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Pragmática & Comunicação

Jair Antonio de Oliveira


Universidade Federal do Paraná – UFPR
MEDUC – Mídia, Linguagem e Educação

Índice widespread and celebrated on the twenty-


first century. The theoretical frame-
Introdução 1 work is that of Pragmatic Linguistics (RA-
1 Perspectiva pragmática 3 JAGOPALAN, 2002, 2003; MEY, 1985,
2 Cooperação e comunicação 10 1993) and analytical methodology is basi-
3 (E)feitos, enfim 13 cally descriptive.
Referências 14 Key-words: pragmatics, communication,
language.
Resumo
Introdução
O propósito deste artigo é fazer uma re-
nenhuma outra época da história da
flexão em/sobre o conceito de “comuni-
cação” e instaurar um debate com outras teo-
E M
humanidade, a palavra “comunicação”
foi tão enfatizada como agora. Por um
rias em-torno da “metáfora reinante” mais
lado, essa reiteração reforça a ideia de “ob-
difundida e celebrada no século XXI. O refe-
jetivo comum” para os indivíduos nos mais
rencial teórico é o da Pragmática Linguística
diferentes contextos. De outro, revela as
(RAJAGOPALAN, 2002, 2003; MEY, 1985,
contradições inerentes a essa prática, ex-
1993) e a metodologia empregada é basica-
pondo diferenças epistêmicas e operacionais
mente analítica descritiva.
(Oliveira, 2002:7). O fato é que o uso in-
Palavras-chave: pragmática, comuni-
discriminado do termo tem contribuído para
cação, linguagem.
criar um entorno com significações tão am-
Abstract plas e uma mistificação que precisa ser re-
vista sob o risco de conduzirmos nossas in-
The purpose of this paper is to reflect vestigações a partir de falsas representações.
in / on the concept of "communication"and Watzlavick (1967: 47) postula o axioma
initiate a discussion with other theories “não se pode não comunicar” e Marcon-
in-around the "reigning metaphor"more des (2004:7) diz que “comunicação é uma
palavra da moda (...)”. O que está implícito
no uso do termo é a ideia de que a comuni-
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cação é a função hegemônica, senão única, vina que criou Adão que, por ser o primeiro
para o que chamamos linguagem. Não é homem, possuía uma linguagem que o per-
difícil verificar isso, pois se inquirirmos as mitia conhecer a essência das coisas e este
pessoas à nossa volta a respeito de sua con- poder lhe outorgou o direito de atribuir um
cepção de linguagem, o que certamente ou- nome a cada substância ou acidente. Assim,
viremos é: “linguagem é comunicação”. Adão nomeia todo pássaro e todo animal do
Partindo de uma reflexão proposta por campo e, embora não perguntasse qual era
Derrida (1973), é preciso desconstruir o con- a origem da língua que possuía, concebia
ceito, ou seja, colocar a comunicação under as palavras que usava como “nomes” (rótu-
erasure. Colocar a comunicação sob sus- los) para as coisas. Esses nomes serviam
peita não é destruí-la, até porque isto é im- como “meios” para que ele representasse
possível, mas questionar as bases filosóficas os objetos que o cercavam e expressasse os
e ideológicas que associam linguagem e co- seus pensamentos ou estados interiores. As
municação e quais as implicações práticas palavras permitiam a Adão que as suas ideias
desse vínculo. Esta reflexão torna-se perti- fossem comunicáveis e as coisas do mundo
nente pelo fato de o ser humano, em pleno representáveis, mas tanto a existência das
século XXI, afirmar categoricamente que as ideias quanto das coisas eram independente
pessoas estão se comunicando como nunca o das palavras. Isto é, como Deus a tudo criou,
fizeram graças aos avanços tecnológicos e a as “coisas” e os “processos” (sentidos, dese-
uma compreensão maior de seu papel como jos, sensações) já estavam dentro da mente
ser humano, solucionando os seus problemas do primeiro homem, em sua essência, no seu
pela conversação. interior.
O fato é que o ser humano esquece e de- Neste caso, mente e linguagem são inde-
pois naturaliza procedimentos criados por si pendentes. Adão era capaz de perceber ob-
para viver em grupo. Como bem o disse jetos, propriedades e relações de forma di-
Nietzsche (1983: 48), “a verdade é apenas reta, sem a mediação da linguagem. Tais
um exército de metáforas móveis, uma soma objetos, relações ou propriedades, só se tor-
de relações humanas, que depois de muito navam existentes na linguagem quando uma
uso, parecem como coisas fixas, canônicas espécie de “olho interior” olhava para den-
e obrigatórias”. Em outras palavras, para a tro da mente de Adão, e objetivando co-
maioria das pessoas é problemático imagi- municar a Eva o que lá existe, usava a lin-
nar que a linguagem não é um “meio” para guagem para expressar aquilo, que antes de
representar as coisas do mundo ou expres- ser dizível, já estava lá em seu sentido bruto
sar estados interiores. Parece tão óbvio, ou (um arquétipo das coisas, uma representação
talvez seja mais fácil pensar desta forma, do plano macro – do criador, no plano micro
que não causa estranheza, por exemplo, o – a criatura). Esta concepção de linguagem
fato de as novas tecnologias, em especial a consagra a ideia de que a linguagem é um
comunicação via Internet, receber o nome meio para representar fatos e expressar sig-
de “interatividade”. Os meios eletrônicos nificados dados de antemão, prévios ao uso
tudo podem e a todos interage! É a versão linguístico. Usar a linguagem nessa perspec-
atualizada da onisciência e onipotência di- tiva é sempre uma questão de encontrar o já

