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Luiz Mott

A CENA GAY DE SALVADOR


EM TEMPOS DE AIDS

Editora Grupo Gay da Bahia


A CENA GAY DE SALVADOR

EM TEMPOS DE AIDS
Editora Grupo Gay da Bahia

Coleção Gaia Ciência

1. Aidsfobia: Violação dos Direitos Humanos dos Portadores


de HIV/Aids no Brasil (1994)
2. As Travestis da Bahia e a Aids (1997)
3. Aids e Direito (1998)
4. As Religiões Afro-Brasileiras e a luta contra a Aids (1998)
5. Candomblés da Bahia: Catálogo de 500 Casas de Culto
Afro-Brasileiro (1998)
6. Transexualidade: O corpo em mutação (1999)
7. Homossexuais da Bahia: Dicionário Biográfico (1999)
8. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de
Homossexuais no Brasil (2000)
9. Guia Gay da Bahia (2000)
10. A cena gay de Salvador em tempos de Aids (2000)

Conselho Editorial

Dr. Edward MacRae, Depto. de Antropologia, UFBa


Dr. Edivaldo Couto, Depto. de Filosofia, UFBa
Dr. Jocélio Telles, Depto. de Antropologia, UFBa
Mestre Ricardo Liper, Depto. de Filosofia, UFBa
Dr. Luiz Mott, Depto. de Antropologia, UFBa
Bacharel Marcelo Cerqueira, CBAA

Venda pelo Reembolso Postal


Luiz Mott

A CENA GAY DE SALVADOR


EM TEMPOS DE AIDS

Editora Grupo Gay da Bahia


Copyright 2000 by Editora Grupo Gay da Bahia

Projeto Gráfico e capa: Carlos Wilmar

Mott, Luiz
A cena gay de Salvador em tempos de Aids.
Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia,
2000

1. Homossexualidade
2. Aids
3. Bahia

ISBN

Convênio com o Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia


Caixa Postal 2552 – 40022-260, Salvador, Bahia, Brasil
Rua Frei Vicente, 24 – Pelourinho - Fone/Fax: (55) 071 – 328.3782 – 322.2552
<luizmott@ufba.br>

Apoio: Ministério da Saúde – Cooperação Técnica


França-Brasil - Coordenação Nacional de DST e Aids

Editora Grupo Gay da Bahia


2000
INDICE

1. Introdução p.

2. História da homossexualidade na Bahia p.

3. Tipologia dos homossexuais da Bahia p.

4. A cena gay em Salvador p.

5. Prevenção de DST/Aids em Salvador p.

6. Anexos p.
1. Introdução

Este trabalho é a conclusão de um projeto de pesquisa apoiado pelo Programa


de Cooperação Técnica Internacional Brasil-França, patrocinado pelo Ministério da
Saúde e Ministère des Affaires Etrangères. Como bolsista deste projeto, seu autor
permaneceu em Paris durante três meses (Outubro/dezembro 1998) realizando
duplo programa de atividades: atualização bibliográfica e temática sobre a
prevenção da Aids junto às minorias sexuais, mais especificamente junto aos
homens com práticas homossexuais, e visita sistemática às principais Instituições
Governamentais e Organizações Não-Governamentais (ONG) de luta contra a Aids
da região parisiense.
Inspirado pelos importantes contactos institucionais e com estudiosos da
prevenção junto às minorais sexuais, ao retornar ao Brasil, iniciei em abril de 1999
esta pesquisa tendo dois objetivos:
1. Mapeamento das principais categorias de homens com práticas
homossexuais existentes em Salvador: gays, travestis, michês, rapazes de
programa, massagistas, homens com práticas homoeróticas, etc.
2. Pesquisa etno-demográfica sobre a subcultura da sexualidade de cada um
destes grupos, com ênfase na descrição dos espaços urbanos por eles ocupados,
suas práticas sexuais e riscos face às Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids.
Este livro portanto foi assim previsto no projeto inicial de pesquisa: produção
de uma pequena monografia consagrada ao estudo do significado e das principais
características demográficas das diferentes minorias sexuais existentes em
Salvador, sua distribuição espacial urbana, aspectos de sua cultura sexual, suas
principais situações de risco face à infecção do HIV/DST, suas práticas de
prevenção e finalmente, proposta de ações efetivas de prevenção de Dst/Aids com
vistas à produção de material educacional específico dirigido a tais grupos.
Esta monografia é portanto o resultado de onze meses de trabalho do
pesquisador principal, incluindo a colaboração por seis meses de um auxiliar de
pesquisa de campo (junho/novembro 1999), Gílson Lopes, a quem manifesto meus
cordiais agradecimentos. O trabalho de campo constou da visita e observação
participante da totalidade dos espaços urbanos utilizados como área de "engate
sexual" por parte diferentes categorias homossexuais existentes na região
metropolitana de Salvador.
Dada a vinculação institucional e intelectual do pesquisador-bolsita com o
estudo da Etno-História da homossexualidade, com a prevenção de DST/Aids e a
defesa dos direitos humanos de diferentes minorias sexuais, esta pesquisa
concentrou-se no estudo do que chamaremos de "tribos" homoeróticas – incluindo,
como referimos acima, ampla gama de homens com práticas homossexuais, a
saber: gays, travestis, rapazes de programa, massagistas e homens com práticas
homoeróticas mas sem identidade homossexual. 1

Contando com prévio e intenso conhecimento da maior parte dos grupos


supracitados – resultado de 20 anos de militância como fundador e coordenador do
Grupo Gay da Bahia, sociedade civil defensora dos direitos dos homossexuais,
pioneiro na prevenção da Aids no país, e co-fundador de diversas outras ONGs,
entre elas o Grupo Lésbico da Bahia, a Associação de Travestis de Salvador, a
Associação de Profissionais do Sexo da Bahia, o Grupo Gay Negro da Bahia/Brasil,
o Grupo Vida Feliz de Pessoas com Hiv/Aids – este trabalho teve como escopo
sobretudo a reconstituição do perfil social e espacial dos nichos onde estes
diferentes grupos vivenciam seus contactos sexuais – fornecendo subsídios para
políticas concretas de intervenção comportamental visando a adoção de práticas
sexuais que impeçam a infeção pelas DST e HIV.
Assim sendo, durante os seis meses de trabalho de campo, foram visitadas
todas as ruas, praças, praias, becos, estabelecimentos comerciais (bares, boates,
discotecas, saunas, cinemas, sanitários públicos, hotéis e motéis) onde diferentes
tipos de homens com práticas homoeróticas realizam seus encontros sociais e/ou
íntimos. Munidos da clássica "caderneta de campo" e de um questionário,
observamos cuidadosamente o locus onde estes diferentes grupos e subgrupos se
reúnem, sua interação intragrupal e intergrupal, realizando entrevistas qualitativas
com diferentes atores, com perguntas direcionadas à reconstrução do universo
demográfico e sócio-antropológico de cada um destes segmentos. Tanto quanto
possível, seguindo a mais castiça tradição etnográfica, usamos ao longo destas
páginas, algumas expressões idiomáticas peculiares às diferentes sub-culturas
sexuais aqui estudadas, um registro vernáculo que certamente deliciará os
lingüistas.

1
Sobre o conceito de "tribos urbanas", cf. Maffesoli, Michel. O tempo das tribos. O
declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, Forense
A fim de não desviarmos nossa atenção para universos paralelos e
estruturalmente diverso, dada nossa preocupação histórica no estudo e ação junto
aos diversos segmentos que compõem universo homossexual masculino, não
incluímos neste trabalho nem as lésbicas nem as mulheres profissionais do sexo,
considerando que pesquisa semelhante vem sendo realizada pelo GLB, Grupo
Lésbico da Bahia e pela APROSBA, Associação de Profissionais do Sexo da Bahia.
Ao todo visitamos e descrevemos 45 estabelecimentos comerciais e locais
públicos que constituem a "cena gay de Salvador", frequentados predominantemente
por gays, travestis e homens com práticas homossexuais, entrevistando no mínimo
três pessoas em cada um destes locais – um total de 135 informantes formais, além
de centenas de contactos informais quando das visitas in loco. Portanto, por cena
gay entendemos os espaços ao ar livre, logradouros urbanos e estabelecimentos
comerciais que servem de nicho ecológico para socialização e encontros de variados
graus entre homens com atração homossexual.2
Partindo do princípio de que um recuo no tempo permitiria uma melhor
compreensão e interpretação mais aprofundada da realidade social contemporânea,
começamos esse estudo resgatando os principais aspectos da presença da
homossexualidade na história da Bahia, tentando visualizar as interfaces existentes
entre as diferentes sub-culturas homoeróticas do passado com os respectivos
grupos sociais do presente. Em seguida, propomos uma tipologia das diferentes
categorias de homossexuais existentes em Salvador, realçando suas especificidades
face aos demais grupos e em que espaços urbanos se concentram e convivem com
seus iguais e com eventuais parceiros sexuais. Na conclusão discutimos quais os
acertos e dificuldades da prevenção das DST/Aids junto a estes diferentes
subgrupos homoeróticos de Salvador, propondo medidas práticas de como melhor
atingi-los e capacitá-los a sobreviver à epidemia.
Propositadamente não utilizei neste trabalho a expressão HSH – "homem sexo
homem", por já ter discutido os inconvenientes deste neologismo, em Comunicação
apresentada na Mesa Redonda do Fórum HSH no último Congresso de DST/Aids,

Universitária, 1987
2
Higgs, David. Queer Sites. Gay Urban Histories since 1600. London, Routledge,
1999; Santana, Hédimo & Richters, Juliet. Sites of sexual activities among men. Sex-
on-premises venues in Sydney. Macquarie University, Monograph 5/1998, National
Centre in HIV Social Research.
do Ministério da Saúde, realizado no Rio Centro em 1999. Em síntese, considero
que HSH se trata de um conceito importado do primeiro mundo com o pretexto de
se evitar a nefanda palavra "homossexual", como reconhecimento da especificidade
da cultura sexual brasileira. O mito de uma sexualidade tropical, carnavalesca e
selvagem e da falta de identidade gay no Brasil ainda persiste no imaginário de
muitos "brazilianistas", estando tais premissas na base desta novidade
classificatória. Apesar destas aparentes boas intenções, não há como negar que o
uso do neologismo HSH é totalmente equivocado enquanto estratégia
epidemiológica e postura política. Sob o pretexto de respeitar a especificidade de
uma parcela de homens praticantes do homoerotismo que não têm identidade
homossexual, o conceito HSH desconsidera milhões de gays e travestis brasileiros
que se identificam com o termo homossexual – e que fazem parte do grupo social
ainda o mais atingido pelo HIV/Aids – 23,4% no período 1998/1999. Segundo, o
conceito HSH não sensibiliza nem os "homens" que transam com gays e travestis,
que não consideram seus parceiros "homens", mas "bichas", deixando de atingir
igualmente boa parcela das próprias "bichas e travestis", que não se identificam
como "homens". Portanto, mensagem epidemiológica jogada fora, boa apenas "para
inglês ver".
Politicamente a sigla HSH é ainda mais condenável do que sua inocuidade em
termos de estratégia epidemiológica: após tantos séculos de opressão do "amor que
não ousava dizer o nome", logo quando milhões de amantes do mesmo sexo
ousaram sair da gaveta e verbalizar sua identidade, inclusive se organizando em
grupos de homossexuais – eis que do norte vem um "modismo" que passou a ser
adotado recentemente pelo discurso governamental e por algumas ONGs,
substituindo a consagrada classificação "homossexual" por HSH.
Nossa proposta – há anos defendida em diferentes fóruns de discussão sobre
Aids e mantida ao longo desta monografia, é que nos trabalhos de prevenção de
DST/Aids junto às minorias sexuais, se nomeie sempre os "homossexuais" , ou
melhor ainda, os "gays" e "travestis", e quando se desejar referir apenas aos
praticantes de atos homoeróticos sem identidade gay, estes sim, devem ser
chamados de "homens com práticas homossexuais", e não como "homens sexo
homens", aliás, como vem fazendo de longa data nosso parceiro, o Ministério da
Saúde da França. Já que existe o conceito científico "homossexual", universalmente
consagrado e que descreve a contento a relação HSH, e como tal conceito tem um
significado político importante para milhões de brasileiros, evitá-lo equivale a
"racismo sexual", cientificamente chamado de "homofobia".
Aproveito o momento para agradecer cordialmente à Coordenação Nacional
de DST/Aids do Ministério da Saúde que através do Programa de Cooperação
Técnica França-Brasil concedeu-me esta bolsa, permitindo o estágio em Paris e a
realização desta pesquisa e monografia, que sem pretender ser definitiva,
certamente auxiliará não apenas uma melhor atuação preventiva de DST/Aids por
parte dos órgãos públicos e ONGs junto às minorias sexuais da Bahia, como poderá
servir de inspiração para trabalhos semelhantes a serem desenvolvidos em outras
regiões do Brasil – pois, mesmo reconhecendo que a Aids não é peste gay e que se
torna cada vez mais heterossexual, os gays, travestis e homens com práticas
homossexuais continuam ainda sendo o grupo que mais vem sofrendo com esta
epidemia.
Como este não se pretende um trabalho definitivo e acabado, críticas
construtivas e sugestões serão sempre benvindas!
2. História da Homossexualidade na Bahia

A documentação histórica permite-nos afirmar, sem sombra de dúvida que a


presença homossexual na história da Bahia é anterior inclusive à própria chegada
dos colonizadores, pois ao penetrarem na Terra dos Papagaios, os europeus aqui
encontraram e registraram, estupefactos, a existência de numerosos índios e
índias praticantes do que a Cristandade chamava de "abominável e nefando pecado
de sodomia".3
Tão generalizada era na terra brasilis a homossexualidade, que os Tupinambá
da Bahia tinham nomes específicos para designar os adeptos desta performance
erótica: aos homossexuais masculinos chamavam de tibira e às lésbicas de
çacoaimbeguira. 4
Portanto, com base no depoimento dos primeiros cronistas – inclusive alguns
fidedignos sacerdotes – somos forçados a concluir que a homossexualidade na
Bahia tem muito mais que 500 anos: é tão antiga quanto a mesma presença
humana no Novo Mundo, beirando quando menos 10 mil anos de calorosa adesão
por parte dos moradores desta Boa Terra.
Nas primeiras caravelas chegam do Reino alguns praticantes do "amor que
não ousava dizer o nome" - datando de 1547 o registro do primeiro de uma centena
de sodomitas portugueses a serem degredados pela Inquisição para esta novel
conquista.5 Tanto em Portugal quanto aqui na Colônia os homossexuais masculinos
eram popularmente chamados de somítigos e fanchonos, sendo a
homossexualidade considerada crime dos mais hediondos, cabendo à Justiça Real,
ao Bispo e sobretudo ao Tribunal da Santa Inquisição, a perseguição e condenação
à morte na fogueira dos infelizes sodomitas.6

3
Mott, Luiz. Homossexuais da Bahia: Dicionário Biográfico. Século XVI-XIX.
Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 1999
4
Mott, Luiz. "Brasil" , Encyclopedia of Homosexuality, New York, Garland
University Press, 1990
5
Mott, Luiz. "Justitia et misericórdia: A Inquisição Portuguesa e a repressão ao
abominável pecado de sodomia", in Novinsky, A. & Tucci, M.L. (Eds)) Inquisição:
Ensaios sobre Mentalidade, Heresias e Arte. S. Paulo, EDUSP, 1992, p.703-739
6
Aguiar, A. A Evolução da pederastia e do lesbismo na Europa. Separata da Revista
do Arquivo da Universidade de Lisboa, vol.XI, 1926
Com a chegada ao Brasil dos primeiros escravos da África, onde significativa
documentação comprova igualmente a prática tradicional e pré-colonial do
homoerotismo masculino e feminino, tanto na região do Congo-Angola, quanto na
Costa da Mina, principais áreas fornecedoras de "gado humano" para a América
Portuguesa, aumenta o contingente de homossexuais, incluindo a partir de então
também os quimbandas e adés da raça negra.7
Portanto, a homossexualidade, com presença marcante nas tradições das três
raças formadoras de nossa nacionalidade, encontrará terreno fértil no Novo Mundo,
onde a nudez dos índios e negros, o relaxamento e o abuso sexual inerente ao
escravismo, a frouxidão moral do próprio clero, as longas distâncias e isolamento
dos núcleos habitacionais, as matas e sertões despovoados, tornaram realidade o
ditado popular: "ultra equinotialem non pecari" – o nosso conhecido e cantado refrão
"não existe pecado abaixo do Equador!"8
Mais correto seria dizer: abrandou-se nos trópicos a noção de pecado,
desviando-se os cristãos da rígida moral-sexual pontificada pelo catecismo
tridentino, de tal sorte que a repressão tornou-se aqui mais frouxa do que no Reino.
Tal relaxamento explica o alastramento e desenvoltura como os fanchonos e
sodomitas, tibiras e çacoaimbeguiras, adés e quimbandas praticaram seus desejos
mais ternos e profundos, suas sinas e tendências mais recônditas: o amor igual.
Amor que malgrado ser rotulado pelos teólogos de "mau pecado", pelos Inquisidores
de "abominável e nefando", equiparado pelas justiças del Rei ao crime de lesa-
majestade, não obstante tantos anátemas e a ameaça da pena vil dos açoutes
públicos, do seqüestro dos bens, do degredo nas galés de Sua Majestade, e a
temida morte na fogueira – o amor homossexual desafiou o chicote, a fogueira, a
prisão perpétua: e a prova desta ousada busca da felicidade e de realização
existencial é uma fantástica lista documentada nos processos da Inquisição e outras
fontes primárias do século XVI ao XIX, que revelam a presença de quando menos
duas centenas de moradores da Bahia que praticaram ou foram infamados de
praticar o “amor que não ousava dizer o nome”. 9

7
Mott, Luiz. Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garras da Inquisição.
Campinas Editora Papirus, 1989
8
Mott, Luiz. "História da Sexualidade no Brasil Colonial", In Sexualidade Humana,
Carlos A. Morais de Sá (ed), Rio de Janeiro, Editora Revinter, 2000, p.117-129
9
Mott, Luiz. Homossexuais da Bahia, op.cit.
Salvador tinha apenas quatro décadas de fundada quando em 1591 chegou
aqui o primeiro Visitador do Santo Ofício: veio para endireitar os desviados, para
seqüestrar os bens e castigar os pecadores públicos. 10
Já nestes primeiros anos, a sodomia se alastrava infrene nesta Capitania. Não
é sem razão que nossa primeira capital foi percursora de vários tipos e condutas
relacionadas ao homossexualismo brasileiro: foi aqui na Bahia, mais exatamente
abaixo da Igreja da Misericórdia, onde viveu o primeiro travesti de que se tem notícia
na história pátria: Francisco Manicongo, escravo natural do Congo, “quimbanda" e
“sodomita passivo”, o qual insistia em usar umas estranhas faixas, recusando
"trazer vestido de homem".11 Foi também na Boa Terra onde se documentou pela
primeira vez no Novo Mundo, que um homem deu dinheiro ao outro para
consumarem o nefando pecado: nosso primeiro "michê" tinha 17 anos - chamava-se
Jerônimo Parada, estudante, e seu mecenas, o Padre Frutuoso Alvares, pode ser
considerado o deão dos sodomitas não só da Bahia mas de todo o Brasil. 12
Também foi em Salvador onde pela primeira vez se meteu na cadeia a um
homossexual: isto ocorreu um ano antes da chegada do Inquisidor e a vítima foi o
mulato forro Mateus Duarte, "50 anos, que já pinta de branco". 13 Ainda na terra de
Todos os Santos foi onde se iniciou a resistência dos gays à opressão: resistência
desesperada e violenta, semelhante à do escravo que assassinava seu senhor. Dez
anos antes da instalação do Tribunal do Santo Ofício no Colégio dos Jesuítas, no
Terreiro de Jesus, outro mulato, Fernão Luiz, "depois de ter cometido o pecado
nefando com um moço das Ilhas, por não ser descoberto, matara ao dito moço e a
seu pai e mãe, com peçonha que lhes deu em uma galinha para comer."14
Destaca-se neste rol das primazias baianas na história da homossexualidade
brasileira o caso de Diogo Botelho, provavelmente um dos mais devassos
sodomitas dos que foram denunciados à Inquisição baiana. Segundo seu acusador,
um ex-amante, ambos se relacionavam "ora agente, ora paciente", sendo adepto do

10
Novinsky, Anita. Cristãos novos na Bahia, Editora Perspectiva, S. Paulo, 1972
11
Denunciações da Bahia, 1591-1593 Rio de Janeiro, F. Briguiet e Cia. Eds, 1929, p.
406
12
Confissões da Bahia, l591-1592. Rio de Janeiro, F.Briguiet e Cia. Eds, l935, p. 39
13
Denunciações da Bahia, op.cit., p. 249
14
Denunciações da Bahia, op.cit., p. 466
sexo grupal. Gozava fama pública de ser sodomita. Esse gay15 atrevido era nada
menos do que o 5° Governador da Bahia e 1º Capitão Geral de todo o Estado do
Brasil entre os anos 1602-1607. O famoso Forte de S. Marcelo, defronte do
Mercado Modelo, foi uma de suas realizações que permanecem até hoje - embora
nenhum livro de história pátria revele as preferências homoeróticas desse luso-
baiano arretado. 16
As biografias destes sodomitas estão detalhadas no citado livro Homossexuais
da Bahia: Dicionário Biográfico, Século XVI-XIX, que inclui 178 homens e 24
mulheres; brancos, índios, negros e mestiços; livres e escravos; cristãos-novos e
cristãos-velhos; artesãos e nobres; muitos padres; professores e estudantes, etc.
Até o presente conseguimos levantar um total de 202 nomes de baianos ou
moradores da Bahia praticantes ou infamados de praticar o homoerotismo, assim
distribuídos ao longo dos séculos:

Sodomitas da Bahia – Século XVI-XIX


Século XVI 39 (19%)
Século XVII 84 (42%)
Século XVIII 23 (11%)
Século XIX 56 (28%)
Total 202 (100%)

A maior parte dos documentos relativos aos homossexuais nos três primeiros
séculos de nossa história foram produzidos pelo Tribunal do Santo Ofício: são
denúncias, sumários e processos conservados no principal arquivo lusitano, a
avoenga Torre do Tombo. A preocupação destes padres-juizes era desvendar se
houve ou não a consumação da “sodomia perfeita”, isto é, “penetração do membro
viril desonesto no vaso traseiro com derramamento de semente”, a única
performance homoerótica considera crime capaz de levar o réu à fogueira. Detalhe
importante: para driblar o casuísmo inquisitorial, os sodomitas inventaram já naquela

15
Boswell, John. Christianity, Social Tolerance and Homosexuality. Gay People in
Western Europe from the Beginnning of the Christian Era to the Fourteenth Century.
Chicago, University of Chicago Press, l980.
16
Confissões e Ratificações da Bahia, 1618-1620. Anais do Museu Paulista, t.XVII,
SP.1963, p.380-383
época uma espécie de "sexo seguro", aliás, cuja essência é a mesma do "safer-sex"
divulgado hoje pelos gays contemporâneos para enfrentar a epidemia da Aids.
Corria risco de morte apenas os praticantes da sodomia perfeita: a ejaculação dentro
do ânus. Para evitar a consumação deste crime, praticavam os fanchonos todas as
outras performances homoeróticas, exceção feita da cópula anal. A epidemia da
Aids trouxe de volta o risco do sexo anal desprotegido, só que agora, o risco da
morte advém não mais da fogueira, mas da infeção pelo HIV, daí a regra áurea do
safer-sex ser exatamente evitar a cópula anal desprotegida.
Através do material inquisitorial percebemos a existência na Bahia colonial de
diferentes vivências homossexuais: "troca-troca" juvenil, em que os dois rapazes
praticam sodomia recíproca; relações de homens adultos, muitas vezes casados,
com rapazes mais jovens e de estamento social inferior; interações homoeróticas
entre senhores e escravos; casais de brancos, índios e negros mantendo relações
estáveis identificadas pelos contemporâneos de "mancebia"; relações esporádicas e
extemporâneas de homens casados que poderiam hoje ser classificados como
"homens com práticas sodomíticas", etc. Há igualmente notícia da existência de
homens travestidos de mulher e fanchonos com gestos efeminados, relatando os
documentos, quanto à performance homoerótica, a existência de "agentes" e
"pacientes" quando se tratava de cópula anal, assim como a prática do sexo oral,
seja felação seja mais raramente o anilíngua. 17

Com a extinção em 1821 deste Mostrum Horribilem, os sodomitas, agora


rotulados de pederastas, efeminados, uranistas ou androfilistas, e popularmente
conhecidos desde os primórdios do século XX como frescos e veados, passam a
ser estudados e tratados pela Medicina – e para gáudio dos historiadores, alguns
esculápios da Faculdade de Medicina da Bahia dedicaram suas teses a esta
buliçosa população. Para Salvador dispomos de curiosa tese defendida em 1898 na
Faculdade de Medicina, O Androfilismo18, de autoria do alagoano Domingos Firmino
Pinheiro, onde descreve o perfil biográfico de 29 "androfilistas", incluindo homens do
povo, negros e mestiços, assim como brancos das altas esferas baianas:

17
Mott, Luiz. "Pagode português: a subcultura gay em Portugal nos tempos
inquisitoriais", Ciência e Cultura, vol.40, fevereiro 1980:120-139
18
Androfilista: neologismo cunhado nos meados do século XIX, reunindo dois étimos
gregos, "andros", homem e "filos", amante. Pinheiro, Domingos Firmino. O
Androfilismo. Tese de Medicina, Faculdade de Medicina da Bahia, 1898.
sacerdotes, militares, literatos, juristas, etc Diferentes tipos de homossexuais
existiam na sociedade baiana nesta centúria, distinguindo-se de um lado os
"androfilistas" que se relacionavam sexualmente com homens adultos, do outro, os
pederastas ou "praticantes da pedandrorastia, isto é, o amor mórbido pertencente
ao domínio da neuropsicologia sexual, bárbara e exótica perversão da lascívia do
homem pela criança, quer de um quer de outro sexo". 19 Parece ter crescido,
naquela época, o número dos homossexuais efeminados, documentando-se alguns
que se travestiam, seja em casa, seja em espaços públicos.
Na segunda metade do século XIX, quando era de se esperar maior tolerância
por parte dos doutores, predomina no discurso científico exacerbada e pudibunda
indignação – passando os médicos, a partir de então, a desempenhar o papel de
"cães de guarda da moral dominante".20 Não há como não se chocar com a
homofobia dos textos médicos da Bahia novecentista, com suas interpretações
pseudo-científicas da gênese e cura da pederastia. Assim o citado Dr. Pinheiro
descrevia um de seus "pacientes": "J.R., político, escritor, 40 anos, branco, casado,
de forte compleição física, temperamento sangüíneo nervoso, filho de pais irritáveis
e neurastênicos, é fervoroso sacerdote do amor androfílico, rendendo preces sob a
forma de agente. Personalidade eminente no mundo político e literário do país, este
doente, que especado à excitação enfermiça de seu instinto sexual, entre quantos
androfilistas citamos, distingue-se pela característica mórbida consistente em
repudiar todo aquele que cedeu aos seus caprichos de volúpia, prosseguindo
entretanto, na senda da libido sexualis aberrado; libido cevada em indivíduos sem
distinção de classe, aliciados pelo primeiro e único amor obcecado. Immissio penem
anum do indivíduo que já foi vítima de suas paixões aberradas, segunda vez não
encena-se neste indivíduo; muito pelo contrário, o desprezo e a repugnância vêem
ocupar o lugar do desejo saciado, a ponto de o indivíduo não querer nem que se
pronuncie o nome da vítima do seu amor mórbido." 21
O linguajar dos jornalistas da época reflete a mesma reprovação moral dos
esculápios, cobrando muitas vezes da polícia a repressão aos machos-fêmeas que

19
Pinheiro, O Anfrofilista, op.cit., p.32
20
Hooker, Evelyn. "Male Homosexuals and Their Worlds", in Judd Marmor (Ed),
Sexual Inversion: The multiple Roots of Homosexuality. New York, Basic Books,
1965, p.83-107
21
Pinheiro, O Androfilista, op.cit., p. 75
pululavam pela velha São Salvador. Eis uma destas matérias jornalística: "No
domingo, no Largo dos Aflitos, apareceu um homem vestido de mulher. Um gaiato,
vendo aquela mulher e supondo ser alguma menina feliz, foi baculeá-la [sic] e
encontrou-se com o rigoroso insano. Descobriu porem o engano em que estava e viu
que a suposta mulher era um ex-voluntário do 54. Reuniram-se diversos rapazes e
puseram a roupa do efeminado em tiras, sendo a saia levada feito bandeira por um
dos sujeitos, que o esbordoaram. Eis que por fim apresentou-se a polícia, e por sua
vez espancou também o povo. Que terra, meu Deus!"22 Coincidentemente, este
mesmo local, o Largo dos Aflitos, é ainda hoje uma das áreas mais frequentada por
travestis na noite baiana.
Para os inícios do Século XX as informações sobre a cultura homossexual na
Bahia são bastante escassas, destacando-se contudo o livro A Inversão dos Sexos,
do médico-legista Estácio de Lima, onde cita e fotografa alguns "pederastas" de
classes baixas que peranbulavam pelas ruas de Salvador.
Em novembro de 1933, segundo este autor, matutinos e vespertinos
apareceram nesta cidade cheios da notícia ruidosa de um lupanar na Feira do Sete,
defronte a Água de Meninos, a velha feira popular. "Era uma barraca tosca, mal
concertada e imunda, perdida no turbilhão das outras, e onde moirejavam três
profissionais do crime. Seus nomes de guerra: Frajola, Patrício e Budião. Tinham os
três comparsas, realmente, consigo, um punhado de menores abandonados. Dez ao
todo, que foram ter ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, mandados pela 2 a
Delegacia de Polícia. Rotos, maltrapilhos, deixando prever, no lúgubre conjunto que
oferecem, o destino de ignomínias que os aguarda. Nenhum teve negativa a perícia
médico-legal de pederastia. E possuíam todos uma história pregressa dolorosa e
trágica, impossível de ser esquecida..." 23 Eis como descreve um destes lumpem-
pederasta:
"Antônio, preto, 15 anos, parecendo 11 a 12. Pai vivo, cachaceiro, mãe morta,
não sabe de que. Nasceu na cidade de Nazaré. Vestígios de turbulência (cicatrizes
de pedradas e cacetadas na cabeça). Dentes mal implantados. Veio para esta
capital com uma senhora. O pai o mandou ganhar a vida. Fuma toda a ponta de

22
O Alabama, 4-11-1870, apud Teles dos Santos, Jocélio, "Incorrigíveis, afeminados,
desenfreiados: Indumentária e Travestismo na Bahia do século XIX". Revista de
Antropologia, USP, volume 40, n.2, 1997, p.145-182. p. 163
23
Lima, Estácio. A Inversão dos Sexos. Rio de Janeiro, Guanabara, s/d.
cigarro ou de charuto que acha na rua, diz que não bebe. Nádegas devolvidas, pênis
volumoso, fimosado. Testículos pequenos, atrofiados, não proporcionais a sua
compleição. Anus infundibiliforme. Pregas desaparecidas. Cicatriz de cancro
venéreo do lado esquerdo e pequena ulceração, ainda supurando, do lado oposto.
Esfíncter muito franqueável ao toque, Amante de Frajola."24
Como esse adolescente, uma dezena de outros foram detidos nesta ocasião,
revelando quase todos diversas doenças sexualmente transmissíveis.
Se este era o triste quadro sanitário destes "meninos de rua", quão grave não
deveria ser, senão ainda mais dramática, a infecção venérea das "meninas de rua",
numa época muito anterior ao Estatuto da Criança e Adolescente, onde os direitos
humanos dos menores, sobretudo das classes populares, era tabula rasa, e que a
crendice popular indicava como o melhor remédio contra a sífilis tirar a virgindade
de uma "negrinha"?! 25
Em 1933, por ocasião do Congresso de Sexologia da Bahia, o Dr. Estácio de
Lima recebeu curiosa carta, com o pseudônimo Gustavo de Oliveira Torres,
bacharel em comércio, onde podemos notar que malgrado a homofobia dominante
na época, havia uma pequenina elite homossexual afinada com o movimento
internacional de afirmação homossexual. Eis o desabafo do missivista:
"Eminente Professor: O autor destas linhas figura no quadro dos invertidos ou
homo-sexuaes (sic) ou Urning,26 como se diz na terra de Hitler. É a primeira vez na
Bahia que se estuda o assunto, que há séculos desafia a argúcia de neuriatras,
psiquiatras ou mesmo simples psicólogos amadores.
Convém todavia não esquecer que nem todos os homossexuais praticam
immissio penis in anum. A muitos repugna tal prática por imunda e aviltante. Estes
amam o macho com dignidade. É o que descreve Carpenter no seu famoso The
Intermediate Sex. Ademais, a crítica usual aos homossexuais é improcedente sobre
ser absurda. Onde os normais? Se-lo-ão os chamados ativos? O livro de

24
Lima, Estácio, A Inversão dos Sexos, op.cit. p. 155
25
Mott, Luiz. "Pedofilia e Pederastia no Brasil Antigo", in Mary Del Priore, História
da Criança no Brasil, São Paulo. Ed. Contexto, 1991, p. 44-60
26
Urning ou uranista, termo proposto por L.H.Ulrichs em 1864, para designar os
indivíduos que julgava ter corpo de homem e alma de mulher. Cf. Dynes, W.
Homolexis. New York, Gay Saber Monograph n..4, l985
Raffalovich27 continua sendo no nosso breviário. Ali está um código da moral que
nós devemos seguir. Nem todo homossexual vive pelas ruas, à noite, a procura de
aventuras. Há-os de outra casta. E dignos de respeito em sua desgraça. E
intelectualmente superiores a tantíssimos pseudo-normais. O anima mulieris in
corpore virili inclusa28 é falso. Ninguém mais o admite. E ninguém ignora que o
instinto sexual é normalmente e sempre bissexual e não diferenciado (Moll). 29
Misericórdia para os que Gide chama os Tântalos do Amor! Para os que lhe ouvem,
Mestre, porque serão muitos a lhe ouvir! O número deles aumenta
assombrosamente. E na Bahia, tem-nos em barda, alguns dos quais são pessoas
em prol nas ciências, nas letras e nas artes. Mais uma vez: piedade para eles,
piedade para mim!"30
Como seria o "gueto gay" em Salvador neste período de entre-guerras?
Segundo depoimento de alguns gays mais idosos, que iniciaram sua vivência
homoerótica exatamente nos anos 30-40, "em Salvador tudo se passava debaixo
dos panos", como escrevia o poeta popular, Cuíca de Santo Amaro, autor de uma
dezena de livrinhos de cordel onde a homossexualidade é o assunto principal. 31
Como ocorria no resto do país, a sociedade baiana, generalizadamente, repudiava
os homossexuais mais notórios, sobretudo os de baixa condição sócio-econômica.
Prova disto é que quando os transeuntes viam um afeminado passar na rua, logo
emitiam sons vocais como se tivessem dando tiros nos "'veados": tibum! tibum!
Esses tiros teatralizavam um antigo ditado popular ainda repetido hodiernamente:
"Veado tem mais é que morrer!"
A homofobia machista transformava todo cidadão em caçador potencial, e o
"tibum" causava grande desconforto e humilhação para o pederasta discriminado.
Quando fingia ignorar os tiros, ou fazer-se de desentendido, os homófobos mais
intolerantes gritavam para todo público ouvir: "é aquele vestido com camisa verde!!!"

