquer um


dos momentos descritos acima, uma vez que o tempo de transição pode ser postergado ou não.
Segundo Calligaris (2000, p.18):

Em nossa cultura, a passagem para a vida adulta é um verdadeiro enigma. A


adolescência não é só uma moratória mal justificada, contradizendo valores
cruciais como o ideal de autonomia. Para o adolescente, ela não é só uma
sofrida privação de reconhecimento e independência, misteriosamente
idealizada pelos adultos. É também um tempo de transição, cuja duração é
misteriosa.

A adolescência, na atualidade, é reconhecida por um período vivencial de conflitos,


definições, insegurança, vulnerabilidade, contradições e ambiguidades, cujas subjetividades e
histórias de vida auxiliam na construção das relações societárias, uma vez que irão repercutir
nas relações afetivas. “Por fim, vale retomar a concepção de adolescência e juventude como
potencial de transformação da sociedade, pelas condutas desafiadoras, pela inconformidade
com a ordem vigente e pelas manifestações culturais que propicia” (ASSIS, 2003, p.679).

Bock (2007) entende a adolescência como um fenômeno social, construído


socialmente e com repercussões na subjetividade e no próprio desenvolvimento do homem
contemporâneo.

Portanto, entendemos a adolescência como sendo parte de um processo de


amadurecimento e de intenso aprendizado para a vida adulta, que imprimem a essa fase inicial
da vida marcas, vivências, aprendizados e significados únicos. Neste contexto, a estruturação
de sua identidade propicia um espaço de autonomia em relação a sua família de origem.

O sentido do conceito de identidade, uma vez fornecido pelo nome, remete o sujeito a
uma representação de si enquanto membro de um grupo. No entanto, ao mesmo tempo que o
nome separa, mantém a diferença; o sobrenome iguala. Essa representação torna-se
insuficiente para definir a identidade de cada um, tendo em vista a complexidade inerente às
18

relações que se dão com outras pessoas. Ao pressupor uma identidade, aos poucos ela vai se
constituindo através de um contínuo processo de identificação. Esse processo permite a cada
um constituir seu próprio eu com uma parte consciente de sua singularidade (CIAMPA,
1994).

A identificação é: “um processo psicológico pelo qual o indivíduo assimila um


aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente,
segundo o modelo dessa pessoa” (LAPLANCHE; PONTALIS 1988, p.295). Entendemos que
a constituição da identidade se inicia muito cedo, originada na tendência à integração
(WINNICOTT, 1993).

Para os fins a que se destina este estudo, compreende-se a identidade não apenas como
preparação para o mundo adulto, mas sim como peculiaridades fundamentais em uma das
etapas do ciclo vital – a adolescência.

A construção da identidade na adolescência inclui, dentre outras características, o


estabelecimento de relações afetivo-sexuais com o grupo de pares (BOZON, 2004). A escolha
dos parceiros amorosos ganha papel de destaque, já que esses relacionamentos amorosos
constituem uma forma de aprendizado da sexualidade para a vida adulta e não estão restritos à
genitalidade ou à primeira relação sexual. “O aprendizado constitui-se na familiarização de
representações, valores, papéis de gênero, rituais de interação e de práticas, presentes na
noção de cultura sexual” (HEILBORN, 2006, p.35).

Esse adolescente, ao vivenciar a experiência de violência sexual, poderá construir a


imagem corporal com um corpo marcado pela subordinação ao outro e pela agressividade no
ato sexual, apresentando alguns riscos à sua saúde.

Na tentativa de encontrar sentido para o entendimento sobre o desenvolvimento da


identidade e a construção do desenvolvimento da sexualidade de adolescentes com vivência
de violência sexual, tornou-se indispensável refletir sobre como o impacto causado pela
coerção sexual nesta etapa evolutiva pode comprometer o olhar sobre um corpo ainda em
processo de desenvolvimento. Ou seja, se sua identidade fica marcada pela violência sexual
estabelece-se uma intrincada rede de representações que podem dificultá-los a perceber-se
como um sujeito para além das marcas da violência.

Em termos de sexualidade, compreendemos esta como:


19

A sexualidade não designa apenas as atividades e o prazer que dependem do


funcionamento do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e de
atividades presentes desde a infância, que proporcionam um prazer
irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental
(respiração, fome, função de excitação etc.), e que se encontram a título de
componentes na chamada forma normal do amor sexual (LAPLANCHE;
PONTALIS 1988, P.619).

Ao longo deste estudo, estas e outras questões serão mais bem exploradas, para tal,
necessitamos de uma compreensão mais abrangente deste processo.

Alguns autores das ciências sociais, entre os quais citamos Azevedo (2007), Alvin
(1997), Saffioti (2007); e da psicanálise tais como Erikson (1976, 1978), Freud (1905, 1921),
Winnicott (1975, 1980, 1999), dentre outros, nos auxiliaram com as ferramentas necessárias,
orientando-nos na compreensão da relação do adolescente vitimizado sexualmente com os
seus pares, com seu corpo e com a sexualidade, durante o processo de construção de sua
identidade.

Buscando enfrentar tais questões, toma-se como objetivo principal desta tese
investigar aspectos da identidade e da sexualidade em adolescentes que vivenciaram violência
sexual.

Especificamente pretende-se:

a) Avaliar o comportamento sexual de adolescentes escolares brasileiros, segundo a


presença de violência sexual;

b) Conhecer como se dá o processo de desenvolvimento da identidade, bem como a


construção da sexualidade de adolescentes que vivenciaram situação de violência
sexual.

A tese está estruturada em seis capítulos. O primeiro engloba a introdução, contendo o


objeto de estudo e os objetivos.

No capítulo 2 apresenta-se a fundamentação teórica, que abrange as seguintes


temáticas: dimensões da violência sexual na adolescência, construção da identidade em
adolescentes vítimas de violência sexual, violência sexual como um problema de saúde
pública na adolescência, contextos da violência sexual na adolescência (relações familiares,
afetivo-sexuais e violência cometida por estranhos) e consequências sobre a saúde física e
mental de sofrer violência sexual.
20

A seguir é apresentada a metodologia do estudo (capítulo 3) detalhadamente em duas


perspectivas: uma de cunho quantitativo e outra, qualitativa.

Como resultados, tem-se no capítulo 4, dados do estudo epidemiológico com 3.496


adolescentes em dez cidades brasileiras, sobre o comportamento sexual de adolescentes
escolares associados à presença de violência sexual.
Estes resultados quantitativos representam um desdobramento de pesquisa realizada
pelo Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Claves / Ensp /
Fiocruz) e apoiada pela Fundação Ford, CNPq e Faperj, intitulada Vivências de Violência nas
Relações Afetivo-Sexuais entre Adolescentes de dez capitais brasileiras: Manaus/AM e Porto
Velho/RO (Região Norte); Recife/PE e Teresina/PI (Região Nordeste); Brasília/DF e
Cuiabá/MT (Região Centro-Oeste); Rio de Janeiro/RJ e Belo Horizonte/MG (Região
Sudeste); e Florianópolis/SC e Porto Alegre/RS (Região Sul)1. A pesquisa original investigou
a violência nas relações afetivo-sexuais de ficar ou de namoro entre adolescentes entre 15-19
anos de idade, estudantes de escolas públicas e particulares que residem nas capitais
brasileiras investigadas. Dados obtidos no estudo original justificam o maior aprofundamento
no tema da violência sexual na fase da adolescência, apresentada na presente tese de
doutorado:

A violência sexual é outro tipo de abuso comum contra crianças e jovens e


ocorre principalmente no ambiente familiar, embora aconteça também no
âmbito comunitário e social. O Relatório do Fundo das Nações Unidas para a
Infância para 2005 (Unicef, 2005) estimou que 20% das crianças e dos
adolescentes brasileiros passam ou passaram por esse sofrimento. As
principais vítimas são meninas. E os agressores são: o pai, o padrasto ou
pessoas conhecidas e de relacionamento próximo à vitima. (...) A violência
sexual também tem impacto sobre o adoecimento das vítimas, tanto do ponto
de vista físico como do mental, o que se exterioriza a curto, médio e longo
prazos (MINAYO, 2011, p.38).

Estes resultados nos mostraram a necessidade de refletir sobre a violência sexual na


adolescência sob o olhar de quem acabou de vivenciar esta experiência. O fato de integrar
uma equipe que atende a esta população tornou possível explorar este viés.
Desse modo, aparte seguinte da tese (capítulo 5) debate o tema sobre outra
perspectiva, de caráter qualitativo. Esta dimensão será apresentada tendo em vista as
entrevistas realizadas em serviço especializado. Para tal, foram realizadas entrevistas

1
Os resultados deste estudo foram publicados na obra: Minayo, Assis & Njaine (orgs.). Amor e Violência: Um
paradoxo das relações de namoro e do ‘ficar’ entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
21

semiestruturadas com seis adolescentes do sexo feminino vítimas de violência sexual. Este
grupo de adolescentes são usuários de um Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de
Violência Sexual. Assim, também poderão ser identificados aspectos relacionados ao
desenvolvimento da identidade e à construção da sexualidade dos adolescentes vítimas de
violência sexual.

Nas considerações finais, estas e outras questões serão apresentadas ao longo deste
estudo, de forma mais aprofundada e cuidadosa, a fim de contribuir - do ponto de vista
preventivo e com ações visando à saúde integral do adolescente - para a compreensão do
quadro da violência sexual presente em adolescentes no Brasil.
22

2. AS DIMENSÕES DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA

A adolescência é reconhecida como um período de intensas transformações, que


podem promover insegurança, medo e decepções no sujeito. Frente a estas transformações, o
adolescente tenta experimentar, ensaiar e testar novas formas de estar no mundo de modo a
evitar frustrações. Para Erikson (1978), é neste período que o sujeito desenvolve a “crise de
identidade”, que seria a busca do seu próprio “eu” através do outro. É este um momento
conflitivo justamente por ser uma fase de mudanças e crucial ao desenvolvimento. Nele há a
necessidade de se optar por algumas direções, mobilizando recursos que levam ao
crescimento.

Neste sentido, é importante compreender as transformações decorrentes da violência


sexual e as possíveis implicações psicossociais que ela pode provocar, quando ocorre na
adolescência.

A prática clínica junto a adolescentes vítimas de violência sexual nos leva a focalizar o
problema da vitimização sexual nesta população, refletindo sobre os aspectos relativos ao
processo de construção identitária de adolescentes sexualmente vitimizados, bem como seus
impasses e conflitos em um cenário de cruzamento de fantasias e acontecimentos reais.

Este capítulo apresenta a violência sexual na adolescência considerando a dimensão


psicodinâmica, envolvendo os processos de identificação neste período do ciclo vital, seguido
das contribuições no campo da saúde pública para auxiliar a compreensão da temática em
questão.
23

2.1 A IDENTIDADE EM ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

O adolescente vem ocupando um espaço de destaque decorrente de uma série de


mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas. Tais mudanças permitiram maior visibilidade
e participação dos adolescentes na vida social. Temos hoje, níveis de informação globalizados
que nos permitem ver como a adolescência mobiliza sociedades com níveis de
desenvolvimento e valores culturais distintos.

O desenvolvimento da subjetividade do adolescente nos dias atuais vem privilegiando


o individual e está cada vez mais fragmentado diante de uma sociedade pós-moderna, que
estimula, mas não consegue absorver o excesso de demanda criada. Para Levisky (2002),
estes e outros aspectos favorecem ao aumento da violência.

Vivemos uma violência estrutural da sociedade, que desconsidera a criança,


o pobre, o adolescente, o idoso e as minorias. Violências física e moral são
praticadas dentro da própria casa, não raro cometidas por algum parente e
acobertadas pela família. Nas instituições, escolas, nos hospitais observamos
uma qualidade relacional impregnada de violências. É uma desconsideração
pelo próximo, reveladora da desconsideração por si mesmo, pois amanhã
podemos estar no lugar do outro. Esta qualidade de relação é reveladora de
um desinvestimento inconsciente do objeto de amor ao qual se está
vinculado, com perda do sentimento de solidariedade, transformando o outro
num estranho ameaçador (LEVISKY, 2002, p.30).

A instabilidade e a insegurança acompanham as pessoas na atualidade e especialmente


os adolescentes vítimas de violência sexual. A vivência desta experiência em um contexto de
submissão e obediência aos desejos do agressor pode dificultar ainda mais o investimento
deste adolescente no seu processo de ressignificação identitária, desvinculado das marcas
deixadas pela violência sexual.

Tendo este cenário como referencial, podemos refletir a respeito da construção da


subjetividade do adolescente, entendendo esta como um movimento estrutural e dinâmico,
fortalecido pelas primeiras relações afetivas responsáveis pela inserção da criança na cultura.

Segundo Rappaport (1982), a criança e o adolescente são sujeitos que não


completaram sua formação, não atingiram a maturidade nem de seus órgãos, nem de suas
funções; para tanto, necessitam de proteção, de afeto e de cuidados especiais da família, da
escola e dos companheiros. Consequentemente, a qualidade do relacionamento entre crianças
24

e adolescentes e seus pais, em qualquer etapa do desenvolvimento, afeta seu desenvolvimento


posterior.

A imagem que a criança e adolescente constroem acerca de si mesmos é o reflexo de


experiências vividas no ambiente familiar. Este ambiente familiar deve oferecer à criança
maior ou menor competência no enfrentamento de situações diversas.

O papel dos pais como agentes socializadores é fundamental. São eles as


primeiras pessoas com as quais as crianças se identificam. Suas
características de personalidade bem como o clima criado na família pela
adoção de um tipo ou outro de prática de criação infantil são decisivos para
determinar o desenvolvimento social dos filhos (RAPPAPORT, 1982, p.93).

Para Winnicott (1980), o bebê, nos primeiros dias de vida, encontra-se em estado de
total fragilidade, sendo incapaz de sobreviver sem o cuidado do outro, representado pelos
pais. É através desse cuidado e proteção que aos poucos vai tornando-se capaz de adquirir
segurança e suficiente confiança em si mesmo e no outro. É um movimento de construção das
realidades interna e externa.

Sobre este aspecto, Winnicott (1993) descreve os três processos iniciais do


desenvolvimento primitivo do bebê, são eles: a integração, a personalização e a realização.

A integração, que tem início desde cedo, é favorecida pelas experiências pulsionais e
pelas técnicas do cuidado infantil que vão gradualmente construindo a personalização. Para
este autor, a integração irá se efetuar de forma gradativa, cujo ritmo irá variar de acordo com a
relação entre o bebê e sua mãe. Em relação aos cuidados físicos e emocionais, a dependência
da criança é absoluta. Este processo de integração é descrito por Winnicott (1993) em sua
teoria do desenvolvimento emocional como inato. De acordo com este autor, as primeiras
experiências afetivas e pulsionais da criança e sua mãe estão ligadas a amamentação.

As vivências proporcionadas pelo contato com o seio da mãe, objeto externo, fazem
com que aos poucos a criança possa ir se constituindo como unidade. As primeiras
experiências proporcionam momentos de ilusão que ocorrem quando a criança está excitada e
pronta para alucinar o seio. Neste momento se o seio real é apresentado a esta criança ela
conseguirá se satisfazer. De uma próxima vez, usará este material na alucinação, com
fragmentos cada vez maiores de realidade (WINNICOTT, 1993).

São esses contatos corporais, tranquilos e ao mesmo tempo excitados da mãe com a
criança, que irão possibilitar a identificação com aquilo que não é ela (criança) mesma. Aos
25

poucos e de forma por vezes dolorosa, porém necessária, ela poderá se diferenciar do mundo
externo, constituindo o eu e não-eu (WINNICOTT, 1993).

O processo de realização tem início após a integração e personalização se


completarem. “Há ainda um longo caminho a ser percorrido antes que ele se relacione com
uma pessoa total com uma mãe total, preocupando-se com o efeito de seus próprios
pensamentos e ações sobre ela” (WINNICOTT, 1993, p.282).

Assim como as crianças, os adolescentes encontram-se em processo de


desenvolvimento, são vulneráveis às mudanças internas e externas, estas contribuem na
constituição de sua identidade.

Pretendemos trazer em linhas gerais a abordagem teórica do conceito identidade


formulada no conjunto das teorias das ciências sociais para então apresentar o conceito
identificação, formulado a partir das construções teórico-clínicas da psicanálise,
particularmente em Freud.

O ponto de partida de nossa reflexão é trabalhar com o conceito de identidade


empregado pela psicologia social. Para Ciampa, (1994), o conceito de identidade está
entrelaçado com as relações sociais que o sujeito estabelece mesmo antes do nascimento,
como marcas únicas na história de vida que aos poucos vão sendo incorporadas a sua
identidade pessoal. A concepção de identidade está diretamente relacionada à da diferença,
ambas acontecem simultaneamente e são marcadas pela indeterminação, uma vez que são
constituídos no contexto de relações culturais e sociais. Tomam existência no momento em
que são nomeadas.

Só posso comparecer no mundo frente a outrem efetivamente como


representante do meu ser real quando ocorrer a negação da negação,
entendida como deixar de presentificar uma apresentação de mim que foi
cristalizada em movimentos anteriores — deixar de repor uma identidade
pressuposta — ser movimento, ser processo, ou, para utilizar uma palavra
mais sugestiva se bem que polêmica, ser metamorfose. (CIAMPA, 1994,
p.70).

Assim, Ciampa (1994) afirma o sentido do conceito de identidade se compreendido


como um movimento constante, um processo de “metamorfose ambulante”, que não pode ser
dissociado do estudo do indivíduo e da sociedade, resultante de um processo de produção
simbólica e discursiva.
26

Partindo dessas colocações, questionamo-nos: de que maneira a vivência da violência


sexual poderá marcar o percurso do adolescente no caminho de construção da sua identidade
que, naturalmente, demanda tempo, esforço psíquico? Para responder a esta pergunta,
inicialmente recorremos à teoria de Erikson (1976), que versa sobre a Epigênese da
identidade, da infância à adolescência.

Psicanalista de formação, o autor dá destaque à chamada crise de identidade


relacionando-a a questões psicossociais inseridas no processo da adolescência. Para Erikson
(1976), o desenvolvimento do sentimento de identidade do adolescente será fortalecido
através da resolução dos conflitos vivenciados a cada momento de crise, durante o ciclo vital.
Ou seja, são em situações de crise resultante de conflitos confrontados com o meio social, que
o sujeito torna-se capaz de mobilizar seus próprios recursos para o desenvolvimento em busca
de uma nova diferenciação.

Para Erikson (1976), o sujeito vai aos poucos estabelecendo adaptações sucessivas,
vitais à sua personalidade, através de uma sequência de fases que se seguem de acordo com o
crescimento físico e social da criança: “Cada etapa e crise sucessivas têm uma relação
especial com um dos elementos básicos da sociedade, e isso pela simples razão de que o ciclo
da vida humana e as instituições do homem têm evoluído juntos” (p.230).

Na medida em que o adolescente vai vivenciando novas experiências, também novas


situações vão ocorrendo. Consequentemente, as pessoas entram e saem da vida deste sujeito,
sejam elas adequadas ou não e com referenciais nem sempre suficientemente sólidos, o que
pode favorecer cisões muito primitivas (ERIKSON, 1976).

Assim, as experiências vivenciadas no primeiro ano de vida são fundamentais, o


“sentimento de confiança básica” e o de “desconfiança básica” (ERIKSON, 1976)
caracterizam o primeiro momento do ciclo vital, quando é impelida a mudança de vida intra-
uterina para a extrainterina. A qualidade da relação materna nesta fase do ciclo é essencial ao
enfrentamento das crises posteriores. Para os adolescentes vítimas de violência sexual, o
sentimento de pertencimento a um ambiente familiar mais acolhedor poderá ajudá-los a se
sentirem menos sós, oferecendo algumas referências que contribuem para a orientação e
organização de sua identidade.

[...] A soma de confiança derivada das primeiras experiências infantis não


parece depender de quantidades absolutas de alimento ou de demonstrações
de amor, mas antes da qualidade da relação materna [...]. Isso cria na criança
27

a base para um sentimento de identidade que mais tarde combinará um


sentimento de ser “aceitável”, de ser ela mesma, e de se converter no que os
demais confiam que chegará a ser (ERIKSON, 1976, p.229).

Por volta do terceiro ano de vida, a criança entrega-se a fantasias ligadas à


sexualidade, momento em que os valores morais são internalizados. É este um período
importante para o desenvolvimento da identidade uma vez que a iniciativa para a realização
de tarefas ficará limitada ao que é possível e permitido pela cultura (ERIKSON, 1976).

A chegada à fase da adolescência pressupõe as mudanças fisiológicas do corpo e a


incerteza quanto aos papéis sócio-sexuais a desempenhar, momento no qual ocorre a busca
em torno da formação de uma “identidade”. É um período de indefinições e dúvidas, às vezes
conflitantes com a sua própria necessidade que pode dar lugar à chamada “confusão de
identidade” (ERIKSON, 1976). Nesta fase, o adolescente vai tentando se reafirmar,
experimentando papéis no seio dos grupos pelos quais se aproxima. Vive a dificuldade em
definir uma identidade ocupacional, uma vez que ainda está confuso quanto aos dois mundos,
o infantil e o adulto.

O perigo dessa etapa é a confusão de papel [...]. Inicia a etapa da “paixão”,


que não é, de modo algum, total ou sequer fundamentalmente um problema
sexual, a não ser que os costumes o exijam. Em grande parte, o amor
adolescente é uma tentativa de chegar a uma definição de sua identidade
projetando a própria imagem difusa do ego em outra própria pessoa para,
assim, vê-la refletida e gradualmente definida. É por essa razão que em tão
grande extensão o amor de um adolescente se limita à conversação
(ERIKSON, 1976, p.241).

Também na adolescência o sujeito revive algumas das crises anteriores (ERIKSON,


1976). Uma delas é a crise de “intimidade”, momento no qual poderá experimentar a
intimidade com os outros sem se sentir ameaçado. No entanto, essas experiências somente
serão possíveis quando estiver mais seguro em relação a sua identidade. A identificação
sexual e a confiança em relação à feminilidade e/ou masculinidade também irão auxiliar no
fortalecimento do desenvolvimento da identidade. Esta é uma das razões pelas quais muitos
adolescentes preferem o “isolamento”.

No período em que sentimentos de insegurança, medo e fragilidade são aflorados,


adolescentes vão precisar manter o distanciamento de relações íntimas, competitivas e
combativas. É através do afeto, como uma força vital, que esse sujeito poderá adaptar o
sentido do eu às mudanças decorrentes da puberdade (ERIKSON, 1976).
28

Segundo Erikson (1976), a crise de identidade é considerada um aspecto psicossocial


inerente ao desenvolvimento do adolescente e como tal, traz incertezas e dificuldades
importantes e também decisivas para a vida deste sujeito. Como se pode ver, o uso da palavra
crise está relacionado à ideia de mudanças, nas quais adolescentes precisarão fazer escolhas
em direção ao crescimento.

Outra leitura acerca da identidade pode ser encontrada na psicanálise freudiana. Freud-
1905 (1989) descreve nos “Três ensaios sobre a sexualidade”, como a vida infantil é alterada
devido a “transformações da puberdade”. Serão essas transformações que irão impulsionar
também transformações psíquicas. A puberdade é o momento de transição da identidade
infantil possibilitando a entrada no mundo adulto. Essa etapa do ciclo vital vai exigir do
adolescente um trabalho psíquico intenso.

Sobre a identificação, Freud-1921 (1989) em “Psicologia de grupo e análise do ego”


diferencia três tipos de identificação possíveis. A identificação é para Freud a forma mais
primitiva de expressão dos vínculos emocionais com o outro.

A identificação entendida em psicanálise como “a mais remota expressão de laço


emocional com outra pessoa” (FREUD-1921, 1989, p.133) está marcada na pré-história com
o outro sem que ainda haja uma relação de objeto (com o outro), e desempenha um papel
essencial na formação do Édipo. A primeira forma de identificação, tipicamente masculina,
descrita seria o menino que toma o pai como seu ideal, isto é, o pai encarna o que o sujeito
gostaria de ser. É, pois, uma identificação ambivalente de amor e ódio com o pai, sentimento
este que se manifesta ao longo da vida.

Tendo em vista que o objeto original foi perdido, segue-se o outro tipo de
identificação, que ocorre com base em relações objetais. Neste caso, a identificação está
ligada à escolha de objeto, isto é, com aquele que se quer ter. O menino tem, ao mesmo
tempo, de um lado a relação objetal com a mãe e de outro, toma o pai como modelo
identificatório (FREUD-1921, 1989).

Freud-1921 (1989) menciona o exemplo da menina que, desejando ocupar o lugar da


mãe, a toma como rival. Desenvolve, então, o mesmo sintoma desta, de modo a apresentar um
traço que a assemelhe à mãe. Este traço também pode ser tomado do pai que, neste caso, é
objeto e não sujeito. A identificação pode ser parcial e limitada com a assimilação de apenas
um “traço isolado” do objeto, neste caso:
29

A identificação apareceu no lugar da escolha de objeto e que a escolha de


objeto regrediu para a identificação2 [...] onde há repressão e os
mecanismos do inconsciente são dominantes, a escolha de objeto retroaja
para a identificação: o ego assume as características do objeto (FREUD-
1921, 1989, p.135).

De acordo com Freud-1921 (1989), nesse segundo tipo de identificação, a vinculação


com o objeto ocorre por meio da sua introjeção no próprio ego.

O terceiro tipo de identificação diz respeito à possibilidade de se colocar no lugar do


outro, de se identificar com algo do outro e seria uma espécie de empatia. Este terceiro tipo de
identificação, descrito por Freud, é importante para a compreensão dos processos
identificatórios que se manifestam no interior dos grupos sociais. “O mecanismo é o da
identificação baseada na possibilidade ou desejo de colocar-se na mesma situação” (FREUD-
1921, p. 135). Ocorre que a identificação é feita sobre um ponto de coincidência entre os dois
egos, assim para aquele que se configura como modelo, o ponto deve permanecer recalcado
possibilitando a construção de novos laços emocionais.

Neste ponto, podemos afirmar que a identificação é ambivalente desde o início e


prossegue por toda a vida, sendo um processo contínuo de transformações. Tem-se a
identificação como uma forma de superação do conflito entre desejos e proibições, é
constitutiva do sujeito, favorecendo a diferenciação. Assim, se ocorrem falhas precoces o ego
fica fragilizado aumentando o risco da incorporação de figuras negativas (LEVISKY, 2002).

As atitudes do adolescente com seu corpo são fundamentais no entendimento do


processo identificatório. O processo de transição da infância e início da puberdade pode ser ao
mesmo tempo prazeroso e doloroso, podendo ser marcado por crises, pois é durante a
adolescência que este sujeito irá se deparar com a exigência de construção de uma identidade
sexual e se vê obrigado a enlutar o corpo de criança, a identidade infantil e a relação que
mantinha com os pais da infância (KNOBEL, 1992; MACEDO et al. 2010a). Tem-se
novamente aqui o sentido de crise implícito a este momento de transformações.

A relação do adolescente com seu corpo ganha contornos significativos. Segundo


Outeiral (2002) e Knobel (1992), as mudanças corporais são percebidas como invasivas e
persecutórias.

2
Grifo do autor
30

No caso de meninas adolescentes, algumas manifestações referentes às preocupações


relacionadas ao corpo funcionam como descarga dos impulsos sexuais. Com destaque para
aquelas referentes à oralidade, como o envolvimento em dietas, o controle do peso, até as
patologias, dentre elas a anorexia e bulimia (MACEDO, 2010a).

Entrar na pré-adolescência e precisar lidar com este corpo conhecido-desconhecido,


faz com que algumas adolescentes “prefiram” escondê-lo como uma tentativa de negação do
feminino. “A inveja do pênis revivida nesta etapa revela a não aceitação da incompletude. No
momento em que a conflitiva edípica vem à tona, a jovem sente a diferença como um
desvalor” (MACEDO, 2010a, p.26).

Mudanças no corpo sentidas e vividas como incontroláveis vão exigir do adolescente a


ressignificação de sua identidade. Neste processo de construção de uma nova identidade o
adolescente investe uma energia intensa, pois necessita abandonar seus antigos referenciais
para então construir os novos influenciados por suas recentes experiências (ABERASTURY
et al. 1992).

As mudanças corporais impõem também mudança de papéis. Algumas práticas


erotizadas, tais como o “ficar”, prática comum de relacionamento entre jovens na atualidade,
servem como uma espécie de testagem para que o adolescente possa conhecer melhor seu
próprio corpo e o corpo do outro. É assim que aos poucos eles vão experimentando maneiras
de se relacionar, conquistando a sua própria identidade sexual. Consequentemente, o sexo
pode ser vivido como uma forma de testar suas potencialidades, com características
diferenciadas entre meninos e meninas.

Para Aberastury et al. (1992, p.66), quando: “[...] o adolescente adquire uma
identidade, aceita seu corpo, e decide habitá-lo, enfrenta o mundo e usa-o de acordo com o
seu sexo. A conduta genital não se expressa só no ato sexual, mas em todas as atividades”. A
sexualidade passa a ser entendida de forma mais evidenciada. Para Outeiral (2002, p.83): “A
relação do adolescente com seu corpo é um dos indícios da integridade de seu ego”.

O período da adolescência se caracteriza pelo retorno de algo que fora adiado, as


fantasias edipianas vão ressurgir só que aliadas ao desenvolvimento da sexualidade genital.
“A pulsão sexual era predominantemente auto erótica; agora, encontra o objeto sexual”
(FREUD-1905, 1989, p.195).
31

Quando ocorre o ato sexual com características violentas, o adolescente pode passar a
não sentir o seu próprio corpo, desaparecendo. Se este corpo torna-se algo estranho e que foi
invadido, distancia-se do sentido de vitalidade e prazer. Para muitos, adquire o sentido de
horror e morte, provocando sensações muito dolorosas. Consequentemente, o processo de
identificação do adolescente sofrerá transformações que irão demandar intenso investimento
psíquico de ressignificação de uma nova imagem de si mesmo, desvinculada da violência
vivida.

A ocorrência de violência sexual na adolescência parece demarcar a presença de uma


linguagem sexual adulta que muitos adolescentes ainda não se vêem em condições de traduzir
adequadamente. Esse corpo passa a ser percebido como estranho, externo, é nele que serão
depositadas as ansiedades até o momento que puder ressignificá-lo.

O caminho percorrido por adolescentes sexualmente vitimizados, na construção da


identidade pode ser dificultado pela aproximação regressiva ao estado primitivo de
identificação que esta vivência proporciona. Assim, a experiência de violência sexual faz com
que este sujeito vivencie também a concretização no corpo de fantasias incestuosas
anteriormente recalcadas.

Detenhamo-nos a seguir, nas contribuições do campo da saúde pública a respeito da


violência sexual, pela perspectiva da Sociologia e da Antropologia, discutindo um pouco
algumas questões epidemiológicas.
32

2.2 A VIOLÊNCIA SEXUAL COMO UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA NA


ADOLESCÊNCIA

Apesar de sempre ter estado presente na história da humanidade, autores tais como
Domenach (1981) e Minayo (2006) descrevem como a preocupação em discutir sobre o
problema da violência é recente. Para estes autores, associar a violência ao emprego ilegítimo
da força física, contra a vontade do outro vem despertar interesse de estudiosos já na
modernidade através da consolidação da cidadania, pois fez com que o homem incorporasse
valores tais como o direito à liberdade e à felicidade. A partir daí, ações violentas passam a
ser percebidas e condenadas como um fenômeno indesejável que pode e deve ser controlado.

Minayo (2006) considera violências no sentido plural do termo, avaliando que o


fenômeno da violência necessita de uma análise que inclua os processos históricos complexos.
Sabemos que algumas áreas, tais como as ciências sociais, a epidemiologia e a psicologia,
contribuíram com seus pressupostos para explicar a violência, porém algumas questões
permanecem não resolvidas por elas em função da magnitude e da complexidade do
fenômeno. Minayo (1997-1998) aponta para a urgência de interdisciplinaridade,
multiprofissionalidade e intersetorialidade e a cooperação como núcleo central do eixo de
qualquer tentativa de lidar com este tema.

A Política Nacional de Redução da Mortalidade por Acidentes e Violências (BRASIL,


2001) reitera que sob a perspectiva da violência de gênero, as violências físicas e sexuais são
os eventos mais frequentes.

A 3ª edição da “Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da


Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” (BRASIL, 2010, p.11) inicia destacando a
violência sexual como uma das manifestações da violência de gênero com o foco na crueldade
e persistência e sem a distinção de idade ou classe social: “Por atravessar períodos históricos,
nações e fronteiras territoriais, e permear as mais diversas culturas, independente de classe
social, raça-etnia ou religião, guarda proporções pandêmicas e características universais”.
Tendo em vista a sua complexidade é considerada como a pior forma de violação dos direitos
humanos (MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009).

Ramos et al. (2009) consideram a rede de atenção a mulheres vitimizadas sexualmente


ainda escassa, mesmo após a implementação da norma técnica garantir o acesso e priorizar
33

um atendimento integral e de qualidade. Neste sentido, faz-se também necessário que as


pessoas que comparecem aos serviços de saúde sejam acolhidas através de uma escuta, que
compreenda a complexidade que envolve a violência sexual na adolescência (SCHRAIBER;
D’OLIVEIRA 1999).

A violência sexual é um problema mundial (RICKERT et al. 2004; IRWIN;


RICKERT 2005), atinge todas as classes sociais com altas taxas de ocorrência especialmente
entre adolescentes e jovens, é denominada como a “epidemia escondida” em função desse
hiato entre a frequência de ocorrência e a pouca divulgação.

No Brasil a partir dos anos 90, o tema da violência ganha destaque também no âmbito
da saúde pública, com a implantação de políticas públicas e como objeto de prevenção e
promoção de saúde (MINAYO; SOUZA 1999). Ainda assim, a incidência da violência sexual
é apenas estimada, considerando que o número de registros é inferior ao número de pessoas
que foram vitimizadas pela violência sexual. No entanto, os estudos e as políticas públicas
existentes são ainda escassos.

Percebe-se que a invisibilidade das questões de violência sexual nos


atendimentos também está relacionada às dificuldades dos profissionais em
lidarem com o tema (Faúndes et al., 2002). Trata-se de uma postura
moralista da sociedade, diante das dificuldades no trato das temáticas da
sexualidade. No atendimento a mulheres e crianças, os profissionais de
saúde procuram sempre transferir o problema para outros serviços, como o
judiciário, o setor de segurança pública ou o serviço social da instituição
(SOUZA; ADESSE 2005, p.27).

Há uma relação desigual entre as fontes que fornecem dados sobre a violência sexual e
a magnitude do problema, demonstrando a invisibilidade da violência sexual. Em
levantamento descrito pela OMS (KRUG et al, 2002, p.149), relativo ao percentual de
mulheres com 16 anos ou mais que revelaram terem vivido violência sexual entre os anos de
1992 a 1997, tem-se:

O percentual de mulheres que relataram ter sido vítimas de ataque sexual


varia de menos de 2% em locais como La Paz, na Bolívia (1,4%), Gaborone
em Botsuana (0,8%), Beijing na China (1,6%) e Manila nas Filipinas (0,3%)
a 5% ou mais em Tirana na Albânia (6,0%), Buenos Aires na Argentina
(5,8%), Rio de Janeiro no Brasil (8,0%), e Bogotá na Colômbia (5,0%). É
importante observar que esses números não fazem qualquer distinção entre
estupro cometido por estranhos ou por parceiros íntimos. As pesquisas que
não fazem essa distinção, ou as que analisam apenas o estupro cometido por
estranhos geralmente subestimam bastante a ocorrência da violência sexual.
34

A subnotificação é comum em todo o mundo, “Estima-se que cerca de 12 milhões de


pessoas por ano sofram alguma forma de violência sexual no mundo” (LOPES et al. 2004).
Nos Estados Unidos calcula-se que apenas 16% dos crimes de violência sexual sejam
informados às autoridades (DREZETT, 2000).

Souza e Adesse (2005) argumentam que há algumas lacunas em torno de políticas para
a área da violência sexual, tais como a justiça, a segurança e a saúde, constituindo ações
pouco integradas. O estudo destas autoras nos mostra que algumas ações são muito
específicas e setorizadas, apresentando visões próprias e metodologias diferenciadas, o que
dificulta ainda mais o entendimento do problema da violência dentro de uma visão relacional
que a categoria de gênero pressupõe.

Apesar de historicamente a vitimização por violência sexual ter sido vista como uma
experiência significativamente mais comum entre as adolescentes do sexo feminino
(CHIODO et al. 2009), ambos os sexos são vulneráveis, com características de vitimização
diferenciadas e impacto negativo para o desenvolvimento (MACHADO et al. 2005;
MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009).

Saffioti (2007) reconhece a maior incidência de violência sexual praticada contra


adolescentes do sexo feminino, no entanto, descreve a prática comum de participação de
adolescentes do sexo masculino em jogos sexuais que ocorrem entre si. Estas são situações
nas quais o adolescente se utiliza sexualmente de outro adolescente ou criança visando
satisfazer sua necessidade sexual, sem a característica do homossexualismo.

Em estudo descritivo para conhecer as características do abuso sexual em crianças e


adolescentes de zero a 14 anos, realizado no Paraná, os autores confirmam que: “[...] 36,0%
das meninas e 29,0% dos meninos, no mundo todo, sofram abuso sexual e, pelo menos, uma
em cada cinco mulheres tenham sofrido abuso sexual em algum momento de sua vida”
(MARTINS; MELLO JORGE 2010, p.251).

Estudos nacionais e internacionais têm apontado o predomínio da violência sexual


junto ao sexo feminino e na faixa etária da adolescência (PUTNAM, 2003; LOPES et al.
2004; POLANCZYK, 2003; MACHADO et al. 2005; MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009;
MARTINS; MELLO JORGE 2010; CHAVEZ et al. 2009). Segundo Drezett (2000) nos EUA
estima-se que a violência sexual ocorra a cada 6,4 minutos; para cada quatro mulheres uma
delas já viveu a experiência de violência sexual. Em recente estudo nacional os autores
35

referem que “18% das mulheres da população em geral sofram pelo menos um episódio de
violência sexual durante a sua vida” (OSHITAKA et al.2011, p.702).