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existente – algo que é o que é, independente a sintaxe ou semântica, por exemplo, ado-
de sua relação com outras coisas. tam. Igualmente, não emprega os métodos
Esta e outras concepções de linguagem “exatos” que ciências como a matemática ou
não têm sido suficientes para explicar o que a biologia costumam referendar, pois o ob-
é a comunicação (se é que existe uma teo- jetivo da pragmática não é explicar a lin-
ria que dê conta desta complexidade). No guagem e a comunicação de “forma regrada,
entanto, temos certeza de algo: a busca por previsível e regida por regras determinísti-
uma explicação não pode ficar restrita a uma cas” como diz Rajagopalan (2002: 24) ao
concepção de linguagem centrada em um se referir àquelas teorias que têm como meta
modelo de código, aqui entendido como um colocar a prática linguística em uma “camisa
sistema que emparelha sinais e mensagens e de força”.
que permite aos seus usuários a codificação e
a decodificação do que se pretende transmitir
1 Perspectiva pragmática
ou àquelas teorias da linguagem que tenham
a finalidade única de representar o mundo e Inicialmente, vamos imaginar a seguinte
os pensamentos. Tais modelos, embora se- situação – João caminha pelas ruas da cidade
jam explicativos, são descritivamente inade- e olha para cartazes, placas, sinais de trân-
quados para dar conta das inúmeras possi- sito. João também ouve notícias, sons, es-
bilidades que os usos linguísticos compor- cuta músicas que tocam em um rádio e con-
tam nas relações dos homens entre si. Em versa com amigos. Contam piadas, falam
outras palavras, modelos centrados na dico- das namoradas e da prova de português no
tomia forma e conteúdo e suas abordagens dia seguinte. João continua a caminhar pela
componenciais restringem-se à ideia de men- cidade, agora pensativo, refletindo sobre os
sagens como sinais enviados por meio de textos que deve ler para se sair bem no e-
canais abstratos sem o apelo aos usuários e xame. Em grande medida, os comportamen-
às circunstâncias contextuais. tos de João, sejam físicos ou psíquicos, são
Assim, este trabalho propõe uma reflexão regrados pelos signos. Para que um signo e-
sobre o conceito de comunicação a partir xista é preciso que haja um referente (a coisa
de uma perspectiva Pragmática Linguística representada), um significado (conceito) e
(MEY,1985, 1993; RAJAGOPALAN, 2002, um significante (a representação física do
2003) e uma metodologia que consiste na signo, em forma sonora, gráfica, visual ou
interpretação pessoal das restrições e trans- gestual).
gressões que integram o universo social do Esse universo de signos em que João está
uso da linguagem de acordo com o nosso imerso não caiu do céu. Trata-se de um
conhecimento dos usuários e suas crenças e esforço deliberado e contínuo (um compor-
com as expectativas que decorrem deste co- tamento, uma ação) manifesto na forma de
nhecimento. Trata-se de uma interpretação sinais gráficos, acústicos ou gestuais, criado
pessoal porque no âmbito da pragmática não pelos seres humanos ao longo de sua história
há espaço para o estabelecimento de regras para dar conta de suas necessidades mate-
estritas para a leitura dos discursos e nem riais e psicológicas. Em sua obra, Funda-
os mesmos moldes de previsibilidade que mentos da Teoria dos Signos (1938), Mor-

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ris afirma que o homem destaca-se de outros interculturais. Assim, na dinâmica dos sig-
animais por possuir um sistema complexo e nos e das significações, uma consideração
elaborado de signos. Metodologicamente, sobre a pragmática é polivalente, ou seja: in-
Morris observa que uma teoria linguística, clui os domínios dos fatos de enunciação,
como um ramo especial da semiótica mais de inferência, de instrução (MOESCHLER,
abrangente, deve descrever e explicar os 1994), e também reflete o fazer parte de uma
sinais, suas designações e seus intérpretes. “forma de vida” com infinitas possibilidades
Assim, propõe três sub-disciplinas: de responder às solicitações da existência so-
cial.
a) Sintaxe: que apreenderia a dimensão A pragmática está instaurada no universo
sintática da semiose, estudando a re- sócio-semiótico da linguagem e reflete a
lação formal dos signos entre si (relação dinâmica do comportamento comunicativo
signo + signo); social dos seres humanos, isto é: uma
perspectiva dos vários eventos interativos
b) Semântica: que apreenderia a dimen-
em que os indivíduos se envolvem social-
são semântica da semiose, estudando a
mente para evitar o “não ser reconhecido”.
relação dos signos com os objetos que
Esses usos da linguagem envolvem tipos de
eles designam (relação signo + mundo
conhecimento que vão além das regras de
ou objeto referido);
sintaxe e semântica e não requerem ape-
c) Pragmática: que apreenderia a dimen- nas habilidades verbais, mas o domínio de
são pragmática da semiose, estudando a uma ampla variedade de capacidades sócio-
relação dos signos com os intérpretes ou cognitivas. O usuário da linguagem deve
usuários (relação signo + usuário). colocar ênfase naqueles fatores que, mesmo
não estando explicitamente manifestos nos
A relação dos signos com os seus usuários textos e discursos, ainda assim, determinam
é o que nos interessa aqui. Obviamente, a forma desses textos e discursos através
essa relação não é apenas interpretativa ou de possibilidades difíceis de verificar num
informativa mas, basicamente, performa- primeiro momento.
tiva. Neste viés, a dimensão pragmática É preciso considerar que os usos da lin-
permeia todo o conjunto do espaço sígnico, guagem são comportamentos sociais e cul-
não existindo fenômeno “significativo” que turais. Porém, trata-se de comportamentos
lhe possa escapar. O fato é que estamos intencionais. Possuem motivos que nos per-
adotando uma perspectiva maximalista; por- mitem entendê-los; permitem uma investi-
tanto, a pragmática não deve mais ser con- gação desses motivos. Usar a linguagem é
siderada como um mero componente da lin- sempre permitir ou solicitar uma pergunta
guística e sim como uma perspectiva do uso do tipo: Com que fins? Como? Por quê?
geral da linguagem na comunicação. Em Quando se usa a linguagem, realiza-se uma
outras palavras, a pragmática está interes- ação (ordenada por regras) dentro de con-
sada na imensa complexidade dos usos da textos sociais com determinados objetivos.
linguagem cinética, visual e sonora em atos Cada comunidade de falantes desenvolveu
comunicativos nas diversas situações intra e as suas próprias regras de uso; o que at-