27
Raffalovich, Marc. Uranisme et unisexualité: étude sur differentes manifestations
de l'instinct sexuel. Lyon, Storck, 1896.
28
Referência à teoria de Ulrichs, cf. nota 26.
29
Refere-se a um dos pioneiros dos estudos sobre a homossexualidade, Albert Moll,
(1862-1939) autor de Perversions of the Sexual Instict , Berlin, Fischer, 1891
30
Lima, Estácio, A Inversão dos Sexos, op.cit. , p.162
31
Mott, Luiz. "Cuíca de Santo Amaro: O Chicote dos Homossexuais da Bahia: Um
estudo de literatura de cordel". mimeo, 1986
Segundo o Prof. Estácio de Lima, assim como outros sexólogos de antanho, a cor
predileta dos invertidos era o verde...
Um outro elemento identificador dos "pederastas passivos" negros, era trazer o
cabelo alisado a ferro quente: a informação é da antropóloga Ruth Landes, que
viveu na Bahia na década de 40. 32 Daí então a necessidade destes gays
precursores de esconderem-se, viverem em espaços mais ou menos secretos e
exclusivos, pois a intolerância ao seu estilo de vida tinha foros de legalidade: a
Delegacia de Jogos e Costumes freqüentemente dava batidas em apartamentos,
casas de cômodos e castelos onde se realizavam reuniões mais ruidosas de
invertidos, espancando, detendo e fichando os "culpados". Um famoso agente
policial, Prof. Clóvis, quando encontrava algum gay ou travesti de unhas pintadas,
detinha-os, obrigando a raspar o esmalte com uma tampinha de refrigerante.
Bares e boites gays existem em Salvador provavelmente quando menos desde
o início dos anos 50, quase todos situados no centro histórico de Salvador, lado a
lado com os cabarés e "castelos" de prostitutas. Via de regra, alguns destes bares
disfarçavam sua função precípua de locais de encontro de veados, com o artifício de
registrar-se e anunciarem no frontal do estabelecimento comercial, como "galerias
de arte". Destas, a pioneira e mais famosa, no Pelourinho, foi a Galeria 13, de
Deraldo Mota, reduto de gays de classe média e baixa. Na rua do Cabeça, a boite
Anjo Azul era frequentada por clientela mais endinheirada e turistas, que bebiam e
paqueravam discretamente sob os encantos do famoso mural de Carlos Bastos,
lastimavelmente destruído. Este pintor, sempre discreto a respeito de sua vida
homófila, causou grande escândalo na sociedade provinciana daquela época, ao
incluir numa exposição diversos quadros com nus masculinos.
Eis uma lista incompleta de bares e boites gays existentes em Salvador na
metade do século XX: Cantinho do Céu e Metrô (S. Francisco), Porão (Areal de
Cima), Tropical (Baixa do Sapateiro), Bar do Beto (Pelourinho), Abaixadinho (Av.
Sete). Um pouco mais recentes, existiram ainda: Papo de Bruxa (S. Bento), Varandá
(Pau da Bandeira), Maculelê (S. Bento), Caverna (Paraíso), Galeria 13 (Gravatá). Na

32
Landes, Ruth. "Matriarcado cultural e homossexualidade masculina", in A Cidade
das Mulheres, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, p. 293. À página 295 ela
diz: "trazer o cabelo espichado, proibido pelos padrões nagôs, é o símbolo dos
homossexuais passivos".
orla havia O Existencialista (Boca do Rio), Madame Beta (Jardim de Alá), Cabana
de Pituaçu. As lésbicas reuniam-se sobretudo na Tropicália (Djalma Dutra).
Nalguns destes bares o clima era mais liberal e descontraído, havendo pista de
dança e iluminação propícia para "pegação". Quando a polícia baixava, acendiam-se
as luzes, os pares afastavam-se, o salão de baile ficava vazio. Noutros locais, nos
fins de semana, havia "sketches" e shows humorísticos e de travestismo .
Homossexual vestir-se de mulher só no Carnaval e excepcionalmente nos
citados shows de fim de semana. Só as mais audaciosas ousavam sair "motadas" –
entre elas, a pioneira, Florípes, uma espécie de drag-queen avant la lettre,
assassinada a murros na década de 80.
Os encontros amorosos dos pederastas realizavam-se em certos castelos
exclusivamente gays ou mistos: um dos mais antigos foi o Castelo do Campos,
atrás da igreja da Ordem Terceira de São Francisco - em atividade até a década de
80. Tive oportunidade de visitar esta pensão e seus pequenos cubículos com cama
de casal com lençol infecto. Ao bater na porta, sempre fechada, o casal gay era
recebido pelo dono da casa, um velhinho negro, com um sorriso cúmplice e a
exclamação acolhedora "fiquem a vontade meus pombinhos". Nos quartos de cima,
sem água corrente, os usuários recebiam um penico e um macinho de papel
higiênico; os que queriam pagar uns cruzeiros a mais podiam ter acesso à "suite" do
porão, com o conforto de uma janela e uma ducha fria.
Segundo recordação de diversos gays mais velhos por nós entrevistados, além
do Castelo de Campos, o mais antigo e famoso era a "Casa da Francesa", de fronte
da Igreja da Barroquinha, bem mais sofisticada: no "bar", sito no primeiro andar do
sobrado, os gays mais endinheirados podiam dispor de todo tipo de bebida
importada, as mesmas que eram servidas no Hotel da Bahia ou no Hotel Pálace, os
mais elegantes da cidade. Também alcovitavam encontros de homossexuais a
famosa casa de Catão, vulgo "Caboclo Raio de Sol". Alguns hotéis e pensões
igualmente alugavam quartos para os "24": Sony, Glória, S. Francisco, Pousada
Oxalá. Os mais pobres faziam amor na " pensão das estrelas", isto é, ao ar livre,
pelos terrenos baldios, matos, nas vias férreas no subúrbio e em casas ruínas
abandonadas.
No famoso Bar Tabaris, ao lado do cine Guarani, sobretudo no Carnaval, os
"pederastas" dominavam o ambiente, realizando ruidosos shows onde a orquestra
de Sandoval era aparteada por desconcertantes "tibuns" dirigido aos gays mais
espalhafatosos. Talvez os "frescos" daquele tempo não imaginariam que a Praça
Castro Alves, bem ali de fronte, viesse a tornar-se, nas décadas de 70-90, a meca
do carnaval gay do Brasil, com a famosa lavagem da escadaria das bonecas, na 2ª
feira de carnaval. Durante o ano, a freqüência do Tabaris era mista, e os pederastas
enviavam através dos garçons alcoviteiros, bilhetinhos para seus bem-amados,
"tudo debaixo do pano".
Quanto aos locais de pegação e pontos de encontro dos "invertidos",
destacavam-se: em frente à antiga Biblioteca Pública, Belvedere da Sé, Campo
Grande. De fronte do Elevador Lacerda havia a estátua de "Flora", sobre um grande
pedestal e logo os gays apelidaram-na de "a mãe do prefeito Hélio Machado",
segundo depoimento dos mais velhos, infamado ele próprio de também pertencer à
"confraria". Ao pé desta estátua, na mureta que a circundava, os "frescos" se
reuniam para conversar e paquerar os transeuntes, aliás, tradição mantida até hoje,
certamente aproveitando do grande fluxo de homens e rapazes usuários do
Elevador, parceiros em potencial para seus amores homoeróticos.
Tomando como fonte de informação os livretos de cordel do mais célebre
poeta popular baiano, Cuíca de Santo Amaro, perguntaríamos: quem eram os
"veados" que frequentavam tais espaços no centro de Salvador? Segundo este
Trovador-Repórter "no meio granfino pederasta é mato, médico, cientistas, os quais
dão o seu barato." Embora denunciando a maior frequência de "uranistas" no seio
da elite, o próprio Cuíca reconhece que o amor proibido perpassava todas as
camadas sociais:
"Aqui dentro da Bahia,
branco, preto ou mulato,
como é comum, também gostam de veado,
que além de saboroso, também é muito barato."

Nos seus folhetos aparecem denunciados como praticantes do que na época


era chamado de "anomalia" além do gerente de um hotel, um grande açougueiro,
um condutor de bonde, um motorista, um barbeiro, um pianista, um funcionário da
Petrobrás, diversos cantores, etc.
Homossexuais sempre abundaram nos estratos mais populares da nossa
Bahia: isto desde os tempos da Inquisição, onde são dezenas os escravos, índios,
trabalhadores do eito, oficiais mecânicos acusados de sodomitas. Estácio de Lima
no já citado A Inversão dos Sexos, retrato da Bahia gay nas décadas de 30-40, cita
e reproduz fotografias de vários desviados populares: Greta Garbo, Costeleta,
Theófilo, Chico, (vestido de baiana), Frajola, Patrício, Budião, além daquele bando
de rapazotes de rua, uma espécie de "república de invertidos". Na Penitenciária
Pedra Preta, seguindo o mesmo médico legista, o famigerado Pinta Manta,
assassino contumaz, era incorrigível em fazer "caridade", eufemismo utilizado pelo
populacho como sinônimo de pederastia passiva.
Na memória oral dos gays mais antigos, dentre os homossexuais mais
famosos de Salvador há 30-40 anos passados eram, além da já citada Florípes, os
cabeleireiros Maia e Borges, que atendiam suas ricas clientes no Hotel da Bahia;
Joaquim, dono do restaurante O Tempo, no Pelourinho; Evandro Castro Lima e
Bonequinha de Cristal, carnavalescos campeões de fantasia no Teatro Municipal do
Rio de Janeiro; Coelinho, o fotógrafo oficial das bonecas soteropolitanas; Sílvio
Lamegna, jornalista e antiquário; Antônio Pedreira, Diretor do Museu de Arte da
Bahia e proprietário do citado bar Anjo Azul, Mário Gusmão, o "Anjo Negro", ator de
teatro e cinema, etc, etc.
Nos Candomblés, entretanto, era onde a pederastia possuía mais adeptos:
desde o primeiro século de nossa história que documenta-se a presença de
sodomitas nos rituais de quimbanda, e a citada antropóloga Ruth Landes no seu
livro A Cidade das Mulheres (1947) enumera diversos pais de santo adeptos do
"comportamento sexual anormal": Manuel Bernardino da Paixão do Bate Folha;
Procópio Xavier de Sousa de Ogunjá e Ciríaco, três dos mais famosos babalorixás
da Bahia daquela quadra. Em seu artigo "A Cult Matriarchate and Male
Homosexuality", diz ela: "Muitos dos egressos do grupo proscrito dos homossexuais
passivos que se tornaram sacerdotes, romperam com o grupo original. Todos
perseveraram em face da rigorosa hostilidade e assumiram o papel de mãe e
exploraram os cargos sacerdotais em seu próprio benefício." 33 Irreverente, o citado
poeta cordelista Cuíca denunciava a interação inter-classe dos invertidos, também
uma característica marcante das relações homossexuais em todo o mundo:

"Por parte de exu,


muitos granfinos se trancam com seu mandu

33
Landes, Ruth. A Cidade das Mulheres, op.cit., p. 296
e muitos viram peru.."

Algumas matérias pinçadas na imprensa local da Bahia, agora nos anos 70,
refletem o grau de repressão e alguns aspectos da subcultura dos homossexuais,
notadamente das travestis, na capital do Estado. Esta década se inicia com uma
repressiva determinação anti-homossexual decretada pela Polícia Federal: "estão
proibidos em todo o território nacional os shows de travestis, em teatros, cinemas ,
rádios e televisão. Somente em boites e casas noturnas serão tolerados." O
comentário da agência oficial é de um cinismo hilariante: "Esta medida, segundo a
censura, tem caráter preventivo e não repressivo."34
No nível ideológico, "cientistas" contribuíam para fundamentar teoricamente a
patologização do amor unissexual: Em palestra no Hospital das Clínicas de
Salvador, o psiquiatra argentino Eduardo Klina culpou a sociedade de consumo pelo
aumento do uso de entorpecentes, bem com a moda, pelo grande número de
homossexuais que existem hoje em dia: “na adolescência quando o homem e a
mulher estão para definir o sexo - modas como a unissex incentivam o
homossexualismo”. 35
Quatro meses após a proibição nacional dos travestis aparecerem em shows e
na mídia, em Salvador alguns estabelecimentos homossexuais são invadidos pela
polícia. Eis a manchete divulgada pela Tribuna da Bahia: "Polícia fecha boites. Por
determinação do delegado de jogos e costumes, a polícia fechou sábado à noite a
boite “O Kaso”, na Ladeira do Funil, por queixa de um morador do n. 54, alegando a
mesma ser freqüentada por homossexuais e prostitutas e ter a radiola a todo
volume. "36
Passam-se mais dois meses e a repressão policial se torna ainda mais
agressiva. Com a manchete "Presos por atentarem contra o pudor", diz a notícia:
"Foram recolhidos ao xadrez, os homossexuais Fernando “Rosalina”, Roberto
Pereira Gonçalves “Simone”, Carlos Antônio da Silva “Valdirene”, José Antônio de
Oliveira e ainda Bráulio Moreira - por prática de atos indecorosos em via pública.

34
A Tarde 8.01.71 – "Censura não dá vez aos travestis". Agradeço ao artista plástico e
restaurador Huides Cunha por tais indicações jornalística relativas à homossexualidade
na Bahia na década de 70.
35
Tribuna da Bahia - 10.03.72 - “Homossexuais são produtos da moda”
36
Tribuna da Bahia - 03.05.71 – "Polícia fecha boites"
Após apresentados na Delegacia de Jogos e Costumes, foram presos pelo
comissário Coutinho."37
A violência anti-homossexual é rotineira durante a época da ditadura militar:
"Travesti surrado porque desfilava de saia. O travesti, Gildásio Pereira, 23 anos, a
“Maria Aparecida”, foi desfilar na Barra com as orelhas furadas, unhas pintadas,
saia e balangandãs, escapulindo de morrer quando uma turma o agarrou, amarrou e
o jogou dentro d'água. Foi salvo pelo salva-vidas do corpo de bombeiros José Carlos
Alves. Gildásio foi conduzido ao Pronto-Socorro, medicado e quando quis repetir seu
“show” dentro do hospital, foi transferido para a Colônia de Doentes Mentais Juliano
Moreira." 38
Nos inícios de 1972, outro "falso ao corpo" é detido: "Pela prática do trotoir foi
preso no Terminal da Barroquinha o homossexual Paulo Diniz, vulgo Valdete.
Apresentado ao Delegado da Jogos e Costumes, foi em seguida recolhido ao
xadrez."39
Nas delegacias, gays e travestis eram obrigados a realizar trabalhos braçais:
"Travestis vão enfrentar os rigores da Pedra Preta: quatro homossexuais, “Neuza”
ou Roque José dos Santos, Roberto Pereira Gonçalves, a “Simone’, Pedro Teles ,
a “Berlinda” e Antônio Carlos Silva, a “Rosita” vão ser removidos para a colônia
penal Lafayete Pondé, a Pedra Preta, por prática do suadouro. Velhos conhecidos
da polícia, o tempo de detenção dos rapazes era ocupado em fazer a faxina na
cadeia da Delegacia de Jogos e Costumes.40
Finalizo com uma matéria que no jornal original vem ilustrada com uma
charge do cartunista Lage, onde se vê um policial esganando um travesti: "O
travesti Maysa gosta de platéia, mas sem vaia. Quando mostrava a todos no Terreiro
de Jesus, os seus dotes femininos, o travesti “Maysa”, Fernando Rosalino de Lima,
residente à rua Gregório de Matos, 21, começou à ser vaiado pelos transeuntes que

37
A Tarde - 22.07.71 – "Presos por atentarem contra o pudor"
38
A Tarde - 14.12.72 - "Travesti surrado porque desfilava de saia"
39
A Tarde - 04.02.72 – "Travesti preso"
40
Tribuna da Bahia - 24.5.1972 . Sobre a utilização de trabalho forçado de
homossexuais nas delegacias, cf. Mott, Luiz. Homofobia: Violação dos Direitos
Humanos e Assassinato de Homossexuais n Brasil. San Francisco, International Gay &
Lesbian Human Rights Comission, 1997
não gostam de homossexuais. Ela revidou com agressões de palavras a platéia. Um
policial a deteve e a levou à Delegacia de Jogos e Costumes onde ficou detida.41
Foi somente em 1980 que os homossexuais da Bahia se mobilizaram para a
defesa de seus direitos de cidadania e enfrentar a homofobia tão persistente, seja
diluída na ideologia machista da sociedade global, seja presente na política oficial
dos donos do poder, que proibiam a liberdade de expressão, que invadiam os
espaços de socialização e espancavam e prendiam os membros mais visíveis
desta minoria social.
Aos 28 de fevereiro de 1980 um grupo de 17 homossexuais, entre professores,
universitários, jornalistas e artistas, fundam o Grupo Gay da Bahia, a primeira
entidade de defesa dos homossexuais do Nordeste. No primeiro documento de
apresentação do novo grupo, intitulado "A todos os homossexuais da Bahia", logo no
cabeçalho aparecem as principais categorias de homossexuais existentes em
Salvador que o recém fundado grupo pretendia mobilizar: "bichas, sapatões, viados,
lésbicas, entendidos, bonecas, fanchonas, pederastas, giletes, enrustidos, travestis,
entendidas, etc, etc".
Três são os objetivos deste novo grupo de militância gay: discutir e aprofundar
o conhecimento da questão homossexual; lutar pela cidadania plena dos gays,
lésbicas, travestis e transexuais, denunciando publicamente todas as manifestações
de preconceito e discriminação, impedindo, sempre na estrita observância da lei,
que homens e mulheres sejam discriminados por causa de sua orientação sexual ou
estilo de vida, desde que tais expressões respeitem a liberdade alheia; atingir o
maior número possível de homossexuais, conscientizando-os da necessidade de se
organizarem e defenderem seus direitos de pessoas humanas normais, com os
mesmo direitos legais que os demais cidadãos. Alguns anos depois, incluiu-se um
quarto objetivo: empenhar-se na prevenção das Doenças Sexualmente
Transmissíveis e Aids junto à comunidade homossexual em particular e à população
em geral.
Ao completar em fevereiro último 20 anos de existência, o Grupo Gay da Bahia
consolida-se como a ONG homossexual mais dinâmica do país, tendo participado
diretamente da fundação de uma dezena de outras ONGs, entre elas o Grupo
Lésbico da Bahia, a Associação de Travestis de Salvador, o Centro Baiano Anti-

41
Tribuna da Bahia - 31.03.73 – " Maysa gosta de platéia, mas sem vaia"
Aids, o Grupo Vida Feliz de Portadores de HIV/Aids, a Associação de Profissionais
do Sexo da Bahia, o Grupo Quimbanda-Dudu de Gays Negros do Brasil, o Fórum
Baiano de Ongs/Aids, além dos grupos gays de Sergipe, Alagoas, Feira de
Santana, etc.
A atuação corajosa e persistente do GGB provocou de um lado a exacerbação
da homofobia sobretudo no principal jornal regional, A Tarde, que passou a atacar
violentamente os homossexuais – a ponto de publicar duas vezes estas palavras de
ordem: "Mantenha Salvador limpa, mate uma bicha todo dia!". Por outro lado, passo
a passo, a cidade e o estado da Bahia passaram a reconhecer, oficialmente, os
direitos humanos dos homossexuais: primeiro foi o registro inédito do GGB como
entidade civil de defesa dos direitos dos homossexuais; depois a declaração da
entidade como utilidade pública municipal e a realização de diversas sessões
solenes, na Câmara Municipal, seja celebrando o Dia do Orgulho Gay (28/6), seja
denunciando a violência e assassinato de homossexuais. Em 1990, graças a nossa
pressão, Salvador e mais 72 municípios brasileiros incluíram em suas Leis
Orgânicas a expressa proibição de discriminação por orientação sexual. Em 1994 o
Centro Baiano Anti-Aids foi declarado de utilidade pública municipal, em
reconhecimento por sua atuação pioneira – desde 1982 – na prevenção da Aids. Em
março de 2000 novamente a Câmara Municipal celebrou o 20 o aniversário do GGB,
sessão solene aprovada por unanimidade pelos Vereadores.
Não há como negar que a presença em Salvador do mais atuante grupo gay da
América Latina teve papel crucial na evolução da história homossexual nesta capital
e Estado, na medida em que nestas duas últimas décadas, essa entidade promoveu
centenas de atividades e manifestações públicas, de caráter científico, cultural e
político, em pró dos direitos humanos e cidadania das minorias sexuais,
estimulando e capacitando lideranças lésbicas, de travestis, de prostitutas e de
soropositivos a se organizarem em sociedades civis que hoje, autonomamente,
lutam por seus direitos de cidadania, participando ativamente na prevenção das
DST/Aids junto a seus pares.
Não obstante a presença marcante do GGB, nem por isto erradicou-se
localmente a homofobia: lastimavelmente, o assassinato de gays, lésbicas e
travestis continua sendo uma epidemia no país, inclusive na Bahia. Entre 1980-1999
contabilizamos 1830 homicídios no Brasil, dos quais 245 na Bahia; a perseguição e
prisão arbitrária de travestis profissionais do sexo continua infrene, sendo que devido
à instauração por parte da Secretaria de Segurança Pública de nova política de
"tolerância zero", 1999 foi o ano de maior repressão aos travestis, sendo realizadas
352 detenções , muitas vezes com violência, extorsão e tortura. 42
Desde 1997, contudo, Salvador conta com nova e importante arma para lutar
contra a homofobia: graças à pressão do vice-presidente do GGB, Marcelo
Cerqueira, foi aprovada a Lei n.5275/97 que pune a discriminação por orientação
sexual com multas pecuniárias. Embora a experiência demonstre que mentalidades
não se mudam por decreto, compete aos próprios homossexuais e aos
simpatizantes pressionar o poder público para que faça cumprir as leis que garantam
a cidadania dos homossexuais.
É portanto na velha São Salvador, com esta história homossexual tão multi-
colorida e fortemente marcada pela repressão, que desenvolvemos nossa pesquisa
sobre as diferentes categorias e espaços homossexuais contemporâneos.

42
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no
Brasil, op.cit.
3. Tipologia dos Homossexuais da Bahia

Desde os tempos bíblicos, várias têm sido as tentativas de classificar os


amantes do mesmo sexo. Classificações geralmente baseadas em critérios morais
ou quando muito, pseudocientíficos, oriundos de discutíveis escolas de medicina,
psiquiatria, sexologia forense, etc. Como diz Foucault, classificou-se para controlar,
extirpar, erradicar as "anomalias" sexuais.43 A título de ilustração, e para que fique
evidente as limitações, preconceitos e imprecisões de tais propostas, citaremos
algumas das mais famosas tipologias dos homossexuais – certas delas ainda
correntes nos manuais usados pelos nossos estudantes de medicina e direito .

No seu livro sobre os tipos sexuais, G. Laupt (1910) classificava os "invertidos"


homossexuais natos com estigmas cerebrais; homossexuais de ocasião; homosse-
xuais natos degenerados profundos. 44.

O Prof. Gregório Marañon, antigo Catedrático de Clínica Médica na


Universidade de Madri, um dos principais estudiosos da sexualidade e dos "estados
intersexuais" no período de entre-guerras, com forte influência nos estudos
criminalísticos no Brasil, dividia esta população também em quatro tipos: homosse-
xuais completos, permanentes e declarados (subdividindo-se em "cínico" e
"vergonhoso") ;homossexuais Iatentes; homossexuais prostituídos; homossexuais
flatos ou falsos homossexuais. 45

Por sua vez, o "British Group of Sexological Research" propunha, na década de


70, que os homossexuais fossem divididos em três grupos distintos: efeminados
com insuficiência de hormônios masculinos; viris; adolescentes retardados. 46

Poderia citar muitas outras tentativas de classificação dos homossexuais: os


quatro tipos de von Kfrafft-Ebing (1923), os sete de G. Frank Lysston (1936), os três

43
Foucault, Charles. História da Sexualidade. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1980
44
Laupt, G. L'Homosexulaité et les types homosexuels. Paris, Vigot Frères, 1910, p.24-
27
45
Marañon, Gregório. A Evolução da Sexualidade e os Estados Intersexuais. Rio de
Janeiro, Oscar Mano e Cia, 1938.
46
Chardans, J.L. History and Anthropology of Homosexuality. Paris, Centre d'Études
et de Documentation Pedagogiques, 1970, p.47
de A. Forel (1911); os três tipos de S. Freud, os dois tipos de Ferenzi (1924), e mui-
tos mais. A maioria dessas classificações considerava o homossexual como um
doente necessitado de cura: "tudo fazer para que o instinto siga seu caminho normal
e impedi-lo de seguir vias tortuosas...", dizia nosso jurista Hélio Gomes na década
de 40.47

Mais recentemente, outros estudiosos, agora mais inspirados nas ciências


sociais, propõem classificações não menos discutíveis. O sociólogo Andréa
Espinheira, citado no livro Comportamento Sexual do Brasileiro, subdivide os
homossexuais apenas em dois tipos: "o homossexual e a bicha" 48, enquanto que os
sociólogos Leznoff & Westley (1965) propõe para os EE.UU, também dois tipos: os
homossexuais secretos e os assumidos. Entre nós, Jayme Jorge ampliava sua
definição ao classificar os homens em dois grandes grupos: "os normais
(subdivididos em puros e impuros) e os homossexuais (subdivididos em completos
e incompletos)." 49 O antropólogo Peter Fry adota a classificação dual: de um lado
as bichas, do outro, os bofes, 50 enquanto Richard Parker cita em seu recente livro
Beneath the Equador (1999) os seguintes tipos: entendido, gay, bicha, transformista,
drag, boy, militantes do movimento gay, bofe. 51

Nossa tipologia dos homossexuais baianos difere das supracitadas -


notadamente das mais antigas, em quatro aspectos: 1] seguindo a tradição
antropológica, baseia-se na classificação percebida e utilizada pelos próprios
atores; 2] não tem nenhuma pretensão pseudo-médica ou psiquiátrica; 3] tem como
inspiração basicamente o estilo de vida sócio-sexual dos atores em questão; 4] não
têm escopo normativo ou curativo.

47
Gomes, Hélio. Medicina Legal, apud Jayme Jorge, Homossexualismo Masculino,
Rio de Janeiro, Edição do Autor, 1953, p. 64
48
Lima, Délcio M. Comportamento Sexual do Brasileiro, Rio de Janeiro, Edição
Francisco Alves, 1978, p. 137
49
Jorge Jayme, Homossexualismo Masculino, op.cit.
50
Fry, Peter. "Da hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade
no Brasil", in Para Inglês Ver, Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p.87-115
51
Parker, Richard. Beneath the Equator. Cultures of desire, Male homosexuality and
emerging gay communities in Brazil. New York, Routledge, 1999, p.48.
Assim sendo, pesquisando os diferentes estilos de vida dos homossexuais na
Bahia, percebemos inicialmente a existência de três grandes grupos: 1] gays ou
bichas; 2] travestis e 3] homens com práticas homossexuais ou bofes.

Já essa primeira divisão apresenta alguns problemas. Anteriormente à década


de 80, os termos mais usuais em Salvador e no resto do país para referir-se ao
homossexual era veado ("viado"), fresco e bicha. A partir da fundação do
movimento homossexual brasileiro, 1978, o termo gay ganha popularidade, sendo
usado tanto pelos próprios homossexuais, como pelos "de fora" para descrever
genericamente a população homossexual em geral. Usa-se, por exemplo, a
expressão Concurso de Miss Gay referindo-se ao certame de travestis, do mesmo
modo que se emprega a expressão Grupo Gay para identificar a reunião de
homossexuais não-travestisdos. As pessoas menos ambientadas com o universo
homossexual usam a expressão bicha tanto para os gays quanto para travestis,
alguns preferindo "o" bicha do que o mais usual, "a" bicha. É igualmente comum
ouvir uma travesti chamar a outra travesti de "bicha", mais raramente de gay. Há
ainda lésbicas que se auto-intitulam "gay", embora a partir dos meados dos anos 90
a sigla GLS (gay, lésbica e simpatizante) tenha se generalizado dentro e fora do
"gueto".

Interessante pesquisa coordenada por Richard Parker52 mostra como no Rio


de Janeiro, numa amostra de 503 homens, vem evoluindo a questão da
nomenclatura da identidade sexual, cujos resultados agrupamos num pequena
tabela para facilitar sua compreensão:

Auto-denominação de homens com práticas homossexuais

Categoria/Ano 1990 1993 1995

Bissexual 12,1% 10,0% 8,7%

Homossexual 50,1% 48,3% 56,7%

Gay 4,8% 9,7% 16,7%

52
Parrker, Richard & Terto Jr, Veriano. Entre Homens: Homossexualidade e Aids no
Brasil. Rio de Janeiro, ABIA, 1998, p. 32
Segundo tal pesquisa, portanto, a expressão "gay" , minoritária em 1990 se
comparada com os informantes que se auto-identificaram como termo bissexual ou
homossexual , é a que revela proporcionalmente maior crescimento cinco anos
depois, subindo de 4,8% para 16,7%.

Enquanto na maior parte dos países mais desenvolvidos os homossexuais


cada vez mais querem se identificar com termos específicos – gay, queer, lésbica –
entre nós, o termo homossexual é ainda bastante utilizado pelos próprios gays,
lésbicas e mesmo travestis – que preferem se auto-intitular "homossexual". Novos
grupos ativistas são fundados utilizando este étimo, como o Grupo de Ação e
Integração Homossexual (Feira de Santana, Bahia) ou o Grupo Homossexual de
Londrina, para citar apenas dois casos.

Não obstante o uso generalizado do termo gay e bicha para se referir inclusive
aos travestis, no milieu gay, essas três subdivisões são bastante e cada vez mais
enfatizadas, pois mesmo que todo travesti possa ser considerado também uma
bicha, a maior parte dos gays ou bichas não são nem se consideram travestis.

Quanto aos homens com práticas homossexuais, popularmente conhecidos


como bofes, e recentemente rotulados como o neologismo HSH – homens que
fazem sexo com homens - malgrado a maior parte deles recuse a identidade
homossexual, chegando inclusive a reagir com violência quando chamados de
bichas, também estes jovens e adultos homoeróticos muitas vezes são apontados
pelos gays mais radicais como bichas, pois segundo aqueles, "transou com bicha, é
bicha". Assunto controverso que voltaremos mais adiante.

Destarte, quando menos desde a década de 80, quando fizemos o primeiro


levantamento tipológico das diferentes categorias homoeróticas da Bahia,
descobrimos em Salvador os seguintes subgrupos de homossexuais:

1. Gays ou bichas: fechativos , enrustidos e assumidos

2. Travestis: prostitutos, transformistas e profissionais alternativos

3. Homens com práticas homossexuais: bofes eventuais, garotos de programa,


maridos e clientes de travestis.
 Gays

Gay significa “alegre” em inglês e apesar de alguns criticarem seu uso no Brasil
e demais países de língua latina, pesquisas revelam que a palavra gay (gai) já era
usada na Península Ibérica desde a Idade Média como sinônimo de “rapaz
alegre”53, o que redundou no português os termos "gaiatice" e "gaiato",
popularmente chamado de “engraçadinho” .
Gay é o termo universal preferido pelos homossexuais do mundo inteiro.
Embora usado sobretudo como identificação dos homoeróticos masculinos, algumas
mulheres também se auto intitulam gay, entre elas, Martina Navratilova e nossa
cantora Marina Lima. Hoje as homossexuais femininas cada vez mais preferem ser
chamadas de “lésbicas”, em homenagem à mais famosa "entendida" da
antigüidade, Safo de Lesbos. 54

Inexistindo estatísticas fidedignas sobre o contingente de homossexuais


existentes no Brasil, 55 lançamos mão das estimativas do Relatório Kinsey, segundo
o qual, 10% da população masculina ocidental é exclusiva ou predominantemente
homossexual.56 Se em 1948, entre norte-americanos brancos predominantemente
protestantes, chegou-se esta cifra, meio século depois, com a descriminalização da
homossexualidade e a inaudita liberação homoerótica a partir da década de 70
resultante da revolução sexual, levando-se em conta que a cultura sexual brasileira
tradicionalmente é reconhecidamente mais liberada do que a dos demais
americanos do norte e do sul, é difícil entender e aceitar os resultados da recente
pesquisa do CEBRAP/MS-1999, segundo a qual, tão somente 2,5% dos indivíduos

53
Boswell, John. Christianity, Social Tolerance and Homosexuality, op.cit. p. 43
54
Mott, Luiz. Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto, 1987
55
De acordo com pesquisas do Dr. Hainsdorf, "em 100 ocidentais do sexo masculino,
15 são homossexuais." Cf. Manchete, n..1562, 27-3-1982, p.79
56
Kinsey, A. C. et alii. Sexual Behavior in Human Male. Philadelphia, Saunders,
1948. Mott, Luiz. "Estereótipos tupiniquins", Folha de S.Paulo, 18-1-1998; Mott,
Luiz. "Perfil sexual do Brasileiro", Página Central, S.Paulo, agosto 1998
do sexo masculino entrevistados declararam que nos últimos cinco anos tiveram
relações sexuais com homens ou com homens e mulheres.57

No nosso entender, ou o quesito sobre homossexualidade foi mal formulado,


ou os gays entrevistados sentiram-se por alguma razão constrangidos a sair da
gaveta perante o entrevistador. Ao inquirirmos gays baianos qual seria, na sua
avaliação e conhecimento empírico, a porcentagem dos homens brasileiros
predominantemente homossexuais, tais cifras variam de 20 a 30%. Nalguns casos,
mais vale a prática do que a gramática!

Mesmo reconhecendo a dificuldade de classificar a complexa massa


populacional formada pelos gays, como antecipamos a pouco, podemos perceber na
Bahia contemporânea quando menos três grandes estilos de vida desta categoria:
os gays enrustidos, as bichas fechativas e os assumidos.

 Gays enrustidos

Esta é sem dúvida, a mais numerosa e heterogênea categoria de


homossexuais da Bahia, quiçá do Brasil e mesmo do mundo. Como diz o slogan do
Movimento Gay Internacional divulgado também entre nós desde os inícios dos anos
80, "somos milhões e estamos em toda parte". Mas destes milhões de indivíduos,
mais de 95% vivem clandestinamente sua orientação homossexual.

Enrustido, segundo o Dicionário Aurélio, vem do verbo "rustir": enganar;


ocultar, encobrir. Enrustido tem como sinônimo "indivíduo introvertido". Entre os
gays, quando se fala que alguém é enrustido, significa que não se assume
publicamente homossexual. Também se diz "incubado", ou mais recentemente, por
influência do inglês "on closet" , isto é, alguém que está na gaveta ou no armário.

57
"Comportamento sexual da população brasileira e percepções sobre HIV e Aids",
CEBRAP, 1999. Como os próprios técnicos do CEBRAP reconheceram, "por ser esta
uma pesquisa domiciliar, espera-se uma subestimação dos resultados relativos à
prática homossexual (e uso de drogas) face ao preconceito e o temor das pessoas falar
sobre tais assuntos."
Entre os gays enrustidos, há tanto aqueles jovens ou adultos reprimidos, que
eventualmente vivenciam uma fase anterior à prática e/ou afirmação homossexual,
quanto os indivíduos em estado permanente de auto-repressão, atitude referida
pela psicanálise como homossexualidade egodistônica, conhecida também como
homofobia internalizada.58 Esses homens cuja atração homoerótica é introvertida,
não querem ou não se sentem motivados a assumir a identidade e afirmação
homossexual.

Muitos gays assumidos e travestis são particularmente críticos, por vezes até
agressivos contra tais pessoas, não perdendo oportunidade de apontá-las e
ridicularizá-Ias, chamando-as de "incubadas" e acusando-as de perseguirem os
homossexuais egosintônicos, as chamadas bichas assumidas. O ditado machista
internacional, cherchez la femme - como se em todas as causas misteriosas
envolvendo homens, sempre haveria a presença de uma eminência parda feminina,
aparece também no meio gay, pois quando se suspeita que alguém está
perseguindo, sendo intransigente ou prejudicando os gays ou travestis, a acusação
constante é de que provavelmente a responsável é uma bicha secreta: "cherchez a
incubada"...

Na Bahia, como no resto do país, os homossexuais enrustidos estão em toda


parte, nas mais variadas classes e categorias sociais, alguns extravasando seu
homoerotismo em encontros fortuitos com profissionais do sexo ou aventuras
esporádicas fora dos espaços gays. Em termos de prevenção de DST/Aids, esta é
uma das categorias de apresenta maior dificuldade de contacto, pois cada qual vive
isolado no seu mundo, sem ou com poucos espaços de socialização, sem identidade
grupal, temendo mais que a morte ter seu segredo descoberto pela família, amigos e
colegas de trabalho e os mais "vips", que tal segredo cai na boca do povo ou no
ouvido de algum jornalista ou inimigo. Muitos dos catalogados recentemente como
HSH, "homens que fazem sexo com homens" pertencem a esta categoria
sexológica.

58
"Ego-Dystonic Homosexuality", in Dynes, W. Encyclopedia of Homosexuality, New
York, Garland Press, 1990, p. 349-350; Bayer, Ronald. Homosexuality and American
Psychiatry. Princeton, Princeton University Press, 1987.
Outro tipo de homossexual enrustido muito comum em Salvador inclui os que
disfarçam ou escondem publicamente suas preferências sexuais, vivenciando
contudo seu homoerotismo apenas nos espaços especificamente homossexuais, no
intra-claustros do gueto gay: nas saunas, boites, bares, festas particulares em casas
de colegas entendidos, etc. É dentre todas, a categoria mais numerosa, englobando
artistas, autoridades civis e militares, chefes religiosos de todos os credos,
intelectuais, estudantes, gente do povo, proletariado, etc, etc. Em Salvador, por
exemplo, todo mundo sabe que o Diretor desta e daquela Fundação, que o professor
fulano de tal, que o Juiz sicrano, que a maioria dos pais de santo dos terreiros de
candomblé, que o Monge Dom Beltrano, que aqueles artistas, que os caixas e fun-
cionários do Banco tal - que todos são "viados" - mas nenhum destes assume
publicamente a própria homossexualidade. Diferenciam-se da categoria anterior pelo
fato de pessoalmente e às vezes, com alguns amigos mais íntimos, assumirem a
identidade homossexual, chegando até a representar de forma caricata o estereótipo
da bicha, muito embora não se sintam à vontade ou não queiram afirmá-la
publicamente.

"Assunto particular", ou "o que faço e com quem vou para a cama só a mim
interessa", ou "não dou ousadia a ninguém perguntar sobre minha vida íntima" são
algumas das respostas que geralmente tendem a dar quando inquiridos ou
provocados a definir suas preferências homoeróticas. Outros dizem que não querem
"levantar bandeira", e os mais teóricos que são contra a obrigatoriedade de
"assumir rótulos". 59

Na avaliação, nem sempre exata e realista, dos enrustidos, assumir a


preferência homossexual poderia redundar na perda do emprego, serem rebaixados
ou terem afastadas as chances de qualquer ascensão funcional, ser expulsos de
casa, desfazer o noivado ou levar a esposa a pedir divórcio, etc. Em suma: assumir
a própria homossexualidade, verbalizá-la, pode efetivamente provocar conse-
qüências as mais funestas e imprevisíveis. Dai a solução acomodatícia de não falar
no assunto, enrustir-se ou mesmo negar suas preferência homoeróticas. Um gay

59
Heilborn, Maria Luiza. "Ser ou estar homossexual: dilemas de construção de
identidade social", in R.Parker et alii, Sexualidades Brasileiras, Rio de Janeiro,
Relume Dumará, 1996, p.136-145
cinqüentão, pai de filhos adultos, me segredava: "até hoje meu casamento se
mantém porque nunca eu e minha esposa tocamos na palavra homossexualismo"...

A revelação na família, no trabalho, no bairro, de que era gay representou para


muitos jovens o pipocar de dificuldades, perseguições, violências, de modo que para
a grande maioria dos homossexuais é mais prático seguirem o preceito milenar de
São Paulo: "que estas coisas não sejam sequer mencionadas entre vós! " Milhões
preferem continuar fazendo aquele joguinho cínico: "eu finjo que não sou e você
finge que não sabe que eu sou, a gente não toca no assunto e continuamos
amigos..."

Categoria tão heterogênea, permeando todas as camadas e classes sociais,


raças e credos, todos os grupos etários e segmentos culturais, o traço mais
característico dos homossexuais enrustidos, é a dualidade de vida que são forçados
a Ievar, vivendo suas verdadeiras identidades existenciais e certamente os
momentos de maior emoção corporal na clandestinidade, temendo serem
descobertos e repudiados pela sociedade que no mais das vezes embora sabendo
que são gays, não tolera e reprime sua revelação. Sexualmente também
apresentam enorme variedade de preferências, matizes e vivências, recrutando
seus parceiros quer entre as bichas enrustidas ou assumidas, entre bofes,
massagistas e rapazes de programa, inclusive entre as travestis. As '"mariconas",
como as travestis costumam chamar à seus clientes gays, são uma das modalidades
de homossexuais enrustidos.

