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Um Novo Obscurantismo?
Apesar dos numerosos trabalhos de investigacao efetuados sobre
continente africano desde o final do século XIX, constata-se que a
tomada de consciéncia da urgéncia e da necessidade dos inquéritos so-
ciol6gicos é muito recente, Em 1959, nas vésperas das independéncias
africanas, teve lugar, em Roma, o Segundo Congresso dos Escritores ¢
Artistas Negros. Depois da apresentagao dos debates a subcomissdo
de sociologia, esta registou “o cardcter por vezes incompleto e pouco
clentifico dos estudos sociolégicos sobre a Africa e 0 mundo negro. Tais
estudos, outrora inacessiveis ou praticamente inacessiveis aos investiga-
dores africanos, sofriam das caréncias que se prenciem inevitavelmente
com o sew exercicio exclusive por investigadores ndo africanos’.
0 que mais surpreende, é o infcio particularmente tardio das inves-
tigagdes de natureza especificamente sociolégica dedicadas a Africa.
Contrariamente aos estudos de antropologi e sobretudo de geografia
que abundam, a sociologia é a disciplina menos representada entre
as ciéncias sociais dedicadas a andlise das realidades africanas. Houve
Interesse por diversos fenémenos da vida social como 0 casamento €
a familia, No entanto, talvez.a abordagem destes fenémerios continue
dominada por uma problematica que nem sempre toma em considera-
‘40 as mutagdes que intervém na sociedade africana no seu conjunto,
Assim, 0 Congresso dos Escritores e Artistas Negros recomenda
que “um esforco particular de investigacdo seja dedicado ao estudo das
transformagdes sociais na Africa atua?’. Neste contexto em que nu-
merosos factores dao conta dos processos de mudanga nas sociedades
pés-coloniais, a necessidade desta investigagao nem precisa de ser
demonstrada. Se ndo quisermos continuar a reproduzir o discurso
que considera Africa como uma espécie de museu de antiguidades eu-
ropeias, torna-se urgente um questionamento sobre o tipo de abor-
dagem apropriada & situagao actual das nossas sociedades. Ja nao
necessério insistir no apoio que os governos africanos, preocupados
com a promogio das ciéncias, deveriam conceder as ciéncias sociais,
Nas universidades, onde numerosos alunos se iniciam cada vez mais
nestas disciplinas, um novo espirito deve, sem diivida, ser suscitado €desenvolvido, Para além dos campus universitarios, muitos africanos
perceberam o interesse dos estudos antropologicos e sociol6gicos
Estes sectores do conhecimento que pertencem a cultura do nosso
tempo devem figurar em. programas de formagao abertos as realidades
da Vida e destinados a preparar as novas geracdes para a sua atuacao
nos dominios da produgio. Seria grave conservar um verdadeiro obscu-
rantismo em relago a disciplinas a propésito das quais se imagina que
no sao necessarias numa sociedade onde se quer fazer parecer que
‘temos essencialmente necessidade de matematicos e de engenheiros.
‘Na cruzada a favor da formagao técnica e cientifica, acontece chegar-se a
pensar que o importante é enfartar as criangas com matematica, fisica
‘equimica. No limite, para ter os especialistas de que precisa, Africa tem
de investir nos conhecimentos que se desenvolvem em laboratério.
Nos meios alucinados pelos ntimeros, as estrelas do novo analfabetis-
‘mo imaginam que s6 uma pagina cheia de equagdes algébricas ou de
figuras geométricas tem autoridade. Na era dos cérebros eletrénicos
e do computador, ciéncias s6 mesmo as exactas. E, partindo desta
ideia, para qué extraviar-se pelas letras e pelas ciéncias humanas? Nao
se percebe muito bem para que servem a filosofia, a sociologia ou a
antropologia. Se queremos sair da ignorancia do mundo no qual fala-
‘mos, trabalhamos e produzimos, é preciso abrirmo-nos ao saber que
se constréi nos lugares de estudo onde as pessoas para além de serem
sujeitos de conhecimento sao também objetos de investigacao. As re-
flexes que submetemos aqui, para anilise, vao permitir a definigao do
quadro teérico dos trabalhos de investigagao cuja necessidade se faz
sentir numa Africa em mutagdo,
‘As ciéncias humanas e sociais que estiveram muito tempo em moda
ce registaram progressos desde o fim da Segunda Guerra Mundial" si0
hoje alvo de depreciagao: estudos de luxo que nao alimentam o estu-
dioso. Sera que o retorno do balanceiro nao corre o risco de ficar caro
nos préximos anos? Porque ndo hd sociedades economicamente desen-
volvidas sem o aporte das ciéncias sociais*. Na Africa negra, numerosos
projectos de desenvolvimento fracassaram. E isto aconteceu nao por
falta de capitais ou de técnicos, mas sim porque os planificadores e os
peritos valorizaram mediocremente os factores socioculturais.