Apesar de todo o contexto citado, pode-se dizer que a violência sexual na adolescência
ainda encontra-se envolvida por um silenciamento, especialmente no tocante aos adolescentes
do sexo masculino (SEBOLD, 1987; SILVA, 2009). Prado (2006) em estudo sobre a
violência sexual praticada contra meninos aponta o paradoxo de o homem – o potencial
agressor de mulheres constituir-se também como uma vítima silenciosa. Assim como as
mulheres, ele cala-se por medo e vergonha.

Ressalte-se aqui que o modelo de masculinidade, presente nas relações de gênero,


expressa no imaginário social, pressupõe uma ideologia dominante de relações
heterossexuais.

Sob este aspecto, em estudo realizado pelo CLAM (Centro Latino Americano em
Sexualidade e Direitos Humanos), iniciado em 2003 no Rio de Janeiro, e desenvolvido
posteriormente em outras capitais do Brasil, os autores fazem um mapeamento dos “padrões
de violência e discriminação que atingem gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais”.
Em pesquisa realizada na cidade de Recife, os autores destacam a existência de violência
sexual em não-heterossexuais, inclusive em adolescentes.

Nada menos do que 30,6% das trans já foram vítimas de agressões sexuais.
Isto representa três vezes mais do que a freqüência do conjunto da amostra
(10,2%). A distribuição dessa violência é extremamente variável segundo os
diferentes grupos de identidade sexual agregada. Depois das trans, em
proporções bem menores, vêm os homens homossexuais (12,1%), as
mulheres bissexuais (6,1%), os homens bissexuais (5,8%) e as mulheres
homossexuais (3,8%). Quando observamos a idade, verificamos que a maior
incidência se encontra nas faixas etárias mais altas: 15% dos(as) que tinham
30 a 39 anos contra 5,3% dos(as) que tinham 19 a 21 e 7,6% dos(as) que
tinham 18 anos ou menos. (CARRARA, 2007, p.64)

Entretanto, considerando a ocorrência de violência sexual em adolescentes, o modelo


da relação entre homens e mulheres não exclui os não-heterossexuais, no seio desta discussão.

Pode-se dizer que a experiência de violência sexual é determinante na representação


que o adolescente construirá sobre si. As consequências negativas sobre si mesmo indicam
que a dinâmica da violência sexual na adolescência é um campo de estudo importante,
devendo gerar ações de intervenção e de prevenção.
36

Entre os adolescentes vítimas de violência familiar física, psicológica ou


sexual, constatamos que é mantida uma visão de si positiva, embora os
atributos negativos sejam mais presentes nestes (21,1%) do que entre os que
não sofreram violência (15,1%). Acreditamos que a dinâmica da violência
leva ao sentimento de desvalorização e diminuição da confiança nas próprias
percepções e, consequentemente, a sentimentos de impotência. (ASSIS,
2007, p. 26).

Vale ressaltar que alguns fatores podem aumentar o risco da violência sexual, tais
como o próprio ambiente social em que o sujeito vive, destacando a família de origem e o
círculo de amizades. Um fator reconhecido por aumentar a vulnerabilidade à violência sexual
na vida adulta é ter sido vítima de violência sexual na infância e na adolescência (KRUG et al.
2002; POLANCZYK, 2003).

É importante que profissionais de diferentes áreas que atuam no atendimento a pessoas


em situação de violência sexual estejam devidamente capacitados para efetuar o acolhimento
e direcionar a conduta, no sentido de contribuir para a reestruturação emocional do sujeito
tanto quanto de seus familiares em todas as fases do atendimento. Assim, a atuação do
psicólogo junto a esta população caracteriza-se como fundamental (SOUZA; ADESSE 2005).

A seguir apresentam-se diferentes contextos em que a violência sexual se manifesta na


vida dos adolescentes: nas relações afetivo-sexuais entre parceiros, quando ocorre em relações
familiares e naquela praticada por estranhos ou conhecidos, especialmente em ambientes
comunitários.

2.3 OS CONTEXTOS DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA

2.3.1 Em Relações Familiares

A preocupação com relação à violência sexual nas relações familiares tornou-se tema
presente em alguns países e também no Brasil nas últimas décadas.
37

No Brasil, registraram-se, no grupo das crianças agredidas sexualmente, com


até 12 anos, que 83,6% dos agressores eram pais ou padrastos, parentes
próximos, amigos ou conhecidos. Em maiores de 12 anos, 59,4% das vítimas
foram agredidas por desconhecidos (FLORES SULLCA; SCHIRMER
2006, p.580).

Casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes são descritos pela literatura
desde a Antiguidade, “Um século separa o primeiro trabalho científico publicado sobre maus-
tratos contra crianças e adolescentes e sua inclusão como assunto de interesse das áreas de
pediatria e saúde pública” (ADED et al. 2006, p.205).

A trajetória da violência sobre crianças e adolescentes passou por modificações


expressivas ao longo de séculos. A pesquisa de Assis (1999, p.11-76), descreve
analiticamente as raízes históricas da violência a crianças na sociedade ocidental. O texto
contém registros das formas de violência presentes desde 2.500 a.C., até o século XX.

De acordo com Assis (1999), no mundo Greco-Romano, por volta do século VIII a.C.
o apego emocional aos filhos era frágil; o enjeitamento e o infanticídio eram práticas comuns.
A infração juvenil esteve presente também nestas culturas. O reconhecimento de que as
crianças precisariam ser educadas significou o uso das práticas disciplinares que se julgassem
necessárias para prevenir a delinquência; as faltas eram punidas e aplicadas pelo governador e
em casos de reincidência, os jovens eram açoitados.

Para Guerra (2001), a educação da infância nos séculos XVII e XVIII na Europa,
privilegiava práticas de castigo físico e espancamento, que eram aplicados visando punir
aqueles comportamentos considerados inadequados. Nesta época, a criança ocupava o lugar
de objeto e não de sujeito. De fato, a educação dos filhos baseada na utilização de práticas
disciplinares violentas, quando necessárias, vem sendo utilizada desde a antiguidade.
Portanto, a violência exercida dos pais contra os filhos não é uma expressão da modernidade.

Apesar de estar sendo muito discutida na atualidade, a violência é um fenômeno


complexo. Saffioti (2001), Araújo (2002) e Saffioti (2007) esclarecem a especificidade dos
conceitos de violência doméstica e violência intrafamiliar, ambos utilizados para caracterizar
o tipo de violência entre pessoas que convivem ou não no mesmo espaço domiciliar e que
tenham algum tipo de vínculo, seja por laços parentescos ou não.

Em primeiro lugar, violência doméstica não é o mesmo que violência


intrafamiliar, usadas como sinônimos por Soares. Enquanto na segunda a
violência recai exclusivamente sobre membros da família nuclear ou
38

extensa, não se restringindo, portanto, ao território físico do domicílio,


cabem na primeira vítimas não-parentes, consanguíneos ou afins. Estão neste
caso empregadas domésticas, ainda com uma forte presença dentre as
vítimas de violência sexual cometida por seus patrões, e afilhadas(os) e
agregadas(os), vivendo parcial ou integralmente no domicílio no qual o
agressor é o pater famílias. (SAFFIOTI, 2001, p. 130-1)

A partir da metade do século XX, com o fenômeno da globalização, facilitou-se a


difusão de informações possibilitando tanto a disseminação dos problemas de violência
quanto à aplicação de medidas para enfrentá-las.

A impressão que se tem, na sociedade contemporânea, é a que a violência


hoje é muito maior que no passado, em virtude desta universalização de
comunicação e do agravamento das questões sociais. Essa idéia não se
sustenta, pois, como foi visto até aqui, muitas formas de violência se
reduziram, graças às conquistas sociais obtidas pela humanidade. O que faz
uma grande diferença é o estágio de consciência social, que põe em
evidência as formas de violência, até então ocultadas, como é explicitamente
o caso da violência doméstica (ASSIS, 1999, p.42).

A violência sexual contra crianças e adolescentes está presente na história social da


infância no Brasil, para Faleiros (2000, p.8): “desde o tempo da Colônia as crianças não são
consideradas sujeitos de direitos”. Entretanto, há aproximadamente 45 anos vem sendo objeto
de estudo e pesquisa.

No caso dos abusos sexuais, a maior parte deles ocorre no interior das famílias, apesar
das proibições biológicas e culturais do incesto. Histórias de abuso sexual em relações
familiares ocorrem em todas as classes socioeconômicas e apresentam um enorme potencial
de dano psíquico à vítima (HABIGZANG et al., 2005; DE ANTONI et al., 2011).

Tem-se o conceito de abuso sexual desenvolvido por Azevedo e Guerra (2007) de


“abuso-vitimização sexual” para caracterizar um fenômeno que pode em sua totalidade,
provocar alguns danos à criança e ao adolescente, mediante a sua participação forçada em atos
eróticos.

De acordo com Gabel (1997), Alvin (1997), Saffioti (2007), Seixas (1999) e
Habigzang (2005), os casos de violência sexual praticada contra crianças e adolescentes são
frequentemente ocultados, silenciados durante muito tempo. Às vezes por culpa, por medo de
tornar público por parte da vítima e ainda quando a criança e/ou adolescente o faz, o adulto
tem medo de escutá-lo. Esse adulto tanto pode ser algum membro da família ou o próprio
profissional de saúde que necessita ter uma escuta acolhedora para estas situações.
39

O conceito de abuso sexual aos poucos foi sendo ampliado. Neste estudo, o termo
abuso e violência serão utilizados como sinônimos. Na França, Gabel (1997, p.10) assinala
que:

Antes mesmo de ser definido, o abuso sexual deve ser claramente situado no
quadro dos maus-tratos infligidos à infância. Essa noção, aparecida
recentemente, assinala o alargamento de uma definição em que se passou da
expressão ‘criança espancada’, na qual se mencionava apenas a integridade
corporal, para ‘criança maltratada’, na qual se acrescentam os sofrimentos
morais e psicológicos. Maus-tratos abrange tudo o que uma pessoa faz e
concorre para o sofrimento e alienação de outra.

Nathan (1997), em estudo antropológico acerca das organizações culturais, assinala a


dificuldade encontrada em “culturas tradicionais” de refletir sobre o incesto biológico e
proibi-lo. Portanto, segundo este autor, “o incesto é sempre definido de maneira cultural e diz
respeito a certo grau de parentesco mais ou menos afastado” (NATHAN, 1997, p.19).

Para Capitão e Romaro (2008), Lima e Alberto (2010), Azevedo (2007), o grau de
parentesco nos casos de abuso sexual praticado por familiares determina a relação incestuosa,
comprometendo a personalidade deste sujeito em processo de desenvolvimento. A
criança/adolescente vivencia o desamparo quando não é ouvida; o significado atribuído às
figuras parentais, que deveria ser a base para a formação da personalidade é, neste caso,
introjetado de forma perversa e traumática, passando a dominar as suas ações psíquicas.

As consequências psíquicas para as crianças que sofrem abuso são


profundas, pois envolvem violência, sedução e quebra universal de valores
que possibilitam a constituição de um aparelho psíquico que possa lidar com
as moções pulsionais e com a realidade de forma adequada e eficaz. Em
termos psicanalíticos, podemos pensar em relações traumáticas, em objetos
perversamente introjetados, resultando em identificações patológicas, que
propicia o estabelecimento da cultura de um ciclo compulsivo, cuja
elaboração psíquica não se completou (CAPITÃO; ROMARO 2008).

Sabe-se que essa forma de violência poderá produzir prejuízos físicos e psicológicos a
crianças e adolescentes abusados e ainda às pessoas presentes no ambiente familiar; além de
envolver uma questão legal de proteção às vitimas e de punição ao agressor (PFEIFFER;
SALVAGNI 2005).

A violência sexual é sempre uma tática utilizada para obter poder e controle sobre o
outro. Para Safiotti (2001), “há uma [pessoa] que comanda e se beneficia da relação; há outra
que obedece e sofre com a relação, embora possa ter benefícios secundários.” É uma tática
muitas vezes acobertada pelo silêncio e pela omissão; usualmente ocorre de forma repetitiva e
40

insidiosa. A revelação nestes casos vai envolver alguns setores como a saúde e a justiça,
necessitando então de ações multidisciplinares e da integração em uma rede de atendimento e
proteção à criança e ao adolescente e o acolhimento à família, pois: “Quando a família
demonstra credibilidade ao relato da criança e assume estratégias para protegê-la, esta se sente
fortalecida e apresenta maiores recursos para enfrentar a experiência abusiva” (HABIGZANG
et al. 2005, p. 346).

No entanto, é comum a preservação do segredo ou até mesmo a manutenção do


silêncio entre os pares (AZEVEDO, 2007). É um silêncio que pode envolver a vítima que se
sente ameaçada pelo agressor. Sua fala é confiscada, os familiares fecham os olhos e a boca
afastando-se da situação a fim de evitar conflitos e uma tomada de posição, e por último, o
silêncio por parte de alguns profissionais que negam ou minimizam os sinais e os efeitos da
violência. Para Morales e Schramm (2002, p.266):

As ações dos grupos que vêm trabalhando com o intento de prevenir e


desvendar o abuso sexual em menores no âmbito familiar, e que procuram
criar estratégias e mecanismos capazes de evitar a impunidade, encontram,
no entanto, muitas dificuldades, quer pela prática do silêncio por parte das
vítimas e da sociedade em geral, quer pelas tímidas ações concretas no apoio
ao menor e à família, quer, ainda, pelas próprias reticências por parte da
família em denunciar um seu membro e expor-se, assim, à possibilidade de
eventuais consequências negativas adicionais. Além disso, existe também
uma falta de consciência profissional sobre a real magnitude do problema,
assim como uma compreensível (mas não necessariamente justificável)
reticência dos profissionais em se envolverem num assunto psicossocial
complexo.

A passagem do silêncio à revelação pode levar até anos, o que faz com que a família
compactue também com essa relação de impunidade. O período que se segue a denúncia é
muito conflituoso para todos os envolvidos uma vez que vai gerar perdas e alterações no
sistema familiar, pois a revelação implica o ingresso no sistema judicial temido por muitos e a
intervenção terapêutica. Costa et al. (2007, p.249), descrevem esta fase como um ritual de
passagem: “procuramos, no ritual de passagem, enfatizar uma mudança de condição
normativa para uma possibilidade terapêutica”. A configuração familiar pode se alterar
radicalmente, principalmente se o abusador é o provedor, e a família passa a viver em situação
de grande vulnerabilidade social e financeira.

Diante desta perspectiva, a análise dos fatores referentes ao universo das famílias nas
quais a violência sexual ocorre é imprescindível, tendo em vista as influências que compõem
essa estrutura (SAFFIOTI, 2007). No entanto, independente do formato ou do desenho
41

assumido pela a relação familiar, constitui-se como uma referência imprescindível para a
garantia da sobrevivência, da proteção integral e do desenvolvimento da identidade do sujeito.

Do ponto de vista dos pais, quando os maus-tratos, a negligência e/ou o


abuso sexual se inscrevem em uma repetição intrafamiliar, a criança torna
presente, sucessivamente, o pai ou a mãe que a maltrata ou lhe impingiu
abuso, ou a criança maltratada, vítima de abusos sexuais que o pai ou a mãe
foram. (LAMOUR, 1997, p.52).

Sendo assim, a violência sexual, diferente de outras formas de violência não pode ser
considerada uma prática comum inserida no contexto familiar e organizada por mecanismos
de socialização (LIMA; ALBERTO 2010). É no interior destas famílias que o bebê estabelece
suas primeiras relações de afeto, que irão contribuir na construção da sua subjetividade ao
longo da vida.

Daí, então, a necessidade de criar estratégias de intervenção e acolhimento, que levem


em conta os diferentes níveis de atenção envolvidos. Profissionais de saúde precisam criar um
vínculo de confiança com o adolescente e seus familiares, evitando principalmente fazer
juízos de valor, pois:

Se o médico ou qualquer outro profissional da saúde assumir uma postura de


julgamento frente ao paciente, pode estar impedindo que se instaure um
vínculo de confiança necessário para o tratamento. Ele estará correndo o
risco de reproduzir um tipo de relação muito presente e patológico na vida
desses pacientes, que é uma relação assimétrica em que um manda e o outro
obedece. Além do que, se não puder abster-se de seus valores e preconceitos,
estará impedido de perceber as particularidades de cada caso. (SEIXAS,
1999, p.13)

É este um grande desafio, construir um contexto de acolhida e atendimento não


somente às vítimas, mas também aos seus familiares, possibilitando uma rede de proteção
adequada, uma vez que a violência sexual contra crianças e adolescentes exige a
obrigatoriedade da interferência tanto judicial quanto terapêutica. A violência intrafamiliar
envolve uma trama com início e meio. No entanto o final é indefinido e imprevisível
(SANTOS et al, 2012). Daí a urgência na construção de políticas públicas que privilegiem
práticas de intervenção e prevenção.
42

2.3.2 Em Relações Afetivo-sexuais

No âmbito de uma relação afetiva, a violência sexual inclui tanto a vítima quanto o
agressor quando um dos parceiros comete um ato interpretado como violento dentro do
contexto da relação de namoro. Por ser uma violência interpessoal, chamamos atenção para as
situações em que essa modalidade de violência, através das relações de gênero, é legitimada e
naturalizada nas relações afetivo-sexuais entre casais.

É consenso que o desenvolvimento sexual e romântico dos adolescentes está pautado


na construção social de gênero. As grandes transformações econômicas, sociais e culturais do
século XX tiveram efeitos peculiares na vida privada, redimensionando as formas de relações
interpessoais, afetivas e tornando as opções e escolhas de arranjos entre homens e mulheres
mais diversas e flexíveis (MATOS et al. 2005).

Na atualidade, os relacionamentos amorosos ganharam diferentes características, que


variam desde alguns modelos mais tradicionais como o namoro depois o noivado finalizando
com o casamento, até os mais contemporâneos com relações esporádicas, passageiras que
podem durar dias, horas ou até minutos, sem envolvimento afetivo. Em pesquisa realizada em
10 capitais brasileiras, observou-se que especialmente as meninas do Norte do país comentam
que preferem namorar enquanto os meninos “ficar” (MINAYO et al. 2011).

No entanto, as experiências afetivas e amorosas do adolescente, com a entrada na


sexualidade genital e as primeiras relações sexuais, na contemporaneidade não mais
identificada com a fecundidade e procriação, não devem ser acompanhadas por
comportamentos lesivos ao adolescente.

A violência sexual em relações afetivas, nem sempre é revelada ou identificada com


essa característica, sendo vivenciada no limiar de uma “coerção naturalizada” em relações
afetivo-sexuais entre casais ainda na juventude.

Tem-se aí a questão do gênero legitimada e naturalizada, repercutindo na


vulnerabilidade dessas adolescentes no relacionamento com seus parceiros ao adotar práticas
pouco saudáveis. E também vem reforçar o impacto diferenciado da violência sexual a partir
da determinação do sexo.
43

A vivência de violência sexual em relações afetivo sexuais são raramente denunciados


em função de sentimento de medo e vergonha da vítima, ao ter que reconhecer publicamente
os parceiros íntimos como agressores. A violência entre parceiros íntimos é hoje reconhecida
como um fenômeno mundial; entre casais adolescentes a situação mostra-se similar,
constituindo-se um dos fatores de risco para a revitimização na vida adulta envolvendo
mulheres (BANYARD et al. 2006; GAGNÉ et al.2005; SILVERMAN et al. 2004).

A subnotificação nos casos de violência sexual entre casais adolescentes em função do


silêncio entre os envolvidos também está presente tal como em casos de violência sexual
contra crianças e adolescentes no âmbito das relações familiares.

Alguns aspectos de sexualidade e de violência são marcados por questões de gênero,


quanto às expectativas sociais do que é ser homem e ser mulher, expectativas essas
construídas e reconstruídas socialmente e determinantes das diferenças entre o masculino e o
feminino, excluindo-os mutuamente em uma perspectiva desigual (MINAYO, 2006). É no
interior das relações familiares que os papéis sócio-sexuais do homem e da mulher são
cristalizados com modelos de comportamento ideologicamente pré-fixados e transmitidos
culturalmente. Conforme descrito por Suárez et al. (1999, p.16):

A ligação entre violência e gênero é útil para indicar não apenas o


envolvimento de mulheres e de homens como vítimas e autores/as, mas
também seu envolvimento como sujeitos que buscam firmar, mediante a
violência, suas identidades masculinas ou femininas.

Taquette et al. (2003) associam a violência nas relações afetivo-sexuais entre casais
adolescentes a fatores de risco tais como o envolvimento com álcool e drogas, ciúme e
infidelidade. Neste estudo, a violência é mostrada como elemento impeditivo para a proteção
às DST/AIDS. A violência presente no meio social no qual vivem jovens e adolescentes pode
propiciar ações violentas entre estes adolescentes apresentando-se como vítimas ou
perpetradores de violência em relacionamentos interpessoais.

Em outro estudo Ruzany et al. (2003), os autores apresentam resultados quantitativos


demonstrando associação entre o não uso de preservativos e variáveis categóricas que
indicavam agressividade nas relações amorosas. Nesses estudos os autores concentraram-se
em relacionar a violência sexual aos riscos para doenças sexualmente transmissíveis. O
exercício da sexualidade entre os grupos pesquisados resultou em práticas sexuais pouco
responsáveis do ponto de vista da prevenção.
44

Vários estudos destacam as variáveis tais como gênero, pensamentos suicidas, uso de
álcool e drogas ilícitas, comportamento sexual de risco, valores culturais, condições
socioeconômicas e nível educacional, que podem influenciar a cultura sexual gerando ações
de violência sexual entre esses casais (HOWARD et al. 2007; BANYARD et al. 2006;
GAGNÉ et al. 2005; HOWARD; WANG 2005; RICKERT et al. 2004; OZER et al. 2004;
SMITH et al. 2003; RUZANY et al. 2003; ACKARD; NEUMARK-SZTAINERB 2002;
SILVERMAN et al. 2001).

Para Wolitzky-Taylor et al. (2008) a ocorrência de violência sexual em relações


afetivas já na adolescência constitui um grave problema. Em estudo com adolescentes,
Rickert et al. (2004) alertam que adolescentes e jovens do sexo feminino têm quatro vezes
mais chances de serem abusadas sexualmente por pessoas conhecidas do que mulheres de
outras faixas etárias.

Autores (BANYARD et al. 2006) demonstram correlação entre as variáveis ter sido
vítima de violência física e sexual e o relato de cometer violência física e sexual e/ou ambas.
Aqueles que são vítimas de violência sexual têm 21 vezes a chance de praticar violência
sexual.

Rickert (2004) descreve que as adolescentes entrevistadas com relato de experiência


de coerção sexual verbal têm mais chance de relatar história de agressão verbal em relações
afetivas. Já em Silverman (2001), tanto a violência sexual e a violência física entre casais de
adolescentes estão associados com uso de substâncias, perda de peso, comportamento sexual
de risco e gravidez. Consequentemente, ter sido exposto a diferentes modalidades de violência
na infância e/ou na adolescência representa importante fator de risco.

Consideramos este aspecto importante, pois permite pensar na construção da


identidade sexual da adolescência como um período de oportunidade, mas também de
relações interpessoais nas quais as negociações são pouco exploradas e novamente marcadas
por desigualdades entre os gêneros.
45

2.3.3 Cometida por estranhos

Vargas (2008), em estudo longitudinal para identificar as características e os padrões


de estupro realizado no estado de Campinas, ressalta que os resultados encontrados nesta
pesquisa estão inseridos nos mesmos padrões de queixas de estupro encontrados nos estudos
internacionais. Dentre os tipos encontrados refere:

Um outro tipo é o da vítima adolescente e jovem, violada depois de encontro


de lazer noturno, por homens jovens, (namorados, conhecidos, recém
conhecidos ou desconhecidos), mais propensos a cometer crimes violentos,
na ausência de pessoas que possam exercer algum tipo de controle. Outro
tipo de ocorrência é o das vítimas jovens, adultas ou de meia-idade que, na
volta do trabalho ou na ida à escola, encontram-se sozinhas, à noite, em local
ermo ou de pouco movimento, sem nenhum tipo de guardião. Aí são
abordadas pelo agressor desconhecido, jovem, que age utilizando algum tipo
de arma para intimidá-las e violá-las (p.183).

A violência sexual denuncia a complexidade do contexto de poder que marca as


relações sociais entre os sexos, na qual incluímos o estupro. Assim sendo, para operar sobre
esta categoria, tomamos como referência a definição proposta pela OMS:

A violência sexual inclui o estupro, definido como a penetração forçada -


fisicamente ou por meio de alguma outra coação, mesmo que sutil - da vulva
ou do ânus, utilizando o pênis, outras partes do corpo ou um objeto. A
tentativa de fazê-lo é conhecida por estupro tentado. O estupro de uma
pessoa cometido por dois ou mais perpetradores é conhecido como estupro
cometido por gangue. A violência sexual pode incluir outras formas de
agressão, envolvendo um órgão sexual, inclusive o contato forçado entre a
boca e o pênis, a vulva ou o ânus (KRUG et al. 2002, p.147).

O Brasil, influenciado por agentes internacionais, incorporou algumas estratégias no


âmbito das políticas de saúde para a prevenção da violência sexual, visando reduzir índices de
morbidade e mortalidade entre as vítimas. Dentre estas iniciativas, destaca-se a criação da
Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
Contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 2010).

Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência


Integral à Saúde da Mulher (PAISM) [...]. O PAISM incorporou como
princípios e diretrizes as propostas de descentralização, hierarquização e
regionalização dos serviços, bem como a integralidade e a equidade da
atenção [...]. O novo programa para a saúde da mulher incluía ações
educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação (BRASIL,
2011, p.15).
46

A Norma Técnica orienta sobre os cuidados necessários no registro das informações.


Entre as providências destacam-se:

1) atendimento de emergência em outro serviço de saúde e medidas


realizadas.
2) realização do Boletim de Ocorrência Policial.
3) realização do exame pericial de Corpo de Delito e Conjunção Carnal.
4) comunicação ao Conselho Tutelar ou a Vara da Infância e da Juventude
(para crianças e adolescentes).
5) outras medidas legais cabíveis. (BRASIL, 2010, p. 22)

No entanto, a dificuldade de obtenção de dados sobre a violência sexual é um


problema que merece ainda intervenções em diferentes campos do saber, tendo em vista a
possibilidade de implementação de políticas públicas adequadas.

Na prática e no cotidiano, parece mais simples implantar um acolhimento


competente e específico no âmbito das agressões sexuais extrafamiliares
‘acidentais’ que nas situações de incesto. Mas nos dois domínios, é
importante evitar a elaboração de um programa ‘ideal’ em nome de alguma
teoria ou ideologia, que correria o risco de ser encarado por essas jovens
vítimas (frágeis, é preciso lembrar) como uma violência suplementar ou
‘iatrogênica’ (ALVIN, 1997, p.81)

No Brasil, as principais fontes de dados são a polícia, os hospitais e clínicas, as


organizações não-governamentais, além dos avanços ainda limitados de pesquisas, conforme
nos aponta recente estudo realizado na cidade de Campinas/SP.

No Brasil, assim como em outros países, a denúncia às autoridades policiais


e a procura por ajuda médica são baixas. Apesar de existirem atualmente 397
delegacias especializadas no atendimento às mulheres vítimas de violência
sexual e mais de 1.500 serviços de apoio, entre hospitais, organização não-
governamental (ONG) e casa de abrigo, somente 20% das agredidas
procuram esses serviços (OSHITAKA et al. 2011, p.702).

Apesar de Rodrigues (2006) destacar que adolescentes vítimas de violência sexual


cometida por estranhos experimentam a prática sexual como dever, sentem-se reduzidos à
categoria de objeto de desejo para o outro, uma vivência de assujeitamento. Observam-se
estes mesmos sentimentos vivenciados por adolescentes sexualmente violentados em outros
contextos. Esta experiência demanda atendimento multidisciplinar a estes sujeitos, uma vez
que o medo, a rejeição e o envolvimento com outros parceiros são sentimentos comuns a esta
população (RODRIGUES, 2006).

São nos serviços de saúde, prioritariamente nos prontos-socorros e nas emergências,


que os adolescentes e jovens em situação de violência sexual podem buscar ajuda. Assim, os
47

serviços de saúde constituem-se no primeiro espaço de referência para esses indivíduos serem
acolhidos, exigindo a atenção máxima por parte de profissionais da saúde. Pode-se afirmar
que o sistema de saúde é um “espaço” adequado para identificar, tratar e referir adolescentes
em situação de violência sexual. Neste sentido, é importante que a saúde pública estabeleça a
integração com as instâncias legais (REIS et al. 2004). Relatório apresentado pelo World
Report on Violence and Health (KRUG et al. 2002) reitera que a violência sexual vem sendo
área de pesquisa e de atenção negligenciada, face à dimensão médica e social que o fenômeno
tem.

A legislação brasileira prevê algumas leis de proteção às vitimas de violência sexual,


não restritas ao âmbito da violência sexual cometida por estranhos, mas que devem ser do
conhecimento também de profissionais da saúde, dentre as quais citamos:

A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. “Lei Maria da Penha” – Cria


mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o
Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (BRASIL,
2006).

A Lei 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação


compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que
for atendida em serviços de saúde públicos ou privados (BRASIL, 2003).

Assim, desde o ano de 2003 é compulsória a notificação em casos de violência sexual


envolvendo menores de 18 anos. A violência sexual vem sendo gradualmente incorporada
pela área da saúde, através da implementação de políticas públicas preventivas, muito embora
estas ações de prevenção estejam restritas à atenção no nível terciário (CAVALCANTI,
2007).

Entretanto, a relação entre a saúde e o direito ainda encontra-se pouco eficiente diante
das necessidades enfrentadas pelos adolescentes após a violência sexual.

As adolescentes são as principais vítimas do abuso sexual. Protegê-las do


impacto físico e emocional da violência é responsabilidade inegável dos
serviços de saúde. Protegê-las do agressor e promover justiça é
responsabilidade indiscutível dos operadores do direito (DREZETT et al.
2004, p. 38).
48

Do ponto de vista jurídico, Pimentel et al. (1998) há alguns anos atrás chamava
atenção para o fato de que no Brasil o crime de estupro ainda está enquadrado dentro da
categoria de crime contra os costumes e não contra a pessoa, abrangendo apenas a conjunção
carnal e não o ato sexual em si. Em 07 de agosto de 2009, a Lei nº 12.015 alterou a antiga lei
do estupro tipificado no Código Penal brasileiro de 1940. Atualmente designado como crime
contra a dignidade sexual, de acordo com o Art. 213: “Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso. pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos” (BRASIL, 2009).

Segundo esta nova legislação, homens e mulheres podem ser vitimas de estupro,
quando constrangidos de forma violenta ou por grave ameaça a praticar a conjunção carnal ou
mesmo qualquer ato libidinoso. A sexualidade é então considerada como forma de expressão
da dignidade das pessoas (BRASIL, 2010).

Embora a legislação vigente no Brasil tenha estabelecido as mudanças descritas acima,


na tipificação dos crimes e em seus procedimentos policiais e jurídicos, o atendimento aos
adolescentes que foram vitimizados sexualmente ainda fica como responsabilidade da polícia
ou dos serviços de emergência. “Um princípio fundamental é que o atendimento não pode
limitar-se à emergência, visto que a violência sexual tem consequências em longo prazo que
devem ser prevenidas e tratadas quando aparecerem” (FAUNDES et al. 2006, p. 129). No
entanto, alguns destes setores ainda encontram-se sem o preparo para receber estes sujeitos,
culpabilizando as vítimas que desta forma são duplamente violentados.

Estudos indicam que na maioria dos crimes sexuais, o uso da força física pelos
agressores é menos utilizado em adolescentes. Os meios coercitivos de intimidação mais
empregados junto a esta população são a grave ameaça e a violência presumida (PIMENTEL
et al. 1998; REIS et al. 2004; DREZETT et al. 2001; DREZETT et al. 2004). Assim, a
existência ou não de lesões constitui-se um peso em decisões judiciais. De acordo com Vargas
(2008, p. 183):

Mulheres e meninas jovens e solteiras são as principais vítimas. As


variedades das características da ofensa, dos perfis dos envolvidos e,
principalmente, das relações existentes entre eles mostram que estupro não é
uma categoria homogênea.
49

Assim, a capacidade de reação do adolescente à violência vivenciada está diretamente


associada à forma como a família, o ciclo de amigos, a vizinhança e as redes de proteção irão
recebê-los, oferecendo o suporte necessário antes, durante e após a revelação.

Segundo De Antoni et al. (2011), a violência sexual cometida por estranhos pode
assim evidenciar algumas lacunas existentes no próprio espaço familiar, tais como a
fragilidade afetiva, a ausência de comunicação e os modelos de relação parental pouco
protetivos. “A tendência é repetir em suas experiências adversas, em outros contextos, esse
modelo relacional não protetivo aprendido em sua família” (p.104). Pode-se dizer que a
experiência de conviver nestes ambientes pouco protetivos faz com que a violência seja
percebida como natural e até mesmo esperada. Estes genitores apresentam dificuldades em
promover o cuidado adequado aos seus filhos por não saberem como fazê-lo, uma vez que
não vivenciaram este tipo de relação em suas histórias familiares. Assim, por não terem
recebido o apoio de seus próprios pais, não puderam contar com um modelo de relação com
os filhos de compartilhar as angústias vivenciadas e os desejos, “talvez esse seja um dos
canais de transição para ambientes abusivos” (DE ANTONI et al. 2011, p.104).

De Antoni et al. (2011) salientam o quanto alguns adolescentes por estarem em fase de
transformações internas e externas, por vezes se colocam em risco de serem sexualmente
vitimizados em ambiente extrafamiliar, sem que efetivamente o percebam. Segundo as
autoras, a própria fase da adolescência proporciona uma vulnerabilidade especial denominada
por Knobel (1992) de “atitude social reivindicatória”, uma forma de defesa egóica diante dos
conflitos pelas transformações impostas pela saída da infância e entrada no mundo adulto,
uma espécie de rebelião3. Vivem intensamente, com atitudes de curiosidades, sonhos,
buscando por autonomia necessária para o desenvolvimento, com o pensamento mágico de
que nada irá lhes acontecer, querendo experimentar um pouco de tudo o que for possível (DE
ANTONI et al.,2011).

A violência sexual, dentre as várias modalidades de violência se destaca por ser a mais
subnotificada. Observa-se que quando cometida por estranhos aspectos semelhantes aos que
ocorrem no contexto intrafamiliar, como por exemplo, a fragilidade nas relações familiares e
o pacto de silêncio (DE ANTONI et al. 2011). Dentre alguns motivos que justificam o
desconhecimento da prevalência destes casos na adolescência, destacam-se: a vergonha, o
medo de retaliações por parte dos agressores, a falta de credibilidade no sistema legal, o

3
Grifo do autor
50

silêncio do cúmplice, o sigilo profissional; a pouca idade das vítimas e o problema do


despreparo de profissionais em alimentar os sistemas de informação entre outros (MARTINS;
MELLO JORGE 2010; OSHITAKA et al. 2011; RODRIGUES, 2006; REIS et al.2004;
DREZETT et al. 2001; SILVA, 2009).

Neste sentido, a experiência de ser vitimizado por violência sexual na adolescência


leva o adolescente a refletir sobre o seu corpo em processo de mudanças e que, portanto
necessita ser ressignificado. Pensamos que a imagem do corpo que estes sujeitos têm de si
mesmos vai repercutir no desenvolvimento da identidade e na estruturação da sexualidade.

Consideramos primordial o investimento no desenvolvimento de intervenções também


no campo da prevenção para adolescentes do sexo feminino e masculino, uma vez que as
consequências para a saúde sexual e reprodutiva são também inúmeras para ambos os sexos.

2.4 CONSEQUÊNCIAS SOBRE A SAÚDE FÍSICA E MENTAL DE SOFRER


VIOLÊNCIA SEXUAL

Estudos demonstram os sérios prejuízos sobre a saúde física e mental causados pela
violência sexual praticada contra adolescentes. Do ponto de vista emocional, as consequências
têm impacto diferente para adolescentes do sexo feminino e do masculino, porque o
significado da violência é percebido de forma diferenciada. Entre os meninos observa-se
associação direta com a homossexualidade ou por questões culturais em relação aos papéis de
masculinidade presentes na sociedade patriarcal, por este motivo autores referem-se a eles
como as “vítimas negligenciadas”. Já entre as meninas as reações estão na ordem da culpa,
autodesvalorização e depressão (COHEN; GOBBETTI 1998; AZEVEDO; GUERRA 2007;
PRADO, 2006).

A partir da especificidade de cada um aliada à aprendizagem de práticas sociais,


construídas com o outro, são inventadas novas formas de relação envolvendo particularidades,
prazeres, emoções, sentimentos e, muitas vezes, violência. A maneira como a violência
vivenciada no cotidiano é sentida irá repercutir decisivamente na visão que este sujeito terá
51

acerca de si mesmo. Para Assis et al. (2003, p.679), no geral, os adolescentes têm uma visão
positiva de si mesmos:

Resta a nós, profissionais encarregados de promover a saúde dos


adolescentes, aprender a utilizar a visão positiva de si que eles possuem,
tendo como meta subsidiá-los na aceitação de seus potenciais e limites e na
capacidade de “ousar” a vida, pois apenas assim se alcança a aceitação do
outro e a transformação da sociedade.

O impacto sobre a saúde das vítimas dependerá também do contexto em que


transcorreu a violência e de fatores subjetivos envolvidos na dinâmica da violência em si, pois
a violência sexual apresenta consequências psíquicas que ultrapassam aquelas provocadas por
outras formas de violência (MACHADO et al. 2005). “Diante dos casos de violência sexual, a
literatura é quase unânime em relatar e existência de danos psicológicos consequentes da
mesma [...]. França (2001) define o dano psíquico como uma deterioração das funções
psíquicas” (SILVA, 2009, p. 40). No entanto, as consequências psicológicas são difíceis de
precisar, uma vez que cada adolescente irá responder de forma diferente à violência
vivenciada, com sequelas que podem incluir desde a baixa autoestima até outras desordens
psiquiátricas mais severas. Assim as vítimas de violência sexual necessitam de atenção
médica e psicológica para o cuidado e tratamento destas consequências Os danos ao
desenvolvimento podem ser irreparáveis (MARTINS; MELLO JORGE 2010; ADED et al.
2006; FAÚNDES et al. 2006; REIS et al. 2004).

