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Criminologia sem segurança pública(*)

Nilo Batista(**)

Ai, palavras, ai palavras,


que estranha potência a vossa!
(...)
Éreis um sopro na aragem ...
- Sois um homem que se enforca!
Cecília Meireles

No romanceiro em que cantou a saga da frustrada


rebelião liberal nas Minas Gerais de final do setecentos, a grande poetisa
brasileira se deteve sobre a “estranha potência” das palavras. Observando sua
leveza efêmera (“sois de vento / ides no vento / no vento que não retorna”),
Cecília Meireles – que, entre suas fontes, esquadrinhou os muito palavrosos
volumes dos autos da devassa – interpelou-as (“mirai-vos: que sois, agora?”) e
revelou em que haviam se convertido elas: “acusações, sentinelas, /
bacamarte, algema, escolta; / o olho ardente da perfídia / a velar, na noite
morta; / a umidade dos presídios, / a solidão pavorosa; / duro ferro de
perguntas / com sangue em cada resposta”).

É forçoso concordar com Cecília Meireles quanto à


“estranha potência” de que as palavras dispõem, especialmente num campo
semântico utilizado pelo sistema penal. Encontrando-nos, contudo, num
(*)
Comunicação ao Seminário Internacional de Criminologia Latinoamericana em homenagem à Profª Drª
Lola Aniyar de Castro, realizado em 9 e 10 de agosto de 2012, pela Universidad Nacional de San
Martin.
(**)
Professor titular de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
1
seminário acadêmico, e não na festa literária de Paraty, temos o desafio de dar
um passo adiante: quando aquela “estranha potência” estiver comprometida
com a imposição de penas, ou seja, a serviço da inflição autorizada e medida
de dor a uma pessoa humana, poderíamos reconhecer a existência de
palavras... (perdoem-me os positivistas, antropológicos ou atuariais) perigosas?
Afinal, fomos capazes de teorizar sobre “homens perigosos” e até mesmo
sobre “classes perigosas”; por que não conseguiríamos identificar palavras
perigosas?

Um colega erudito logo objetaria que a identificação das


palavras perigosas seria uma tarefa impossível. Segundo Saussure, diria ele, o
signo linguístico une não uma coisa e um nome, e sim um conceito e uma
imagem acústica. Ora – prosseguiria o pernóstico – uma imagem acústica pode
ser barulhenta ou desagradável, jamais perigosa; e um conceito que
favorecesse exercícios de violência deporia sobre o perigo de quem o
formulou, porém em si mesmo não passaria de um esforço para a captura da
essência e significação do objeto conceituado.

A refutação não me desestimulou. Talvez, por prudência,


coubesse, antes do reconhecimento da perigosidade, observar se a palavra é
... digamos suspeita. Estaríamos replicando um procedimento próprio dos
sistemas penais. Primeiro, a polícia detém a pessoa em “atitude suspeita”; só
mais tarde é que o juiz, assessorado por assistentes sociais, psicólogos e
médicos, proclamará sua perigosidade. A dificuldade aí proviria dos segredos
que cercam a “atitude suspeita” das pessoas, segredos que só a polícia
consegue decifrar. Em sua pesquisa sobre a criminalização da juventude pobre
no Rio de Janeiro, a partir de algumas dezenas de prisões, a Profa. Verinha
Malaguti Batista descobriu um desses segredos: todo adolescente pobre que
estivesse deambulando em bairros ricos da cidade estava ipso facto em
“atitude suspeita”. É simples; mas como transferir esse método para o léxico,
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sabendo que não há classes sociais entre as palavras (e ainda menos luta de
classes... gramaticais), e que muitas vezes a qualidade da poesia depende
exatamente de uma palavra que irrompe onde jamais pensaríamos encontrá-
la?

O pior é que palavras aparentemente respeitáveis às


vezes se prestam a usos surpreendentes. Outro dia, meu amigo Eric
Nepomuceno perguntou-me, de chofre, o que é justiça. Respirei fundo, pensei
em safar-me com um rompante utilitarista, impulso logo substituído pela
tentação de sedar o abelhudo com o “equilíbrio reflexivo” de Rawls, porém
repentinamente recordei-me de que para Stuart Mill o primeiro elemento do
sentimento de justiça residiria no desejo de punir. Tive ganas de responder:
justiça é há séculos a palavra mais pronunciada nas proximidades de todos os
cadafalsos no ocidente cristão. Não tive coragem, e esquivei-me acenando
para as origens materiais da idéia de equidade. Quando a palavra justiça é
surpreendida em atitude suspeita, é bom desconfiar de todas elas.