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esta a riqueza e a complexidade que acom- um padrão de comportamento por nós ela-
panha esses usos. Não há regras melhores borado e contemplado”. É neste sentido que
ou piores, pois cada conjunto de regras é o uma ação intencional pode ser considerada
resultado da experiência histórica dos inte- como uma “ação política”.
grantes das diversas comunidades, de suas Assim, perguntar pelo sentido de uma
interações e intervenções no mundo. Neste palavra ou frase equivale a perguntar como
aspecto, os enunciados não são apenas ins- se usa essa palavra ou frase naquele con-
tâncias articuladoras da vontade individual, texto. Significa investigar o mundo em que
mas também refletem a atmosfera social va- a palavra é usada. Obviamente, as restrições
lorativa em que as pessoas estão inseridas. impostas coletivamente podem delimitar o
Obviamente, a pragmática ressalta a inten- leque de escolhas linguísticas individuais nas
cionalidade do sujeito, entendida aqui como ações interativas; mas isto apenas torna mais
um processo ativo e singular de responder importante para a/na pragmática identificar
às condições objetivas, e não como uma ex- como os indivíduos usam a linguagem para
pressão de uma subjetividade pré-social. mudar a situação de restrição em que eles se
Pensar é (in)tensionar; a intenção é sem- encontram sem “causar abalos” nas relações
pre o desejo de alterar estados mentais do e regras sociais e ao mesmo tempo dar conta
sujeito ou estados de coisas da realidade. A de suas intenções comunicativas.
noção de intenção se apoia nas leis do com- Usar a linguagem não é apenas seguir um
portamento humano. Quanto mais sabemos roteiro (script) nas interações, pois isto não
acerca dessas regras, melhor podemos ante- nos leva além de uma abordagem sociolin-
cipar as intenções de uma determinada pes- guística (que revela como os recursos con-
soa. É claro que os comportamentos hu- textuais sistematicamente restringem o uso
manos nem sempre refletem o que se es- da linguagem). Mas é sempre um compor-
perava deles ou traduzem as regras conven- tamento “político”, aqui entendido como as
cionais seguidas. Isto não quer dizer que mudanças que o usuário da linguagem im-
as intenções estejam codificadas no sistema põe às circunstâncias e aos interlocutores.
interno dos indivíduos, mas que se trata Mesmo em locais onde há um rígido roteiro
de comportamentos responsivos às inúmeras pré-determinado, como em um julgamento,
solicitações que lhes são feitas enquanto onde o réu só pode se manifestar quando so-
seres sociais. Afirmar que há uma intenção é licitado, em uma solenidade de formatura,
afirmar que são inteligíveis o agente, a ação, onde há uma coreografia e comportamen-
e um contexto ou situação operativa (um tos solenes são requeridos, em uma consulta
jogo de linguagem) em que o termo é usado. médica etc, os aspectos da experiência in-
Em resumo, a ideia de intenção per se não dividual do usuário podem ser empregados
existe, como também não se trata de um es- para “transgredir” as restrições normativas
tado interior que pretensamente atue em ter- institucionais ou para singularizar o discurso
mos causais. Deve ser entendida no sentido no sentido de autorar, ou seja, “(...) assumir
proposto por Wittgenstein (apud SHIBLES, uma posição estratégica no contexto da cir-
1985: 121) “[...] meramente uma palavra u- culação e da guerra das vozes sociais; ex-
sada nesta ou naquela situação para justificar