Face ao futuro, que se anuncia sob o signo das formagdes técnicas
rentiveis, é necessério questionar-se sobre as graves consequéncias que
resultariam de uma pentiria de homens de analisee de reflexio num con-
texto historico em que se faz sentir a necessidade de instrumentos
{{ Apropésito da origem e do desenvolvimento das ciéncias, fa obra de G, Gusdart, Les Sciences
el Perse ccidetae, Pay. Pars
2 Sobre est toma, or “Fat supprimer les Scences Humaines? Black n* 39, pp22-24
sata eatin ddr cn Ponce a
de grelhas de leitura apropriadas para compreender a complexidade
das nossas sociedades. Ao lado dos matemticos, dos cientificos e dos
técnicos, os representantes das ciéncias humanas e sociais tém 0 seu
papel a desempenhar para ajudar Africa a encontrar o seu equilibrio.
A crise do emprego nao devers, portanto, dissimular as tarefas destas
jéncias nas mudangas em curso. Com razao, o Conselho do Ensino Su-
perior e da Investigacio Cientifica declarava outrora nos Camarves:
“Uma sociedade que nao pense constantemente ests votada a estagnasoe, final
mente degeneresc2ncla. Assim, disciplinas como a flosofa, a pscologia ea socio-
Jogia devem ser encorajadas porque fornecem instruments de:
0 da sociedad’
ise de renova-
Mais do que nunca, estas ciéncias devem reexaminar 0 seu papel
hum contexto histérico em que as sociedades africanas se arriscam
a ser marginalizadas pelos investigadores que, na sua propria terra,
Feencontram 0 que eles estavam tentados a ir buscar nas culturas
exdticas. Temos assistido a um verdadeiro “repatriamento” dos an-
tropélogos aos seus paises de origem. Gragas a uma real “conquista do
presente’, eles retomam por sua conta o mundo vasto dos “restos" ha
muito tempo abandonados nos trabalhos académicos por uma espécie
de a priori tecnocratico. Descobre-se que o estudo das “tribos moder-
nas" pode ser suficiente para responder as exigéncias duma andlise
cientifica. Destaquemos 0 reinvestimento das investigagées sobre 0
imaginario no momento em que se reabilita o mito no seio da explica-
sao historica e social. A atengao também se concentra sobre as imagens ¢
os simbolos veiculados pelos media na civiliza¢ao contemporanea. Nos
paises industrializados, os etndlogos interessam-se pelo metro, pela
policia, pelos castelos, pelos cemitérios, pelos clubes de férias, pela
empresa,
O sentido desta corrente é claro: ndo é necessdrio ir para o fundo das
florestas ou das savanas para exercer a profissao de antropdlogo. Na
realidade, e tendo em conta que, para retomar o titulo de um livro
recente, “ns nunca fomos modernos’, é no préprio seio da cidade que
‘a antropologia encontra os seus objectos de estudo. Pode-se portanto
esclarecer e compreender a actualidade a partir dos rituais e dos
cédigos, das imagens e dos mitos, dos objectos e dos sinais oferecidos
a investigagao no mundo de hoje. Concluimos que, para além das aldeias
que recuperam uma nova dignidade como campo de investigagio, é,
de uma forma geral, “o qui
antropélogos e os sociélogos.
