EM TEMPOS DE AIDS
Editora Grupo Gay da Bahia
Conselho Editorial
Mott, Luiz
A cena gay de Salvador em tempos de Aids.
Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia,
2000
1. Homossexualidade
2. Aids
3. Bahia
ISBN
1. Introdução p.
6. Anexos p.
1. Introdução
1
Sobre o conceito de "tribos urbanas", cf. Maffesoli, Michel. O tempo das tribos. O
declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro, Forense
A fim de não desviarmos nossa atenção para universos paralelos e
estruturalmente diverso, dada nossa preocupação histórica no estudo e ação junto
aos diversos segmentos que compõem universo homossexual masculino, não
incluímos neste trabalho nem as lésbicas nem as mulheres profissionais do sexo,
considerando que pesquisa semelhante vem sendo realizada pelo GLB, Grupo
Lésbico da Bahia e pela APROSBA, Associação de Profissionais do Sexo da Bahia.
Ao todo visitamos e descrevemos 45 estabelecimentos comerciais e locais
públicos que constituem a "cena gay de Salvador", frequentados predominantemente
por gays, travestis e homens com práticas homossexuais, entrevistando no mínimo
três pessoas em cada um destes locais – um total de 135 informantes formais, além
de centenas de contactos informais quando das visitas in loco. Portanto, por cena
gay entendemos os espaços ao ar livre, logradouros urbanos e estabelecimentos
comerciais que servem de nicho ecológico para socialização e encontros de variados
graus entre homens com atração homossexual.2
Partindo do princípio de que um recuo no tempo permitiria uma melhor
compreensão e interpretação mais aprofundada da realidade social contemporânea,
começamos esse estudo resgatando os principais aspectos da presença da
homossexualidade na história da Bahia, tentando visualizar as interfaces existentes
entre as diferentes sub-culturas homoeróticas do passado com os respectivos
grupos sociais do presente. Em seguida, propomos uma tipologia das diferentes
categorias de homossexuais existentes em Salvador, realçando suas especificidades
face aos demais grupos e em que espaços urbanos se concentram e convivem com
seus iguais e com eventuais parceiros sexuais. Na conclusão discutimos quais os
acertos e dificuldades da prevenção das DST/Aids junto a estes diferentes
subgrupos homoeróticos de Salvador, propondo medidas práticas de como melhor
atingi-los e capacitá-los a sobreviver à epidemia.
Propositadamente não utilizei neste trabalho a expressão HSH – "homem sexo
homem", por já ter discutido os inconvenientes deste neologismo, em Comunicação
apresentada na Mesa Redonda do Fórum HSH no último Congresso de DST/Aids,
Universitária, 1987
2
Higgs, David. Queer Sites. Gay Urban Histories since 1600. London, Routledge,
1999; Santana, Hédimo & Richters, Juliet. Sites of sexual activities among men. Sex-
on-premises venues in Sydney. Macquarie University, Monograph 5/1998, National
Centre in HIV Social Research.
do Ministério da Saúde, realizado no Rio Centro em 1999. Em síntese, considero
que HSH se trata de um conceito importado do primeiro mundo com o pretexto de
se evitar a nefanda palavra "homossexual", como reconhecimento da especificidade
da cultura sexual brasileira. O mito de uma sexualidade tropical, carnavalesca e
selvagem e da falta de identidade gay no Brasil ainda persiste no imaginário de
muitos "brazilianistas", estando tais premissas na base desta novidade
classificatória. Apesar destas aparentes boas intenções, não há como negar que o
uso do neologismo HSH é totalmente equivocado enquanto estratégia
epidemiológica e postura política. Sob o pretexto de respeitar a especificidade de
uma parcela de homens praticantes do homoerotismo que não têm identidade
homossexual, o conceito HSH desconsidera milhões de gays e travestis brasileiros
que se identificam com o termo homossexual – e que fazem parte do grupo social
ainda o mais atingido pelo HIV/Aids – 23,4% no período 1998/1999. Segundo, o
conceito HSH não sensibiliza nem os "homens" que transam com gays e travestis,
que não consideram seus parceiros "homens", mas "bichas", deixando de atingir
igualmente boa parcela das próprias "bichas e travestis", que não se identificam
como "homens". Portanto, mensagem epidemiológica jogada fora, boa apenas "para
inglês ver".
Politicamente a sigla HSH é ainda mais condenável do que sua inocuidade em
termos de estratégia epidemiológica: após tantos séculos de opressão do "amor que
não ousava dizer o nome", logo quando milhões de amantes do mesmo sexo
ousaram sair da gaveta e verbalizar sua identidade, inclusive se organizando em
grupos de homossexuais – eis que do norte vem um "modismo" que passou a ser
adotado recentemente pelo discurso governamental e por algumas ONGs,
substituindo a consagrada classificação "homossexual" por HSH.