Dentre as consequências orgânicas mais expressivas e que, portanto também podem se


manifestar de maneira interativa com outro tipo de consequência, destacam-se: lesões físicas
gerais, lesões genitais, lesões anais, gestação, disfunções sexuais, doenças sexualmente
transmissíveis e Aids (MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009; VITIELLO, 2007; DREZETT,
2000). Também há aquelas relacionadas à saúde reprodutiva, saúde mental e ao bem-estar
social da pessoa sexualmente violentada. “Várias são as consequências na vida da mulher,
algumas difíceis de mensurar como ocorre com os efeitos psicológicos e sociais” (DIAS et al.
2007).

Sobre a perspectiva de aumento da vulnerabilidade dos adolescentes à violência


sexual, algumas situações podem originar relações afetivo-sexuais pouco saudáveis. Assim,
ações que visem à promoção da saúde poderiam ser consideradas como as de maior impacto a
essa faixa etária.
52

Ter sido exposto a diferentes modalidades de violência na infância e/ou na


adolescência representa importante fator de risco para a revitimização na vida adulta. As
consequências dependem de alguns fatores associados, por exemplo, o contexto sob o qual a
violência ocorre, e o seu impacto após a revelação; bem como não encontrar na estrutura
familiar um ambiente seguro e protetor (CHAVEZ et al. 2009, PUTNAM, 2003; LUCÂNIA
et al. 2009).

Polanczyk et al. (2003) em pesquisa para estimar a prevalência da exposição à


violência sexual entre adolescentes de ambos os sexos constataram que adolescentes, tanto no
papel de vítimas como de testemunho de atos de violência sexual, estariam mais expostos à
violência comunitária em geral, se comparados com aqueles que relataram não terem estado
em contato com a violência sexual.

Em termos de comportamento sexual de risco, autores destacam a idade da primeira


experiência sexual antes dos 15 anos, ter baixa autoestima e ter três ou mais parceiros, torna
os adolescentes mais vulneráveis a viver experiências de violência física e violência sexual
em relações afetivas (SILVERMAN, 2001; HOWARD, 2007).

Também Guedes e Moreira (2009, p.86), em estudo sobre adolescentes com história
de violência doméstica e sexual afirmam que: “baixa autoestima, nesses adolescentes, pode
fazer com que o círculo da violência continue ocorrendo e se perpetuando nas relações
afetivas posteriores e no desenvolvimento psíquico/mental”, em função da posição de
dominação a qual estes sujeitos se sentem submetidos, incorporando atitudes com estas
características.

Para Gabel et al. (1997), quanto mais precocemente crianças e/ou adolescentes
vivenciam experiências de violência sexual, maior o risco das sequelas serem irreversíveis do
ponto de vista da construção da identidade. Para eles, o corpo é vivenciado como violado e
independentemente da idade, muitas vezes a reação somática é o modo de expressão
simbólica mais significativa para expressar o sofrimento.

Os abusos sexuais que acontecem durante a adolescência, em geral,


provocam sintomas de início mais ativos e intensos, que se originam de
tentativas de suicídio e fuga. São possíveis causas de anorexia grave e de
dores abdominais agudas (GABEL, 1997, p.68)

Muito embora a violência sexual em adolescentes e adultos jovens possa vir a ocorrer
em todas as classes sociais, levar em conta os padrões socioeconômicos pode ser mais um dos
53

elementos que contribua para a compreensão das consequências desta vivência, junto a esta
população (FERRIANI, 2004; PUTNAM, 2003; REIS et al. 2004; IRWIN; RICKERT 2005;
LUCÂNIA, 2009). Para Ruzany et al. (2003) pertencer à camada social menos favorecida
economicamente e viver em ambiente presenciando situações de violência aumentam o risco
da violência. Em estudo com 1.041 indivíduos entre 14 e 22 anos (53,6% do sexo feminino)
foram constatados comportamentos de risco à saúde sexual – pouco uso de preservativos e
relacionamento sexual por troca de objetos – e à violência sexual, observando-se ainda
associados à violência estrutural em função da precariedade das condições sociais e dos bens
de serviço público.

No entanto, apenas salientamos a importância de se considerar a subjetividade e


relatividade inerentes à questão do conceito de risco (DE ANTONI et al. 2011).

Em estudos com população de adolescentes do sexo feminino e do sexo masculino,


pesquisadores encontraram associação positiva entre violência física e violência sexual e taxas
elevadas de distúrbios do comportamento alimentar, pensamentos/tentativas suicidas e baixos
escores em medidas de bem-estar e autoestima (ACKARD, 2002; SILVERMAN, 2001;
BASILE et al.2006).

É importante destacar o quanto o sofrimento, o desamparo e o medo que acompanha


adolescentes que vivenciaram violência sexual vão exigir atenção dos profissionais, uma vez
que a cena traumática pode acompanhar a vida deste sujeito trazendo consequências nem
sempre reveladas, com sinais e sintomas que podem vir à tona em curto, médio ou longo
prazo (MINAYO, 2011; SILVA, 2009).
54

3. DESENHO METODOLÓGICO

Os pressupostos metodológicos que orientam esta tese fundamentam-se em


abordagens quantitativas e qualitativas na produção e na análise dos dados seguindo a
estratégia da triangulação metodológica, respeitando-se os limites de cada perspectiva
analítica na busca dos resultados desejados (MINAYO et al. 2005). Utilizou-se a combinação
dos seguintes métodos: 1) estudo epidemiológico que avalia a associação entre a violência
sexual e outras variáveis; 2) entrevistas semiestruturadas com adolescentes vítimas de
violência sexual.

Os resultados quantitativos foram obtidos através de estudo multicêntrico realizado


com 3696 adolescentes de ambos os sexos, estudantes do ensino médio. Foram utilizadas
algumas escalas, dentre elas, a CADRI (Conflict in Adolescent Dating Relationships
Inventory) foi a principal. Para os resultados qualitativos, optou-se pelo uso de entrevistas
semiestruturadas e para a análise das mesmas foi utilizado o método de análise de conteúdo.
Todas as tabelas e análises estão descritos e listados a seguir.

O desenho do estudo levou em consideração a integração entre as abordagens, com os


métodos mesclados antes da interpretação final do estudo sem o predomínio de um sobre o
outro. Desse modo procurou-se com a apresentação dos resultados de todo o material
analisado, compreender melhor os diferentes aspectos da realidade estudada. A coleta dos
dados foi realizada de forma sequencial em duas fases com o quantitativo integrado ao
qualitativo antes da interpretação (CRESWELL; CLARK 2010).

Os momentos nos quais se utilizou métodos diferentes para estudar o mesmo problema
foram assim respeitados, sabendo-se que dados produzidos por óticas diferenciadas podem
gerar conclusões nem sempre integradas. (MINAYO et al. 2005). No entanto, ao longo da
triangulação metodológica perceberam-se as seguintes situações: algumas das descobertas
quantitativas foram também evidenciadas na etapa qualitativa; a abordagem qualitativa, em
certos aspectos, ampliou os resultados do quantitativo; a perspectiva psicanalítica foi a opção
eleita para a análise das questões identificatórias/de identidade do adolescente vítima de
violência sexual.
55

3.1 ABORDAGEM QUANTITATIVA

A abordagem quantitativa teve como base um inquérito epidemiológico realizado com


a finalidade de avaliar o comportamento sexual de adolescentes escolares brasileiros segundo
a presença de violência sexual apresentada por alunos de escolas públicas e particulares de
dez capitais do Brasil (MINAYO et al. 2011) 4. Esse inquérito foi efetuado pelo grupo de
pesquisa do CLAVES, tendo sido elaborado um banco de dados com as informações
coletadas. A abordagem quantitativa da presente tese lançou mão de variáveis desse banco
ainda não analisadas ou trabalhadas em termos de cruzamentos e associações. O estudo acima
descrito não permite fazer inferências causais. Entretanto, possibilita realizar um
levantamento das informações e estabelecer associações entre diferentes atributos.

A população de jovens investigada acerca das relações afetivo-sexuais associadas à


presença de violência é a de estudantes do 2o ano do ensino médio das escolas públicas
estaduais e particulares das capitais de dez estados brasileiros, entrevistados entre anos de
2007 e 2008 dos seguintes municípios: Manaus/AM, Porto Velho/RO, Recife/PE. Teresina/PI,
Brasília/DF, Cuiabá/MT, Rio de Janeiro/RJ, Belo Horizonte/MG, Florianópolis/SC e Porto
Alegre/RS.

Os alunos de 2o ano foram escolhidos devido a: maior facilidade que esse grupo
hipoteticamente apresenta, em função de sua idade, em responder temas delicados como o da
sexualidade; o maior envolvimento em encontros afetivo-sexuais; não estarem ainda no
último ano do ensino médio, etapa em que as escolas têm mais dificuldade em permitir a
liberação dos estudantes para participarem de pesquisas.

A amostra foi dimensionada para se obter estimativas de proporção, com erro absoluto
de 0,10, nível de confiança de 95% e proporção (P) da ocorrência de vitimização entre
namorados igual a 70% 5.

4
Os resultados deste estudo foram publicados no seguinte livro: Amor e Violência: Um paradoxo das relações de namoro e
do ‘ficar’ entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.
5
Prevalência encontrada na amostra de Manaus, primeira cidade a ser pesquisada e que serviu de referência para todo o
prosseguimento do estudo. O estudo em Manaus apresentou como peculiaridades: a) a prevalência de 50% utilizada para o
cálculo da amostra (opção mais desfavorável, gerando a maior variância possível, e consequentemente maximizando o
tamanho amostral); b) ensino noturno investigado buscando aferir diferenças em relação ao diurno. Em relação a este último
aspecto, como não encontramos distinção significativa entre alunos dos distintos turnos no que se refere à violência nas
relações afetivo-sexuais, apenas o curso diurno foi investigado nas demais nove cidades. Cabe ressaltar que as diferenças
encontradas em Manaus, quando existentes, deviam-se à idade mais elevada de alunos do curso noturno.
56

Utilizou-se amostragem conglomerada multiestágio, com seleção em duas etapas: (1)


escolha das escolas, com probabilidade de seleção proporcional à quantidade de alunos (PPT
sistemática) de 2° ano em cada um dos vinte estratos; (2) seleção aleatória de uma turma por
escola, para ser realizada a aplicação do questionário para todos os alunos.

O plano amostral foi assim delineado com o objetivo de encontrar menor tamanho
amostral com maior precisão e poder de inferência para a população das dez capitais.
Entretanto, devido à seleção por conglomerados, foi incluído um efeito de desenho de pelo
menos 2, a fim de se manter o mesmo nível de precisão de uma amostra aleatória simples
(AAS).

A distribuição do número de alunos pelos estratos e escolas foi fornecida por cada uma
das Secretarias Municipais de Educação para o ano de 2007. Uma das dificuldades
encontradas para a seleção da amostra foi a inexistência do número de alunos por turma,
somente sendo disponível o número de alunos e de turmas por escola. Esse fato permitiu que
o número de amostra calculado e o efetivamente amostrado divergisse um pouco. A coleta de
dados se deu em 2007 para a cidade de Manaus e em 2008 para as demais cidades 6.

Na tabela 1 encontramos a distribuição dos alunos de acordo com a amostra calculada


e obtida e com os critérios de exclusão adotados, segundo capitais e rede de ensino.

Tabela 1: Tamanho amostral calculado e obtido, segundo redes de ensino.

Amostra calculada Amostra analisada1 Excluídos da análise2


Capitais
Público Privado Total Público Privado Total Público Privado Total
Manaus 140 51 191 188 65 253 0 1 1
Porto Velho 157 143 300 151 156 307 0 1 1
Recife 160 160 320 186 162 348 2 5 7
Teresina 158 159 317 261 232 493 1 0 1
Brasília 156 158 314 169 183 352 1 0 1

6
Foram utilizados neste estudo os seguintes programas computacionais: software R 2.7.1 nos packages pps e sampling para
seleção amostral das escolas e turmas; EpiData 3.1 para entrada de dados; e Statistical Package for Social Sciences - SPSS
versão 16.0 para análise dos dados.
57

Cuiabá 158 156 314 162 214 376 3 0 3


Rio de Janeiro 161 161 322 176 165 341 1 2 3
Belo
167 194 361
Horizonte 160 159 319 0 0 0
Florianópolis 155 155 310 141 210 351 1 1 2
Porto Alegre 160 159 319 169 145 314 0 1 1
Total 1565 1461 3026 1770 1726 3496 10 12 22

1 Esta coluna refere-se ao total de jovens participantes da pesquisa SEM os que se encontram na coluna
“excluídos da análise”.

2 Critérios de exclusão: idade não informada ou fora da faixa de 15-19 anos. Dois casos adicionais foram
excluídos face aos respondentes terem, respectivamente, síndrome de Down e autismo, com reduzido
preenchimento do instrumento.

3.1.1 Variáveis analisadas/escalas

Algumas escalas e indicadores compuseram o questionário aplicado aos alunos na


etapa quantitativa, de forma anônima, em sala de aula. Serão descritos a seguir os
instrumentos de aferição de violência sexual ocorridas na vida dos adolescentes entrevistados,
além de aspectos de formação da sexualidade investigados.

Violência sexual

A aferição de violência sexual apresentada nos resultados desta tese está baseada na
construção de um indicador composto por quatro variáveis que descrevem situações que o
adolescente poderia ter sofrido violência sexual.

· Sofrer violência sexual do parceiro afetivo atual: “a pessoa com quem ‘fica’ ou
namora atualmente ou no último ano forçou você a fazer sexo quando não queria?”.

· Sofrer violência sexual do parceiro afetivo anterior: “já sofreu agressão de outros(as)
namorados(as) ou pessoa com quem “ficou” ao longo da vida?”.

· Ter experiência sexual com pais/responsáveis: “a sua relação com seus pais
/responsáveis já envolveu alguma experiência sexual?”.

· Sofrer experiência sexual na escola/comunidade: “você já sofreu alguma agressão


sexual na sua escola / comunidade?”.
58

A presença de pelo menos um destes eventos caracteriza a ocorrência de violência


sexual.

CADRI (Conflict in Adolescent Dating Relationships Inventory) – Desenvolvida por


Wolfe et al. (2001). É uma escala com 70 itens, dos quais 25 aferem violência sofrida, 25
referem-se à violência perpetrada e 20 são itens que distraem o jovem da ênfase no tema da
violência, não fazendo parte da análise da escala.

A CADRI afere três formas de violência presentes no relacionamento amoroso entre


adolescentes: a) física; b) sexual; c) psicológica, sendo que essa última é desdobrada em três
subtipos: ameaças, violência verbal/emocional e violência relacional.

Foi realizada a adaptação transcultural dessa escala para a língua portuguesa. Na


versão brasileira optamos por denominar os tipos de violência aferidos pela CADRI tal qual
assumido na versão espanhola (FERNÁNDEZ FUERTES et al. 2006): violência física,
violência sexual, violência verbal/emocional, violência relacional e ameaças.

Cada pergunta da escala é duplicada, indagando sobre o comportamento do jovem


enquanto perpetrador da ação e como vítima da mesma. As opções de resposta são: 0-nunca,
1-raramente, 2-algumas vezes e 3-frequentemente.

A validade e a confiabilidade da CADRI foi estabelecida em uma série de estudos no


EUA e no Canadá, com bons índices de confiabilidade e validade, tanto para as subescalas
quanto para a escala global. A estrutura fatorial confirmou a existência de um grupo central de
itens característicos de abuso, segundo sexo e diferentes faixas etárias de adolescentes
(WOLFE et al. 2001; WOLFE et al. 2004). A escala foi adaptada para o espanhol
(FERNÁNDEZ-FUERTES et al. 2006) e para o hebraico (SCHIFF; ZEIRA 2005).

A análise dos dados realizada na pesquisa do Claves/Ensp/Fiocruz utiliza a variável


violência aferida pela soma dos escores dos itens para cada tipo. Posteriormente foi
categorizada de acordo com a presença de pelo menos um item (indicando sua presença); caso
o escore da soma dos itens seja zero, sinaliza que a violência nunca ocorreu. Quatro itens
compõem a escala de violência sexual – sofrida e perpetrada: tocar sexualmente quando não
queria; forçar a fazer sexo quando não queria; ameaçar numa tentativa de fazer sexo; beijar
quando não queria que ele/ela o fizesse.

Violência em relacionamentos anteriores


59

A CADRI afere o relacionamento atual ou o último existente. Para aferir a presença de


violência em relacionamento afetivo-sexual anterior foi indagada a presença de agressões
verbal, física e sexual; bem como a posição de vítima ou de perpetrador. Duas outras
perguntas foram feitas visando qualificar se a relação do adolescente com os pais alguma vez
envolveu experiência sexual e se o jovem alguma vez sofreu agressão sexual na
escola/comunidade.

Sexualidade

A pesquisa também possui questões para aferir o comportamento sexual com dados
sobre a atividade afetiva e sexual. As questões abordam a idade em que os adolescentes
começaram a “ficar” e namorar e o número de pessoas com quem já “ficou” ou namorou.

Também foi possível determinar a idade média da iniciação sexual e o número médio
de pessoas com que os adolescentes entrevistados já “transaram”. Aos adolescentes que já
tinham vida sexual ativa, foram feitas perguntas sobre o uso ou não de preservativos durante a
atividade sexual, gravidez, aborto e os cuidados referentes ao contágio por doenças
sexualmente transmissíveis.

Violência familiar dos pais contra os filhos

Mensurada pela Escala Tática de Conflitos (CONFLICT TACTICS SCALE)–


(STRAUS, 1979), que permite avaliar a presença de agressão verbal e violência física menor
e severa cometida no último ano. A escala permite avaliar: agressão verbal (xingar ou insultar,
ficar emburrado, chorar, fazer coisas para irritar, destruir, bater ou chutar objetos) e violência
física (jogar objetos sobre o pesquisado, empurrar, dar tapas ou bofetadas, murros, chutar,
bater ou tentar bater com objetos, espancar, ameaçar ou realmente usar armas de fogo ou
faca). Essa última costuma ser avaliada em violência menor (três primeiros itens) e violência
severa. Um item positivo em cada uma das subescalas é considerado um caso. Ela foi validada
para a população brasileira (HASSELMANN; REICHENHEIM 2003) com adequados índices
psicométricos.

Violência entre irmãos e entre pais

Aferida através de questões sobre a existência de agressões a ponto de se machucarem,


se xingarem ou se humilharem.
60

Violência na escola e na localidade

Oito itens compõem um indicador que avalia se o jovem sofreu no último ano
violência na escola e na comunidade através de: humilhação, ameaça, agressão; se já teve
danificada alguma coisa sua; se já conviveu com pessoas que carregam armas brancas ou de
fogo e se já foi furtado e roubado (KAHN et al. 1999). A resposta positiva para pelo menos
um item determinou a presença de violência. Os itens do indicador foram propostos pela ONU
em pesquisas sobre violações autoassumidas (self reported offenses). No Brasil estes itens
foram utilizados pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do
Delito e Tratamento do Delinquente - ILANUD/ONU (KAHN et al. 1999). Em estudo
anterior com esses indicadores (ASSIS et al. 2006), a violência na escola mostrou Coeficiente
de Correlação Intra-Classe (ICC) de 0,6342. A violência na localidade apresentou ICC de
0,6992.

Autoestima

Aferida pela escala de Rosemberg (1989). Possui 10 itens designados a avaliar


globalmente a atitude positiva ou negativa de si mesmo, categorizados em três níveis de
acordo com os tercis: baixa, média e alta autoestima. A versão utilizada na tese foi adaptada
no Brasil por Avanci et al. (2007).

Estrato social

Aferido através de critério de classificação econômica da Associação Brasileira de


Empresas de Pesquisa (ABEP), chamado Critério Brasil. Funciona como um estimador para a
capacidade de consumo, a partir de indicadores tais como: objetos de consumo (como
televisão a cores), banheiro, automóvel, empregada mensalista e grau de instrução do chefe da
família. O Critério Brasil discrimina estratos sociais, dentre os quais agregamos na pesquisa:
A-B (renda familiar mensal superior a 1669 reais) e C-D-E (renda inferior a este limite),
(ABEP, 2008; http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf).
61

3.1.2 Análises

Os dados da tese foram analisados através de tabelas de contingência entre a variável


violência sexual e fatores que estariam associados, no qual a literatura prescreve. Variáveis
contínuas foram apresentadas através de médias e sua associação com a variável dependente,
investigada através da correlação de Somers’ D.

A análise de associação entre as diversas variáveis categóricas e sexo foi realizada por
uma variação do teste de qui-quadrado de segunda ordem de Rao-Scott e p-valores<0,05 e
indicaram associações estatisticamente significativas. O mesmo nível de significância foi
utilizado para todos os demais cruzamentos realizados.

A pesquisa teve também abordagem qualitativa com entrevistas e grupos focais


realizados com adolescentes. Foi publicada em livro (com um N menor do que o analisado na
presente tese), que contém dados quantitativos e qualitativos gerais sobre todas as formas de
violência vivenciadas pelos adolescentes. O tema da violência sexual e alguns dados sobre
sexualidade aparecem no livro apenas em tabelas gerais, com dados de prevalência. A
exploração analítica dos dados e das relações existentes entre os constructos teóricos
investigados nesta tese é objeto inédito deste trabalho de doutorado.
62

3.2 ABORDAGEM QUALITATIVA

Como abordagem qualitativa optou-se pelo uso da entrevista que se constitui a


estratégia mais utilizada no processo de trabalho de campo – a fala dos interlocutores é sua
matéria-prima. Através das entrevistas torna-se possível constituir informações pertinentes
sobre a realidade vivenciada pelos entrevistados em um nível subjetivo (MINAYO, 1999).

A subjetividade está muito presente: uma pessoa fala. Diz “Eu”, com o seu
próprio sistema de pensamentos, os seus processos cognitivos, os seus
sistemas de valores e de representações, as suas emoções, a sua afetividade e
a afloração do seu inconsciente. E ao dizer “Eu”, mesmo que esteja falando
de outra pessoa ou de outra coisa, explora, por vezes às apalpadelas, certa
realidade que se insinua por meio do “estreito desfiladeiro da linguagem”, da
sua7 linguagem, porque cada pessoa serve-se dos seus próprios meios de
expressão para descrever acontecimentos, práticas, crenças, episódios
passados, juízos... (BARDIN, 2011, P.93-4).

As entrevistas podem ser consideradas conversas com finalidade e são caracterizadas


de acordo com a sua forma de organização. Para a realização desta pesquisa, adotamos a
entrevista semiestruturada, pois ela permite a interação com o entrevistado. A entrevista
semiestruturada “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada”
(MINAYO, 2005, p. 91). Por ser uma forma privilegiada de interação social, as informações
obtidas durante a entrevista podem ser afetadas pela própria natureza da relação que se
estabelece entre entrevistador-entrevistado (MINAYO, 2010).

Um dos pontos importantes a destacar a respeito do uso da entrevista em pesquisa


qualitativa diz respeito à necessidade do envolvimento entre entrevistador e entrevistado, pois,
a “inter-relação que contempla o afetivo, o existencial, o contexto do dia a dia, as experiências
e a linguagem do senso comum no ato da entrevista é condição sine qua non do êxito da
pesquisa qualitativa” (MINAYO, 2010, p.68).

A importância do uso da entrevista semiestruturada, nesta tese, deve-se ao fato de


permitir ouvir individualmente o entrevistado estando em constante processo de interação, a
fim de compreender, através dos relatos, como se dão o desenvolvimento da identidade e a
construção da experiência da sexualidade de adolescentes que vivenciaram situação de
violência sexual.
7
Grifo do autor
63

Toda a análise qualitativa apresentada na tese refere-se ao trabalho original de


entrevistas realizadas exclusivamente para este fim.

No início do percurso, pensamos em realizar entrevistas com um número reduzido de


adolescentes do sexo feminino e do sexo masculino com história de violência sexual nos
seguintes contextos: em relações familiares, em relações afetivo-sexuais e cometida por
estranhos. O campo já estava definido em relação às mulheres. No que dizia respeito aos
homens, fizemos contato com instituições de saúde com atendimento a vítimas de violência e
nas poucas identificadas não conseguimos autorização para realizar entrevistas, tendo em
vista a especificidade do tema. Destacamos aqui, a precariedade dos serviços de saúde do Rio
de Janeiro em oferecer atendimento aos adolescentes do sexo masculino com história de
violência sexual. Este restrito atendimento dificultou a realização de entrevistas, sendo,
portanto, um dos limites desta tese a precariedade da fala masculina sobre vitimização sexual.
Reconhecemos a dificuldade de entrevistar meninos, tendo em vista que a instituição na qual a
pesquisa de campo seria realizada destinava-se apenas a mulheres.

Para que pudéssemos nos aprofundar no estudo, constatamos que o tempo necessário
para cada adolescente poderia ultrapassar mais de um encontro, considerando-se a
profundidade do tema. Essa definição foi acontecendo naturalmente em função de cada
situação descrita e do envolvimento do adolescente durante o relato; pois para alguns, narrar
sobre a vida e descrever a violência sexual foi uma experiência dolorosa.

O relato colhido através das entrevistas semiestruturadas buscou uma reflexão dos
adolescentes sobre a experiência de ter vivenciado a violência sexual nesta etapa da vida. O
importante é o significado que o entrevistado dá à realidade que vivencia (MINAYO, 2010).
Assim, ao entrevistar o adolescente, foi dada ênfase ao seu ponto de vista, objetivando coletar
informações condizentes com o estudo em questão.

Para auxiliar a entrevista semiestruturada, elaborou-se um roteiro previamente


definido que funcionou como um guia para a interlocução durante a entrevista. Este roteiro
abordou dois aspectos prioritários: a infância/adolescência e a violência. Para este trabalho de
tese foi solicitado aos adolescentes entrevistados que descrevessem suas experiências de vida,
abordando o tema da violência sexual.
64

3.2.1 O Campo – Descrição do Serviço

Para dar prosseguimento à proposta qualitativa, foi pensada a aplicação de entrevistas


em um local onde pudéssemos abordar adolescentes vitimizados sexualmente. As entrevistas
ocorreram no Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual, serviço que
atende a vítimas de violência sexual, especialmente mulheres, incluindo todas as faixas
etárias. A escolha por este local como campo deveu-se ao fato de a pesquisadora ser uma das
responsáveis pelo atendimento a estas mulheres. Ser profissional do serviço e pesquisadora
facilitou a abordagem com os adolescentes.

Deve-se destacar aqui, que este é um local reconhecido e integrado à rede pública no
âmbito da assistência a pessoas vitimizadas pela violência sexual e referência para a região da
Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.

Ao priorizar o atendimento a mulheres na ocasião da criação do serviço, estávamos em


consonância com a Política Nacional de Redução da Mortalidade por Acidentes e Violências
(BRASIL, 2001, p.11):

No segmento populacional representado pelas mulheres, as violências físicas


e sexuais são os eventos mais frequentes, cujos determinantes estão
associados a relações de gênero, estruturadas em bases desiguais e que
reservam a elas um lugar de submissão e de valor na sociedade. Os
agressores, em sua grande maioria, são conhecidos, sendo identificados, com
maior frequência, maridos, companheiros e parentes próximos. Dados de
1998 da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar – Pnad – indicam
que 63% dos casos de agressão física ocorridos nos domicílios tiveram como
vítima a mulher.

No entanto, uma das características deste serviço é ser situado dentro de uma unidade
assistencial de saúde destinada a realizar atendimentos de urgência e emergência de média e
alta complexidade. Assim, o Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual
tem a porta aberta e faz o acolhimento a todos aqueles que lá se dirigem ou são
encaminhados, fazendo os encaminhamentos necessários quando a vítima é do sexo
masculino.

O longo período de atuação como psicóloga no Centro de Atendimento a Mulheres


Vítimas de Violência Sexual possibilitou-me compreender alguns aspectos significativos de
seus usuários, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos, e suas famílias, todos vítimas da
65

violência sofrida. Um destes grupos despertou meu interesse de forma especial: os


adolescentes.

O atendimento junto a pessoas sexualmente vitimizadas, por si só constitui-se um


encontro, não somente com sujeitos apresentando graus de fragilidade emocional variados,
mas também com seus familiares e suas dificuldades. Minha escuta ocorria não só em relação
às subjetividades vitimadas, mas fundamentalmente à dinâmica social e comunitária em que
estavam inscritas, bem como aos prejuízos à saúde.

Temos a sensação de que a situação da violência sexual na adolescência, fase de


intensas transformações, remete este sujeito ao encontro com a vivência da sexualidade,
rompendo com alguns valores de uma forma abrupta. No entanto, também encontramos neste
grupo a conformidade, a apatia e o empoderamento. Ressaltamos aqui que esta visão é fruto
da escuta, da observação e da experiência.

O Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual originou-se em


2002 com a proposta de oferecer atendimento a crianças, adolescentes e adultos do sexo
feminino vítimas de violência sexual. A ideia principal foi realizar uma acolhida adequada e
humanizar o atendimento a essa população. Sabe-se que o universo de casos que chega para
atendimento pode ser menor que a realidade.

Com esse objetivo, diferentes categorias profissionais, todas mulheres – assistentes


sociais, médicas e psicólogas – passaram a integrar a equipe de trabalho realizando as
intervenções necessárias tanto à vítima quanto a seus familiares. Esta proposta visou
minimizar os efeitos adversos da vitimização que o próprio sistema de saúde e justiça impõe
ao solicitar em vários momentos depoimentos, exames, entrevistas e encaminhamentos.

Para se conhecer um pouco mais do serviço e das mulheres nele atendidas, optamos
inicialmente por realizar um levantamento de dados dos atendimentos iniciais efetuados pela
equipe do Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual entre o período de
junho de 2009 a junho de 2011. Para realizar o levantamento dos dados, o estudo foi
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral de Nova Iguaçu e aprovado sob
o número 14/2010 - CAAE: 0015.0.316.000-10 em 06 de julho de 2010. O perfil é
apresentado a seguir.
66

3.2.2 Perfil das usuárias do Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência


Sexual

A descrição do perfil a seguir, tem o intuito de apresentar o levantamento acerca dos


usuários do serviço escolhido para a realização das entrevistas, sem nenhuma relação com a
abordagem quantitativa apresentada no item anterior.

A população atendida entre julho de 2009 e junho de 2010 foi composta por 185
pessoas incluindo crianças, adolescentes e adultos, destes 113 são adolescentes na faixa etária
entre 10-24 anos com idade média de 15,8 anos (DP=3,8). Estes dados confirmam a literatura
que descreve a adolescência como período de elevada vulnerabilidade para violência sexual.
Informe mundial sobre violência afirma que aproximadamente um terço das vítimas de
violência sexual têm idade em torno dos 15 anos (KRUG et al. 2002). A idade média da
primeira relação sexual descrita por estas adolescentes que chegam ao serviço é de 14,3 anos
(DP=3,4) com uma média de 1,9 parceiros sexuais (DP=1,2).

Das adolescentes recebidas no serviço nestes dois anos a escolaridade é a seguinte:


ensino fundamental completo (1,9%) e incompleto (65,7%); ensino médio completo (9,3%) e
incompleto (18,5%) e das que cursam o ensino superior (4,6%), todas o têm incompletos.

Entre as usuárias adolescentes do Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de


Violência Sexual, 78% não têm emprego e apenas 22% têm cargos tais como atendente,
auxiliar de escritório, operador e caixa ou telemarketing, cabeleireira, babá ou estagiárias. Em
relação ao estado civil, a maioria é solteira (92%), algumas são casadas (7%) e separadas
(1,0%); dados condizentes com a faixa etária.

A maioria das adolescentes atendidas nos dois anos reside na Baixada Fluminense do
Rio de Janeiro. Uma grande parcela mora em Nova Iguaçu (43%), seguido por Belford Roxo
(28%), Queimados (9%) e Mesquita (7%), municípios próximos ao local do serviço. Há ainda
pessoas oriundas de municípios vizinhos tais como: São João de Meriti (5%), Duque de
Caxias e Nilópolis (3%) e do Rio de Janeiro (5%). Dentre estas pessoas, 50% se auto
declararam ter cor da pele parda, os outros se dividem em negros (23,1%), brancos (19,2%)
ou amarelos (7,7%).
67

Em relação ao tipo de violência sexual vivenciada pelas usuárias adolescentes do


serviço, 51,5% foram vítimas de estupro por conhecido e 48,5% por pessoas desconhecidas.

As pacientes do Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual


sofreram outros tipos de violência além da violência sexual. Entre as usuárias, 74% também
foi vítima de violência psicológica. A violência física foi mencionada por 50% das
adolescentes. A negligência foi apontada por 1% das pacientes.

Quanto ao tipo de penetração a maioria das adolescentes usuárias do serviço


identificou como vaginal (50%), seguido de sexo anal (5,2%) e alguns não informaram o tipo
de penetração (13,5%). As adolescentes descrevem também mais de um tipo de penetração
tais como: anal/oral/vaginal (11,5%); oral/vaginal (11,5%); anal/vaginal (7,3%) e anal/oral
(1,0%).

Durante o primeiro atendimento junto a esta população, foram identificados os estados


afetivo-emocionais que causaram mais impacto às adolescentes vítimas de violência sexual,
encaminhadas ao Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual, são, em
ordem de frequência: medo (71%), insegurança (68,8%), retraimento social (48,4%), choro
(45,2%), ansiedade (41,9%) e calma (41,9%).

3.2.3 As Entrevistas e os Entrevistados

O uso da entrevista como ferramenta nesta pesquisa possibilitou a escuta


individualizada dos adolescentes. Pretendíamos trabalhar com adolescentes selecionados
aleatoriamente durante o primeiro contato com o Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas
de Violência Sexual. Entretanto, alguns adolescentes e seus respectivos familiares
demonstraram clara resistência em participar do processo. Decidimos então convidar aqueles
que se enquadravam em um dos seguintes contextos de ocorrência da violência sexual: em
relações familiares, em relações afetivo-sexuais e cometida por estranhos. Por esse motivo,
dois dos entrevistados já pertenciam ao serviço. Assim, por se tratar de uma metodologia
qualitativa, a escolha do número de participantes não estabelece uma definição precisa, mas
sim um limite metodológico. Os sujeitos foram escolhidos a partir das relações já
desenvolvidas pelo pesquisador no contexto do serviço e de acordo com seu desejo de
68

participar da pesquisa, com a liberdade de interromper a qualquer momento e com o tempo


disponível para a produção da tese.

Participaram desta etapa da pesquisa 6 adolescentes do sexo feminino com


comportamentos homo e heterossexuais, na faixa etária entre 11 e 17 anos de idade, e um
adolescente do sexo masculino que não fez parte da análise, como será discutido adiante.
Todos vivenciaram situação de violência sexual e em função disso foram encaminhados ao
Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual.

Nenhum destes adolescentes entrevistados pertence ao grupo que participou do


inquérito epidemiológico já descrito na abordagem quantitativa. O que eles têm em comum é
a idade, o fato de alguns serem estudantes de escolas públicas, pertencentes a estratos
socioeconômicos com alguns perfis diferenciados (igualmente representados no estudo
quantitativo). São sujeitos encaminhados pela Delegacia Policial mais próxima ao ocorrido,
pelo Conselho Tutelar da região no qual ocorreu a violência sexual ou mesmo por outras
instituições de saúde que conhecem o serviço em estudo.

Os adolescentes entrevistados foram levados ao serviço por seus respectivos


responsáveis. São moradores de diferentes Municípios da Baixada Fluminense do Rio de
Janeiro. Por serem municípios próximos, todos foram encaminhados ao ambulatório por
diferentes vias já descritas anteriormente.

Todas as entrevistas realizaram-se na sala de atendimento do Centro de Atendimento a


Mulheres Vítimas de Violência Sexual. Esta sala foi considerada o local mais adequado para
realizar tal procedimento e ter a possibilidade de garantir a privacidade e o sigilo que tais
situações requerem.

As entrevistas tiveram duração variável (40 a 60 minutos), alguns adolescentes foram


entrevistados mais de uma vez. Todas as entrevistas foram gravadas mediante a autorização
do entrevistado e do seu respectivo responsável, com o compromisso do anonimato dos
depoimentos e transcritas posteriormente,.

Durante a transcrição das entrevistas, alguns erros de português surgiram, no entanto


foram feitas as devidas correções, uma vez que a análise ortográfica não é o objetivo deste
trabalho, nem mesmo apontar este tipo de correlação.
69

3.2.4 Um adolescente do sexo masculino vítima de violência sexual

Sabemos que a violência sexual ocorre para ambos os sexos em qualquer faixa etária.
Porém é sobre o sexo feminino a maior incidência, com perfis diferenciados para as moças e
os rapazes. Deve-se ressaltar que, durante os 9 anos em atuação no Centro de Atendimento a
Mulheres Vítimas de Violência Sexual foram raras as vezes em que o ambulatório recebeu
meninos, estando este fato coerente com o perfil do serviço. No entanto, durante a etapa de
realização do campo da pesquisa, tivemos a oportunidade de receber no serviço um
adolescente do sexo masculino. Por ser um serviço exclusivamente para mulheres, a chegada
de um adolescente do sexo masculino – pela primeira vez – em busca de atendimento causou
certo estranhamento a toda a equipe profissional.

A entrevista do menino apresentada a seguir, pretende ilustrar e apresentar uma


contraposição – mesmo que de forma limitada – em relação às das adolescentes do sexo
feminino, de modo a levantar possíveis peculiaridades e diferenças no que diz respeito a
violência sexual em meninas e meninos. Conforme descrito anteriormente, esta é uma das
limitações presentes neste estudo.

Valnei tem 13 anos, está cursando o 6º. ano do ensino fundamental, residente no
município de Nova Iguaçu. Foi o único entrevistado do sexo masculino. Estava acompanhado
pelo pai, que informou que a esposa não pode comparecer por motivo de doença. O pai
descreve a situação de violência vivenciada pelo filho. Durante o acolhimento aos dois, o pai
revela que Valnei foi abusado sexualmente por um vizinho amigo da família. O vizinho o
convidou para ir a sua casa e lá cometeu a violência sexual ameaçando o adolescente caso
revelasse a alguém. Valnei contou para o irmão mais próximo durante uma conversa informal
entre os dois. Este irmão então contou para o pai e a mãe. Foram à delegacia policial e de lá
encaminhados para o serviço. De acordo com o pai, Valnei ao chegar à delegacia não
confirmou a violência, mas mesmo assim ficou preocupado com o filho e resolveu levá-lo
para atendimento médico.