iano” “o presente” que interpelam os
3-Conselio vo Enso Superior edafavestgag Centfica, Yaoundé, 1967,Nao podemos ficar indiferentes ao arranque desta “etnologia do
contemporaneo’. Pois tudo acontece como se ‘Africa tivesse de ser um
jugar de estigio ou de iniciago onde se forjam os utenslios de trabalho
para investigar sobre as formas de ser €0s modelos de organizarao das
pociedades ocidentais. Este passo atrés foi necessario, um trampolim
indispensavel no salto para a actualidade. Chegow a julgar-se ser bom
testudar Africa para ser antropélogo “em casa’. Mas, uma mudanga de
Gtica levou as estruturas das sociedades do terceiro mundo a servirem
‘como ponto de partida para a andlise da modernidade.
‘Em ver de procurar o “primitivo’ o"selvagem" no seio da sua prépria
sociedade, o etnélogo interroga-se agora sobre o seu semelhante, que
tle quer captar na sua diversidade cultural e étnica. Pols, apesar dos
progessos de uniformizacio e de nivelamento das mentalidades ¢
Gos comportamentos, as identidades permanecem complexas, com
particularidades locais ou regionais. A partir dos materiais extraidos
patrora nas sociedades e nas culturas longinquas, o etndlogo das so-
ciedades contemporneas descobre-se detentor de saberes cuja pro-
Cura se torna premente tal como 0 observamos, hoje, na empresa, na
Gdministragao ou na reestruturagao do espago. A passagem do Outro
para si proprio nao acontece sem que haja um questionamento acre
Ho Outro. Ao deixar o algures” para reexaminar a pratica antropol6gi-
fa partindo das culturas da “sua propria terra’, o estudo do presente
Glargado 2 sociedade industrial obriga o investigador a aprofundar a
veflexao acerca do seu objecto, mas pée em causa 0 predominio das
‘reas culturais nao europeias nas problemiticas antropolégicas.
‘Assim, nao se pode afastar a hipStese segundo a qual as nossas
sociedades so deixadas por sua prépria conta no momento em que
as disciplinas que trabalharam muito tempo nts nossos espagos, ¢s-
Golhem os seus objectos nos lugares centrais da sociedade que, nos
Galsee do Norte. exige novos trabalhos nas ciéncias humanas e socials.
Falver os etnologos acabem por abandonar brevemente os topicos
para “se confrontarem com o presente da sua prépria sociedade’. To"
hase portanto necessério redefinir a funcdo das ciéncias sociais tendo
vom conta as mutagdes que emergem no ambito das pesquisas actuals.
Este esforco 6 exigido pelas enormes “jazidas* que constituem os
solos” em pousio. £ também conveniente medir os desafios que es-
peram os investigadores africanos nos lugares de estudo onde reina-
Jam, outrora, os mestres que detinham o monopélio da producao dos
Saberes sobre as nossas realidades humanas. Este desafio impoe-se
ha medida em que numerosas elites intelectuais foram formadas no
Smbito de uma cultura de extraversio, Encontramos os efeitos desta
extraversio ao nivel dos estudos e das andlises nas quais o investigador
Indigena, ndo tendo abandonado a busca do exético que envolve 0
africanismo, no resiste & tentagao de se observar com os olhos dos
outros, transformando-se em verdadelro araut da sua diferenga
Baraalém os trabahs que se desenvolveram em torn da etofloso-
fia" eque tentam fazer um levantamentodos elementos que constituem
a especificidade das nossas culturas, parece necessério esclarecer os
novos desafios de uma investigagdo que se recusa a recolher, para 0
simples lazer e deleite do estrangeiro, uma quantidade de factos que
constituem a armagao do “manifesto do homem primitvo" Se quiser-
mos destacaralterativas para a promocao das cigncias socials nas
dindmicas da Africa contemporanea, é necessario questionarmo-nos
sobre as escolhas para o futuro num contexto em que a Africa constitu
doravante,o desafio do conhecimento para as inteligéncias indigenas.