Nossa proposta – há anos defendida em diferentes fóruns de discussão sobre
Aids e mantida ao longo desta monografia, é que nos trabalhos de prevenção de
DST/Aids junto às minorias sexuais, se nomeie sempre os "homossexuais" , ou
melhor ainda, os "gays" e "travestis", e quando se desejar referir apenas aos
praticantes de atos homoeróticos sem identidade gay, estes sim, devem ser
chamados de "homens com práticas homossexuais", e não como "homens sexo
homens", aliás, como vem fazendo de longa data nosso parceiro, o Ministério da
Saúde da França. Já que existe o conceito científico "homossexual", universalmente
consagrado e que descreve a contento a relação HSH, e como tal conceito tem um
significado político importante para milhões de brasileiros, evitá-lo equivale a
"racismo sexual", cientificamente chamado de "homofobia".
Aproveito o momento para agradecer cordialmente à Coordenação Nacional
de DST/Aids do Ministério da Saúde que através do Programa de Cooperação
Técnica França-Brasil concedeu-me esta bolsa, permitindo o estágio em Paris e a
realização desta pesquisa e monografia, que sem pretender ser definitiva,
certamente auxiliará não apenas uma melhor atuação preventiva de DST/Aids por
parte dos órgãos públicos e ONGs junto às minorias sexuais da Bahia, como poderá
servir de inspiração para trabalhos semelhantes a serem desenvolvidos em outras
regiões do Brasil – pois, mesmo reconhecendo que a Aids não é peste gay e que se
torna cada vez mais heterossexual, os gays, travestis e homens com práticas
homossexuais continuam ainda sendo o grupo que mais vem sofrendo com esta
epidemia.
Como este não se pretende um trabalho definitivo e acabado, críticas
construtivas e sugestões serão sempre benvindas!
2. História da Homossexualidade na Bahia
3
Mott, Luiz. Homossexuais da Bahia: Dicionário Biográfico. Século XVI-XIX.
Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 1999
4
Mott, Luiz. "Brasil" , Encyclopedia of Homosexuality, New York, Garland
University Press, 1990
5
Mott, Luiz. "Justitia et misericórdia: A Inquisição Portuguesa e a repressão ao
abominável pecado de sodomia", in Novinsky, A. & Tucci, M.L. (Eds)) Inquisição:
Ensaios sobre Mentalidade, Heresias e Arte. S. Paulo, EDUSP, 1992, p.703-739
6
Aguiar, A. A Evolução da pederastia e do lesbismo na Europa. Separata da Revista
do Arquivo da Universidade de Lisboa, vol.XI, 1926
Com a chegada ao Brasil dos primeiros escravos da África, onde significativa
documentação comprova igualmente a prática tradicional e pré-colonial do
homoerotismo masculino e feminino, tanto na região do Congo-Angola, quanto na
Costa da Mina, principais áreas fornecedoras de "gado humano" para a América
Portuguesa, aumenta o contingente de homossexuais, incluindo a partir de então
também os quimbandas e adés da raça negra.7
Portanto, a homossexualidade, com presença marcante nas tradições das três
raças formadoras de nossa nacionalidade, encontrará terreno fértil no Novo Mundo,
onde a nudez dos índios e negros, o relaxamento e o abuso sexual inerente ao
escravismo, a frouxidão moral do próprio clero, as longas distâncias e isolamento
dos núcleos habitacionais, as matas e sertões despovoados, tornaram realidade o
ditado popular: "ultra equinotialem non pecari" – o nosso conhecido e cantado refrão
"não existe pecado abaixo do Equador!"8
Mais correto seria dizer: abrandou-se nos trópicos a noção de pecado,
desviando-se os cristãos da rígida moral-sexual pontificada pelo catecismo
tridentino, de tal sorte que a repressão tornou-se aqui mais frouxa do que no Reino.
Tal relaxamento explica o alastramento e desenvoltura como os fanchonos e
sodomitas, tibiras e çacoaimbeguiras, adés e quimbandas praticaram seus desejos
mais ternos e profundos, suas sinas e tendências mais recônditas: o amor igual.
Amor que malgrado ser rotulado pelos teólogos de "mau pecado", pelos Inquisidores
de "abominável e nefando", equiparado pelas justiças del Rei ao crime de lesa-
majestade, não obstante tantos anátemas e a ameaça da pena vil dos açoutes
públicos, do seqüestro dos bens, do degredo nas galés de Sua Majestade, e a
temida morte na fogueira – o amor homossexual desafiou o chicote, a fogueira, a
prisão perpétua: e a prova desta ousada busca da felicidade e de realização
existencial é uma fantástica lista documentada nos processos da Inquisição e outras
fontes primárias do século XVI ao XIX, que revelam a presença de quando menos
duas centenas de moradores da Bahia que praticaram ou foram infamados de
praticar o “amor que não ousava dizer o nome”. 9
7
Mott, Luiz. Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garras da Inquisição.
Campinas Editora Papirus, 1989
8
Mott, Luiz. "História da Sexualidade no Brasil Colonial", In Sexualidade Humana,
Carlos A. Morais de Sá (ed), Rio de Janeiro, Editora Revinter, 2000, p.117-129
9
Mott, Luiz. Homossexuais da Bahia, op.cit.