Durante a entrevista, o adolescente não conseguiu expor sobre a violência sexual.


Valnei negou o fato mostrando-se muito envergonhado, optando por desmenti-la.
70

Ele falou que eu falei tudo que aconteceu; depois eu voltei atrás falei que
não aconteceu (Valnei).

Valnei pertence a uma família constituída por pai, mãe e mais cinco irmãos do sexo
masculino, com uma estrutura familiar com mudança de papéis, sendo a mãe que determina as
regras e impõe os limites no lar. No entanto, Valnei descreve sua relação de muito afeto e
identificação com a mãe.

Ela subiu o monte da igreja e quando ela chegou em casa, passou uns 4 ou
5 dias. Aí ela foi, aí eu pintei o cabelo dela, ai ela passou mal. Ela foi pro
médico [...]. Porque ele (irmão) para de falar com a minha mãe eu também
parei de falar com ele! (Valnei).

Na escola, apresentou alguma dificuldade no relacionamento com os colegas, alegando


violência da parte destes colegas para com ele e ainda restrição ao fazer amizades.

Valnei apresentou retraimento desde o momento de sua chegada ao serviço. Ambos


concordaram em fazer parte da pesquisa e foi realizada entrevista individual com Valnei. Este
contato foi muito difícil, uma vez que se apresentava com reservas. Na abordagem de
assuntos ligados a sexualidade e a violência sexual, o adolescente evitava comentar. Sobre a
violência sexual limitou-se a esclarecer ter sido uma pequena confusão realizada por ele
mesmo, negando tudo o que o pai havia revelado anteriormente. Agendamos outro encontro e
estes nunca mais compareceram, mesmo após alguns contatos por telefone.

Pensamos que o fato de ser um serviço para mulheres pode ter inibido de alguma
forma o adolescente a descrever o ocorrido. Por mais que o adolescente e seu responsável
tenham concordado voluntariamente em participar do processo, foi muito difícil fazer este
adolescente relembrar e narrar sobre a violência sexual durante a entrevista individual. Por
este motivo, esta entrevista está apresentada separadamente, não tendo sido incluída na
análise.

Temos uma denúncia de violência sexual não confirmada ou tampouco comprovada,


com atitude de evitação a assuntos referentes à sexualidade, corroborando a questão do
“segredo”, que perpassa também em adolescentes do sexo feminino. O fato de o agressor ser
alguém do convívio familiar (vizinho) agrava mais a situação. Assim, na tentativa de negar a
violência sexual, durante a entrevista Valnei evitou o olhar escondendo-se no silêncio de suas
falas, defendendo-se de alguma verdade que não pode ser dita. Desse modo tomamos o
71

cuidado de preservar o adolescente evitando explorar a violência sexual ao fazê-lo recordar e


romper o segredo e o silêncio que podem ser dolorosos.

Em nossa proposta metodológica inicial, pensamos em entrevistar adolescentes de


ambos os sexos vitimizados pela violência sexual nos três contextos anteriormente
mencionados, entretanto este caminho foi inviabilizado. Talvez devido ao fato de que a
violência sexual em meninos é explorada com mais reservas do que entre as meninas.
Observamos que quando a violência sexual ocorre em adolescentes do sexo masculino sua
compreensão é também marcada por determinantes culturais. São ainda raros os espaços para
acolhida a este sujeito, principalmente nos casos envolvendo a violência sexual perpetrada por
homens.

A invisibilidade inerente à violência sexual masculina mostra-se marcante e bem


menos explorada do que entre o sexo feminino. As observações aqui apontadas nos levam a
refletir sobre os desafios que ainda precisam ser superados no que diz respeito a buscar
compreender mais acerca da construção social da identidade dos adolescentes do sexo
masculino vítimas de violência sexual. Destacamos a necessidade de que políticas públicas de
atenção à violência sexual praticada também contra meninos sejam contemplados.

3.2.5 Tratamento dos Dados

A análise de conteúdo realizada contemplou apenas as entrevistas das adolescentes do


sexo feminino. As discussões sobre gênero não foram aprofundadas por estarem além dos
objetivos buscados nesta tese.

O tratamento dos dados foi estruturado a partir do material obtido nas entrevistas
semiestruturadas e da fundamentação teórica. Com a finalidade de discutir os resultados,
foram construídas categorias de análise retiradas no decorrer do processo. A descrição e a
análise dos dados foram os caminhos utilizados para a interpretação e ancorados no
referencial teórico proposto, ressaltamos que “tanto a análise quanto a interpretação ocorrem
ao longo de todo o processo” (GOMES, 2010, p.81).
72

Utilizou-se o método de análise de conteúdo para a compreensão e interpretação dos


dados. Essa metodologia reúne um “conjunto de técnicas da análise das comunicações8. Não
se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou com maior rigor, será um
único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um
campo de aplicação muito vasto: as comunicações (BARDIN, p.37, 2011).

A análise temática foi a modalidade de análise de conteúdo utilizada. Para Bardin


(2011): “uma análise temática consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a
comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, podem significar alguma coisa para
o objetivo analítico escolhido” (p. 135).

A análise das entrevistas nos levou a elaboração de duas temáticas (1)


infância/adolescência: relacionamento com pai/mãe/responsável, a sexualidade na infância e
na adolescência, e o relacionamento com o grupo de iguais e possíveis relacionamentos
afetivos; (2) violência: relação com o corpo antes e depois da violência, percepção e
sentimentos na(s) situação(ões) de violência.

A trajetória da análise seguiu algumas etapas, porém, “há que se separar para explicar,
mas, na prática, as diferentes etapas se interpenetram” (GOMES, 2005, P.205). São elas: (a)
pré-análise (leitura flutuante das entrevistas, buscando mapear os sentidos atribuídos pelos
adolescentes para os eixos temáticos); (b) análise dos sentidos expressos e latentes (com a
finalidade de identificarmos “núcleos de sentidos”); (c) elaboração de temáticas que
sintetizassem as falas acerca do objeto de estudo e (d) análise final (discussão das temáticas à
luz do quadro teórico).

Assim, neste estudo, durante o processo de pré-análise foi efetuado um primeiro


mapeamento a partir da leitura das entrevistas buscando-se, nas falas dos entrevistados, os
pontos em comum, os dissonantes, os que se repetiam e se diferenciavam, mesmo que em
torno de um mesmo aspecto.

Para a etapa da análise dos sentidos expressos e latentes, foram criados quadros que
integravam as falas com o objetivo de se identificar núcleos de sentido, capazes de abarcar
significados emergentes da totalidade das entrevistas dos sujeitos, ainda que por possíveis
diferenças. Os núcleos identificados foram:

8
Grifo do autor.
73

(1) Desenvolvimento social e afetivo: escolaridade, conflito de identidade,


relacionamento com figuras masculina e feminina, violência no espaço familiar;

(2) Sexualidade: puberdade, o início do relacionamento sexual, relação com responsáveis,


conflito quanto à orientação sexual;

(3) Grupo de iguais/namoro: idade do início do namoro, formação de


amizades/trabalho/esporte, liberdade para namorar/sair, brigas/ciúmes no namoro,
namoro após a violência sexual;

(4) Corpo: corpo violentado sexualmente/distanciamento, preocupação


estética/saúde/culpa, sintomas após a violência sexual;

(5) Percepção/sentimentos em relação à violência sexual: medo/dor, estratégias de


enfrentamento, o “segredo” da violência sexual, o uso de álcool/drogas, preconceito.

A partir dos núcleos de sentido identificados chegou-se a duas temáticas capazes de


abarcar as falas dos sujeitos em relação ao tema maior que vinha sendo investigado. As
temáticas foram:

Temática I: A identidade da adolescente vítima de violência sexual: relações com as figuras


masculina e feminina, grupo de iguais e conflitos no campo da sexualidade.
Temática II: A violência sexual: do corpo invadido à busca de si mesmo.

Cabe ressaltar que a elaboração da análise final se deu a partir de uma interlocução
com a abordagem quantitativa.

Os resultados encontrados foram então submetidos a inferências com base em


interpretações articuladas à teoria que nortearam a análise final e redação dos dois eixos
temáticos (MINAYO, 1999).

A temática que aborda a questão da identidade foi trabalhada segundo a teoria


psicanalítica. No entanto, reconhecemos aqui a importância conferida ao estudo deste
conceito pela psicologia social. Ciampa (1994) reconhece que não há consenso em torno da
resposta à pergunta “quem sou eu?”, por tratar-se de uma representação. Desse modo,
pretendeu-se aqui evitar a cisão entre indivíduo e coletividades. Com o intuito de trabalhar a
74

irredutibilidade eu/não eu, utilizou-se a noção de identificação formulada por Freud pela
teoria psicanalítica por ampliar a argumentação em torno desta distinção.

A outra temática, mais voltada para os aspectos da violência sexual em si, foi
interpretada segundo as contribuições no campo da saúde pública.

3.3 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

A pesquisa que serve de base para os dados quantitativos apresentados na tese,


realizada pelo CLAVES, foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/Fiocruz e
aprovada sob o número 07/08 - CAAE: 0011.0.031.000-08 em 11 de março de 2008. Os
dados analisados para a presente tese constituem recorte inédito não analisado nos produtos
finais da pesquisa.

A pesquisa que envolve a etapa qualitativa sob o título: “A Violência sexual na


adolescência: significados e articulações” foi submetida à aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa da ENSP/Fiocruz e aprovada sob o número 193/10 – CAAE: 0205.0.031.000-10 em
06/10/2010 e ao Comitê de Ética do Hospital Geral de Nova Iguaçu, também aprovada sob o
número 024/10 – CAAE: 0024.0.316.031-10, relativo à coleta de dados qualitativos.

A direção do hospital autorizou a realização da presente pesquisa no serviço


especializado. Os pais/responsáveis e os adolescentes entrevistados no serviço de saúde
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme preconizado na
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que normaliza as pesquisas com seres
humanos.

Foram viabilizadas estratégias de encaminhamento na própria instituição ou em


unidades de saúde da rede pública para os adolescentes entrevistados que apresentaram outras
necessidades de atendimento.
75

4. ADOLESCENTES BRASILEIROS E VIOLÊNCIA SEXUAL: OS


NÚMEROS EM FOCO

Este capítulo apresenta dados de 3.496 adolescentes entre 15-19 anos moradores de
dez capitais brasileiras e estudantes das redes públicas e privadas de ensino, cujo perfil será
apresentado a seguir. Serão apresentados resultados do comportamento sexual dos
adolescentes do sexo feminino e masculino que vivenciaram violência sexual em pelo menos
uma esfera relacional. Os adolescentes pesquisados estarão ora na posição de vítimas, ora
como perpetradores de variadas formas de violência. São também apresentados dados sobre as
relações familiares na presença de violência sexual, destacando-se também aspectos que
contribuem na construção identitária e na vida sexual dos adolescentes vitimizados
sexualmente.

4.1 OS ADOLESCENTES BRASILEIROS ESTUDADOS E A CONVIVÊNCIA COM A


VIOLÊNCIA SEXUAL

Há mais meninas (61,6%) do que meninos (38,4%), confirmando a maior presença de


mulheres no ensino médio apontado em estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA – 2008) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 2010). Em
comparação com os homens, nos últimos anos as mulheres aumentaram gradativamente a
frequência no ensino médio: “Em 2006, a taxa de frequência líquida no ensino médio atingia
52,4% entre as mulheres, o equivalente a cerca de 10 pontos percentuais acima da taxa média
entre os homens” (IPEA, 2008, p. 112).

Quanto à faixa etária, a idade média dos entrevistados é de 16,4 anos (desvio
padrão/DP=0,88). Do total de entrevistados, 11,4% têm 15 anos de idade, 53,9% possuem 16
76

anos, 22,9% têm 17 anos, 9,8% estão com 18 anos e 2% com 19 anos de idade. Observa-se
que adolescentes do ensino particular têm idade média pouco inferior (16,1 anos, DP=0,74)
aos da rede pública (16,5 anos, DP=0,91).

Um total de 45,2% dos adolescentes declara ter a cor da pele branca; 14,1% a referem
como preta e 35,1% como parda, compondo 49,2% de adolescentes afro-descendentes; apenas
5,6% afirmam que a cor da pele é amarela ou se consideram indígenas. Adolescentes com cor
da pele branca, amarela ou indígena são mais novos (16,2 anos, DP=0,81) que seus pares
afro-descendentes (16,5 anos, DP=0,94; p<0,001).

Quanto à estrutura familiar, 62% dos adolescentes vivem com ambos os pais, 22,5%
moram com um dos pais apenas, 11,5% com um dos pais e seu novo companheiro e 4%
vivem com outros familiares ou já construíram suas próprias famílias.

A maior parte dos adolescentes pratica alguma religião (75,9%).

4.1.1 Os adolescentes e a violência sexual

Para avaliar a presença de violência sexual na vida dos adolescentes entrevistados na


pesquisa foi criada uma variável composta pelas quatro questões listadas a seguir, em
conjunto com suas respectivas frequências individuais. Vale ressaltar que esta variável
composta que afere violência sexual norteará a apresentação dos resultados desta tese,
agregando a vitimização sexual que pode acontecer no âmbito da família (pais/responsáveis),
na escola e comunidade, bem como nas relações afetivo-sexuais - atual e anterior. A variável
composta inclui os seguintes itens:

· Ter passado por experiência sexual com pais/responsáveis: referida por 3,7% dos
adolescentes: 2,7% meninas e 5,4% meninos, p<0,001);

· Sofrer agressão sexual na escola ou comunidade: mencionada por 1,7% dos


adolescentes (1,9% das meninas e 1,3% dos meninos; p <0,001).

· Ser forçado pelo atual parceiro a fazer sexo quando não queria: informada por
4,6% dos adolescentes (4% meninas e 5,6% meninos; p<0,001);
77

· Sofrer agressão sexual de parceiro afetivo anterior: confirmada por 2,4% dos
adolescentes (2,5% de meninas e 1,9% de meninos; p<0,001);

Do total de adolescentes entrevistados, 10,1% sofreram violência sexual em pelo


menos uma esfera relacional em que vive (um item positivo na variável composta): na relação
com os pais, com o atual ou antigo namorado ou pessoa com quem “ficou” ou com pessoas da
escola/comunidade. Deste total, 1,5% vivenciaram mais de uma situação de violência sexual
dentre as quatro indagadas (mais de um item positivo na variável composta). Vale alertar que
1,5% é um dado significativo ao se considerar os danos e os agravos que a violência sexual
pode provocar nos adolescentes.

Entre os meninos a frequência de violência sexual com os pais/responsáveis e com os


parceiros é maior do que entre as meninas. Sabe-se, porém que a subnotificação nesta faixa
etária é problema comum a ambos os sexos. Porque assumir que já viveu a experiência de
violência sexual é para os adolescentes muito doloroso, pois é um problema que envolve
fatores tais como o medo, a falta de credibilidade no sistema judiciário e ainda o manto de
silêncio entre vítimas, agressores e até profissionais de saúde, configurando um processo de
revitimização de si mesmo (MARTINS; MELLO JORGE 2010; OSHITAKA et al. 2011).

No gráfico 1 visualiza-se o percentual de adolescentes que sofrem uma ou mais formas


de violência sexual, segundo o sexo. Percebe-se mais claramente que as mulheres, embora
informem menos essa forma de vitimização, o fazem em mais esferas relacionais: 7,5% são
vítimas em apenas uma situação (na família, escola, comunidade, com o parceiro atual ou
anterior), 0,7% em duas dessas vivências relacionais, 0,6% em três e 0,2% mostram-se
vitimizadas sexualmente nas quatro dimensões relacionais indagadas.

Gráfico 1: Distribuição dos adolescentes segundo vivência de violência sexual em pelo menos
uma esfera relacional, segundo o sexo. N homens=1363; N mulheres=1982
78

Algumas características que diferenciam os adolescentes quanto à vitimização por


violência sexual estão listadas a seguir (p<0,001):

· meninos relataram sofrer mais violência sexual (12,5%) do que as meninas (8,7%). Estes
dados apontam para característica distinta do que o observado na literatura. No entanto
não podemos descartar a subnotificação envolvendo o sexo masculino. Em geral, os
estudos sobre violência sexual focalizam-se em meninas, como se entre os meninos a
violência sexual fosse incomum ou de impacto menor ao seu desenvolvimento (PRADO,
2006). Pode-se dizer que a visibilidade da violência está recortada por gênero, na qual a
mulher tem sido o foco da atenção, principalmente no âmbito de políticas públicas
voltadas à saúde sexual e reprodutiva. Consequentemente, os artigos que trabalharam com
a população de adolescentes feminina e masculina, descrevem padrões diferenciados de
violência sexual por gênero; nestes as adolescentes do sexo feminino revelam sofrer mais
violência sexual do que os do sexo masculino (POLANCZYK et al. 2003; HOWARD,
2007; BANYARD et al. 2006; ACKARD, 2002). Conforme abordam alguns autores,
talvez o sentido atribuído por cada um dos sexos é que se diferencie (MACHADO et al.
2005; MENDOZA; HERNÁNDEZ 2009).

· aqueles na faixa etária entre 17-19 destacam-se com mais elevada prevalência (entre
13% e 19%) do que os mais novos (entre 5-8%). A adolescência constitui-se um momento
nas quais as condições de transformações e ambivalência são sentimentos vivenciados
pelos adolescentes, podendo tornar-se mais vulnerável a situações de revitimização à
medida que os relacionamentos se sucedem e se expandem.
79

· sobressaem mais os adolescentes do ensino público (10,7%) que os da rede particular


(8,5%). Há precariedade de dados a este respeito no país, dificultando análises mais
aprofundadas.

· há diferenças na prevalência de sofrer violência sexual nas cidades estudadas: as


capitais da região nordeste e sul, Brasília e Belo Horizonte possuem prevalência entre 6,2
e 9,1%; Rio de Janeiro e Porto Velho tem prevalência em torno de 11% e Cuiabá e
Manaus se destacam pelos mais elevados percentuais (14,1% e 16,1%,
respectivamente).Os achados do presente estudo estão consistentes com estudo realizado
em 15 capitais do Brasil e o Distrito Federal (REICHENHEIM et al., 2006), no qual
também identificaram a cidade de Manaus como aquela com maior prevalência de
violência física por parceiro íntimo (46%) em mulheres com idade inferior a 25 anos.

Vale apontar que a estrutura familiar, a escolaridade dos pais, o estrato social da
família, bem como a religião praticada pelos adolescentes são aspectos similares para todos os
entrevistados, sem distinção segundo a vitimização sexual avaliada na pesquisa.

A variável composta que afere violência sexual será, a partir deste ponto, avaliada
segundo outras questões que aferem violência na esfera das relações afetivo-sexuais, visando
observar se há outros comportamentos presentes nessas relações que se distinguem no grupo
que sofre a vitimização sexual (reiteramos que este grupo equivale a 10,1% do total de
adolescentes participantes da pesquisa), se comparado ao que não reporta ter vivenciado esta
forma de violência (89,9%). Em todas as análises apresentadas a seguir, será feita a
discriminação segundo o sexo do adolescente, visando identificar diferenças de gênero
porventura existentes. Sempre que possível, serão apresentadas a posição do adolescente
enquanto vítima e perpetrador de variadas formas de violência.
80

4.1.2 Ser vítima de violência sexual em pelo menos uma esfera relacional e vulnerável a
outras formas de violência sexual

Na tabela 2 pode ser observada a associação entre o indicador de violência sexual e


outras variáveis que aferem o mesmo conceito. Nesta tabela avalia-se a associação entre duas
situações em que o entrevistado é vítima de violência na esfera sexual. Avaliando o ato de ser
beijado pelo parceiro quando não quer, constata-se que não há associação entre as variáveis
no que se refere ao sexo feminino. No sexo masculino, a situação é distinta: mais rapazes que
responderam afirmativamente a sofrer violência sexual informam terem sido beijados pelas
parceiras quando não querem nas frequências sempre, às vezes e raramente.

No que se refere a ser tocado sexualmente quando não quer, verifica-se que há
associação entre sofrer violência sexual e ser mais tocado sexualmente nas frequências
sempre, às vezes e raramente, tanto entre meninos quanto entre meninas. Vale ressaltar que
quase a metade das meninas e 40,3% dos rapazes afirmam vivenciar tal toque quando não o
desejavam.

No que se refere a ser ameaçado numa tentativa de fazer sexo com o (a) parceiro (a),
tem-se o mesmo quadro: tanto rapazes quanto moças que sofreram violência sexual são mais
ameaçados a fazer sexo (15% e 27,7%, respectivamente) pelos (as) parceiros (as).
81

Tabela 2: Indicador de violência sexual e outros itens de violência sexual sofrida nas relações afetivo-
sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


ITENS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
SOFRIDA (CADRI) violência sexual valor violência sexual valor
Não (%) Sim (%) Não (%) Sim (%)
Ele(a) me beijou quando eu Sempre 4,2 14,3 0,102 3,9 8,3 0,013
não queria que ele(a) o fizesse Às vezes 16,0 13,6 9,7 29,2
N homens=1227 Raramente 17,9 19,2 17,6 21,2
N mulheres=1822 Nunca 62,0 52,9 68,8 41,2
Ele(a) me tocou sexualmente Sempre 0,9 6,2 0,001 1,6 8,6 0,001
quando eu não queria Às vezes 3,3 16,2 4,0 13,3
N homens=1213 Raramente 7,0 26,9 7,6 18,4
N mulheres=1807 Nunca 88,9 50,7 86,8 59,7
Ele(a) me ameaçou numa Sempre 0,2 1,7 0,000 1,2 1,4 0,000
tentativa de fazer sexo comigo Às vezes 0,3 4,7 0,7 16,0
N homens=1225 Raramente 1,1 8,6 1,0 10,3
N mulheres=1815 Nunca 98,5 85,0 97,2 72,3

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Na tabela 3 observa-se a associação entre os jovens que sofreram violência sexual em


pelo menos uma esfera relacional e que, simultaneamente, perpetram outras formas de
violência sexual. Constata-se a não associação entre os adolescentes que vivenciaram situação
de violência sexual e o hábito de beijar o parceiro quando este não quer, tanto entre meninas
quanto entre os meninos.

Situação distinta ocorre com a variável tocar sexualmente o(a) parceiro(a) quando
este(a) não quer: tanto os meninos quanto as meninas que sofrem violência sexual informam
agir mais dessa forma (mais respostas positivas nas frequências sempre, às vezes e
raramente).

Igual realidade foi observada para ameaçar os parceiros numa tentativa de fazer sexo
com ele: o grupo que sofre violência sexual também perpetra mais ameaças que visam forçar a
existência de relações sexuais.

Estes dois últimos resultados indicam a presença de uma relação afetivo-sexual em


que os comportamentos sexuais são invasivos e bilaterais para ambos os sexos.
82

Tabela 3: Indicador de violência sexual e outros itens de violência sexual perpetrada nas relações
afetivo-sexuais por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


ITENS DE VIOLÊNCIA SEXUAL Frequência Indicador de violência *p- Indicador de *p-
PERPETRADA (CADRI) sexual valor violência sexual valor
Não (%) Sim (%) Não (%) Sim (%)
Eu o (a) beijei quando ele Sempre 3,8 11,2 0,209 2,6 10,5 0,105
(a) não queria Às vezes 12,0 8,3 15,2 21,7
N homens=1227 Raramente 13,8 16,2 15,3 11,7
N mulheres=1822 Nunca 70,5 64,3 66,9 56,1
Eu o (a) toquei sexualmente Sempre 0,2 1,5 0,000 3,8 5,6 0,000
quando ele (a) não queria Às vezes 0,6 10,4 7,0 31,0
N homens=1222 Raramente 3,2 15,2 11,9 12,4
N mulheres=1811 Nunca 96,0 72,9 77,4 51,0
Eu o (a) ameacei numa Sempre 0,0 0,5 0,001 1,3 1,2 0,000
tentativa de fazer sexo com Às vezes 0,3 2,6 2,0 15,1
ele (a) Raramente 0,7 7,1 1,8 3,0
N homens=1154 Nunca
N mulheres=1825 98,9 89,8 94,9 80,8

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Constatou-se ainda que no grupo de adolescentes que sofreu violência sexual em pelo
menos uma esfera relacional há mais relatos de perpetração de agressão sexual a parceiro
afetivo anterior entre as moças (0,7% contra 0,1% dentre as que responderam negativo a
variável composta que afere violência sexual; p=0,005) e entre os rapazes (5,6% e 0,6%,
respectivamente; p=0,000).

4.1.2.1 Relações entre ser vítima de violência sexual e sofrer/praticar violência física nas
relações afetivo-sexuais

Na tabela 4 pode ser observada a associação entre o indicador que afere sofrer
violência sexual na família, comunidade/escola e no namoro/‘ficar’ e ser vítima de violência
física nas relações afetivo-sexuais. Observa-se que há associação entre sofrer violência sexual
e ter parceiro (a) que joga algo sobre o entrevistado em ambos os sexos; entre os rapazes que
relataram violência sexual a violência física está mais presente (26,1%) versus (18,8%) entre
moças também vitimizadas sexualmente. No que se refere a ter parceiro (a) que bate, chuta
ou dá socos no (a) entrevistado (a), observa-se igual cenário.

Em relação aos entrevistados cujos parceiros lhes dão tapas e puxões nos cabelos,
apenas entre as moças há mais relato dessa forma de agressão física. O mesmo fato ocorre em
83

relação a ser empurrado (a) ou sacudido(a) pelo(a) parceiro(a), que mostra associação com
vitimização sexual apenas entre as moças.

Ressalta-se a elevada frequência de vitimização por violência física nos


relacionamentos, informação dada por ambos os sexos, com frequências que oscilam entre
12% e 27%, dependendo do tipo de agressão e sexo informante.

Tabela 4: Indicador de violência sexual e violência física sofrida nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
ITENS DE VIOLÊNCIA FÍSICA
violência sexual valor violência sexual valor
SOFRIDA (CADRI)
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Ele(a) jogou algo em mim Sempre 0,3 1,6 0,001 1,3 3,5 0,025
N homens=1227 Às vezes 2,0 7,9 1,6 10,7
N mulheres=1819 Raramente 3,8 9,3 7,8 11,9
Nunca 93,9 81,2 89,3 73,9
Ele(a) me bateu, chutou ou deu Sempre 0,2 3,1 0,011 0,2 2,3 0,000
um soco Às vezes 2,4 4,9 1,1 10,0
N homens=1222 Raramente 3,5 3,8 4,9 7,7
N mulheres=1821 Nunca 93,9 88,1 93,7 79,9
Ele(a) me deu um tapa ou puxou Sempre 0,9 1,3 0,028 0,7 2,2 0,224
o meu cabelo Às vezes 3,0 9,5 3,9 7,5
N homens=1222 Raramente 5,7 12,0 10,4 17,6
N mulheres=1819 Nunca 90,5 77,2 85,0 72,7
Ele(a) me empurrou ou me Sempre 0,3 0,9 0,003 0,3 0,9 0,161
sacudiu Às vezes 1,5 4,4 1,8 3,5
N homens=1224 Raramente 5,5 17,0 5,8 12,2
N mulheres=1821 Nunca 92,7 77,7 92,2 83,5

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Na tabela 5 verifica-se a associação entre sofrer violência sexual e perpetrar violência


física sobre o(a) parceiro(a). Nota-se a associação entre sofrer violência sexual e jogar algo
sobre o parceiro, apenas entre as adolescentes do sexo feminino: 30,5% das moças que
vivenciam violência sexual são também perpetradoras de violência física, seja de forma rara,
ocasional ou constante.

No que se refere a bater, chutar ou dar socos no (a) parceiro(a), observa-se


associação entre vivenciar violência sexual e perpetrar esses atos de violência física entre os
meninos (para as meninas o resultado encontra-se apenas próximo ao nível de significância
observada, merecendo cautela na interpretação dos resultados).
84

Em relação a entrevistados que dão tapas e puxões nos cabelos dos(a) parceiros (a),
constata-se que para ambos os sexos há mais relato de perpetração dessa forma de agressão
física dentre aqueles que também vivenciam violência sexual. Nota-se que mais meninas
vitimizadas sexualmente (38,8%) agem com tal forma de violência física em comparação aos
meninos em igual condição (19,2%).

A outra variável apresentada na tabela 5 é empurrar (a) ou sacudir o(a) parceiro(a),


que mostra associação com vitimização sexual apenas entre as moças: 24,2% das que
sofreram violência sexual em uma esfera relacional empurram e sacodem seus parceiros
(11,5% dentre as que não sofrem violência sexual têm tal comportamento).

Os dados acima ressaltam a banalidade da comunicação via agressão física nas


relações afetivo-sexuais, com destaque para as adolescentes do sexo feminino vítimas de
violência sexual, que incorporam a violência física em suas condutas mais do que os do sexo
masculino. Safiotti (2001, p.134), ao refletir sobre a violência de gênero, torna clara a
importância de se trabalhar com esta “categoria porque ela inclui a violência praticada por
mulheres, que, se é diminuta contra homens, é bastante significativa contra crianças e
adolescentes”. É um aspecto significativo para reflexão porque algumas destas adolescentes
assumirão a responsabilidade da socialização dos filhos baseado nestes termos.

Tabela 5: Indicador de violência sexual e violência física perpetrada nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
ITENS DE VIOLÊNCIA FÍSICA
violência sexual valor violência sexual valor
PERPETRADA (CADRI)
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Eu joguei algo nele(a) Sempre 1,8 4,3 0,003 0,2 1,2 0,086
N homens=1226 Às vezes 3,5 16,9 0,7 4,2
N mulheres=1825 Raramente 5,8 9,4 4,6 9,8
Nunca 89,0 69,5 94,5 84,8
Eu bati, chutei ou dei um soco Sempre 2,1 2,4 0,077 0,0 1,9 0,009
nele(a) Às vezes 4,2 9,8 0,3 1,2
N homens=1222 Raramente 7,3 6,3 1,6 9,3
N mulheres=1820 Nunca 86,4 81,5 98,2 87,6
Eu dei um tapa nele(a) ou Sempre 2,0 4,7 0,011 0,3 1,1 0,049
puxei o cabelo dele(a) Às vezes 8,6 18,5 2,3 11,6
N homens=1224 Raramente 8,8 15,6 5,3 6,5
N mulheres=1820 Nunca 80,6 61,2 92,1 80,8
Eu empurrei ou sacudi ele(a) Sempre 1,4 0,6 0,007 0,2 0,9 0,107
N homens=1225 Às vezes 2,0 7,0 1,7 5,2
N mulheres=1820 Raramente 8,0 16,6 4,8 5,5
Nunca 88,5 75,8 93,3 88,4

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas


85

4.1.2.2 Relações entre ser vítima de violência sexual e sofrer/praticar violência psicológica
nas relações afetivo-sexuais

A seguir será apresentada a associação sofrer violência sexual em pelo menos uma
esfera relacional e sofrer/praticar violência psicológica na relação afetivo sexual atual. A
escala CADRI distingue três formas de violência psicológica: ameaças, violência
verbal/emocional e violência relacional, detalhadas a seguir.

a) Ameaças

As ameaças são aferidas através dos seguintes itens: quebrar ou ameaçar destruir algo
de valor do parceiro, tentar amedrontá-lo de propósito, ameaçar bater ou jogar alguma coisa
nele e ameaçar machucá-lo. São avaliadas tendo o adolescente como vítima (ameaça sofrida)
ou agente da ação (ameaça perpetrada).

Na tabela 6 observa-se a presença de ameaças sofridas, discriminadas segundo a


vitimização por violência sexual. Em ambos os sexos, constata-se que aqueles vítimas de
violência sexual são mais ameaçados deter algo seu de valor destruído; todavia, no sexo
feminino há mais relato de sofrer ameaças (12,3%) do que no sexo masculino (6,7%).

Dois tipos de ameaças são mais presentes apenas entre os rapazes vítimas de violência
sexual: ele(a) tentou me amedrontar de propósito (36,6%, versus 14,3% dentre os que não
sofrem); e ele/ela ameaçou me machucar (15,1% e 4,3%, respectivamente).

Quanto ao item ele/ela ameaçou bater em mim ou jogar alguma coisa em mim,
rapazes e moças vítimas de violência sexual são mais vítimas dessa forma de ameaça, com
percentuais próximos (10,3% e 13,4% respectivamente).
86

Tabela 6: Indicador de violência sexual e ameaça sofrida nas relações afetivo-sexuais por jovens (15-
19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
ITENS DE AMEAÇAS SOFRIDAS
violência sexual valor violência sexual valor
(CADRI)
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Ele(a) destruiu ou ameaçou Sempre ,5 1,8 0,001 ,1 1,4 0,000
destruir algo de valor para mim Às vezes 1,0 7,1 ,5 1,9
N homens=1225 Raramente 2,6 3,3 1,3 3,4
N mulheres=1820 Nunca 95,5 87,7 98,0 93,3
Ele(a) tentou me amedrontar de Sempre ,7 2,2 0,409 ,3 1,2 0,000
propósito Às vezes 8,3 10,8 4,6 8,0
N homens=1226 Raramente 13,1 18,6 9,4 27,5
N mulheres=1819 Nunca 77,8 68,3 85,7 63,4
Ele(a) ameaçou me machucar Sempre ,2 2,1 0,171 ,3 ,5 0,018
N homens=1224 Às vezes 3,9 6,0 ,7 4,4
N mulheres=1817 Raramente 2,9 2,8 3,3 10,2
Nunca 93,0 89,0 95,7 84,9
Ele(a) ameaçou bater em mim ou Sempre ,2 1,6 0,023 ,3 1,1 0,000
jogar alguma coisa em mim Às vezes 1,3 6,6 ,9 4,2
N homens=1226 Raramente 2,8 5,1 1,3 5,0
N mulheres=1818 Nunca 95,7 86,6 97,4 89,7

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Na tabela 7 estão descritos os dados da associação entre ter sido vítima de violência
sexual e praticar ameaças aos parceiros(as).

Entre as meninas, encontra-se associação entre ser vítima de violência sexual e


destruir ou ameaçar a destruir algo de valor do parceiro (10,7% dentre as que sofreram
violência sexual e 4,1% no grupo não vitimizado sexualmente). Entre os rapazes, os
resultados mostram-se próximos ao nível de associação utilizado no estudo.

Quase a metade dos rapazes (45,8%) que sofreram violência sexual em alguma esfera
relacional assume a postura de tentar amedrontar o(a) parceiro(a) de propósito (15,9% no
grupo não vitimizado sexualmente). Em relação às moças não há associação nesta variável.

Observa-se que entre as mulheres há associação entre ser vítima de violência sexual e
ameaçar machucar o parceiro. Entre os rapazes, os resultados mostram-se próximos à
significância estatística avaliada na tese, devendo ser analisado com ressalvas.

Sofrer violência sexual e ameaçar bater ou jogar alguma coisa no parceiro(a) mostra-
se associado em adolescentes do sexo feminino e masculino. Dentre as mulheres observa-se
maior frequência deste tipo de ameaça do que entre os homens.
87

Tabela 7: Indicador de violência sexual e ameaça perpetrada nas relações afetivo-sexuais por jovens
(15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
ITENS DE AMEAÇAS
violência sexual valor violência sexual valor
PERPETRADAS (CADRI)
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Eu destruí ou ameacei destruir Sempre 0,5 5,3 0,017 0,1 0,5 0,052
algo de valor para ele(a) Às vezes 1,7 3,2 0,5 2,1
N homens=1225 Raramente 1,9 2,2 2,1 1,7
N mulheres=1818 Nunca 95,9 89,3 97,3 95,7
Eu tentei amedrontar ele/ela de Sempre 1,7 3,3 0,604 1,2 3,5 0,001
propósito Às vezes 9,0 9,3 6,8 20,3
N homens=1227 Raramente 17,2 13,4 7,9 22,0
N mulheres=1822 Nunca 72,1 74,1 84,1 54,2
Eu ameacei machucá-lo(la) Sempre 1,3 1,8 0,010 0,1 1,4 0,055
N homens=1225 Às vezes 5,0 14,3 1,3 2,9
N mulheres=1820 Raramente 3,9 5,0 1,5 2,7
Nunca 89,8 78,9 97,1 93,0
Eu ameacei bater nele(a) ou Sempre 0,6 2,6 0,007 0,1 0,6 0,000
jogar alguma coisa nele(a) Às vezes 3,3 8,5 0,3 2,5
N homens=1224 Raramente 6,8 7,9 1,0 2,7
N mulheres=1821 Nunca 89,3 81,0 98,5 94,1

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

b) Violência Relacional

A violência relacional caracteriza-se por dificuldades que envolvem: espalhar boatos


sobre o parceiro(a), tentar virar os amigos contra ele(a) e dizer coisas para interromper a
amizade.

Na tabela 9 observa-se a associação entre sofrer violência sexual e vitimização por


violência relacional.

Constata-se associação entre ser vítima de violência sexual e a atitude do parceiro de


tentar virar os amigos contra o adolescente entrevistado, tanto entre meninas (24,9%
vitimizadas sexualmente e 8,9% sem histórico de violência sexual) como entre os meninos
(23,3% com e 8,8% sem histórico de violência sexual).

Apenas entre os homens verificou-se associação entre sofrer violência sexual e ter um
parceiro que disse coisas aos amigos do adolescente entrevistado, para virá-los contra ele
88

(14% entre os rapazes vitimizados sexualmente e 5,6% dos que não passaram por tal
experiência).

Já no item o(a) parceiro(a) espalhou boatos sobre o adolescente entrevistado, vê-se


que não há associação com vitimização sexual em ambos os sexos (entre as moças os
resultados aproximam-se do nível de significância utilizado no estudo).