Se ndo se pode deixar de parte o "ponto de vista" do socidlogo ou do
antropélogo sobre as realidades que resistem e nio se deixam fechar
hhuma palavra dnica, gostarfamos de indicar algumas pistas que se
abrem & anilise das sociedades nas quais vivemos. Na medida em que
as dinamicas especiicas das formas de organizaglo social e cultural
dos pases africanos foram durante muito tempo nepigenciadas pela
investigaraot, as nossas reflexdes pretendem insistir sobre a necess
dade de uma abordagem “dindmica” dos campos de andlise que fazem
dda Africa actual um verdadeiro laboratério das cidncias sociais.
“Tentar defini as condigBes desta investigago, mostrar a sua urgen-
ciaeasua pertinénciaa partir de alguns campos de aplicagio determi-
rados em fungio dos desafios de maior importincia numa Africa em
crise, constitu o eixo das andlises que seguem.
{er B Oli de Sadan Paysons, experts charchursn Afi notre Sken
développement rural. Karthala, Paris, 1985, p31. eee aeI. Para uma Andlise Dinamica
das Sociedades Africanas
Crise do Olhar
Face a diversidade das disciplinas que se desenvolvem no seio das
ncias humanas e sociais confrontadas com problemas internos*
pocdemos ser levados a escolher entre duas formas de ver as socie-
dades africanas.
A primeira é aquela que nés chamamos de “arqueol6gica’: enraizada
‘numa longa tradigao intelectual, ela procura compreender as caracteristi-
cas culturais, as estruturas sociais, as formas de organizagao politica,
os grupos humanos, as instituigdes, as crencas, os sistemas simbéli-
cos e religiosos. Esta forma de ver parece ter dominado a maior parte
dos estuslos sobre as “sociedades tradicionais” onde, muitas vezes, sio
referidos conceitos como a “etnia’, a “tribo’, a “linhagem’ e o “paren-
tesco’, Neste Ambito, trabalha-se a partir de um postulado segundo 0
‘qual as sociedades em questao sao mais ou menos simples ¢ estaveis,
ou até mesmo fechadas sobre si préprias. Na realidade, durante mui
to tempo, admitiu-se que as sociedades africanas eram, como 0 resto
do mundo dos “primitives”, sociedades paradas no tempo, 4 margem
da mudanga e protegidas das influéncias externas. Elas pertenceriam
a. um mundo “intacto” e “puro” que escapou ao pecado original da
Civilizacao*. Fechadas no mundo do mito que € o da repeti¢ao’, es-
tas sociedades ignorariam o "progresso”, Em resumo, elas escapam
a0 dinamismo estereotipado pelos hdbitos culturais ocidentais. Tal
como o afirma J. Servier, a maior parte das sociedades tradicionais
so ritmadas por um esquema ciclico astrobiol6gico e no por un
esquema messianico:
5.A ese respi ver | FBoutinet et.al. Du dicoursd Faction, Les Sciences sociales steragent
surelesméms,iarmatan Paris 985,
6A propésiin deste ponto de vista, vr JM. Ea, Ligue der villages Kartal, Paris, 1982,
poalaz
7. ber M, Blade, Aspects du Mythe, Galimard, Paris, 1966; G, Gusdor, Mythe et Métapysiue,
Flammarion, 1984, pes“h sociedade tradicional tenta apreximar-se das origens, prolongar momento
primordial da Sua fund, Ela est desesperadamente ancoradso present, vada
para o passado em recordagao do tempo em que o Homem vivia em unio com
Tovisive,integrado no universo Ela usa todas ax suas forgas para evitar mudan
fs qun, afastando-a da perelfo mitea,poderiam acentuar anda mals um dese
fullbrio que nasceu da desobedléncia & Grande Proibigio & qual nds chamamos
pecado original (.) Face stuagGes nova, a sociedad tradisonal rage o melhor
Te pode através de uma série de mecanismos de compensagdo destinados 2s
Naguardar o seu eqilibrio ..) Assim, € dif flar de dinamismo espontaneo +
Jrepésto desta socedades que nos parecem paradas no tempo pela inal d
‘sua perfeigiot”
Lévi-Strauss distancia-se da oposigao estatica estabelecida por Lévy-
Bruhl entre sociedades “pré-légicas” e sociedades “logicas’, entre
“primitivos” e “civilizados’, mas conserva, no entanto, uma "
diferencia!” de ordem sociocultural entre sociedades com um ritmo
hhistorico reduzido e quase imperceptivel e “sociedades quentes” onde