Salvador tinha apenas quatro décadas de fundada quando em 1591 chegou
aqui o primeiro Visitador do Santo Ofício: veio para endireitar os desviados, para
seqüestrar os bens e castigar os pecadores públicos. 10
Já nestes primeiros anos, a sodomia se alastrava infrene nesta Capitania. Não
é sem razão que nossa primeira capital foi percursora de vários tipos e condutas
relacionadas ao homossexualismo brasileiro: foi aqui na Bahia, mais exatamente
abaixo da Igreja da Misericórdia, onde viveu o primeiro travesti de que se tem notícia
na história pátria: Francisco Manicongo, escravo natural do Congo, “quimbanda" e
“sodomita passivo”, o qual insistia em usar umas estranhas faixas, recusando
"trazer vestido de homem".11 Foi também na Boa Terra onde se documentou pela
primeira vez no Novo Mundo, que um homem deu dinheiro ao outro para
consumarem o nefando pecado: nosso primeiro "michê" tinha 17 anos - chamava-se
Jerônimo Parada, estudante, e seu mecenas, o Padre Frutuoso Alvares, pode ser
considerado o deão dos sodomitas não só da Bahia mas de todo o Brasil. 12
Também foi em Salvador onde pela primeira vez se meteu na cadeia a um
homossexual: isto ocorreu um ano antes da chegada do Inquisidor e a vítima foi o
mulato forro Mateus Duarte, "50 anos, que já pinta de branco". 13 Ainda na terra de
Todos os Santos foi onde se iniciou a resistência dos gays à opressão: resistência
desesperada e violenta, semelhante à do escravo que assassinava seu senhor. Dez
anos antes da instalação do Tribunal do Santo Ofício no Colégio dos Jesuítas, no
Terreiro de Jesus, outro mulato, Fernão Luiz, "depois de ter cometido o pecado
nefando com um moço das Ilhas, por não ser descoberto, matara ao dito moço e a
seu pai e mãe, com peçonha que lhes deu em uma galinha para comer."14
Destaca-se neste rol das primazias baianas na história da homossexualidade
brasileira o caso de Diogo Botelho, provavelmente um dos mais devassos
sodomitas dos que foram denunciados à Inquisição baiana. Segundo seu acusador,
um ex-amante, ambos se relacionavam "ora agente, ora paciente", sendo adepto do
10
Novinsky, Anita. Cristãos novos na Bahia, Editora Perspectiva, S. Paulo, 1972
11
Denunciações da Bahia, 1591-1593 Rio de Janeiro, F. Briguiet e Cia. Eds, 1929, p.
406
12
Confissões da Bahia, l591-1592. Rio de Janeiro, F.Briguiet e Cia. Eds, l935, p. 39
13
Denunciações da Bahia, op.cit., p. 249
14
Denunciações da Bahia, op.cit., p. 466
sexo grupal. Gozava fama pública de ser sodomita. Esse gay15 atrevido era nada
menos do que o 5° Governador da Bahia e 1º Capitão Geral de todo o Estado do
Brasil entre os anos 1602-1607. O famoso Forte de S. Marcelo, defronte do
Mercado Modelo, foi uma de suas realizações que permanecem até hoje - embora
nenhum livro de história pátria revele as preferências homoeróticas desse luso-
baiano arretado. 16
As biografias destes sodomitas estão detalhadas no citado livro Homossexuais
da Bahia: Dicionário Biográfico, Século XVI-XIX, que inclui 178 homens e 24
mulheres; brancos, índios, negros e mestiços; livres e escravos; cristãos-novos e
cristãos-velhos; artesãos e nobres; muitos padres; professores e estudantes, etc.
Até o presente conseguimos levantar um total de 202 nomes de baianos ou
moradores da Bahia praticantes ou infamados de praticar o homoerotismo, assim
distribuídos ao longo dos séculos:
A maior parte dos documentos relativos aos homossexuais nos três primeiros
séculos de nossa história foram produzidos pelo Tribunal do Santo Ofício: são
denúncias, sumários e processos conservados no principal arquivo lusitano, a
avoenga Torre do Tombo. A preocupação destes padres-juizes era desvendar se
houve ou não a consumação da “sodomia perfeita”, isto é, “penetração do membro
viril desonesto no vaso traseiro com derramamento de semente”, a única
performance homoerótica considera crime capaz de levar o réu à fogueira. Detalhe
importante: para driblar o casuísmo inquisitorial, os sodomitas inventaram já naquela
15
Boswell, John. Christianity, Social Tolerance and Homosexuality. Gay People in
Western Europe from the Beginnning of the Christian Era to the Fourteenth Century.
Chicago, University of Chicago Press, l980.
16
Confissões e Ratificações da Bahia, 1618-1620. Anais do Museu Paulista, t.XVII,
SP.1963, p.380-383
época uma espécie de "sexo seguro", aliás, cuja essência é a mesma do "safer-sex"
divulgado hoje pelos gays contemporâneos para enfrentar a epidemia da Aids.
Corria risco de morte apenas os praticantes da sodomia perfeita: a ejaculação dentro
do ânus. Para evitar a consumação deste crime, praticavam os fanchonos todas as
outras performances homoeróticas, exceção feita da cópula anal. A epidemia da
Aids trouxe de volta o risco do sexo anal desprotegido, só que agora, o risco da
morte advém não mais da fogueira, mas da infeção pelo HIV, daí a regra áurea do
safer-sex ser exatamente evitar a cópula anal desprotegida.