Chego ao ponto. Desde que recebi o convite do Prof.


Rodrigo Codino para associar-me à mais merecida de todas as homenagens
acadêmicas, esta que se presta à grande mestra da criminologia
latinoamericana Profa. Dra. Lola Aniyar de Castro, não consegui tirar os olhos
de uma palavra mais do que suspeita, de uma palavra sem dúvida de alta
periculosidade. A mesa redonda para a qual era convidado intitulava-se
Criminologia e Segurança Pública. Segurança Pública?! Estaremos
condenados a compartilhar o uso desta expressão com os setores acadêmicos
e políticos mais atrasados? É do que tratarei a seguir, adiantando que dei à
presente intervenção o título “Criminologia sem Segurança Pública”.

***
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A palavra suspeita, e provavelmente perigosa, é
segurança. Sabemos, pelos muitos sobrenomes que ostentou, que esta
senhora casou-se inúmeras vezes: segurança pública, segurança nacional,
segurança jurídica, segurança cidadã, segurança biológica, medidas de
segurança, segurança humana etc. Tantos casamentos apontam para sua
maleabilidade, para um caráter dúctil que historicamente a habilitou a tantas
parcerias, algumas descaradamente opressivas e violentas (alguém já se
esqueceu da segurança nacional?), outras apenas fraudulentas e enganosas
(como a segurança jurídica), e algumas escandalosamente contraditórias
(talvez nenhum dispositivo penal tenha alcançado níveis de insegurança tão
incontroláveis e arbitrários quanto as chamadas medidas de ... segurança).

Alessandro Baratta aproximou-se dessa inconstante


senhora e surpreendeu-a, nas duas últimas décadas do século XX, servindo
com a mesma desenvoltura a dois projetos. No início dos oitenta, a segurança,
a exemplo do Lobo Mau, vestiu-se com as roupas da vovozinha para adotar
procedimentos “não repressivos, locais e participativos”: foi a febre da polícia
comunitária, dos conselhos vicinais, dos programas “multiagenciais” etc. Pouco
tempo depois, entregou-se aos braços do “nothing works”, da retórica do risco,
da “tolerância zero”, da pena neutralizante e da excarceração atuarial.

Para não ser injusto, registro que na tradição


portuguesa nem sempre foi assim. Entre os instrumentos empregados na
acumulação primitiva de poder punitivo para viabilizar a construção lusitana da
pena pública, a proibição da vingança privada através das “cartas de seguro”,
dadas pelos juízes a ofensores ameaçados ou receosos da desforra, tinha sua
máxima expressão na “Segurança Real”, definida nas Ordenações como
aquela “que pede às Justiças a pessoa que se teme de outra por alguma

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razão”. Por incrível que pareça, houve um tempo no qual em nome da
segurança não se torturava nem se matava e sim se protegia, ainda que em
nome de outras palavras se torturasse e se matasse intensamente.

Cheguemos logo ao início da longa carreira que a palavra


segurança teria. A futura matrona, com tantos casamentos infelizes mas
duradouros, é no século XIX ainda uma donzela, que fora definida pela breve
Constituição republicana francesa de 1795. Recordemos essa definição: “A
segurança (sûreté) consiste na proteção concedida pela sociedade a cada um
de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de
suas propriedades”. Para constatar que a donzela já ostentava em seu caráter
os mesmo atributos que no futuro caracterizariam a matrona casamenteira,
basta comparar com a Constituição brasileira de 1988, segundo a qual a
segurança pública “é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio” (art. 144).

Em 1843, para polemizar em Bruno Bauer sobre as


restrições políticas aos judeus na Alemanha, Marx se deteve sobre a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo 2º proclamava
serem direitos naturais e imprescritíveis a igualdade, a liberdade, a segurança
e a propriedade. Suas palavras merecem transcrição:

“A segurança é o supremo conceito social da sociedade civil, o


conceito de polícia, segundo o qual toda a sociedade existe
apenas para garantir a cada um de seus membros a conservação
da sua pessoa, dos seus direitos e da sua propriedade (...) Pelo
conceito de segurança a sociedade civil não se eleva acima de
seu egoísmo. A segurança é, antes, o asseguramento deste
egoísmo.”