a historia se acelera:
-sugerimos (..) que a Inflizdistingao entre os “povos sem histira" @ os outros
povos pdia ser substitu, de forma vantaoss, por uma dating entre o due nés
epamimos, para as necessidades da causa, 2s sociedades “rias"¢ as sociedades
quentes:umas procuram, com a ajuda das instugBes que eas proprias desen-
‘yulvem, anular de forma quase automitica o efeito que os factores histéricos pode
tram ter sobre o seu equilbrio e a sua continuidade; as outras interiorizam decid
Gamente odevirhistricofazendo dele o motor do seu desenvolvimento”:
esta forma, sé um contributo das sociedades “prometeicas” as s0-
ciedades sem histéria torna possivel a quebra do sonho do tempo em
{que naa hé nada de novo sob o sol. Partindo deste raciocinio e seguin-
do os tedricos da *mentalidade primitiva’, tornou-se facil, em teinpos,
para os administradores coloniais, os professores ou os missionérios,
Instruidos pelas obras dos etnélogos europeus” justificar as interven
‘gbes “modernistas” do Ocidente “civilizador”
Depois das retractagées do proprio Lévy-Bruhl" fé nfo é necessério
voltar a pretensa “primitividade" dos povos que, outrora, eram tidos
tamo os antepassados dos Europeus colocados no topo da evolugao da
4 Server Histoire de lope, N-R.F, 1967, pp 33-18
S.C Livi straus, La pense sourage, Pin, 1962, pp.310-311
Hae cnclt dc abran de Levy: ruhl na administragaocalnial Poli, “La pense
“hhnalogique de Léy-Broh”Piosophigue, 1957, n*4,ppS4O-S29.
Tilter Lévy Lee Comets, 1948, ppb 62
‘yumanidade pela teoria das idades da inteligincia”. Hoje, sabe-se que
‘mito do negro sem historia € uma construcio ideolbgica da domina-
‘0 colonial, Um facto esta confirmado: longe de estar & margem do
progresso das luzes, a Africa € 0 lugar onde nasceu a razio™.
Definitivamente, as sociedades africanas ttm a sua historicidade
propria. Blas carregam a marca, dificil de desconhecer,do-acontecimen-
to. Como vamos ver, é este dinamismo que deve ser evidenciado. Pois,
niio basta saber 0 que sio estas sociedades; é preciso analisar aquilo
fem que se tornam na medida em que para “se conservarem, clas estio
incessantemente a "fazer-se’, Para captar este esforgo de “produczo”
das sociedades africanas através delas proprias, torna-se necessério
ver, para além das “especificidades locais’, os processos de invencao e
de mudanca, as implicagées eas estratégias dos actores
‘A crise dos conceitos e das teorias construidas pelo saber colonial
vem dai.
+0 processo de descolonizagio twve consequénclas fmediatas sobre a pritice
propria da antropologia social eda sociologia das sciedades no curopeiss sobre
representaglo cassia desta categoria de sociedades, Ele perturbou os habitos ss
cltou o pudor terminolégico (em relagao a qualificaives como “arcaieo, primitive’
etc) eintrodusin a divda quanto & importincia actual do intento antropoligico. De
repente, as sociedades entendidas como estiticas ou paradas na repetiao abriran
se 4 mudanga ou & rovolugdo; elas reencontraram uma historia; elas deixaram de
pertencer&orsem da passividade e dos objectas!™
Um olhar “dinamico” impée-se se quisermos ir ao encontro das so-
ciedades africanas actuais, no seu devir, Este olhar deve estar atento
‘a0 que “mexe” no seio das estruturas sociais, no contexto do enraiza-
mento da vida dos africanos. Os grupos, diversos, veem-se confronta-
dos com desafios que os provocam, Para responder a esses desafios, as
sociedades locais elaboram respostas que revelam a capacidade dos
actores miltiplos e variados. Eles dao testemunho dos dinamismos
internos que convém reencontrar,
Nao hd divida que uma oposigdo rigida entre estes dois olhares néo
‘se pode justficar. Na maior parte dos pafses, as "tradi¢des” permane-
cem. Nao muda tudo de uma sé vez", Sem abandonar qualquer nopéo
72: Acerea dest tema, ver A. Comte Cus de phlasophie psi (1830-1043). Discours sr
esprit post pp.1018
{i oetea deste mito, ler aformulaso dada por Hegel, La rain dons histoire 10-18, 9249