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plorar o potencial da tensão criativa da he- pois isto permite identificar o uso linguístico
teroglossia dialógica” (FARACO, 2003: 83). com uma explicação da inter-relação exis-
O fato é que os usuários da linguagem es- tente entre a linguagem e a situação comu-
tão sempre fazendo escolhas linguísticas e nicativa em que a linguagem é tipicamente
não linguísticas cujo sentido dependerá do usada. Para alguns autores trata-se de uma
“cenário” em que tais usos forem efetivados. pragmática conversacional. Prefiro o termo
A “negociação” que se instaura no momento “interacional”, pois isto pressupõe uma re-
do uso da linguagem exige que os interlocu- lação mais ativa e completa entre os indiví-
tores também focalizem a atenção na dimen- duos pelo envolvimento das condições soci-
são que se encontra além do que é expresso ais e corporais que determinam os significa-
oralmente ou por meio da escrita, pois não dos em cada ação1 . Nas interações, as ações
é só o léxico que dá as informações, mas o comunicativas são “presenças” no mundo,
mundo e as crenças dos envolvidos no pro- leituras do mundo, embora a presença e a
cesso. Quer dizer, os sentidos dos enun- leitura nem sempre garantam um “lugar co-
ciados estão relacionados à convenção síg- mum”. Quer dizer, os usos da linguagem não
nica e ao que está lexicalizado, mas durante podem ser tratados apenas em nível de atos
uma interação tais sentidos são renegocia- de fala (SEARLE, 1984), onde a situação
dos. Entenda-se tal ação como a possibi- abstrata permite compatibilizar as intenções
lidade que os indivíduos encontram para se dos interlocutores sem maiores problemas;
adequar ou transgredir as condições de uso mas que tais comportamentos devem ser en-
vigentes nas diversas situações a que estão carados como atos pragmáticos:
expostos e a um ajuste ou violação aos inte-
resses e valores em pauta para a obtenção dos Atos pragmáticos são chamados
efeitos intencionados. pragmáticos porque estão essen-
Isto quer dizer que os comportamen- cialmente alicerçados no uso real
tos conversacionais não são totalmente pre- da linguagem e não apenas em
visíveis, pois as escolhas individuais a cada um uso definido por regras sin-
momento da sequência dialógica podem sim- táticas ou por seleções semânti-
plesmente “implodir todo o roteiro”. É cas ou restrições contextuais. To-
exatamente esta possibilidade que impede dos os atos pragmáticos são forte-
que se torne tudo regrado e inteiramente mente marcados pelos seus contex-
regido por regras determinísticas como diz tos: eles são duplamente derivados
Rajagopalan (2002: 28): “(...) a prática lin- do contexto e limitados pelo con-
guística se distingue pelos tropeços, acasos, 1
Watson e Mcluhan (1971) comentam que para
imprevisibilidades e singularidades – atri- alguns grupos étnicos do norte africano, a comuni-
butos que desafiam o próprio desejo de do- cação só é efetiva se os participantes sentirem o cheiro
mar, de domesticar, de, enfim, teorizar o ob- do interlocutor. A água é escassa na região, mas o
jeto de estudo, no caso, a práxis”. Nestas odor, nesse caso, é só um componente da proximi-
dade, da presença, da visibilidade total do outro, do
circunstâncias, torna-se relevante aos inter- real e do concreto. Interessante é constatar que esta
locutores indagar “por quê?” e “como”? os situação remete à ideia da “descorporificação” da co-
indivíduos usam a linguagem nas interações, municação (BOURDIEU, 1977).

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texto. (MEY, 1993: 264) (minha que é” alguma coisa. Há tantas possibili-
tradução). dades de respostas quanto forem os indiví-
duos e suas crenças em uma situação comu-
Os atos pragmáticos não garantem o a- nicativa concreta; apenas em ocasiões muito
xioma “é impossível não comunicar” como específicas temos que “jurar por Deus” e
desejavam Watzlawick, Beavin e Jackson responder afirmativamente ou negativamente
(1967), Weil e Tompakow (1973) e, a- sem enveredar por explicações que poderão
tualmente Lévy (1999), que faz a apolo- comprometer a nossa situação diante da
gia de que a rede digital conecta tudo e justiça divina ou dos homens. A ideia é a de
a todos e se trata de um “espaço de li- que os “fatos” estão diante dos nossos olhos
bertação”. A complexidade dos organismos e a comunicação é uma questão de “apanhá-
individuais, com suas incontáveis redes de los” e enviá-los por meio de um conduit
crenças e multiplicidade de objetivos, repre- (REDDY, 1979) que liga a minha cabeça à
senta a possibilidade de “não-comunicação” cabeça do interlocutor:
como regra e não como uma exceção! Isto
não quer dizer simplesmente “incomunica- Naturalmente, todos estão cons-
bilidade”, pois apesar da relativa vagueza cientes de que as pessoas comu-
semântica das palavras as pessoas se comu- nicam algo mais e outras coisas
nicam, embora o sucesso desse empreendi- além dos fatos: eles compartilham
mento esteja ligado à justeza do acordo inter- emoções, desejos, dão ordens e as-
pessoal sobre o uso e o sentido dos diversos sim por diante; ‘fazem coisas com
termos empregados neste ou naquele ambi- as palavras’ – coisas que não são
ente. O que se pretende ressaltar é que os reduzíveis aos fatos. Mas a razão
atos pragmáticos apontam para o outro lado pela qual os fatos constituem tal
do axioma, ou seja, a possibilidade de “não- inelutável alegação cega do nosso
comunicação” como regra assim definida: pensamento a respeito da comuni-
cação é que nós não estamos ne-
a) não compreender a mesma coisa; gligenciando os fatos em si mes-
mos, mas o contexto em que
b) não dizer a mesma coisa; eles ocorrem (MEY, 2003: 336)
(negritos e tradução são meus)2 .
c) não se fazer compreender da mesma
maneira. A discussão a respeito do contexto se
tornou a “pedra no sapato” da maioria dos
O que está em jogo é o que Mey (2003: 2
Bakhtin (1988: 95) observou: “Na realidade, não
333-335) chamou de “O Espectro da Am- são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas
biguidade”, ou seja: a busca pelos enuncia- verdades ou mentiras, coisas boas ou coisas más, im-
dos não-ambíguos é algo enraizado em nossa portantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc.
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ide-
cultura; embora, geralmente, as pessoas não
ológico ou vivencial. É assim que compreendemos
dêem respostas diretas do tipo “sim” ou as palavras e somente reagimos àquelas que desper-
“não” e fazem longas digressões acerca “do tam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes
à vida”.