Através do material inquisitorial percebemos a existência na Bahia colonial de
diferentes vivências homossexuais: "troca-troca" juvenil, em que os dois rapazes
praticam sodomia recíproca; relações de homens adultos, muitas vezes casados,
com rapazes mais jovens e de estamento social inferior; interações homoeróticas
entre senhores e escravos; casais de brancos, índios e negros mantendo relações
estáveis identificadas pelos contemporâneos de "mancebia"; relações esporádicas e
extemporâneas de homens casados que poderiam hoje ser classificados como
"homens com práticas sodomíticas", etc. Há igualmente notícia da existência de
homens travestidos de mulher e fanchonos com gestos efeminados, relatando os
documentos, quanto à performance homoerótica, a existência de "agentes" e
"pacientes" quando se tratava de cópula anal, assim como a prática do sexo oral,
seja felação seja mais raramente o anilíngua. 17
17
Mott, Luiz. "Pagode português: a subcultura gay em Portugal nos tempos
inquisitoriais", Ciência e Cultura, vol.40, fevereiro 1980:120-139
18
Androfilista: neologismo cunhado nos meados do século XIX, reunindo dois étimos
gregos, "andros", homem e "filos", amante. Pinheiro, Domingos Firmino. O
Androfilismo. Tese de Medicina, Faculdade de Medicina da Bahia, 1898.
sacerdotes, militares, literatos, juristas, etc Diferentes tipos de homossexuais
existiam na sociedade baiana nesta centúria, distinguindo-se de um lado os
"androfilistas" que se relacionavam sexualmente com homens adultos, do outro, os
pederastas ou "praticantes da pedandrorastia, isto é, o amor mórbido pertencente
ao domínio da neuropsicologia sexual, bárbara e exótica perversão da lascívia do
homem pela criança, quer de um quer de outro sexo". 19 Parece ter crescido,
naquela época, o número dos homossexuais efeminados, documentando-se alguns
que se travestiam, seja em casa, seja em espaços públicos.
Na segunda metade do século XIX, quando era de se esperar maior tolerância
por parte dos doutores, predomina no discurso científico exacerbada e pudibunda
indignação – passando os médicos, a partir de então, a desempenhar o papel de
"cães de guarda da moral dominante".20 Não há como não se chocar com a
homofobia dos textos médicos da Bahia novecentista, com suas interpretações
pseudo-científicas da gênese e cura da pederastia. Assim o citado Dr. Pinheiro
descrevia um de seus "pacientes": "J.R., político, escritor, 40 anos, branco, casado,
de forte compleição física, temperamento sangüíneo nervoso, filho de pais irritáveis
e neurastênicos, é fervoroso sacerdote do amor androfílico, rendendo preces sob a
forma de agente. Personalidade eminente no mundo político e literário do país, este
doente, que especado à excitação enfermiça de seu instinto sexual, entre quantos
androfilistas citamos, distingue-se pela característica mórbida consistente em
repudiar todo aquele que cedeu aos seus caprichos de volúpia, prosseguindo
entretanto, na senda da libido sexualis aberrado; libido cevada em indivíduos sem
distinção de classe, aliciados pelo primeiro e único amor obcecado. Immissio penem
anum do indivíduo que já foi vítima de suas paixões aberradas, segunda vez não
encena-se neste indivíduo; muito pelo contrário, o desprezo e a repugnância vêem
ocupar o lugar do desejo saciado, a ponto de o indivíduo não querer nem que se
pronuncie o nome da vítima do seu amor mórbido." 21
O linguajar dos jornalistas da época reflete a mesma reprovação moral dos
esculápios, cobrando muitas vezes da polícia a repressão aos machos-fêmeas que
19
Pinheiro, O Anfrofilista, op.cit., p.32
20
Hooker, Evelyn. "Male Homosexuals and Their Worlds", in Judd Marmor (Ed),
Sexual Inversion: The multiple Roots of Homosexuality. New York, Basic Books,
1965, p.83-107
21
Pinheiro, O Androfilista, op.cit., p. 75
pululavam pela velha São Salvador. Eis uma destas matérias jornalística: "No
domingo, no Largo dos Aflitos, apareceu um homem vestido de mulher. Um gaiato,
vendo aquela mulher e supondo ser alguma menina feliz, foi baculeá-la [sic] e
encontrou-se com o rigoroso insano. Descobriu porem o engano em que estava e viu
que a suposta mulher era um ex-voluntário do 54. Reuniram-se diversos rapazes e
puseram a roupa do efeminado em tiras, sendo a saia levada feito bandeira por um
dos sujeitos, que o esbordoaram. Eis que por fim apresentou-se a polícia, e por sua
vez espancou também o povo. Que terra, meu Deus!"22 Coincidentemente, este
mesmo local, o Largo dos Aflitos, é ainda hoje uma das áreas mais frequentada por
travestis na noite baiana.
Para os inícios do Século XX as informações sobre a cultura homossexual na
Bahia são bastante escassas, destacando-se contudo o livro A Inversão dos Sexos,
do médico-legista Estácio de Lima, onde cita e fotografa alguns "pederastas" de
classes baixas que peranbulavam pelas ruas de Salvador.