 Bichas Fechativas

Até poucos anos atrás o termo mais usual para referir a tal categoria era "bicha
louca", hoje considerado politicamente menos correto. A expressão "fechativo/a",
que já extrapolou o gueto gay, certamente provém da imagem de que uma pessoa
muito espalhafatosa ou exuberante, que provoca tamanha admiração dos
transeuntes e circunstantes, que forçaria a "fechar as portas do comércio", para ver
e apupar, no caso em baila, à "bicha fechativa". Mais recentemente além do verbo
"fechar", emprega-se de norte a sul a expressão "lacrar", significando igualmente o
ato de "desmunhecar". “Dar pinta” ou “bicha pintosa” é outro sinônimo de bicha
fechativa.

Enquanto alguns travestis chegam a passar por mulher, não sendo


reconhecidos pelos transeuntes como homossexuais, as bichas fechativas são
dentre todos os gays as que mais aparecem e chamam a atenção popular. Tais
pessoas são as que mais e sempre estão desmunhecando, as que ostentam
trejeitos mais exagerados e estereotipados, e que no mais das vezes, apresentam
características mais acentuadas de androginia tanto na sua voz de falsete, no seu
corpo, como no vestuário. Muitos gays fixam o padrão comportamental de bicha
fechativa por vários anos, alguns poucos, a vida inteira, certos "evoluem" para o
travestismo completo. Para a maioria, contudo, ser "pintosa", "fechativa", "louca",
não passa de um momento da crise de adolescência, uma forma popularesca de se
afirmar e conquistar um espaço e reconhecimento, numa tentativa pré-política no
estilo de rebeldes primitivos, de contrabalançar a crueldade da exclusão e
homofobia. Com o passar dos anos, às vezes com cicatrizes à mostra, muitas
bichas fechativas abandonam esse estilo vaudevilesco em favor de um pouco
menos de frescura.

No geral, na Bahia, as bichas fechativas são extremamente afetadas e


espalhafatosas no falar, gesticular e andar, assumindo comportamento caricato de
mulher. Algumas tomam hormônio para estimular o crescimento dos peitinhos e
barrar o crescimento de barba, usam cortes de cabelo uni-sex, depilam a
sobrancelha, não usam saia, mas de costas, na rua, seus shortinhos entrando pela
bunda e suas calças apertadíssimas, confundem-nas com mulheres. Gostam de se
apresentar e são conhecidas por nomes femininos e costumam tratar-se entre si de
"senhora" ou com os termos bicha, mona, mulher. Participam, em vários aspectos,
da mesma subcultura dos travestis: segundo depoimento de alguns deles, vários
praticam prostituição eventual, furtando ou extorquindo ocasionalmente algum objeto
de valor de seus clientes. Há nesta categoria de gays alguns que são bastante
violentos e irreverentes no trato com quem os insulta ou persegue, mesmo com os
policiais, garantindo assim seu lugar numa sociedade que odeia a indefinição e
mistura de papéis destes que ainda no sertão baiano são chamados de macho-
fêmea e "metá-metá".
A maior parte desses homossexuais provêm de camadas sociais mais pobres,
negros e mestiços. Quando trabalham , isto é, quando chegam a vencer as barreira
da homofobia e conseguir um emprego onde seus patrões e colegas aceitam
conviver com sua incontrolável fechação – nestes casos, empregam-se geral mente
como domésticos ou serviçais, residindo na casa dos patrões, já que muitos deles
foram expulsos de casa, não suportando seus pais e familiares a convivência com
criaturas tão andróginas.

Outro distintivo peculiar desta categoria é sua grande ligação com o universo
do candomblé: muitas bichas fechativas são freqüentadoras regulares e filhos de
santo de casas de culto afro-brasileiro, recebendo predominantemente Orixás
mulheres quando possuídas, utilizando entre si inúmeros termos em língua nagô,
além de outros traços culturais destas religiões. São exímios em "dar baixa" nas
pessoas quando irritados, isto é, destratar, esculhambar, "dar carão", gozando fama
de não haver quem compita com suas afiadas línguas viperinas.

A observação participante na "comunidade gay" de Salvador nestes últimos 21


anos permite-nos prognosticar que as bichas fechativas são cada vez mais, uma
espécie em extinção. O depoimento de vários gays mais veteranos é de que
antigamente, nos meados do século XX, havia mais homossexuais
desmunhecados do que hoje. Não obstante tal evolução, os meios de comunicação
insistem em vender a mesma imagem estereotipada do homossexual bandeiroso,
fechativo . Lembremo-nos por exemplo dos personagens efeminados de Os
Trapalhões, o Painho de Chico Anísio, o Capitão Gay do Jô Soares, e mais
recentemente, a Vera Verão do Jorge Lafond, sem falar nos precursores, Dener,
proclamado como o inventor da frescura no Brasil, e o próprio Clodovil, apelidado
pelo jornalista Macado Simão, da Folha de São Paulo, de "Clodovéia".

O fato é que entre os próprios homossexuais há sempre uma forte censura e


rejeição destes rapazes excessivamente alegres, acusados de poluírem a imagem
da maioria dos gays, seja pelo que consideram a quintessência da cafonice, a
afetação exagerada de seu comportamento. Sobretudo nos últimos anos, com a
expansão e grande valorização do novo modelo primeiromundista do gay malhado,
aqui chamada de “bicha barby”, a bicha fechativa e caricata da mulher ficou ainda
mais estigmatizada, pois agora o que mais se valoriza, no mercado libidanal do
mesmo sexo, é a virilidade e não a afeminação. Daí observar-se que a grande
maioria dos gays reprova a fechação exagerada das bichas loucas, rotulando-a de
mau gosto ou sintoma de pobreza, muito embora, em festas e ambientes privados
ou shows caricatos, até mesmo os gays mais reservados comprazem-se em assumir
teatralmente o mesmo folclore da "fechação".

Este tipo de homossexual é via de regra o que mais sofre discriminação e


violência, pois os outros gays os consideram cafonas demais, os travestis os
desprezam por considerá-los medrosos por não assumirem totalmente seu lado
mulher e os heterossexuais, por seu turno, se sentem agredidos pela fechação
exagerada das "bonecas". O depoimento da travesti Wamburga, há vários anos
migrada para Belo Horizonte, não deixa de ser sintomático: dizia que como bicha
desmunhecada, ultra afeminada, era alvo constante de agressões, fiu-fiu e violência.
Tudo terminou - ou melhor, diminuiu, quando resolveu "botar travesti"'.

Nossa sociedade maniqueista não tolera o meio termo: "porque não és quente,
nem frio - mas morno - eu te vomito", disse Deus no Apocalipse de São João. E a
antropóloga Mary Douglas no seu livro Pureza e Perigo diz enfaticamente: "A
santidade requer que os indivíduos se conformem à classe à qual pertencem. E a
santidade requer que diferentes classes de coisas não se confundam". 60 Com-
pletaria eu: não apenas os santos, mas também os demônios têm que conformar-se
à classe que pertencem. Idem para o universo homossexual: exatamente por serem
"metá-metá" , macho-fêmea, é que são alvo de tanta violência, pancadaria,
opressão.

Em termos de relacionamento sexual, as bichas fechativas compartilham das


mesmas fantasias que imperam no meio gay em geral: aspiram transar com rapazes
ou senhores que ostentem preferencialmente imagem forte e viril. Recusam-se, em
sua maior parte, transar com outros "entendidos", mesmo que tenham estampa
varonil, alegando que "bicha com bicha dá lagartixa", ou que detestam “quebrar
louça”, isto é, roçar face a face. Uma delas, Shirley, declarou numa reunião na sede
do GGB que considerava "a coisa mais ridícula dois homens barbados se beijarem"
– verbalizando assim o quão forte permanece no imaginário desta categoria as

60
Douglas, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Editora Perspectiva, 1976, p. 70
classificações dicotômicas do ideário heterossexista, que só aceita como legítimo,
por ser "natural", o sexo entre diferentes – mesmo que a diferença entre um bicha e
um bofe seja apenas na teatralização diversa do papel de gênero. Dificilmente os
gays se interessam sexualmente pelas bichas fechativas (do mesmo modo como
evitam os travestis), alegando que se gostassem de mulher, transariam diretamente
com uma das verdadeiras: seus principais parceiros sexuais são rapazes jovens,
que não sabendo ainda distinguir um gay enrustido ou temendo a circunspecção e
falta de sinais identificadores dos homossexuais mais discretos, sentem-se mais
seguros em abordar gays mais espalhafatosos que com seus ademanes preenchem
melhor os estereótipos que a sociedade global fantasia a nosso respeito.61

 Gays assumidos

Assumir a própria homossexualidade é o que distingue fundamentalmente uma


pequenina parcela de homossexuais na imensidão daquela massa de praticantes
clandestinos do homoerotismo que permanecem dentro do armário. Passo crucial na
história de vida de cada um, o sair da gaveta, o deixar de ter vergonha e medo de
ser identificado como pertencente a este grupo minoritário, leva os gays assumidos
a viverem uma experiência existencial bem diversa da maioria silenciosa,
desenvolvendo mais a contento sua auto-estima, deixando de temer o risco de
chantagens e extorsões, dedicando-se alguns inclusive a militância política visando
o resgate da cidadania das demais categorias de homossexuais ainda presas à
homofobia internalizada e sofrendo os efeitos perversos da egodistonia e alienação.
Historicamente, para ser justo, os primeiros homossexuais a mostrarem a cara
foram as travestis e as bichas fechativas: embora poucas das representantes destes
subgrupos tivessem um discurso politicamente articulado no tocante ao ato de

61
Após escrever este sub-tema, ao participar em Juiz de Fora, em agosto/2000, do III
Rainbow Fest, o Coordenador da Parada Gay de S.Paulo, o teólogo Roberto de Jesus,
declarou certo momento, numa intervenção após uma palestra, que assumia com todo
orgulho a condição de "bicha fechativa". Apesar de às vezes esse importante líder gay
paulistano assumir tal performance, no mais do tempo sua conduta não se enquadraria
no way of life das bichas fechativas da Bahia tal qual as descrevemos acima. Assumir-
se "bicha fechativa" neste caso, é uma opção política, afirmando o primado da
liberdade e anomia do papel de gênero em oposição à ditadura do modelo "gay"
dominante nesta virada de milênio.
exteriorizar, por sua “androginia" psicossocial, suas preferências homoeróticas, na
verdade, travestis e gays muito desmunhecados funcionaram como pontas de lança
da emancipação homossexual, abrindo espaço para que séculos mais tarde,
também os gays mais recatados ousassem sair do armário e proclamar: “é legal ser
homossexual”!
Gays publicamente assumidos, não travestidos nem fechativos, existem na
Bahia quando menos desde os meados do século XX – alguns poucos artistas, raros
donos de casas noturnas entendidas, um ou outro intelectual. Era a época em que
os homossexuais se autointitulavam de entendidos. Outro tanto de homossexuais
eram bastante assumidos apenas nos espaços gays, no círculo fechado de amigos e
conhecidos, incluindo homens e mulheres heterossexuais – mas jamais ousariam
declarar numa entrevista de jornal, ou numa delegacia de polícia, que eram
homossexuais.
Em recente pesquisa junto a 227 gays e homens com práticas homossexuais
de classe média de Salvador, 75% com poder aquisitivo entre US$161 a mais de
US$400, a médica Márcia Sampaio e uma equipe de pesquisadores da UFBa,
encontrou altas taxas de auto-revelação da própria homossexualidade: 89% dos
entrevistados declararam ser assumidos com os amigos , 68% no local de trabalho
e 59% na família – taxa mais elevada do que a declarada pelos gays que
frequentam as reuniões semanais do Grupo Gay da Bahia. 62 Detalhe significativo:
os informantes desta pesquisa foram recrutados em bares e boites gays – portanto,
entre homossexuais familiarizados com a cena gay soteropolitana, o que facilitaria
de certa forma seu processo de assunção.
Foi somente nas duas últimas décadas, quando surge em Salvador o primeiro
grupo gay do Nordeste, que se amplia esta nova categoria sexológica: a dos gays
assumidos. Foram os gays ativistas os pioneiros deste movimento político
emancipatório de visibilidade e afirmação homossexual.

Trata-se, portanto, de uma nova categoria de homossexuais que teve sua


origem com a fundação em Salvador do Grupo Gay da Bahia (1980), contando na
década de 80 não mais de 30 a 50 membros efetivos, hoje, após duas décadas de

62
Sampaio, Marcia et alii. "Reducing Aids Risk among Men who have sex with Men
in Salvador, Brazil", XIII International Aids Conference, Durban, South Africa,
Abstracts, , Break the Silence, 9-14/7/2000, Comunicação Oral.
incansável militância, com mais de 500 militantes, os quais freqüentam regular ou
esporadicamente as reuniões semanais e demais atividades desta organização não-
governamental.

Sob a rubrica de gay ativista estão compreendidos sobretudo homossexuais


da faixa etária de 18 a 30 anos, mestiços e negros em sua maioria, estudantes,
profissionais liberais, comerciários, bancários, artistas amadores e desempregados
à procura de emprego. Deste grupo já participaram ou continuam ativos um padre,
diversos pais de santo, médicos, alguns jornalistas e professores universitários –
alguns passando dos 50 anos.

O que distingue esta categoria dos gays enrustidos é exatamente sua postura
franca e decidida de afirmação homossexual: são gays que na medida de suas
possibilidades reais não negam sua homossexualidade em todos os ambientes - na
família, no bairro, no trabalho, na escola. São assumidos porque assim o querem e
não obrigatoriamente porque não conseguem camuflar suas preferências
homoeróticas, como ocorre com as travestis e bichas fechativas, também apelidadas
de metá-metá. Assumem-se por e sentirem melhor assim e pela convicção de que é
política e historicamente importante e necessário "sair da gaveta". (28).

Depois de milênios de opressão, fogueira, apedrejamento, clandestinidade,


dissimulação, milhões de homossexuais no mundo inteiro passaram a dizer um
basta à repressão homofóbica, optando por um novo estilo de vida público e privado.
Negar-lhes o direito de se auto-afirmarem gays, sob a alegação de que assim fazen-
do estariam forçando os homens com práticas homoeróticas e bissexuais a uma
definição indesejada, representa a nosso ver uma tentativa de forçá-los voltar para a
gaveta e continuar a ser perseguidos, humilhados, massacrados. Há uma analogia
perfeita entre o "coming out gay" com a afirmação racial proposta pelo movimento
negro, embora ninguém conteste esta última enquanto diversos intelectuais,
inclusive lésbicas e gays, questionem a afirmação homossexual.63

63
Fry, Peter. "Prefácio" , Perlongher, Nestor. O Negócio do Michê, São Paulo, Editora
Brasiliense, 1987; Heilborn, Maria Luiza. "Ser ou estar homossexual: dilemas de
construção de identidade social", op.cit.
Os ativistas gays aspiram que um maior número possível de homossexuais
conscientizem-se da necessidade de se organizar e defender seus direitos de
pessoas humanas normais, com os mesmos direitos legais que os demais cidadãos,
lutando contra toda forma de discriminação, denunciando publicamente os
transgressores, impedindo através dos meios que julgarem mais adequados, que
homens e mulheres sejam discriminados por causa de sua orientação sexual.

Esses gays ativistas são os que mantêm maior contato com todas as demais
categorias de homossexuais, muitas vezes sendo seus porta-vozes, estando sem-
pre atentos às ocorrências de discriminação e violência que pesam sobre seus
companheiros menos organizados. Foram os militantes gays que iniciaram a
prevenção da Aids também na Bahia e no resto do país, divulgando práticas de sexo
seguro, desenvolvendo projetos dirigidos aos demais subgrupos menos
organizados, participando diretamente da fundação de grupos de travestis e de
soropositivos.

Em termos de cultura sexual, os militantes gays, assim como os gays


assumidos em geral, normalmente transam entre si, com outros gays enrustidos e
eventualmente com bofes. Os mais radicais consideram um contra-senso que um
ativista se relacione com homens sem identidade homossexual, ainda mais com
profissionais do sexo, argumentando tratar-se de uma relação desequilibrada e
repetidora do mesmo esquema de dominação macho X fêmea, dominador X
dominado, contra o qual lutam os homossexuais mais conscientes. Entre si os
gays assumidos costumam chamar-se de "viado"', "bicha", para escândalo dos
enrustidos, justificando que o uso de tais epítetos vulgares força o
desmantelamento do tabu do silêncio contra o “amor que não ousava dizer o
nome”, ao mesmo tempo que desmistifica a conotação ultrajante até então
associada a tais insultos. Conduta irreverente, aliás, igualmente adotada por outras
minorias sociais.

Desde que Luiz Mott fundou o Grupo Gay da Bahia, existiram na Bahia, na
década de 80, dois outros grupos homossexuais geralmente capitaneados por
dissidentes do GGB e com curta existência: Adé Dudu e Aquarius. Em 1994 o GGB
fundou o Grupo Lésbico da Bahia, em 1995 o Quimbanda-Dudu (Grupo Gay Negro
da Bahia) e a Associação de Travestis de Salvador e em 1998, a Associação de
Profissionais do Sexo da Bahia – todos grupos registrados como sociedade civil e
com vida independente do GGB. Além de algumas centenas de participantes
efetivos destes grupos há também na Bahia mais de uma dezena de gays
militantes que assumem a mesma bandeira dos ativistas, embora atuem como fran-
co atiradores.

 Travestis

No continuum das tribos homossexuais da Bahia e do Brasil em geral, as


travestis64 formam o grupo que mais se aproxima na aparência do gênero oposto,
muito embora nunca seja supérfluo recordar que travestir-se de mulher, aplicar seios
de silicone ou feminilizar o corpo à custa de hormônios, adotar nome e roupas
femininas - toda essa parafernália mulheril - não implica obrigatoriamente em
fantasias e práticas sexuais similares à do sexo feminino no que se refere a "ser
penetrado". Há muitos travestis que na cama assumem o papel de macho, sendo
ativos e inclusive superdotados, conforme depoimento dos clientes e eles próprios
fazem questão de alardear, seja quando entrevistados, seja nos classificados de
jornal ao anunciarem seus dotes sob a rubrica de "bonecas". 65 Outros há que na
verdade mais que travestis, seriam melhor identificados como transexuais, posto
que embora não tenham feito a operação de "mudança de sexo", mais corretamente
chamada de "transgenitalização", aspiram por neutralizar sua genitália, assumindo
papel totalmente feminino quando se relacionam com seus parceiros.66

As travestis constituem a categoria menos numerosa de homossexuais do


Brasil: todos juntos não devem ultrapassar 10 mil pessoas. Parece que são mais

64
Ainda não existe consenso na língua portuguesa do Brasil qual artigo deve ser
utilizado para se referir a esta categoria sexológica: tradicionalmente se dizia “o”
travesti. Nos últimos anos porém, por influência das travestis da Argentina, que
propugnam pelo artigo feminino, também no Brasil, vem-se generalizando a expressão
“a” travesti, aliás como defende a Associação de Travestis de Salvador. Neste
trabalho utilizamos preferencialmente o artigo feminino, porém no caso do travesti ser
referido apenas com seu nome masculino, optamos em manter o artigo "o".
64
Couto, Edivaldo. Transexualidade: O corpo em mutação. Salvador, Editora Grupo
Gay da Bahia, 1999.
abundantes porque são mais visíveis e chamam mais a atenção em qualquer lugar
onde estejam. 67
No que se refere à Bahia, e atenção - as descrições destes sub-tipos de
homossexuais pretendem retratar tão somente a realidade baiana, muito embora
certas regularidades sejam encontradas no restante do Brasil - distinguimos dois
grupos principais de travestis: os que vivem o tempo integral vestidos de mulher e
os que se “montam” em tempo parcial, geralmente durante a noite. 68 A prática da
prostituição constitui outra grande divisória dentro desta categoria: embora a grande
maioria das travestis sejam profissionais do sexo, um pequeno número deles
dedica-se a outras profissões, geralmente ligadas à prestação de serviços ao
universo feminino. Em Salvador, as travestis e homens que se vestem de mulher
podem ser classificados nas seguintes subcategorias: transformistas, drag-queens,
travestis de pista e travestis que se dedicam a outras atividades profissionais.

Como no resto das capitais e mais populosas cidades brasileiras, em Salvador


deve haver de uma a duas dezenas de transformistas: homossexuais que se
travestem apenas esporadicamente, seja uma ou mais vezes por semana, ou de
mês em mês, ou algumas vezes por ano. O que distingue este grupo é que se
vestem de mulher apenas part-time e raríssimos são os que se dedicam à
prostituição. Muitos transformistas recusam-se terminantemente serem chamados
de travestis, temendo ser identificados com os que vivem da prostituição. Alguns
poucos são artistas profissionais, com carteira assinada e filiação em sindicato,
fazendo shows em boites entendidas ou alhures, como "bico". Destes, alguns fora
do palco levam vida absolutamente "normal", com empregos comuns, ostentando
aparência masculina. Há outro tanto de homossexuais que se travestem apenas em
raras ocasiões, por exemplo, nos concursos de "miss gay", quer em Salvador, quer
noutras cidades.

Há ainda talvez uma dezena de gays que mesmo ostentando seios femininos,
à custa de altas doses de hormônios, assim como sobrancelhas depiladas e cabelo
unissex, durante o dia se vestem com roupas mais ou menos masculinas, fazendo

67
Boletim do Grupo Gay da Bahia, "Travestis", n.29, vol.15, julho 1995
68
Oliveira, Neuza: As Monas da Casa Amarela. Salvador, Universidade Federal da
Bahia, CED, l994
questão de serem chamados por seus nomes de registro e tratados como homens,
adotando roupas femininas apenas certas noites nos palcos ou quando vão a boites
gays. Muitos destes semi-travestis trabalham como esteticistas em salões de beleza,
e em menor número como modistas, costureiros ou no comércio. Os que têm
aparência mais viril, sem alterações aparentes da anatomia, quando vestidos com
trajes masculinos, procuram ocultar que são gays, alegando que a vida artística de
transformista não tem necessariamente de transbordar para fora do palco. O
principal ponto em comum entre estes homossexuais e as travestis full time está no
fato de se vestirem todos de mulher: seus estilos e expedientes de vida, sua auto-
definição existencial, enfim, sua subcultura é bastante diversa da vivenciada pelos
tipos anteriores.

No Carnaval, quando a Praça Castro Alves se transforma no "quartel general"


dos gays da Bahia, esses transformistas são os que mais "arrasam" , ostentando
ricas fantasias, destacando-se, até os meados da década de 90, na tradicional
"lavagem da escadaria". Alguns são exímios imitadores de artistas famosas,
presença obrigatória nos shows das boites gays. Um destes transformistas, hoje
restringindo seu cross-dressing apenas ao carnaval, Di Paula, há décadas
consagrou-se como o mais destacado show-gay da Bahia. Nos últimos anos passou
a ter acesso aos lares baianos, participando todos os sábados, à tarde, primeiro
como jurado de um programa de calouros, onde abusava das plumas e Iantejoulas
em cima de seus quase dois metros de altura; posteriormente, abandonou o lay-out
de transformista, ganhando programa só seu, contudo, encima de um trio elétrico,
ou quando lidera o mais badalado baile de fantasias de Salvador, volta a tirar do baú
suas plumas e paetês.

Vários destes homossexuais - sobretudo os que não provocaram alterações em


seu visual, com depilações ou desenvolvimento de seios, e que se travestem
apenas raramente nos concursos gays, por exemplo, participam mais de outra cate-
goria sexológica, a dos gays enrustidos, sobre os quais já referimos anteriormente.
Nos últimos cinco anos também se espalhou na Bahia o fenômeno "drag-
queen", esta nova modalidade de transformistas hiper-espalhafatosas, gigantescas
em seus enormes sapatos de plataforma, com roupas, formas e maquiagem sempre
ultra exageradas. 69 Quando não maquiadas, há drags que são bastante viris na
aparência, sem trejeitos ou indícios que permitam imaginar que aquele rapaz sisudo
durante o dia, quando montado, incorpora figurinos e personagens tão
exageradamente feminis. Por sua indumentária desconfortável, pesada e
escombrante, e pela própria postura irreverente e provocativa, as drag-queens nem
sempre provocam atração erótica naqueles homens que gostam de manter relação
com transformistas ou travestis. Repito: as drag-queens teatralizam
caricaturalmente a imagem da mulher, sem pretender utilizar tais detalhes como
estratégia para atrair parceiros sexuais, como ocorre com as travestis. Estão hoje
entre as drag mais famosas de Salvador, Sfat Auermann, Gottsha Smith, Lunna e
Jady, entre outras. Algumas quando entrevistadas chegam a negar que são
homossexuais, embora a grande maioria delas pratique o homoerotismo , como gays
enrustidos.
Dentro do grupo das travestis, predominam as que se dedicam à prostituição.
Há uma minoria, talvez não chegando a duas dezenas, que se ”montam” de mulher
só de noite, para “batalhar" ou “fazer pista”, mantendo discretamente ou em segredo
essa dupla vida e que uma canção popular assim as ironiza: “de noite é Maria de dia
é João”... Este tipo de travestis part-time raramente fazem alterações femininas
definitivas em seus corpos pois socialmente vivem a maior parte de seus dias como
rapazes, alguns sequer se assumindo como gays, diversos vivendo em casa de
seus familiares. Alguns começam assim sua vida de profissionais do sexo, e só anos
depois que abandonam a família, dedicando-se em tempo integral ao travestismo e
à prostituição.
Segundo levantamento efetuado pela Associação dos Travestis de Salvador
(ATRAS) quando da realização do 3º Encontro Brasileiro de Travestis (Rio de
Janeiro, junho 1995), em todo o Brasil as travestis não devem ultrapassar de 8 a
10 mil indivíduos. Rio de Janeiro e São Paulo devem ter cada uma por volta de 2 mil
travestis; Salvador, com 2,5 milhões de habitantes, conta com aproximadamente

69
Palomino, Érika. Babado Forte: Moda, música e noite na virada do século 21. São
Paulo, Mandarim, 1999.
200 travestis, e talvez meia centena espalhados pelas maiores cidades desse
Estado. 70
A importância em se estudar esta população, apesar de tão diminuta, liga-se
à diversos aspectos de sua cultura que a torna, graças a seu way of life,
particularmente vulnerável ao HIV e demais DSTs: dos 179 travestis que
entrevistamos em Salvador, 97% da população total, vivem da prestação de
serviços sexuais, expondo-se por conseguinte ao risco de infecção pelo HIV
através da prática do homoerotismo, da prostituição e do uso impróprio de agulhas
e seringas, seja na aplicação de silicone, hormônio ou, em menor escala, no abuso
de drogas. A situação agrava-se devido ao stress de que são vítimas, rejeitadas que
pela sociedade que as marginaliza, que não oferece outra alternativa de
subsistência à maioria das travestis, a não ser, a prostituição.
Eis, em linhas gerais, o perfil demográfico deste segmento social: a
composição racial das travestis reflete grosso modo a mesma tendência da
população baiana: Brancos 29%; Pardos 58%; Negros 13%.
Quanto à sua procedência geográfica, encontramos apenas 29% dos
informantes nativos de Salvador, sendo que 19% das travestis nasceram no interior
da Bahia, enquanto 52% delas procedem de outros Estados, notadamente de
Pernambuco. Aproximadamente 3/4 das entrevistadas moram no Centro Histórico de
Salvador. Quando da fundação do GGB, antes da reurbanização do Pelourinho, nos
meados dos anos 90, ocupavam uma dezena de casas nas principais artérias do
quarteirão central, sendo que por ocasião da "limpeza social" desta nova área
turística, foram obrigados a abandonar aqueles casarões, hoje vivendo em casas
caindo aos pedaços na parte "feia" do Centro Histórico, notadamente na Ladeira de
São Francisco e nas ruas Saldanha da Gama, Montalverne, Rui Barbosa e mais
distante, nas imediações da Praça Castro Alves: Gameleira, rua do Sodré, Ladeira
da Conceição.
Algumas poucas travestis costumam atender seus clientes no próprio quarto
onde habitam, praticando a prostituição “de janela". A maior parte das que
“batalham na pista” reservam seu quartinho não para atender clientes, e sim para

70
Boletim do Grupo Gay da Bahia, "Travestis", N°29, Volume XV, Julho l995; Mott,
Luiz & Cerqueira, Marcelo. As Travestis da Bahia e a Aids, Salvador, Ministério da
Saúde, Editora Grupo Gay da Bahia, Outubro, 1997
eventuais encontros íntimos com amantes fixos ou passageiros. Poucas vivem com
suas famílias em bairros distantes do centro.
Uma característica marcante desta população é sua grande mobilidade
espacial: 43% das entrevistadas disseram ter chegado a Salvador há uma semana;
17% a um mês; 14% no período de um ano e 26% a mais de um ano. Rara é a
semana que não desembarca uma nova travesti nesta cidade, aumentando
sensivelmente seu número no verão, entre os meses de dezembro a março, ocasião
das festas populares, do carnaval e do maior fluxo turístico nesta capital. 3/4 delas já
praticaram prostituição em duas ou mais cidades, predominando as que já fizeram
pista no Rio de Janeiro (27%) e Recife (19%), seguindo-se Aracaju, S.Paulo e Belo
Horizonte. 21 das travestis de Salvador (12%) já estiveram no Exterior, sobretudo
na Itália (Roma, Milão, Verona), na França e em menor número em Portugal,
Espanha, Grécia, Estados Unidos e Paraguai.
Um dos traços que surpreende no perfil demográfico desta sub-população é
que apenas 6% são analfabetas, comparados com os 16% da população brasileira.
O fato de se tratar de uma população alfabetizada torna mais eficaz a utilização de
material impresso na prevenção da Aids, pois além de 94% da população alvo ter
quando menos os rudimentos da leitura, as travestis, diferentemente da grande
maioria dos gays não assumidos, não têm problema em levar material explícito
sobre DST/AIDS para seus quartos, além do fato de disporem de muitas horas de
folga durante o dia para se dedicar à sua leitura. Portanto, cartazes, folhetos e
cartilhas sobre sexo seguro, com imagens bem explícitas e linguagem adaptada à
seu universo cultural constituem excelente instrumento de prevenção junto a esta
população alvo.
Quanto à idade, das 179 informantes, a mais jovem travesti residente em
Salvador tinha apenas 14 anos e a mais velha, 41anos. 13% destas profissionais do
sexo são menores de idade, estando portanto em situação de risco de serem presas
pela polícia e trancafiadas nos estabelecimentos do juizado de menores. Mais da
metade das travestis (56%) estão faixa etária entre 17 e 23, representando apenas
13% as que têm idade superior a 31 anos. A idade média das informantes foi de
23-24 anos.
35% das atuais travestis tiveram sua iniciação homossexual antes dos 10 anos
de idade, sendo a maior frequência (16%) aos 13 anos. Aos 15 anos, 94% das
entrevistadas já tinham mantido relações homoeróticas e 99% antes de atingir a
maioridade legal. Apenas 12% delas declarou ter sido vítima de violência sexual,
algumas vezes com sangrento anal por dias seguidos.
O mais jovem homossexual tinha 9 anos quando começou a usar roupas
femininas. Aos 15 anos , 1/3 das informantes já se travestia e 71% antes dos 18
anos. É nos anos mais críticos da adolescência - entre 14-15 anos - que 33%
destes jovens passaram a se travestir. Se aos 15 anos 95% deles já tinha debutado
na homossexualidade e 55% já se travestiam, nesta mesma idade 33% das
travestis já se dedicava à prestação de serviços sexuais. 52% delas já viviam do
trotoir antes de atingir a maioridade.
90% das travestis usam hormônios femininos, a mais precoce tendo iniciado
esta auto-medicação aos 10 anos, sendo aos 15 anos que a maior parte das 179
informantes (16%) optaram para tal expediente, a mesma idade em que passaram a
usar vestimentas de mulher. Mais da metade já usavam hormônios antes de atingir
os 18 anos. 12% delas iniciou esta terapia depois dos 20 anos e apenas 3 indivíduos
depois dos 30.
Predomina a ingestão oral dos hormônios, embora também muitos o utilizem
por via endovenosa - aplicado no mais das vezes por outra travesti com seringa e
agulha reutilizadas.
32% das informantes possuem silicone em uma ou mais partes do corpo.
65% delas declararam a intenção de aplicá-lo. Das 57 travestis siliconizadas, a mais
jovem tinha 13 anos quando fez a primeira aplicação, 73% tendo se submetido a
esta intervenção antes dos 25 anos
Conforme antecipamos, 97% das entrevistadas declararam ser profissionais do
sexo - termo erudito e politicamente correto mas não usado pelas próprias, que se
referem a tal atividade como “fazer pista” ou "batalhar”.
Apesar da opinião pública imaginar que as travestis prostitutas atendem
dezenas de clientes por dia, os extremos encontrados nesta pesquisa oscilaram de 1
a 14 atendimentos diários, estando a média entre 3 a 4 clientes por noite. 31% das
informantes declararam atender 5 clientes e 86% , de 1 a 5. Domingo e 2a. feira
são as noites mais fracas do comércio carnal, tanto que muitas travestis nem vão à
pista nestes dias. Segundo elas, a grande maioria dos fregueses são homens de
meia idade, de classe média, casados, que ao retornarem do trabalho para casa à
noite, procuram secretamente os serviços destes profissionais do sexo. 71 Esta
categoria de homossexuais enrustidos é igualmente muito exposta ao contágio
venéreo: por manterem clandestinamente suas escapadas homoeróticas, não
podem levar para casa material informativo sobre prevenção de DST/AIDS, daí a
importância de que as próprias profissionais do sexo se tornem na prática
prostitucional, agentes multiplicadoras de prevenção. Mais adiante voltaremos a esta
categoria quando tratarmos do "cliente invisível".
As travestis de pista têm como clientes uma ampla variedade de homens e
rapazes, que inclui além das “mariconas” - senhores de meia idade, homens
casados, geralmente proprietários de caro, vigilantes noturnos, taxistas, policiais,
marginais, “bóyzinhos" - rapazes de aparência viril.
As transexuais, diferentemente da maioria dos travestis, são inconformadas
com sua genitália, tanto que muitas delas realizam a operação de transgenitalização.
Poucas são as transexuais originárias da Bahia ou as que visitam esta terra: nestes
últimos 20 anos, talvez não tenham passado de duas dezenas as transexuais que
por aqui passaram, e quando na Boa Terra, as outras, sejam as travestis, sejam as
transexuais não operadas, comentam muito sobre as visitantes, pedindo não raro
que mostrem os resultados da operação corretiva. As transexuais, além de se total
identificarem totalmente com o sexo oposto, muitas, se tivessem condições
materiais, gostariam de substituir o incômodo pênis por uma neovagina. As não
operadas procuram esconder o pênis na cama, revelando que não chegam sequer
a ter ereção. Aproximadamente 1/4 destas travestis declararam que se pudessem
fariam a operação de "mudança de sexo".
Das 179 entrevistadas, 44% declararam “fazer pista” no Centro e 43% na
Orla. No Centro, concentram-se nas imediações do Quartel dos Aflitos e na Rua da
Ajuda – local que já nos finais do Século XVI lá estava o primeiro travesti de nossa
história, Francisco Manicongo, assim como o primeiro caso documentado de travesti
espancado por rapazes homofóbicos.72 Na orla marítima, hoje fazem pista
sobretudo na praia da Pituba. Barra, Ondina e Itaigara foram as áreas mais

71
Silva, Hélio. Travesti: A invenção do feminino. Rio de Janeiro, Relume Dumará,
1993, “O cliente fugidio. Os clientes debochados. Dar ou comer. Os respeitáveis,
passivos. Os fregueses maravilhosos.” p.98 e ss.
72
Mott, Luiz. Escravidão , homossexualidade e Demonologia. S.Paulo, Editora Ícone,
1988.; Homossexuais da Bahia, op.cit.
concorridas na década de 80, e que por pressão dos moradores e repressão policial,
hoje deixaram de ser ponto de trotoir. Mesmo a Pituba resiste como área de pista à
duras penas, pois como noutras capitais, também em Salvador volta e meia os
moradores dos locais de maior concentração de travestis protestam, seja por
travestifobia gratuita, seja contra seus exibicionismos, algazarras e
comportamentos anti-sociais. Em 1999 a Secretária de Segurança Pública da Bahia
declarou que tinha como questão de honra em sua política de tolerância zero retirar
as travestis desta zona urbana de classe média alta. 73
Conforme vimos, nossa população alvo declarou atender uma média de 3 a 4
clientes diários, 5 dias por semana. Se multiplicarmos tal média pelos 250 travestis
existentes na Bahia, teremos aproximadamente 250.000 relações homoeróticas por
ano, numa média anual de pouco mais de 1000 relações sexuais per capita, número
aliás pouca coisa inferior ao revelado pelas travestis brasileiras que fazem pista em
Roma, que disseram manter uma média de 1500 relações por ano.74
Desde 1980 que o Grupo Gay da Bahia vem realizando trabalhos de
prevenção de DST junto aos travestis prostitutos do Pelourinho, e desde l987 iniciou
campanha sistemática de prevenção da Aids, abrindo em l989 num casarão
habitado por travestis, um posto avançado de distribuição de preservativos. Em
1995 graças a um projeto financiado pelo Ministério da Saúde, e com a fundação da
Associação de Travestis de Salvador (ATRAS), passamos a realizar mensalmente
oficinas de sexo seguro e reuniões semanais, toda quinta feira à tarde, na própria
sede do GGB, contando com a presença de trinta ou mais travestis. Cada travesti
participante do projeto recebe de 15 a 20 camisinhas por semana, sendo raríssimo
hoje em dia encontrar-se uma travesti de pista que não tenha dentro da carteira ou
do bolso alguns preservativos obtidos no GGB. Daí 90% das travestis entrevistadas
terem respondido que usam regularmente o preservativo. 75
À pergunta: ”Há quantos anos usa camisinha?” 4% declararam que há
menos de 1 ano, 33% de 1 a 2 anos e 43% a mais de 3 anos. 7% disseram usar a

73
A Tarde, 1-5-99; A Tarde, 18-8-1995, “Rodando a Bolsa”; Jornal da Tarde, SP, 31-
1-91 ”Os incômodos vizinhos que usam batom”; Tribuna da Bahia, 25-2-1991,
“Caçada aos travestis”.
74
Folha de S.Paulo, 2-2-1992, ”Travestis brasileiros invadem a Itália”.
75
Cerqueira, Marcelo. "The prevention of HIV-STD with transvestites sex workers in
Bahia, Brazil", Abstract, n. 44174, XII Aids Conference, Geneva, 28-6/3-7-1998
camisinha há mais de 9 anos, data que coincidente com o início da campanha de
distribuição de preservativos grátis por parte do GGB. São exatamente as travestis
recém-chegadas em Salvador e que tiveram menor contacto com nossas oficinas de
sexo seguro, as que revelam menor uso do preservativo. 44% das entrevistadas já
haviam estado na sede do GGB ao menos uma vez, das quais 40% mais de 5
vezes , sendo que 1/3 delas visitou a sede da entidade de 20 a 100 vezes -
demonstrando o alto grau de aceitação deste programa junto à população alvo.
Infelizmente são poucas e limitadas as estatísticas sobre DST e
soroprevalência do HIV entre gays e travestis no Brasil. Segundo pesquisas
realizadas pelo Projeto Praça Onze, no Rio de Janeiro, de uma amostra de 200
voluntários homossexuais soronegativos para HIV, 37% tinham hepatite B, 15%
sífilis, 3,5% clamídia e 0,5% HTLV. Numa amostra de 37 travestis-prostitutos de São
Paulo, foi encontrado 62% soropositividade; em Salvador, pesquisa com 350
homossexuais (incluindo 10% de travestis), deparou-se com 12% de
soropositividade, aliás, taxa bastante próxima da encontrada em São Paulo e Belo
Horizonte que apontam para a prevalência de HIV em torno de 10,8% (N=11082)
e 9,4% (N=5570) respectivamente.76

76
O Globo, 14-4-1996, “Incidência de doenças venéreas entre homossexuais no Rio
assusta médicos”; Suleiman, G. & Galvão, P.A. Ayroza. “Prevalence of HIV among
transvestites in the city of S.Paulo”, Abstract of International Conference on Aids,
T.A.P.17; Cortes, Eduardo. “Hiv-1, HIV-2 and HTLV-I infection in high-risk groups
in Brazil”, The New England Journal of Medicine, vol.320, april l989, n.15, p.953;
Mott, Luiz et alii. “The impact of condom use to prevent HIV transmission amog male
homosexuals in Bahia, Brazil”. Abstract, 6th. International Conference on Aids,
S.Francisco, l992 ; Castelo Branco, L.C. et alii. “Frequency of antibody of HIV in
male and female prostitutes in Rio de Janeiro, Brazil.”, Abstract, 4th International
Conferenece on Aids, Stockholm, June l988; Souza Filho, Edson et alii.
“Representações sociais da Aids, práticas sexuais e vida social entre heterossexuais,
bissexuais e homossexuais em Brasília, Brasil.” Cadernos de Saúde Pública, 8 (4),
out.dez l992, p.428-441. Segundo informação da Polícia Militar de S.Paulo, quando da
realização da “Operação Silicone”, em fevereiro de l991, dos 105 travestis presos e
submetidos ao teste anti-HIV, 63 (60%) tiveram resultados HIV+, cf. Tribuna da
Bahia, 25-2-1991; "Proposta de Estudo de Avaliação da efetividade das ações de
prevenção dirigidas a homens que fazem sexo com homens", Ministério da Saúde,
CN-DST/Aids, Unidade de Prevenção, julho 2000. Como não há especificação, no
Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre as diferentes categorias de
"homossexuais", ficamos sempre na dependência de pesquisas estatisticamente pouco
significativas e de extrapolação problemática.
Segundo o Ministério da Saúde da Itália, dos 92 travestis brasileiros
examinados em Roma, em l991, 2/3 eram soropositivos.77 Pesquisa realizada no
Rio de Janeiro, numa amostra de 47 travestis e 50 homossexuais usuários de
cocaína, encontrou-se uma soropositividade de 28% para estes últimos e 64% para
as travestis. 78
Das 179 travestis entrevistadas, exatamente a metade declarou já ter feito o
teste anti-HIV , 62% uma ou duas vezes; 9% de 5 a 8 vezes. 18% das travestis
disseram ter sido mais de dez ou “inúmeras” as colegas vítimas desta síndrome.
Nos últimos anos sempre há no Pelourinho uma ou mais travesti acamada, com
várias infeções oportunistas, e que impossibilitado de batalhar, passa a viver da
caridade das colegas. Outras, quando muito debilitadas e carentes de sustentação,
são removidos para a CAASA, ou recebem cesta básica mensal distribuída por esta
entidade e entregues em suas casas pelo GGB. Há registro de uma travesti doente
de Aids, que mesmo paralítica em cima de uma cadeira de rodas, foi espancada
por policiais quando invadiram o velho casarão onde morava em busca de drogas. 79

 Homens com práticas homossexuais

É comum encontrarmos na maioria dos espaços de engate sexual de gays e


travestis de Salvador, uma população dispersa e diversificada de rapazes e homens
que muito embora tenham desejos e práticas homoeróticas, não se identificam nem
se afirmam enquanto homossexuais. Antigamente chamados de "caçadores",
conhecidos por todo o Brasil como "bofes" dentro do jargão gay, mais recentemente,
por influência de campanhas norte-americanas de prevenção da Aids, passaram a
ser cognominados de HSH, "homens que fazem sexo com homens", e que nós, há
anos, defendemos a utilização da expressão "homens com práticas homossexuais",

77
“Travestis brasileiros invadem a Itália”, Folha de S.Paulo, 2-2-1992
78
Surrat, Hilary. “Hiv risks among transvestites and other men having sex with men in
Rio de Janeiro: A comparative analysis.”, Abstracts, XI International Conference on
Aids, Vancouver, vol.1, C.2403, p.335.
79
“Lá vem o Rapa: a ordem da polícia é limpar as ruas”, O Estado de S.Paulo, 20-12-
1979; “Travesti de 17 anos acusa policiais de agressão”, Folha de S.Paulo, 23-9-1992;
“Travestis baleado por policial morre de Aids”, A Tarde, 30-11-1995
aliás, utilizando a mesma denominação da Coordenação de Aids do Ministério da
Saúde da França, conforme salientamos na introdução deste trabalho.