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debates sobre a comunicação na atualidade. tivos (conceitualização) e os aspectos emo-


Por exemplo, a expressão “fora do con- tivos (afeto e envolvimento) que pertencem
texto” que ouvimos com frequência reforça ao mundo mental (VERSCHUEREN, 1999:
a ideia de que há um conjunto de dados 90). Isso não restringe a noção de con-
à espera do interlocutor, que deverá ser texto ao conhecimento de mundo dos indi-
perspicaz o bastante para perceber os indí- víduos, embora tal conhecimento seja im-
cios fornecidos pelo locutor/texto e associá- portante quando se trata da previsibilidade
los às informações pré-existentes a fim de ou imprevisibilidade das informações. Mas
elaborar um quadro de referências em que nem o contexto se reduz ao conhecimento de
possa processar cognitivamente a interpre- mundo, como o conhecimento de mundo não
tação. Evidentemente, esta noção não faz se reduz a essa dualidade informativa.
justiça à complexidade envolvida na “nego- Deste modo, a noção de contexto vai além
ciação” entre os pares; embora não descarte da ideia de referência e entendimento do que
a ideia de que os indivíduos têm intenções “as coisas do mundo real são”, pois incor-
que desejam tornar conhecidas e objetivos pora os aspectos da psique humana que têm
que procuram concretizar nas interações. O nas expectativas, interesses, reivindicações,
problema é definir qual o contexto do con- medos, anseios, atitudes, o seu ponto de con-
texto? Isto é, como estabelecer uma noção vergência. Daí a necessidade de determinar
de trabalho para “contexto” que dê conta ao interlocutor quais são as regras que es-
dos múltiplos “cenários” (realidade semi- tão sendo seguidas a cada mudança de nível
oticizada) que os indivíduos articulam na de compreensão (a cada mudança de con-
dinâmica social para expressar suas crenças texto psicológico). Obviamente, os compor-
diante de outras crenças, num fluxo inter- tamentos psicológicos individuais não têm
minável de posições avaliativas sem cair em uma origem pré-social, e devem ser traduzi-
um empiricismo atomicista ou em um ideal- dos a partir das crenças morais que compar-
ismo transcendentalista? tilham e adotam. Pragmaticamente, os in-
Embora a dependência de uma “noção divíduos “criam” contextos e são “criados”
de contexto” seja um ponto central para por eles em uma troca incessante; uma espé-
as várias abordagens pragmática, verifica-se cie de re-criação onde é preciso investigar as
que os requisitos para se elaborar tal conceito metáforas em ação:
não são absolutamente determináveis, em-
bora afetem de modo relevante todos os atos a) o que as metáforas expressam;
comunicacionais. O contexto é o mundo,
uma realidade aberta e flexível que os indi- b) como elas expressam aquilo que preten-
víduos recortam, embora sem perceber que dem expressar;
não são os dados puros que focalizam, mas c) qual é o grau de compatibilidade que
a refração semiotizada de sua práxis social. têm com as circunstâncias e indivíduos;
Em si, a noção de contexto é uma abstração,
e os indivíduos estarão focalizando a atenção d) de que forma elas contribuem para “co-
e levando em conta os fatores situacionais municar”.
(mundo sócio-cultural); elementos cogni-

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O termo “contexto” ganhou forte impulso de significação onde os interlocutores con-


com a ideia atualmente difundida de que tec- sideram:
nicamente, pelo fato da interligação global
de todas as máquinas na rede virtual, há a) os aspectos imediatos, contingentes ou
um imenso “hipertexto vivo” compartilhado históricos da situação;
por todos os participantes da interação. Vir-
b) os aspectos psicológicos relacionados
tualmente, o hipertexto corre em todas as
à memória, emoção, afeto, motivação,
direções e constitui uma forma de macro
cognição etc;
contexto saturado de links que permitem
aos usuários saltar de uma informação para c) os costumes enquanto manifestações de
outra, de uma mídia para outra indefinida- crenças (regras para a ação);
mente. Nesse macro contexto, os usuários
podem mesclar informações e procedimen- d) o vocabulário de ações intencionais;
tos de naturezas diversas de forma dinâmica
e) o grau do acordo feito entre os inter-
a fim de organizar, compreender, estabele-
locutores sobre o sentido dos termos
cer hipóteses, inferências, previsões, especi-
empregados;
ficações etc. A configuração desses “saltos”
reproduz, ainda que de forma precária, a f) o grau de conhecimento compartilhado
dinâmica dos processos cognitivos humanos, entre os interlocutores, suas crenças, e
entendidos como forma de “organizar o co- as expectativas que decorrem dessa re-
nhecimento convencional de mundo em con- lação.
juntos bem interligados” (GARRAFA, apud
KOCH, 1989: 64). No entanto, é preciso Efetivamente, é preciso ressignificar cons-
ressaltar que o fato de o hipertexto se apre- tantemente os efeitos gerados pelo uso do
sentar como um cenário da diversidade hu- termo “contexto” nas circunstâncias tipifi-
mana, atrelado diretamente a uma comu- cadas como comunicativas. Uma situa-
nidade de falantes, encerra a sua própria con- ção pela qual passei estes dias remete às
tradição. Ou seja, é exatamente nesse ambi- condições aqui expostas. Acompanhado de
ente virtual, impregnado de “cenários”, que minha filha Marina (11 anos) fui até um
o texto rompe o vínculo com o ambiente em shopping de Curitiba. Percebi certa relutân-
que surgiu. cia dela em me acompanhar ao interior de
É possível afirmar que todo signo linguís- uma das lojas. Quando indaguei qual era o
tico encontra-se em uma situação de ruptura problema ouvi como resposta:
com o ambiente de criação e que não deva
nenhum respeito ao autor. Mas, “[...] isto - É melhor que eu escolha sozinha!
não supõe que a marca valha fora do con- (Sem problemas, pensei. Afinal, já é
texto mas, ao contrário, que só existem con- bem capaz disto. Depois de alguns mi-
textos sem nenhum centro absoluto de an- nutos, ao me aproximar, percebi que no-
coragem” (DERRIDA, 1990: 25). Em re- vamente se esquivava)
sumo, uma noção de trabalho para contexto
deve levar em conta a dinâmica do processo - Qual é o problema? Perguntei.