Em novembro de 1933, segundo este autor, matutinos e vespertinos
apareceram nesta cidade cheios da notícia ruidosa de um lupanar na Feira do Sete,
defronte a Água de Meninos, a velha feira popular. "Era uma barraca tosca, mal
concertada e imunda, perdida no turbilhão das outras, e onde moirejavam três
profissionais do crime. Seus nomes de guerra: Frajola, Patrício e Budião. Tinham os
três comparsas, realmente, consigo, um punhado de menores abandonados. Dez ao
todo, que foram ter ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, mandados pela 2 a
Delegacia de Polícia. Rotos, maltrapilhos, deixando prever, no lúgubre conjunto que
oferecem, o destino de ignomínias que os aguarda. Nenhum teve negativa a perícia
médico-legal de pederastia. E possuíam todos uma história pregressa dolorosa e
trágica, impossível de ser esquecida..." 23 Eis como descreve um destes lumpem-
pederasta:
"Antônio, preto, 15 anos, parecendo 11 a 12. Pai vivo, cachaceiro, mãe morta,
não sabe de que. Nasceu na cidade de Nazaré. Vestígios de turbulência (cicatrizes
de pedradas e cacetadas na cabeça). Dentes mal implantados. Veio para esta
capital com uma senhora. O pai o mandou ganhar a vida. Fuma toda a ponta de
22
O Alabama, 4-11-1870, apud Teles dos Santos, Jocélio, "Incorrigíveis, afeminados,
desenfreiados: Indumentária e Travestismo na Bahia do século XIX". Revista de
Antropologia, USP, volume 40, n.2, 1997, p.145-182. p. 163
23
Lima, Estácio. A Inversão dos Sexos. Rio de Janeiro, Guanabara, s/d.
cigarro ou de charuto que acha na rua, diz que não bebe. Nádegas devolvidas, pênis
volumoso, fimosado. Testículos pequenos, atrofiados, não proporcionais a sua
compleição. Anus infundibiliforme. Pregas desaparecidas. Cicatriz de cancro
venéreo do lado esquerdo e pequena ulceração, ainda supurando, do lado oposto.
Esfíncter muito franqueável ao toque, Amante de Frajola."24
Como esse adolescente, uma dezena de outros foram detidos nesta ocasião,
revelando quase todos diversas doenças sexualmente transmissíveis.
Se este era o triste quadro sanitário destes "meninos de rua", quão grave não
deveria ser, senão ainda mais dramática, a infecção venérea das "meninas de rua",
numa época muito anterior ao Estatuto da Criança e Adolescente, onde os direitos
humanos dos menores, sobretudo das classes populares, era tabula rasa, e que a
crendice popular indicava como o melhor remédio contra a sífilis tirar a virgindade
de uma "negrinha"?! 25
Em 1933, por ocasião do Congresso de Sexologia da Bahia, o Dr. Estácio de
Lima recebeu curiosa carta, com o pseudônimo Gustavo de Oliveira Torres,
bacharel em comércio, onde podemos notar que malgrado a homofobia dominante
na época, havia uma pequenina elite homossexual afinada com o movimento
internacional de afirmação homossexual. Eis o desabafo do missivista:
"Eminente Professor: O autor destas linhas figura no quadro dos invertidos ou
homo-sexuaes (sic) ou Urning,26 como se diz na terra de Hitler. É a primeira vez na
Bahia que se estuda o assunto, que há séculos desafia a argúcia de neuriatras,
psiquiatras ou mesmo simples psicólogos amadores.
Convém todavia não esquecer que nem todos os homossexuais praticam
immissio penis in anum. A muitos repugna tal prática por imunda e aviltante. Estes
amam o macho com dignidade. É o que descreve Carpenter no seu famoso The
Intermediate Sex. Ademais, a crítica usual aos homossexuais é improcedente sobre
ser absurda. Onde os normais? Se-lo-ão os chamados ativos? O livro de
24
Lima, Estácio, A Inversão dos Sexos, op.cit. p. 155
25
Mott, Luiz. "Pedofilia e Pederastia no Brasil Antigo", in Mary Del Priore, História
da Criança no Brasil, São Paulo. Ed. Contexto, 1991, p. 44-60
26
Urning ou uranista, termo proposto por L.H.Ulrichs em 1864, para designar os
indivíduos que julgava ter corpo de homem e alma de mulher. Cf. Dynes, W.
Homolexis. New York, Gay Saber Monograph n..4, l985
Raffalovich27 continua sendo no nosso breviário. Ali está um código da moral que
nós devemos seguir. Nem todo homossexual vive pelas ruas, à noite, a procura de
aventuras. Há-os de outra casta. E dignos de respeito em sua desgraça. E
intelectualmente superiores a tantíssimos pseudo-normais. O anima mulieris in
corpore virili inclusa28 é falso. Ninguém mais o admite. E ninguém ignora que o
instinto sexual é normalmente e sempre bissexual e não diferenciado (Moll). 29
Misericórdia para os que Gide chama os Tântalos do Amor! Para os que lhe ouvem,
Mestre, porque serão muitos a lhe ouvir! O número deles aumenta
assombrosamente. E na Bahia, tem-nos em barda, alguns dos quais são pessoas
em prol nas ciências, nas letras e nas artes. Mais uma vez: piedade para eles,
piedade para mim!"30
Como seria o "gueto gay" em Salvador neste período de entre-guerras?