O termo "bofe" faz parte do vocabulário dos homossexuais brasileiros ao


menos desde a década de 30, pois já aparece referido no curioso artigo intitulado
"Estudo biográfico dos homossexuais (pederastas passivos) da Capital de São
Paulo", publicado em 1939. 80 Numa lista de 16 gírias usadas pelos gays daquela
época, consta o termo bofe significando "rapaz moço sem dinheiro". Segundo o
Dicionário Aurélio, o termo bofe também significa, além de pulmão de animal,
"indivíduo feio e sem atrativos", e em certas regiões do país, "meretriz de baixa
classe".

Na Bahia, de hoje, e no resto do Brasil, bofe é sinônimo de homem, ou melhor,


do varão que ostenta aparência máscula, e do qual geralmente se espera que seja
sexualmente ativo-penetrador na relação homoerótica.

Há muitos meninos, rapazes e homens adultos que por curiosidade transaram


uma ou mais vezes com homossexuais, e que por alguma razão, ou não gostaram
da experiência, ou consideraram-na menos satisfatória, definindo-se posteriormente
como heterossexuais exclusivos e conservando secretas, na maioria dos casos,
tais aventuras do passado. Há mesmo na Bahia um ditado popular que diz "baiano
dá de pequeno para não dar de grande", pressupondo exageradamente que nesta
terra de Todos os Santos, universalmente, todos os varões tiveram, quando menos
na infância, experiências homoeróticas – prática comum em muitas tribos da Nova
Guiné mas não universal entre nós.
Como dissemos anteriormente, se indagarmos aos gays de Salvador, qual
seria a porcentagem dos homens que "gostam do babado", isto é, se provocados,
aceitam manter relações sexuais com gays, sobretudo desempenhando performance
ativa e em ambiente reservado, a resposta é 20-30%. Não temos como assegurar a
veracidade desta estimativa, e se também neste nefando particular, a "vox populi
gay" coincide com a "voz dei".
Podemos garantir, no entretanto, que nestas últimas duas décadas, apesar da
maior visibilidade lesbigay e importantes conquistas no caminho da liberação sexual
em geral, vem diminuindo sensivelmente o número de jovens disponíveis e
interessados em manter relações com gays e travestis, retraimento que atribuímos
ao temor da Aids e de sua percepção como "peste gay". Nos inícios da década de
80, havia em Salvador locais tradicionais de grande facilidade para engate de gays
com bofes, como por exemplo, o Porto da Barra, a Barroquinha, a Praça do Elevador
Lacerda, o "Cemitério Sucupira" e a Praça Castro Alves, esta última sobretudo
durante a folia de carnaval. Desde a crise da Aids, tais espaços perderam muito
mais da metade de seu movimento e frenesi tradicionais, o que indiretamente tem
levado muitos gays que preferem relacionar-se com rapazes de aparência mais
simples e estereótipo viril, a cada vez mais buscar seus eventuais parceiros em
áreas periféricas, sendo ocasionalmente vítimas de violência e até assassinato. 81

Homens com práticas homossexuais constituem categoria bastante complexa


e variada, de tal sorte que a conhecida Escala Kinsey poderia nos auxiliar a melhor
entender essa população. Num continuum ou gradiente que vai do número zero a
seis, considerando zero o heterossexual exclusivo, o número um inclui aqueles
homens que em idade adulta tiveram ao menos dois orgasmos com o mesmo sexo,
o número dois engloba os que tiveram diversas relações homoeróticas, contudo em
número inferior às experiências com o sexo oposto, reservando-se o número três
aos bissexuais, cujas relações homo e heterossexuais equiparam-se.82
Assim sendo, em Salvador, como no resto do Brasil, embora seja tarefa de
dificílima consecução, avaliar, mapear e tipologizar os homens predominantemente
heterossexuais com práticas homossexuais, num esforço de descrição etno-
demográfica do universo homoerótico local, podemos quando menos propor a
seguinte classificação desta subcategoria sócio-sexual: bofes eventuais, garotos de
programa ou michês, massagistas, acompanhantes, maridos e clientes de travestis.

 Bofes

80
Whitaker, E. "Estudo biográfico dos homossexuais (pederastas passivos) da Capital
de São Paulo. Aspectos de sua atividade social", Arquivos da Polícia e Identificação,
vol. II, n.1, 1938-1939, p. 244-262
81
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no
Brasil, 1999. Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 2000
82
Kinsey, A. C. et alii. Sexual Behavior in Human Male.op.cit.
O "bofe eventual" é o rapaz ou homem adulto, de aparência viril, sem
identidade homossexual, que esporadicamente mantém relações homoeróticas, seja
com outro homem com idêntica situação existencial, seja com gays ou travestis. Tal
eventualidade homoerótica ocorre com mais frequência entre adolescentes em
iniciação sexual e que "seduzidos" por homossexuais mais experientes, mantêm
contacto íntimo umas poucas vezes, ou por pura curiosidade e prazer, ou com
interesse em alguma retribuição pecuniária ou material. Nosso Rei Pelé, por
exemplo, revelou em entrevista a uma revista colombiana que ele e todo seu time
juvenil tiveram sua iniciação sexual com um "veado".
O bofe eventual ou ocasional pode reincidir nos contactos homoeróticos, mas o
que mais o distingue das demais categorias sexológicas é a não definição de uma
identidade e a casualidade de seus orgasmos com o mesmo sexo.
Conduta diversa costuma ter o "bofe profissional", que faz da prestação de
serviço sexual seu ganha pão ou fonte subsidiária de renda. Nesta categoria de
profissionais do sexo de aparência viril (em oposição às travestis, profissionais do
sexo de aparência feminil) estão incluídos jovens e adultos popularmente
conhecidos como caçadores, rapazes de programa, michês, taxi-boys e
massagistas.
A primeira referência no Brasil a uma relação homoerótica mediada pelo
dinheiro ocorreu na Bahia em 1591, quando o estudante Jerônimo Parada, 17 anos,
"agasalhando-se o Padre Frutuoso Álvares em casa de sua avó, disse-lhe o dito
clérigo que fizessem como das outras vezes o pecado de sodomia, ao que ele
respondeu que não queria. Então o clérigo lhe deu um vintém e por ele se não
contentar com um vintém, lhe deu mais um vintém, então ambos tiraram os calções
e se deitaram na cama e o dito clérigo deitou-se com a barriga para baixo e disse a
ele que se pusesse em cima e assim o fez e dormiu com o dito clérigo carnalmente,
por detrás, consumando o pecado de sodomia, metendo o seu membro desonesto
pelo vaso traseiro do clérigo como faz com uma mulher, tendo polução uma só vez.”
E completa o documento inquisitorial: “O acusado se mostrou arrependido”. 83
Caçador é o termo mais antigo na Bahia para identificar rapazes que transam
com gays em troca de alguma vantagem material, seja dinheiro, um simples vale-

83
Confissões da Bahia, op.cit. p. 39-40
transporte, um acarajé ou de presentes e somas mais valiosas. Tais rapazes,
contudo são "free-lancers", não vivem desse expediente. Este termo foi muito
corrente nos meados do século XX, conforme referimos ao citar os folhetos de cordel
do poeta Cuíca de Santo Amaro. Os caçadores podem ser apontados como os
precursores dos atuais profissionais do sexo, vivendo numa época em que os
próprios homossexuais eram muito menos ousados e visíveis, período fortemente
marcado pela homofobia, em que na mentalidade popular, veado devia ser "caçado"
e desmascarado publicamente através do "tibum" das pessoas incomodadas,
quando não perseguidos e presos pela polícia.
O termo michê, assim como muitas outras palavras ligadas ao mundo da
prostituição, vem do francês (como rendez-vous, madame, etc) e tem dois
significados: michê tanto pode ser aquele que se prostitui, quanto o preço pago pelo
serviço prostitucional. Michetagem é neologismo equivalente a prostituição.
Não há na Bahia uma distinção clara entre rapaz ou garoto de programa e
michê. Alguns consideram que rapaz de programa refere-se sobretudo àqueles que
anunciam nos jornais seus serviços sexuais na sessão de massagem - também
conhecidos como taxi-boys ou massagistas. Outros reservam o termo michê àqueles
que atendem clientes eventuais na rua: no Rio, fazendo ponto na Cinelândia e Via
Ápia; em S.Paulo, na área da Ipiranga, Largo do Arouche e adjacências; em
Salvador, na Avenida Sete, na esplanada das escadas rolantes dos principais
Shopping Centers e próximo ao Elevador Lacerda, local apelidado pelos gays mais
antigos de “Cemitério Sucupira”. Em interessante pesquisa realizada junto a 53
michês de Curitiba, em 1999, Toni Reis, do Grupo Dignidade, informa que 37,%
destes rapazes preferem ser chamados de "boy", 28,3% de "garoto de programa" e
apenas 5,7% de "michê". 84
Para efeito desta análise, uso indistintamente os dois termos - michê e rapaz
de programa. Michês são aqueles rapazes geralmente ostentando aparência
acentuadamente varonil, que de noite, a partir das 20hs até o começo da
madrugada circulam por certas praças e ruas do centro da cidade, à espera de gays

84
Reis, Toni. "Pesquisa realizada em Curitiba com 53 michês entre 16-7 e 20-8-2000",
mimeo, Curitiba, 2000; Mays, V.M. " Motivational interviewing for HIV risk
reduction among gay men in commercial and public sex environments", XIII
International Aids Conference, Durban, South Africa, Abstracts on Disk, Break the
Silence, 9-14/7/2000, WePeD4754.
que os contratam para transar, notadamente ao longo da Avenida Sete, Praça da
Piedade, Rua Carlos Gomes, Praça Municipal, Rua Chile e nos espaço de
alimentação e próximo às escadas rolantes dos shoppings-centers . Estacionam-se
disfarçadamente nos pontos de ônibus, ou perambulam pelas ruas e praças,
atentos aos gays que passam a pé ou motorizadas. Quando abordados, combinam
rapidamente o preço e embarcam no carro ou dirigem-se para pensões ou quartos
de seus clientes. Embora grande parte desses michês assuma postura hiper-viril,
resumem seu desempenho sexual a serem chupados e a penetrarem seus
parceiros, sem carinho, nem beijos ou abraços; outro tanto desses rapazes,
dependendo do quanto se Ihes pagar a mais, "fazem de tudo na cama": felação,
cuniIíngua, deixam-se sodomizar, etc.

São jovens geralmente com menos de 25 anos, predominando os pardos e


mulatos, mais raramente brancos e negros retintos. Durante o dia são estudantes,
office-boys, desempregados. Para alguns esta atividade sexual é a principal fonte
de ingressos; para outros, um suplemento; para estoutros, um artifício para
escamotear sua homofilia mal resolvida, unindo o útil ao agradável: "transo por
dinheiro, um negócio como qualquer outro, não sou viado" - são frases comuns que
ouvimos de alguns desses rapazes.

Muitos michês são jovens de origem social pobre que descobrem poder
ganhar alguns trocados extras, ou mesmo fazer grandes negócios, explorando o
mercado prostitucional homoerótico. Saem de seus bairros periféricos a caminho do
centro da cidade grande, onde no anonimato da metrópole, fazem ponto nas
esquinas, atrás das árvores e paradas de ônibus, à espera de algum cliente que os
convide para dar uma volta de carro. No mais das vezes, motorista e pedestre
trocam poucas frases na janela do carro, acertando preço, preferências sexuais e
outros detalhes logísticos. Os mais habitués dispensam tal diálogo, pois já
conhecem e são conhecidos da clientela.
Os programas podem ser feitos dentro do carro, em local discreto e escuro, em
pensões e motéis, ou na casa do cliente. Infelizmente, é nestas casas e
apartamentos que muitos gays são vítimas de violência e assassinato: de um total
de 1830 homossexuais assassinados no Brasil entre 1980-1997, aproximadamente
20% destes crimes foram praticados por rapazes de programa - algumas vezes,
marginais e homicidas que disfarçam-se de michês para praticar latrocínios - matar
para roubar.
Podemos perceber quando menos três tipos de rapazes de programa em
Salvador: uns que mantêm o comportamento exclusivamente de “machão ativo”: não
beijam, não tocam no pênis do cliente, só querem ser chupados e penetrar. Há
michês que chegam a fazer sexo oro-anal com o gay ("cunete"), recusando-se
beijar na boca, reservando tal intimidade para envolvimentos não profissionais. Este
tipo faz questão de deixar bem claro que está transando por interesse financeiro:
fica excitado com o gay, não porque também se considera homossexual, mas
"porque é macho mesmo, e macho tem de meter sempre, não importa de quem ou
qual seja o buraco. "
Muitos rapazes de programa representam este papel de super-machos para
não decepcionar o cliente, pois há gays que dizem "só transar com 100% homem",
nutrindo a vã ilusão de que foi o primeiro ou o único a despertar a atração
homoerótica daquele rapaz.
Estes michês do primeiro tipo têm como questão de honra não expressar
nenhuma ternura ou amor pelo parceiro homossexual: reagem, às vezes
agressivamente, ao serem identificados como gays, aliás, conduta semelhante à
observada por Nestor Perlongher em seu livro O Negócio do Michê, relativo aos
rapazes de programa de São Paulo.85 Os psicanalistas diagnosticariam muitos
destes indivíduos como “homossexuais egodistônicos” - isto é, o ego destes michês
está fora de sintonia com seu desejo erótico. Às vezes chegam a matar para lavar a
honra com o sangue do gay, assim negando pertencer a essa espécie maldita. 86

Há um segundo tipo de rapazes de programa: são menos reprimidos


eroticamente, embora conservem em público os mesmos estereótipos do machão
predador: na cama, porem, gostam e praticam todo tipo de sacanagem - beijam na
boca, fazem troca-troca, não se importam de funcionar como objetos sexuais de
seus clientes, inclusive passivamente, desde que o pagamento seja compensador.
Uma categoria crescente de rapazes de programa se especializaram em dois
novos nichos urbanos: os que anunciam em classificados de jornal sob o título de
relax ou acompanhantes e os massagistas de sauna.

85
Perlongher, N. O Negócio do Michê, p.cit.
86
Mott, Luiz. Homofobia, op.cit.
Em Salvador, é notadamente no jornal A Tarde, já septuagenário e que se
auto-propala "o maior do Norte e Nordeste", conhecido por sua tradicional postura
homofóbica, onde mais se divulga, no caderno de classificados, a oferta de serviços
sexuais. Em pesquisa realizada neste periódico, constatamos que apenas a partir de
1975 que passou a ter uma seção de classificados e somente em dezembro de
1979 que surge o primeiro anúncio de uma casa de massagem erótica, sob o título
de "relax".
Entre 1980-1984 diariamente este jornal divulgou de um a dois anúncios de
"agência feminina" com oferta de mulheres disponíveis para encontros íntimos. Só a
partir de 1985 que surgem os primeiros anúncios de "agências masculinas", sempre
em proporção muito inferior às "femininas", numa relação de 2 para 10. Já nesta
quadra a oferta de itens sexuais se diversifica, incluindo boutique de produtos
eróticos, iniciando-se a partir de então alguns esporádicos anúncios individualizados
de homens profissionais do sexo.
De 1990 a 1994, os anúncios diários de agências de massagistas mulheres
aumentam, oscilando entre 6 a 13, sempre mais numerosas tais ofertas nos fins de
semana, enquanto que o número de agências anunciando massagistas homens
permanece estável: apenas um anúncio diário. Novidade destes anos são as
agências mistas, de mulheres e homens, aparecendo de 3 a 9 nos anúncios diários.
É a partir desta data que surgem os primeiros anúncios de travestis, referidas
usualmente como "bonecas".
1995-1999 representa o boom da oferta de serviços sexuais em classificados
diários de Salvador: a 4 de maio de 1999, quando encerramos o levantamento deste
tópico, havia 107 anúncios de mulheres, 42 homens, 2 "bonecas", 2 casais, 1
agência masculina, 17 agências femininas, 2 agências mistas, 4 lojas de produtos
eróticos e 2 saunas masculinas.
A partir da análise destes números, podemos perceber certas tendências:
primeiro que a utilização de classificados com anúncios de serviços sexuais só surge
na Bahia em 1979, portanto, novidade do último quartel do século XX, decorrência
da maior liberação dos costumes, embora ainda sob o regime militar. Apesar de
sempre majoritária a oferta de profissionais do sexo feminino, só a partir de 1985
que surgem os primeiros anúncios de homens disponibilizando seus préstimos
sexuais – recordando que o Grupo Gay da Bahia fora fundado em 1980 e que em
1985 existia em Salvador uma dezena de estabelecimentos de lazer dirigidos à
comunidade homossexual.
Note-se que o aumento significativo de oferta de profissionais do sexo na
década de 90 coincide exatamente com a expansão da epidemia da Aids também na
Bahia, evoluindo de 5 casos entre 1984-85, 48 em 1987, 196 em 1989 e 331 em
1991, dos quais 42% referentes à transmissão homossexual e bissexual. 87
Nesta década notamos a proporção de um profissional do sexo masculino para
3 ou 4 do sexo feminino. A solução encontrada nos últimos anos de agências mistas
demonstra uma evolução na prostituição de mulheres e homens, que partilham não
apenas o mesmo espaço na pista – na Rua da Ajuda, no Centro Histórico, ou na
Pituba, como também nos classificados do jornal.
A inclusão de travestis nos classificados coincide com a popularização e
barateamento do telefone celular, posto que nos últimos dois anos quando menos
1/5 das travestis de pista de Salvador têm seu próprio celular. Um exemplo: a
travesti Lena, que foi vice-presidenta da Associação de Travestis de Salvador, hoje
retornada ao Ceará, era uma destas profissionais do sexo "celularizada": tantas
eram as ligações diárias que recebia de clientes interessados, que a todos
respondia mecanicamente dando sua ficha física e detalhes da performance erótica.
A telefonia celular beneficiou significativamente o acesso dos clientes aos/às
profissionais do sexo.
A simples comparação dos anúncios dos profissionais do sexo de Salvador
com outras capitais brasileiras, permite-nos uma melhor compreensão do significado
desta prática no conjunto das tribos homossexuais de nossa cidade. 88

Anúncios de Profissionais do Sexo em Seis Capitais Brasileiras

Cidade Total Anúncios Masculinos Travestis


Brasília 244 28 (11,4%) 4

87
"Avaliação Epidemiológica da Aids na Bahia", Secretaria da Saúde do Estado da
Bahia, Divisão de Vigilância Epidemiológica, março 1993.
88
Fontes: Correio Brasiliense, "Relax", 31-5-2000; Diário Popular (Curitiba),
"Acompanhantes", 7-10-1999; Zero Hora, Porto Alegre, "Acompanhantes", 20-6-
1999; Jornal do Brasil (Rio de Janeiro),| "Massagens", 9-5-2000; A Tarde, (Salvador),
"Massagistas", 25-6-2000; O Estado de São Paulo, "Relax", 4-5-2000.
Curitiba 101 10 (9,9%) 1
Porto Alegre 225 22 (9,7%) 9
Rio de Janeiro 48 9 (18%) 7
Salvador 97 34 (35%) 1
São Paulo 195 10 (5,1%) 6

Brasília é a cidade que apresenta o maior volume de anunciantes na seção de


"relax", seguida de Porto Alegre e São Paulo: a primeira constatação é que a
quantidade de anúncios não reflete proporcionalmente a população total da cidade,
pois nesta amostra, a cidade menos populosa é exatamente a que oferece o maior
número de profissionais do sexo. Aliás, Brasília tem fama nacional entre as travesti,
de ostentar grande efervescência no mercado prostitucional. Embora S.Paulo
contabilize número relativamente reduzido de anúncios, muitos destes classificados
referem-se não a indivíduos, mas a agências, relax, houses e até uma "pizza e
companhia, o único lugar de S.Paulo onde você come a melhor pizza e leva o
brotinho para sua casa..."
Outro aspecto merecedor de nota é a diversidade da forma e conteúdo destes
anúncios. Enquanto nos jornais de Salvador e São Paulo não aparecem fotos
dos/das massagistas, e em Brasília na seção de "relax" há apenas a foto de uma
mulher (ou travesti?) que se anuncia "fazendo gostoso ao vivo", em Curitiba há nove
fotos, sendo vinte em Porto Alegre, incluindo duas de rapazes.
É portanto no Brasil meridional onde os/as profissionais do sexo atingiram grau
mais sofisticado de marketing, pois além de fotografias de boa qualidade, bastante
insinuantes, sobretudo na capital gaúcha, constam em alguns anúncios a
mensagem: "english speaking" e "hablamos español"; outros informam:
"trabalhamos com book", e têm home-page na internet. Em Curitiba há
"cooperativas de garotas" e duas ofertas de lesbian chic "para homens, mulheres e
casais, aceitando-se cartão de crédito". Em Brasília vários rapazes fazem questão
de destacar que são de fora, apelando para o atrativo da novidade: alguns tendo
chegado recém do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, outro dizendo-se filho de
polonês do Paraná, etc.
Porto Alegre é onde mais travestis e transexuais oferecem seus préstimos
eróticos, nove pessoas, algumas dizendo-se superdotadas. Uma delas, anunciando-
se "quase mulher, oferece sexo A-N-A-L, ORAL, TOTAL." Como dissemos, é nesta
cidade onde os classificados são mais longos, detalhistas, alguns até poéticos. Foi o
único lugar onde encontramos um anúncio politicamente correto quanto à prevenção
da Aids: "afeminado sensual, para o prazer, sexo seguro, das 14hs às 24hs." Nesta
mesma cidade, um Lobo Solitário diz ter "acessório para passivos e atender clientes
da terceira idade a domicílio". A travesti Tallyta, além de poder ser vista no seu
próprio site na internet, diz que foi capa de revistas eróticas e de vídeo-clips.
No Rio, o número de travestis anunciantes é quase igual ao dos rapazes,
sendo as "bonecas" que iniciam a lista de "massagens": os profissionais do sexo da
cidade maravilhosa são os mais exibicionistas quanto ao tamanho do pênis: dos seis
anunciantes, cinco divulgam de forma cifrada quantos centímetros possuem:
"Alexandre mulato, exageradamente viril, 24 motivos...; Pedro avassalador, único
com 26 motivos comprovados...; Marcelo, potente, com 22 motivos para te atrair..."
Também no Rio, alguns travestis revelam seus dotes penianos: "A belíssima Letícia,
boneca, extremamente feminina, a única com 23..., super potente; Luma, boneca
gaúcha, loiríssima, dotação 22, estilo mulherão..."
Em Salvador, conforme antecipamos, os anúncios não se fazem acompanhar
de fotografias e comparativamente aos das demais cidades citadas, são bem mais
discretos. Sendo o jornal A Tarde reconhecidamente homofóbico, recusando
anúncios com a palavra travesti e recados de gays à procura de gays, certamente as
próprias atendentes nos balcões de anúncio se encarregam da censura prévia,
descartando frases ou expressões mais explícitas comuns em outras capitais.
O que chama a atenção, não obstante, é o número elevado de anúncio de
rapazes: enquanto em S.Paulo os rapazes de programa representam apenas 5,1% e
entre 9-18% nas demais capitais, em Salvador, 35% dos anunciantes como
"massagistas" são homens, a maioria oferecendo-se exclusivamente para o
atendimento de homens. Alguns exemplos: "Adriano, para passivos, privê; Gustavo,
ativo, passivo, privê; Igor, 29 anos, quer somente ativos; Garotos atraentes e ativos."
Outros revelam curriculum especial: "Ângelo, modelo da revista Brasil; Arthêmio,
musculoso, stripper, despedidas; Domingão, super musculoso, corpaço escultural,
realizando fantasias inesquecíveis; Heron, novinho, mauricinho, dominador; Joatan,
100% negro, prazeroso; Tom, morenaço peludo, com itens extremamente deliciosos,
furacão baiano na cama."
Num domingo à tarde, dia particularmente procurado pelos clientes, ligamos
para os 34 anunciantes homens acima citados: destes, 8 não responderam ao
telefone. O primeiro destaque deste contacto, é a gentileza e a presteza como
atendem os eventuais clientes, alguns "recitando" logo no início da conversa, suas
características: cor da pele, dos cabelos e olhos; peso e altura; músculos; tamanho e
formato do pênis. A maioria se apresenta como "ativo liberal", que assim é
explicado pelos próprios: "faço tudo, menos dar". Nenhum tomou iniciativa de referir
ao uso de preservativo, mas quando perguntados sobre seu uso, todos disseram só
transar com camisinha, embora a metade tenha declarado poder dispensá-la para
fazer sexo oral.
Os anúncios que incluem o termo "privê" significam que o próprio rapaz de
programa dispõe de quarto ou apartamento para receber o cliente. Os preços
variaram de R$50,00 a R$70,00, por duas horas de duração. Diferentemente das
massagistas mulheres que já nos classificados indicam o preço da visita (de
R$50,00 a R$150,00), os anúncios dos garotos de programa omitem o valor do
programa. No caso do encontro se realizar fora da residência do garoto ou do
cliente, geralmente os mais citados foram os hotéis Capri, no Largo Dois de Julho,
a R$17,00 por duas horas de permanência; Hotel Bom Pastor, no Largo da Pólvora,
a R$20,00; Hotel Diplomata, Largo Dois de Julho, a R$20,00.
Obviamente que nem sempre os anúncios correspondem exatamente à
realidade, seja na aparência hercúlea dos rapazes, seja no seu desempenho sexual:
o eufemismo "ativo liberal" inclui, no mais das vezes, toda a passividade desejada
pelo cliente, pois como diz realisticamente o ditado baiano, "com cuspe e com jeito,
se vai ao furico do sujeito..." Avaliamos que deve circular em Salvador uma média
de cinqüenta rapazes de programa que se anunciam nos classificados de jornal,
alguns deixando de faze-lo temporariamente quando encontram algum cliente que
exige e esteja disposto a bancar a exclusividade sexual.
Uma nova categoria de rapazes de programa em Salvador é representada
pelos massagistas de sauna. Rapazes na faixa dos vinte anos, com corpos de
adônis e olhares sedutores, que perambulam pelas saunas quer para massagear de
fato algum cliente, (massagem relaxante ou erótica), quer para prestação de
serviços sexuais dentro das cabinas privês. Nas principais saunas de Salvador,
todos os dias, a partir das 15hs, há por volta de três a cinco massagistas
disponíveis, que acertam com cada cliente o preço desejado pela prestação do
serviço sexual, variando seu valor de R$10,00 a R$50,00. Geralmente
desempenham o estilo "ativo liberal", compartilhando a mesma cultura sexual da
categoria anterior. Aliás, diversos destes massagistas de saunas gays anunciam
igualmente nos classificados de jornal como "acompanhantes". Alguns poucos fazem
show como gogo-boys ou stripers nas boites gays, notadamente na Holmes e Mix
Ozone.
Antes de concluir esta reconstituição do universo dos homens que fazem sexo
com homens em Salvador, há ainda um derradeiro tipo de rapazes de programa,
chamados pelos gays baianos de “bofonecas”: são jovens com orientação sexual
predominantemente homoerótica, em processo de homossexualização. São
indivíduos predominantemente homossexuais no seu íntimo, mas ainda dominados
pela homofobia internalizada, reflexo da dominância da cultura heterossexista: têm
medo e repulsa em assumir o próprio homoerotismo, daí começarem a exerce-lo
apenas como “profissionais”, escorando-se na desculpa que estão transando apenas
por grana, temerosos de assumir o tesão pelo mesmo sexo.
Muitos destes rapazes de programa praticam a prostituição apenas durante sua
iniciação homossexual, assumindo-se totalmente gays quando reúnem coragem
para perceber que amar e sentir desejo erótico por outro homem é um sentimento
tão gratificante quanto a heterossexualidade.
Consideramos os rapazes de programa uma minoria sexual carente de
inadiável intervenção por parte do movimento homossexual, pois boa porção destes
moços, embora sejam predominantemente homoeróticos, vivem angustiados e
rejeitam tal orientação sexual, por terem internalizado a homofobia dominante em
nossa sociedade heterossexista. Expõem-se também, mais ao risco de infecção por
HIV/Aids, pois muitos por não terem identidade e nem se auto-afirmarem como
gays, recusam os folhetos e cartilhas distribuídos à população homossexual.
Lastimavelmente, muitos rapazes de programa alimentam violentos impulsos e
reações homofóbicas, constituindo perigosa ameaça para a integridade física de
seus clientes gays. 89
O grupo dos bofes é a categoria social com práticas homossexuais a mais
difícil de ser atingida pelos programas de prevenção DST/AIDS, pois não se
organizam em grupos, vivem clandestinamente sua prática homoerótica, muitos
compartilham a ideologia que AIDS é "peste gay" e que sendo ativos no ato sexual,
não correm risco de contágio. Como devido à sua vida homoerótica clandestina não
podem levar para casa material educativo sobre sexo seguro entre homens e
dificilmente aceitam o convite para visitar a sede de um grupo gay, o melhor meio de
motivá-los a adotar comportamentos preventivos é através do contato corpo a
corpo, com a distribuição de folhetos curtos, diretos que após lidos na rua poderão
descartar antes de chegar em casa, tema já tratado anteriormente.

 Maridos de travestis

Do mesmo modo como ocorre entre as mulheres profissionais do sexo, muitos


travestis prostitutos mantém relações mais ou menos estáveis com um homem a
quem chamam "marido", e que no mais das vezes são rapazes de seus vinte e pou-
cos anos, mulatos ou negros, sem profissão ou ocupação regular, os quais
funcionam como amantes, protetores ou gigolôs das "bonecas".

Tive oportunidade de observar pessoalmente alguns destes rapazes quando


das muitas visitas diurnas que fiz às travestis em seus quartinhos. Muitos dormiam,
insensíveis à conversação e ao cantarolar esganiçado das radiolas dos quartos
contíguos. Alguns ostentavam má aparência, com dentes faltantes, "pano branco"
(micose) espalhado pelo corpo – lembrando a definição que o dicionário deu ao
bofe: "rapaz feio e sem atrativos". Outros assumem o papel de "boys", com tênis de
marca, roupa de griffe, cabelo lustrando a cosmético e excelente aparência,
despertando grande cobiça das "amigas".

Muitos destes homens são sustentados pelas "bonecas", dormindo direto ou


apenas algumas noites em suas camas, comendo de sua comida. Quando a féria da
noite foi suficiente, recebem da travesti algum dinheiro para o cigarro, diversão e
para a merenda. Retribuem tais doações assistindo sexualmente à travesti,
funcionando alguns como uma espécie de guarda-costas ou leão-de-chácara, defen-
dendo sua amante contra algum eventual cliente metido a valente ou mal pagador.
Quando suas "bonecas" são retiradas de circulação e confinadas na Delegacia de
Costumes, viram-se como podem a fim de conseguir sua soltura. O GGB já foi
procurado diversas vezes por mais de um destes rapazes, intercedendo em favor de

89
Na citada pesquisa realizada entre michês de Curitiba, de um total de 50
informantes, 45 (90%) declararam que se tivessem oportunidade, deixariam de fazer
sua amante travesti que "mofava" numa das infectas celas de Delegacia. Eu mesmo
presenciei, quando da prisão de 18 travestis por ocasião da visita da Rainha da
Dinamarca à Bahia, em maio de 1999, a presença de quatro maridos aguardando
na sala de espera da 1a Delegacia, a soltura de suas "mulheres", soltura conseguida
graças à enérgica interferência do Grupo Gay da Bahia.90

O relacionamento sexual entre a travesti e seu bofe ou gigolô reproduz no


mais das vezes, o esquema estereotipado do homem-ativo-penetrador X mulher-
passiva-penetrada. A travesti Andréa declarou: "no dia que meu bofe "pegou em
minha rola, neste mesmo dia o botei prá rua. De bicha basta eu!" Outras travestis
têm fantasias sexuais diversas: Monique reclamava da resistência de seu amante
em deixar-se penetrar, mas vaticinava convicta que "mais uma semana e enrabo
meu marido!"

De vez em quando alguns destes homens têm problemas com a polícia, quer
por envolvimento com roubos, uso ou tráfico de drogas ou mesmo contravenções
mais graves. O amante de Wamburga foi acusado de ter esfaqueado um camelô no
Maciel, fugindo em seguida, redundando na detenção da pobre travesti por treze
dias consecutivos sem ter outra culpa além de ser amante do suspeito do crime.
Somente mediante a intervenção do GGB junto à comissão de Defesa dos Direitos
Humanos da OAB/Bahia é que a travesti foi liberada, graças a um habeas corpus.

Uma das tarefas mais árduas e não menos importantes na prevenção junto às
travestis é convence-las de que o amor não protege ninguém contra DST e Aids, e
que devem usar sempre a camisinha, mesmo com seus amantes. Tarefa difícil, mas
não impossível, pois segundo depoimento de numerosas travestis que frequentam
semanalmente as reuniões da Associação de travestis de Salvador, nem mesmo
com os maridos muitas abrem mão do preservativo.