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Poucas vezes os limites do liberalismo individualista na
governança dos conflitos sociais foram expostos com tanta nitidez e com
idêntica nitidez indicou-se o conceito de segurança como referência central da
reação a toda transformação nas relações sociais. A leitura dos
administrativistas contemporâneos só confirmaria a longevidade daquela
donzela feia à qual o direito posterior às revoluções burguesas, como assinalou
nossa homenageada Lola Aniyar de Castro, “encarregaria de fazer o trabalho
sujo do poder e servir aos interesses dominantes”. Falando realisticamente,
nas sociedades de classes a expressão “segurança pública” exprime uma bem
disfarçada contraditio in adjecto. Converter a segurança pública em “dever do
Estado” e “direito e responsabilidade” dos cidadãos, como fez a Constituição
brasileira (art. 144), é dar o giro fatal no garrote. Todo governante está
obrigado a preservar as relações sociais tais como as encontrou: trata-se afinal
de um dever do Estado. Em contrapartida, todo cidadão, seja um latifundiário
ou um pobre camponês sem-terra, dispõe de uma pretensão à incolumidade de
sua pessoa e de seus bens; trata-se afinal de um direito (pouco importando que
na realidade essa pretensão esteja sempre inexoravelmente frustrada para o
sem-terra). E afirmar que além de direito a segurança é uma responsabilidade
do cidadão, como entrou em moda, é algo que pode acabar mal para o
cidadão, assim colocado muito próximo da temível posição de garantidor da
segurança alheia.

Com seu olhar arguto, Baratta já percebera que a


concepção de um direito fundamental à segurança representa o resultado de
“uma construção constitucional falsa ou perversa”: falsa porque, se significasse
a garantia de todos os direitos de todos os cidadãos, seria melhor enunciada
como segurança dos direitos ao invés de um vazio direito à segurança;
perversa, porque nas sociedades de classes a garantia dos direitos de certas
pessoas geralmente se empreende às custas de severas violações a direitos
de outras.

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***

Acompanhemos nossa irrequieta dama em um de seus


mais sangrentos sobrenomes: os tempos da segurança nacional. A expressão
constava do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que autorizou o
ditador a decretar o recesso do Congresso Nacional, a legislar livremente em
todas as matérias, a decretar intervenção em todos os Estados da Federação e
em todos os Municípios, a suspender imotivadamente os direitos políticos de
qualquer cidadão, a demitir ou aposentar qualquer magistrado, e além disso
suspendia a garantia do habeas corpus nos “crimes contra a segurança
nacional” (e alguns outros) e finalmente excluia “de qualquer apreciação judicial
todos os atos praticados” com base nele. Tudo isso em nome da segurança.

Naquele tempo, a “segurança nacional” era uma espécie


de bem jurídico supremo, situado entre uma objetificação saudosista do são
sentimento do povo e um prenúncio agourento da “eficácia fática” da norma
violada e das expectativas normativas decepcionadas dos eleitores da Sra.
Merkel. Nossa lei de segurança nacional era ortodoxa, e definia – dentro da
peculiar doutrina que assombrou o Cone Sul – esse bem jurídico como “a
garantia da conservação dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto
internos quanto externos”. Heleno Fragoso criticou duramente tal conceito. “O
bem jurídico – esbravejava ele – não pode consistir em garantia. Segurança
não pode ser definida como garantia de alguma coisa. Segurança contrapõe-se
a perigo e risco, ou seja, a insegurança. Segurança é o estado seguro de riscos
e perigos, de incerteza e de acontecimentos prejudiciais”. Exposto este amplo
horizonte, que tornaria a segurança uma espécie de paradisíaca promessa de
indenidade eterna, e examinadas normas definitórias complementares, Fragoso
concluía:

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“A conceituação legal é inaplicável e perigosa, por ser
tautológica e sem conteúdo. Por outro lado, é imprópria e
perigosa, em se tratando de lei penal. É fórmula totalitária e
abrangente de elementos que nada têm a ver com os crimes
políticos, únicos que devem figurar numa lei dessa natureza”.

Fragoso, nesta passagem, antecipara palavras de


Baratta, que mais tarde afirmaria que a segurança, olhada como necessidade
humana ou como função jurídica geral, “carecia de conteúdo próprio”.

Como bem jurídico, o fracasso da segurança é muito


claro. Temos, no Código Penal brasileiro, um capítulo intitulado “Dos crimes
contra a segurança dos meios de comunicação e transporte”, que contempla
tipos como colocar obstáculos na linha férrea ou arremessar projétil contra
veículo destinado a transporte público em movimento (arts. 260, inc. II e 264
CP). É curioso observar que os comentadores não identificam o bem jurídico
ofendido por tais delitos na segurança, recorrendo ao conceito de incolumidade
pública para indicar a salvaguarda da integridade física, da saúde e da vida das
pessoas. Na verdade, temos ali crimes contra os meios de comunicação e
transporte. O homicídio é um crime contra a vida, tanto quanto o roubo é um
crime contra a propriedade e a calúnia contra a honra. Um penalista excêntrico
poderia propor que o homicídio afeta a segurança da vida, o roubo a segurança
do patrimônio e a calúnia a segurança da honra. Tal penalista estaria repetindo
um já falecido comediante da televisão brasileira, o Chacrinha, cuja divisa era:
“eu vim para confundir, não para explicar”.