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- Você parece um “emo”! a ela a partir da premissa de que é preciso


colaborar para se estabelecer um “cenário
- O que é um “emo”? comum” que garanta, minimamente, as re-
- Você! lações sociais. Quer dizer, a cooperação,
e não a solidariedade como desejam Mey
Enfim, nos aproximamos no momento de (1987) e Rorty (1994) ainda é a saída para
pagar as contas e fomos embora. Ao chegar se aproximar do “como” e “por quê” o in-
em casa fui buscar a definição de “emo” divíduo usou a linguagem nesta e naquelas
em alguns dicionários e nada encontrei. Fui circunstâncias”. A noção de cooperação en-
salvo pela Wikipédia, que define o termo volve, muito mais, aquilo que eu posso dizer
como uma abreviatura de “emotional hard- (de acordo com as circunstâncias) e o que
core [...] na cultura alternativa diz-se que al- eu devo dizer (devido às expectativas de
guém é ou está emo quando demonstra muita meu interlocutor) do que aquilo que eu digo
sensibilidade”. (GRICE, 1975).
No dia seguinte, munido do sentido di- Mey (2001) observou que é preciso esti-
cionarizado3 , voltei “à carga”: mular quem quer que use o termo “coope-
ração” a refletir sobre as seguintes questões:
- Marina, todos os pais têm ternura e a) Por quê as pessoas cooperam? b) Que
afeto para com os seus filhos (disse me parâmetros as pessoas adotam para colabo-
referindo ao excesso de sensibilidade rar efetivamente em torno de objetivos pré-
“peculiar” a certo tipo de “emo”). definidos? Vivemos em uma sociedade de
classes e a desigualdade social é imensa.
- ??????. Mas isto não implica em substituir a coope-
ração pela solidariedade, pois incorremos no
- Lá, no Shopping, você disse que pareço
erro de obliterar as razões práticas e os inte-
um “emo”! Reiterei.
resses pelos quais nos movimentamos social-
- Mas é por causa de sua roupa!!4 mente, convergindo para um discurso “pie-
gas” e “politicamente correto” que responde
Qualquer tentativa de definição linear de atualmente por um jogo de simulações. O
contexto está fadada ao insucesso, pois a importante é não considerar o Princípio de
noção não se resume ao que é “dado” e Cooperação como uma espécie de técnica
“escolhido” pelos indivíduos nas interações. ou procedimento pronto e acabado para a
Envolve uma ampla consideração do back- prática linguística e para uma aproximação
ground linguístico e cognitivo dos interlocu- com a intenção comunicativa dos falantes.
tores, além de remeter para uma questão hoje
bastante criticada: a cooperação. A coope-
2 Cooperação e comunicação
ração não é a comunicação, mas pode levar
3
A noção de cooperação como base para a
Ver o conto de Artur de Azevedo intitulado “O
Plebiscito” (1982: 29-34). comunicação ganhou popularidade e muitas
4
Um “emo” também é um modo de se vestir. críticas. Os detratores desse princípio estão
Nesse dia usava uma calça desbotada e camisa xadrez. corretos em relação à tendência em colocar a