 Clientes de Travestis

programa.
90
A Tarde, 1-5-1999
Uma das minorias sexuais de Salvador e do resto do país que oferece maior
dificuldade de acesso, são os homens e rapazes clientes dos serviços sexuais das
travestis de pista. Em decorrência da clandestinidade de tais encontros, do risco de
batidas e extorsões policiais, os clientes afastam qualquer tentativa de aproximação
de estranhos, recusando-se peremptoriamente ser entrevistados. Para compensar
tal lacuna, solicitamos a 34 travestis, de áreas distintas de prostituição, que
diariamente, preenchessem uma pequeno questionário descrevendo o perfil sócio-
demográfico de cada cliente . Embora reconhecendo os limites de tais informações,
foi a única solução encontrada para conhecermos mais de perto tal universo
populacional.

Esta amostra refere-se portanto a 871 atendimentos por parte de 34 travestis


de Salvador, incluindo sete áreas de prostituição: Aflitos, Ajuda, Avenida Sete,
Carlos Gomes, Pituba, São Francisco e Cine Pax.

38% das travestis disseram ter atendido apenas um cliente na véspera, 45%
dois clientes e 14%, três. O que vale dizer que 97% destes profissionais do sexo
tiveram de 1 a 3 clientes por noite, média muitíssimo inferior à imaginada pela
população em geral e pelos epidemiologistas mais homofóbicos, alguns afirmando
que passavam de uma dezena os atendimentos diários da maioria destes
profissionais do sexo.91

Os encontros sexuais entre travestis e seus clientes acontecem ao longo de


todo o dia, 51% concentrando-se entre 20-24hs, predominando a Pituba como local
de trotuar (75%), seguido da Rua São Francisco (24%) e a Rua da Ajuda (18%).
Quanto ao local onde se realizam os encontros íntimos das travestis com seus
clientes, temos em ordem de freqüência: 36% no carro do cliente, 24% no quarto da
travesti e 11% em pensão.

De acordo com informações prestadas pelas próprias travestis, eis como elas
teceram o perfil de seus clientes: 50% pardos, 37% brancos e 13% negros. A idade
variou de 17 a 54 anos, sendo 5% dos clientes com menos de 20 anos, 65% de 20
a 30 anos, 30% de 30 a 40 anos e 2,2% com mais de 40 anos. Em síntese: 2/3 dos
clientes de travestis têm menos de 30 anos, o que relativiza a opinião geralmente

91
Mott & Cerqueira, As Travestis da Bahia e a Aids, op.cit.
divulgada na mídia de que são sobretudo homens de meia idade que procuram os
serviços sexuais destes profissionais.

À pergunta: em que classe social se enquadra seu último cliente, as travestis


responderam: 88% classe média, 6% pobres e 5% ricos. 52% dos clientes os
abordaram no carro – o que indica que a prostituição "de janela" ou nas imediações
de suas residências ainda faz parte importante deste universo relacional.

98% das informantes disseram que têm como hábito acertar o preço antes da
transa, evitando assim desentendimentos e brigas – variando tais valores de R$3,00
a R$85,00. Em 9% de suas últimas transas, as travestis receberam menos de
R$10,00. Mais da metade dos clientes pagou de R$10,00 a R$20,00 sendo que
280 clientes (32%) pagaram 15 reais, o preço mais freqüente. Apenas 5% dos
clientes pagaram mais de R$50,00 – sendo este o preço pedido pelos rapazes de
programa de Salvador em seus anúncios no jornal. O que vale dizer que no mercado
prostitucional, os serviços sexuais de travestis vale em média menos da metade do
cobrado pelos massagistas e menos de 1/3 do exigido pelas mulheres que anunciam
no jornal.

A rotatividade dos clientes de travestis parece ser bastante elevada, pois


segundo depoimento dos mesmo, 51% das últimas relações foram efetuadas com
homens desconhecidos que os tinham procurado pela primeira vez.

93% das relações das travestis com seus clientes tiveram menos de uma hora
de duração, variando de dois minutos, a mais rápida, a três horas o encontro mais
prolongado. Mais da metade destes encontros (56%) não ultrapassaram 20 minutos
– certamente prevalecendo nestes casos as relações mantidas na praia, em ruas
desertas ou dentro do carro. Nos motéis e pensões, o tempo limite para aluguel de
quartos rotativos costuma ser de duas horas.

No que se refere às práticas sexuais desta população, à pergunta: "o que você
fez com o cliente?", tivemos as seguintes regularidades: 95% das travestis disseram
ter praticado felação com o cliente; 70% declararam ter sido sodomisadas pelos
mesmos; em 24% das relações os travestis foram ativos e em 63% das transas os
clientes foram masturbados pela travesti .
Invertendo agora a questão, "o que o cliente fez com você?", obtivemos as
seguintes respostas: 25% dos clientes praticaram felação na travesti; 24% dos
clientes foram passivos; 68% dos clientes sodomisaram as travestis e 36%
masturbaram as profissionais do sexo.

Estes números obrigam-nos a questionar as inúmeras reportagens e


declarações freqüentes dos próprios profissionais do sexo, geralmente afirmando
que a maioria de seus clientes – a quem chamam de mariconas, pagam para ser
"enrabadas" por estas mulheres fálicas. Em 610 destas relações, as travestis da
Bahia foram passivas, para 211 vezes em que passivos foram os clientes. A mesma
tendência quanto ao sexo oral: 828 vezes as travestis chuparam o cliente, para 216
felações praticadas pelo parceiro. O que explicaria a frequência com que as
travestis costumam declarar quando entrevistadas, que via de regra, são elas as
"ativas"? Machismo interiorizado que ainda considera a passividade como estigma,
uma espécie de vingança ou desforra contra a masculinidade de seus clientes?

Como os 34 travestis informantes são freqüentadores regulares da sede do


Grupo Gay da Bahia e das reuniões da Associação de Travestis de Salvador, onde
semanalmente recebem de 10 a 20 preservativos grátis, variando tal número em
função do estoque disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde, talvez essa
peculiaridade justifique o altíssimo uso de camisinha por parte dessas informantes:
96% das travestis disseram ter praticado sexo seguro nas últimas relações. De fato,
em nossos trabalhos de campo na zona de prostituição, é raríssimo encontrarmos
alguma travesti que não esteja prevenida com uma ou mais camisinhas. À pergunta:
"quem tomou a iniciativa do uso do preservativo?", a resposta foi: 78% a própria
travesti; só 2,5% o cliente e em 21% dos casos, "ambos". Para felicidade destes
amantes – e crédito a favor do Ministério da Saúde e IMETRO, órgãos encarregados
do controle de qualidade dos preservativos distribuídos nos programas de prevenção
junto a populações de menor poder aquisitivo, apenas 0,9% das camisinhas furaram
no ato sexual. Este resultado tão satisfatório deve ser creditado ao uso de gel
lubrificante à base de água, igualmente distribuído pelo GGB.

Um dado interessante desta pesquisa é quanto ao "vício", isto é, o sexo não


comercial praticado pela travesti com seu marido, amante ou bofe eventual. Para
um total de 34 informantes, cinco informaram ter atualmente um amante, cujas
idades variaram entre 14-30 anos. No tocante às práticas sexuais com seus
amantes ou paqueras eventuais, as travestis não alteram significativamente a
morfologia dos atos eróticos, pois praticam a felação e são sodomisados
aproximadamente nas mesmas proporções quando mantêm relações comerciais,
variando significativamente, contudo, a frequência com que são ativos: no "vício",
algumas travestis têm muito mais gosto de penetrar seus parceiros do que quando
mantêm relação comercial com as mariconas, tanto que com amantes eventuais,
100% dos travestis revelaram ter chegado ao orgasmo, enquanto que com os
clientes, apenas em 22% das transas chegam a ejaculação. Atendendo a uma
média de 1 a 3 clientes por noite, costumam as travestis reservar suas energias
para conseguir manter o pique erótico até o fim do expediente, razão pela qual
raramente ejaculam com os clientes, guardando para suas relações eletivas, o vício,
o ápice do prazer.

Reconstituído o perfil das diferentes categorias que constituem o universo


homoerótico de Salvador, vejamos a seguir os espaços e nichos urbanos ocupados
por tais personagens.
3. A cena gay em Salvador

Como em todas as capitais e maiores cidades do Brasil e em grande parte


dos países do mundo, também em Salvador os diferentes grupos ou tribos
homossexuais ocupam diversos espaços urbanos, aí desenvolvendo laços de
sociabilidade, lazer e engates sexuais. O estudo de tais espaços tem merecido
atenção tanto de historiadores como de cientistas sociais.92
A tendência dos homossexuais de se reunir em tavernas onde encontravam
outros elementos socialmente marginais, parece ter se iniciado no começo do século
XV na Europa, embora só a partir do século XIX tais lugares passam a se tornar
mais numerosos e privativos. Os modernos bares gays são instituições originárias
da Europa Ocidental e dos Estados Unidos e em muitas localidades, são os únicos
espaços de sociabilidade homossexual. 93
Conforme podemos ler no Research Guide on Homosexuality , as principais
áreas urbanas tornadas nichos específicos para diferentes tribos da comunidade
homossexual, internacionalmente conhecidas como "gueto gay"94 ou mais
recentemente como " cena gay" são: bares, saunas, praias, e locais isolados onde
é possível a realização de sexo impessoal. 95
Também em Salvador encontramos, mutatis mutandis, estes mesmos espaços
freqüentados por homossexuais: primeiro os espaços públicos, como ruas e praças

92
Higgs, David (Ed.) Queer Sites. Gay Urban Histories since 1600. London,
Routledge, 1999. Nesta obra, há um capítulo sobre a vida gay no Rio de Janeiro, da
Colônia a nossos dias.
93
Dynes,W. Homosexuality: A Research Guide. New York, Garland Publishing Inco,
1987, p. 437; Achilles, Nancy. "The Development of the Homosexual Bar as an
Institution", in John Gagnon & W. Simon (Eds), Sexual Deviance. New York, Harper
& Row, 1967, p.228-244; Read, K. Other Voices: the Style of Male Homosexuals
Tavern. Novato, Chandler and Sharp, 1980.
94
Eighner, L. "The Ghetto and the Gay Gheto", Cabirion And Gay Books Bulletin, 12
(1985), p.66-8; Perlongher, Nestor, op.cit., p. 51; Castells, M. & Murphy, K. "Cultural
Identity and Urban Structue: The Spatial organization of San Francisco's gay
community", in Fainstein, N. (ed) Urban Policy under Capitalism. Beverly Hills,
Sage, 1982.
95
Berube, Alan. "The history of the Gay Bathouse", Coming Up!, S.Francisco,
Dec.1984, n.6, p.3; Douglas, J. & P. Rasmussen. "The Nude Beach." Beverly Hills,
Sage, 1977; Rumaker, M. A Day and Night at the Baths. Bolinas, Grey Fox Press,
1978.
de paquera; praias e sanitários públicos; em seguida, estabelecimentos privados, a
saber: bares e boites no zona central e na orla; saunas; cinemas e a própria sede
do Grupo Gay da Bahia.
Ao longo das duas últimas décadas, logo após a fundação do GGB,
elaboramos o primeiro Guia Gay da Bahia, fonte crucial para a reconstituição dos
espaços da cena gay soteropolitana, dispondo até o presente de quatro guias
publicados entre 1981-2000, a saber:

Guias Gays da Bahia


Guia Gay da Bahia 1a Edição, 1981, 16 folhas
Guia Gay da Bahia 2a Edição, 1993, 24 páginas
Gay Bahia 1a Edição, 1995, folder
Guia Gay da Bahia 3a Edição, 2000, páginas

Tomando como fonte tais guias, detectamos a existência nestas duas últimas
décadas, de três espaços comerciais onde principalmente se processa a maior
parte dos encontros e concentração da população homossexual de Salvador, a
saber:

Estabelecimentos GLS de Salvador: 1981- 2000

Estabelecimento 1981 1993 1995 2000


Bares e boites 7 16 14 9
Sauna 1 1 3 7
Cinema 6 5 5 3

Desde o trabalho pioneiro do médico Estácio de Lima, na década de 30, A


Inversão dos Sexos, tem-se conhecimento que em Salvador, o Campo Grande era
"o covil famoso dos invertidos da terra"96, uma miniatura da principal praça "gay" da

96
Lima Estácio, A Inversão dos Sexos, op.cit., p.38
capital federal, a Praça Tiradentes.97 Vimos, no capítulo sobre a história da
homossexualidade em Salvador, que a Praça Municipal, nas imediações do Elevador
Lacerda, era, nos meados do Século XX, o lugar preferido dos encontros dos
"invertidos". Consultando as quatro edições do Guia Gay da Bahia, constatamos
que o "gueto gay" permanece razoavelmente estável nas últimas décadas,
mantendo como principais limites ou fronteiras, o Campo Grande e a Praça
Municipal, incluindo os seguintes logradouros: Avenida Sete de Setembro, Rua da
Ajuda, Terreiro de Jesus, Relógio de São Pedro, Escadaria do Teatro Castro Alves,
Shopping Piedade, e imediações do Estádio Balbininho, estendendo-se em direção
à orla marítima, incluindo o Farol da Barra, o mirante do Cristo, o Shopping da Barra
– e como área de prostituição de travestis, as praias de Ondina, Pituba e o Parque
da Cidade. Tais foram os logradouros citados nos referidos guias gays entre 1980-
2000. Nos últimos anos, contudo, alguns destes logradouros simplesmente
deixaram de ser procurados pelos amantes do mesmo sexo ou tiveram significativa
redução de frequentadores: o próprio Campo Grande, antigamente considerado
"covil famoso dos invertidos" , hoje apenas alguns raros remanescentes ainda o
frequentam.
Ao iniciar o terceiro milênio, localizamos 10 ruas e praças onde mais "rola
paquera" homossexual em Salvador, tomando o Centro Histórico como ponto de
partida:
1. Praça da Sé e Terreiro de Jesus
2. Rua da Ajuda
3. Praça Municipal
4. Praça Castro Alves
5. Relógio de S.Pedro e Praça de São Bento
6. Praça da Piedade
7. Avenida Sete de Setembro
8. Rua Carlos Gomes
9. Largo dos Aflitos
10. Praça do Campo Grande

Pequena descrição destes logradouros permitem-nos melhor visualizar a


distribuição das diversas tribos homossexuais nestes espaços urbanos:

1. Praça da Sé e Terreiro de Jesus

97
Green, James. Além do Carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil no
Iniciando pela área do Centro Histórico, na vetusta Praça da Sé, onde desde que
o Pelourinho foi reformado, nos últimos 5 anos, o movimento de turistas e
transeuntes tornou-se permanente, todos os dias da semana, e em praticamente
todas as horas do dia e na noite. Área onde muitos gays, rapazes de programa e
travestis circulam com vistas a engates homoeróticos. Com freqüência nota-se a
presença de michês sentados nos bancos da Praça da Sé e no Terreiro de Jesus, à
espera de aventuras, sobretudo no final da tarde e à noite. Na sua maior parte são
rapazes jovens, revelando alguns, pela aparência simples de suas roupas e
descuido corporal, pertencerem à baixas camadas sociais, provenientes, uns, de
bairros periféricos, outros "crias da zona" como são chamados os rapazes que
habitam nos cortiços da área mais pobre do Centro Histórico, também conhecida
como Maciel. Sobretudo à noite, neste local é comum a presença de gays da
terceira idade entabulando conversação com tais rapazes, saindo alguns pares, de
quando em vez, em direção aos hotéis baratos situados nas ruas laterais. Estes
mesmos espaços são igualmente freqüentados por garotas de programa.

2. Rua da Ajuda
Na tradicional Rua da Ajuda, nome advindo da primeira igreja construída logo na
fundação de Salvador, há quatro séculos já se documentava a presença de um
travesti perambulando pela área, conforme descrevemos alhures. Hoje, à noite, tal
espaço é dividido por uma dezena de travestis e prostitutas que são abordados por
clientes motorizados ou pedestres de menor poder aquisitivo, estes últimos
aproveitando-se dos becos e ruas escuras adjacentes para transas rápidas. São
freqüentes as batidas policiais, obrigando as travestis a saírem correndo pelos becos
menos iluminados. Esta rua teve seu período de maior glória na década de 80,
ostentando hoje franca decadência.

3. Praça Municipal
Este logradouro é considerado tradicionalmente como o coração da urbs
soteropolitana, localizando-se aí o antigo Palácio do Governo, a primeira Câmara
Municipal do Brasil e o prédio da Prefeitura Nova – assim como o Elevador Lacerda,
um dos cartões postais de Salvador. Ao lado das muretas que ladeiam a esplanada

Século XX. São Paulo, Edusp, 2000.


do Elevador Lacerda, na Praça Municipal, quando menos desde os começos do
século XX, segundo depoimento dos gays mais velhos de Salvador, sempre foi este
o espaço mais freqüentado por homossexuais interessados em aventuras eróticas.
Por se tratar de uma das áreas de maior circulação de pedestres, que da Cidade
Alta tomam o elevador em direção à Cidade Baixa, e vice-versa, muitos
homossexuais aí costumam estacionar, a partir das horas finais da tarde e
sobretudo no começo da noite, a fim de aproveitar o fluxo de pedestres. Outro tanto
de rapazes com tendência homoerótica costumam ficar de pé ou sentados na
mureta, de preferência na parte do lado do Palácio Rio Branco, antiga Residência
dos Governadores, lugar onde no século XVII viveu um dos sodomitas mais
importantes denunciados quando da Segunda Visitação do Santo Ofício à Bahia, o
Governador Diogo Botelho, também referido anteriormente. 98
À noite, quando o movimento de pedestres é menor, alguns michês se exibem mais
ostensivamente, os mais afoitos mostram o volume de seu sexo, alguns chegando a
se masturbar, discretamente, com a mão dentro da calça, encostados nas ditas
muretas. A transformação desta praça em estacionamento, durante a noite, com a
presença de guardas municipais, tem contribuído ainda mais para a galopante
desarticulação do badalado "Cemitério Sucupira", um dos points mais animados de
"pegação" na década anterior. Somente durante o Carnaval, a partir dos últimos três
anos, é que esta praça volta a seus dias de glória homossexual: nas escadarias da
Prefeitura Nova, um espaçoso tablado serve de pista para o Concurso Nacional de
Fantasia Gay, contando com o patrocínio da Prefeitura de Salvador, reunindo
algumas dezenas de candidatos(as) e uma multidão de espectadores que
superlotam a praça para apreciar e aplaudir o desfile gay.

4. Praça Castro Alves


Esta praça, que na década de 80 e início dos anos 90 concentrava milhares de
gays, lésbicas e travestis durante o carnaval, perdeu muito de seu público nos
últimos cinco anos, com a transferência do epicentro do carnaval para outras áreas,
inclusive para a Barra, onde cada vez mais os foliões GLS têm-se concentrado.
Durante o ano, à noite, a "Praça do Povo" continua sendo frequentada por alguns
poucos rapazes de programa interessados em contactos homoeróticos. A presença

98
Mott, Luiz. Homossexuais da Bahia. Op.cit.,
de um módulo policial em frente à Praça inibe maiores avanços. Muitos casais
heterossexuais, sobretudo no fim de semana, costumam namorar encostados nas
muretas da praça. Em frente à praça, ao lado do Cine Glauber Rocha, assim como o
Cine Tamoio, também desativado, no popularmente conhecido como Beco do Mijo,
alguns gays mais afoitos fazem à noite "pegação" em homens e rapazes que para lá
se dirigem para urinar.

5. Relógio de São Pedro e Praça de São Bento


Estes dois logradouros, situados entre a Praça Castro Alves e a Praça da
Piedade , na Avenida Sete de Setembro, perderam quase completamente, nos
últimos anos, sua função de ponto de "paqueração" de homossexuais. Por se tratar,
no entanto, de área de intensa passagem de pedestres, é possível encontrar, à
noite, um ou outro gay estacionado nas imediações, à espera de alguma aventura.
Domina a pequenina praça o Mosteiro de São Bento, local onde desde o século
XVII, ininterruptamente, têm vivido diversos monges sodomitas, cujas biografias
homoeróticas estão documentadas no citado Dicionário Biográfico dos
Homossexuais da Bahia. Nos últimos três anos a comunidade gay de Salvador
proclamou a Igreja deste mosteiro como Santuário Gay do Brasil, em homenagem a
São Sebastião, patrono deste templo: para evitar a concentração de homossexuais
no dia deste santo, 20 de janeiro, o atual Abade determinou que a tradicional missa
vespertina fosse cancelada, demonstrando assim o quanto a Igreja Católica ainda
problematiza a afirmação homossexual.

6. Praça da Piedade
A Praça da Piedade, até três anos passados, era um dos locais mais
freqüentados por gays e michês, porém depois de sua última reforma, quando
passou a ser cercada por grades e vedado o acesso do público à partir das 22hs,
perdeu assim a comunidade homossexual de baixo poder aquisitivo, uma de suas
preferidas "salas de estar". Hoje, no começo da noite, uma dezena de gays,
geralmente mais velhos, costumam se reunir nos bancos que cercam a Praça,
sobretudo do lado da Avenida Sete, socializando e à espera de algum eventual
príncipe encantado. Nos bancos exteriores da praça, do lado que faz face à Igreja
de S. Pedro, mais tarde da noite, devido à pouca luz, alguns casais masculinos mais
afoitos se bolinam e discretamente chegam a praticar sexo oral. Recebemos
denúncia recente que os seguranças desta Praça não têm permitido aos gays mais
fechativos e sobretudo às travestis, sequer sentar-se nestes bancos exteriores.

7. Avenida Sete de Setembro


Esta é a principal artéria viária da zona central e mais antiga de Salvador, e em
seu trecho que vai do Centro Histórico à Orla, é ocupado por diferentes nichos onde
se concentram representantes das diversas tribos homossexuais que por ali
perambulam ou ficam estacionados, para socializar ou à procura de aventuras
sexuais, incluindo praticamente todos os sub-tipos acima referidos: gays, michês e
travestis, além de certo número de mulheres profissionais do sexo. Sobretudo no
trecho que vai da Praça da Piedade à Igreja das Mercês, à partir das 21hs, sempre
há alguns rapazes discretamente estacionados dos dois lados da Avenida Sete, à
espera de homens interessados em sexo que os convidem para entrar no carro em
direção a motéis, apartamentos ou locais escuros para transar dentro do próprio
veículo. Nas noites de 6a feira e sábado o número destes rapazes de programa
aumenta, alguns ficando até o início da madrugada. Grupos de travestis costumam
igualmente estacionar nas imediações da Igreja das Mercês, preferindo a
proximidade das esquinas de ruas que fazem a ligação com a Carlos Gomes, por
onde podem fugir às carreiras, quando das freqüentes batidas policiais.

8. Rua Carlos Gomes


Esta rua, paralela à Avenida Sete de Setembro, já foi um dos logradouros mais
freqüentados pelos homossexuais de Salvador. Também aí, os gays perderam
muitos de seus espaços tradicionais, pois diversos bares e boites que durante anos
ficavam abarrotados de homossexuais, fecharam as portas ou têm hoje freguesia
predominantemente heterossexual, alguns inclusive assumindo postura hostil aos
casais gays mais ostensivos. Em frente às duas boites que ainda persistem na Rua
Carlos Gomes - Charles Chaplin e Caverna, às sextas e sábados, a partir das 22hs,
observa-se intenso movimento e concentração de gays, michês, travestis e
"maridos" ou clientes de travestis à procura de aventuras. O tumulto e vozerio
provoca às vezes reação de alguns moradores de prédios circunvizinhos, quer
enviando abaixo-assinados de protesto à 1ª Delegacia, quer atirando
sorrateiramente, sobre os homossexuais na rua, sacos plásticos com água. Apesar
de decadente comparativamente à década anterior, a Carlos Gomes ainda é o local
da Bahia de maior "ferveção", paquera e engates homossexuais de toda a Bahia.

9. Largo dos Aflitos


No final da Rua Carlos Gomes (oficialmente Senador Costa Pinto), próximo ao
Quartel da Polícia Militar, entrando pelo Beco do Sebrae, em direção à Avenida
Sete de Setembro, grupos de travestis costumam fazer ponto toda noite à espera de
clientes com os quais saem de carro para destinos variados. Alguns clientes de
travestis mais pobres, após o acerto do programa, dirigem-se a pé para os terrenos
baldios abaixo do Mirante dos Aflitos, onde na escuridão da noite, transam. Nesta
mesma área, nos finais do século XIX, como citamos anteriormente, um androfilista
vestido com trajes femininos teve seu vestido estraçalhado e foi espancado por
rapazes e pela polícia, fato que comprova a centenária perseguição de que são
vítimas as travestis soteropolitanas.

10. Praça do Campo Grande


Trata-se da principal praça da Bahia, a mais espaçosa e de maior significado
simbólico de Salvador, por situar-se em seu centro o monumento à independência
da Bahia (2 de Julho) , a principais data estadual, com majestosa coluna encimada
pela estátua do Caboclo.
Esta praça é conhecida por muitos como "sala de visita das graxeiras" (nome
popular e politicamente incorreto como são tratadas as empregadas domésticas em
Salvador), pois sobretudo à noite e nos finais de semana, os bancos que circundam
a praça são ocupados por numerosos casais de namorados provenientes das
classes sociais inferiores. À noite, também se observa a presença de alguns
"michês" à espera de "coroas" para entabular transas homoeróticas. Muito
esporadicamente é possível se ver algum casal heterossexual mantendo relação
sexual encostado nalguma das árvores em locais mais escuros, e mais raramente,
homossexuais sentados nos bancos masturbando-se reciprocamente ou mesmo
praticando felação. De "covil dos invertidos" na década de 30, pouco restou de
homossexual nesta praça na atualidade.
Na década de 80, as escadarias do Teatro Castro Alves, situado na principal
extremidade do Campo Grande, funcionavam como ponto de encontro e paquera de
homossexuais, chegando a permanecer, por anos seguidos, na fachada à direita
deste teatro, a pichação "Cheguei, sou GAY!" e na entrada lateral, em direção à
concha acústica, um grafiti com a mensagem: "É legal ser homossexual!
Experimente: a história não mente!" Neste mesmo teatro, até os inícios da década
de 90, todos os anos havia apresentação do Concurso de Miss Gay: após sua
reforma, grades impedem o uso da escadaria como área de lazer, as pichações
foram apagadas e o Castro Alves não mais aceita espetáculos homossexuais. Em
termos de política sexual, a modernidade afastou os homossexuais desse espaço
contíguo ao Campo Grande, antigamente, a principal área "invertida" da cidade.
Pouco mais adiante, no Corredor da Vitória, o Bar do Instituto Goethe foi apontado
no guia gay internacional Spartacus, na década de oitenta, como local de paquera
homossexual: hodiernamente perdeu tal particularidade.

 Orla Marítima

Além destes dez espaços na área central da cidade, diversas tribos


homoeróticas frequentam regularmente múltiplos espaços ao ar livre e
estabelecimentos de lazer na Orla Marítima – sítio urbano que vem atraindo mais e
mais moradores de classe média e alta nos últimos anos. Começando nosso
itinerário pela primeira praia da orla, dando as costas para o Centro de Salvador,
descreveremos agora os seguintes espaços com seus respectivos freqüentadores:

1. Porto da Barra
2. Farol da Barra
3. Cristo da Barra
4. Pituba
5. Praia de Patamares
6. Plakafor

Para quem vem do Centro de Salvador em direção à "Orla", uma série de


praias e logradouros costumam ser frequentados por gays, travestis e homens com
práticas homoeróticas, alguns conjuntamente, outros por "tribos" específicas. Certos
destes locais têm presença homoerótica apenas à noite, outros durante a tarde, mais
nos fins de semana do que nos dias úteis.
Começamos pela primeira praia de Salvador - local onde Tomé de Souza
desembarcou em 1549 para o fundar a Cidade da Bahia de Todos os Santos, local
desde então conhecido como Porto da Barra.

1. Porto da Barra
Nos anos 80, o Porto da Barra foi a praia de maior concentração gay da Bahia,
disputando com a "Bolsa de Valores", a praia em frente ao Copacabana Pálace a
preeminência de ser a praia mais gay do Brasil. Nos inícios dos anos 90, contudo,
com a instalação de uma nova linha de ônibus ligando diretamente a periferia de
Salvador à Barra, a invasão de famílias e "farofeiros", sobretudo aos domingos,
desfigurou completamente esse charmoso point gay no Atlântico Sul, afastando a
maior parte seus tradicionais habitués. Hoje, aos sábados a partir das 11hs da
manhã, sobretudo no verão, ainda há significativa afluência de gays, incluindo
artistas, vips e simpatizantes. Disfarçadamente ocorrem contactos sexuais dentro
do mar, tanto casais do mesmo sexo quanto do oposto, notadamente masturbação,
o que estimula a alguns mais afoitos voyeuristas a mergulharem nas imediações,
munidos de óculos ou máscaras, afim de desfrutarem tais espetáculos eróticos
submarinos.
No muro adjunto à escadaria que dá entrada ao Porto da Barra, apelidado de
"peg-pag", funciona como uma espécie balcão para alguns gays e bofes que ali
ficam paquerando, outros à espera de aventuras. Ainda na década anterior, nas
ribanceiras de pedra no extremo à direita do Porto, o matagal ali existente favorecia
encontros homoeróticos, às vezes interrompidos com violência por policiais que
para ali se dirigiam à procura de "maconheiros". Naquela mesma época, algumas
vezes por ano, sobretudo no maior pique do verão, alguma bicha mais fechativa era
vítima de "xurria", um espécie de linchamento mais suave, onde a multidão dá vaia,
persegue e joga areia e objetos na infeliz criatura que espavorida, foge para não
sofrer maiores agressões. Alhures transcrevemos uma xurria ocorrida nesta praia na
década de 70.

2. Farol da Barra
Deixando o Porto da Barra, seguindo sempre em direção ao mar aberto, o
próximo local bastante freqüentado por gays é o Farol da Barra. Atrás de um dos
mais charmosos cartões postais de Salvador, o vetusto (e fálico!) Farol da Barra, há
décadas seguidas, ocorre intensa atividade homoerótica. Sobretudo ao escurecer e
durante a noite, há muita "pegação", e a quase a totalidade dos homens que para lá
se dirigem, estão a procura de sexo rápido e aventuroso. Entre os freqüentadores,
gays enrustidos e assumidos, bissexuais, bofes, raramente travestis.
Nalgumas noites há batidas policiais, com espancamento e violência contra os
presentes. Roubos e assaltos também ocorrem com certa freqüência. De um dos
lados da encosta, há certos locais dentro da vegetação que servem de esconderijo
para os casais ou grupos de homens que desejam maior privacidade ou a prática de
sexo coletivo e voyeurismo.
Nas muralhas exteriores do forte, à noite, ocorre grade variedade de sexo:
masturbadores individuais ou aos pares, felação, cópula anal – atos sexuais que
podem ser apreciados "de camarote" por frequentadores mais curiosos do bar e
restaurante ao ar livre recentemente inaugurado no andar superior deste forte que
serve de sustentação para o Farol da Barra.

3. Cristo da Barra
Deixando o Farol da Barra para trás, a poucos metros da Avenida Oceânica,
no meio de pitoresco coqueiral, encontra-se um dos principais pontos turísticos da
orla de Salvador, a Estátua do Cristo, situada num platô rodeada por uma
balaustrada de cimento. Neste local, quando o fluxo turístico é menos intenso,
rapazes interessados em sexo ficam sentados na mureta ou perambulando pelas
imediações da estátua, trocando olhares e se insinuando sexualmente. Os gays e
homens com práticas homossexuais mais interessados e afoitos, descem pela
ribanceira, através de atalhos íngremes, atingindo grandes rochedos à beira mar.
Atrás destas pedras, ou em suas concavidades mais discretas, ocorre todo tipo de
relações sexuais, geralmente permanecendo os parceiros de pé, encostados na
pedreira, sobretudo ao entardecer ou quando diminui o número de banhistas e
turistas. O local é particularmente perigoso e violento, dada sua proximidade de
"invasões", como a Roça da Sabina, no morro contíguo do outro lado da avenida.
Vários gays foram vítimas de roubos, assaltos e agressões neste local.
Mais recentemente, nova modalidade de encontros homoeróticos vêem se
realizando neste local: nas primeira horas da manhã, quando é grande o fluxo de
pessoas de classe média e alta fazendo "cooper" nas calçadas da orla marítima,
garotos de programa ficam estacionados na mureta da entrada do monumento do
Cristo, à disposição de respeitáveis senhores, que em troca de R$10,00 ou mais
reais, se prestam a atos sexuais atrás das pedras. É portanto neste local onde inicia-
se, de manhãzinha, em Salvador, a prestação informal de serviços homoeróticos.

4. Pituba
Nas imediações do Clube Português e sobretudo na Avenida Manoel Dias,
todas as noites, dezenas de travestis fazem pista, à espera de clientes motorizados
interessados em seus serviços sexuais. Situando-se em área residencial de classe
média alta (Pituba), as travestis atendem não só aos moradores desta região como
motoristas de outros bairros que circulam pela Orla e adjacências. A maior parte
destas profissionais do sexo entram nos carros e dirigem-se para motéis ou para
locais desertos. Devido à algazarra e exibicionismo sexual praticado por algumas
travestis, desfilando com peitos e genitália à mostra, certas praticamente nuas,
moradores das imediações têm protestado, levando a freqüentes batidas policiais e
detenções dos infratores. Só em 1999 foram efetivadas mais de duzentas prisões,
geralmente antecedidas de correrias, espancamentos e extorsões. 99 Nos arquivos
do GGB há igualmente registro de travestis de pista que foram assassinados nesta
localidade. 100 A política do GGB neste particular tem sido de defender a liberdade
de movimento e o exercício da prostituição, "educando-as" para que evitem
exibicionismo sexual e a nudez, e sobretudo roubo contra seus clientes, pois as
inocentes pagam pelas culpadas. Inumeráveis vezes dirigimo-nos a diferentes
delegacias, sobretudo à 7a DP a fim de providenciar a soltura de travestis: em maio
de 1999, o Presidente do Centro Baiano Anti-Aids, Marcelo Cerqueira conseguiu de
uma só vez, liberar 17 travestis, não sem antes passar pelo constrangimento de ter
sido empurrado por um agente policial dentro da delegacia.

5. Praia de Patamares

99
Mott, Luiz. Violação dos direitos humanos e assassinatos de Homossexuais no
Brasil, op.cit.
100
(BA) - 28/12/99 - Redivaldo Cazumba, 21, travesti, “Débora”, profissional do sexo,
assassinada a tiros quando fazia trotuar, na Av. Manoel Dias da Silva, no bairro da
Pituba, Salvador/BA (Fonte: Arquivo do GGB)
Junto ao local chamado "Terceira Ponte", sobretudo nos fins de semana, há
rapazes que utilizam-se do espaço abaixo desta ponte, atrás das pilastras, para a
prática de intimidades sexuais. Às vezes há sexo grupal entre os presentes,
sobretudo ao anoitecer quando é menor número de transeuntes e a falta de luz
favorece tais liberdades. São gays e bofes os principais usuários deste logradouro.

6. Plakafor
Na praia situada próxima ao bar Kalamazoo, também conhecida como
"pantanal", há uma vasta área coberta por vegetação alta, existindo neste local
uma série de cabanas improvisadas dentro do mato, onde rapazes praticam sexo.
Mesmo nos dias de semana, sobretudo à tarde, sempre há algum movimento: casais
entrando pelas locas a dentro, e saindo discretamente algum tempo depois.
Rapazes humildes do bairro São Cristóvão e da invasão dita "Planeta dos Macacos",
semi-profissionais do sexo, oferecem seus serviços aos gays que perambulam nas
imediações. Vez por outra ocorrem assaltos, extorsões e violência policial.

Tais são os espaços públicos, na região central e na orla marítima de


Salvador onde mais usualmente ocorrem encontros íntimos entre homossexuais e
homens com práticas homoeróticas. Diferentemente de outras capitais, do Brasil e
Exterior, onde há grande frequência de homens à cata de outros homens para
aventuras sexuais em parques e praças públicas, geralmente facilitados tais
encontros pelas árvores e arvoredos que sobretudo à noite, servem como
esconderijo para amantes ao ar livre – como o Parque Farroupilha em Porto Alegre,
o Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro, o Horto em Goiânia, o Jardim Trianon em
São Paulo 101, sem falar nos parques públicos de Washington, Estocolmo e Lisboa,
entre muitos outros. Em Salvador, não há parques arborizados no centro urbano,
inexistindo portanto tais espaços públicos de engate sexual. Até o início da década
de 90, ao pé do Estádio de futebol Fonte Nova, um jardim central densamente
plantado de hibiscos, era bastante freqüentado à noite por casais do mesmo sexo
que via de regra haviam acertado o programa alguns metros mais acima, junto ao

101
Folha de São Paulo, 24-8-2000, "Prefeitura busca patrocínio de empresas privadas
para instalar sistema de vigilância por Câmeras no Parque Trianon. O Prefeito quer o
fim da prostituição."
Estádio Esportivo Balbininho. Tal área caiu em desuso em parte devido à violência aí
praticada por marginais, em parte devido à reforma deste jardim público, cujas
árvores foram podadas rente ao chão, devassando o que durante anos funcionou
como local de encontros sexuais.