Tabela 8: Indicador de violência sexual e violência relacional sofrida nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
ITENS DE VIOLÊNCIA
violência sexual valor violência sexual valor
RELACIONAL SOFRIDA (CADRI)
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Ele/Ela tentou virar meus Sempre 0,8 0,5 0,000 0,6 4,3 0,001
amigos contra mim Às vezes 2,3 4,9 3,5 5,6
N homens = 1220 Raramente 5,8 23,5 4,7 13,4
N mulheres = 1814 Nunca 91,1 71,1 91,3 76,7
Ele/Ela disse coisas sobre mim Sempre 0,8 1,6 0,105 0,3 0,4 0,000
aos meus amigos, para virá-los Às vezes 1,0 5,7 1,5 10,5
contra mim Raramente 4,3 4,4 3,8 3,0
N homens = 1225 Nunca
N mulheres = 1821 93,9 88,3 94,4 86,0
Ele/Ela espalhou boatos sobre Sempre 1,0 1,0 0,054 0,7 1,9 0,323
mim Às vezes 1,1 1,9 1,3 2,2
N homens = 1219 Raramente 1,5 4,6 6,6 6,1
N mulheres = 1820 Nunca 96,5 92,4 91,4 89,8

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Na tabela 9 observa-se a associação entre sofrer violência sexual em pelo menos uma
esfera relacional e a perpetração de violência relacional.

Há associação entre sofrer violência sexual e tentar virar os amigos contra o (a)
parceiro (a) entre as meninas (6,8% dentre as vitimizadas sexualmente e 2,7% dentre as que
não sofreram tal forma de violência).

Nos itens: dizer coisas sobre o(a) parceiro (a) aos seus amigos, para virá-los contra
ele/ela e eu espalhar boatos sobre o(a) parceiro (a), apenas se constata associação com
vitimização sexual entre os homens.
89

Tabela 9: Indicador de violência sexual e violência relacional perpetrada nas relações afetivo-sexuais
por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


ITENS DE VIOLÊNCIA Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
RELACIONAL PERPETRADA violência sexual valor violência sexual valor
(CADRI) Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Eu tentei virar os amigos Sempre 0,3 1,4 0,015 0,2 0,1 0,788
contra ele(a) Às vezes 0,8 1,4 0,7 0,5
N homens =1224 Raramente 1,7 4,0 2,3 3,0
N mulheres = 1821 Nunca 97,3 93,2 96,8 96,4
Eu disse coisas sobre ele(a) aos Sempre 0,6 0,8 0,714 0,2 1,7 0,002
seus amigos, para virá-los Às vezes 0,8 1,3 0,6 1,6
contra ele(a) Raramente 2,0 3,1 1,7 2,4
N homens = 1224 Nunca
N mulheres =1822 96,6 94,9 97,5 94,2
Eu espalhei boatos sobre ele(a) Sempre 0,2 0,0 0,333 0,3 1,4 0,038
N homens =1219 Às vezes 1,6 1,5 1,3 2,9
N mulheres =1820 Raramente 1,4 3,3 4,8 3,1
Nunca 96,8 95,1 93,7 92,7

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

c) Violência verbal/emocional

A violência verbal/emocional sofrida e praticada pelos adolescentes engloba os


seguintes itens: atitudes de provocar ciúmes, mencionar coisas ruins do passado, dizer coisas
para deixar o outro com raiva, usar o tom de voz hostil, insultar o parceiro, ridicularizar na
frente das pessoas, vigiar o outro, culpabilizar o parceiro pelos problemas e o acusar de
paquerar com outras pessoas.

Na tabela 10 observa-se a associação sofrer violência sexual e ser vítima de violência


verbal por parte do parceiro.

Há associação entre sofrer violência sexual e ter parceiro(a) que fez algo para causar
ciúmes, para ambos os sexos. Os adolescentes do sexo masculino que têm parceiros que
provocam ciúmes se destacam no grupo que sofreu violência sexual (80,6% entre homens e
69,4% entre as mulheres), se comparados ao grupo que não sofreu violência sexual (56,1% e
50,3%, respectivamente).

A maior parte das questões que aferem violência verbal/emocional se mostra associada
à vitimização por violência sexual apenas entre as mulheres. No grupo feminino vitimizado
90

sexualmente, há mais relato de parceiros que: mencionaram algo de ruim do passado


(66,8%), disseram coisas somente para deixar com raiva (72,7%), falaram em um tom de voz
hostil ou maldoso (65,8%), insultaram com depreciações (17,9%), ridicularizaram ou
caçoaram na frente dos outros (13,8%), culparam o adolescente entrevistado pelo problema
(52,4%) e ameaçaram terminar o relacionamento (47,4%).

Duas questões mostraram-se associadas à vitimização sexual entre homens, que


tinham parceiras (os) que vigiavam com quem e onde estava (71,1%) e que o acusaram de
paquerar outra garota (74,5%).

Estes dados nos conduzem a reflexão sobre o ciúme mencionado por adolescentes de
ambos os sexos. A frequência elevada de violência verbal demonstra que esta é uma forma de
comunicação mais comum entre aqueles que já sofreram violência sexual do que no grupo
sem esta experiência. O grupo de adolescentes entrevistados na abordagem qualitativa, como
se verá no capítulo seguinte, também refere mesma forma de comunicação.

No entanto, observa-se que as adolescentes do sexo feminino com histórico de


violência sexual sobressaem em relação a sofrer violência verbal por parte dos parceiros
afetivos, sugerindo a presença de padrões diferenciados entre homens e mulheres, no qual as
mulheres se sujeitam mais a manter relacionamentos com estas características.
91

Tabela 10: Indicador de violência sexual e violência verbal sofrida nas relações afetivo-sexuais por
jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
ITENS DE VIOLÊNCIA VERBAL /
violência sexual valor violência sexual valor
EMOCIONAL SOFRIDA (CADRI)
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Ele(a) fez algo para me fazer Sempre 5,1 11,6 0,050 5,0 13,2 0,025
ciúmes Às vezes 20,6 36,8 25,4 39,8
N homens = 1224 Raramente 24,6 20,9 25,7 27,5
N mulheres =1815 Nunca 49,7 30,6 43,9 19,4
Ele(a) mencionou algo de ruim Sempre 5,0 4,9 0,000 6,4 12,6 0,240
que eu fiz no passado Às vezes 15,8 20,0 15,1 19,7
N homens = 1222 Raramente 18,0 41,8 17,2 14,7
N mulheres = 1818 Nunca 61,2 33,2 61,2 53,0
Ele(a) disse coisas somente Sempre 3,1 12,1 0,014 4,8 3,6 0,181
para me deixar com raiva Às vezes 22,4 15,5 18,0 30,7
N homens = 1221 Raramente 26,6 45,1 22,2 26,3
N mulheres =1819 Nunca 47,9 27,3 55,0 39,5
Ele(a) falou comigo em um tom Sempre 4,2 3,6 0,001 2,1 2,5 0,262
de voz hostil ou maldoso Às vezes 16,1 27,9 10,1 17,5
N homens = 1222 Raramente 23,0 34,3 21,2 32,6
N mulheres =1816 Nunca 56,8 34,2 66,7 47,4
Ele(a) me insultou com Sempre 0,3 2,7 0,001 1,3 2,3 0,189
depreciações Às vezes 4,0 4,0 4,4 9,0
N homens =1221 Raramente 8,9 11,2 9,5 21,2
N mulheres = 1816 Nunca 86,8 82,1 84,8 67,4
Ele(a) me ridicularizou ou me Sempre 0,3 1,4 0,015 0,1 0,6 0,491
caçoou na frente dos outros Às vezes 2,1 7,2 2,6 3,6
N homens = 1221 Raramente 6,4 5,2 5,3 5,0
N mulheres = 1823 Nunca 91,2 86,2 92,0 90,8
Ele(a) vigiava com quem e Sempre 9,8 16,2 0,565 11,4 24,8 0,018
onde eu estava Às vezes 19,8 18,2 20,0 17,6
N homens = 1223 Raramente 22,3 17,9 17,7 28,7
N mulheres = 1820 Nunca 48,1 47,7 51,0 28,9
Ele(a) me culpou pelo Sempre 4,5 13,6 0,037 7,9 10,4 0,706
problema Às vezes 17,6 12,2 15,5 20,8
N homens = 1223 Raramente 20,4 26,6 22,4 17,7
N mulheres = 1821 Nunca 57,6 47,6 54,2 51,1
Ele(a) me acusou de paquerar Sempre 6,1 17,4 0,144 10,3 25,9 0,000
outro(a) garoto(a) Às vezes 17,6 14,9 19,1 29,2
N homens = 1224 Raramente 23,3 28,2 20,0 19,4
N mulheres = 1818 Nunca 53,0 39,5 50,7 25,5
Ele(a) ameaçou terminar o Sempre 1,3 12,8 0,000 2,0 2,3 0,236
relacionamento Às vezes 10,5 14,1 10,9 18,0
N homens = 1222 Raramente 19,8 20,6 19,0 29,1
N mulheres =1822 Nunca 68,4 52,6 68,2 50,6

Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Na tabela 11 está apresentada a associação entre sofrer violência sexual em pelo


menos uma esfera relacional e perpetração de violência verbal.
92

Em relação ao item fazer algo para provocar ciúmes no (a) parceiro (a), os resultados
observados para ambos os sexos mostram a inexistência de associação com ser vítima de
violência sexual, embora em níveis próximos à significância estatística definida no estudo.

Outros itens também não mostram associação com vitimização por violência sexual.
São eles: mencionar algo de ruim do(a) parceiro(a), que ele/ela fez no passado; ridicularizar
ou caçoar o(a) parceiro (a) na frente dos outros; vigiar com quem e onde ele/ela estava;
culpar ele/ela pelo problema. Como se pode constatar, esses comportamentos refletem
práticas e linguagens muito frequentes entre os jovens, independente de sexo ou vitimização
sexual. São fruto de uma sociedade de vigilância e controle (FOUCAULT, 1977) que
determina formas de regulação social e sexual configuradas de acordo com as normas do
espaço social no qual a violência se manifesta. Relações como estas podem tornar os jovens mais
vulneráveis a comportamentos violentos em relacionamentos futuros.

Uma única questão encontra-se associada à vitimização sexual entre as mulheres: dizer
coisas ao parceiro(a) somente para deixa-lo(a) com raiva. Das moças vitimizadas
sexualmente, 66,8% referem tal comportamento, em relação a 50,2% das que não sofreram
violência sexual.

Os seguintes itens mostram-se associados à vitimização sexual apenas entre os


rapazes: falar com o(a) parceiro (a) em um tom de voz hostil ou maldoso; insultá-lo (la) com
depreciações; acusá-lo(la) de paquerar outra(o) garota(o); ameaçar terminar o
relacionamento. Todos estes comportamentos mostram-se bem mais comuns entre os rapazes
que vivenciaram pelo menos uma forma de vitimização sexual.
93

Tabela 11: Indicador de violência sexual e violência verbal perpetrada nas relações afetivo-sexuais
por jovens (15-19 anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Sexo feminino Sexo masculino


ITENS DE VIOLÊNCIA VERBAL / Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
EMOCIONAL PERPETRADA violência sexual valor violência sexual valor
(CADRI) Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Eu fiz algo para provocar Sempre 7,5 9,7 0,056 4,2 13,8 0,052
ciúmes nele(a) Às vezes 21,2 43,5 26,1 24,9
N homens = 1222 Raramente 25,2 22,7 29,7 38,4
N mulheres = 1819 Nunca 46,1 24,1 40,0 22,9
Eu mencionei algo de ruim que Sempre 3,8 3,2 0,102 10,0 9,8 0,635
ele(a) fez no passado Às vezes 14,2 30,7 19,7 24,2
N homens = 1222 Raramente 21,0 31,8 18,4 21,4
N mulheres = 1822 Nunca 61,0 34,4 51,9 44,6
Eu disse coisas somente para Sempre 4,6 17,4 0,015 5,6 9,8 0,364
deixá-lo(a) com raiva Às vezes 23,4 16,1 18,6 25,9
N homens = 1226 Raramente 22,2 33,4 21,5 25,4
N mulheres = 1821 Nunca 49,8 33,2 54,4 38,9
Eu falei com ele(a) em um tom Sempre 5,3 6,2 0,059 1,6 2,8 0,000
de voz hostil ou maldoso Às vezes 19,8 23,7 12,8 21,9
N homens = 1220 Raramente 24,7 37,2 18,6 40,8
N mulheres =1820 Nunca 50,1 32,9 67,0 34,5
Eu o (a) insultei com Sempre 1,2 2,5 0,188 1,3 3,4 0,006
depreciações Às vezes 4,8 6,0 4,0 1,4
N homens = 1222 Raramente 8,6 14,6 9,5 26,0
N mulheres = 1817 Nunca 85,4 76,9 85,2 69,2
Eu o (a)]ridicularizei ou caçoei Sempre 1,1 1,8 0,482 0,5 1,8 0,100
dele (a) na frente dos outros Às vezes 3,0 4,5 3,4 3,0
N homens = 1223 Raramente 7,3 11,6 4,9 10,9
N mulheres = 1824 Nunca 88,6 82,0 91,3 84,3
Eu vigiava com quem e onde Sempre 12,1 11,5 0,836 7,6 12,4 0,296
ele(a) estava Às vezes 14,6 14,3 16,1 19,0
N homens = 1226 Raramente 21,6 18,2 19,2 27,1
N mulheres = 1819 Nunca 51,7 55,9 57,1 41,6
Eu o (a) culpei pelo problema Sempre 6,3 12,4 0,171 5,6 3,3 0,677
N homens = 1223 Às vezes 19,7 16,7 12,7 18,3
N mulheres = 1817 Raramente 21,2 35,7 21,3 20,8
Nunca 52,9 35,3 60,4 57,6
Eu o (a) acusei de paquerar Sempre 8,4 15,8 0,197 2,6 2,3 0,000
outra(o) garota(o) Às vezes 26,3 22,2 13,5 32,9
N homens = 1226 Raramente 20,8 29,8 20,1 33,0
N mulheres = 1821 Nunca 44,4 32,2 63,8 31,8
Eu ameacei terminar o Sempre 5,7 14,1 0,063 2,8 15,3 0,029
relacionamento Às vezes 19,6 14,1 14,6 20,7
N homens = 1223 Raramente 26,2 32,4 21,8 29,2
N mulheres = 1820 Nunca 48,5 39,4 60,8 34,8

*Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

***
94

Ao longo deste item apresentamos a maneira como muitos adolescentes de ambos os


sexos convivem com a violência sexual. É possível observar que violência sexual apesar de
ser teoricamente reconhecida como uma prática com prevalência mais elevada no sexo
feminino, também é reconhecida entre os homens. Os dados do presente estudo revelam a
complexidade em abordar a temática na adolescência e a relevância de se estudar melhor esta
forma de violência em ambos os sexos, as características diferenciadas de vitimização e o
impacto negativo para o desenvolvimento de rapazes e moças (CHIODO et al. 2009).

Observou-se também neste item pequeno diferencial em relação à escolaridade e


inserção em rede de ensino pública ou privada, o que remete para a possibilidade de distintos
comportamentos de violência sexual presentes nas diferentes camadas sociais. Para Ruzany et
al. (2003), pertencer à camada social menos favorecida economicamente e viver em ambiente
presenciando situações de violência são fatores que aumentam o risco de sofrer violência.

Importante destacar a associação da violência sexual com outras formas de violência,


tais como a violência física e a psicológica (ameaça, relacional, verbal). Neste sentido,
reforçamos o fato de o adolescente ser configurado ora na categoria de vítima ora como de
perpetrador. Torna-se importante destacar o quanto estes adolescentes ao vivenciar a violência
sexual encontram-se também expostos a outras formas de violência. Este aspecto foi também
destacado em estudo realizado com 1.193 adolescentes estudantes matriculados na oitava
série da rede estadual da cidade de Porto Alegre (POLANCZYK et al. 2003).

Torna-se necessário repensar as figuras vítima/perpetrador como construções


simbólicas que atribuem ao masculino a imagem de violência, sem a rigidez e o essencialismo
de alguns conceitos de gênero (SAFFIOTI, 2001). Tanto meninas quanto meninos estão
sujeitos à violência sexual.

A seguir, apresentam-se alguns aspectos relacionais inseridos na dinâmica familiar do


adolescente vitimizado sexualmente.
95

4.2 AS RELAÇÕES FAMILIARES NA PRESENÇA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Neste capítulo prioriza-se analisar como são as relações familiares do adolescente


vítima de violência sexual em pelo menos uma esfera relacional de sua convivência, a partir
da aplicação da escala CADRI, em 3496 adolescentes de ambos os sexos.

O relacionamento familiar com a mãe e os irmãos é citado de forma similar pelos


adolescentes de ambos os sexos, independente de vivenciar ou não a violência sexual. Mais de
80% de adolescentes do sexo feminino e masculino referem relacionar-se com a mãe de forma
boa; já com os irmãos acima de 55% descrevem ser boa esta relação. Em relação ao
relacionamento com o pai, tem-se que as moças que sofreram violência sexual mostram perfil
muito distinto: 48,6% informam bom relacionamento, 32,9% de qualidade regular e 18,5%
ruim (74,7%, 18,5% e 6,8%, respectivamente, no grupo sem história de violência sexual;
p=0,008).

Através destes resultados percebe-se que a qualidade do relacionamento com o pai é


pior entre as adolescentes do sexo feminino vitimizadas sexualmente do que entre as que não
têm histórico de violência sexual. No próximo capítulo, resultados qualitativos oriundos de
algumas entrevistas também apontam para diferença no relacionamento com os pais, sendo o
papel do pai descrito pelas entrevistadas como secundário.

A relação dos adolescentes entrevistados, no estudo quantitativo, com a família


ampliada foi indagada através do número de parentes com quem o adolescente se sente à
vontade de falar sobre “quase tudo”. Os rapazes declararam possuir, em média, 3,5 (dp=4,1)
pessoas na família em quem depositam tal confiança. Dentre as moças a média observada é
um pouco menor: 2,8 (dp=2,8). Observando esta questão por outro ângulo, tem-se que mais
de 20% de adolescentes de ambos os sexos não se sentem à vontade para falar com os
parentes sobre sua vida pessoal e (sem distinção em relação a ter sido vítima ou não de
violência sexual).

Os entrevistados foram ainda indagados se contribuíam com suas atitudes para que a
família tivesse maior diálogo e respeito entre si. Não houve associação entre ter sido vítima de
violência sexual e cooperar com o diálogo ou o respeito dentro da família, para ambos os
sexos. O quadro observado assinala que não há diferença na postura em relação ao sexo ou
96

quanto à vitimização sexual: mais de 68% dos adolescentes consideram que contribuem muito
para o diálogo; e acima de 82% também concordam contribuir muito para o respeito.

A comunicação entre pais e filhos foi avaliada segundo a possibilidade de conversar


abertamente sobre diversos temas (gráfico 2). Um deles foi sobre sexo, mencionado pelos
rapazes que vivenciaram violência sexual com maior frequência (69,1%) do que pelos que
não viveram tal problema (52,9%; p=0,009). Entre as moças, cerca de metade delas refere
haver este diálogo na família. Sobre o tema das drogas o quadro é similar: 88,6% dos rapazes
conversam sobre o tema com os pais dentre aqueles que vivenciam violência sexual e 73%
dos que não relatam vitimização sexual comentam a presença de diálogo sobre drogas
(p=0,019). Dentre as meninas sem vitimização sexual, 77,6% relatam conversar sobre drogas
com os pais/responsáveis. Estes resultados apontam para perfis de socialização diferenciados
por gênero. Bozon e Heilborn (2006), afirmam que as fontes de informação assumirão pesos
mais ou menos forte entre meninos e meninas dependendo da temática. Acreditamos que entre
as famílias dos adolescentes do sexo masculino, o espaço para o diálogo sobre sexo e drogas é
construído de maneira mais naturalizada.

Quanto ao diálogo com os pais responsáveis sobre as amizades e os namoros há


similaridade entre adolescentes com e sem história de vitimização sexual, mais de 80% de
moças e rapazes descrevem que conversam com os pais sobre suas amizades, porém quando o
tema é namoro, as meninas (acima de 70%) conversam mais do que os meninos (entre 62,8%
e 63,6%).

A família possui papel essencial na civilização e apesar de algumas transformações,


prossegue exercendo funções capitais durante todo o processo de desenvolvimento do
indivíduo. Para Reis (1994), a família por ser o “locus da estruturação da vida psíquica”, sua
importância se dá em torno das relações sociais e na vida emocional de seus membros, uma
vez que está centrada no binômio autoridade/afeto.

Assim pode-se dizer que na adolescência as inter-relações que ocorrem entre os


membros familiares, os papéis de pai e mãe são muito significativos (WINNICOTT, 1980).
Baseado neste pressuposto, destacamos no gráfico 2 a importância do diálogo com os pais
acerca das experiências com o grupo de iguais e sobre as relações afetivas. Observa-se que
existe uma hierarquia acerca dos temas escolhidos pelos adolescentes para conversar com
seus pais.
97

Verifica-se que os pais, ainda que em alguns momentos não sejam considerados como
interlocutores prioritários são avaliados de forma positiva por ambos os sexos.

Gráfico 2: Comunicação entre pais e filhos segundo temáticas e vitimização por violência sexual.

A supervisão dos pais sobre os filhos adolescentes foi avaliada pela imposição de
limites ao sair com amigos. Não se notou distinção segundo a vitimização por violência
sexual. No total das adolescentes, 32,7% têm que dizer aos pais a hora de retornar para casa,
49,5% combinam com o pai a hora de voltar, 14,2% voltam para casa a hora que quiserem e
3,6% nunca saem sem os familiares. Entre os meninos tem-se que 28,2% dizem aos pais o
horário em que irão voltar; 40,5% combinam com os pais a hora de voltar para casa; 26,7%
voltam para casa quando querem; e 4,6% nunca saem sem os familiares.

Os adolescentes também foram indagados sobre a frequência com que os


pais/responsáveis sabem aonde vão e com quem estão. Constatou-se que há diferença no
perfil das moças que vivenciaram violência sexual (p=0,001), destacando-se a pior supervisão
dos responsáveis neste grupo: 47,7% dos pais sempre estão informados, 27,2% muitas vezes,
23,2% poucas vezes e 1,9% eles nunca sabem. Dentre as meninas sem história de vitimização
os percentuais encontrados indicam maior informação dos pais: 70,3%, 24,3%, 4,7% e 0,8%,
98

respectivamente. Para os meninos não há associação segundo a existência de violência


sexual. Em geral, 52,5% deles têm pais que sempre o supervisionam, 34,3% muitas vezes,
2,5% poucas vezes e 0,8% nunca são supervisionados.

A relação dos adolescentes com seus irmãos foi outro tema abordado na pesquisa, sem
que houvesse diferenciação entre os grupos que sofreram ou não a violência sexual. Em geral,
59,4% das moças e 72,9% dos rapazes brigam com seus irmãos a ponto de se machucarem,
xingam e humilham um ao outro. Estes elevados percentuais apontam para frágeis relações
fraternas.

A presença de agressão verbal da mãe sobre o adolescente entrevistado no ano


anterior à pesquisa, caracterizada por atos como xingar ou insultar, ficar emburrada, chorar,
fazer coisas para irritar, destruir, bater ou chutar objetos, mostrou estar associada com
vitimização sexual entre as moças: 95,9% das que sofrem vitimização sexual revelam ser
vítimas dessa forma de agressão na convivência diária com a mãe (83,6% no grupo sem
vitimização; p<0,001). Estes elevados percentuais apontam uma relação mãe-filha permeada
por atitudes de violência psicológica dirigidas principalmente às filhas vítimas de violência
sexual. Esta forma de comunicação atravessa o processo de construção da identidade destas
adolescentes, marcando um ciclo de violências. Dentre os rapazes, 77,9% indicam tal relação
com a mãe.

Nota-se que apesar dos adolescentes apontarem, de uma forma geral, ter bom diálogo
com os pais, algumas condutas presentes no curso do crescimento emocional implicam em
relações familiares pautadas em violências, que talvez não sejam reconhecidos pelos jovens
como tal.

A presença de agressão verbal do pai sobre o adolescente entrevistado no ano anterior


mostrou-se igualmente elevada, similar em ambos os sexos e perfil de vitimização: 64,3%
entre moças e 65,1% entre os rapazes.

A ocorrência de violência física severa da mãe sobre o adolescente no ano anterior à


pesquisa, caracterizada por dar murros ou chutes, bater ou tentar bater com objetos,
espancar, ameaçar e usar armas de fogo ou faca mostra-se associada à vitimização sexual
nos rapazes: 40,2% dos que relatam violência sexual informam sofrer violência física severa
da mãe, contra 19,6% dentre os que não passaram pela vitimização sexual (p=0,003). Dentre
as moças, 16,9% informam conviver com a violência física severa da mãe no último ano.
99

Mesmo quadro ocorre no que se refere à violência física severa do pai sobre o adolescente no
último ano: 28,5% foi o percentual observado entre os rapazes que sofrem vitimização sexual
e 12,9% naqueles sem este histórico (p=0,007). Dentre as moças, 7,6% informam tal
comportamento paterno.

A violência física e psicológica existente entre os pais não se mostra distinta em


relação à questão da vitimização sexual: 6,4% dos pais das moças entrevistadas e 7,3% dos
responsáveis pelos rapazes se agridem a ponto de se machucarem. Para a presença de
humilhação de um responsável sobre o outro, os percentuais observados são: 26,5% e 23,4%,
respectivamente.

***

Importante ressaltar que as experiências compartilhadas pelos adolescentes no interior


de suas famílias, local onde se dão as primeiras trocas afetivas, são consideradas as mais
intensas, suficientes para o estabelecimento das trocas afetivas ao longo de sua vida (LIMA;
ALBERTO 2010; WINNICOTT, 1980). Erikson (1976) dá também destaque às experiências
vivenciadas no primeiro ano de vida da criança. Da qualidade da relação mãe-filho,
“sentimento de confiança básica”, dependerá a capacidade de enfrentamento das crises
posteriores (ERIKSON, 1976). Por esse motivo as conversas abertas nessa etapa do
desenvolvimento assumem um papel ainda mais importante sendo homem ou mulher, vítima
ou não de violência sexual, com os pais ocupando espaço no desenvolvimento emocional dos
mesmos (WINNICOTT, 1980). Observou-se nos resultados a violência presente na estrutura
familiar, acerca de 1 em cada 4 responsáveis se tratam através de humilhações. Estes dados
nos levam a refletir sobre o fato de que as famílias podem não ser tão seguras e afetuosas
quanto se deveria esperar. A violência presente neste ambiente demonstra como a estrutura
familiar é também composta de contradições e conflitos e imbricada por relações de poder
(FALEIROS, 2000).

Consequentemente, para algumas famílias, desfaz-se o mito de que é este um espaço


universalmente reconhecido de segurança, harmonia e refúgio. É também núcleo no qual a
violência doméstica e a intrafamiliar podem se manifestar. Tem-se então um paradoxo
100

estabelecido, este espaço que seria de proteção é também o que pode proporcionar condições
de perigo e desproteção (SAFFIOTI, 2001). É neste ambiente que algumas tendências
antissociais podem se desenvolver, tornando os sujeitos vulneráveis a envolverem-se em
situações adversas e permeadas pela violência (WINNICOTT, 1999).

Sendo assim, cabe avaliar quais aspectos podem contribuir na construção dos
processos identitários de adolescentes vitimizados sexualmente. Os resultados estão descritos
a seguir.

4.3 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE NA PRESENÇA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Considerada como etapa fundamental do ciclo vital, a principal tarefa da adolescência


constitui-se então em responder a questão “quem eu sou”, redefinindo sua identidade. A
condição da adolescência impõe ao sujeito demandas pulsionais, biológicas e sociais, descrita
por Nasio (2011) como um período de “lento e doloroso processo de luto e renascimento”.
Neste período o adolescente necessita elaborar perdas, afastando-se progressivamente da sua
infância e consequentemente experimentando novas possibilidades de identificação e/ou
investimentos psíquicos, para assim poder ser capaz de transformar-se. Dessa forma ao passar
por esse intenso processamento de novos modelos identificatórios este sujeito poderá aos
poucos ter a autonomia necessária para construir sua identidade adulta sem o risco de não
reconhecer-se frente a demandas culturais (MACEDO, 2010a).

Para Erikson (1978) caberá ao adolescente a tarefa de integrar passado, presente e


futuro, em um período de intensas transformações. Ou seja, nessas relações de ganhos e
perdas é importante situar o adolescente dentro do contexto social contemporâneo, uma
cultura marcada pela fluidez nos relacionamentos interpessoais e pela inconsistência e
fragilidade nos vínculos afetivos (BAUMAN, 1998).

Ao abordar nesta tese a construção da identidade de adolescentes vitimizados


sexualmente, tem-se um sujeito que é atravessado por um contexto social marcado por
relações de violência nas suas mais diferentes expressões. Diante deste cenário, temos um
101

adolescente com sua identidade fragilizada, tendo em vista toda a sua complexidade, mas em
busca de filiação e reconhecimento.

Neste sentido é fundamental considerar a importância das relações estabelecidas por


este adolescente vítima de violência sexual, não somente pelos seus cuidadores (pai/mãe),
mas também em outros contextos para compreender sobre onde e como as violências se fazem
presentes, dificultando ou impedindo a construção de sua identidade.

Assim, neste capítulo, priorizam-se aspectos importantes para a formação da


identidade do adolescente vítima de violência sexual, tais como autoconfiança, competência
escolar, formação de amizades, consumo de substâncias legais e ilegais, questões de
cultura/gênero, idéias suicidas e formas ativas de busca de ajuda (coping ativo).

a) Autoestima

Não foi encontrada associação entre nível de autoestima – escala de Rosemberg (1989)
– e ter sido vítima de violência sexual (tabela 12). Oito por cento de adolescentes do sexo
feminino e 13,6% do sexo masculino com história de violência sexual apresentam baixa
autoestima.

Tabela 12: Relação entre autoestima e violência sexual

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
AUTOESTIMA valor valor
violência sexual violência sexual
Não (%) Sim (%) Não (%) Sim (%)
Autoestima Baixa 92,0 8,0 0,812 86,4 13,6 0,882
N homens=1287 Média 90,4 9,6 86,8 13,2
N mulheres=1868 Alta 90,3 9,7 88,1 11,9

Pode-se suspeitar a partir destes resultados que a maior frequência de baixa autoestima
dos adolescentes do sexo masculino esteja relacionada à menor denúncia de violência sexual
junto a este grupo. Para Chavez et al. (2009), a subnotificação ocorre devido a questões de
gênero, pois de acordo com estes autores, a denúncia da violência sexual nesta faixa etária,
está associada ao reconhecimento de experiência homossexual forçada. Outros fatores
também contribuem para que meninos se calem, dentre eles estão as questões sociais,
culturais e emocionais (PRADO, 2006).
102

b) Autoconfiança

Os adolescentes entrevistados na pesquisa informam que com elevada frequência


(sempre ou muitas vezes) defendem suas idéias e opiniões frente aos amigos, evidenciando
confiança em si próprio: 91,9% entre as mulheres e 85,6% entre os rapazes, sem diferenciação
segundo ter ou não sido vítima de violência sexual.

Com relação à maneira como os adolescentes solucionam os conflitos que têm com os
amigos tem-se que 88,9% das moças e 79,3% dos rapazes conseguem, muitas vezes,
solucionar as dificuldades conversando. Entretanto, os meninos apresentam comportamento
menos dialógico e mais agressivo se comparado com as meninas, pois, muitas vezes xingam
uns aos outros (13,2% dos meninos e 2,7% das meninas), humilham uns aos outros (7,9% e
1,2%, respectivamente) e batem ou empurram uns aos outros (6,7% e 0,6%, respectivamente).

c) Competência escolar

No que se refere à competência escolar, constata-se que um percentual significativo de


adolescentes se considera um ótimo ou bom aluno no que se refere às notas que obtêm na
escola (69,5% entre moças e 63,6% entre os rapazes). Similar situação se refere à participação
na escola através de atos como perguntar, fazer atividades, participar em grupos estudantis,
artísticos, esportivos e grêmios: 68,4% e 59,3%, em ordem respectiva.

O relacionamento com professores foi relatado como bom por 83% dos rapazes e
79,8% das moças.

Não foi encontrada associação entre ter sido vítima de violência sexual e competência
escolar, aferida pela avaliação das notas escolares, da participação na escola e através da
qualidade do relacionamento aluno-professor para ambos os sexos.

d) Amizades

Possuir amigos é fator fundamental na adolescência. Dentre os rapazes e moças


estudados, observa-se:

· Amigos do sexo masculino: 76,6% dos rapazes relatam ter muitos amigos,
comparados a 58,9% entre as mulheres. Um total de 22,9% dos rapazes possui poucos
103

amigos (39,2% entre as mulheres) e apenas 0,5% informam não ter amigos (1,9%
entre as moças).

· Amigas do sexo feminino: 72,6% das moças têm muitas amigas (70,5% entre
homens), 27,2% relatam poucas amizades femininas (26,9% dos rapazes assim
afirmam) e 0,3% não têm amigas (2,7% dos homens).

Constatou-se que os rapazes têm em média 4,8 amigos (dp=5,1) e as moças 4,5
(dp=4,4). Não se notou distinção entre ter ou não amigos/amigas segundo vitimização por
violência sexual.

No que se refere ao relacionamento com amigos e amigas, percebe-se uma imagem


muito positiva: próximo a 90% dos adolescentes informa que o relacionamento é bom.
Contudo, entre as moças observa-se uma diferenciação segundo a vitimização sexual
(p<0,001): 5,8% daquelas com histórico de violência relatam relacionamento ruim com
amigos, enquanto nenhuma adolescente informa tal qualidade de relacionamento dentre as
que não sofreram violência sexual.

Rapazes que relataram sofrer violência sexual informam maior número de amigos com
quem se sentem à vontade para poder falar sobre quase tudo (correlação de Somers´D =
0,178221; p<0,001).

e) Consumo de substâncias legais e ilegais

Por ser o período da adolescência de grande vulnerabilidade é inegável que a


influência das mudanças no âmbito sociocultural provoca efeitos importantes no processo de
construção da identidade do adolescente, que tanto podem ser influências construtivas como
destrutivas, observadas no modo de agir e de se expressar do adolescente em busca de si
mesmo.

O entendimento psicodinâmico do processo adolescente tem sido um desafio para


profissionais de saúde mental. Assim, a compreensão do uso de substâncias legais e ilegais
nesta fase da vida é ainda mais complexa. Ayub e Macedo (2010) alertam para o fato de que
apesar dos estudos nessa área estarem avançando, a maioria das publicações está voltada para
a identificação do problema, com escassez de estudos direcionados para as práticas de
intervenção e prevenção.
104

Os resultados a seguir nos apresentam um panorama acerca do consumo de drogas


legais e ilegais pelos adolescentes pesquisados. Os gráficos 3 e 4 apresentam informações
sobre o uso de drogas legais e ilegais, incluindo medicação controlada. Destaca-se o uso de
bebida alcoólica até se embriagar ou ficar “de porre”, relatado mais pelas vítimas de violência
sexual: 73,5% dos rapazes (em comparação aos 42,6% que não sofreram esta forma de
violência) e 46,1% das moças (32,9% dentre as que não foram vítimas).

Há também maior utilização de maconha entre adolescentes de ambos os sexos que


sofreram violência sexual em pelo menos uma esfera relacional de suas vidas: 16,4% dos
rapazes vitimizados sexualmente a utilizam (em comparação aos 8,4% que não sofreram esta
forma de violência) e 11,3% das moças (3,9% dentre as que não foram vítimas).

No que se refere à cocaína, tem-se quadro distinto: menor percentual de rapazes


vitimizados sexualmente a utilizam (0,7%, em comparação aos 4,8% que não sofreram esta
forma de violência). Dentre as moças, há maior utilização dentre as sexualmente vitimizadas
(6,8%, versus 2,4% dentre as que não foram vítimas).

Quanto ao uso de medicação para emagrecer, constata-se que há maior uso também
entre os meninos que não foram vitimizados sexualmente (4,8%, contra 0,4% relatado pelo
grupo que sofreu violência sexual). Dentre as meninas, em torno de 9% relata uso deste tipo
de medicação.

Quase 9% dos adolescentes, independente do sexo ou vitimização por violência sexual


fazem uso de tranquilizante ou calmante.
105

Gráfico 3: Uso de drogas por adolescentes do sexo feminino

*p-valor<0,05

Gráfico 4: Uso de drogas por adolescentes do sexo masculino

*p-valor<0,05
106

Em estudo realizado por profissionais do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da


UFRGS e do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA) do Instituto e
Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Hospital das Clínicas de São Paulo (PECHANSKY et
al. 2004), destinado a descrever os aspectos epidemiológicos associados à ingestão de bebidas
alcoólicas pelos adolescentes, os pesquisadores apontam para a prevalência da dependência
química entre os adolescentes, com o uso de álcool em primeiro lugar.

Os estudos epidemiológicos sugerem que 19% dos adolescentes norte-


americanos apresentam abuso de álcool. Os dados brasileiros são mais
escassos e indicam haver características regionais quanto ao uso de álcool e
outras SPA [substâncias psicoativas]. Considerando-se o uso na vida, de
acordo com o I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas
Psicotrópicas no Brasil (2001), a prevalência é de 48,3% entre jovens de 12 a
17 anos, em 107 grandes cidades brasileiras (PECHANSKY et al. 2004,
p.15).

Em relação aos prejuízos causados pelo uso abusivo de bebida alcoólica nesta faixa
etária, autores alertam para a associação do uso de álcool na adolescência com
comportamentos de risco. Estar alcoolizado aumenta a chance de violência sexual seja no
papel de vítima como de agressor (PECHANSKY et al. 2004).

f) Visão cultural/gênero

Ao tratarmos a questão da violência sexual na adolescência, é importante considerar o


fato de que as características estruturais da sociedade, tanto quanto os valores culturais e as
relações socialmente estabelecidas entre os diferentes atores sociais respondem, em grande
parte pela violência.

Os estudos de gênero influenciados pelo movimento feminista e divulgados desde a


década de 70 tem contribuído de forma importante para a desconstrução do caráter
essencialista que justifica e perpetua o desequilíbrio de poder nas relações afetivas e
familiares.

Se o ‘gênero é uma maneira primordial de significar relações de poder’, nem


homens nem mulheres podem situar-se fora dele. Obviamente, esta
mobilidade pelas distintas matrizes de gênero permite a ressignificação das
relações de poder [...] (SAFFIOTI, 2001, p.125).