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Pragmática & Comunicação 11

cooperação como uma condição a-histórica, cam um modo de vida. Conforme Oliveira
uma espécie de atributo da natureza humana, (2005: 8-9), Guliver, em sua última via-
algo indispensável para a existência do que gem por lugares distantes, chega à Terra dos
Barthes (1993: 113) chamou de “A Grande Houyhnhnm, que significa cavalo. Nesse
Família dos Homens”. Neste enfoque, coo- lugar, os seres irracionais são os humanos,
perar tornou-se um valor em si mesmo, sem chamados de Yahoos, cujos atributos são: a
qualquer conexão com as relações pessoais. preguiça, a maldade, a traição, a vingança e o
Este apelo a noções abstratas apenas revela forte apego à sujeira. Para os Houyhnhnms,
o grau em que as contradições de nossa so- Guliver também é um Yahoo e por mais que
ciedade são veladas e aponta para a face tente esclarecer o seu desgosto por assim
mais cruel da chamada retórica da coope- ser identificado, seus esforços são em vão.
ração: a rejeição cabal a qualquer espécie de Ao longo de sua estada nessa terra, Guliver
lapso, silêncio, hesitação, tropeço e impre- empenhou-se para dissociar a sua imagem e
visibilidade, que passam a ser considerados identidade da natureza bruta e degenerada.
como “erros” ou “desvios” de um eixo pro- Era preciso aprender a língua dos Houyhn-
gramático homogêneo e imutável. hynms, demonstrar cuidados de higiene com
Apesar dessas críticas é possível manter a seu corpo, cuidar na escolha dos alimentos
ideia de cooperação como uma questão cen- e mostrar deferência nas relações com os
tral para refletir sobre o “conceito” de comu- equinos. Com o tempo, imitava tão bem os
nicação sem cair no relativismo pessimista seus anfitriões que, não fosse a forma física,
de certas teorias. As pessoas em suas ativi- seria considerado um igual. Os esquemas
dades cotidianas estão usando as palavras culturais e cognitivos de Guliver são colo-
para edificar as suas vidas. Nesta perspec- cados em cheque pela realidade dos Houy-
tiva, a cooperação como forma de entendi- hnhynms e o “novo” local exigiu de am-
mento mútuo e trabalho comum envolve um bas as partes uma adesão à cooperação que
domínio político indispensável para se viver culminou com o entendimento mútuo. Ob-
em sociedade. Os novos esquemas de politi- viamente, trata-se de uma imagem paradi-
zação e formas de resistência são construídos síaca, assim como diz Isaías (11:6-8) “O
a partir da mobilização coletiva e não é mais lobo habitará com o cordeiro; e o leopardo
possível imaginar um novo Robinson Cru- se deitará ao pé do cabrito (...) o leão comerá
soé exilado atrás de seu computador total- palha como o boi; a criança de peito brincará
mente independente e auto-suficiente (desejo sobre a toca da áspide”. Pois no cotidiano,
maior de uma filosofia idealista individua- os acordos interpessoais (o esforço coopera-
lista) transformando o mundo solitariamente. tivo) não quer dizer necessariamente “comu-
Para entender como os indivíduos estão nicar”, embora possa levar à comunicação.
produzindo linguagem e o próprio espaço No âmbito da Pragmática, o Princípio
em que vivem é preciso investigar o que de Cooperação proposto por Grice (1975)
eles fazem e dizem em suas relações soci- obteve muito sucesso, a tal ponto que foi
ais e culturais; e para isto é preciso interagir, considerado um dos principais suportes do
participar e cooperar. Isto quer dizer inter- pensamento pragmático (MEY, 1993: 15). A
nalizar e sedimentar ocorrências que tipifi- hipótese de Grice é que existem determina-

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12 Jair Antonio de Oliveira

dos princípios gerais que regulam a maneira rante a conversação (seja sincero, seja rele-
pela qual, numa conversação, o ouvinte pode vante, seja claro e seja comedido).
reconhecer, por um raciocínio seu, a intenção Vamos supor que, normalmente, as pes-
do locutor e assim depreender o significado soas envolvidas em uma conversação res-
do que ele diz. A sua ideia é a de que toda a peitem as máximas. Repentinamente,
comunicação é regida pela cooperação, até um dos locutores envolvidos na palestra
mesmo aqueles casos onde um dos inter- aparentemente a transgride e, não havendo
locutores aparentemente intervém na conver- qualquer indicação clara de que o locutor re-
sação em uma direção oposta ou contrária solveu mesmo transgredi-la, seu interlocu-
que ela tem no momento em que fala. Por e- tor está autorizado a interpretar tal violação
xemplo: A e B conversam a respeito dos pro- como meramente aparente e buscar uma in-
cedimentos burocráticos para obtenção de terpretação não-literal para o que foi dito,
passaportes: que compatibilize o ato linguístico do locu-
tor com a suposição de que está respeitando
(1) A – Gostaria de arrumar um passaporte tal máxima. Isto significa que, se os falantes
diplomático. Assim posso fazer turismo não são cooperativos em um nível explícito,
e não preciso entrar em filas de inspeção aderem, ao contrário, às especificações em
de bagagens. um nível mais profundo, o nível das impli-
caturas conversacionais.
B – Basta ser filho do “cara”.
Indiscutivelmente, Grice buscou inspi-
ração nas formas Kantianas de julgamento
O que B sugere é diferente do que diz,
expressas como categorias (Da Quantidade;
mas é crível aceitar que não se trata de uma
Da Relação; Da Qualidade e Da Modali-
observação desconectada dentro do diálogo
dade) na obra Crítica da Razão Pura (2002):
que estão travando, até, porque, não seria
“[...] graças a esses conceitos é que um
racional se assim o fosse. Cada partici-
entendimento é puro [...] é sistematica-
pação no diálogo é uma espécie de esforço
mente extraída de um princípio comum,
cooperativo e os interlocutores reconhecem
ou seja, a faculdade de julgar – que é
que em cada uma destas intervenções há
semelhante à faculdade de pensar” (KANT,
um propósito comum ou um conjunto de
2002: 108-109). Esta filiação epistêmica
propósitos, ou, no mínimo, uma direção mu-
faz com que as categorias e máximas car-
tuamente aceita (GRICE, 1975: 44). É
reguem o pressuposto de uma natureza uni-
como um jogo onde as pessoas devem ob-
versal, “[...] e não levam em consideração as
servar as regras, que embora possam ser fle-
diferenças interculturais no que diz respeito
xibilizadas, dependem da concordância recí-
ao o que é comportamento cooperativo para
proca, pois a desobediência às normas im-
comunidades distintas” (OLIVEIRA, 1999:
plica a derrocada deste cenário e, por isso, os
32). Neste aspecto, um exemplo interes-
que aceitam tal empreitada fazem o possível
sante é relatado por Keenan (1976: 79) que
para que ela chegue a um bom termo. Grice
fez uma análise das máximas griceanas à
propõe algumas Máximas Conversacionais
luz da língua e cultura Malagasy (Mada-
que deverão guiar a conduta dos falantes du-
gascar) onde a forma de cooperação con-