 Sanitários Públicos
Como ocorre na maior parte das cidades do mundo, também em Salvador, de
longa data, sanitários públicos são utilizados como ponto de atividades
homoeróticas. Dependendo da audácia dos frequentadores e da tolerância dos
vigilantes, em tais lugares se pratica voyeurismo e masturbação recíproca no próprio
espaço dos mictórios, e dentro das privadas, todo tipo de intimidades homoeróticas.
São tais "W.C." um dos nichos mais típicos e preferidos dos adeptos do sexo
anônimo.102
Em Salvador, na década de 80, o mais movimento destes espaços era o
tradicional Sanitário da Barroquinha, ao lado da Igreja do mesmo nome, próximo à
Praça Castro Alves. Situando-se a sede do GGB pouco mais acima deste
logradouro, inúmeras vezes presenciamos e denunciamos cenas de grande
violência homofóbica, praticada ora por policiais, ora por agressores machistas, que
espancavam os gays e homens com práticas homoeróticas presentes naquela
"espelunca". Como são cada vez mais raros os sanitários públicos em Salvador, os
gays amantes deste tipo de aventura sexual têm insistido em utilizar para suas
investida, os toaletes dos shopings-centers, estações rodoviárias e cinemas,
redundando muitas vezes em cenas de humilhação e até espancamento por parte
dos seguranças destes estabelecimentos. Os principais sanitários frequentados
atualmente por homossexuais com fins eróticos situam-se em shopping centers,
mercados, rodoviárias e estabelecimentos públicos.
Apesar da vigilância diuturna de funcionários estacionados em locais
estratégicos dentro dos toaletes, em todos os sanitários masculinos dos shoppings-
centers de Salvador e em alguns supermercados mais movimentados, há discreta
paquera homoerótica, incluindo os shoppings Lapa, Piedade, Iguatemi, Barra,

102
Humphreys, Laud. Tearoom Trade: Impersonal Sex in Public Places. Chicago,
Aldine, 1970; Delph, Edward. The Silent Community: Public Homosexual Encounters.
Beverly Hills, Sage, 1978.
Itaigara, etc. Gays mais afoitos permanecem nos mictórios fingindo que estão
urinando enquanto exercem voyeurismo, exibicionismo ou se masturbam junto aos
usuários dos sanitários laterais. Alguns raros casais ainda mais afoitos chegam a
entrar dentro das privadas, embora tal ousadia seja cada vez mais rara, devido às
portas elevadas 30 centímetros do nível do chão, o que permite a quem está de fora
ver quando menos os pés de quem está de portas a dentro. Os mais espertos
driblam este probleminha ficando um dos parceiros de cócoras sobre o vaso
sanitário, de modo que de fora se vê apenas os pés de um usuário.
Muitos contactos de primeiro grau são feitos exatamente nestes sanitários
públicos, onde alguns minutos de mútua e discreta exibição genital antecedem a
saída do casal interessado para acertar a transa fora do toalete. Por repetidas vezes
nos últimos anos o GGB recebeu denúncias de atuação de “caçadores”, seguranças
ou até policiais à paisana, useiros em extorquir dinheiro dos gays surpreendidos
fazendo “descaração” nestes sanitários públicos. Tanto nos toaletes da Rodoviária,
do Terminal da Lapa e do Shopping Iguatemi, há relatos de gays que sofreram
humilhação pública, conduzidos para a área de segurança onde foram espancados
e até fotografados, em flagrante abuso de autoridade e violação dos direitos
humanos – levando ao GGB, quando informado destes excessos, protestar
diretamente junto à direção dos respectivos estabelecimentos. Também neste caso,
"educamos" as vítimas a evitar quejandas situações de risco, pois por mais liberais
que sejamos, sanitários públicos não se destinam à realização de práticas sexuais.
Também ocorre “paquera” e práticas homoeróticas discretas no Conjunto
Comercial Fundação Politécnica, no Mercado Modelo (subsolo), no Sanitário e
banheiro Público da Feira Água de Meninos (com 24 duchas sem portas), no
Sanitário da Praça do Reggae no Pelourinho, etc. Há gays que garantem "fazer"
divinamente nos sanitários do estádio de futebol Fonte Nova, especialmente nos
dias do clássico BahiaxVitória...

 Bares e Boites Gays no Centro de Salvador

Em seus estudos pioneiros sobre a comunidade homossexual norteamericana,


a Dra. Hevelyn Hooker, já em 1967 chamava a atenção de que os bares e boites
gays funcionam não só como mercado de sexo, mas como centros de comunicação
e atividade social de indução, treinamento e espaços de integração de novos
membros da comunidade homossexual.103
Em Salvador, como antecipamos no capítulo consagrado à história da
homossexualidade na Bahia, além do famoso Anjo Azul, no bairro Dois de Julho,
freqüentado sobretudo por clientela mais sofisticada e turistas, funcionaram em
Salvador, a partir dos meados do século XX, mais de duas dezenas de bares e
boites para gays e lésbicas, destacando-se: Cantinho do Céu e Metrô (S.Francisco),
Porão (Areal de Cima), Tropical (Baixa do Sapateiro), Bar do Beto (Pelourinho),
Abaixadinho (Av. Sete). Um pouco mais recentes, existiram ainda: Papo de Bruxa e
Maculelê (S.Bento), Varandá (Pau da Bandeira), Caverna (Paraíso), Galeria 13
(Gravatá), Babalaô, Stylus, Ninus Bar, Rosa Negra, Oásias, Skyss e Artes &
Manhas (Carlos Gomes), Banana República (Vitória) Cactus (Garcia). Na orla havia
O Existencialista (Boca do Rio), Madame Beta (Jardim de Alá), Cabana de Pituaçu,
Empório e Berro d'Água (Barra). As lésbicas reuniam-se sobretudo na Tropicália
(Djalma Dutra) e no Zanzibar (Garcia).
Hoje existem em funcionamento na região central de Salvador cinco bares e
boites, distribuindo-se na região que vai da Rua Carlos Gomes ao Campo
Grande/Garcia; na Orla, restam na Barra apenas dois estabelecimentos comerciais
freqüentados pelo público GLS e um na Praia de Patamares.

1. Boite Caverna
R. Carlos Gomes, 616 - Centro
A boite fica no subsolo de um edifício misto comercial-residencial. Descendo
alguns degraus das escadas deste prédio, chega-se à entrada da discoteca onde há
um pequeno balcão que funciona como recepção, no qual um porteiro atende ao
público, para cobrar entrada e conferir identidade dos jovens que desconfia ser de
menor idade. Nas paredes da entrada, ainda do lado de fora, um mural permanente
exibe diversos cartazes de prevenção da Aids e direitos humanos para gays de
autoria do Grupo Gay da Bahia. Ultrapassada a porta de entrada, um pequeno
corredor escuro, com paredes estofadas de preto conduz ao salão da boate, cujas

103
Hooker, E. "The Homosexual Community", in W.Sikmon (ed) Sexual Deviance,
News York, Harper and Row, 1967.
paredes são todas revestidas com espelhos. Um pequeno palco acortinado, um
balcão de bar, um pequeno reservado onde fica o DJ e a pista de dança (6X6)
compõem o cenário. Na extremidade esquerda, ao lado do palco fica o único toalete
da boate: dentro deste banheiro, um mictório e pia externos e num compartimento
fechado, a privada, onde sorrateiramente entram alguns pares para fazer sexo.
Nos fins de semana esta boite é o ponto preferido de diversão das travestis,
que se aglomeram na escadaria e na calçada em frente, atraindo a atenção dos
pedestres e motoristas que passam pela rua Carlos Gomes. É o espaço de lazer de
maior concentração de gays e travestis de classes mais populares.
Vários michês são logo notados, quer na porta, quer dentro do salão, se
insinuando abertamente, alguns chegando a ir ao sanitário, com olhares de
“convite” para os gays com quem flertaram. O movimento de entra e sai de casais
dentro deste sanitário é intenso.
Esta boite está em funcionamento desde 1969, chamando-se originalmente
Bizarro: funciona de sexta feira a domingo, das 21hs às 7hs da manhã, cobrando
R$3,00 pelo ingresso. Segundo nossa própria observação e avaliação do
proprietário, os frequentadores da boite apresentam as seguintes características
demográficas: 60% negros, 30% mestiços e 10% brancos. Quanto a seu perfil
sócio-econômico: 90% de classe média, 8% de classe baixa e 2% de classe alta.
Tem lotação máxima de 220 pessoas e a presença semanal de aproximadamente
550 frequentadores. O momento de maior movimento da boite é às duas horas da
madrugada do sábado para o domingo, quando transformistas apresentam shows de
variedades. Seu proprietário é quem mais reclama do baixo número de preservativos
fornecidos mensalmente pelo GGB para distribuição entre os clientes, alegando que
em se tratando de população menos abastada, deveria ser mais assistida.

2. Club Mix Ozone


Rua Augusto França, 55 - Dois de Julho, Centro
Sua razão social é "Boite e Danceteria". É atualmente o espaço mais
sofisticado e moderno da cena gay no centro de Salvador. Situa-se numa rua
residencial que desemboca no Largo Dois de Julho, próxima ao imóvel onde até
poucos anos funcionou a sauna gay Paradise.
Na portaria encontram-se dois seguranças , com uma catraca na porta de
entrada e outra na saída. Um pequeno corredor em penumbra conduz ao bar,
ambiente mais iluminado em forma de L, com um grande balcão ladeado de bancos
e mesas fixas e altas que servem de ponto de apoio de pequenos grupos de
conversação.
No caminho que vai do bar à pista de dança situa-se o banheiro: uma pia de
mármore, dois mictórios inox e um reservado ,onde de vez em quando casais entram
disfarçadamente para encontros íntimos.
Na parte térrea da boite há uma pista de dança e um palco onde ocorre
apresentações de "gogo- boys" e pequenas exibições de drag-queens, destacando-
se as "divas" Jéssica Brenner e Bagagery Spielberg. Um telão exibe vídeo-clips. Um
mezanino de estrutura metálica compõe o primeiro andar , onde estão situados
cinco sofás, quatro monitores de TV que exibem os mesmos vídeos do telão, e
uma espécie de pequena passarela onde os gays mais exuberantes fazem suas
performances, "dando close" para quem está no piso inferior. Neste mezanino há
um pequeno sanitário feminino, que na falta de freqüentadoras mulheres, é usado
pelos próprios gays. A penumbra do salão de dança e do mezanino facilitam
intimidades discretas e namoro entre os presentes.
Esta danceteria foi fundada em 1997 por uma empresária em parceria com um
gay, tendo sido vendida recentemente para outros empresários. Funciona às sextas,
sábados e vésperas de feriados das 23hs às 5hs da manhã e aos domingos em
matinê. Preço de entrada: R$10,00. Público frequentador: idade entre 18-40 anos,
80% mestiços, 10% brancos e 10% negros. Quanto ao status sócio-econômico, 75%
dos frequentadores pertencem à classe média, 20% alta e 5% baixa. Os gays
representam 90% da clientela, 5% heterossexuais, 4% de lésbicas e 1% de travestis.
Sua lotação máxima é de 600 pessoas, congregando semanalmente por volta de
500 indivíduos. É o point mais badalado às sextas feiras em Salvador, "fervendo"
sobretudo a partir de 1h. da madrugada.
Esta boite segue o mesmo modelo inovador da Boite Banana República, que
funcionou em Salvador na segunda metade da década de 90, pioneira na
programação de festas temáticas nos fins de semana, com farta distribuição de
"flyers" ou cartões postais em forma de convites. A boite Mix Ozone envia a seus
clientes, pela mala direta, centenas de convites para freqüentes e inusitadas festas
que se realizam aos fins de semana. A presença dos melhores gogo-boys de
Salvador, a distribuição de exemplares de revistas homoeróticas, como G Magazine
e Revista Homem são algumas das atrações utilizadas por esta danceteria para
atrair frequentadores. Nas imediações desta boite, altas horas da noite, rapazes de
programa fazem ponto à espera de eventuais clientes gays. Fixou-se no folclore
gay contemporâneo a imagem das "bichas bicudas", isto é, orgulhosas e que
desprezam as colegas, sobretudo descartando qualquer intimidade homoerótica com
suas iguais, e que de madrugada, na porta da boite, pegam o primeiro "cafezinho"
ou michê que encontram na esquina. Muitos gays dizem abominar contactos
eróticos com outros gays, sobretudo o chamado "quebra louça" ou "roçar",
preferindo arriscar-se em ser vítima de alguma violência ou ter de se submeter às
más condições higiênicas de rapazes de rua do que transar com outra bicha como
ela.

3. Conexão
Beco dos Artistas, 15 - Garcia
"Beco dos Artistas" denomina uma pequena viela que sai da Rua Leovigildo
Filgueiras, próximo ao Campo Grande e Teatro Castro Alves, e se dirige a um "cul
de sac" com pequenas casas residenciais dos dois lados da rua. Desde os finais
dos anos 70 é aí onde se concentrava o maior número de estabelecimentos gays da
Bahia, embora nos últimos anos observe-se também aí nítido processo de
"heterossexualização" tanto do espaço quanto de seus frequentadores. O precursor
dos bares gays deste logradouro foi o Cactus, de um francês conhecido como Pierre.
O Bar Conexão tem o ambiente um pouco mais fino e requintado do que o dos
bares vizinhos, decorado no estilo dos bares europeus. Diversas mesas com 4
cadeiras ocupam todo o espaço do salão único; nas paredes, cartazes emoldurados
com gravuras de artistas de cinema. No balcão do bar, folhetos, cartilhas e jornais
do Grupo Gay da Bahia e Centro Baiano Anti-Aids. Lotação máxima: 150,
recebendo semanalmente uma média de 400 frequentadores.
Do lado direito do balcão, um lavabo com espelho se bifurca em dois
sanitários, masculino e feminino, que por estarem próximos ao balcão, são
controlados pelo pessoal da casa, inibindo a utilização destes espaços para
encontros íntimos. Os frequentadores deste bar são em sua maioria universitários,
jovens artistas plásticos, gente ligada ao teatro. A proprietária não é homossexual e
mantém bom contacto com os diretores do GGB, já tendo aberto este espaço para
exposições por ocasião das comemorações da semana do Orgulho Gay.
A música na maioria das vezes, clássica, ou MPB, proporciona um ambiente
tranqüilo, que facilita o namoro discreto. Este bar é freqüentado sobretudo por
brancos (50%) e Mestiços (40%), dominando clientela de classe média (80%). Abre
todas as noites, a partir das 20hs: a idade dos frequentadores varia de 18 a 50
anos, sendo 90% gays, 5% lésbicas, 4% de heterossexuais e 1% de travestis.104

4. Charles Chaplin
Rua Carlos Gomes, 140 - Centro
Esta boite funciona desde 1990: é o principal reduto de lésbicas da Bahia. Logo
na calçada, um grande portão de ferro dá entrada ao estabelecimento, com um
segurança que faz o papel de recepcionista. O bar fica no primeiro andar, que é
alcançado por uma estreita escada de cimento que dá diretamente num salão com
aproximadamente 4 metros de largura por 10 de comprimento. Um longo balcão é
ocupado por três atendentes, um dos quais percorre as mesas que ficam encostadas
nas duas paredes deste longo salão. Decoração simples, calor sufocante apesar dos
quatro ventiladores colocados nas paredes.
Na extremidade do salão, ao lado direito, aproximadamente à meio metro de
altura, há um pequeno palco em formato de coreto onde duplas ou grupos de
cantores se intercalam com o som da discoteca. No fundo, dois sanitários sem
especificação de sexo.
A concentração de pessoas é muito grande, sobretudo nos finais de semana:
beirando duas centenas de "entendidas/os". Casais de lésbicas e de gays dançam
e namoram livremente, trocando carinho sentados nas mesas e pelos cantos, alguns
se beijam acaloradamente. A prática de sexo é praticamente impossível, pois as
portas de entrada nos sanitários ficam de frente para o salão, inibindo a entrada de
mais de uma pessoa.
Como antecipamos, trata-se do local de maior concentração de lésbicas de
Salvador, mais da metade dos clientes (54%). Predominam os mestiços (75%) e
negros (20%). Também são majoritários os frequentadores de classe média (48%) e
baixa (40%): segundo avaliação dos proprietários e de diversos frequentadores,
apenas 2% dos clientes poderiam ser identificados como de poder aquisitivo

104
Ao concluir a redação deste livro, em agosto/2000, este bar havia fechado suas
portas por "cansaço" da proprietária, sendo re-inaugurado pelos mesmos proprietários
superior. Por volta de 600 pessoas frequentam semanalmente a boite Charles
Chaplin. Infelizmente nota-se certa resistência da proprietária em afixar nas paredes
cartazes alusivos à Aids e aos Direitos Humanos dos homossexuais.

5. Augustu's Dance Club


Travessa Salvador Pires, 3 - Aflitos
Este bar é único no estilo em Salvador, pois reúne num só espaço, ao mesmo
tempo boite e sauna. Situa-se no "Beco do Sebrae", entre a Avenida Sete e o Largo
dos Aflitos, local usado à noite como "pista" pelas travestis. Uma escada leva ao
primeiro andar, onde um balcão repleto de folhetos do GGB, funciona como
bilheteria: cobra R$5,00 pela entrada.
No primeiro andar funciona o bar: um grande salão circundado com bancos de
alvenaria e mesas com cadeiras, situando-se no fundo, à esquerda, o bar e um
pequeno palco onde gogo-boys apresentam suas performances. Caso o cliente
deseje utilizar-se da sauna, situada no segundo andar, deve pagar mais R$5,00. O
curioso é que no mesmo salão de dança, circulam homens e rapazes vestidos
socialmente, lado a lado com os clientes que descem da sauna, envoltos tão
somente em toalha, dando ao ambiente um toque a mais de sensualidade.
Este bar-boite abre-se apenas no fim de semana, a partir de sexta feira à
noite, das 23hs às 6h da manhã. A faixa etária dominante situa-se entre 20-35 anos,
dos quais 80% são gays, 10% lésbicas e 10% heterossexuais, sendo 60% de classe
média, 10% de classe alta e 30% de classe baixa, predominando os brancos (65%),
mestiços 30% e 5% de negros. Lotação do bar: 200 pessoas, avaliando um
movimento semanal de 300 pessoas.

6. New Look Holmes


Rua Gamboa de Cima, 25 – Gamboa
A boite Holmes tem sido o principal espaço de lazer GLS em Salvador nestes
últimos 25 anos: seu primeiro proprietário, Bebeto Franco, assim como seu sócio e
companheiro, Oliveira, foram vítimas de crimes homofóbicos. Hoje a proprietária é a
transexual May Mattos, figura muito conhecida em toda Salvador, presença cativa
como jurado em concursos de miss gay ou de gogo-boys.

da Sauna Persona.
Situada no bairro da Gamboa, a Holmes funciona de quinta a domingo, a partir
das 22horas, até as 6hs da manhã. Preço de entrada: $5,00 a R$7,00, congregando
clientes que vão dos 18 a 60 anos. Predominam os gays: 80%, incluindo 10% de
lésbicas, 5% de travestis e 5% de heterossexuais. Os mestiços representam 70%
dos clientes, seguidos de 20% de brancos e 10% de negros. Quanto à classe social,
calculam-se em 5% os provenientes da classe A, 80% da classe B e 15% da classe
C. Lotação 400 pessoas, com uma freqüência média semanal de 1200 pessoas. A
Holmes foi a única boite gay de Salvador a instalar um “dark room”105 onde os
frequentadores podiam beneficiar-se das facilidades da escuridão a fim de dar vaza
a suas fantasias homoeróticas: após alguns meses de funcionamento, segundo
informou-nos a proprietária da boite, viu-se compelida a fechar esse espaço por
notar que atraía marginais que aproveitando-se do escuro, surrupiavam dinheiro ou
jóia dos incautos.

7. Touchê
Rua Belo Horizonte – Barra
Tem como característica ser ao mesmo tempo "Bar e Creperia". Situado
defronte da pracinha da igreja da Barra, num bairro de classe média alta, esse
estabelecimento ocupa espaço reduzido (8x5). Luz e músicas suaves, estilo
europeu. As mesas são colocadas do lado de fora da calçada, quatro delas debaixo
de um toldo alaranjado. Avaliamos que os gays e lésbicas representam
aproximadamente a metade da clientela, em sua maioria jovens brancos, de classe
média alta e de comportamento ultra-discreto. Sobretudo no verão nota-se a
presença de vários turistas estrangeiros. Funciona de terça feira a domingo, das
15hs à meia noite, sendo a partir de quinta feira seu maior movimento. Com
capacidade para 45 pessoas, congrega semanalmente por volta de 250 clientes,
20% gays, 40% lésbicas e 40% heterossexuais. Os clientes de classe alta
prevalecem: 60%, seguidos de 30% da média e 10% da baixa. Predominam
frequentadores entre 20-30 anos.

8. Off Club

105
Mendes-Leite, Rommel & de Busscher, P. Back Rooms: Microgéographie des deux
Back-Rooms Parisiennes. Paris, Cahiers GKC, n. 37, 1997
Rua Dias Dávila, 33 – Farol da Barra
É a mais nova boite GLS de Salvador, em estilo moderno e decoração
sofisticada misturando mármore, madeira e vidro. No andar térreo, um hall de
entrada encaminha para um grade salão ocupado por mesas e sofás, tendo ao
fundo um bar com balcão e pista de dança. Uma escada de madeira conduz ao
mezanino, composto por um palco onde se apresentam shows de drag-queens,
gogo-boys e variedades. Diversas mesas circundam o balcão do bar, situando-se ao
fundo a pista de dança separada por uma porta de vidro. Abre de quinta feira a
domingo, das 21hs às 5h da manhã. 80% dos frequentadores são gays, 10%
lésbicas e 10% heterossexuais: travestis e transformistas raramente visitam o
estabelecimento, nem como clientes, nem como artistas. Os brancos representam
por volta de 60% dos clientes, 30% mestiços e 10% negros, predominando jovens
de classe média e alta. Lotação até 500 pessoas, passando aí semanalmente por
volta de 1500 clientes. Situa-se ao lado de uma sauna, o que facilita aos casais
interessados em manter relações sexuais.

9. Red Blue
Avenida Pinto de Aguiar, 24 Patamares
Trata-se de uma casa de praia adaptada em bar, com amplo jardim tropical,
com quiosques rústicos que servem de bar. Situa-se na orla, no bairro de
Patamares. Lotação máxima até mil pessoas. Frequência semanal de
aproximadamente 500. Primitivamente chamava-se Bar Ancoradouro, constando sua
indicação no Guia Gay da Bahia desde 1992. Mudando de proprietário em 1999,
passou a ser chamado de Red Blue.
Na frente do imóvel, um muro alto de aproximadamente 2.50, com um portão
estreito de madeira, a única entrada. Ao lado deste portão um pequeno guichê, para
compra do ingresso, cujo valor varia de R$3,00 a 5,00. No interior do jardim, do lado
esquerdo, encontra-se a pista de dança, que ocupa o espaço de uma antiga
garagem, coberta com telhas de eternit. Caixas de som nas paredes, banco circular
de cimento e luzes apropriadas formam o ambiente. Na parte dos fundos do salão,
um grande mural com cartazes do GGB, GLB e GAPA. Um pouco mais atrás situam-
se pequenos sanitários masculino e feminino, que devido à proximidade do balcão
da administração, não permite sua utilização para encontros a dois. Mesas e
cadeiras se espalham pelo jardim, em derredor de um palco revestido de madeira.
As pessoas namoram, e se beijam naturalmente, lado a lado com casais héteros,
ambiente de respeito.
Funciona de sexta feira a domingo, das 19h às 5h da manhã. A idade dos
frequentadores varia de 18 a 60 anos, sendo 40% brancos, 30% mestiços e 30%
negros. Segundo nossa observação e avaliação dos proprietários do
estabelecimento, predominam clientes de classe média (70%), seguidos de 29% de
classe alta e 1% de classe baixa. Gays e lésbicas representam cada grupo 40% dos
clientes, sendo 10% de héteros; raríssimas as vezes alguma travesti procura tal bar.
É indiscutivelmente o espaço de socialização GLS mais amplo e confortável da
Bahia.

 SAUNAS

Segundo os estudiosos da história da homossexualidade, no mundo antigo


romano e islâmico, os banhos públicos eram muito procurados por quantos
desejavam contactos homoeróticos, embora não haja evidência de terem existido
"banhos turcos" exclusivamente destinados a esta clientela. "Saunas gays"
(bathhouses) surgem no Ocidente apenas nos meados do século XIX e têm sido
tema de estudos em diversas partes do mundo. 106
Como nas principais cidades do Brasil, também em Salvador tem-se observado
nos últimos anos, o crescimento do número de saunas gays, tendência que poderia
ser explicada por dois fatores: pela comodidade de se encontrar sexo disponível e
fácil durante a tarde toda e até altas horas da noite (nos fins de semana até à
madrugada), e também pela maior segurança que as saunas oferecem como local
de transa se comparadas com motéis ou com o uso da própria residência.
De acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia, em 1998
40% dos assassinatos de homossexuais ocorreram dentro de casa, subindo para

106
Berube, Alan. The History of the Gay Bathhouse", op.cit.; Rumaker, M. A Day and
Night at the Baths, op.cit.; Styles, J. "Outsider/Insider: Researching Gay Baths",
Urban Life, 8 (1979), p.135-152.
56% em 1999 107, não registrando-se até o momento nenhum homicídio de gay
dentro de uma sauna. Nos últimos anos praticamente todas estas saunas
disponibilizam atraentes rapazes de programa que sob o designativo de
massagistas, prestam serviços sexuais remunerados aos interessados.
Enquanto nos últimos anos o número de bares e boates gays vem decrescendo
em Salvador, as saunas tendem a aumentar: 108

Bares & Saunas Gays em Salvador


Ano Saunas Bares e boites
1981 1 7
1993 1 16
1995 3 14
2000 7 9

Existem atualmente sete saunas frequentadas predominantemente por


homossexuais masculinos na capital da Bahia, situando-se uma na Barra e as
demais em bairros centrais e contíguos, como Barris, Dois de Julho, Nazaré e
Aflitos. Tal concentração urbana justifica-se em parte devido à existência nestas
áreas de antigas casas de dois andares, as que melhor se adaptam a este tipo de
prestação de serviço, além de situarem-se nas imediações dos principais nichos
urbanos frequentados por homens com práticas homossexuais.
Eis a relação das saunas funcionando atualmente em Salvador:

1. Sauna Campos
2. Sauna Phoenix
3. Sauna Olympus
4. Sauna Persona
5. Scórpio Thermas

107
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no
Brasil, op.cit.
108
Fonte: Guia Gay da Bahia, Salvador, GGB, 1993; Gay Bahia, Salvador, GGB,
1995; Bahia GLS, Salvador, GLS-Turismo, 1997; Guia Gay da Bahia, Salvador,
GGB, 2000.
6. Space New Relax
7. Centro Estético Rio's

1. Sauna Campos
Rua Dias Dávila, 25 - Farol da Barra
É a mais antiga sauna de Salvador, fundada em 1978. Situada numa das áreas
de maior concentração de restaurantes e bares do bairro da Barra, o "Centro de
Estética Campos" tem fachada discreta, com um toldo verde na entrada e o nome
escrito com pedras no calçadão. A porta de madeira da entrada permanece sempre
aberta, dando para uma espécie de átrio na extremidade do qual há outra porta, em
esquadria de alumínio com vidro, trancada à chave. Na recepção, um grande banco
e um balcão também de madeira, telefone e alguns quadros decorativos. Uma
escada em frente ao balcão da recepção leva ao vestiário.
Da recepção os usuários podem dirigir-se seja ao bar ou ao espaço das
termas, incluindo uma sauna seca e duas a vapor, chuveiros e sanitários. No bar,
com pouca iluminação, há um balcão de aproximadamente 3 metros, quatro
espreguiçadeiras e seis mesas com cadeiras, tudo em material plástico, além de um
aparelho de televisão. Um biombo em esquadria de alumínio, em forma de L separa
e esconde o espaço reservado aos banheiros e saunas.
No primeiro andar estão localizadas a sala de vídeo, com um grande banco de
quatro degraus; uma "cabina vip grupal", com uma cama quatro vezes maior que as
camas normais de casal. Esta cabina é das áreas mais movimentas da sauna, com
vários homens fazendo sexo grupal.
Ainda neste mesmo piso há um terraço com plantas e quatro mesas e
cadeiras, à noite com iluminação de néon lilás. Ao lado desta varanda situam-se
mais quatro "cabinas vips individuais". Cada uma com um balde para lixo e papel
higiênico. No vestiário há 60 armários individuais com cadeado. Nos momentos de
visita de campo havia apenas um massagista disponível. A direção desta sauna
reluta em assumi-la como predominantemente frequentada por homossexuais,
recusando material de prevenção dirigido a homens que fazem sexo com homens,
embora a evidência comprove que se trata de um espaço gay.
Esta sauna, com lotação máxima de 50 pessoas e uma frequência semanal de
até 100 indivíduos, funciona de segunda feira a domingo, das 14hs às 23hs , seu
preço de entrada, como a maioria das demais, é R$10,00. Segundo avaliação do
frequentadores entrevistados e nossa própria observação, praticamente a totalidade
dos clientes são homoeróticos, predominando os brancos (50%), depois os negros
(30%) e os mestiços (20%). Quanto à classe social, 20% dos clientes pertencem à
classe A, 50% à B e 30% à classe C. Sábados e domingos são os dias de maior
movimento, tendo como pique das 17hs às 21hs, sobretudo no verão.

2. Sauna Phoenix
Rua Prado Valadares, 16 – Nazaré
"Thermas Phoenix Sauna" existe desde 1989, funcionando como as demais
todos os dias da semana, das 14hs às 23hs. Atrai homens de 18 a 60 anos,
segundo avaliação da direção, 80% dos quais praticantes do homoerotismo. Lotação
máxima 100 pessoas. Frequentada sobretudo por indivíduos da classe média (70%),
distribuídos igualmente em termos raciais.
Seu espaço externo segue o mesmo padrão das demais termas: uma antiga
residência de classe média com muro alto, algumas plantas na entrada do pequeno
hall, protegido por uma porta de segurança que dá entrada para a recepção,
contendo o balcão, telefone e fichário. Ao lado esquerdo uma porta dá passagem
para uma sala que serve de vestiário, com um grande espelho, um console com
escovas, secadores, pentes e desodorantes, um balde para lixo e outro para toalhas
usadas. Dentro dos armários individuais encontram-se duas toalhas secas e um
sabonete, tudo lacrado dentro de um saco plástico.
O vestiário dá entrada à sala de TV , contendo dois sofás, duas mesas de bar
com cadeiras e o aparelho de TV num suporte no alto da parede. Uma porta no
final desta sala dá acesso a um pequeno jardim de inverno. Ao lado esquerdo há
outra porta que leva à sala de leitura, com um pequeno estofado e uma banca de
metal com algumas revistas, inclusive material sobre sexo seguro produzido pelo
GGB. Na outra extremidade desta sala uma escada leva à saleta de vídeo, dispondo
de dois bancos grandes em forma de arquibancada e algumas cadeiras. No corredor
contíguo localizam-se seis “cabinas vips”, apenas uma com um colchão de casal: a
luz bem fraca mal permite distinguir os vultos que perambulam pelo ambiente.
Voltando ao piso térreo, ao lado do bar, uma escada leva ao subsolo, onde
estão cinco chuveiros coletivos sem divisões, defronte dos quais situa-se a sauna a
vapor que comporta dois ambientes divididos por vidro blindex, no interior da qual
há o tradicional banco de azulejo em forma de L. Ao lado dessa sauna está a
sauna seca com banco de madeira com três andares.
Ainda no subsolo, defronte da escada, numa passagem que conduz ao salão,
há uma estante tubular com revistas e um aparelho de TV exibindo o mesmo filme
que passa na sala principal de vídeo, três mesas de bar com cadeiras; duas
espreguiçadeiras, um jardim de inverno, uma saleta com alguns aparelhos de
musculação e duas cabinas para massagens. Dois massagistas fixos atendem os
interessados.
As pessoas transam descontraidamente nas cabinas, aos pares ou em grupo.
Alguns fazem pegação na sauna a vapor e se paqueram nas salas de vídeo,
dirigindo-se a seguir para as cabinas.

3. Sauna Olympus
Rua Tuiuti, 183 – Aflitos
A fachada é comum: um muro alto com um portão de ferro, que permanece
sempre aberto. Um pequeno hall dá entrada a uma saleta de recepção, com um
balcão em formato “L”, em concreto, com cinzeiros, panfletos do GGB e outros. A
decoração se inspira na Grécia antiga.
Uma saleta interna funciona como área de circulação e dá acesso à escada
que leva ao primeiro andar, onde está o bar, a sala de revistas e o vestiário com
oitenta e cinco armários para os clientes, onde além de um grande espelho há uma
prateleira contendo escovas, pentes, desodorantes e um secador de cabelos. A sala
de leitura fica defronte do balcão do bar, contendo uma estante em ferro com
várias revistas eróticas e outras, uma mesa redonda com quatro cadeiras, nas
paredes alguns quadros de celebridades e outros. Ao lado situa-se a sala de
massagens.
Em nível um pouco inferior está a sala de TV, com três mesas redondas com
cadeiras e diversos aparelhos de musculação: bicicleta, mesa-supino e tábua para
abdominal. Quatro degraus levam a uma tablado contendo duas espreguiçadeiras e
outro monitor de TV, sempre sintonizado na ”MTV”. No final desta sala, atrás de
uma meia parede localizam-se quatro chuveiros, os sanitários, a sauna seca com
bancos de dois andares e uma pequena fornalha. A sauna à vapor ocupa o dobro
do espaço da anterior, sendo comum a intimidade sexual entre dois ou mais
homens na penumbra.
No andar superior, a escada termina em frente à sala de vídeo (privê), com um
biombo em fórmica que impossibilita a visão de quem sobe, protegendo a
privacidade de alguns rapazes que se masturbam indiferentes a quem sobe ou
desce. Ao lado desta sala, seis cabinas vips, com colchonete e papel higiênico.
Nestas cabinas há indivíduos que transam de portas fechadas, outras deixam-na
aberta, dispondo do recurso de apagar a luz afim de ficar o ambiente na penumbra.
Há uma média de 4 a 5 massagistas, extremamente gentis, à disposição para
contatos íntimos, inclusive transar nas cabinas com porta aberta.

4. Sauna Persona
Rua Junqueira Aires, 230 – Barris
Esta sauna foi fundada em 1999. Situa-se numa casa discreta e limpa, com
plantas na frente e uma pequena varanda que dá acesso à saleta de recepção,
onde atrás de um balcão de madeira atende o recepcionista. Uma porta dá
passagem ao vestiário, contendo 80 armários com cadeado, contendo em seu
interior um preservativo, folhetos do GGB, um sabonete e duas toalhas.
Em frente ao vestiário há um sanitário completo e ao lado, uma grande suite,
com porta fechada, que funciona como sala de massagens. Uma outra sala
contígua contém pequena cabina destinada ao mesmo fim. Ao lado situa-se a sala
de vídeo com dois grandes bancos de madeira. No fim do corredor localizam-se
cinco cabinas com colchonete no chão. Ainda neste andar superior está o bar,
metade coberto, metade ao ar livre, com plantas, arbustos e mesas plásticas com
cadeiras e alguns aparelhos para musculação.
No térreo está localizada a saleta de leitura, com revistas gays e material
informativo produzido pelo GGB e GAPA sobre prevenção e direitos humanos. Ao
lado direito estão cinco chuveiros, e do lado esquerdo, a sauna seca. Pequena
varanda separa esta da sauna a vapor. Durante as visitas notamos alguns homens
se masturbando na sauna a vapor e na sala de vídeo. O ambiente é de pouca
transa e pouca conversa.
Como as demais saunas, também esta funciona de segunda feira a domingo,
das 15hs às 23hs. Predominam entre os clientes os mestiços e brancos,
comportando a lotação máxima de 80 pessoas e uma frequência semanal de
aproximadamente 230 pagantes. Cinco massagistas perambulam pelos diferentes
espaços à espera de clientes.
5. Sauna Scórpion Thermas
Rua Augusto França,22 - Dois de Julho
Como a anterior, também esta sauna foi aberta em 1999. Tem capacidade
máxima de 50 pessoas, com um movimento semanal de 200 a 300 indivíduos.
Segundo nossa observação e depoimento do pessoal do próprio estabelecimento,
80% dos frequentadores pertencem à classe média, predominando os brancos
(50%) e pardos (30%). Público exclusivamente homossexual.
Uma casa tradicional, numa rua residencial, com pequeno estacionamento de
três vagas para os clientes. Como as demais saunas de Salvador, também esta
situa-se numa antiga casa residencial de dois andares. Uma varandinha dá acesso
à recepção, com um pequeno balcão redondo e algumas colunas gregas. Uma
ante-sala conduz ao vestiário, com 50 armários e diversas cadeiras de plástico.
Logo a seguir encontra-se o bar, com uma porta no final que conduz a um
pequeno hall defronte do qual está a sauna seca, e mais à esquerda a sauna a
vapor, onde podem ser vistos alguns homens que se pegam e se chupam. Um
banheiro com quatro chuveiros, um lavabo com espelho, e um pequeno sanitário
completam o espaço superior.
No primeiro piso, no topo da escada, há uma fonte com um anjo vertendo
água do seu cântaro. Ao lado da escada, uma pequena área com duas mesas e
algumas cadeiras de bar, e logo a seguir, a sala de vídeo com uma baqueta de
metal e um grande estofado em formato L com dois andares. Saindo desta sala
estão três cabinas-vips, e mais adiante, um sanitário social. Através da outra
passagem vai-se da ante-sala até o bar-restaurante, e mais além, a sala de
revistas; no fim desta encontra-se a sala de massagens.
Numa de nossas visitas, na sauna seca notamos a presença de um
massagista se masturbando, insinuando-se para dois clientes e sem se importar com
a presença de estranhos, transaram ali mesmo: o cliente chupou o massagista sem
camisinha, depois fizeram sexo anal com preservativo. Noutra ocasião, um
massagista transava com um gay cinqüentão, o qual gritava sabe-se lá se de dor ou
de prazer. Posteriormente o massagista alardeava, feliz, que a "tia" havia lhe dado
R$50,00 além de dois drinks oferecidos no bar.

6. Sauna Space New Relax


Travessa Salvador Pires, 3 - Aflitos
É o único estabelecimento do gênero que situa-se num pequeno edifício, no
primeiro e segundo andar, enquanto todas as demais saunas funcionam em antigas
residências adaptadas à nova função. Distingue-se igualmente por reunir no mesmo
espaço, um bar-boite, no primeiro andar, e a sauna propriamente dita no segundo
piso, conforme já referimos ao tratar dos bares e boites da cena gay de Salvador.
Segundo nossa observação e depoimento do proprietário, 60% da clientela é
composta por brancos de classe média, enquanto os mestiços de classe baixa
representam por volta de 30% dos frequentadores. Lotação máxima 55 pessoas,
com um frequência semanal de 150 indivíduos pagantes a R$8,00 pela entrada.
Como no mesmo espaço também funciona a boite, esta é a sauna que fica aberta
até mais tarde: 2 horas da manhã.
Subindo as escadas ao primeiro andar, num pequeno balcão de recepção
estão disponíveis diversos folhetos de prevenção da Aids de autoria do GGB. Um
corredor leva ao salão do bar, todo ladeado por um sofá de alvenaria, estofado. O
bar fica na extremidade esquerda de quem entra.
No segundo andar , do lado esquerdo do corredor, está o vestiário com 85
armários, um banco grande, espelho e uma mesa com escovas de cabelo e
pentes. No fim do corredor localiza-se a sala de vídeo: um sofá fixo, duas mesas
de bar com cadeiras, uma pequena TV. Ao lado direito da escada localizam-se as
saunas seca e a vapor, além de dois sanitários, três chuveiros e uma bicicleta
hergométrica. Mais adiante está a sala de massagens e defronte, seis cabinas-vips.
Ao lado destas, os clientes dispõem ainda de uma saleta sem porta, com duas
camas, onde pessoas praticam sexo grupal que pode ser observado livremente por
quem está de fora. Em nossas visitas a esta sauna, vimos diversos homens
mantendo relações em quase todos os lugares, fazendo sexo oral na sauna seca e a
vapor. Na sala de vídeo, há muita paquera e masturbação; nas cabinas muitos
gemidos, gritos e sussurros.