Entretanto, apesar de mudanças relevantes ocorridas na construção das relações de


gênero nas últimas décadas, ainda sobrevivem algumas práticas educativas apoiadas na ideia
hierarquizada entre homens e mulheres, por exemplo. Neles os meninos são educados para
107

serem fortes, viris, ativos e independentes e as meninas recebem educação para serem frágeis,
submissas, altruístas, dependentes (SAFFIOTI, 2001). Pode-se observar nos resultados
abaixo, que apontam alguns comportamentos vistos como naturalizados em relação à posição
do homem e da mulher nas relações afetivas.

A perspectiva que os adolescentes têm sobre o papel do gênero nas relações afetivo-
sexuais pode ser constatada através das respostas dadas ao item como considera:

· A namorada humilhar o namorado: 93,1% das moças consideram grave ou muito


grave este fato (sem distinção segundo vitimização sexual). Para os adolescentes do
sexo masculino, 84,2% dos que foram vítimas de violência consideram muito
grave/grave este ato, em comparação a 97% dos sem história de violência sexual
(p=0,002).

· O namorado humilhar a namorada: 98% das moças consideram grave ou muito grave
praticar tal ação (sem distinção segundo vitimização sexual). Para os rapazes que são
vitimizados sexualmente, este percentual se reduz para 85,9% (94,4% entre os rapazes
não vitimizados; p=0,047).

Como se pode constatar, as moças tendem a considerar mais natural que o sexo
feminino humilhe o masculino do que o inverso, mesmo que esta diferença ocorra em patamar
elevado (isto é, a maioria das mulheres – acima de 90%, considera a humilhação do(a)
parceiro(a) como uma questão grave).

Dentre os homens vitimizados sexualmente, a humilhação do(a) parceiro(a) é mais


aceita como não grave (em torno de 85% dos rapazes vitimizados assim afirmam). Os
rapazes não vitimizados apresentam visão próxima à feminina.

Outra questão cultural indagada se refere a como considera a agressão entre


namorados.

· Namorada agredir namorado: mais moças que não são vitimizadas sexualmente
consideram muito grave este fato (70,2%) do que as que sofreram tal violência
(52,8%; p=0,007), apontando algum grau de naturalização. Igual situação ocorre entre
adolescentes do sexo masculino, com 71,7% dos que foram vítimas de violência
108

considerando muito grave este ato, em comparação a 52,1% dos sem história de
violência sexual (p=0,027).

· Namorado agredir namorada: 99,3% das mulheres consideram muito grave ou grave
esta forma de agressão. Dentre os rapazes, este percentual diminui um pouco (97,3%),
mas também mostra uma interdição à agressão sobre a mulher, tema mais presente na
cultura brasileira. Não se observou distinção segundo vitimização sexual para nenhum
dos sexos.

A aceitação da agressão entre namorados foi também questionada a partir da opinião


às seguintes perguntas.

· Um garoto tem direito de agredir outro que esteja dando em cima de sua namorada:
12,6% das mulheres e 47,7% dos homens concordam com tal afirmativa.

· Uma garota tem direito de agredir outra que esteja dando em cima de seu namorado:
20,3% das mulheres e 35,1% dos homens concordam com tal afirmativa.

· Se um garoto foi infiel a sua namorada, ele merece apanhar: 25,1% das mulheres e
20% dos homens concordam com tal afirmativa.

· Se uma garota foi infiel ao seu namorado, ela merece apanhar: 10% das mulheres
têm tal julgamento de valor. Entre os rapazes, os que são vítimas de violência sexual
relatam concordar mais com esta afirmativa (34,1%), se comparados aos seus pares
sem vitimização (18%; p=0,005).

Para a maioria dessas respostas, os homens tendem a concordar mais com a utilização
da agressão física como forma de resolução de conflitos (exceção para apanhar devido à
infidelidade masculina – comportamento culturalmente concebido como próprio do homem).

Para outras visões culturais não se verificou distinção segundo vitimização sexual. São
elas:

· Pancadaria entre casais: 98% das mulheres consideram grave/muito grave a


existência de agressões entre casais de qualquer idade (97,7% dos rapazes).

· Agredir prostitutas: 98,3% das mulheres e 91,3% dos rapazes consideram grave/muito
grave tal ato.
109

· Agredir homossexuais: 98,1% das mulheres e 82,9% dos rapazes consideram


grave/muito grave tal ato.

Constata-se, a partir destes dados, que a agressão a prostitutas e homossexuais tem


uma aceitação um pouco maior entre os adolescentes do sexo masculino.

g) Idéias suicidas

Um total de 19,2% das moças já ficou triste e sem esperança no futuro por causa de
relacionamento amoroso, até o ponto de pensar seriamente em se matar. Entre os rapazes,
41,3% dos vitimizados sexualmente assim afirmaram, em contraposição a 16,4% dos que não
são vítimas dessa forma de violência (p=0,003).

h) Coping ativo – busca de ajuda

A procura de ajuda externa para a resolução de dificuldades pessoais é um atributo


comum observado em pessoas resilientes. Buscando conhecer um pouco desta característica
entre os adolescentes entrevistados, na pesquisa indagamos se ele/ela precisou procurar ajuda
profissional por causa de algum tipo de violência causada por pessoas com quem já namorou
ou ficou. Constatamos que as respostas variavam em relação à vitimização sexual em ambos
os sexos.

Foi encontrado que entre adolescentes do sexo feminino que foram vítimas de
violência sexual 10,2% já buscaram ajuda profissional, contrapondo-se a 3,7% dentre as que
não foram vítimas; no sexo masculino, os percentuais obtidos foram: 4,2% e 1,3%,
respectivamente.

São as seguintes as pessoas ou os /profissionais procurados pelos adolescentes:

· Moças: 25% buscam os familiares e 39,3% os amigos. Dentre os profissionais tem-se


que 4,4% procuraram ajuda com professores, 4,2% com religiosos e 3,8% com
profissionais de saúde.

· Rapazes: 52,1% procuram os amigos e 25,5% os familiares. Dentre os profissionais


destacam-se os religiosos (3,2%), seguidos pelos profissionais de saúde (2,4%) e os
professores (0,2%).
110

Nota-se que tanto os rapazes quanto as moças entrevistados inicialmente vão buscar
nos amigos apoio e proteção, sendo a família referida como a segunda opção por ambos os
sexos.

A visão da ajuda recebida é positiva (excelente ou boa) para ambos os sexos: 92,3%
das adolescentes do sexo feminino e 84,3% do sexo masculino consideraram bom ou
excelente o auxílio recebido.

***

Neste capítulo foi possível observar vários aspectos que podem interferir na busca da
identidade realizada pelos adolescentes, sendo este um trabalho psíquico no qual os
investimentos desta etapa do ciclo vital vão aos poucos sofrendo inúmeras transformações.
Apontamos a relação que os adolescentes estabelecem com seu corpo. Ter sido vítima de
violência sexual impõe dificuldades no desenvolvimento da representação de si mesmo e de
sua autoestima. Assis et al. (2003) em estudo sobre a representação social do adolescente
apontam a autoestima e o autoconceito como atributos individuais que influenciam
diretamente nas experiências interpessoais e que tendem a ser acometidos em situação de
violência. Nota-se que para adolescentes do sexo masculino vitimizado sexualmente a
autoestima é mais atingida do que entre as meninas, talvez em função de questões culturais
(PRADO, 2006).

A companhia dos pais na adolescência passa a não ser mais tão importante como era
antes, a relevância dada às amizades tanto pelos meninos quanto pelas meninas demonstra o
quanto o sentimento de pertencer a um grupo de iguais representa papel fundamental na vida
dos adolescentes, independente de ser ou não vítima de violência sexual.

Ter em média acima de quatro amigos, descrito pelos meninos e pelas meninas e ainda
quase 80% assumir que consegue solucionar conflitos de maneira dialógica com os amigos,
reflete a busca de segurança e estima pessoal proporcionadas pelos grupos de iguais.
Evidenciado também pelo fato de que a maioria dos adolescentes de ambos os sexos quando
está em dificuldades pessoais, busca primeiro os amigos e em seguida os familiares, pois: “o
111

grupo constitui assim transição necessária no mundo externo para alcançar a individualização
adulta” (KNOBEL, 1992, p.37)

Entretanto, nem sempre o adolescente consegue ter uma visão saudável de si mesmo
podendo envolver-se com experiências destrutivas. Neste sentido o destaque é para o alto
percentual de rapazes e moças vítimas de violência sexual que consomem substâncias legais
como álcool, e também em menor proporção o uso de substâncias ilegais como a maconha.
Sob este aspecto, autores (OUTEIRAL, 1994; CALLIGARIS, 2000) alertam para o fato de se
pensar esta questão de forma clara, sem exageros ou negação, uma vez que assim como ocorre
entre os adultos, os adolescentes são também seduzidos por uma promessa de satisfação aos
anseios e desejos.

Os adolescentes, por viverem um corpo e uma mente em transformações, o


que ocasiona uma menor ou maior dor (sofrimento) psíquica (na
dependência de sua personalidade anterior à adolescência), constituem uma
população de risco em relação ao uso de drogas (OUTEIRAL, 1994, p.42).

No que diz respeito às relações afetivas, percebe-se que para os meninos e meninas é
um processo bastante complexo, evidenciado no fato de mais de 50% dos adolescentes de
ambos os sexos e com história de violência sexual consideram natural a namorada agredir o
namorado.

Em relação a atitudes violentas, entre adolescentes do sexo masculino, independente


da vitimização sexual, observamos maior aceitação da agressão como forma de solução de
conflitos em relações afetivas. Tem-se uma visão diferenciada de acordo com o sexo, uma vez
que estão permeados por questões culturais.

Assim, observou-se como algumas funções e papéis sociais diferenciados para os


meninos e meninas impregnados por simbolismos, construídos e conservados dentro de
determinados contextos sociais e culturais, foram representados pelos adolescentes
entrevistados. Desse modo, nota-se como os conceitos de masculino e feminino,
historicamente determinados, atravessam as práticas, os costumes e os valores culturais e
orientam atitudes e comportamentos dos adolescentes (SAFFIOTI, 2001).

Diante de manifestações marcadas por transformações socioculturais, temos um


sujeito incompleto com a vivência de violência sexual e que necessita de um tempo para ter
acesso a um destino que não seja o da patologia, da transgressão ou mesmo o de cair no ciclo
112

da violência, para só então alcançar a maturidade: “ter amadurecido é ter adquirido uma nova
maneira de amar o outro e de amar-se a si mesmo” (NASIO, 2011, p.31).

Do ponto de vista social, o processo de construção da identidade irá acontecer na


medida em que o adolescente conseguir desvincular-se de alguns laços familiares e ir aos
poucos convivendo com grupos de pares, assim progride envolvendo-se em relações
amorosas. Erikson (1976) denomina como período de “confusão de identidade”. É o momento
de transição para a sexualidade genital, cujas trajetórias amorosas são atravessadas por
determinantes culturais. A seguir, teceremos considerações sobre alguns aspectos
relacionados à sexualidade dos adolescentes entrevistados no estudo quantitativo, que foram
vitimizados sexualmente.

4.4 A VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE NA PRESENÇA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Neste item destacam-se aspectos da sexualidade dos adolescentes, visando identificar


diferenças porventura existentes entre aqueles que passaram por uma trajetória de violência
sexual previamente em suas vidas.

“Ficar” ou namorar é uma das características da adolescência mais conhecidas.


Algumas mudanças sociais e culturais geraram novos tipos de relacionamentos afetivos na
adolescência. A vida sexual hoje tem início mais cedo e falar sobre sexo já é comum no
âmbito privado e no público. Os próprios meios de comunicação, principalmente a televisão e
a internet integram os adolescentes em permanentes discussões sobre as formas alternativas
de relações amorosas e sobre os papéis de homens e mulheres.

No campo das abordagens cognitivas, temos na cultura ocidental modelos sociais


diferentes para as meninas e para os meninos. Espera-se que aprendam os seus respectivos
papéis sexuais de conquista e sedução. Bozon (2004) descreve as histórias de referência como
uma categoria particular de script interpessoal, tomando como exemplo o processo de
relacionamento sexual dos adolescentes durante os anos de 1990. Tais histórias são produtos
construídos socialmente, servem de guias para a interpretação das relações sexuais. Neste
113

sentido, alguns comportamentos dos adolescentes, provenientes de concepções machistas,


construídas culturalmente e reproduzidas no cotidiano de suas relações interpessoais,
submetem os relacionamentos afetivo-sexuais com modelos diferenciados para os rapazes e
para as moças.

Para Matos et al. (2005) o chamado “ficar” é considerado como a forma de


relacionamento mais comum na atualidade e presente também nas classes populares, cuja
característica principal é a ausência de compromisso formal entre o casal, que busca apenas a
obtenção do prazer, onde não há investimento no outro. Assim, é esse um comportamento re-
atualizado pelos adolescentes com os ideais de relacionamento baseados no amor romântico,
na fidelidade e na confiança. O caráter de praticidade ou mesmo de imediatismo do “ficar”
implicam em não estar fixado a nada e a ninguém, consequentemente, a insegurança, comum
nessa faixa etária e a identificação com os iguais estariam preservados.

Do total de adolescentes entrevistados 94,7% das meninas e 90,7% dos meninos já


começaram a “ficar” ou a namorar (93,2% do total de adolescentes).

Na tabela 13 observa-se a correlação entre a idade que o adolescente começou a


“ficar”, a namorar e a transar, discriminado segundo a presença de violência sexual. Dentre as
moças, tem-se que a idade média das que foram vítimas de violência sexual é mais baixa
quanto à época em que começaram a ficar, namorar e transar. Tal dado sugere que, quanto
mais cedo é a iniciação afetivo-sexual, mais vulnerabilidade à violência sexual entre as
mulheres. Estes dados estão em concordância com a literatura ( SILVERMAN, 2001; HOWARD
et al., 2007). Entre os rapazes, não se percebe diferenciação quanto à vitimização sexual.
114

Tabela 13: Idade média em que começou a “ficar” namorar e transar e correlação com indicador de
violência sexual. Adolescentes de dez capitais brasileiras, segundo o sexo.

Violência Sexo feminino Sexo masculino


sexual Correlação Correlação
Média DP * Média DP *
(p-valor) (p-valor)
Idade em que começou a Sim 12,1 1,53 -0,0321819 11,9 1,63 -0,0524541
“ficar” Não 12,7 1,60 (0,016) 12,4 1,55 (0,129)
N homens=1168; N
mulheres=1771
Idade em que começou a Sim 13,9 1,40 -0,0595027 14,3 1,67 0,0027138
namorar Não 14,2 1,32 (0,002) 14,1 1,49 9
N homens=890; N mulheres=1422 (0,577)
Idade em que começou a Sim 14,6 1,22 -0,1627894 14,4 1,47 -0,0047092
transar Não 15,4 1,17 (0,001) 14,7 1,29 (0,751)
N homens=657; N mulheres=627

*Somers´D

Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Na tabela 14 a seguir tem-se o número médio de pessoas com quem os adolescentes já


“ficaram”, namoraram e transaram. As adolescentes vítimas de violência sexual já “ficaram”
com uma média de 21,6 pessoas e as não vítimas dessa forma de violência com 15,3 pessoas.
Este dado sugere maior vulnerabilidade para violência sexual nas pessoas com maior número
de “ficantes”. As adolescentes, em geral, já namoraram com média oscilando entre 2,1 a 2,4
pessoas, independente de vitmização sexual. Estudos apontam que possuir em média 3
parceiros torna os adolescentes mais vulneráveis a experiências de violência física e sexual
nos relacionamentos afetivos (SILVERMAN, 2001; HOWARD et al., 2007).

Entre os adolescentes do sexo masculino a média de “ficantes” é maior do que a


observada para o sexo feminino (25,4 com e 18,4 sem história de violência sexual, sem
alcançar a significância estatística empregada no estudo). O número de namorados que os
adolescentes já tiveram, sem distinção de sexo ou histórico de violência sexual, está em torno
de 2 pessoas. O número de pessoas com quem já transou é de 2,3 entre aqueles com
vitimização e de 1,8 entre os sem história de violência sexual, sem diferença estatisticamente
observada.
115

Tabela 14: Número de pessoas com quem os adolescentes “ficaram” namoraram e transaram e
correlação com indicador de violência sexual. Adolescentes de dez capitais brasileiras,
segundo o sexo.

Violência
Sexo feminino Sexo masculino
sexual
Correlação Correlação
Média DP * Média DP *
(p-valor) p-valor
Número de pessoas com Sim 21,6 15,39 0,0444984 25,4 18,92 0,0828117
quem “ficou” (0,003) (0,053)
N homens=955; N Não 15,3 14,03 18,4 14,87
mulheres=1611
Número de pessoas com Sim 2,4 1,29 0,0018244 2,2 1,13 -0,0515832
quem namorou 1 (0,181)
N homens=823; N Não 2,1 1,20 2,3 1,30
(0,369)
mulheres=1390
Número de pessoas com Sim 2,2 1,15 0,2579986 2,3 1,43 0,0924213
quem transou (0,002) (0,282)
N homens=463; N Não 1,4 0,79 1,8 1,22
mulheres=529

*Somers´D

Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Dentre os que já namoraram ou “ficaram” com alguém, a maioria possui


relacionamentos heterossexuais (97,1% das moças e 96,6% dos rapazes), sem distinção
quanto à vitimização sexual. Dentre as moças, 2,6% já namoraram ou “ficaram” com rapazes
e moças (bissexual) e 0,3% apenas com meninas (homossexual). Entre os rapazes, os
percentuais são: 1,3% para relacionamento homossexual e 2,1% para bissexual.

Na tabela 15 estão descritos os tipos de relacionamentos de “ficar” ou namorar


estabelecidos pelos adolescentes no último ano.

A maior parte dos meninos e das meninas costuma sair em grupo para paquerar ou
azarar. Dentre os meninos, há diferenciação entre as vítimas de violência sexual, pois 95,1%
afirmam tal comportamento (79,6% dentre os não vitimizados).

O comportamento de “ficar” sem compromisso é também muito comum para meninas


e meninos, com ou sem histórico de violência sexual.

“Ficar”/namorar com pessoas diferentes mostra distinção frente a questão da


violência sexual. É maior o percentual das moças vítimas (63%), do que das não vítimas dessa
forma de violência (46%); para os rapazes os percentuais são 74,1% e 57,8%,
respectivamente.
116

“Ficar”/namorar com uma pessoa exclusivamente foi mais relatado pelo sexo
feminino. Entre aquelas que são vítimas de violência sexual este comportamento é mais
relatado (86,9%), do que entre as que não são vítimas (77,3%).

Tabela 15: Tipos de relação de “ficar” ou namoro estabelecidas no último ano. Adolescentes (15-19
anos) em dez capitais brasileiras, segundo o sexo e indicador de violência sexual.

Sexo feminino Sexo masculino


Frequência Indicador de *p- Indicador de *p-
violência sexual valor violência sexual valor
Sim
Não (%) Sim (%) Não (%)
(%)
Sair em grupos de amigos para Sim 66,0 75,0 0,086 79,6 95,1 0,000
paquerar ou azarar Não
34,0 25,0 20,4 4,9
N homens=1220; N mulheres=1814
“Ficar” com pessoa sem Sim 79,1 87,0 0,147 89,7 94,1 0,274
compromisso Não
20,9 13,0 10,3 5,9
N homens=1224; N mulheres=1821
“Ficar”/namorar com pessoas Sim 46,3 63,2 0,012 57,8 74,1 0,050
diferentes Não
53,7 36,8 42,2 25,9
N homens=1216; N mulheres=1798
“Ficar”/namorar com uma Sim 77,3 86,9 0,022 67,5 62,6 0,478
pessoa exclusivamente Não
22,7 13,1 32,5 37,4
N homens=1220; N mulheres=1816
Noivado ou casamento Sim 9,2 9,1 0,981 4,1 3,2 0,760
N homens=1200; N mulheres=1795 Não 90,8 90,9 95,9 96,8

Nota: em negrito estão destacadas as associações estatisticamente significativas

Indagados sobre o perfil do parceiro que buscam na atualidade, adolescentes do sexo


feminino e masculino (independente do histórico de vitimização sexual) informam que a
forma mais comum é a de ter apenas um parceiro ou parceira fixo (a), (cerca de 90% das
moças e de 50% dos rapazes). Em torno de 1/3 dos rapazes relata ter na atualidade parceiros
não fixos (apenas 5% das moças fazem tal afirmativa). O comportamento menos frequente em
ambos os sexos é alternar parceiros fixos e não fixos (5% das mulheres e cerca de 16% dos
rapazes).
117

4.4.1 Relacionamentos Afetivo-sexuais

As primeiras relações afetivo-sexuais na adolescência constituem-se como etapas de


transição e ruptura das relações parentais em direção ao outro, ainda que num primeiro
momento tais relações sejam idealizadas. É através das relações afetivas que o adolescente
pode ser capaz de conhecer-se e experimentar-se para então poder fazer escolhas mais
maduras (MACEDO, 2010b). Assim, estas relações estabelecem laços que podem
proporcionar maior segurança emocional neste momento de distanciamento das relações
parentais, no entanto meninos e meninas passam por diferentes etapas permeadas de ganhos e
perdas.

Cada adolescente entrevistado para esta tese foi indagado para responder aos itens
sobre relacionamento afetivo-sexuais pensando no namorado atual ou no mais recente.
Indagando sobre a duração desse relacionamento, constata-se que para 40,8% dos rapazes o
relacionamento era menor que um mês, para 45,3% estava entre 1-11 meses e para 13,9%
durava mais de um ano.

Dentre as moças, há diferenciação quanto a sofrer violência sexual; este grupo se


destaca por maior concentração de garotas que namoram entre 1-11 meses (60,7%). Nas
adolescentes sem vitimização sexual, há uma distribuição mais equitativa: 28,2% tiveram
relacionamento até 1 mês, 37,7% entre 1-11 meses e 34,2% acima de 1 ano (p<0,001).

Com relação à frequência com que os adolescentes costumam brigar, os rapazes


informam que o fazem com a seguinte frequência: 11,3% sempre/muitas vezes, 42% poucas
vezes e 46,7% informam nunca brigar. Não há diferença entre aqueles que possuem ou não
história de violência sexual. No sexo feminino nota-se diferenciação segundo vitimização
sexual (p=0,010): 17,3% sempre/muitas vezes brigou com o parceiro (14,4% dentre as que
não sofrem violência sexual), 49,2% o fazem poucas vezes e 36,3% nunca brigam. Por estes
dados, percebe-se que as mulheres informam mais brigas que os homens.

Sobre o envolvimento nos relacionamentos afetivos, 87,7% das moças e 71,8% dos
rapazes considera o relacionamento importante/muito importante. Este dado ratifica a
relevância dos encontros amorosos na adolescência.
118

4.4.2 Comportamentos de Risco

A adolescência caracteriza-se como um período intermediário de transição com


mudanças na vida psíquica do sujeito que não é mais uma criança, mas que também ainda não
é adulto. Para Erikson (1976), nesta etapa do ciclo vital, o adolescente pode vivenciar a
“intimidade” com os outros sem se sentir ameaçado. Diante desta situação transitória, alguns
adolescentes são expostos a situações de risco, com destaque para as consequências negativas
a saúde física, sexual e mental dos mesmos aí incluindo uso de drogas, desordens alimentares,
violência, suicídio e tentativa de suicídio. Também o exercício da sexualidade vivenciado por
determinados grupos de adolescentes pode resultar em práticas sexuais pouco responsáveis do
ponto de vista da prevenção. Para Ruzany et al. (2003), a violência sexual presente em
relações amorosas expõe adolescentes a riscos diversos e a doenças sexualmente
transmissíveis.

Indagados sobre a frequência de uso de preservativos, verifica-se o quão vulneráveis


estão os adolescentes de ambos os sexos, independente de vitimização por violência:

· sexo feminino: 47,7% sempre usa, 15,2% muitas vezes, 24,5% poucas vezes, 12,6%
nunca usou camisinha ao transar;

· sexo masculino: 70,8% sempre usa, 15,8% muitas vezes, 9,4% poucas vezes e 4%
nunca usou camisinha ao transar.

As meninas destacam-se pela maior vulnerabilidade se comparado o percentual de


quem sempre usa: 70,8% entre rapazes e 47,7% entre as moças.

No que se refere a ter tido doenças sexualmente transmissíveis, percebe-se que os


adolescentes do sexo feminino que passaram por violência sexual relatam mais esta forma de
adoecer (1,8%, em comparação a 0,3% no grupo não vitimizado sexualmente; p=0,002).
Dentre os rapazes, apenas 33 jovens relatam ter tido DST (0,06%), independente de
vitimização sexual.

Alguns cuidados para a prevenção contra doenças sexualmente transmissíveis foram


indagados aos estudantes:
119

· Só usa camisinha quando transa com pessoas que não conhece bem: 50,2% das moças
e 62,9% dos rapazes assim afirmam, independente de vitimização sexual;

· Só transa usando ou se o(a) parceiro (a) usa camisinha: 66,8% das moças e 78,1%
dos rapazes, sem diferença segundo história de violência sexual.

· Não se preocupa tanto porque não é tão fácil assim pegar doenças: 14,5% das moças
agem de tal forma. Dentre os adolescentes do sexo masculino, há mais
despreocupação com o uso de preservativos dentre os que sofrem violência sexual
(19,6%, versus 7,4% entre os jovens que não relatam violência sexual; p<0,001).

No que se refere a já ter engravidado (no caso das meninas) ou uma namorada ter
ficado grávida (referente aos meninos), vê-se o resultado das relações sexuais desprotegidas:
7,5% dos rapazes já tiveram namoradas grávidas (independente de história de violência
sexual). Para o sexo feminino a situação é distinta: 10,9% das que sofreram violência sexual
já engravidaram, contrapondo-se a 3% das garotas sem tal histórico (p<0,001).

Dentre as moças que já engravidaram (ou as namoradas dos rapazes), 11,3% das
moças e 5,9% dos rapazes informaram ter recorrido ao aborto, sem distinção segundo o
histórico de vitimização sexual.

A relação sexual sem proteção facilita o nascimento de crianças: 1,2% dos rapazes já
são pais, independente da história de violência sexual. O quadro observado para o sexo
feminino é distinto: 2,2% das moças com história de violência sexual já são mães,
contrapondo-se a 0,2% dentre as que não relatam passar por tal violência (p˂0,05).

***

Pode-se perceber a partir dos resultados acima, como o adolescente se depara com
mudanças físicas e também emocionais em função da necessidade de um redimensionamento
de sua identidade. Seu corpo modifica-se, ele precisará então apropriar-se de um novo corpo
para assim poder assumir algumas atitudes mais responsáveis do ponto de vista preventivo.
120

Erikson (1978) descreve períodos desenvolvimentais distintos durante todo o ciclo


vital humano até alcançar a etapa genital. Do ponto de vista psicodinâmico, o
amadurecimento genital contribui para a instabilidade no processo de busca de identidade do
adolescente.

É preciso destacar que o poder chegar a utilizar a genitalidade na procriação


é um feito biopsicodinâmico que determina uma modificação essencial no
processo de conquista da identidade adulta (KNOBEL, 1992, p.30).

Adolescentes vão aos poucos aceitando sua genitalidade, para assim iniciar na busca
de parceiros sexuais.

Dentre as escolhas afetivas na atualidade, temos então o namoro e a prática do “ficar”


destacada pelos adolescentes de ambos os sexos, independente da vitimização sexual, como
exemplos de movimentos no sentido do “reconhecimento” deste corpo. Apesar de não ser
ainda uma escolha madura do objeto, o “ficar” é uma forma que o adolescente encontra de
experimentação de si mesmo e de suas próprias sensações (MACEDO, 2010a).

Deve-se considerar que a relação que o adolescente irá estabelecer com seu corpo, por
ser um momento de crise, que leva a indefinições e incertezas, influencia no processo de
constituição da identidade (ERIKSON, 1976). O pouco uso de preservativos e a gravidez não
planejada observada nos resultados apresentados indicam a existência de relações afetivo-
sexuais pouco saudáveis para muitos adolescentes.

A precocidade da iniciação afetivo-sexual, bem como o elevado número de parceiros


que já ‘ficou’ entre as adolescentes vítimas de violência sexual aponta para a perspectiva de
maior vulnerabilidade neste grupo à violência sexual ( SILVERMAN, 2001; HOWARD et al.,
2007).
121

5. REVELAÇÕES SOBRE VIOLÊNCIA SEXUAL:


APROFUNDANDO O CONHECIMENTO ATRAVÉS DO
ENFOQUE QUALITATIVO

Conforme já descrito na metodologia, a análise final dos resultados baseou-se nas


entrevistas de seis adolescentes do sexo feminino. Segue abaixo uma tabela que sintetiza
algumas características dos adolescentes participantes da abordagem qualitativa. A seguir, é
apresentada uma breve descrição de cada entrevistada.

Tabela 16: Distribuição dos adolescentes entrevistados na abordagem qualitativa

Adolescentes Ida Com Escolari Municíp Situação do Vida Relação com o


9 de quem dade io de casal sexual agressor
reside origem parental antes da
violência
sexual
Damiana 17 Pai/mãe/ir EF Belford Casados Sim Desconhecido
mãos incompleto Roxo
(8º. Ano)
Nina 16 Mãe/irmão 8º. ano EF Nova Mãe – viúva Sim Ex-namorado
s (cursando) Iguaçu

Nubia 15 Mãe/ avó 1º. ano EM Duque de Separados Não Namorado


materna (cursando) Caxias

Valquiria 14 Avó 8º. ano EF Nilópolis Mãe – viúva Não Vizinho


paterna/Ma (cursando) Pai –
rido da avó assassinado
e irmão
Poliana 11 Mãe/irmã 6º. ano EF Nova Separados Não Padrasto
(cursando) Iguaçu

Pamela 12 Mãe/Irmã 6º. ano EF Belford Separados Não Pai biológico


(cursando) Roxo

9
Todos os nomes utilizados neste estudo são fictícios
122

5.1 AS ADOLESCENTES ENTREVISTADAS INDIVIDUALMENTE

Damiana

Damiana foi vítima de violência sexual por um homem desconhecido. Na ocasião,


trabalhava durante o dia e estudava à noite. Como estava atrasada para chegar na escola e ia
fazer uma prova, resolveu pegar um moto taxi. O motorista, que usava arma de fogo, a levou
para um local escuro e praticou violência sexual. Ao chegar em sua residência revelou para
sua mãe que logo informou ao pai e foram todos à delegacia mais próxima fazer a queixa do
ocorrido. De lá, eles foram encaminhados ao serviço.

Foi entrevistada em duas ocasiões, com período de duas semanas entre a primeira e a
segunda entrevista. No primeiro encontro chorou muito ao lembrar do ex-namorado que fora
assassinado pouco antes de ter sofrido a violência sexual. Já na segunda entrevista, vem
sozinha mostrando-se mais tranquila. Apesar de ter saído do emprego por medo do trajeto,
revela estar em busca de escola para se matricular e retomar os estudos.

Nina

A adolescente foi violentada sexualmente pelo ex-namorado. Este seria o seu terceiro
namorado. Namoraram em casa com o consentimento da mãe, sem manter relações sexuais.
Após dois meses, ela terminou este relacionamento. Entretanto considera que seu ex-
namorado não aceitou o fato do término do namoro. Ele então a convidou para ir à casa de
uma amiga, mas a levou para a casa do pai. Ao chegar lá estavam um amigo e o pai. Os dois
rapazes a estupraram mais de uma vez, com uso de violência física. Chegou a perder a
consciência, pois eles a empurraram e a jogaram no chão. O pai do ex-namorado permaneceu
durante todo o episódio apenas observando. Nina lembra ter gritado muito. Após a violência
sexual eles a levaram para uma rua e lá permaneceu, sem voz e sem forças, até ser encontrada
pela mãe e os irmãos. Foram direto para a delegacia policial que estava fechada, tiveram que
esperar abrir e de lá eles a encaminharam para o serviço e para o IML.

Foi entrevistada em duas ocasiões. É a filha mais nova de três irmãos homens. O pai
morreu quando tinha 7 meses. Nos dois episódios esteve acompanhada da mãe. Apresenta
linguagem muito limitada e comportamento extremamente infantilizado para a idade; foi
também encaminhada para avaliação neurológica por queixas de fortes dores de cabeça,
123

náuseas e esquecimento. Apresenta boa relação afetiva com a mãe e os irmãos, todos mais
velhos. Durante as entrevistas responde as solicitações às vezes de forma resignada.

Núbia

Nunca tivera namorado até conhecer o agressor, 20 anos mais velho que ela,
encantando-se por ele, e mantendo relacionamento, mesmo contra a vontade da mãe. Eles se
conheceram na Igreja. Foi até a casa dele por duas vezes sem o conhecimento da mãe; na
terceira, ele a empurrou para dentro do banheiro e, usando força física, cometeu o estupro,
chegando a machucar o canal da sua vagina. Núbia lembra ter gritado, mas ele tampou sua
boca, ameaçando-a de morte caso revelasse para alguém o ocorrido. Logo após a violência
sexual, sua mãe chegou à casa dele, pois a irmã do agressor ligou para ela. Núbia contou para
sua mãe quando chegaram a sua casa. Adolescente revela que sua mãe ficou indignada com a
situação, sentindo-se traída pela filha e pelo agressor. Dirigiram-se à delegacia policial que as
encaminhou para o serviço. Durante o acolhimento inicial a mãe mostrava-se ainda muito
nervosa com toda a situação, queixando-se da atitude da filha e responsabilizando-a pelo
ocorrido.

Foi entrevistada em um único contato, bastante intenso em que chorou muito.


Expressou-se com clareza e coerência. Mostrou-se muito angustiada com sua relação com a
mãe e a avó. Vive em um lar com muitos conflitos familiares sem poder contar com o pai,
uma vez que nunca conviveram juntos. A adolescente não continuou vinculada ao serviço.
Após o contato telefônico com a mãe, relatou dificuldades financeiras para retornar ao
atendimento por ser muito longe, optando por buscar outro serviço próximo à residência.

Valquiria

O vizinho que mantinha relações de amizade com a família há alguns anos, violentou-
a sexualmente em duas ocasiões. O agressor entrava na casa e subia até o quarto de Valquíria,
quando sabia que ela estava sozinha em casa. Ele a ameaçava de morte e a todos os familiares,
caso contasse para alguém. No segundo episódio, o irmão chegou a casa e viu o agressor
pulando o muro, percebendo o ocorrido. Contaram inicialmente para a avó e em seguida
foram à delegacia policial que a encaminhou para atendimento no serviço de referência.

Foram realizadas duas entrevistas nas quais a adolescente mostrou-se sempre muito
receptiva ao contato e sem nenhuma dificuldade de falar sobre sua vida, suas dores e seus
124

sentimentos. Durante a entrevista chorou e sorria ao lembrar fatos importantes de sua história
de vida. Veio acompanhada da avó paterna com quem convive desde o assassinato do pai
(estava no colo do mesmo durante o ocorrido) e a prisão da mãe, que mantinha relação
amorosa com o assassino de seu pai. Descreve relação afetiva muito forte com a avó paterna.
Refere envolvimento nos esportes após a violência. Tornou-se membro da equipe feminina de
futsal de sua escola, tendo ganhado alguns prêmios. Faz questão de mostrar seu investimento
para seguir nesta área.

Poliana

Foi vítima de violência sexual praticada pelo ex-marido da sua mãe. Na ocasião, sua
mãe trabalhava e o agressor, nos dias de folga do trabalho como motorista de ônibus ficava
em casa e tomava conta de Poliana. A violência sexual ocorreu três vezes. Durante a noite ele
ia até o seu quarto e cometia o estupro, ameaçando-a caso revelasse para sua mãe. Na terceira
e última vez, a mãe acordou e abordou o agressor no momento da violência. A mãe ficou
muito abalada com o ocorrido, conseguiu afastar a filha de casa e chamar a polícia que
prendeu o agressor em sua casa. Ele ficou preso até que os policiais ligaram para sua mãe e a
mesma já sabendo que estava esperando um filho dele, retirou a queixa. No entanto, após 2 ou
3 anos aproximadamente, quando o agressor, bêbado passou perto de sua casa, o tio e outras
pessoas bateram nele violentamente e o levaram para o hospital.

Poliana foi levada pela tia materna na primeira entrevista, pois segundo esta, a mãe
estava no trabalho. Na segunda ocasião a mãe acompanha a filha para o atendimento. A
adolescente demonstra, em história de vida, momentos de grande responsabilidade ao ter que
cuidar do avô quando a mãe está no trabalho; ao mesmo tempo apresenta comportamento e
linguagem infantilizados, com dificuldade de abordar a violência. Foi encaminhada para
tratamento psicológico uma vez que após a violência sexual vem apresentando sintomas de
enurese noturna.

Pamela

Pamela foi abusada pelo pai biológico dos 5 aos 10 anos de idade. Este parou de
abusá-la após ter ficado menstruada. Possui mais outras duas irmãs; segundo ela, o pai tinha
dúvidas se era sua filha, por suas outras irmãs serem negras e ela não. Revela que o pai
praticava violência sexual quando ficava em casa sozinha, ocorrendo aproximadamente três
vezes por semana, sempre ameaçando de morte a ela, a mãe e suas irmãs. Somente revelou
125

para a mãe quando esta pensou em levá-la para passar um tempo na casa do pai, uma vez que
já estavam separados há algum tempo. Foi então que tomaram conhecimento que antes de
casar com sua mãe, o pai já tinha duas passagens pela polícia, em uma delas por estupro. A
mãe foi então à delegacia e de lá foram encaminhadas para atendimento.

Foi realizada uma entrevista em profundidade com a adolescente, que veio


acompanhada da mãe. Ela apresentou muita tranquilidade durante a entrevista, com
linguagem clara e coerência. Revela ainda que após separação dos pais, convive com o pai e
sua atual família, eventualmente. Atualmente vive com a mãe e a irmã. Durante entrevista
demonstrou seus interesses por dança, festas, namoro, e os conflitos com a mãe,
comportamentos de acordo com faixa etária.