is por Hee 10-18 pp.24
1H Nero most etudo: Ch. Diop ou Mhonneur de penser, ppA7-50
18.6 Balan Scop ctl de PAque noire, p33.
16. Ver G Balanley Sens et Pusance, EU, 1979, p99cde mudanga histérica no seio das sociedades africanas de hoje, pode-se
admitir que os sistemas socioculturais, que agora podemos observar,
rai mudam ao mesmo ritmo. Durkheim teve 0 mérito de discernir
utrora uma mudanga de ritmo e, consecutivamente, de qualidade no
devir sociocultural”,
‘Numa época de efervescéncia, muitos valores do passado cultural
reencontram a sua frescura ¢ integram-se na vida da nossa actuali-
dade. Assim acontece com os sistemas e obrigagdes de parentesco, as
praticas matrimoniais, os sistemas de conhecimento e de representa-
40 que moldaram as sociedades ancestrais e sobrevivem as pertur-
bagdes provocadas pelo Ocidente na vida dos Africanos. Tudo acon-
tece como se estes Uiltimos organizassem uma espécie de “retirada®
estratégica e de “resisténcia” perante 0 surgimento brutal de alguns
modelos estrangeiros. Relembremos 0 sucesso limitado dos novos
modelos familiares. Nao se pode negligenciar o impacto sobre os com-
portamentos e as mentalidades dos verdadeiros motores de mudanga
que so a forte escolarizagio e a urbanizacio desenvolvida. No entan-
to, nestas sociedades onde nada est ao abrigo das mutagSes, os
“casais modernos” so uma minoria, Para muitos citadinos, torna-se
dificil adoptar os modelos de vida familiar praticados noutras para-
gens. Apesar do prestigio imposto pelos modelos ocidentais, tenta-se
sempre criar novidade a partir do mais antigo. Esperava-se o desen-
volvimento de famflias reduzidas conforme 0 modelo europeu, mas
‘vemos que se conservam as familias alargadas. O declinio dos valores
tradicionais nao é para ja. 0 essencial dos relactonamentos continua
regrado pelas ldgicas de linhagem. Assim, em nome das exigéncias do
parentesco, 6 necessario suportar os custos econémicos exigidos pela
‘dependéncia dos numerosos membros da famflia africana
‘Numa sociedade abalada pela crise econémica, os sistemas familiares
continuam a resistir as légicas do mercado. Mais ainda, acontece ver
6 Africano a adaptar a tradigao aos constrangimentos da vida urbana.
‘Assim sucede com a sobreposigo de camas nos alojamentos construi
dos, pelas sociedades mobilidrias, segundo as normas de uma antro-
pologia da casa conforme os habitos e as praticas sociais das familias
europeias. Na Africa negra, poucos se arriscam a “fazer de Branco” pois
isso significa sujeitar-se a marginalizacao e & exclusio, num sistema
social em que poucos aceitam fechar-se numa solidao altiva,
Nos meios escolarizados e nos centros urbanos, os critérios funda-
‘montais de juizo e as referéncias culturais dos Antigos impregnam os
espiritos e inspiram as formas de estar individuais e colectivas. Face
a0 fracasso, & doenga, a morte e a infelicidade, reencontra-se sempre,
“17.Wer E. Durkheim, Socsiogte et Philasophie, PU, Pari, 1963, pp-136-137
mais ou menos, o mesmo cenatio africano, na selva como nos bairros
residenciais das grandes metrépoles, apesar do verniz de ocidentali-
dade de que se cobre uma elite, Basta lembrar a influéncia das crengas
na feitiparia,o peso das representagées relativas ao mundo invisivel
0 *poderes ocultos” exercem uma influéncia soberana em todos os
meios socias, independentemente do nivel de formacio, das classes
socials ou da pertenga religiosa®. Intelectuais formados nas melhores
luniversidades ocidentats, com uma bagagem cientifica ou filosdfica
marcada pelo racionalismo, nao admitem que algumas doengas sojam
provocadas por um agente patogénico.