***

Não é incomum que uma mulher da inexplicavelmente


chamada vida fácil, depois de anos de devassidão, se case com um senhor

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respeitável, à sombra de cujo sobrenome busca inaugurar novo destino. Um
pouco disso acontece na expressão “segurança jurídica”.

Sabemos bem que segurança jurídica foi antes de mais


nada um argumento dos positivistas contra as múltiplas faces do direito natural.
Por este ângulo, o principal resultado da segurança jurídica era a reivindicação
de ordem, ainda que parecesse injusta. O paroxismo metodológico se daria
quando os juristas da burguesia vitoriosa estabeleceram uma identidade entre
a razão jurídica e a letra da lei: o princípio da legalidade afirmou-se como
segurança jurídica ao preço da divinização do legislador. O maior sucesso da
segurança jurídica, contudo, estaria no futuro, quando ela se faria avalista do
método dogmático. Agora já não se necessitava de um legislador divino,
bastava que ele fosse racional.

Não preciso me deter sobre este comparsa da segurança


jurídica, o legislador racional, porque Carlos Santiago Nino já lhes contou tudo
sobre ele e suas manias. Na legitimação da dogmática, contudo, precisa-se
contar também com um juiz racional, que não deixa de ser um parente próximo
daquele legislador. Como observou Vera Andrade, “a dogmática procura dar
consistência à promessa de segurança jurídica – que seria a melhor síntese de
suas funções – reenviando e vinculando a construção sistemática do crime à
racionalidade do legislador, por um lado, e à racionalidade do juiz, por outro”.

Para abreviar, basta que nos perguntemos o que


acontece diariamente quando a segurança jurídica se defronta consigo mesmo,
na pele da segurança pública? Se alguma distância histórica melhora a visão, o
que aconteceu com a segurança jurídica quando cruzou-se com a segurança
nacional?

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***

Em seu famoso curso de 1978, Foucault buscou distinguir


disciplina e segurança, a partir de uma tendência à clausura ou à expansão.
Para ele, a disciplina seria concentradora, circunscrevendo um espaço no qual
seus dispositivos funcionariam plena e ilimitadamente. Ao contrário, “os
dispositivos de segurança tendem perpetuamente a ampliar, são centrífugos”.
E esta ampliação se dá especialmente no plano do simbólico, de onde uma
cultura punitiva retroalimenta a policização do cotidiano.

A segurança pública se expande às custas das garantias


individuais, ou seja, da segurança individual. Não é outra a dinâmica da defesa
social, que é a ideologia predominante não apenas no senso comum produzido
pelos meios de comunicação, mas também nos sistemas penais
latinoamericanos. A intensidade e os danos sociais dessa dinâmica levaram
Raúl Zaffaroni, três décadas atrás, a pensar numa sorte de “nova defesa
individual”, nova em oposição àquela do liberalismo burguês e individual como
explícita reação à cruenta obra da defesa social.

Enquanto nas ciências físicas e nas matemáticas a idéia


de segurança está seriamente questionada, da mecânica quântica aos
sistemas caóticos, passando pela surpresa interminável dos fractais, no direito
e na política criminal – que se ocupam precisamente dos conflitos, divergências
e disputas que se apresentam nas relações sociais em transformação
permanente – segurança está em alta.

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***

Quero encerrar recordando um grande intelectual


brasileiro, Joel Rufino dos Santos, não por qualquer de suas inúmeras obras,
mas por um pequeno artigo que infelizmente não consegui recuperar, porém de
cuja passagem essencial jamais me esqueci ou esquecerei.