***

A análise das entrevistas semi-estruturadas realizadas individualmente com


adolescentes no Centro de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência Sexual permitiu que
fossem construídos dois eixos temáticos, os quais abrem a possibilidade de discutir sobre o
processo de desenvolvimento da identidade e da sexualidade de adolescentes que vivenciaram
violência sexual. Estão apresentadas no texto a seguir: a identidade da adolescente vítima de
violência sexual: relações com as figuras masculina e feminina, grupo de iguais e conflitos
no campo da sexualidade; e a violência sexual: do corpo invadido à busca de si mesmo.
A primeira temática apresenta o processo de desenvolvimento social e afetivo das
adolescentes dentro dos espaços familiar e escolar. Assim, inicialmente o processo de
construção de vínculos afetivos com as figuras parentais é significativamente importante uma
vez que pode fornecer subsídios para uma melhor compreensão de como se deu a formação
dos laços familiares para os adolescentes vitimizados pela violência sexual.

Nota-se que a ausência da figura masculina é destacada pelas adolescentes


entrevistadas. Já com a figura feminina, as influências variam desde relações com ênfase na
dependência até outras mais distantes afetivamente. Os relatos orais serviram de base para a
compreensão da influência das figuras parentais na subjetividade destes adolescentes.
Observa-se como a vivência de violência no espaço familiar coloca o adolescente na condição
126

de um sujeito que se relaciona com o outro de forma singular, pois responde à violência com
uma linguagem natural, uma vez que termina ocupando lugar de vítima preferencial da
violência nos espaços sociais.

Destaca-se o posicionamento dos adolescentes entrevistados quanto a aspectos tais


como: a sexualidade, namoro, grupo de iguais e com suas flutuações em relação aos papéis de
criança/adolescente e busca pela autonomia necessária nesse período de ressignificações.

Já na segunda temática teremos como a violência sexual se manifestou na vida desses


sujeitos em processo de mudança. Neste item, as adolescentes relataram a história da
violência sexual vivenciada em toda a sua complexidade. Das cinco formas mais habituais de
violência sexual vamos nos deter nas seguintes: “forçar relações sexuais em geral; estuprar e
assediar sexualmente” (MINAYO, 2006, p.96), escrita na história de seis adolescentes com
idades variando entre 11 e 17 anos.

Considerada como qualquer forma de exercer uma atividade sexual não consentida, a
violência sexual, enquanto problema de saúde pública, é uma das piores formas de violência
que uma adolescente pode vivenciar, especialmente por estarem saindo da infância e
apresentarem um corpo sexuado ainda em processo de desenvolvimento. A partir dos relatos
das seis adolescentes foi possível constatar qual a percepção e os seus sentimentos após terem
sido vitimizadas por violência sexual.

A forma como a violência sexual se inscreve na subjetividade das mesmas, bem como
as consequências e o modo de produção dos significados nesta etapa de construção de
identidade são abordados neste estudo. Pretende-se refletir sobre a relação que a adolescente
vítima de violência sexual estabelece com seu corpo influenciando na maneira como constrói
sua identidade.

Ao longo dos depoimentos, podem-se verificar relações de distanciamento com o


próprio corpo culminando em sintomas. Os significados atribuídos à violência sexual nos
levam a perceber as dores e as dificuldades no estabelecimento de estratégias para o
enfrentamento da violência.
127

5.2 A IDENTIDADE DA ADOLESCENTE VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL:


RELAÇÕES COM AS FIGURAS MASCULINA E FEMININA, GRUPO DE IGUAIS E
CONFLITOS NO CAMPO DA SEXUALIDADE

Na adolescência, considerada como importante etapa do ciclo vital, algumas vivências


infantis precisarão ser revisitadas e ressignificadas para a construção da identidade. É um
período de transição no qual sentimentos ambíguos são vivenciados demandando relações
afetivas saudáveis com a família.

Apesar das transformações sofridas na constituição e estruturação das famílias, esta


continua a ser considerada como um grupo social com determinantes históricos, sociais,
culturais e afetivos importantes na estruturação psíquica dos adolescentes. De acordo com
Winnicott (1980), para que ocorra o desenvolvimento saudável do indivíduo, a família deverá
possibilitar maiores integrações com outros grupos diferentes, de modo a se tornarem sujeitos
capazes de amar a si mesmos e ao outro reconhecendo suas necessidades, desejos
sentimentos. Assim “a família contribui para a maturidade emocional do indivíduo”
(WINNICOTT, 1980, p.114).

Quando a violência se mostra presente dentro da dinâmica familiar, pode colocar em


destaque algumas falhas no processo de amadurecimento do sujeito. Sobre este aspecto
salientamos a importância da formação dos vínculos familiares, pois para Winnicott (1980) as
primeiras relações na vida de um bebê formam a base para desenvolvimentos posteriores.

Em uma perspectiva teórica, Erikson (1976) ao partilhar alguns aspectos da teoria


freudiana, defende a importância primordial dos anos iniciais para o desenvolvimento do
sujeito através da compreensão das implicações sociais. Por sua vez, Winnicott (1975) afirma
a importância de uma “maternagem suficientemente boa”, incluindo também o pai e a seguir a
família. De acordo com sua teoria, a continuidade do cuidado pelo ambiente é altamente
favorável para que a criança e, posteriormente, o adolescente possam sentir o ambiente e o
mundo como confiáveis.

Na adolescência, juntamente com as transformações da puberdade, o sujeito que


emerge da infância necessita afastar-se da dependência da família de origem e caminhar na
busca de si mesmo. Portanto, se a família abdica de seu papel de cuidadora, o processo de
crescimento fica mais difícil. Pode-se observar através do convívio com adolescentes vítimas
128

de violência sexual como o modo de funcionamento da família, os papéis e os lugares


desempenhados por cada um dos membros deste núcleo possuem ligação com as experiências
emocionais vivenciadas, seja entre pais e filhos ou entre quaisquer outros membros dentro e
fora deste espaço.

Considerando a família como local privilegiado no qual as trocas afetivas podem


ocorrer, destaca-se a relevância das transformações no repertório dos atores, uma vez que as
mudanças sociais e culturais apontam para uma nova posição da mulher dentro deste espaço.
É importante notar aqui que as relações familiares no Brasil passaram por mudanças
acarretando um alargamento da família nuclear – pai, mãe e filhos (MONTALI, 2006). Temos
hoje outros membros como tios, avós etc. fazendo parte deste núcleo, assim como famílias
chefiadas por mulheres como foi observado em algumas entrevistas.

Minha vó preferiu abrir mão disso pra, minha vó preferiu tomar


conta da gente [...]. Minha vó [...] nunca deixou de, nunca deixou de
faltar comida pra gente. Às vezes minha vó passou por fase difícil, por
mim minha vó nem trabalhava mais, mas com a minha vó sempre quis
dá o melhor pra gente, minha vó tá trabalhando, minha vó tá
terminando de fazer a casa nossa lá que não é tão confortável mas é
confortável (Valquíria).

Algumas adolescentes reconhecem a disfuncionalidade de suas famílias percebendo


como as relações são afetadas a curto e longo prazo. Observamos nos relatos das adolescentes
vítimas de violência sexual, seja no contexto familiar ou não, histórias de outros tipos de
violência vivenciados durante o seu processo de desenvolvimento.

Como ele (avô) bebia, chegava em casa bêbado. Ele poderia me


violentar, só que nunca chegou a acontecer isso não. Porque eu nem
tinha tanta proximidade com ele (Núbia).

Conforme constatado no capítulo anterior, a violência física ou psicológica entre os


pais também se mostrou presente entre os adolescentes brasileiros entrevistados, independente
de ter vivenciado ou não violência sexual. Observamos como o uso da força física por aqueles
que teriam a atribuição de cuidar dos filhos aponta para a existência de crenças em práticas
disciplinares baseadas em valores autoritários e forte relação de poder, demonstrando que,
nestes contextos, os vínculos são mais frágeis. Estes aspectos caracterizados nos dados
129

quantitativos e no qualitativo são significativos, considerando sua relevância para o processo


de desenvolvimento do adolescente. Assim, convivência com práticas disciplinares violentas
não favorece a estruturação destes sujeitos e podem ser desestruturantes no sentido de torná-
los mais vulneráveis à violência em si (PESCE, 2009; ABRANCHES; ASSIS 2011;
WINNICOTT, 1999).

Ele (pai) sempre foi carinhoso com ela só que às vezes ele batia nela
também [...]. Aí ela foi discutir com ele; ele foi e deu um tapa na cara
dela (Pamela).

Ah, era bom, mas de uns tempos prá cá, depois que meu avô morreu ,
parece que a morte de meu avô mexeu muito com ela (avó). Daí ela
veio, de uns tempos prá cá ela (avó) ficou estranha com a gente. Aí
veio agredindo eu e minha mãe fisicamente e verbalmente (Nubia).

Através da relação do adolescente com as figuras parentais é que se exacerba a


possibilidade de reedição e intensificação de conflitos (MACEDO et al. 2010c). É preciso que
essas figuras parentais sejam desidealizadas para que este sujeito possa adquirir a autonomia e
maturidade necessárias a este período de transição.

Para Macedo et al. (2010c), atualmente há novas configurações familiares, nas quais a
autoridade paterna vem mostrando-se mais enfraquecida e frágil. Daí surgem novas
perspectivas para o exercício dos papéis de mãe e de pai, inclusive quando nos referimos a
situações de violência sexual.

Percebe-se entre as adolescentes entrevistadas este “enfraquecimento” quando ocorre a


ausência da figura masculina no processo de desenvolvimento. O papel do pai, descrito como
secundário é visto por membros destas famílias como pouco expressivo, pois é a mãe/mulher
que trabalha para sustentar e se responsabilizar pelos filhos. Estes dados estão coerentes com
o resultado da análise quantitativa apresentada no capítulo anterior: mais de 51% das
adolescentes entrevistadas do sexo feminino que foram vítimas de violência sexual relatam
relacionamento regular ou ruim com o pai. Os resultados observados no estudo quantitativo
nos levam a considerar que a qualidade do relacionamento com o pai das adolescentes vítimas
de violência sexual refletem-se em sentimentos confusos de amor/ódio, presentificado nas
marcas de rejeição, na falta do respeito, na dependência e no medo, como se pode verificar
em algumas entrevistas da abordagem qualitativa.
130

Bom, minha mãe fala que ele foi muito cachorro e continua sendo um
cachorro por... Não dá assistência pra mim, assim assistencial pra ela
pensão, em dinheiro [...]. Eu? Como eu conheci há pouco tempo eu
acabo meio que concordando com ela. Porque eu vejo também o jeito
dele... (Núbia).

[...] Eu sempre odiei ele. Porque ele me batia muito e na minha irmã
ele não fazia nada [...]. Estupidez da parte dele, porque eu tenho mais
característica com ele; assim só que eu sou branca e ele é preto
(risos). A minha orelha é igual a dele, a minha boca, o meu dedo,
(risos) tudo(Pamela).

Para algumas das entrevistadas a convivência com a mãe ou aquela que está neste
papel tem presença muito forte com marcas identitárias significativas. A figura materna é
descrita como forte, aquela que assume a liderança da família. Esses dados também estão
presentes nos resultados apresentados no capítulo 4, oriundos da análise quantitativa realizada
com jovens de dez capitais brasileiras. Pode-se dizer que o papel das mães em oferecer o
suporte emocional às filhas em situação de conflito pode contribuir para a manutenção de um
espaço de confiança, podendo repercutir de forma positiva principalmente no que diz respeito
à quebra do segredo que encobre as situações de violência sexual em adolescentes.

[...] minha vó sempre me leva ela sempre me acompanha, todos os


pontos que ela pode, ela estar sempre comigo. Sempre, sempre...
(Valquíria).

Minha mãe estipulava o horário, se fosse sair seis horas tinha que
estar sete e meia em casa (Nina).

[...] Ai minha mãe não quis aceitá-lo por ele ser mais velho, por ele
ter 30 anos eu ter 15, e que tava errado, aí minha mãe não aceitava e
nem aceita...(Núbia).

Em seu discurso as adolescentes descrevem as atitudes de cuidado e proteção – às


vezes excessivas – de suas mães para com elas, principalmente após terem vivenciado
situação de violência sexual. Nesse sentido, observamos alguns conflitos no processo
identificatório da menina com sua mãe. A este respeito recorremos a Winnicott (1975, p.124)
131

ao teorizar sobre a relação de objeto e o uso do objeto: “as mães, como os analistas, podem
ser boas, ou não suficientemente boas; algumas podem fazer o bebê passar do relacionamento
ao uso, ao passo que outras não o conseguem”. Sob este ponto de vista, pode-se dizer que é a
partir da relação com o objeto que o ambiente pode ser facilitador no sentido de favorecer a
construção do Eu (self).

Esta mãe e ambiente suficientemente bons, ao mesmo tempo em que cuidam,


naturalmente falham e justamente por falhar irão ajudar o desenvolvimento da criança.
Quando a mãe falha está favorecendo na criança a construção da possibilidade de reagir. Esta
experiência vai gradativamente dando à criança a noção de uma realidade externa. Assim, o
conceito de mãe suficientemente boa em Winnicott (1975) não aponta para uma mãe
“perfeita, onipresente e onisciente”, mas uma mãe capaz de prover, satisfazer e acompanhar o
filho em suas necessidades, sendo empaticamente consistente, pois: “a experiência de
desiludir é tão fundamental quanto a de iludir. A mãe falha, e essas falhas na sua adaptação
ao bebê, desde que não excessivas, aparecem como fontes de frustração que o educam a
respeito da existência de um mundo que é não-eu” (JUNQUEIRA, 1998, p.91). Nesse sentido,
quando o cuidado materno se revela suficientemente bom, a criança então terá condições de
ter um desenvolvimento sadio porque terá adquirido a confiança em um ambiente sustentador.

Winnicott (1975) afirma que no início da vida do bebê o meio ambiente (cuidados
maternos) desempenha um papel que é vital, pois ele precisa passar de um estado de
dependência absoluta com a mãe e caminhar em direção à independência. A função do
ambiente deve ser a de proporcionar a experiência de continuidade de ser. Este processo irá
envolver o segurar, o manejar e a apresentação dos objetos. Neste sentido, a eficiência
materna excessiva, assim como a falha/ausência excessiva podem ser prejudiciais ao sujeito.
Quando a mãe é extremamente cuidadora e invasiva não abre espaço para o confronto com o
objeto e o surgimento do Eu.

Somente uma mãe suficientemente boa com suas falhas, as quais acontecem em
paralelo com a capacidade do bebê de suportá-las (no desenvolvimento normal), servirão para
a criação da realidade e também para colocar o objeto fora do Eu (self), devendo permanecer
assim durante o processo de desenvolvimento do sujeito. É durante a adolescência que certas
dificuldades emergem porque estão inerentes a estas fantasias vivenciadas na infância e, se
não puderam ser reparadas adequadamente, darão espaço para que a relação de dependência
permaneça (WINNICOTT, 1975).
132

Paradoxalmente, observamos em alguns relatos das adolescentes entrevistadas como o


cuidado e a proteção excessivos da mãe podem promover o que Winnicott descreve como o
estabelecimento do falso self: “[...] seria uma reação defensiva frente às invasões ambientais
que ameaçam o núcleo central do self: um aspecto de cada pessoa não-comunicável, algo que
deve ser preservado” (JUNQUEIRA, 1998, p.92), cujas consequências impedem a
apresentação do objeto e inibe gestos criativos.

É eu dependo dela, mas que também ela não precisar me


sufocar...(Núbia).

A experiência do sujeito quanto à sua relação com o objeto é um ponto importante.


Constitui-se em um processo de amadurecimento, pois o objeto precisa estar em algum lugar
para ser encontrado e usado. Observamos naquelas mães que foram expressando
simbolicamente o lugar da violência sexual ao longo da vida de seus filhos, a abertura de um
espaço para encontros desta natureza durante a adolescência. É como se a escolha dos
modelos de relação na adolescência estivesse associada a algumas metas idealizadas e
alimentadas por sentimentos de dependência e impotência. Pode-se dizer que são rupturas por
excesso de zelo que impedem esta adolescente de aceitar a realidade com as defesas
adequadas devido a sua imaturidade.

É. Ela sempre fala que quando eu era pequena ele tinha essa
paranóia de... Quase não deixava ninguém me pegar no
colo...(Núbia).

É como se a mãe já determinasse um lugar para a sua filha no contexto da violência


sexual. No processo identificatório, o significante de vivência de violência sexual passa a
ocupar um lugar determinante na constituição daquele sujeito, ainda que seja pela tentativa da
mãe em negá-lo. Ao tentar diferenciar a filha de si mesma, parece que a mãe reforça a
reprodução de sua própria história. Vê-se no presente uma forma de reedição de histórias ou
experiências vividas no passado. O relato de uma das entrevistadas descreve como começou a
namorar com um homem mais velho (que a violentou), identificada com sua mãe, que
também envolveu-se com um homem mais velho.

Ah eu não sei... Assim algumas vezes parece que eles passam mais
segurança? Não sei, minha mãe também começou a namorar com 13
133

anos e meu pai tinha 23. [...] É. Só não engravidei e nem vou
engravidar. (Núbia).

Por outro lado, apesar da mãe ter uma função importante dentro da estrutura familiar,
observa-se em alguns depoimentos das adolescentes uma relação de distanciamento, impondo
mudanças nas relações entre elas. É este momento no qual adolescentes precisarão se afastar
da dependência e do cuidado dos pais e progredir em busca de si mesmo. No exercício da
função de mãe/cuidadora/protetora, algumas mulheres/mães podem apresentar dificuldades
em identificar as necessidades dos seus filhos adolescentes, não percebendo o processo de
desenvolvimento e crescimento dos mesmos (MACEDO et al. 2010c).

É. É difícil, eu sei que é difícil. Só que tem que perceber. Eu não sou
mais a criancinha, que eu era. E ela sempre fala que eu sou criança,
que eu não tenho idade pra namorar, que eu tenho que estudar,
estudar, estudar, estudar, estudar, [...] a gente tem que pelo menos se
divertir, se distrair [...]. Ela fica conversando comigo, aí ela fica me
observando. Aí eu não me sinto bem. Aí quando ela fala comigo eu
fico calada (Núbia).

A necessidade de ressignificação da identidade do adolescente com a separação-


individuação dos pais de infância é uma das inúmeras demandas comuns a esta faixa etária.
Esse ciclo do desenvolvimento também impõe à família uma transformação quanto aos
cuidados e o tratamento dispensado aos filhos, que já não são crianças, mas tampouco adultos.
Este é um processo delicado e complexo para ambos.

Há momentos nos quais os adolescentes vivem esse conflito de identidade. Para


Aberastury (1992) é o período no qual eles flutuam “entre uma dependência e uma
independência extremas” (p.13). Entre as adolescentes entrevistadas, observamos que elas
oscilam entre momentos de infantilidade e outros nos quais precisam assumir papéis de cuidar
do lar e dos irmãos enquanto a mãe trabalha.

[...] Em casa eu sou praticamente a dona de casa, porque quando


minha mãe tá trabalhando eu fico em casa, tomo conta do meu avô,
dou comida pra ele e tomo conta do meu primo, que tem 4 anos. O
meu tio também trabalha e eu tenho que tomar conta dele. Meu vô ele
134

é sem perna assim, ai cuido dele, dou comida pra ele e compro um
negócio pra ele lá e é assim...(Poliana).

É com a chegada da puberdade e as mudanças incontroláveis do corpo, que a angústia


sentida pelo amadurecimento e a possibilidade de concretização de fantasias incestuosas pode
ser percebida como assustadora (MACEDO et al. 2010a). Conforme já mencionado
anteriormente, Freud–1905 (1989) descreve a teoria sobre as manifestações da sexualidade já
na infância, em Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade infantil, no qual identifica as
fases do desenvolvimento da organização sexual. Pode-se ver como a sexualidade é elemento
fundamental também na puberdade por sua contribuição para a estruturação da identidade. É
então na puberdade que se repete ou se reedita, o conflito edípico.

Neste reencontro com a sexualidade, a estabilidade alcançada durante a infância é


então rompida com as mudanças operadas no corpo, pois o adolescente precisará ressignificar
a imagem corporal perdida. Este aspecto pode ser notado com a experiência da primeira
menstruação, ainda vivida como momento de surpresa para algumas das entrevistadas.

Eu fui aí comecei a gritar dento da escola... Pensando que era


sangramento... E me falaram que era menstruação... Aí ligaram pra
minha mãe e minha mãe ela foi lá me buscar e me levou pra casa.
Botei absorvente e fiquei tomando chá (Nina).

Com o passar do tempo, eu fui vendo que meus seios estavam


crescendo, minha menstruação veio e eu fiquei desesperada... tinha
visto sangue em minha calcinha, ai eu fiquei pensando, ué eu me
machuquei! Ai minha mãe falou que era a primeira menstruação
(Núbia).

Torna-se um grande desafio apontar os prejuízos da violência sexual na adolescência.


Com o estímulo nas zonas erógenas, as fantasias edípicas recalcadas são atiçadas, o que gera
grande tensão e excitação nesse sujeito, que possui corpo e um psiquismo ainda em processo
de constituição. Essa situação pode ocorrer quando a violência sexual ocorre fora ou dentro do
ambiente familiar.
135

Ah, eu não sei, assim de... Por eu não ser virgem, parece que eu não
tô mais me vendo como eu era antes, uma menina... Sei lá, acho que o
meu corpo mudou um pouco.... (Núbia).

Nos casos de violência sexual incestuosa a questão do afeto e da sexualidade


misturam-se. Encontramos também relações assimétricas entre o casal parental, com a
presença de violência física e abuso de álcool. Como descrito por uma das adolescentes
abusada pelo pai biológico ao descrever a prática de seu cuidador e sua função ambígua.

É que ele bebia muito, às vezes já chegava em casa bêbado [...]. Eu


respeitava ele (sorri). Ainda respeito, mesmo ele fazendo isso, eu
ainda respeito ele como pai [...]. Mesmo ele tendo feito isso, é um
sentimento normal de uma filha por um pai. Eu respeito ele e amo ele
ainda, mesmo ele tendo feito isso comigo (Pamela).

Observamos que, quando ocorre o incesto, estes sentimentos evidenciam ainda mais a
relação de dominação presente e também a violência psicológica de longa duração e
repetitiva. Azevedo e Guerra (2007) definem o incesto como toda atividade sexual
envolvendo criança de 0 a 18 anos e um adulto com relações de consanguinidade, afinidade
ou ainda responsabilidade. Nestes casos consideram também as famílias adotivas e
substitutas. Neste sentido há a violação de regras presentes em nossa cultura.

Ele falava que se eu contasse pra minha mãe, ele ia matar minha mãe
e depois ia matar eu e as minhas irmãs (Pamela).

É um relacionamento perverso no qual agressor aproveita-se do papel e do poder que


possui e também do ambiente familiar. Observamos que a relação afetiva entre o agressor e a
vítima, torna-a passiva e confusa quanto a sua participação no ocorrido, podendo gerar
sentimentos de culpa por não denunciar o ocorrido por medo e/ou descrédito em sua fala. Esta
família também passa a ser conivente desta situação por estar ligada também emocionalmente
ao agressor.

Era mais ou menos três dias por semana (Pamela).

Quando ocorre a violência sexual intrafamiliar as funções e os papéis parentais estão


em desacordo com o que é estabelecido culturalmente. A isso se soma o fato de que para esta
criança as questões morais não estão suficientemente desenvolvidas.
136

Também percebemos nas duas entrevistadas vitimizadas por relações incestuosas, a


presença de limitações do ponto de vista cognitivo. Vale ressaltar a pouca importância dada à
escolaridade pelas entrevistadas. Com as pretensões profissionais ainda indefinidas, mesmo
entre aquelas que já concluíram o ensino fundamental. Algumas reconhecem esta limitação,
trazendo para si ou apontando para os próprios professores como responsáveis pelo seu
fracasso.

É eu sou bem... É como eu falei, eu não sou muito inteligente não, mas
o ano passado eu só tirava MB em matemática, mas esse ano eu num
tô porque os professor passa dever assim que, assim que ele fala que
é dever que a gente aprendeu no primário mas eu não aprendi no
primário. É coisa de, num sei acho que de faculdade (Poliana).

Diante da separação e o afastamento dos pais de infância, o adolescente procura então


fora desse espaço familiar outros modelos identificatórios, que poderão estabelecer ligação
com os grupos de iguais, seja na escola ou em qualquer outro ambiente social.

Conforme visto no capítulo anterior, a maioria dos 3496 estudantes adolescentes do


ensino médio das escolas públicas e privadas investigadas tem uma imagem muito positiva
quanto à formação de amizades, tanto do sexo feminino quanto do masculino. Nas
adolescentes entrevistadas no serviço de saúde observa-se, como veremos a seguir, esta
mesma valorização dada às amizades. No entanto, após a violência sexual há um retraimento
e um afastamento do grupo de iguais.

Com a flexibilização das relações afetivas e dada a primazia, na época da juventude, às


experimentações, tem-se uma profusão de formas de se relacionar que não se restringem ao
namoro. Dentre essas, principalmente a partir da década de 1980, vem sendo bastante
utilizada, entre os jovens brasileiros, a expressão ‘ficar’ para caracterizar uma fase de atração
sem maiores compromissos e que pode envolver desde beijos até contatos sexuais (RIBEIRO
et al., 2011). O ‘ficar’é descrito pelas adolescentes como uma forma de experimentação de si
mesmo e de suas próprias sensações: “Nessa perspectiva, a vida amorosa e sexual está
inserida em um contexto de busca de identidade e de autonomia” (Ibid, p. 57).

Não, elas (amigas) não falam não, elas são muito inocentes (risos)...
Minha mãe fala que eu sou muito criança (risos), só que eu não sou
uma criança (risos). A minha irmã ela fica contando quantos garotos
137

eu já fiquei (risos). Aí ela ficou com menos, ai ela fala você tem essa
idade toda e já ficou com um montão (risos). (Pamela).

Nestes encontros afetivos passageiros ou não, observamos que o sentimento de ciúmes


é mencionado pelas adolescentes entrevistadas abordando de maneira natural o fato de se
relacionarem desta forma. Esta idéia foi atrelada a pouca confiança depositada nos seus
parceiros afetivos, reagindo de forma às vezes violenta com os mesmos. Este aspecto
demonstra a complexidade dos encontros afetivos envolvendo a prática de violência verbal,
percebida como natural.

Eu confiava assim... Ah, sei lá (boceja). Às vezes confiava e às vezes


não confiava. Quando ele falava que estava em um lugar e eu falava
que não estava, ele falava que estava e eu falava que num estava... Às
vezes podia estar, mas eu achava que não estava (Damiana).

Ciúme pra mim é a mesma coisa que eu sinto com ele; a mesma coisa
que ele sente comigo. Eu não gosto quando nenhuma mulher chega
perto dele, eu fico com ciúmes, nem amigas...(Nina).

Também ficou evidente no capítulo 4, a presença marcante do ciúme no namoro,


presente em adolescentes de ambos os sexos. Agir mediante ciúmes foi categorizado como
item de violência verbal/relacional sofrida e perpetrada pelos adolescentes.

As adolescentes entrevistadas no serviço de saúde convivem - assim como os jovens


brasileiros mencionados no capítulo anterior - com dois modelos de relacionamento: um que é
mais liberal e visto como passageiro (o ‘ficar’) e outro mais tradicional que requer maior
envolvimento afetivo (o namoro). Com o passar do tempo, nota-se a tendência, especialmente
entre as meninas, de se relacionar afetivamente apenas com um parceiro fixo (cerca de 90%
das moças). Ao mesmo tempo que as adolescentes se sentem atraídas pela possibilidade de
‘ficar’, a expectativa do amor romântico que se concretize em namoro é evidente na fala das
adolescentes entrevistadas no serviço de saúde.

Após o abuso sexual, a experiência da violência fez com que as adolescentes se


desinteressassem pelo “ficar”, uma vez que este as remete ao trauma recentemente
vivenciado. Percebemos aí o quanto a vivência de violência sexual pode inibir os encontros
afetivos. Em função dos medos e da insegurança que acompanham essa adolescente que passa
138

a desconfiar do ser humano em geral, além de se sentir de alguma forma culpada pelo
ocorrido (AZEVEDO, 2007).

A violência sexual envolve a relação de poder e coloca o adolescente em uma posição


de intimidação e chantagem, portanto mais vulnerável. Percebemos este aspecto nos relatos
das entrevistadas, que afirmam que poderiam ter de alguma forma feito algo para evitar tal
situação. Assim sentem-se culpadas, envergonhadas e com medo de falar sobre o ocorrido.

As adolescentes entrevistadas também concordam que após a vivência de violência


sexual, os cuidados e a proteção dos pais em termos de sexualidade e o controle para sair ou
namorar ficaram intensificados. Neste sentido é correto afirmar que estas adolescentes vivem
em situação de conflito.

To escolhendo mais a amizade agora (Nina).

A virgindade e a sexualidade são valorizadas pelas adolescentes vítimas de violência


sexual em função da situação de dominação e assujeitamento. Faz muita diferença perder a
virgindade através de ações violentas. A violência sexual faz com que as adolescentes se
sintam usadas como instrumento de excitação. É um tipo de situação danosa para os futuros
envolvimentos afetivos, principalmente os amorosos e sexuais por associarem a relação
sexual com relações de poder abusivo e invasivo.

Que assim eu queria perder a minha virgindade com uma pessoa


certa! E não foi com a pessoa certa. E eu que queria que fosse uma
coisa mais romântica no momento certo e não foi. Foi traumatizante
(Núbia).

Ainda em relação à virgindade, observa-se o quanto esta experiência passa a ser


significativa em um período no qual: “[...] ambas as funções fisiológicas que amadurecem
neste período da vida impõem ao papel genital a procriação e a definição sexual
correspondente” (KNOBEL, 1992: 45). Este aspecto é mencionado por uma das entrevistadas
ao relatar seus conflitos em relação à homossexualidade, pois se encontra em momento de
confusão e ansiedade a respeito da identidade sexual.

O que é que tá diferente. Eu... Por exemplo, antes de ter acontecido


isso, eu saía com minha prima e achava o garoto bonito. Hoje já não
é tão assim. Hoje eu não elogio tanto os garotos como eu elogiava
139

antes. Pra falar a verdade, eu às vezes eu sinto apenas atração por


mulheres... Mas, eu só tenho 14 anos, eu ainda não sei o que eu
quero. (Valquíria).

Observa-se a partir deste relato o impacto da violência sexual junto a esta adolescente,
com marcas especificamente na área da sexualidade. Ela descreve o medo de se envolver com
alguém do sexo oposto, uma vez que viveu sua primeira experiência de relação sexual de uma
maneira violenta. A recusa pela intimidade com os homens já se verificava antes mesmo da
violência.

Meninas eu só fiquei com uma menina. Não foi namoro, foi só ficar
assim. Só ficar pra ver como é que era [...] Tem dúvida. Já, já havia
dúvida antes e afirmou muito mais as dúvidas depois [...]. Já, já,
muita dúvida [...]. Em momento nenhum eu disse assim é com mulher
que eu quero ficar, ah é com homem e que eu quero ficar, ah é com os
dois, ah eu não sei. Eu to muito confusa, já estava confusa antes e
depois também eu fiquei muito mais confusa mesmo. Porque depois
disso eu não tive namorado, tive mais namorado, nada, nada, nada
(Valquíria).

A vivência da violência sexual para esta adolescente pode ter trazido à tona e
intensificado conflitos edipianos anteriores. Consequentemente, esta adolescente significa a
experiência traumática como algo da ordem da dor, ruim e não prazeroso, diretamente ligado
a relação sexual com parceiros do sexo oposto.

Salientamos que durante a análise das entrevistas, a questão da orientação sexual


hetero, homo ou bissexual das adolescentes entrevistadas não foi priorizada. Apesar de este
tema ter sido abordado por uma das adolescentes, nosso estudo buscou compreender outros
aspectos. Este se constitui um limite deste estudo.

Para uma das entrevistadas que viveu relação incestuosa de violência com pai
biológico dos cinco aos dez anos de idade, o fato de ter sido iniciada pelo pai a praticar
relação sexual e a beijar na boca a torna mais experiente do que o seu grupo de amizades, no
que diz respeito à sexualidade. Em seu relato percebe-se que a expressão da sexualidade é
vivenciada de maneira naturalizada.
140

Aliás meu pai que me ensinou a beijar né [...]. É. Ele fazia, e beijava
também, ai eu aprendi (risos) (Pamela).

Percebemos aí o quanto este pai através da relação de sedução com a filha adolescente
favorece a expressão de relações afetivo-sexuais distorcidas, onde a sexualidade substitui o
afeto. A violência sexual incestuosa constitui-se em um acontecimento grave do ponto de
vista do psiquismo. A vivência edípica pode ser ressignificada como uma experiência de
difícil elaboração, tendo, dessa forma, um efeito traumatizante.

Observamos nas duas entrevistas, onde houve incesto, como a questão de reviver a
situação edípica com o pai ou seu representante – seu objeto de amor, foi sentida com um
significado ameaçador por estar relacionada a um registro de fantasia sexual com este pai. O
incesto então rompe a barreira da fantasia e se transforma em realidade. Esta adolescente não
consegue fazer uso de suas defesas; o que fora recalcado retorna, podendo desencadear
desordens emocionais.

Aí ele já tinha feito já, eu não falava nada que ele me ameaçava
[...].Eu não chorava, eu ficava na minha, porque se alguém
desconfiasse de alguma coisa ele me batia. Aí eu ficava quieta
(Pamela).

Através dos relatos pode-se notar como o processo de construção da identidade da


vítima de violência sexual se ritualiza. Tal como um ritual de passagem, se inicia na
revelação/descoberta pela família e suas respectivas redes sociais. São muitos os conflitos,
reconhecidos pelas adolescentes. Observamos que a violência sexual por seu caráter íntimo e
relacional é capaz de revelar a fragilidade e a vulnerabilidade no qual um sujeito em processo
de ressignificações encontra-se.

Estes e outros aspectos tornam pública a questão da violência sexual na adolescência,


a relação com os laços familiares, com o afeto e com a dominação, vistos por um sujeito em
busca de si mesmo.
141

5.3 A VIOLÊNCIA SEXUAL: DO CORPO INVADIDO À BUSCA DE SI MESMO

A violência sexual pode ser considerada como uma invasão do corpo e da intimidade
do sujeito. Assim, o acolhimento tanto às vitimas como aos familiares é fundamental por
tratar-se de uma situação tão delicada e do âmbito do privado. Podemos dizer que o sujeito
que vivencia uma experiência desta ordem não passa por ela impunemente. Observamos como
o estado emocional e as fantasias associadas à sexualidade geram insegurança e inibição a
estas moças em um período de ressignificações, fato observado em função da dificuldade de
algumas adolescentes em expor o ocorrido.

Considerando este aspecto, o olhar da adolescente em relação ao seu corpo, a vivência,


os sentimentos e as estratégias de enfrentamento à violência sexual intra e extrafamiliar, serão
abordados a seguir, a fim de entendê-la em sua complexidade.

As repercussões emocionais da adolescente vítima de violência sexual são muito sérias


tendo em vista que elas tiveram seus corpos submetidos à dominação do outro. Esta
dominação pode ter sido obtida através da conquista de confiança e do afeto da adolescente ou
ainda por ameaças à integridade física das vítimas ou de seus familiares.

Sobre este aspecto, Costa (2003) aponta o equívoco do emprego do uso dos conceitos
de violência e agressividade como sinônimos, destacando a diferença existente entre a
violência humana e a agressividade animal.

A violência porta a marca de um desejo, ou seja, na violência encontramos o emprego


desejado da agressividade a um objeto, mas com a finalidade de destruí-lo. “É porque o
sujeito violentado (ou o observador externo à situação) percebe no sujeito violentador o
desejo de destruição (desejo de morte, desejo de fazer sofrer) que a ação agressiva ganha o
significado de ação violenta” (COSTA, 2003, p. 39, grifo do autor). Nestes moldes, a
agressividade presente nos atos de violência sexual constitui-se por uma ação violenta,
quando percebida como movida pelo desejo de destruir o outro, “[...] o sujeito violentado,
adulto ou criança, é invadido e desestruturado não por um desejo sexual do objeto
violentador, mas por um desejo de morte” (Ibid, p.229, grifo do autor).

Permite-nos pensar na vinculação entre violência sexual e intencionalidade no


contexto das interações humanas, com a ação daquele que domina (agente da violência
142

sexual) sobre um que é dominado (vítima), reduzindo-o à dimensão de outro-objeto com a


anulação do sujeito. Para Minayo (2006), a questão da intencionalidade situa a violência no
âmbito humano. Isso explica os sentimentos descritos pelas adolescentes entrevistadas. Para
Costa (2003, p.229) essa “angústia não é a da castração, é a angústia de morte”.

No relato das adolescentes, esta angústia é vivenciada ao descrever o quanto se sentem


amedrontadas e envergonhadas. Algumas delas mostram-se confusas porque ao revelarem o
ocorrido, inicia-se uma série de etapas nas quais devem tornar pública sua vida íntima a
diversas instituições tais como a polícia, a justiça, o hospital. Em alguns casos, isto pode
dificultar a notificação e favorecer a perpetuação do complô de silêncio. As pressões para não
revelar sob o risco de sofrer represálias tornam isto um grave problema (AZEVEDO, 2007).
Moraes (2007, p.45) também destaca este aspecto ao refletir sobre os atendimentos a mulheres
sexualmente violentadas: “as dores e queixas trazidas por muitas vítimas mostram que a
passagem de questões da esfera privada para a pública ainda não consolidou um atendimento
capaz de promover rompimentos com a solidão, a vergonha e o isolamento”. Para Alvin
(1997, p.73): “se existe um tabu em relação às violências sexuais, trata-se sobretudo da
interdição de falar do assunto”. Assim estas adolescentes encontram-se em dificuldade em
expor este problema sendo ele recente ou não, seja por vergonha ou por medo de ser julgada
ou sofrer alguma represália (ALVIN, 2007; GABEL, 1997; SEIXAS, 1999).

Observamos que o fato de ter sido forçada a praticar o sexo contra a sua vontade por
alguém conhecido ou não, leva a mulher/adolescente a ter um sentimento de impotência, uma
vez que quando esse corpo é invadido ela sente-se incapaz de se defender. Assim, a violência
sexual faz com que esta adolescente se confronte ainda que precocemente com o luto pelo
corpo infantil, acirrando ainda mais o conflito adolescente entre ser criança e ser adulto. Ela
terá que ressignificar a imagem corporal em período de definição de si mesma e de sua
identidade (KNOBEL, 1992),

Me obrigou. Me obrigou a beijar ele, e ficar quieta (Damiana).