‘Adoenga ou a morte sio atribuidas 3 acsio de um “outro” num con-
texto em que a imagem que se tem da pessoa integra uma leitura do
real em que o invisivel se manifesta, De facto, ndo se pode aqui falar
em doensa sem ter em contaas representagaes da pessoa que sio, elas
‘mesmas, um aspecto da organizassio social. Assim, a doenga poe em
crise a ordem social. A doenga é sinal de uma desordem global. Resu-
mindo, a doenga é um facto cultural. & por iss0 que os Africanos aban-
ddonam as clinicas e os hospitais nos quais a “medicina dos Brancos"
nao entende nada da “doenca dos Negros’
Prefere-sevoltar para junto daqueles “que curam na noite’ nas aldeias
# nos balrros onde, partindo das confissées e das rituais, os especalis-
tas do invisivel procedem a “libertasio dos enfeitisados". Nas soci
dades africanas em tumulto, assiste-se ao regresso da medicina trad
cional até mesmo nas grandes capitais. Mais ainda, ritos ancestra
exorcismo e oragdes de libertasio, profetismos ¢ cultos de cura
desenvolvem-se num contexto em que os novos terapeutas reabilitam
as crengas na bruxaria. Nunca se falou tanto do Diabo como nestes
tempos de crise em que, grasas a um esforgo popular de inculturacao,
a figura do Adversdrio tomou o lugar dos espfritos maus. As crengas na
feitiaria mantém-se na medida em que o mal fala da sociedade 3 qual
se pertence. A doenga traz 8 luz as forgas maléficas internas da socie-
dade global. £ necessério, portant situar estas crengas e as Igrejas
terapéuticas no universo das representagdes da pessoa e da sociedade
para compreender as raz6es que conduzem numerosos doentes a
regressar 4 aldeta para obter a cura desojada.
Tendo em conta o impacto das estruturas do imaginério que mer-
gulham nas légicas indigenas, percebe-se a necessidade de recorrer a
disciplinas que nao se julgaria necessarias ao estudo das sociodades
16.8 propio est er ih Slr cine dongeeue? a
Soren pried dranc, sence A, 19) Tred Marne one fe
{Gh Purr ll ote Mh ae Nord Cong oltueAane aae 1
'pp.73.83 - M. Dumont “A propos d'une expérience fétichste de V'échec scolaire & Brazzaville’,
Mees deta shee, hide 902 paditas primitivas. Talvez tenhamos de retomar por nossa conta, num
novo espirito, a etnologia para aprofundar o conhecimento das reall-
dades que nos surpreendem quando nos esforgamos por criar um
distanciamento critico em relac4o a0 nosso meio ambiente imediato.
(0s antropélogos africanos tém hoje que sair da reserva e repensar a
sua disciplina que, por causa da sua imagem colonial, se arrisca a ser
tmarginalizada no sistema de formagao no selo dos governos que nao
a consideram como uma prioridade e fazem dela um verdadeiro paria
das ciéncias socials”.
'Na verdade, a partir de factos gravados “a nu” no terreno, temos que
langar um novo olhar sobre a Africa dando o mais possivel a palavra
Aqueles que, nos sistemas sociais actuais, menos a tém.
Para compreender a Africa contemporanea, povoada, como se sabe,
por jovens que nem sempre vem reconhecido o seu direito & palavra,
é necessério tentar apreender o préprio Ambito da sua experiéncia
tal como ela se dé a entender fora dos campos convencionais. £ pre-
ciso investir os locais do discurso a partir do que se diz. em torno da
sewualidade, do trabalho, da economia, da religiao e da politica. A per-
cepsao do corpo, como o “sistema de objectos” que invadem a nossa
sociedade, deve tornar-se um centro de preocupacao tendo em conta
‘05 mitos que se inventam em redor das realidades mais correntes da
nossa vivéncia quotidiana. £ af que se deve procurar compreender a
“dimensio escondida’ de uma cultura que determina as atitudes ¢ os
comportamentos, as percepgBes e as priticas sociais, as crengas © 0
sistemas de representagdo dos individuos ¢ dos grupos.