Um dos mais espinhosos problemas que o


Governador Leonel Brizola enfrentou com uma coragem e coerência invulgares
foi o tratamento da violência pela mídia. Para a meia-dúzia de famílias que
controlam os principais meios de comunicação de nosso país, toda
preocupação governamental com a inviolabilidade das garantias constitucionais
– a começar pela inclusão dos barracos das favelas no conceito constitucional
de “asilo inviolável”, inclusão ainda hoje desrespeitada por juízes que
concedem mandados de busca genéricos, abrangentes de uma comunidade de
pequenos e miseráveis domicílios – toda preocupação com a integridade física
dos presos ou com abusos policiais, toda preocupação dessa ordem era
apostrofada, nas manchetes e nos telejornais, de leniência com o crime,
permissividade, tolerância ... A tolerância, aquela virtude saudada por Locke,
por Voltaire e tantos outros, foi convertida pela economia de mercado em vício.
Mas esta crítica – não dispor de uma política de segurança pública – era
sempre endereçada a Brizola pela direita, e continuou a sê-lo por aquilo que
poderíamos chamar de “esquerda Tropa de Elite” ou de “realismo tupiniquim”.

Pois bem. Certo dia, Joel Rufino dos Santos, polemizando


com importante quadro político brasileiro, afirmou num artigo: um governo
progressista não tem política de segurança pública, e sim política de promoção
e defesa de direitos.

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Peço desculpas por ter-lhes ocupado o tempo apenas
para desacreditar a palavra segurança. Mas é que não acredito em nenhuma
criminologia que se misture com ela. Toda criminologia que incorporou
segurança pública lançou-se ao positivismo e restringiu seu horizonte à
conservação da ordem. Como conciliar as técnicas da ordem com a
criminologia, que argutamente Virgolini percebeu como uma espécie de
“ciência da desordem”?! A palavra segurança constitui o eixo aglutinador de
todos os dispositivos daquela violência que Benjamin denominou precisamente
“conservadora”, para distingui-la da violência “fundadora”, que pode ser a
festejada parteira da história que remove tiranias e desigualdades, ou pode ser
a inauguração de um regime arbitrário e cruel. Para ser propositivo, se hoje me
tocasse exercer as mesmas tarefas que exerci no passado, encaminharia à
Assembléia Legislativa um projeto trocando a designação de Secretaria de
Segurança Pública para Secretaria das Garantias Individuais ou algo similar.

Quem sabe a Argentina, que neste campo – e em outros


– espelha hoje uma vanguarda em nosso continente, quem sabe a Argentina
não dá o primeiro passo para livrar-nos dessa palavra tão potentemente
perigosa?

Muito obrigado.

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Referências bibliográficas (por ordem de entrada em cena)

Meireles, Cecília, Romanceiro da Inconfidência, romance LIII (Das Palavras


Aéreas); Saussure, Ferdinand de, Curso de Linguística General, trad. A.
Alonso, B. Aires, 1967, ed. Losada, p. 128; Malaguti Batista, Vera, Difíceis
Ganhos Fáceis, Rio, 2003, ed. Revan, pp. 101 ss; Rawls, John, Uma Teoria da
Justiça, trad. V. Chacon, Brasília, 1981, ed. UnB, pp. 59 ss; Mill, Stuart,
L’Utilitarisme, trad. G. Tanesse, Paris, 1968, ed. Ch. Flammarion, pp. 133 ss;
Baratta, Alessandro, Seguridad, em Capítulo Criminológico, Maracaibo, 2001,
v. 29, nº 1; Ordenações Filipinas, liv. V, tits. CXXVIII e CXXIX; Marx, Karl, Para
a Questão Judaica, trad. J. B.-Moura, S. Paulo, 2009, ed. Exp. Popular, p. 65;
Aniyar de Castro, Lola, El Zulia que Queremos, Maracaibo, 1996, p. 85;
Fragoso, Heleno, Lei de Segurança Nacional, P. Alegre, 1980, ed. Fabris, pp.
22 ss; Nino, Carlos Santiago, Considereciones sobre la Dogmatica Juridica,
Mexico, 1974, ed. UNAM; Andrade, Vera Regina Pereira de, A Ilusão da
Segurança Jurídica, P. Alegre, 1997, ed. Liv. Adv., pp. 140, 125 e passim;
Foucault, Michel, Segurança, Território, População, trad. E. Brandão, S. Paulo,
2008, ed. M. Fontes, pp. 58 e 59; Zaffaroni, E. Raúl, Política Criminal
Latinoamericana, B. Aires, 1982, ed. Hammurabi; Rufino dos Santos, Joel,
artigo no Jornal do Brasil, c. 2004; Virgolini, Julio E.S., La Razón Ausente, B.
Aires, 2005, ed. Del Puerto, p. 3; Benjamin, Walter, Critique de la violence, trad.
M. Gandillac et al, em O Euvres, Paris, 2000, ed. Gallimard, v. I, pp. 210 ss.

Artigo publicado em:

Batista, Nilo, Criminologia sem segurança pública. Revista Derecho Penal y


Criminología, v. 10, p. 86-90, 2013.

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