O Egui e o Fred (os dois agressores) fizeram tudo comigo e o pai ficou
espiando. Me jogaram no chão, me seguraram e depois eu não
lembro mais. Eu não sei porque eu desmaiei, não sei o que foi na
cabeça... Minha mãe me encontrou no meio do caminho toda molhada
[...]. Eu queria fugir e não conseguia, por causa que eles estavam me
143

segurando. Eles começaram a tirar a roupa e fez o que fez comigo...


(Nina).

Ai ele me chamou pra ir pra casa dele, e falou assim pra mim: a
minha irmã tá dormindo ainda... E você já pensou o que a gente pode
fazer agora? E aí eu falei: não é o que eu tô pensando não, né? Aí
ele: é... Aí eu falei não estou, isso é loucura. Eu disse que eu não
estou preparada pra fazer isso... Eu disse a ele: “eu gosto muito de
você só que eu não quero ainda fazer isso”. Ai ele me chamou pra ir
pro banheiro; eu não queria, a gente estava na sala. Aí foi na hora
que ele me arrastou pro banheiro, puxou pelo meu braço... Me
trancou no banheiro, tirou a minha roupa... (Núbia).

Encontramos entre as adolescentes entrevistadas alterações da imagem corporal,


observadas através da relação de estranhamento e distanciamento deste corpo que foi
violentamente violado sem conhecimento prévio ou mesmo permissão para tal. O sentimento
é de rejeição e repugnância de algo que para algumas está fora de si, sujo e impuro, uma vez
que a adolescente não consegue estabelecer a representação de sua imagem para si mesma
nem para o outro.

O significado da violência sexual na expressão corporal foi também descrito em


estudo realizado em ambulatório de violência sexual com nove mulheres entrevistadas em
Hospital Universitário na cidade de Curitiba. Nele, os autores descrevem o sentimento de
medo manifesto na corporeidade e nas expressões corporais de mulheres vítimas de violência
sexual, transformando as vítimas em constantes reféns da violência (LABRONICI et al.
2010).

O afastamento deste corpo é notado quando as adolescentes descrevem que evitam o


olhar, o toque por elas mesmas e pelos outros. Por terem sido usadas para a gratificação
sexual de outra pessoa, são destituídas do lugar de desejantes (AZEVEDO, 2007). A
percepção que elas têm do corpo fica associada à imagem do agressor, como a lembrança da
voz, do cheiro, até mesmo do toque, como se fosse algo fora de si, que precisa ser lavado
inúmeras vezes na tentativa de eliminar as impurezas. Esta reação de rejeição ao corpo é um
aspecto significativo, pois foi apontado nas entrevistas das adolescentes independente do fato
de ser ou não virgem no momento da violência sexual.
144

[...] mas quando eu olhava no espelho e lembrava. Aí dava nojo


(Damiana).

Quando eu tomo banho, uso muuuito sabonete, pra tirar várias


sujeiras [...]. Vários, tem vez que tomo dez...[...]. Eu sinto que o corpo
não me pertence mais... (Nina).

Eu me senti enojada de mim mesma... [...]. Acho que toda mulher, pra
toda mulher a sua primeira vez tem que ser a sua primeira vez! Tem
que ser seu momento, tem que ser o momento certo e não é o meu
momento certo! Não é. Claro que eu não, eu não estava preparada, eu
sinto nojo...(Valquíria).

A questão da imagem corporal pode englobar também outras defesas emocionais na


adolescente vítima de violência sexual. O medo e a vergonha costumam ser descritos aliados
ao sentimento de baixa autoestima pelo sofrimento vivenciado, que podem ser exacerbados
quando a adolescente não dispõe de amparo afetivo adequado. A baixa autoestima dos
adolescentes também se mostrou presente nos resultados quantitativos chamando atenção para
a relação entre o nível de autoestima e autoconfiança em adolescentes vitimizados
sexualmente.

Conforme já abordado anteriormente, o amparo familiar é fundamental no resgate da


autoestima junto a esta faixa etária. Observamos que quando a adolescente vítima de violência
sexual vive em ambiente perpassado por situações de violência este medo é exacerbado,
favorecendo a sua fragilidade e influenciando-a negativamente na visão de si mesma. Este
jovem pode perceber naqueles que deveria confiar a possibilidade de o traírem; sua confiança
no outro é então quebrada (SAFFIOTI, 2007). Para Alvin (1997), o sofrimento, o desamparo e
o medo, presente em adolescentes vítimas de violência sexual, vão exigir a máxima atenção
por parte dos profissionais, por ser parte integrante de outro problema: “as violências das
quais os adolescentes podem ser vítimas” (p.81).

Mais uma vez a adolescente é lançada no estado de desamparo no qual se constituiu


como sujeito, uma vez que entra em ressonância com fatos ocorridos na infância
(WINNICOTT, 1975). As respostas a esta situação são muito variadas. São tentativas de se
defender psiquicamente do ocorrido, surgindo as mais diferentes reações.
145

[...] Só aparece gente pra me julgar, pra me criticar, falar mal de


mim, jogar pedra em mim, só que cadê gente pra me apoiar? Pra
falar não, ela foi vítima [...]. Eu me sinto mal de tá sendo julgada
[...](Núbia).

Eu tento esquecer. É difícil botar uma pedra assim no que passou. Por
mais que fale que é passado, mas nunca é passado, sempre está
presente (Damiana).

Percebe-se que algumas repercussões são mais imediatas do que outras, tais como
sentimento de autoculpabilização, pensar que de alguma forma poderiam ter evitado a
violência, ou mesmo a culpa por ter sentido algum prazer físico vivido durante o ato. Sentem-
se desvalorizadas em relação às outras adolescentes e com baixa autoestima (AZEVEDO,
2007).

Neste sentido, a reedição e reelaboração dos conflitos edípicos, conforme já exposto


anteriormente, entram em choque com a vivência da violência sexual. O que seriam fantasias
incestuosas presentes no inconsciente, em alguns casos, efetivamente ocorrem. Não
encontrando o recalque ou vias de expressão simbólica, descarrega em si mesma através do
sentimento de culpa, destacado por todas as adolescentes entrevistadas.

Às vezes eu me sinto culpada mesmo (Damiana).

É os olhares são sempre muito acusatórios, as pessoa estão sempre


querendo acusar e apontar a vítima de uma outra forma (Núbia).

Este aspecto foi destacado por Azevedo (2007). Segundo esta autora os três problemas
emocionais mais frequentes entre as vítimas de violência sexual na infância e adolescência
são: sentimento de culpa, sentimento de autodesvalorização e depressão. Drezett (2000, p.9)
aponta outras consequências da violência sexual na adolescência: “na adolescência
predominam distúrbios comportamentais, psicossomáticos e psiquiátricos”.

Entre as adolescentes entrevistadas observamos algumas reações somáticas. A


experiência da violência sexual nesta faixa etária pode ocasionar vivências de isolamento
pessoal, sintomas de ansiedade, dores de cabeça frequentes, desmaios ou enurese noturna com
duração que pode ser breve ou longa. São sintomas que funcionam como respostas destes
sujeitos a uma incapacidade de expressão. A resposta via enurese foi descrita pela mãe e
146

confirmado pela adolescente revelando ter começado a se manifestar justamente após a


violência sexual:

Hum... Depois do que aconteceu né, aí depois de alguns meses... Aí eu


comecei a fazer (Poliana).

No que diz respeito às relações afetivas após a violência sexual, nota-se que as
adolescentes necessitam de um período de adaptação, pois vão precisar desfazer e refazer
alguns investimentos em si mesmas e nos outros. Ser mulher vítima de violência sexual para
algumas adolescentes passa a se configurar como uma marca identitária. Algumas reações de
defesa aparecem tais como negar todo e qualquer envolvimento afetivo após o ocorrido, por
entendê-los como relações temerosas, agressivas, dominadoras e perversas em lugar de
humanas, afetivas, democráticas e amorosas (FALEIROS; CAMPOS 2000).

Para Azevedo (2007), as vítimas de violência sexual sofrem interferências no


relacionamento interpessoal. Apresenta como principais dificuldades básicas vividas pelas
adolescentes: (a) recusa em estabelecer relações com homens, pode ocorrer o “medo da
intimidade”, passando a desconfiar do ser humano em geral; (b) estabelecimento de relações
apenas transitórias com homens, podendo estar associadas à prostituição; e (c) tendência a
supersexualizar relações com homens, por incapacidade em distinguir o amor parental das
manifestações sexuais.

Porque eu fico com medo de conhecer alguém e fazer a mesma coisa


(Nina).

Concordar em falar sobre a violência já se constitui como uma possibilidade de


exposição em busca de dar significado a algo que fora cuidadosamente guardado e silenciado
por elas e pela família (AZEVEDO, 2007). Considerando este aspecto, durante as entrevistas,
nos colocamos em uma posição o mais flexível e acolhedora possível para romper o segredo e
o isolamento.

Entretanto, a possibilidade de assumir ter sido vítima de violência sexual e buscar por
auxílio no âmbito da saúde pública tendo em vista a prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis, a Aids e a gravidez indesejada, também dependerá muito das relações
familiares. A violência sexual altera a rotina das famílias com uma série de outras rotinas que
precisarão ser devidamente seguidas, porque envolve uma intervenção psicossocial que inclui
147

a polícia, o judiciário, as redes sociais e o setor da saúde. É importante que estas esferas
atuem de forma complementar garantindo o sigilo necessário para a continuidade do
tratamento (SEIXAS, 1999).

Dentre as rotinas citadas, destacamos a notificação junto ao Conselho Tutelar, o


registro policial, seguido do encaminhamento para o exame pericial (exame de corpo de delito
e de conjunção carnal) realizado pelo Instituto Médico Legal (IML). Os exames médicos
periódicos também devem ser realizados e seguem rotinas que incluem: indicação do uso da
anticoncepção de emergência (AE), profilaxia das DSTs não virais, quimioprofilaxia
antirretroviral nas primeiras 72 horas após a violência sexual e acompanhamento laboratorial
periódico durante o período de 12 meses (BRASIL, 2010; ADED et al. 2006).

Como será possível para elas a construção de outras marcas identitárias que não a de
vítima de violência sexual, se toda a rotina passa a circular em torno da violência?
Observamos, seja nos casos em que a violência sexual foi cometida por estranho, por familiar
ou por algum conhecido, o quanto essa experiência foi capaz de instaurar a fragilidade na
estrutura familiar. Frente a este quadro é de suma importância que esta adolescente e sua
família possam aderir ao atendimento psicológico. Assim terão espaço para expressar seus
sentimentos em busca da construção de novos significados, também defendido por Junqueira
(1998, p.123), “é fundamental tornar viável a este sujeito construir identidades que não sejam
a de vítima sexual”.

Nos casos de violência sexual intrafamiliar o pacto do silêncio aprisiona o adolescente


por meio de chantagem e/ou ameaças. Encontramos aí a violência psicológica solidificada
através dos rituais dos momentos que antecedem a violência sexual, tais como a submissão ao
agressor por meio de sedução. A fraca resistência por parte da adolescente explica-se pelo fato
de o abusador ser alguém que mantém relação de proximidade e afeto.

É, eu tentei falar com minha irmã quando ela era pequena, só que ela
também não entendia. Aí ela falava não, não meu pai não faz isso
não. Sei lá o quê. Aí eu não falei mais pra ninguém... (Pamela).

Eu não lembro muito do que aconteceu não. Como eu falei, eu não


gosto muito de falar disso não, mas depois do que aconteceu acho que
foi uns 2 ou 3 meses depois que eu comecei a fazer xixi na cama né
(Poliana).
148

Safffioti (2007) alerta para atenção que deve ser dada às adolescentes vítimas de
violência sexual no contexto familiar, pois o corpo pode ser “percebido como o instrumento
que lhe permite obter o que deseja” (p. 63). O incesto provoca efeitos devastadores no nível
emocional, uma vez que a adolescente troca favores sexuais por atenção, o corpo pode ser
representado como algo vendável, uma mercadoria.

Segundo Faleiros e Campos (2000) a violência sexual se constitui em uma relação de


poder violento quando os direitos são negados e a identidade do dominado destruída. Ao ser
escutada e acolhida durante a entrevista por uma psicóloga, as adolescentes puderam falar
tanto do lugar de vítimas quanto, e, sobretudo, do lugar de um sujeito com questões que
incluem a violência, mas que vão para além desta. Um sujeito marcado pelo desamparo, mas
que se constitui com marcas identitárias diversas.

Através da escuta, as adolescentes puderam perceber a si mesmas como vítimas de


uma violência que invadiu seu corpo e sua alma para então continuar no processo de
construção de sua identidade apesar da violência sexual. Neste sentido foi importante para
estas adolescentes buscarem o serviço de saúde e poderem descrever as dores e os
sentimentos após o ocorrido.

Através da relação transferencial com a psicóloga – entrevistadora – e ao romper com


o não-dito, observa-se que estas adolescentes foram capazes de nomear e atribuir sentido à
vivência de violência e suas repercussões no processo de formação da identidade e definição
de si mesmas enquanto sujeitos.

Algumas reações são significativas. Destacamos o choro como uma das mais comuns
entre as adolescentes entrevistadas, resultado da expressão do sentimento de impotência
diante de toda a situação vivida. Entretanto esta manifestação pode ser compreendida como de
inconformidade ao problema vivenciado por elas, tendo a palavra como aliada neste momento
de elaboração. Apesar de em alguns momentos das entrevistas a dor e o medo estarem mais
presentes, percebemos que ao refletir e expor sobre suas vidas e o ocorrido elas puderam
repensar o lugar da violência sexual em suas trajetórias.

As pessoas, parece que elas ficam me julgando? (voz de choro) Já


falaram pra mim, na rua. Tem pessoas que apontam pra mim na rua e
fala olha lá a garota que quis dar pro cara, agora tá se fazendo de
santa. Não é bem assim... (choro) (Núbia).
149

A idéia de dominação no ato da violência em si aparece no relato das adolescentes.


Observamos reações de impotência, insegurança e confusão em um sujeito em processo de
construção. Algumas estratégias de enfrentamento servem para apontar a dificuldade
encontrada pelas adolescentes e suas famílias para lidar com a violência sexual. No entanto,
algumas adolescentes conseguem ser mais resilientes do que outras. A “resiliência rompe com
uma noção onde o sujeito se vê aprisionado a um ciclo sem saída” (JUNQUEIRA E
DESLANDES, 2003, p. 78).

Às vezes até acho que é bom chorar, aí que fico mais calma. Mas
agora se eu for chorar não vai ser mais por causa disso [...].Ah eu
decidi botar as coisas... Esquecer. Esquecer não, porque não tem
como né, falam que é passado, mas tá sempre no presente... Acho que
não tem como esquecer, também eu não vou mais chorar... Acho que
não vai adiantar chorar, ficar pensando... (Damiana).

Também encontramos no relato de algumas adolescentes o uso da escrita ou do diário


como forma de elaboração de suas dores. Já outras preferem trabalhar ou envolver-se em
práticas esportivas.

Estava escrevendo o que aconteceu comigo, na minha vida. (sorriso).


Eu também estou escrevendo duas páginas [...]. (boceja) Eu conto
que na minha vida teve momentos bons, também teve momentos ruins,
mas a vida é assim né... [...].A gente tem que se conformar pela vida
da gente (Damiana).

O que eu quero, eu quero é ser um atleta! Não importa do que seja.


Tudo o que eu faço, eu quero é ser um atleta... Eu quero, eu quero é
viver a minha vida! Não penso, não penso em namorado nem em
namorada agora (Valquíria).

Percebemos no relato destas adolescentes que conseguem lidar com o problema da


violência sexual, demonstrando maior resiliência. O engajamento através da escrita ou do
esporte aponta para a possibilidade de conquistar a autonomia necessária através da mudança
de olhar para a violência como uma marca identitária (JUNQUEIRA E DESLANDES, 2003).
150

Através do convívio com adolescentes vítimas de violência sexual e por meio da


escuta foi atribuída a esta situação outros contornos, com a finalidade de ressignificação do
sofrimento vivenciado por estas mulheres/adolescentes.

Ao realizar as entrevistas, em alguns momentos angustiantes, tivemos a oportunidade


de explorar cuidadosamente a relação das adolescentes com um corpo ainda sentido como
impuro. Também a sexualidade em um momento de transformações, angústias e perdas, pode
ser explorada bem como a percepção e os sentimentos de quem pode se reconhecer como
sujeito dentro do contexto da assistência e da prevenção.

Todas estas reações denotam possíveis caminhos em busca de si mesmo.


151

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do aprendizado originado ao longo da elaboração da tese, pudemos constatar


os seguintes pontos: a violência sexual é complexa, multideterminada e democrática – todos
são vulneráveis, independente de sexo, classe social ou local de moradia; a adolescência é um
período de elevada vulnerabilidade à violência sexual. Estes e outros aspectos instigaram-me
a procurar por uma compreensão sobre aspectos da identidade e da sexualidade em
adolescentes que vivenciaram a violência sexual.

Os achados do presente estudo nos levaram a uma reflexão da construção da


identidade do adolescente que vivencia a experiência de violência sexual, de uma maneira
mais dinâmica tendo em vista o processo da adolescência exigir uma abordagem mais ampla.
Para tal, recorremos a autores do campo das ciências sociais e da psicanálise para nos auxiliar
nas nossas reflexões.

É na adolescência que este sujeito terá a tarefa de iniciar o processo de reorganização


da identidade. Para tal necessita realizar a adaptação do sentido do “eu” às mudanças
puberais, além de construir uma identidade sexual madura, buscar novos valores e fazer uma
escolha ocupacional. Chamamos atenção através desta tese que adolescentes vitimas de
violência sexual necessitam de atenção médica e psicológica, tendo em vista as consequências
desta experiência sobre a saúde física e mental.

Constatamos que, em geral, os adolescentes são com frequência vitimizados


sexualmente. Assim, durante o percurso desta pesquisa os resultados quantitativos apontaram
que 10% dos adolescentes na faixa etária entre 15-19 anos já viveram a experiência da
violência sexual em alguma esfera relacional em algum momento de suas trajetórias. Estes
resultados evidenciam a importância dos efeitos desta experiência nesta etapa do ciclo vital.
Entre os principais aspectos que influenciam o processo de construção da identidade do
adolescente vítima de violência sexual encontrados, destacamos a vulnerabilidade a outras
formas de violência tanto na posição de vítima como de perpetrador, os níveis significativos
152

de baixa autoestima combinados com a existência de violência física e psicológica entre os


pais, além da relevância dada ao pertencimento a um grupo e a precocidade da iniciação
afetivo-sexual. Estes e outros aspectos também mostraram-se presentes no estudo qualitativo
realizado com adolescentes sexualmente vitimizadas.

Estes resultados nos levam a concluir que por ser a adolescência uma fase de intensa
fragilidade, este tipo de experiência com características traumáticas traz consequências diretas
sobre o desenvolvimento psíquico destes sujeitos. Salientamos ainda para o perigo de ao
ressignificar sua identidade, o adolescente vitimizado sexualmente não conseguir romper este
ciclo de violência.

No intuito de problematizar a temática referente à violência sexual na adolescência, foi


necessário fazer o levantamento do perfil da população usuária do Centro de Atendimento a
Mulheres Vitimas de Violência Sexual. Encontramos neste grupo a prevalência de
adolescentes, solteiras, desempregadas e que ainda não completaram o ensino fundamental. O
perfil da violência sexual das mulheres atendidas no referido centro nos revelou um pouco do
universo desta população e contribuiu para o cruzamento com os resultados quantitativos e
qualitativos. Chama a atenção a idade precoce da iniciação sexual e o número de parceiros,
similar ao encontrado na análise quantitativa feita sobre jovens brasileiros de dez capitais,
confirmando a literatura que aponta para a vulnerabilidade nesta faixa etária .

Através do levantamento do perfil do serviço, dos resultados quantitativos e


qualitativos comprovou-se a associação entre a violência sexual e outras formas de violência.
Constatamos, através da triangulação metodológica realizada nesta tese, o quanto as
violências estão interligadas. Assim, parece pertinente salientar que a vivência de violência
sexual pode facilitar a exposição destes adolescentes a outras formas de violência, entre elas a
violência física, a violência psicológica e a negligência.

Algumas adolescentes do Centro de Atendimento a Mulheres Vitimas de Violência


Sexual destacam a sensação de calma como um dos estados afetivo-emocionais durante a
primeira entrevista. O que nos faz observar que o impacto emocional que a violência sexual
pode provocar na vida destes sujeitos é subjetivo e dependerá também dos aportes
encontrados na família e nos espaços sociais. Além disso, revela a relevância de se
proporcionar a essas adolescentes um espaço onde possam ser escutadas, abrindo caminhos
para a elaboração do trauma.
153

Assim, a violência sexual constitui-se um fenômeno de difícil caracterização na


adolescência, por ser provocante e instigador de feridas e dores não só aos vitimizados, mas
inclusive aos familiares e profissionais.

No cenário da violência sexual, as outras formas de violência podem ocorrer antes,


durante e após o estupro propriamente dito. Assim, salientamos a necessidade dos
profissionais de saúde que atuam junto a esta população, fazerem o acolhimento adequado a
todos os envolvidos. A sensibilidade na compreensão das demandas é fundamental, pois há
situações nas quais os pais se apresentam tão fragilizados quanto os próprios adolescentes.
Dependendo do contexto no qual ocorre, observamos que a violência sexual pode abalar a
estrutura familiar, dificultando inclusive a manutenção do atendimento. Alguns responsáveis
impõem barreiras, por exemplo, financeiras e geográficas como justificativas para o não
seguimento.

O presente estudo nos permitiu reconhecer que adolescentes vítimas de violência


sexual tendem a apresentar mais baixa autoestima, conforme observado no estudo quantitativo
e novamente reforçado no qualitativo. Percebemos aqui como a capacidade que o adolescente
tem de gostar de si mesmo fica associada à autoimagem como puro objeto para o outro e do
outro como potencial inimigo ou perigoso. A vivência de dor e sofrimento impostos nesta
etapa do ciclo vital em muito contribuem com essa visão.

Interessante notar que no grupo dos adolescentes escolares, são os meninos vítimas de
violência que mais referem baixa autoestima, comparados às meninas. No estudo qualitativo,
esta questão se mostrou presente nos discursos das adolescentes em relação ao corpo e aos
olhares dos outros percebidos como acusatórios. Sobre este quadro, percebe-se que para
adolescentes de ambos os sexos, a baixa autoestima está ligada a questões culturais. Ser
vítima de violência sexual os conduz ao questionamento de seus valores e posições sociais.
Para os meninos, muitas vezes recai o peso da masculinidade; para as meninas o da
vulgaridade.

Neste sentido, consideramos que esta baixa autoestima entre adolescentes vítimas de
violência sexual está ligada à representação que este sujeito estabelece com o seu corpo em
um período do ciclo vital no qual irá precisar passar por um processo de ressignificação.
Embora não podemos afirmar que adolescentes vítimas de violência sexual tenham mais baixa
autoestima se comparados aos não vítimas, fica aqui evidente que a violência sexual interfere
154

diretamente na construção da autoestima do adolescente, por sofrer as consequências das


mudanças. Sentimentos de medo, de culpa, vergonha e ódio em muito contribuem para a
construção da imagem de si mesmo e do corpo como negativas. Ressaltamos aqui o quanto a
violência sexual deixa marcas corporais e psíquicas, ou seja, os efeitos da violência não se dão
somente no corpo, mas também no psiquismo. Diz respeito a uma fragilidade egóica que interfere
na formação identitária deste sujeito em processo de transformação.

Notamos que através da experiência com o grupo de iguais, o processo de


identificação com o outro possibilita aos adolescentes viverem experiências de desamparo de
maneira mais tolerável, pois as marcas identitárias os fortalecem. Chama atenção a diferença
entre os dois grupos pesquisados: no estudo quantitativo observamos este comportamento
presente. No entanto, entre as adolescentes do estudo qualitativo a violência sexual as afasta
do grupo de pares, pois sentem-se diferentes e portanto distantes do outro. Estar em grupo
pode significar remetê-las ao trauma do qual necessitam afastar-se.

Nos relacionamentos afetivo-sexuais descritos como “ficar” – dinâmica mencionada


por ambos os grupos estudados como uma prática natural – observamos que o posicionamento
dos amigos na escolha de parceiros íntimos, assim como em outros aspectos da vida do
adolescente, irá exercer influência significativa.

Ao escolher os parceiros íntimos, os adolescentes vivem uma experiência de


aprendizagem para a vida adulta. É através das relações com o outro que este adolescente terá
a possibilidade de ir conhecendo-se, experimentando-se. Esses encontros permeados de
sucessos e insucessos são tentativas naturais ao processo de construção da identidade na
adolescência. No entanto, ao relacionar-se com o outro, sentimentos tais como o ciúme e a
insegurança acompanham os adolescentes em um momento de grande importância do ciclo
vital, marcado por transformações e busca de modelos identificatórios que os levem em
direção à construção de novos vínculos afetivos. Assim nota-se que encontros afetivos
sobrecarregados de frustrações podem dar lugar a relações marcadas pela violência.

Observamos no estudo qualitativo que o fato de ter tido a primeira experiência sexual
de forma violenta interfere na expectativa das adolescentes em relação ao comportamento de
“ficar”. No estudo quantitativo, observamos que “ficar sem compromisso” é muito comum
entre os adolescentes de um modo geral. No entanto, entre as adolescentes do estudo
qualitativo sexualmente vitimizadas que eram virgens na ocasião da violência sexual, esta
155

prática torna-se mais rara. Elas descrevem que após a violência sexual, se tornaram mais
retraídas ao contato com o outro. As explicações variam desde o controle maior por parte dos
familiares até o medo do envolvimento com o sexo oposto, tem-se novamente aqui como a
atitude das adolescentes sexualmente vitimizadas quanto à imagem de si mesmas será
determinante em relação às escolhas afetivas.

Possivelmente o fato de ter sido violentada sexualmente ainda virgem, associa-se com
o processo de construção da sexualidade na adolescência. Embora no estudo quantitativo este
dado não fosse explorado diretamente, o fato de mais de 60% das vítimas de violência sexual
descreverem que tem relacionamentos mais duradouros (entre 1 e 11 meses), também
apontam nesta direção. A violência sexual pode propiciar que adolescentes busquem
envolvimentos afetivos mais duradouros.

Encontramos atitudes tais como o ciúme – forma de comunicação muito praticada


entre casais adolescentes em geral e também entre aqueles vítimas de violência sexual,
conforme visto no capítulo 4. Nesse sentido, observamos o quanto o ciúme – uma
manifestação de violência verbal – é marcado por atribuições de poder. Estas manifestações
traduzem o resultado das relações hierárquicas tradicionais, culturalmente demarcadas, tendo
em vista a dificuldade encontrada em casais afetivo sexuais de construírem uma relação mais
igualitária e menos hierarquizada (SAFFIOTI, 2001). É fundamental olhar como estas atitudes
violentas são justificadas por padrões culturais naturalizados nas relações afetivas.

Observamos no estudo quantitativo, importante destaque em relação ao sentimento de


ciúmes mencionado pelos adolescentes como uma prática comum entre os casais
adolescentes. No estudo qualitativo essa questão foi corroborada. As adolescentes
entrevistadas individualmente também referem o ciúme como conduta usual no
relacionamento com os parceiros. Provavelmente manifestações de ciúmes entre casais na
adolescência, por ser uma violência verbal, é um aspecto da vulnerabilidade à violência sexual
nesta faixa etária.

Por este motivo, vivenciar violência sexual neste momento torna estes adolescentes
um segmento vulnerável da população, pois a própria violência os expõe a esses riscos,
operando em várias dimensões. A reflexão sobre o relacionamento afetivo-sexual entre
adolescentes permitiu compreendê-los como parte do processo de aprendizagem para a vida
adulta. Neste sentido, o sexo é também um teste para este sujeito que busca a aquisição de sua
156

identidade. No entanto, quando o ato sexual ocorre no contexto de violência, traz


consequências a curto, médio ou longo prazo (MINAYO, 2011; SILVA, 2009).

Constatamos, em nossa experiência com adolescentes vítimas de violência sexual, o


quanto a violência pode levar à quebra da confiança no outro. Sem esta relação com o outro o
processo de construção da identidade fica comprometida. Para algumas adolescentes
entrevistadas no estudo qualitativo, este comprometimento é observado na relação mais
distanciada que têm com as pessoas. Estas passam a ser vistas como potencialmente
ameaçadoras. O medo do envolvimento é descrito como natural e consequência da
experiência de violência sexual. Observamos o quanto a luta contra o abandono e o
desamparo envolve um esforço psíquico intenso.

A violência sexual na adolescência promove dificuldades no processo de identificação.


O fato de estar submetida ao desejo do outro demarca um assujeitamento desta jovem ao
contato sexual, muitas vezes com requintes de crueldade. Nessas circunstâncias, a adolescente
acaba sendo tratada e vista como coisa, como utensílio e, como tal, é então desrespeitada,
humilhada, ficando envergonhada do modo desumanizado com o qual é tratada. Uma das
consequências é entender a relação sexual como algo cruel e destrutivo.

Embora nesta tese, não estejamos abordando aspectos ligados à clínica com crianças e
adolescentes do sexo feminino sexualmente vitimizadas, penso ser possível afirmar que a
identidade das adolescentes vítimas de violência sexual é construída com base na relação que
ela estabelece com o outro, e com seu corpo ressignificado na adolescência e novamente
ressignificado após o trauma vivido. O significado atribuído ao corpo violentado sexualmente
está relacionado à imagem de si mesma. Nota-se que para a maioria das adolescentes que
chega ao serviço após ter sido vítima de violência sexual o corpo é percebido como sujo,
impuro, nojento como se não fizesse parte de si mesma. Assim, para algumas o processo de
identificação é muito doloroso. É neste momento que a confiança no ambiente, descrita por
Winnicott (1980), torna-se condição para o desenvolvimento saudável.

Queremos salientar aqui, o lugar de destaque ocupado pelo corpo quando nos
remetemos à adolescência. Assim, é também neste cenário que o adolescente tem o acesso a
genitalidade, como nos aponta Freud-1905 (1989), já podendo vivenciar o prazer no encontro
com o outro. No entanto, para alguns adolescentes, as mudanças corporais são percebidas
como invasivas e persecutórias (MACEDO, 2010d).Desta maneira, a violência sexual ganha
157

uma dimensão importante, porque estamos nos referindo ao exercício da genitalidade


proporcionada por formas de satisfação assujeitadas ao desejo de outro, através de ações
violentas. Podemos entender como o repúdio ao corpo e a necessidade de “distanciar-se” dele
por um tempo, tal como referem estes adolescentes entrevistados, parecem expressar uma
tentativa de lidar com a imagem corporal e com as vivências impostas pela violência sexual.

Uma das saídas psíquicas do eu, apoiado no seu referencial interno, para fugir do
insuportável da violência sexual é se misturar com a maneira como o outro o vê, criando uma
imagem de si mesmo construída por um eu idealizado em referenciais parentais. A confiança
e a segurança naqueles pais da infância precisarão ser novamente sentidos e investidos
durante o processo de construção da identidade do adolescente vitimizado sexualmente. O
atendimento junto a estes adolescentes deve ocorrer em um ambiente acolhedor, para que
possam resgatar a confiança e investir nas suas figuras parentais. Nesse caso, o olhar e a
escuta dos profissionais devem ir além das questões relacionadas à violência sexual, para que
possam perceber este adolescente como um sujeito e auxiliá-lo no processo de ressignificação
da identidade (JUNQUEIRA, 2002).

Constatamos ao longo desta pesquisa que, no cotidiano das relações familiares, ações
violentas nem sempre são visíveis e/ou reconhecidas como tal. Em outras palavras,
percebemos como o modo de funcionamento de algumas famílias e a convivência com
práticas disciplinares violentas ou mesmo a vivência em ambiente violento, torna a violência
naturalizada nas relações entre os membros familiares.

Assim, percebemos que aqueles adolescentes com história de violência sexual, que
também vivenciam dentro de seu próprio contexto familiar violência psicológica, física e
negligência, permanecem envolvidos diretamente em um tipo de relacionamento no qual o
outro deixa de ser reconhecido em sua singularidade.

O estudo quantitativo nos mostra que a qualidade do relacionamento das adolescentes


do sexo feminino com o pai é pior entre aquelas com vivência de violência sexual
comparando-as com as não vítimas. Nos resultados qualitativos observamos que as
adolescentes entrevistadas entendem a figura do pai como mais fraco, alguns sem emprego,
sem função no interior da família, ou mesmo ausente. O que nos faz pensar que as vítimas de
violência sexual tendem a ver no masculino este sujeito fraco. Observamos no estudo
quantitativo a tendência das adolescentes do sexo feminino considerarem mais natural a
158

mulher humilhar e agredir o homem do que o inverso. Assim, é provável que nas situações de
resolução de conflitos, a adolescente do sexo feminino encontre-se em condição de maior
vulnerabilidade à violência sexual e também as outras formas de violência associadas. Em
relações afetivo-sexuais a atitude destas moças podem entrar em choque com os papéis de
gênero em nossa cultura.

No estudo qualitativo, a análise dos fatores de risco não foi contemplada seguindo os
mesmos padrões do estudo quantitativo. No entanto, notamos que, em contextos de violência
sexual cometida por estranhos, pode ocorrer a exposição dos adolescentes a situações de risco.
Ao olhar para a figura masculina como pouco expressiva, ou mesmo distanciada, a
adolescente pode não perceber os “olhares” dos potenciais agressores sexuais como
ameaçadores, por sua vez consideramos ser este um fator de risco para a violência sexual na
adolescência. Observamos que a própria situação da adolescência por ser um momento de
vulnerabilidades e conflitos internos, estas mudanças acabam sendo externalizadas através do
envolvimento, mesmo sem a percepção direta, nessas situações.

Notamos nos diferentes contextos de violência sexual, o desenrolar de tramas


complexas, acobertadas pelo sigilo, por ameaças e mesmo por barganhas, bem como a
vivência de sentimentos ambíguos e intensos. Ter sido abusado cronicamente por uma pessoa
do convívio familiar pode ter o sentido de uma experiência natural com um status
diferenciado para o adolescente diante do grupo de iguais, conforme observamos no estudo
qualitativo. Assim, a revelação e todo o ritual dos atendimentos tanto da justiça quanto da
saúde demarcam a imposição da cultura, da lei determinando a proibição do incesto. A
intervenção através de toda a rede de proteção pode ser sentida como uma ameaça à
integridade deste sujeito que a partir daí terá que ressignificar sua identidade. A intervenção
da lei e da cultura é de extrema importância, mas caberá aos profissionais, tanto da área da
saúde quanto da jurídica, receberem esses adolescentes de modo acolhedor e não invasivo, de
modo a não cometerem outra violência.

Em situações de violência sexual intrafamiliar, tem-se uma contradição instalada, pois


é justamente neste espaço, que tem como uma das funções garantir a proteção e segurança,
que manifestações deste tipo passam a ocorrer. Reações de medo e insegurança podem
demandar um esforço psíquico maior no processo de construção da identidade deste
adolescente. No entanto, os conflitos percebidos por cada um estão relacionados à maneira
como o adolescente se reconhece dentro deste contexto e sua relação com o agressor.
159

Pudemos constatar nos resultados quantitativos, que adolescentes do sexo masculino


tiveram mais experiências de violência sexual do que as meninas. Entretanto, a maioria dos
estudos relacionados a esta temática prioriza o sexo feminino.

Na entrevista com o único adolescente do sexo masculino, consegue descrever sobre


sua vivência de forma limitada, mostrando-se reticente e evasivo quanto a este aspecto. Sobre
isso já mencionamos o problema da subnotificação envolvendo a violência sexual e sexo
masculino. Tem-se aqui uma vítima negligenciada10 pelo próprio serviço de saúde já
mencionado acima, que oferece atendimento apenas a mulheres vítimas de violência sexual.
Sendo assim, ao longo deste estudo, somente foi possível analisar, no enfoque qualitativo,
sobre o desenvolvimento da identidade e a construção da sexualidade de adolescentes do sexo
feminino que foram vítimas de violência sexual, considerada como uma das limitações
presentes nesta pesquisa.

Em todo o contexto da pesquisa, nos sentimos comprometidos tanto com a escuta


acerca da violência sofrida por estas adolescentes, quanto com a problematização dos
discursos sociais que atribuem a estas adolescentes o papel de coniventes e muitas vezes
culpadas por provocar nestes homens o desejo de agredi-las. Através desta escuta pudemos
compreender, dentre outros aspectos, o quanto estas adolescentes são sujeitos que precisam de
espaço para ressignificação das mudanças, de suas dores e sofrimentos.

Diante de todos estes aspectos, desejamos enfatizar aqui a importância da escuta


psicológica junto a estes adolescentes vitimizados sexualmente, em direção a um trabalho
psicossocial que possa acompanhar as intensas e dolorosas mudanças pelas quais eles
passaram, de forma a integrá-los em uma nova imagem de si mesmos. Nossa proposta é que
estes sujeitos possam fazer novos investimentos na construção de uma identidade madura para
o estabelecimento de relações afetivas saudáveis.

Intervir como profissional de saúde e estudar a violência sexual despertou a reflexão


de alguns aspectos fundamentais. Do ponto de vista profissional e pessoal, apontamos a
necessidade da articulação da saúde com os outros setores, principalmente a justiça. A
violência sexual é um problema de saúde pública, os profissionais devem intervir no sentido
de proporcionar a proteção, a recuperação psicológica e em alguns casos física daqueles que
foram vitimizados. A intervenção deve ser singularizada de acordo com a demanda de cada

10
Grifo nosso (Prado, 2006)
160

um e também a escuta e o acolhimento devem ser dirigidos não somente aos vitimizados mas
também aos seus familiares.

Salientamos aqui a necessidade de investimento em políticas públicas intersetoriais no


âmbito da assistência a adolescentes de ambos os sexos vítimas de violência sexual. As redes
de atendimento, bem como a capacitação profissional devem ser revisadas constantemente.
161

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