O Fim das Certezas
No seio das saciedades urbanas em gestacdo, oinvestigador africano
-vé abrirem-se amplos campos de estudo, face ao que Terray chama o
“sistema do climatizador” oposto ao “da varanda’, tal como a mascara e
a realidade™, Seria necessério perceber a que jogo brincam os “mais
altos-de-l4-de-cima’ nesses ambientes onde o fato completo se articula
‘com a tiinica num vaivém entre os gabinetes climatizados dos minis-
térios ea esteira do marabu.
Pelos relatdrios que se estabelecem eas estratégias que se elaboram,
talvez estejamos a assistir a formas de redistribuigao clas vantagens
{SsApropbstadeatas quests le “Anthroplagleen Atiqu: passé. présente visions noweles
buletn du CODESRIA, w 3, 1992, Daa p2
pol tetay “Le climasrur eta eran Aru plural, fine atu. Hommage Gears,
Foland Kartal, Pris, 1986, pp. 3449.
materiais e politicas acumuladas nas redes de relacao nas quais, como
se pade observar no inicio do ano escolar, os “grandes” usam de toda
a sua influéncia para arranjar um lugar para um primo em segundo
grau ou um sobrinho da aldeia num bom estabelecimento de ensino
primério ou secundério. Tendo em conta os jogos de influéncia que se
desdobram nas dindmicas sociais de acordo com as estruturas tradi-
cionais de parentesco, nas sociedades onde o “poder da noite” 6 tio
poderoso quanto o do dia, os “pequenos” dispdem de poderosos
mecanismos de controlo sobre os “grandes”
Como nao evocar as questdes da linguagem que também oferecem
um espago de exploracdo na medida em que, para além da literatura
oficial (ensaios, romances, poesia, teatro), novas formas de expressio
ede comunicagao em que os jovens revelam um dinamismo excepcio-
nal, como no-lo lembra 0 “camfrangles” nas cidades dos Camarées, so
inventadas nos lugares de vida?
Utilizada por todos os alunos e estudantes, esta “lingua” é uma perfeita
ilustragao da cultura dos jovens em meio urbano. Parece que as novas
‘geragées gostam de baralhar a comunicagao com a sociedade, apropr-
ando-se dos meios de expressdo acessiveis& sua idade nos grupos, nos
circulos, nos bandos ou nos meios escolares que lhes dio 0 vocabulrio
a gramatica para produzir sentido. £ necessério pertencer a "tribo’
para compreender as palavras, as imagens e os simbolos que se afas-
tam, deliberadamente, das linguagens institufdas.
Na imprensa oficial, uma crénica célebre do Cameroon Tribune,
“o humor do homem da rua’, inspirou-se nesta linguagem imposta
a misica por Lapiro de Mbanga que deu aos jovens desempregados
a consciéncia da sua situagao. O sucesso de um cantor ou 0 impacto
de um discurso dependem do dominio deste idioma cujo repertério
semantico apresenta uma riqueza consideravel.
Nos campus universitérios, cada situagao € expressa com as pala-
vras adequadas. Existe uma linguagem para os exames e a fraude, as
raparigas, o amor e a sexualidade, a bolsa e 0 poder. Toda a cultura
nova que se clabora a partir do sector informal, investido pelos jovens,
cristaliza-se em torno do “camfranglés”, como o recorda 0 universo
dos “vendedores furtivos’, que encontrou outrora a sua unidade num
contexto sociopolitico dominado pela alianga entre os “salvadores” &
‘0 estudantes e o confronto entre o presidente da cimara de Yaoundé
0s “empresérios do passeio”™.
2, Sore sas alae le .Etound Mba, "Les vendors la savete ot ha’ Camaroon Ti:
‘nine, 11 de Setembro de 1907; M Nekoud“Conceration MLNDICE.Verdeurs la same pour
‘ne struction du secteur informe Cameron Tribune 29