Segundo depoimento de alguns gays mais idosos, que iniciaram sua vivência
homoerótica exatamente nos anos 30-40, "em Salvador tudo se passava debaixo
dos panos", como escrevia o poeta popular, Cuíca de Santo Amaro, autor de uma
dezena de livrinhos de cordel onde a homossexualidade é o assunto principal. 31
Como ocorria no resto do país, a sociedade baiana, generalizadamente, repudiava
os homossexuais mais notórios, sobretudo os de baixa condição sócio-econômica.
Prova disto é que quando os transeuntes viam um afeminado passar na rua, logo
emitiam sons vocais como se tivessem dando tiros nos "'veados": tibum! tibum!
Esses tiros teatralizavam um antigo ditado popular ainda repetido hodiernamente:
"Veado tem mais é que morrer!"
A homofobia machista transformava todo cidadão em caçador potencial, e o
"tibum" causava grande desconforto e humilhação para o pederasta discriminado.
Quando fingia ignorar os tiros, ou fazer-se de desentendido, os homófobos mais
intolerantes gritavam para todo público ouvir: "é aquele vestido com camisa verde!!!"
27
Raffalovich, Marc. Uranisme et unisexualité: étude sur differentes manifestations
de l'instinct sexuel. Lyon, Storck, 1896.
28
Referência à teoria de Ulrichs, cf. nota 26.
29
Refere-se a um dos pioneiros dos estudos sobre a homossexualidade, Albert Moll,
(1862-1939) autor de Perversions of the Sexual Instict , Berlin, Fischer, 1891
30
Lima, Estácio, A Inversão dos Sexos, op.cit. , p.162
31
Mott, Luiz. "Cuíca de Santo Amaro: O Chicote dos Homossexuais da Bahia: Um
estudo de literatura de cordel". mimeo, 1986
Segundo o Prof. Estácio de Lima, assim como outros sexólogos de antanho, a cor
predileta dos invertidos era o verde...
Um outro elemento identificador dos "pederastas passivos" negros, era trazer o
cabelo alisado a ferro quente: a informação é da antropóloga Ruth Landes, que
viveu na Bahia na década de 40. 32 Daí então a necessidade destes gays
precursores de esconderem-se, viverem em espaços mais ou menos secretos e
exclusivos, pois a intolerância ao seu estilo de vida tinha foros de legalidade: a
Delegacia de Jogos e Costumes freqüentemente dava batidas em apartamentos,
casas de cômodos e castelos onde se realizavam reuniões mais ruidosas de
invertidos, espancando, detendo e fichando os "culpados". Um famoso agente
policial, Prof. Clóvis, quando encontrava algum gay ou travesti de unhas pintadas,
detinha-os, obrigando a raspar o esmalte com uma tampinha de refrigerante.
Bares e boites gays existem em Salvador provavelmente quando menos desde
o início dos anos 50, quase todos situados no centro histórico de Salvador, lado a
lado com os cabarés e "castelos" de prostitutas. Via de regra, alguns destes bares
disfarçavam sua função precípua de locais de encontro de veados, com o artifício de
registrar-se e anunciarem no frontal do estabelecimento comercial, como "galerias
de arte". Destas, a pioneira e mais famosa, no Pelourinho, foi a Galeria 13, de
Deraldo Mota, reduto de gays de classe média e baixa. Na rua do Cabeça, a boite
Anjo Azul era frequentada por clientela mais endinheirada e turistas, que bebiam e
paqueravam discretamente sob os encantos do famoso mural de Carlos Bastos,
lastimavelmente destruído. Este pintor, sempre discreto a respeito de sua vida
homófila, causou grande escândalo na sociedade provinciana daquela época, ao
incluir numa exposição diversos quadros com nus masculinos.
Eis uma lista incompleta de bares e boites gays existentes em Salvador na
metade do século XX: Cantinho do Céu e Metrô (S. Francisco), Porão (Areal de
Cima), Tropical (Baixa do Sapateiro), Bar do Beto (Pelourinho), Abaixadinho (Av.
Sete). Um pouco mais recentes, existiram ainda: Papo de Bruxa (S. Bento), Varandá
(Pau da Bandeira), Maculelê (S. Bento), Caverna (Paraíso), Galeria 13 (Gravatá). Na
32
Landes, Ruth. "Matriarcado cultural e homossexualidade masculina", in A Cidade
das Mulheres, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, p. 293. À página 295 ela
diz: "trazer o cabelo espichado, proibido pelos padrões nagôs, é o símbolo dos
homossexuais passivos".
orla havia O Existencialista (Boca do Rio), Madame Beta (Jardim de Alá), Cabana
de Pituaçu. As lésbicas reuniam-se sobretudo na Tropicália (Djalma Dutra).
Nalguns destes bares o clima era mais liberal e descontraído, havendo pista de
dança e iluminação propícia para "pegação". Quando a polícia baixava, acendiam-se
as luzes, os pares afastavam-se, o salão de baile ficava vazio. Noutros locais, nos
fins de semana, havia "sketches" e shows humorísticos e de travestismo .