7. Centro Estético Rio’s


Rua Almeida Sande, 8 - Barris
Esta sauna foi aberta em abril de 2000, situando-se numa típica rua residencial
do pacato bairro dos Barris: um alto muro com portão de ferro separa-a da rua. Uma
escada externa de 12 degraus conduz à uma espaçosa varanda gradeada, que dá
entrada para o corpo do imóvel. Ultrapassada a recepção, entra-se direto no
vestiário: com 50 armários individuais, todos com duas toalhas e um preservativo;
um grande banco estofado de plástico, um espelho na parede e uma bancada
com pentes e escovas. Uma escada dá acesso ao primeiro piso onde estão o bar,
as cabinas-vips, o salão de vídeo e uma grande varanda.
Um pequeno corredor leva ao sanitário e ao salão de jogos com uma mesa de
sinuca, baralhos sobre uma prateleira e uma mesa de bar com duas cadeiras. Do
lado esquerdo do vestiário uma porta dá acesso a cinco chuveiros e ao lado destes
situa-se sauna à vapor, com uma lâmpada azul e uma passagem que leva para um
espaço de leitura, ao pé da escada, com uma mesa de bar e algumas revistas
gays. No piso superior funciona o bar, todo em madeira, estilo americano e quatro
bancos no balcão. Na sala seguinte, duas mesas com cadeiras, uma TV sobre uma
peça de madeira e no final desta, uma grande varanda que dá acesso ao corredor
onde estão as cabinas-vips (2,50X1,50), cada uma com sua cama de cimento e um
colchão forrado em napa azul e um pequeno abajur ao lado.
Mais adiante situa-se a sala de vídeo com um monitor exibindo filmes gays,
dispondo-se de três bancos de madeira forrados com fórmica.
De três a cinco massagistas se insinuam aos clientes com bastante
desenvoltura. 80% dos clientes são brancos de classe média: lotação máxima de 50
indivíduos, com uma frequência semanal de 130 pagantes. No fim de semana é
quando ocorre o maior movimento, especialmente entre 16-22hs.

 Cinemas

Não há e nunca houve em Salvador cinemas exclusivamente voltados para a


projeção de filmes homoeróticos, tal qual existe em São Paulo e nas principais
cidades do hemisfério norte. Contudo, quando menos desde a década de 70 há um
ou mais cinemas em Salvador especializados em filmes eróticos frequentados por
gays, travestis e homens interessados em práticas homoeróticas. Nas décadas de
80 e até meados de 90, o principal "santuário" deste tipo de "cinema de putaria",
como são chamados popularmente tais estabelecimentos, era o cine Pax, na Baixa
do Sapateiro, por incrível ironia, propriedade da Ordem Franciscana, desativado há
dois anos, assim como o cine Jandaia, situado a uma centena de metros, na mesma
artéria. Seguindo a mesma tendência do resto do país, também na Bahia a maior
parte das grandes e velhas salas de cinema do centro da cidade fecharam suas
portas, e dos cinco cinemas de pegação homoerótica existentes na década de 90,
só restam dois: o Astor e Tupy – ambos ostentando os mesmos sintomas de
decadência que levaram seus congêneres à falência.

1. Cine Astor
Fundado em 1955, situa-se num dos mais antigos logradouros da velha São
Salvador, na Rua Tomé de Souza, na mesma calçada da vetusta igreja de Nossa
Senhora da Ajuda. Funciona diariamente das 12h30 às 20hs, cobrando R$4,00 pela
entrada. Só exibe filmes (hetero)eróticos, com censura de 18 anos, predominando
público jovem, na faixa etária de 18 a 25, em sua maior parte mestiços e negros
(90%) de classe média (80%) e baixa (15%). Segundo nossa observação e cálculo
de diversos frequentadores entrevistados, 80% da clientela é constituída por
homossexuais. A lotação máxima desta sala é de 429 pessoas, mantendo uma
média semanal de 1200 frequentadores, com maior concentração às segundas e
sextas feiras.
Como nos demais cinemas de pegação 109, o sexo acontece em todos os
espaços internos, exceto no hall de entrada. Sentados lado a lado, ou mesmo um
sentado na poltrona e outro ajoelhado no chão, homens e rapazes trocam abraços e
beijos, se masturbam, fazem felação. Nos corredores, as mesmas performances
homoeróticas, não sendo raro ocorrer sexo anal, de pé, alguns mais descontraídos
chegando a arriar parte da calça ou bermuda. Dentro dos sanitários do primeiro
andar, muito voyeurismo, pegação e masturbação recíproca nos mictórios, além de
felação e cópula anal dentro das privadas.
Alguns cartazes do GGB afixados nas paredes dos sanitários lembram aos
presentes informações básicas sobre sexo seguro. Predominam gays e michês,
raramente aparecendo um ou dois travestis à cata de quem deseje transar: segundo
informação da transexual Cláudia, da Associação de Travestis de Salvador, que
realiza semanalmente intervenção neste cinema, distribuindo camisinhas e folhetos

109
Terto Jr, Veriano. No Escurinho do Cinema: Sociabilidade orgiástica nas tardes
cariocas. Tese de Mestrado, Departamento de Psicologia, PUC, RJ
aos frequentadores, a gerência do Cine Astor controla a entrada de travestis,
impedindo o acesso de "bichas mais pintosas para evitar baixaria."

2. Cine Tupy

O cine Tupy fica na Baixa do Sapateiro, próximo a terminal de ônibus


Aquidabã. É o último a continuar em funcionamento na Rua J.J.Seabra, pois os
cines Pax e Jandaia, a duzentos metros de distância, foram desativados nos
meados da última década.
Fundado em 1958, o Tupy funciona das 10hs da manhã às 19hs. Note-se que
assim como o Cine Astor, não há sessões noturnas, demonstrando que é
freqüentado sobretudo durante o horário comercial, quando o movimento de
compradores é intenso na região da Baixa do Sapateiro. Ao lado deste cinema, um
grande tempo da igreja da Universal disputa os transeuntes que passam pela
mesma calçada.
Sem sombra de dúvida, é no Tupy onde se reúne o maior número de
homossexuais durante as tardes em Salvador, por conseguinte, o local onde ocorre
o maior número de encontros homoeróticos no período vespertino. Apesar da
dificuldade de se quantificar tal população, avaliamos que durante as 9 horas de
funcionamento deste estabelecimento, permanecem no recinto, rotativamente, de
50 a 100 homens e rapazes, dos quais 80% são gays e 10% travestis.
Diferentemente do Cine Ástor, onde há uma política de evitamento da entrada de
travestis, no Tupy, conforme expressão da mesma informante Cláudia, agente de
saúde da ATRAS, "liberou geral" e aproximadamente dez travestis se revezam
durante a tarde, controlando parte significativa das interações sexuais que aí
acontecem. Há como que uma troca de favores entre travestis e a gerência deste
cinema: têm entrada livre mas em contrapartida, são as travestis que se encarregam
de toda a limpeza e manutenção dos dois sanitários: são elas que lavam as pias,
"sentinas", e passam pano úmido no chão. Um aspecto curioso do dia a dia deste
ponto de prostituição é que uma das travestis que lidera tal espaço chega no cinema
vestida de homem e se "monta" no próprio local, diferentemente da totalidade das
demais "monas" que vivem montadas 24 horas por dia. Calculamos que devam fazer
plantão, rotativamente, uma média de seis rapazes de programa, profissionais do
sexo, sem falar em número muito superior de bofes que procuram este cinema pelo
prazer do sexo, sem esperar ou pedir remuneração monetária.
A faixa etária predominante ente os freqüentadores varia de 18 a 35 anos,
embora não seja rara a presença de alguns gays da terceira idade. Mestiços (60%) e
negros (15%) de classe média (80%) e baixa (15%) prevalecem, mas quem domina
mesmo a cena são as travestis, que exercem rigoroso controle do sanitário:
algumas ficam na porta impedindo que casais entrem a fim de utilizar este espaço
como local de transa; se algum "bofe" ou "maricona" entra para usar o mictório,
incontinenti alguma travesti se aproxima, aliciando-o através de convite verbal ou
manipulando a genitália do indivíduo. Na mesma semana em que redigia este
trabalho ocorreu ruidosa discussão das travestis com uma "puta", que por ser
considerada invasora da área privativa das "bonecas", teve de abandonar o recinto.
Três são os locais onde mais ocorrem relações sexuais neste cinema: nas
poltronas, onde gays transam entre si ou com bofes e michês, praticando
masturbação, felação e cópula anal; nos corredores, onde alguns bofes mais
exibidos perambulam com o pênis fora da braguilha e casais de pé se enlaçam, seja
face a face, seja em posição ativo/passivo e finalmente nos dois sanitários, sítio
monopolizado quase exclusivamente por travestis, que transam com "mariconas"
seja dentro de uma das duas privadas – sem porta – seja encostados nas paredes, à
vista de quem entra e sai.
Segundo depoimento de Michelle Marri, Presidente da ATRAS e que
semanalmente realiza intervenção neste local, distribuindo preservativos e folhetos
informativos, o mais comum dentro dos banheiros é se ver a travesti mantendo
cópula anal ativa com seus clientes, enquanto no salão, as cenas que mais se
repetem são os gays chupando bofes e michês. Embora os clientes só queiram
pagar R$5,00 pelo programa, as travestis têm atualmente a seguinte tabela de
preços: R$10,00 para chupetinha e R$30,00 para programa completo. Os michês
pedem R$50,00 mas topam programa completo a partir de dez ou quinze reais.

3. Seduction Sex Vídeo


Rua J. J. Seabra, 168 – Baixa do Sapateiro
Esta a locadora e sala de projeção de vídeos eróticos funciona desde 1996.
Situa-se em duas salas no segundo andar do Edifício Torres, especializando-se em
todo tipo de filmes eróticos: héteros, gays, zoofilia, etc. Funciona das 9hs às 19hs,
cobrando R$5,00 pela entrada. Lotação máxima de 16 pessoas, predominando
mestiços e negros (80%) provenientes da classe média (70%). Gays representam
aproximadamente 60% da clientela, que ocupam a faixa etária ente 18-60 anos.
Segundas e quartas feiras são os dias de maior frequência, notadamente a partir
das 16hs.
Uma das salas foi subdividida em quatro espaços, aí funcionando a recepção
com uma grande estante e grande variedade de filmes eróticos e seus respectivos
catálogos. O estabelecimento dispõe de seis funcionários, incluindo recepcionista e
acompanhantes de ambos os sexos. Diversos cartazes do GGB cobrem as paredes,
além de folhetos e cartilhas de prevenção de DST/Aids.
Na sala 204 há logo na entrada um pequeno balcão com um computador para
controle de empréstimos de vídeos e entradas em cabinas. Aí estão expostos à
venda grande variedade de revistas e vídeos eróticos.
Uma porta dá acesso à sala coletiva de vídeo, com lugar para oito pessoas.
Três estofados vermelhos, sendo dois com três lugares e um com dois lugares, um
grande tapete, um almofadão em couro no centro da sala, e no canto uma estante
com um monitor de TV. Ainda na mesma estante, rolos de papel higiênico e um
balde de lixo. Preservativos são distribuídos às pessoas no ato da chegada. Numa
de nossas visitas ao local, havia quatro homens nesta sala assistindo a vídeos, dois
dos quais se masturbando com o pênis fora da braguilha.
Ao lado desta, mais duas cabinas menores, com um estofado de dois lugares,
o monitor de vídeo, papel higiênico e balde de lixo. Uma terceira cabina maior abriga
um sofá de três lugares e as demais comodidades supra citadas, destinadas a
grupos interessados em "menage a trois".
4. Prevenção de DST/AIDS na cena gay em Salvador

Segundo estatísticas da Organização Pan-americana de Saúde, a


transmissão homo-bissexual representa 20% dos casos de Aids na América Central
e Caribe, 47% no Cone Sul, 56% no México e 67% na região Andina. 110 Em 1996,
de acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil os homossexuais e bissexuais
representavam 45,5% das notificações de AIDS, número quatro vezes mais alto na
época do que a transmissão heterossexual (11,3%).111 Segundo o último Boletim
Epidemiológico do Ministério da Saúde, (Novembro/1999), a distribuição nacional
das categorias de exposição homossexual e bissexual entre 1980-1999 é de 50.763
casos - 29,3%, - num total de 173.373 notificações. "Em valores absolutos, nota-se
que o número de casos de Aids nestas duas categorias de exposição tem se
mantido estável ao longo dos últimos dez anos, se comparadas com a categoria
heterossexual, o que no entanto não significa uma diminuição na participação da
transmissão homem a homem na epidemia."112 A mesma constatação aplica-se à
Bahia. De acordo com informações fornecidas pela Secretaria de Saúde do Estado
da Bahia, SESAB, foram notificados até agosto de 2000, 3877 casos de Aids, sendo
tal a evolução da epidemia neste Estado: 113

110
OPAS, Boletim Epidemiológico, 10-9-1995, apud Información General y Plan de
Acción para l996 de ILGA, Grupo de Trabajo en Sida, p.2
111
Boletim Epidemiológico, AIDS. Ministério da Saúde, Brasília, ano IX, n.1,
Fevereiro l996, p.17. Segundo Dr.Pedro Chequer, a frequência de notificações oficiais
entre homo/bissexuais, decresceu de 80% em l985, para 41% em l990 e para 26% em
l995. In “Fifteen years of Aids Epidemic in Brazil: Trends over time and
Perspectives”, XI International Aids Conference, Vancouver, Abstract, vol.1, n.1439,
p.131
112
"Proposta de Estudos e Avaliação da efetividade das ações de prevenção dirigidas
a homens que fazem sexo com homens", Ministério da Saúde, Coordenação Nacional
de DST e Aids, Unidade de Prevenção, julho 2000.
113
Fonte: SUVISA/DIVEP/CE – DST/AIDS. Dados preliminares até 15/08/2000,
sujeitos à revisão.
Distribuição de casos de Aids segundo categoria de
exposição e ano de diagnostico - Estado da Bahia 1984 – 2000

ANO DIAG. HOMO BI HETERO UDI IGNOR TOTAL


HEMOFTRANF VERTICAL
M F M F M F M F M F M F M F M F M F
1984 1 - - - - - - - - - - - - - - - 1 -
1985 4 - - - - - - - - - - - - - - - 4 -
1986 11 - 4 - - - 1 - 2 - 1 - - - 1 - 20 -
1987 16 - 8 - - 1 4 4 1 - 2 - - 1 2 - 33 6
1988 30 - 17 - - 1 11 1 - - 1 4 - - 6 2 65 8
1989 53 - 21 - 3 4 22 7 4 - - - 1 - 16 4 120 15
1990 31 - 20 - 8 13 25 6 4 - 2 2 2 - 27 7 119 28
1991 59 - 42 - 9 11 39 8 2 - 5 1 - 1 26 7 182 28
1992 87 - 54 - 23 23 31 11 2 - 2 2 3 1 39 12 241 49
1993 71 - 48 - 33 35 29 11 2 - - - 4 3 59 16 246 65
1994 61 - 42 - 46 26 27 14 2 - 1 4 - 1 37 24 216 69
1995 54 - 36 - 38 41 26 13 4 - 6 9 2 1 47 15 213 79
1996 100 - 55 - 43 53 44 15 - - 6 13 1 1 58 37 307 119
1997 83 - 49 - 73 76 49 26 1 - 3 6 5 8 103 61 366 177
1998 67 - 59 - 74 61 28 13 5 - 1 - 8 8 117 68 359 150
1999 79 - 77 - 99 106 28 13 - - 1 - 7 16 58 35 349 170
2000 16 - 8 - 17 19 3 3 - - - - 5 - 2 - 51 22
TOTAL 823 - 540 - 466 470 367 145 29 - 31 41 38 41 598 288 2892 985

Analisando a evolução da epidemia de HIV/Aids na Bahia, quanto à


transmissão sexual, patenteia-se que, como no resto do país, apesar do
crescimento significativo da transmissão heterossexual, subindo de 21 casos em
1991 para 205 em 1999, os 936 casos registrados entre 1987/2000 representam
24,1% das notificações – para uma população de mais de 10 milhões de baianos.
Quanto à transmissão homossexual e bissexual, a primeira constatação é que
tais números revelam-se bastante oscilantes, saltando de 51 casos em 1990, para
101 em 1991, baixando para 90 em 1995, 155 no ano seguinte, recuando para 126
em 1998. Um dado que não deve ser descurado é que os homossexuais e
bissexuais devem representar por volta de 10% da população total da Bahia – por
volta de um milhão de pessoas, tomando como base as estimativas do Relatório
Kinsey. Assim sendo, 1363 transmissões homo-bissexuais num total de um milhão
de indivíduos representa um índice de infecção muitíssimo mais alto e preocupante
se comparado com 936 notificações vis-a-vis 10 milhões de pessoas. Tal
regularidade obriga-nos a concluir que apesar da crescente "heterossexualização"
da epidemia do HIV na Bahia e no Brasil, a Aids continua a atingir, em termos
absolutos e proporcionalmente, muitíssimo mais os homossexuais e homens com
práticas homoeróticas do que os/as heterossexuais.
Como antecipamos alhures, não existem estatísticas oficiais sobre a extensão
da prática homossexual entre os brasileiros: pesquisas antropológicas confirmam
alta frequência da bissexualidade,114 e os gays e travestis brasileiros gozam a
reputação internacional de serem, comparativamente aos dos demais países
vizinhos da América do Sul, mais numerosos e visíveis nos espaços públicos, os
jovens mais disponíveis e abertos a experiências com o mesmo sexo. 115 Ao se
indagar a opinião dos homossexuais brasileiros sobre a Escala Kinsey 116, que
indica em 10% os homens predominante ou exclusivamente homoeróticos, no mais
das vezes, os informantes avaliam que por experiência própria, no Brasil seria mais
correto elevar para 20% ou 30% o número dos homens pertencentes a esta
categoria sexológica.117
Antes mesmo de ter sido diagnosticado o primeiro caso de Aids em Salvador,
já em abril de 1982, o Grupo Gay da Bahia divulgava no Boletim do GGB N.3 o
alerta: "Uma doença de homossexuais?" repercutindo e criticando uma matéria
publicada no Time em dezembro de 1981e na Manchete em 1982, onde o
alastramento do Sarcoma de Kaposi entre alguns homossexuais era associado à
promiscuidade gay. Em 1984 o Coordenador do GGB é convidado por um médico do

114
Lima, Délcio Monteiro. Comportamento sexual do Brasileiro. Editora Francisco
Alves, SP, l977; Parker, Richard. Corpos, Prazeres e Paixões. Editora Bestseller, RJ,
l99l
115
Spartacus International Gay Guide, Berlin, Bruno Gmunder Verlag, l995;
Mott,Luiz. “Brazil”, in Encyclopedia of Homosexuality, op.cit. Whitan, Frederic. Male
Homosexuality in Four Societies. New York, Praeger, 1986.
116
O Inquérito Kinsey sobre o Sexo. Editora Tecnoprint, RJ, s/d
117
Apesar de a homossexualidade não ser crime no Brasil desde 1821, e já existirem
73 Municípios e 3 Estados onde é proibida a discriminação por “orientação sexual”,
contraditoriamente, o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de gays, lésbicas e
travestis: entre 1980-1999, 1830 homossexuais foram violentamente assassinados,
vítimas de crimes homofóbicos. Cf. Mott, L. Homofobia, op.cit.
Hospital Jorge Valente a debater sobre o primeiro caso de Aids diagnosticado na
Bahia, e neste mesmo ano, publicamos duas cartas de protesto no principal jornal
local, A Tarde, contra matérias preconceituosas referindo a Aids como peste-gay.
Em fevereiro de 1985 o GGB divulga seu primeiro texto de prevenção, distribuindo
no Carnaval 5 mil folhetos, "O Perigo da Aids na Bahia", alertando a população
homossexual de como evitar e reconhecer a Aids. A partir de 1986 o GGB assina
convênio com a Bemfam (Sociedade do Bem Estar Familiar), distribuindo a partir de
então, mensalmente, 5 mil preservativos sobretudo junto à comunidade
homossexual.
Data desde então nosso trabalho sistemático e ininterrupto de panfletagem e
distribuição de preservativos na cena gay de Salvador, adaptando para nossa
realidade o que já vinha sendo sistematicamente realizado pelos grupos
homossexuais no exterior.118 Em 1989 o GGB participa da primeira pesquisa sobre
o HIV na comunidade homossexual de Salvador e do Brasil, convênio firmado entre
a Universidade Federal da Bahia e a Universidade de Cornell (NY), com testes
voluntários, sigilosos e gratuitos realizados na própria sede da entidade. Em 1990 o
GGB funda o Centro Baiano Anti-Aids, participando de um programa semanal sobre
Aids na Rádio Sociedade; neste mesmo ano elaboramos a primeira cartilha no
Brasil sobre Aids para cegos em baile. Em 1991 o GGB abre o primeiro posto de
prevenção da Aids para travestis no Pelourinho. Em 1992 realiza uma exposição de
cartazes sobre o tema: “O Erotismo na prevenção da Aids", dando continuidade aos
testes de HIV na sede da entidade, com apoio da Universidade de Cornell: neste
ano o GGB participa pela primeira vez do Seminário França/Brasil em Salvador,
produzindo o primeiro cartaz sobre Safe-Sex dirigido à comunidade gay de Salvador.
1993: exposição de cartazes na Casa de Benin: A imagem do negro na prevenção

118
Bolton, R. Mapping terra incognita: sex research for Aids Prevention, an urgent
agenda for the 1990s."in Herdt, G. & Lindenbaum, S, (eds). The Time of Aids: Social
Analysis, Theory and Method. London, Sage, 1992; Bolton, R. et alii. "Gay sauna:
venues of HIV transmission of Aids Prevention?" Poster Abstracts, Volume 2, D415,
Amsterdam, VIII International Aids Conference, 1992; Lindell, J. "Public space for
public sex." in Colter, E.G. et alii. (ed) Dangerous Bedfellows. Policing Public Sex:
Queer Politics and the Future of Aids Activism. Boston, South End Pres, 1996;
Tewksbury, R. "Cruising for sex in public places: The structure and language of men's
hidden erotic word." Deviant Behaviour, n.17, 1996, p.1-19.
da Aids e divulgação do folheto "Aids e Candomblé, dando início a um trabalho
dirigido aos adeptos das religiões afro-brasileiras, atividade que persiste até hoje.
1994: campanha "Camisinha nos Bares", convênio estabelecido com os
estabelecimentos comerciais para distribuição de preservativo nos principais bares
do centro histórico de Salvador. Início do primeiro projeto financiado pelo Ministério
da Saúde para prevenção de DST/Aids junto à comunidade homossexual de
Salvador. Produção do folheto: Como viver positivo. O GGB coordena então o VII
Encontro de ONGs/Aids em Salvador. Em 1995 é publicado nosso primeiro boletim
especial sobe "Travestis", com a fundação da Associação de Travestis de Salvador.
1996 é fundado o Quimbanda-Dudu, Grupo Gay Negro da Bahia, para lutar contra o
racismo, homofobia e promover a prevenção de Aids na comunidade negra.
Publicação em 1997 do boletim, Sexo Oral, o mais completo levantamento sobre os
riscos de infecção pelo HIV através da felação. 1998: o projeto de prevenção junto à
comunidade gay é renovado, sendo aprovado projeto específico dirigido às
travestis, além de projeto de assessoria jurídica aos portadores de HIV/Aids e
minorias sexuais. 1999 divulgação da cartilha "Redução de danos no uso do
silicone" . 2000: o Grupo Gay da Bahia completa 20 anos de luta, celebrando sessão
solene na Câmara Municipal.
Nestas duas últimas décadas, desde o aparecimento da Aids em nosso país, o
Grupo Gay da Bahia além de ter sido a primeira ONG a se preocupar, cobrar ações
governamentais e trabalhar diretamente na prevenção da Aids junto à comunidade
homossexual local e nacional, produziu mais de trinta folhetos, cartilhas, livros,
boletins, jornais e cartazes consagrados a esta mesma problemática: a transmissão
de informações corretas visando a redução da morbi-mortalidade junto às diferentes
categorias de homens com práticas homossexuais. Tivemos igualmente participação
direta na elaboração do Manual do Multiplicador Homossexual, divulgado pelo
Ministério da Saúde em 1996.
A enumeração deste resumo das principais ações e campanhas do Grupo Gay
da Bahia na prevenção da Aids junto à população homossexual tem como escopo
salientar o quanto esta ONG tem se comprometido no trabalho de prevenção das
DST/HIV junto a esta população alvo, disseminando informações corretas de como
evitar a Aids através da adoção de práticas de sexo mais seguro.
Para se ter uma visão mais detalhada de uma das facetas do trabalho de
prevenção do GGB junto ao diferentes segmentos de gays e homens com práticas
homossexuais, assim como junto a outras populações alvo atendiddas pelo Centro
Baiano Anti-Aids, mostramos no quadro abaixo o fluxo de distribuição de camisinhas
entre 1999/2000, incluindo os seguintes nichos: preservativos distribuídos na sede
da entidade no horário comercial, para pessoas de ambos os sexos, predominando
jovens heterossexuais (12%); convênios com diferentes entidades e
estabelecimentos, incluindo saunas, bares e boites gays, diretórios acadêmicos
universitários, etc (21%); convênios com terreiros de candomblé capacitados para
prevenção de DST/Aids junto ao povo de santo (16%); preservativos distribuídos em
intervenções do tipo out reach em espaços públicos e estabelecimentos comerciais
frequentados por público GLS (13,5%); camisinhas distribuídas nas reuniões bi-
semanais na sede do GGB, incluindo oficinas de sexo seguro (3,4%); reuniões
semanais da Associação de Travestis de Salvador (13,5%); reuniões semanais do
Grupo Vida Feliz de Pessoas com Hiv/Aids (1,7%); intervenções diversas em
colégios, sindicatos, associações de bairro, etc (15%).

Distribuição de preservativos pelo Grupo Gay da Bahia


Janeiro/ Dezembro 1999 – Janeiro/Julho 2000

Mês Sede Conv Cand Interve Reun. Reun. Reun. Diversos Total
1999 ênios omblé nções GGB ATRAS V. Feliz Preser.
Jan 785 2130 1600 850 524 1248 70 1510 17280
Fev 743 1770 1800 1300 366 1044 230 1310
Mar 552 1956 1900 1330 436 1092 144 1410 18720
Abr 851 2250 2202 1412 401 1224 50 1510
Mai 886 2212 1200 1428 264 1764 288 1710 18720
Jun 899 2200 2250 1000 225 684 100 1610
Jul 1394 2611 2000 2028 369 2016 89 1910 26208
Ago 2044 2743 2500 1586 456 2292 157 2010
Set 1369 2356 2500 1526 261 2124 144 2245 25920
Out 2236 2750 2500 1628 474 1512 250 2045
Nov 2171 1790 1331 1334 240 900 144 1336 20160
Dez 1779 2196 1900 1775 348 1272 144 1500
15712 26964 21183 17197 4364 17172 2204 19106 127.008
12% 21% 16% 13,5% 3,4% 13,5 1,7 15%
Mês Sede Conv Cand Interve Reun. Reun. Reun. Diversos Total
2000 ênios omblé nções GGB ATRAS V. Feliz Preser.
Jan 1914 4700 3500 1552 267 2232 90 2670 29808
Fev 3262 2400 2450 1142 363 1996 170 1100
Mar 2468 4250 3500 1432 357 2414 219 2202 29808
Abr 2000 2803 2450 1212 369 2660 310 1162
Mai 2434 2450 3500 1513 627 2933 344 2335 29808
Jun 2121 2756 2450 2266 588 2002 125 1364
Jul 1427 4700 2450 3356 366 950 38 1019 14976
15626 19829 20300 12473 2937 15187 1296 11842 231.408

Além do GGB, há de se lembrar que também o Gapa/Bahia realiza, de forma


intermitente, algumas ações pontuais junto a população de HSH e bissexuais, assim
como a própria Secretaria Municipal de Saúde, que através de assistentes sociais do
Posto de Saúde da Rua São Francisco, igualmente de forma intermitente, realiza
reuniões destinadas a travestis.
Eis a relação dos materiais de IEC produzidos pelo GGB nos últimos anos,
destinados especificamente à prevenção de HIV/Aids para gays, travestis, michês e
homens com práticas homossexuais:

 Livros, livretos, cartilhas e boletins


1. Sexo sem risco para travestis
2. Eros: Sexo seguro entre homens
3. Guia Gay de luta contra a Aids
4. Silicone: Redução de Danos para Travestis
5. Sexo sem risco para travestis II
6. As Travestis da Bahia e a Aids
7. Sexo sem Aids
8. Traveca esperta só transa com camisinha na neca
9. ABC dos gays
10. Guia dos Direitos das Pessoas com HIV/Aids
11. Cuidando de Alguém com Aids
12. Como evitar doenças sexualmente transmissíveis
13. Sexo Oral
14. Violação dos Direitos Humanos das pessoas com HIV/Aids no Brasil
15. Boletim sobre Travestis (3 números)
16. Transexualidade: O corpo em mutação
17. Jornal Homo Sapiens (Número 17)

 Folhetos e Folders
1. Calendários com mensagem sobre camisinha (5)