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Pragmática & Comunicação 13

siste em fazer contribuições conversacionais no mesmo ato e de forma in-


“opacas, enroladas e não-evidentes” tanto separável (WILLIAMS apud RA-
quanto possível. Oliveira (Ib.:38) ressalta JAGOPALAN, 2003: 33).
que o chamado “modo ideal” de comuni-
cação é aquele tacitamente atribuído ao dis- Não há um lugar neutro onde alguém
curso masculino: claro, sucinto, relevante possa estar livre de questões relacionadas
e neutro com a rejeição de atitudes sub- à cooperação, poder e crenças. O nosso
jetivas (emoção, paixão, não-objetividade) esforço deve convergir para a descoberta
frequentemente atribuídos ao discurso femi- de como as representações são criadas, que
nino. Nesta perspectiva, o que se faz com efeitos causam na sociedade, de que forma
a linguagem nas máximas de Grice nada estão articuladas com a comunicação e que
mais é do que uma interpretação da política potências se apoderam desse termo para con-
hegemônica na sociedade em que vivemos. cretizar seus objetivos políticos.
A ideia de cooperação não será descar-
tada, mas colocada sob suspeição e, neste 3 (E)feitos, enfim
artigo, ao invés dessa hipótese garantir o a-
xioma “é impossível não-comunicar”, vamos É aceitável que todo comportamento em uma
propor que as máximas representem “não- situação interativa tenha o valor de men-
comunicação como regra e não como ex- sagem e desta forma possa ser enquadrado
ceção”. A proposta deve ser encarada por como ato intencional. No entanto, é preciso
um viés onde as pessoas, evidentemente, es- considerar que os próprios locais em que se
tão se entendendo na maior parte das vezes, realizam as interações são igualmente ela-
mas esta compreensão mútua quer dizer: borações pessoais. Aquilo que é considerado
um comportamento comunicativo para deter-
a) não-entender a mesma coisa; minada comunidade de falantes pode nada
significar para outro grupo, pois nas re-
b) não-dizer a mesma coisa; lações interpessoais sempre há enquadra-
c) não se fazer entender da mesma mentos em uma perspectiva particular e rela-
maneira. cional de análise, ou seja, a compreensão
da linguagem está relacionada às coorde-
(As expressões “a mesma coisa” e “a nadas tempo, espaço e práticas. Não esta-
mesma maneira” remetem ao caráter político mos reduzindo tudo ao viés individual; mas
das nossas representações). constatando que no universo de uso da lin-
guagem as escolhas pessoais refletem dife-
Para Williams, a representação rentes concepções e articulações de mundo.
não é algo que se dá automatica- Esses entornos políticos e simbólicos podem
mente. Ela necessariamente passa parecer “estranhos” e inaceitáveis aos nos-
por certas escolhas conscientes. sos olhos e nos alertam para a existência de
Ou seja, o ser cognoscente e o diferentes práticas linguísticas e leituras do
ser ético estão sempre presentes mundo:

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14 Jair Antonio de Oliveira

[...] as ideias deles se referem “como” as pessoas estão lendo esses textos
perpetuamente a linhas e figuras. nos diversos contextos. O conceito de coo-
Quando, por exemplo, querem rea- peração não irá nos salvar, pois como diz
lçar a beleza de uma mulher, a parábola “Porventura um cego pode guiar
descrevem-na por meio de círcu- um cego? Acaso não cairão ambos em um
los, paralelogramos, elipses e ou- buraco? (LUCAS, 6: 40). Não há “salvação”
tros termos geométricos, ou por fora de questões políticas e, principalmente,
meio de palavras de arte, tiradas dos efeitos que o uso da linguagem causa nas
da música. Observei na cozinha pessoas. Esses efeitos podem ser chamados
do rei toda sorte de instrumen- de “ética” ou de “perlocutórios” e nós pre-
tos matemáticos e musicais que cisamos entender o modo em que eles ope-
serviam de modelo para o corte de ram e como alguns efeitos são assimilados e
carnes apresentados à mesa de Sua outros são rejeitados. Uma concepção prag-
Majestade (SWIFT, 1984: 184). mática de linguagem e comunicação deve
colocar sob suspeita as belas metáforas e
Neste aspecto, uma perspectiva prag- pensar em alternativas, pois como disse Fou-
mática da comunicação está interessada no cault (1993), o problema não é tanto de
modo como os indivíduos usam as suas práti- definir uma posição política, mas de ima-
cas cotidianas para criar linguagem e es- ginar e trazer para a prática novos esquemas
tabelecer relações políticas; rejeitando for- de politização.
mas preferenciais e dominantes de leitura e
de construção da realidade, particularmente,
aquelas que sob o rótulo de “mitologias bran-
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