Homossexual vestir-se de mulher só no Carnaval e excepcionalmente nos
citados shows de fim de semana. Só as mais audaciosas ousavam sair "motadas" –
entre elas, a pioneira, Florípes, uma espécie de drag-queen avant la lettre,
assassinada a murros na década de 80.
Os encontros amorosos dos pederastas realizavam-se em certos castelos
exclusivamente gays ou mistos: um dos mais antigos foi o Castelo do Campos,
atrás da igreja da Ordem Terceira de São Francisco - em atividade até a década de
80. Tive oportunidade de visitar esta pensão e seus pequenos cubículos com cama
de casal com lençol infecto. Ao bater na porta, sempre fechada, o casal gay era
recebido pelo dono da casa, um velhinho negro, com um sorriso cúmplice e a
exclamação acolhedora "fiquem a vontade meus pombinhos". Nos quartos de cima,
sem água corrente, os usuários recebiam um penico e um macinho de papel
higiênico; os que queriam pagar uns cruzeiros a mais podiam ter acesso à "suite" do
porão, com o conforto de uma janela e uma ducha fria.
Segundo recordação de diversos gays mais velhos por nós entrevistados, além
do Castelo de Campos, o mais antigo e famoso era a "Casa da Francesa", de fronte
da Igreja da Barroquinha, bem mais sofisticada: no "bar", sito no primeiro andar do
sobrado, os gays mais endinheirados podiam dispor de todo tipo de bebida
importada, as mesmas que eram servidas no Hotel da Bahia ou no Hotel Pálace, os
mais elegantes da cidade. Também alcovitavam encontros de homossexuais a
famosa casa de Catão, vulgo "Caboclo Raio de Sol". Alguns hotéis e pensões
igualmente alugavam quartos para os "24": Sony, Glória, S. Francisco, Pousada
Oxalá. Os mais pobres faziam amor na " pensão das estrelas", isto é, ao ar livre,
pelos terrenos baldios, matos, nas vias férreas no subúrbio e em casas ruínas
abandonadas.
No famoso Bar Tabaris, ao lado do cine Guarani, sobretudo no Carnaval, os
"pederastas" dominavam o ambiente, realizando ruidosos shows onde a orquestra
de Sandoval era aparteada por desconcertantes "tibuns" dirigido aos gays mais
espalhafatosos. Talvez os "frescos" daquele tempo não imaginariam que a Praça
Castro Alves, bem ali de fronte, viesse a tornar-se, nas décadas de 70-90, a meca
do carnaval gay do Brasil, com a famosa lavagem da escadaria das bonecas, na 2ª
feira de carnaval. Durante o ano, a freqüência do Tabaris era mista, e os pederastas
enviavam através dos garçons alcoviteiros, bilhetinhos para seus bem-amados,
"tudo debaixo do pano".
Quanto aos locais de pegação e pontos de encontro dos "invertidos",
destacavam-se: em frente à antiga Biblioteca Pública, Belvedere da Sé, Campo
Grande. De fronte do Elevador Lacerda havia a estátua de "Flora", sobre um grande
pedestal e logo os gays apelidaram-na de "a mãe do prefeito Hélio Machado",
segundo depoimento dos mais velhos, infamado ele próprio de também pertencer à
"confraria". Ao pé desta estátua, na mureta que a circundava, os "frescos" se
reuniam para conversar e paquerar os transeuntes, aliás, tradição mantida até hoje,
certamente aproveitando do grande fluxo de homens e rapazes usuários do
Elevador, parceiros em potencial para seus amores homoeróticos.
Tomando como fonte de informação os livretos de cordel do mais célebre
poeta popular baiano, Cuíca de Santo Amaro, perguntaríamos: quem eram os
"veados" que frequentavam tais espaços no centro de Salvador? Segundo este
Trovador-Repórter "no meio granfino pederasta é mato, médico, cientistas, os quais
dão o seu barato." Embora denunciando a maior frequência de "uranistas" no seio
da elite, o próprio Cuíca reconhece que o amor proibido perpassava todas as
camadas sociais:
"Aqui dentro da Bahia,
branco, preto ou mulato,
como é comum, também gostam de veado,
que além de saboroso, também é muito barato."
33
Landes, Ruth. A Cidade das Mulheres, op.cit., p. 296
e muitos viram peru.."