2. Cartões postais sobre sexo seguro (6)

3. Seja o que você for (michê)

4. Sexo seguro para homens

5. Sexo seguro para homens II

6. O que todo professor deve saber sobre Aids e Homossexualidade

 Cartazes

1. Travestis na batalha pela cidadania

2. Camisinha: Salva vida

3. Segurança: sexo seguro

4. Com camisinha sim, sem camisinha não

5. Negão vivo usa preservativo

6. Confiança: sexo seguro

7. Pau que dá em Xico dá em Francisco

8. Ele não sugeriu camisinha

9. Sem camisinha, nem morta


10. Aqui o sexo é seguro

11. Ativo/Passivo: Preservativo!

Data de 1981, um ano antes do primeiro diagnóstico de Aids no Brasil, a


primeira experiência do Grupo Gay da Bahia na prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis junto à comunidade homossexual da Bahia: membros
do GGB dirigiram-se ao velho centro histórico de Salvador, acompanhados de um
médico, onde foram realizadas consultas e emitidos guias para exame de VDRL
junto a dezenas de travestis residentes na zona de prostituição.
Após o surgimento da epidemia da Aids, além da distribuição sistemática de
preservativos na própria sede da entidade, distribuição sempre acompanhada de
folhetos específicos e informação pessoal para cada visitante, o GGB realiza
semanalmente visitas e intervenções nas principais áreas e espaços frequentados
por gays e homens com práticas homossexuais. É portanto, com base nesta longa
experiência adquirida no contacto diuturno com esta população alvo, reforçado
recentemente através desta pesquisa de campo, assim como pela “expertise”
decorrente da produção de inúmeros materiais informativos e instrucionais relativos
à prevenção de DST/Aids que ao concluir esse estudo monográfico sobre a cena
gay de Salvador, apresentamos a seguir uma síntese dos principais problemas e
direções para a prevenção da Aids na capital baiana.
Para tanto, consideramos que o mais prático e funcional seria tomar como
ponto de partida e referencial os próprios locais onde as diferentes categorias de
homossexuais e homens com práticas homoeróticas frequentam, justificando-se tal
opção pela própria experiência de prevenção, pois é para tais nichos urbanos onde
as diferentes categorias desta população alvo se dirigem e se encontram quando
procuram parceiros sexuais. Na medida do possível, ampliaremos a partir de agora
o universo local desta análise, sugerindo medidas preventivas que certamente
poderão ser aproveitadas para outras cidades e estados, dadas as recorrências e
similitudes existentes nos espaços gays pelo Brasil afora.
O primeiro e um dos mais difíceis problemas enfrentados na prevenção junto a
populações definidas a partir da categoria sexo é exatamente romper o tabu que
ainda hoje tão fortemente domina o imaginário e as práticas erótico-sexuais. Se por
um lado é relativamente fácil e corriqueiro falar sobre sexo com homossexuais
assumidos e travestis, o mesmo não ocorre com gays enrustidos, bofes e homens
com práticas homoeróticas que vivem clandestinamente e muitas vezes com enorme
culpa e medo suas fantasias libidinais.
Assim sendo, qualquer trabalho de prevenção junto a homens com práticas
homoeróticas, uma consideração inicial a ser levada em conta na produção de
material informativo e na abordagem de tais populações é exatamente esta
diversidade: embora sejam pessoas homossexualmente ativas – e/ou passivas -
para significativa porção destes indivíduos, a homossexualidade ainda é um grande
tabu, sobretudo sua afirmação, verbalização e exposição pública.
Portanto, para evitar resistência ou recusa por parte de pessoas e grupos com
prática homoerótica mas sem identidade homossexual, as mensagens e tipo de
abordagem devem ser cuidadosamente delicadas, sendo mesmo recomendável às
vezes o uso de mensagens cifradas ou genéricas, a fim de evitar ferir tais
susceptibilidades ou criar resistência à intervenção.
A experiência tem confirmado que um homem com prática exclusivamente
homossexual ou bissexual, porém socialmente enrustido, que apenas furtivamente
frequenta saunas ou boites gays, dificilmente levará para casa qualquer material
informativo com imagens e mensagens identificadas com o mundo homo, pois
arriscaria ter desmascarada ou confirmada uma prática que a duras penas faz
questão de esconder. Mesmo material “neutro”, sem referir especificamente ao
público alvo gay, já constitui problema para muitos indivíduos, na medida em que
Aids ainda está fortemente associada, no imaginário popular, à peste gay, podendo
levantar suspeita sobre a enigmática vida sexual deste escorreito senhor ou discreto
rapaz filho de família.
Portanto, para atingir tal categoria de praticantes do homoerotismo, os
enrustidos, a melhor solução é que haja nos locais por eles freqüentados – saunas,
cinemas de pregação, bares e boites gays, cartazes que num relance de olhos
lembrem e reforcem a principal mensagem de prevenção da Aids: CAMISINHA
SEMPRE! Seja com fotos, desenhos ou figuras, da forma o mais explícita possível,
tais cartazes, espalhados nos locais mais visíveis e de maior circulação nestes
espaços de socialização e lazer, visam reforçar, para aqueles que não podem levar
para casa um folheto, folder ou cartilha detalhada sobre safer-sex, quando menos, o
essencial: camisinha=sexo, seguro=não Aids.
Como a grande maioria dos gays enrustidos, mesmo os que frequentam a cena
gay, vivem em ambiente familiar, sob rígido controle social, a experiência
demonstra que é inútil e desperdício de material oferecer numa boite, a gays não
assumidos, cartilha ou folder sobre auto-estima gay e práticas de safer-sex. No
escurinho dos cinemas de pegação, dentro das boites igualmente pouco iluminadas,
não há clima nem condição para leitura de uma cartilha, e como tais enrustidos não
podem levar para casa nada que os comprometam, o fim destes materiais será
inevitavelmente o lixo.
Uma não menor dificuldade que tivemos de superar e que deve ser levada em
conta em qualquer projeto de prevenção junto a populações homoeróticas, é a
resistência de muitos donos destes estabelecimentos comerciais de aí permitir a
fixação de cartazes sobre Aids e DST. Por incrível que pareça, diversos
proprietários recusaram e continuam impedindo fixar cartazes – alguns nem sequer
dentro dos sanitários! Mesmo em bares frequentados predominantemente por gays,
certos proprietários alegam que o ambiente é misto, que cartazes direcionados à
população homossexual chocaria e espantaria os fregueses, um deles chegando a
se desculpar dizendo que à tarde, a senhora sua mãe costumava ir limpar a boite,
e que ela ficaria chocada em ver tais mensagens homoeróticas! Hipocrisia,
alienação e homofobia, um amargo coquetel partindo de quem vive de explorar o
consumidor gay! Problema porém real e que pode dificultar em muito, os projetos
de prevenção nos espaços comerciais de socialização GLS.
Depois de conseguida a autorização do dono ou gerente, a fixação de
cartazes em tais ambientes oferece alguns problemas práticos, por exemplo,
encontrar locais ao mesmo tempo bem visíveis que não interfiram na estética e
decoração do ambiente, e que não sejam destruídos pela ação alienada de
vândalos. Boites e bares mais sofisticados geralmente criam mais problemas, e duas
soluções têm sido praticadas pelo GGB: uma envolve um gasto extra, mandando-se
enquadrar alguns cartazes que passam a decorar como “quadro” as paredes do
estabelecimento. A segunda solução é colocar os cartazes nas paredes ou portas
dos sanitários, escolhendo locais bem visíveis, de preferencia não muito baixo, para
dificultar sua destruição. Nos Estados Unidos tivemos ocasião de ver, em locais
gays, pequenos quadros, com molduras de plástico e adesivos resistentes,
colocados exatamente no espaço interno dos próprios mictórios, bem na frente do
campo visual do usuário, com mensagens sobre Aids e clínicas especializadas em
DST.
Nossa experiência, como autores de mais de uma dezena de cartazes
dirigidos à comunidade homossexual, ensina que os cartazes para ambientes gays
devem sempre ter um forte “sex appeal”, para que, num só lance de olhos, todas
as diferentes categorias de frequentadores daquele estabelecimento, não apenas
captem seu conteúdo preventivo, mas sintam-se impelidos a ler a mensagem – que
deve igualmente ser contundente – levando o indivíduo a reforçar sua convicção de
que ser for fazer sexo, usará camisinha.
Deve também o cartaz incitá-lo à curiosidade em visitar a entidade autora do
cartaz, onde encontrará informações mais detalhadas sobre auto-estima, onde
poderá resolver pessoalmente suas dúvidas sobre sexo seguro, além de ter acesso
regular a preservativos grátis.
Cartazes com imagens homoeróticas muito explícitas têm a vantagem de atrair
muitos olhares, mas dificulta sua divulgação em espaços bissexuais ou cujo
proprietário seja mais conservador, de tal sorte que o mais conveniente seria dispor
de ao menos dois tipos de cartazes, um com mais sex-appeal, outro mais light,
exatamente para minimizar tais problemas circunstanciais. Membros do grupo gay
devem visitar regularmente tais estabelecimentos a fim de conferir o estado de
conservação dos cartazes, substituindo-os quando danificados ou fixando posters
diferentes, quando disponíveis.
Além de cartazes, diferentes materiais impressos vêem sendo produzidos pelo
GGB para servir de apoio ao trabalho sistemático de prevenção para ser distribuído
às diferentes categorias de frequentadores da cena gay de Salvador. Todos os fins
de semana, quando é maior o fluxo de gente, uma equipe do GGB percorre, a partir
das 22hs, alternadamente, todos os estabelecimentos frequentados pelo público
GLS. Nos bares com mesas na calçada ou nos mais iluminados, especialmente na
área da Carlos Gomes, é imediato, visível e extremamente gratificante perceber o
impacto causado pela distribuição do preservativo acompanhado sempre com um
texto básico sobre Aids e/ou sobre direitos humanos dos homossexuais. Nestas
panfletagens geralmente usamos um folder básico sobre “Sexo seguro”, com a
gravura do Davi de Miguel Ângelo, ou de um atraente homem seminu, além de um
folhetinho explicativo “O que é o GGB”, em ambos divulgando o endereço da
entidade e estimulando o leitor a visitar nossa sede, indicando o horário das
reuniões e oficinas de sexo-seguro.
Alguns problemas surgem neste trabalho semanal de corpo a corpo: como às
vezes muitos dos freqüentadores são clientes fixos, faz-se necessário variar a
aparência e o conteúdo dos folhetos e folders para não cansar os mesmos leitores,
ávidos sempre em receber a camisinha mas alguns já cansados com a oferta em
todo fim de semana de material repetitivo. As vezes a impressão de um mesmo
texto em cores diferentes ou com gravuras diversas, pode resolver este impasse.
Nestas mesas de bar, como dissemos, o impacto do material distribuído é
instantâneo: muitos rapazes chamam os agentes multiplicadores para pedir
explicações ou tirar dúvidas sobre Aids e DST, querendo mais detalhes sobre o
GGB e a distribuição de preservativos, etc. Em bares abertos, com frequencia mista,
o ideal são cartazes mais genéricos, apenas com a imagem da camisinha e
mensagens não limitadas à clientela gay, pois dificilmente seria autorizada a
exibição de material muito homocentrado, deixando de atingir os não-homossexuais
frequentadores do mesmo ambiente.
Ao descrevermos, no terceiro capítulo deste trabalho, os diferentes
estabelecimentos gays de Salvador, salientamos sempre aqueles espaços onde
estavam disponíveis folhetos e cartazes de prevenção, notadamente do GGB e
ocasionalmente de outras entidades locais também envolvidas na prevenção de
DST/Aids. Nestes últimos anos, tem sido uma de nossas prioridades assinar
convênios com os proprietários de bares, boites e saunas gays, além de visita
regular aos hotéis e motéis mais frequentados por tal população, garantindo assim a
distribuição regular de material informativo e preservativos para seus
frequentadores. Além destas visitas nos fins de semana, nossos agentes de saúde
mantêm contacto corpo a corpo com o púbico GLS, sobretudo nas saunas e
boites, e logo ao entrar no estabelecimento, os consumidores encontram ao alcance
da mão amostras de nossos principais materiais informativos. No termo de
assinatura destes convênios consta o compromisso dos proprietários e gerentes em
facilitar a entrada dos agentes multiplicadores e eles próprios participarem mais
diretamente da prevenção. (Confira anexo)
Infelizmente, este é um sério problema que se tem de enfrentar nos trabalhos
de prevenção voltado para público GLS: a falta de colaboração do empresariado
local. Diferentemente do que se observa em certos países do primeiro mundo, onde
os donos de estabelecimentos gays se organizam em associação, patrocinando as
comemorações do dia do orgulho gay, cooperando diretamente nas campanhas de
safe-sex, na Bahia, lastimavelmente, tem sido mínima a resposta deste segmento a
nossos contactos e apelos.
Mesmo não tendo ônus algum em conveniar-se com o GGB, recebendo
mensalmente de duas a quatro centenas de preservativos grátis, além de centenas
de folhetos, jornais e cartazes de interesse de sua clientela, não obstante tais
vantagens, decorrentes do termo do convênio, poucos são os empresários que se
dão ao trabalho de mandar um funcionário à sede do GGB para mensalmente
receber este material: se não somos nós a levar o “kit” todo mês, diversas boites e
sauna ficariam descobertas desta comodidade vital para o controle do HIV junto à
população homossexual. Convidamos amigavelmente estes empresários para uma
reunião-coquetel em nossa sede, para discutir tais questões: numa primeira
tentativa, vieram quatro representantes, na segunda, nenhum.
Apesar de tais resistências, consideramos importante insistir nesta parceria,
pois gerentes, garçons e funcionários de espaços comerciais frequentados pelo
público GLS podem desempenhar importante papel na maior eficácia dos trabalhos
de prevenção junto a esta população. Sobretudo nas boites gays, consideramos que
os shows de travestis ou streepers representam espaço ideal para a divulgação de
informações sobre a prevenção. Obtida autorização do responsável da boite e em
comum acordo com o apresentador do show, multiplicadores de saúde do GGB têm
aproveitado alguns minutos, antes ou no meio do show, para subir ao palco e
transmitir mensagens curtas, bem humoradas, as vezes picantes, sobre sexo
seguro, sempre lembrando que folhetos informativos encontram-se à disposição dos
interessados na portaria ou sobre o balcão do bar, e que camisinhas igualmente
podem ser obtidas, seja na saída da boite, seja na sede do GGB.
Aliás, esta tem sido outra solução igualmente pratica e eficiente: solicitar ao
porteiro ou ao caixa, que distribua uma camisinha a cada cliente no momento em
que deixam o estabelecimento. Uma doação extra de preservativos a estes
funcionários geralmente é o suficiente para garantir a eficiência desta distribuição.
Uma novidade de marketing utilizada nos últimos tempos pelos proprietários
das principais boites e bares gays é a farta distribuição de convites anunciando
festas e eventos com propósitos os mais variados: festa de verão, hallloween, São
João, primavera, miss Bahia, etc, etc. Tais convites são enviados por mala direta a
centenas de clientes e distribuídos previamente na cena gay : impressos em
material barato mas com esmero gráfico, consideramos que tais convites podem se
tornar mais um veículo de divulgação dos projetos de prevenção de DST/Aids,
bastando para tanto convencer o empresariado da noite gay da importância de
conceder um pequenino espaço para divulgação de mensagens de safer-sex.
Na saunas os problemas enfrentados pelo GGB são em alguns aspectos
semelhantes aos que apontamos a pouco. Alegando razões de ordem estética,
algumas saunas resistem em afixar em suas paredes cartazes sobre sexo seguro.
Mesmo o recurso de oferecer cartazes emoldurados não tem surtido efeito nalguns
destes estabelecimentos, inclusive conveniados com nossa entidade. E não resta
dúvida que sauna é par excellence, o espaço mais apropriado para a divulgação de
cartazes bem explícitos sobre homoerotismo, considerando que praticamente a
totalidade dos frequentadores ali estão à procura de aventuras homossexuais. Para
resolver tal resistência, incluímos no novo texto do convênio, o compromisso de tais
estabelecimentos em autorizar quando menos a fixação de três cartazes em
espaços estratégicos, além da manutenção de estoque de material informativo para
livre acesso dos clientes.
Nestes locais, mais ainda do que nas boites e bares, as imagens e
mensagens dos cartazes devem ter altíssimo sex appeal, considerando que a
maioria absoluta dos frequentadores das saunas só saem de tais espaços após ter
praticado sexo.
Esta é a razão que nos leva a considerar que as saunas devem ter prioridade e
emergem como espaço privilegiado nos projetos de prevenção junto à população
com práticas homoeróticas, por tais razões:
1. O número das saunas vem crescendo significativamente nos últimos anos na
maioria das capitais
2. são espaços diretamente voltados para a prática sexual
3. a existência de cabinas privês com colchonetes, onde as pessoas ficam
nuas, facilita mais que nos cinemas e locais públicos de pegação a prática de
atos homoeróticos de maior risco, por exemplo, a cópula anal
4. a disponibilidade de diversos massagistas profissionais do sexo aumenta
ainda mais as chances dos clientes em realizar suas fantasias sexuais.
Estes são os fatores que a nosso ver fazem das saunas espaços homoeróticos
estratégicos e cruciais na prevenção desta epidemia, por reunirem significativos
elementos de alto risco na transmissão do HIV e demais DST.
Contudo, mais que os outros espaços de socialização gay, as saunas emergem
igualmente como locus privilegiado para a prevenção, pelas seguintes razões:
1. os frequentadores das saunas circulam pelos espaços comuns apenas
enrolados em toalhas, enquanto nalguns locais mais resguardados, completamente
nus, prontos e dispostos a aventuras sexuais, de modo que se trata de um momento
privilegiado para por em prática instantânea, o sexo sem risco
2. muitos dos clientes costumam “dar um tempo” ou relaxar nas salas de
leitura ou nas espreguiçadeiras junto ao bar, excelente momento para terem acesso
a material de prevenção – folhetos, cartilhas, folders, boletins, que devem ser
disponibilizados e renovados sistematicamente
3. ao abrir seu armário individual no vestiário, os clientes das saunas lá
encontram toalha e sabonete. Este é o local e o momento mais adequado para que
também encontre à mão uma camisinha e um folheto básico sobre sexo seguro. O
ideal é que logo ao abrir a porta do armário, tenha perante seus olhos um pequeno
cartaz com gravuras mostrando diferentes atos sexuais seguros e onde a camisinha
seja a imagem de maior destaque. Essa aliás será a primeira peça publicitária que
vamos elaborar agora nesta nova fase deste projeto, para ser afixada em todas as
portas dos vestiários das saunas de Salvador – incluindo sempre em tais pequenos
cartazes individuais o endereço da sede do GGB, convidando o usuário a participar
de nossas oficinas quinzenais de sexo seguro, a ir lá buscar preservativo, etc.
Aí coloca-se um problema crucial: a questão da distribuição não só do
preservativo – mas também do gel lubrificante nos locais de maior frequência de
sexo anônimo. De acordo com a informação prestada pelos proprietários e gerentes
por nós entrevistados, as sete saunas existentes em Salvador devem atrair
semanalmente uma média de 1000 a 1100 clientes, o que representa um
movimento mensal de aproximadamente 4 mil freqüentadores e no mínimo, 4 mil
relações homoeróticas. Ora: conforme mostramos acima, o GGB e demais
ONGs/associadas recebe aproximadamente 15 mil preservativos mensais, e feita
criteriosa distribuição entre os diferentes populações alvo e espaços da cena gay de
Salvador, resta tão somente 1728 preservativos para as saunas (280 para cada uma
das seis saunas conveniadas), sendo que sua demanda mensal seria de no mínimo,
4 mil unidades.
E mais: infelizmente, nos projetos financiados pelo MS, raramente há verba
destinada especificamente à aquisição do gel lubrificante – ingrediente fundamental
sobretudo nas saunas, muito mais do que nos restantes espaços da cena gay, onde
toda a ambientação favorece a prática da penetração anal.
Assim sendo, levando-se em conta os constantes reclamos dos gerentes das
saunas conveniadas com o GGB, de que a quantidade de preservativos por nós
disponibilizados só da para abastecer os armários dos clientes por uma semana no
mês, urge que seja-nos garantida pelo Ministério da Saúde e Secretaria Municipal
de Saúde quantitativo maior de preservativos e de gel lubrificante sobretudo para
garantir o abastecimento das sauna, posto representarem um dos locais de maior
rotatividade e de atividade sexual de maior risco da população ainda mais afetada
pelo HIV.
Outro destaque a ser enfatizado nas saunas é relativo à importância de uma
assistência mais pontual junto aos massagistas: como em cada sauna há a presença
média de 4 a 5 destes rapazes de programas, alguns chegando a manter de 3 a 4
relações por dia, é fundamental que tais profissionais do sexo mereçam maior
atenção, tanto no fornecimento de material informativo como disponibilizando-lhes
sempre reserva no estoque de camisinhas e lubrificantes. Consideramos que os
massagistas, entre todos os profissionais do sexo, podem funcionar como
verdadeiros “multiplicadores” de informação sobre safe sex, pois como valorizam
ao extremo sua aparência física e muitos curtem o ideal do fisioculturismo, torna-se
mais fácil motivá-los a jamais ceder à tentação de transar sem preservativo, mesmo
que a oferta de remuneração seja muito tentadora.
Se as saunas representam o espaço privilegiado para o acesso da população
homoerótica ao material informativo, as dificuldade são muito maiores nos locais
públicos, seja nos espaços internos, como sanitários e cinemas de pegação, seja
em logradouros e demais artérias urbanas ao ar livre. A condição de
clandestinidade inerente a tais encontros fortuitos e anônimos, o fato de que muitos
dos frequentadores desses espaços são enrustidos ou não manifestam identidade
homossexual, são fatores que têm obrigado aos monitores, agentes de saúde e
multiplicadores do GGB a encontrar soluções específicas para lidar com tais
adversidades.
Por exemplo, nos sanitários públicos das estações rodoviárias, shoppings
centers e demais W.C. frequentados por homens à procura de aventuras
homoeróticas, é praticamente impossível realizar qualquer tipo de intervenção in
loco, na medida em que tudo acontece “debaixo do pano”, disfarçadamente, e que
a simples entrega de um folheto, camisinha ou a abordagem de um agente de
saúde seriam repelidas e tratadas como indesejada invasão de privacidade,
redundando até na expulsão do agente de saúde do shopping.
Nestes casos, temos optado por utilizar material de prevenção genérico,
destinado à população em geral, sem referência específica ao homoerotismo, mas
com o endereço de nossa entidade. Assim agimos, por exemplo, na rodoviária,
distribuindo folhetos às pessoas que estão circulando nas proximidades dos
sanitários frequentados por homens com práticas homoeróticas, os quais ao
receberem tal material, terão oportunidade de conhecer nosso trabalho e
eventualmente visitar a sede do CBAA/GGB. Nos shoppings e banheiros de
estabelecimentos comerciais é praticamente impossível qualquer abordagem
preventiva, dado o controle exercido pelos seguranças que impedem panfletagem e
distribuição de preservativos em suas dependências.
Nos locais públicos ao ar livre utilizados pelos gays e homens com práticas
homoeróticas como ponto de encontros sexuais – à noite, atrás do Farol da Barra,
nos recônditos das pedras da estátua do Cristo, debaixo daquelas citadas pontes
abandonadas e matagais na orla marítima, a melhor estratégia de prevenção é de
quando em quando alguns agentes multiplicadores percorrerem as imediações
destes pontos de encontro, distribuindo preservativos e folhetos aos jovens e
homens circundantes, indicando o endereço onde podem abastecer-se de material
informativo e camisinhas.
Não raras vezes temos recebido a visita em nossa sede de rapazes que
souberam da existência e endereço do GGB exatamente através de um folhetinho
recebido numa destas panfletagens ocasionais– sobretudo pessoas de baixo poder
aquisitivo, interessados em receber camisinhas grátis. Nestes casos, é dada
particular atenção à visitada dos “novatos”, com os quais os monitores de plantão
mantêm contacto mais longo e individualizado, mostrando álbuns de figuras de
como usar corretamente o preservativo, conversando sobre sexo sem risco, DST e
locais onde fazer o teste do HIV, eventualmente exibindo algum vídeo sobre o tema.
Durante a noite, nas citadas ruas do centro da cidade, locais de maior
concentração de michês e rapazes de programa, o contacto com tal população é
mais simples e efetivo, embora implique em maior delicadeza a fim de não ferir
susceptibilidades de uma categoria particularmente conflitada e problemática em
relação à própria afirmação sexual. Como dissemos anteriormente, embora muitos
desses jovens pratiquem diariamente atos homoeróticos, em sua maior parte
identificam-se como heterossexuais, fazendo questão de exibir namoradas entre si e
para pessoas do “out group”, pavoneando suas conquistas e sucessos
heterossexuais. Vencido este primeiro obstáculo, via de regra mostram-se
receptivos em conversar com os membros do GGB, trocando idéias sobre sexo
seguro, aceitando voluntariamente as camisinhas e folhetos informativos.
Neste caso, via de regra, tais folhetos devem ser diretos e planejados para
consumo imediato, pois raramente os michês levariam para casa material que
pudesse revelar sua ligação íntima com a homossexualidade ou mesmo com a Aids.
Devemos pois estar prevenidos para se, ao retornar algumas horas depois ao
mesmo local, encontremos alguns folhetos amassados e jogados na sarjeta:
certamente, já produziram o fruto esperado. Daí a importância de planejar sempre
para tal segmento de profissionais do sexo materiais baratos de consumo in loco,
comunicação direta e fácil memorização.
Raramente michês procuram as sedes dos grupos gays, em decorrência da
dificuldade em equacionar suas práticas sexuais com a homofobia generalizada por
eles internalizada: daí a importância de que nestes contactos estabelecidos nas
próprias ruas e espaços onde esses semi-profissionais do sexo costumam fazer
ponto, sejam repassadas informações básicas sobre sexo seguro, estimulando-os a
buscar preservativos nos locais da rede pública ou nas sedes das ONGs. Como já
dissemos, considerando que predomina entre esses jovens ideologia fortemente
hostil aos gays e “mariconas” seus clientes, sendo muitos michês responsáveis pela
violência e até assassinatos de seus clientes, urge que além da prevenção das DST
e Aids, sejam a eles transmitidas noções elementares sobre direitos humanos e
respeito à diversidade sexual, pois estaríamos sendo desumanos e inocentes úteis
ao evitar discussão sobre este polêmico tema. Aliás, a mesma recomendação vale
igualmente para as travestis, na medida em que lastimavelmente não só no
linguajar, como na sua forma de interação, demonstram extremo preconceito e
agressividade vis-a-vis sua clientela homossexual – tema que frequentes vezes é
discutido nas reuniões da Associação de Travestis de Salvador.
O contacto com michês que costumam estacionar nos shoppings-centers
revela-se um pouco mais difícil, pois sofrem maior controle social, seja dos
seguranças, donos ou funcionários das lojas vizinhas, seja dos demais rapazes que
como eles próprios, também disfarçadamente oferecem seus serviços sexuais a
gays interessados neste tipo de contactos. Tanto a distribuição de camisinha quanto
de folhetos é geralmente problemática posto chamar demais a atenção dos
circunstantes – o que não convém aos principais interessados. Para essa população
nosso prática tem sido a abordagem discreta, imitando o modus operandi dos
clientes, entabulando diálogo sobre sexo seguro, indicando os locais onde podem
conseguir camisinha grátis, estimulando-os a visitar nossa entidade – tudo feito com
sensibilidade a "desconfiômetro" a fim de não atrapalhar sua atividade enquanto
profissionais do sexo à cata de clientes.
Os trabalhos de prevenção realizados durante a noite, seja nas ruas centrais
mais frequentadas por michês, seja na orla marítima, onde as travestis fazem ponto,
seja ainda nos bares e boites GLS, oferecem um problema estratégico nada
desprezível: além da segurança pessoal dos agentes multiplicadores, que muitas
vezes têm de percorrer locais desertos ou frequentados por marginais perigosos,
têm igualmente de enfrentar a falta de transporte público de madrugada para
retornar às suas residências.
Nas saunas e cinemas de pegação o trabalho corpo a corpo oferece menos
dificuldade pois pode ser feito perfeitamente durante a tarde e até por volta da meia
noite, horário que as saunas fecham as portas. Nos bares do centro e da orla, o
movimento, sobretudo a partir de quinta feira, começa a partir das 21hs, enquanto
nas boites só começa a esquentar a partir das 23-24hs, estendendo-se madrugada
a dentro. Como lastimavelmente Salvador não dispõe de transporte noturno
eficiente, ficamos sempre na dependência de ter gastos extras com taxi para o
retorno daqueles multiplicadores que devido ao trabalho de corpo a corpo perderam
o último transporte coletivo – despesas não cobertas pelos projetos do Ministério da
Saúde.
Também problemática é a prevenção junto aos rapazes de programa que se
anunciam como massagistas ou acompanhantes nos classificados de jornal ,
considerando que as únicas formas de abordagem a estes indivíduos são, ou
através do telefone ou de visitas pagas com hora marcada. Se comparados com as
demais categorias de profissionais do sexo masculino de Salvador, particularmente
com os michês de rua e travestis de pista – esses "acompanhantes", assim como
os massagistas das saunas – são os que nos pareceram mais profissionais, ao
menos verbalmente, no que se refere à prática do sexo sem risco, pois de duas
dezenas de entrevistados, praticamente todos se declararam “ativo liberal”, isto é,
como eles mesmo explicam, "faço tudo menos ser passivo”, sendo que
aproximadamente a metade declarou só praticar sexo oral com camisinha.
Portanto, repetindo: a maior dificuldade de um trabalho de prevenção junto a
esta categoria decorre de sua própria situação de isolamento social, pois estes
massagistas só podem ser acessíveis através do telefone ou de visita paga com
hora marcada. A experiência comprova que alguns desses massagistas são
receptivos a contactos telefônicos, interessando-se em conversar sobre sexo seguro
com agentes multiplicadores do GGB, alguns até freqüentando a sede da entidade
para buscar preservativos e material informativo sobre DST e Aids. Outros porém
recusam-se peremptoriamente gastar seu precioso tempo com conversas não
profissionais, ficando assim fora de nosso campo de intervenção. Como porém boa
parte desses rapazes de programa frequentam bares e boites gays, muitos deles
fazendo plantão igualmente nas saunas, num ou noutro local têm acesso fácil a tais
materiais de prevenção.
Tanto quanto as demais categorias de profissionais do sexo masculino, cuja
clientela é ainda mais arredia e de difícil acesso por parte dos agentes de saúde, é
fundamental que tais indivíduos estejam muito convencidos da importância do sexo
seguro, primeiro afim de não ceder à tentação de transar com risco mediante
pagamentos extras, segundo, para que passem a funcionar como agentes
multiplicadores de informação sobre DST/HIV junto a seus clientes, levando-se em
conta se tratar esta clientela de população invisível e inatingível pelos programas de
prevenção. Como muitos destes rapazes de programa/massagistas atendem “privê”,
em seus quartos ou apartamentos, é fundamental que disponham sempre de bom
estoque de preservativos e lubrificante – sendo este portanto o leitmotiv de qualquer
mensagem a eles dirigida, seja através do telefone, folhetos ou contacto de corpo a
corpo.
Resta ainda tratar das travestis de pista, uma das categorias que devido ao seu
estilo de vida apresentam maior vulnerabilidade à contaminação pelo HIV e demais
DST.119 Como dissemos alhures, não ultrapassa de duzentos o número total de
travestis residentes em Salvador, população bastante móvel e rotativa, da qual
aproximadamente 95% vivem da prestação de serviços sexuais, a maioria na pista,
em menor número em seus próprios quartos, em pensões ou casas de cômodos. A
grande vulnerabilidade das travestis ao HIV advém da conjugação de diversos
fatores de risco: prostituição homossexual; marginalidade e extrema discriminação
social; uso de drogas, silicone e hormônio por via endovenosa.
Como cada travesti mantém uma média de 3 a 4 atendimentos sexuais diários,
tanto de forma ativa quanto passiva, calculamos que para oferecer mínimas
condições efetivas da prática do sexo seguro e atender tal demanda sem risco,
seriam necessários aproximadamente 16.000 preservativos e ao menos metade
deste número de doses individuais de lubrificante por mês, – sendo que são-nos
disponibilizados tão somente uma média de 1500 a 3000 camisinhas mensais
destinadas a esta população. Urge portanto garantir quantitativo superior de
camisinhas destinadas a esta população cujo poder aquisitivo costuma ser inferior
se comparado ao dos demais profissionais do sexo, conforme atestam os anúncios
nos classificados dos jornais e as próprias informações por elas prestadas.
Dentre os diferentes grupos que compõem a cena gay de Salvador, as
travestis constituem uma das tribos mais receptivas e fáceis de se realizar o trabalho
de prevenção, pois diferentemente dos milhares e milhares de homossexuais
enrustidos , as travestis “montadas” são “assumidas” 24 horas por dia, não têm
problema algum em levar material para casa, recebem de bom grado camisinhas e
folhetos em seus pontos de prostituição e boa parte delas frequenta regularmente as
reuniões da Associação de Travestis de Salvador ou dirige-se à sede do GGB a fim
de se abastecer de preservativos e material informativo.
Assim sendo, consideramos que as travestis constituem uma das tribos que
tem sido melhor atendidas no trabalho de prevenção junto às minorias sexuais da
Bahia, tanto que raro é encontrar uma travesti na pista sem uma ou mais
camisinhas de reserva, e segundo expusemos anteriormente, na hora da transa,
93% delas é que tomam a iniciativa do uso do preservativo, contra 48% dos clientes.

119
Mott, Luiz. "Travestis: a subcultura da violência." Boletim da ABIA, n.44,
Jan/Março 2000, p.4.
Fundamental é insistir na importância da pratica do sexo sem risco também
com o “marido” ou com o “vício”, posto que também entre as travestis há a falsa
idéia de que o amor e a paixão são suficientes para evitar a contaminação pelo HIV.
Repetimos: os materiais para travestis podem e devem ser totalmente explícitos,
com linguagem e imagens fortemente ligados à sua subcultura, podendo inclusive
ser um pouco mais longos e encorpados do que o destinado a outras minorias
sexuais, pois em seus quartos e casas, as travestis têm bastante tempo de ócio que
pode ser consagrado à leitura de cartilhas e livretos.
Como uma boa parte de praticamente todas as diferentes categorias de gays e
homens com práticas homossexuais frequentam algum tipo de hotel, motel ou
pensão, geralmente no centro da cidade ou na região do bairro Dois de Julho e
Avenida Sete, agentes de saúde do GGB realizam todos os anos visita regular aos
proprietários e gerentes de tais estabelecimentos, oferecendo cartazes e livretos
sobre DST, alertando-os da importância de disponibilizar aos clientes preservativos
grátis ou a preços módicos, seja no balcão da portaria, seja quando solicitados por
telefone nos apartamentos, além de instruir aos profissionais hoteleiros sobre
medidas de segurança contra a violência anti-homossexual, enfatizando que em
Salvador há lei municipal que proíbe a discriminação com base na orientação sexual.
De todos os locais da cena gay de Salvador, os cinemas de pegação, e
atualmente, em especial o cine Tupy, representam o espaço mais diversificado e
heterogêneo quanto à presença de diferentes categorias sócio-sexuais, pois num
único espaço convivem lado a lado, gays de todo tipo, bofes, homens com prática
homoerótica sem identidade homossexual, garotos e programa e travestis, sem falar
em eventuais heterossexuais desprevenidos que entraram no cinema apenas para
assistir a um filme pornô sem saber que se tratava de um cinema de pegação - e
que ao serem assediados sexualmente, às vezes topam a parada.
Em ambiente sexualmente tão eclético, considerando que os mais expostos
são os que dentro do sanitário praticam cópula anal - envolvendo sobretudo
travestis com “mariconas”, concentramos nosso trabalho de prevenção nas
imediações do W.C., distribuindo camisinhas a todos que ali entram. Via de regra
nossos agentes de saúde percorrem igualmente os corredores da sala de cinema,
onde gays e bofes se masturbam ou fazem sexo oral, quer nas poltronas, quer
encostados nas paredes, distribuindo preservativos aos interessados. Como
mantemos bom relacionamento com o gerente deste cinema, nossos cartazes são
regularmente substituídos nas paredes do sanitário, estimulando os frequentadores
à prática do sexo seguro e dando oportunidade aos mesmos de irem à nossa sede
buscar preservativos. No hall de entrada o ambiente é propício à panfletagem, tanto
para os que entram quanto para os que saem do estabelecimento.
Ao concluir este capítulo consagrado às dificuldades e direções relativas à
prevenção de DST/Aids junto às minorias homossexuais de Salvador, seria oportuno
frisar que grande parte do sucesso de nossos diferentes programas de mudança
comportamental se devem especialmente à conjunção dos seguintes fatores: a
iniciativa pioneira do Grupo Gay da Bahia, já em 1982, na prevenção da Aids em
nosso país; a solidez de sua infra-estrutura institucional, com sede própria no centro
histórico de Salvador, situada num local privilegiado próximo aos principais espaços
de socialização e encontros sexuais das diferentes categorias homoeróticas; o apoio
regular, nos últimos 10 anos, de projetos financiados seja pelo Ministério da Saúde,
Secretarias de Saúde do Estado da Bahia e do Município de Salvador, seja, em
menor escala, o suporte de outras agências nacionais e internacionais.
Em sua vocação histórica de defensor dos direitos humanos das minorias
sexuais, o GGB vem conseguindo uma proeza digna de nota: a conscientização,
capacitação e organização institucional enquanto sociedade civil de diversos setores
destas populações, sendo inspirador e co-fundador do Grupo Lésbico da Bahia, da
Associação de Travestis de Salvador, do Grupo Vida Feliz de Portadores de Hiv-
Aids, da Associação de Profissionais do Sexo da Bahia, do Grupo Quimbanda-Dudu
de Negros Gays, do Fórum Baiano de ONGs/Aids, além de participação direta,
incluindo pequeno apoio material à fundação de grupos em outros estados
nordestinos, agora reforçados com nossa coordenação do Projeto Somos/Nordeste.
Nestes 20 anos de existência, 7300 dias de militância, o Grupo Gay da Bahia e
Centro Baiano Anti-Aids e demais ONGs associadas não deixaram de lutar um só
dia, sem férias nem trégua. Seu impressionante curriculum e folha de serviços
comprovam que o sucesso de uma ONG se constrói reunindo basicamente os
seguintes ingredientes: lideranças competentes e democráticas; formação de
coordenadores e multiplicadores responsáveis e devotados; seriedade e
cientificidade nos projetos e ações políticas e sociais; transparência e cuidado no uso
de recursos e construção de alianças; criatividade e ousadia. Eis a contabilidade dos
serviços e ações realizados pelo GGB desde sua fundação:
Visitantes na Sede do GGB: 271.076 pessoas
Capacitação de multiplicadores em direitos humanos e Aids: 453 pessoas
Reuniões e oficinas realizadas na Sede: 2.620 atividades
Participantes de reuniões e oficinas de sexo seguro: 52.107 pessoas
Conferências realizadas em Universidades, Escolas, ONGs: 432 atividades
Folhetos e cartilhas produzidos: 47, total de exemplares: 307.000
Boletins e jornais produzidos: 61 , total de exemplares: 25.000
Cartazes: 35, total de exemplares: 52.000
Livros publicados: 8 títulos; total de exemplares: 8.000
Preservativos distribuídos: 1.680.500
Entrevistas em televisão: 128; em rádio: 221
Projetos nacionais e internacionais para direitos humanos e Aids: 32
Matérias publicadas em revistas e jornais brasileiros: 1.632
Matérias publicadas em revistas e jornais no exterior: 398
Cartas recebidas e expedidas: 20.806
Telefonemas de consulta sobre Aids: 2.341 e direitos humanos: 5.899
Participação em comissões e reuniões governamentais: 78
Realização de Encontros e Congressos Nacionais: 5
Participação em congressos nacionais e internacionais: 48
Assessoria jurídica em direitos humanos e Aids: 728 atendimentos.120

Assim sendo, temos a convicção e grande orgulho de estar cumprindo bem


nosso trabalho, conscientes de que não apenas ajudamos a salvar milhares de vida
através dos mais de 1.600.000 preservativos por nós distribuídos, dos mais de 500
mil folhetos, cartilhas, jornais, folders, vídeos, cartazes por nós produzidos, sendo o
que nos alegra mais é a certeza de que não apenas distribuímos o peixe a tais
pessoas e grupos, mas sobretudo, os ensinamos a pescar.

120 Fonte: GGB: 1980-2000, folder comemorativo dos 20 anos de fundação.


Anexo I.

ENDEREÇOS DAS ENTIDADES DO FÓRUM BAIANO DE ONG AIDS


(FOBONG)

1 – INSTITUIÇÃO BENEFICENTE CONCEIÇÃO MACEDO (I. B. C. M.)


Rua Sta. Verusa, 108, Pernanbués 40.000-000 - Tel/Fax: 233-6539

2 – CAAASAH
Rua Artur Bernandes, 10, Dendezeiro 40.240-000 - Tel: 312-7655/313-1295

3 – CRIA – CENTRO DE REFERÊNCIA INTEGRAL DE ADOLESCENTES


Rua Gregório de Matos, 21, 1º e 2º andar, Pelourinho 40.025-060
Tel/Fax: 322-1334 Email: cria@allways.com.br

4 – COLETIVO DE MULHERES DO CALAFATE


Rua Calafate, 12-E, Calafate 40.000-000 - Tel: 313-6526

5 – COORDENAÇÃO ESPECIAL DE NÚCLEOS DE PREVENÇÃO A AIDS (CENPA)


Rua Thomaz Gonzaga, 150, Centro Social Urbano, Pernambués 40.100-000
Tel: 380-4000

6 – HIVIDA
Av. Sete de Setembro, 2231, apto 702, Vitória 40.120-080 - Fax: 230-5049

7 – PROJETO AXÉ
Rua Professor Lemos de Brito, 184, Morro Gavazza 40.140-090 - Tel: 243-5374

8 – GAPA – GRUPO DE APOIO E PREVENÇÃO A AIDS


Rua Dias D’Ávila, 109, Barra 40.000-000
Tel: 247-6554/235-1727 Fax: 245-1582 Email – gapaba@svn.com.br

9 – SOCIEDADE 1º DE MAIO
Rua Nova Esperança, 1, Novos Alagados, Plataforma 40.717-180
Tel: 398-1190 Fax: 398-8361

10 – UNEGRO
Rua Frei Vicente, s/n, Pelourinho 40.030-125 - Tel/Fax: 321-9922

11 – BEMFAM
Av. Sete de Setembro, 2759, Ladeira da Barra 40.130-000 - Tel: 336-2952

12 – OLODUM
Rua Gregório de Matos, 22, Pelourinho 40.025-060 - Tel: 321-5010

13 – ASTRICAB – ASSOC. DOS TRABALHADORES COM CRIANÇAS E


ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL DA BAHIA
Av. São Rafael, Cond. Recanto das Ilhas, Bl 194-D, apto 001, Paralela 40.000-000
Tel: 393-4243/921-6020 Fax: 393-2019 Email: ump@svn.com.br

14 – CENTRO DE APOIO AO MENOR ADOLESCENTE CARENTE (CEMAC)


Rua Luis Maria, 3-A, Baixa do Fiscal 40.410-540 - Tel: 313-8142

15 – AMPLA – ASSOC. DOS MORADORES DE PLATAFORMA


End: Rua Praça São Braz, 14, Plataforma 40.000-000 - Tel: 398-2883

16 – GLB – GRUPO LÉSBICO DA BAHIA


Rua Chile, 27 - 7o Andar -
Tel/Fax: 321-1674 – janepantel@e-net.com.br - glb@e-net.com.br

17 – GGB – GRUPO GAY DA BAHIA


Rua Frei Vicente, 24, Pelourinho 40.030-125
Tel: 322-2552 Fax: 384-6080 Email – ggb@ggb.org.br – WWW.GGB.ORG.BR

18 – APROSBA – ASSOC. DE MULHERES PROFISSIONAIS DO SEXO DA BAHIA


Rua Chile, 12 – 7o andar - Centro
Tel/Fax: 322-2552 Email –aprosba@net.com.br

19 – CBAA – CENTRO BAIANO ANTI-AIDS


Rua Frei Vicente, 24, Pelourinho 40.030-125
Tel: 322-2552 Fax: 384-6080 Email –ggb@ggb.org.br

20 – ATRAS – ASSOC. DE TRAVESTIS DE SALVADOR


Rua Frei Vicente, 24, Pelourinho 40.030-125
Tel: 322-2552 Fax: 384-6080
Anexo II.

CONVÊNIO DE PREVENÇÃO DA AIDS - CENTRO BAIANO ANTI-


AIDS/GRUPO GAY DA BAHIA E ESTABELECIMENTOS GLS DE
SALVADOR
Através deste documento, o CBAA\/GGB e
__________________________________________ representada por
_____________________________________________,função:____________________,CP
F____________________RG___________________,situada à
__________________________________________________________________
Fones:_______________________/__________________________, assinam livremente o
presente CONVÊNIO DE PREVENÇÃO DA AIDS, cabendo os seguintes compromissos de
ambas as partes:
 Centro Baiano Anti-Aids:
1. Fornecer mensalmente, grátis, sempre que disponível em estoque, _____ ( )
preservativos, folhetos e material informativo sobre prevenção da Aids.
2. Este montante de preservativos poderá ser aumentado ou diminuído de acordo com a
disponibilidade de recursos da entidade.
 Entidade Conveniada:_______________________________
1. Este convênio deverá ser assinado pelo proprietário ou gerente da entidade na sede do
CBAA/GGB
2. Todos os meses, em data previamente estabelecida pelo CBAA, o responsável pelo
convênio deverá buscar o material na sede do CBAA, telefonando antes para confirmar
se os preservativos já estão disponíveis, assinando sempre este recibo
3. Só serão entregues os preservativos ao responsável acima identificado ou pessoa por
ele indicada, telefonando previamente e trazendo o documento de identidade do próprio
responsável
4. A entidade conveniada compromete-se a:
 Distribuir gratuitamente todos os preservativos, um por cliente
 Distribuir e colocar em lugar de fácil acesso, os folhetos e material informativo do CBAA,
mantendo sempre nas paredes do estabelecimento ao menos três cartazes de prevenção
do CBAA/GGB
 Permitir a entrada livre, semanalmente, de ao menos dois coordenadores do GGB/CBAA
a fim de distribuir material entre os presentes
 Permitir ao menos 4 vezes por ano que um coordenador do GGB/CBAA utilize o palco,
microfone ou espaço de maior concentração de clientes, para durante 5 a 10 minutos,
transmitir informações sobre a prevenção da Aids.
5. Parágrafo Único: ambas as partes podem desfazer este contrato quando assim o
desejarem, bastando para tanto comunicar à outra parte sua desistência.

Salvador, / / . Por estarem de acordo com este Convênio, assinam

Pela Entidade Conveniada:


Pelo Centro Baiano Anti-Aids:

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