Algumas matérias pinçadas na imprensa local da Bahia, agora nos anos 70,
refletem o grau de repressão e alguns aspectos da subcultura dos homossexuais,
notadamente das travestis, na capital do Estado. Esta década se inicia com uma
repressiva determinação anti-homossexual decretada pela Polícia Federal: "estão
proibidos em todo o território nacional os shows de travestis, em teatros, cinemas ,
rádios e televisão. Somente em boites e casas noturnas serão tolerados." O
comentário da agência oficial é de um cinismo hilariante: "Esta medida, segundo a
censura, tem caráter preventivo e não repressivo."34
No nível ideológico, "cientistas" contribuíam para fundamentar teoricamente a
patologização do amor unissexual: Em palestra no Hospital das Clínicas de
Salvador, o psiquiatra argentino Eduardo Klina culpou a sociedade de consumo pelo
aumento do uso de entorpecentes, bem com a moda, pelo grande número de
homossexuais que existem hoje em dia: “na adolescência quando o homem e a
mulher estão para definir o sexo - modas como a unissex incentivam o
homossexualismo”. 35
Quatro meses após a proibição nacional dos travestis aparecerem em shows e
na mídia, em Salvador alguns estabelecimentos homossexuais são invadidos pela
polícia. Eis a manchete divulgada pela Tribuna da Bahia: "Polícia fecha boites. Por
determinação do delegado de jogos e costumes, a polícia fechou sábado à noite a
boite “O Kaso”, na Ladeira do Funil, por queixa de um morador do n. 54, alegando a
mesma ser freqüentada por homossexuais e prostitutas e ter a radiola a todo
volume. "36
Passam-se mais dois meses e a repressão policial se torna ainda mais
agressiva. Com a manchete "Presos por atentarem contra o pudor", diz a notícia:
"Foram recolhidos ao xadrez, os homossexuais Fernando “Rosalina”, Roberto
Pereira Gonçalves “Simone”, Carlos Antônio da Silva “Valdirene”, José Antônio de
Oliveira e ainda Bráulio Moreira - por prática de atos indecorosos em via pública.
34
A Tarde 8.01.71 – "Censura não dá vez aos travestis". Agradeço ao artista plástico e
restaurador Huides Cunha por tais indicações jornalística relativas à homossexualidade
na Bahia na década de 70.
35
Tribuna da Bahia - 10.03.72 - “Homossexuais são produtos da moda”
36
Tribuna da Bahia - 03.05.71 – "Polícia fecha boites"
Após apresentados na Delegacia de Jogos e Costumes, foram presos pelo
comissário Coutinho."37
A violência anti-homossexual é rotineira durante a época da ditadura militar:
"Travesti surrado porque desfilava de saia. O travesti, Gildásio Pereira, 23 anos, a
“Maria Aparecida”, foi desfilar na Barra com as orelhas furadas, unhas pintadas,
saia e balangandãs, escapulindo de morrer quando uma turma o agarrou, amarrou e
o jogou dentro d'água. Foi salvo pelo salva-vidas do corpo de bombeiros José Carlos
Alves. Gildásio foi conduzido ao Pronto-Socorro, medicado e quando quis repetir seu
“show” dentro do hospital, foi transferido para a Colônia de Doentes Mentais Juliano
Moreira." 38
Nos inícios de 1972, outro "falso ao corpo" é detido: "Pela prática do trotoir foi
preso no Terminal da Barroquinha o homossexual Paulo Diniz, vulgo Valdete.
Apresentado ao Delegado da Jogos e Costumes, foi em seguida recolhido ao
xadrez."39
Nas delegacias, gays e travestis eram obrigados a realizar trabalhos braçais:
"Travestis vão enfrentar os rigores da Pedra Preta: quatro homossexuais, “Neuza”
ou Roque José dos Santos, Roberto Pereira Gonçalves, a “Simone’, Pedro Teles ,
a “Berlinda” e Antônio Carlos Silva, a “Rosita” vão ser removidos para a colônia
penal Lafayete Pondé, a Pedra Preta, por prática do suadouro. Velhos conhecidos
da polícia, o tempo de detenção dos rapazes era ocupado em fazer a faxina na
cadeia da Delegacia de Jogos e Costumes.40
Finalizo com uma matéria que no jornal original vem ilustrada com uma
charge do cartunista Lage, onde se vê um policial esganando um travesti: "O
travesti Maysa gosta de platéia, mas sem vaia. Quando mostrava a todos no Terreiro
de Jesus, os seus dotes femininos, o travesti “Maysa”, Fernando Rosalino de Lima,
residente à rua Gregório de Matos, 21, começou à ser vaiado pelos transeuntes que
37
A Tarde - 22.07.71 – "Presos por atentarem contra o pudor"
38
A Tarde - 14.12.72 - "Travesti surrado porque desfilava de saia"
39
A Tarde - 04.02.72 – "Travesti preso"
40
Tribuna da Bahia - 24.5.1972 . Sobre a utilização de trabalho forçado de
homossexuais nas delegacias, cf. Mott, Luiz. Homofobia: Violação dos Direitos
Humanos e Assassinato de Homossexuais n Brasil. San Francisco, International Gay &
Lesbian Human Rights Comission, 1997
não gostam de homossexuais. Ela revidou com agressões de palavras a platéia. Um
policial a deteve e a levou à Delegacia de Jogos e Costumes onde ficou detida.41
Foi somente em 1980 que os homossexuais da Bahia se mobilizaram para a
defesa de seus direitos de cidadania e enfrentar a homofobia tão persistente, seja
diluída na ideologia machista da sociedade global, seja presente na política oficial
dos donos do poder, que proibiam a liberdade de expressão, que invadiam os
espaços de socialização e espancavam e prendiam os membros mais visíveis
desta minoria social.
Aos 28 de fevereiro de 1980 um grupo de 17 homossexuais, entre professores,
universitários, jornalistas e artistas, fundam o Grupo Gay da Bahia, a primeira
entidade de defesa dos homossexuais do Nordeste. No primeiro documento de
apresentação do novo grupo, intitulado "A todos os homossexuais da Bahia", logo no
cabeçalho aparecem as principais categorias de homossexuais existentes em
Salvador que o recém fundado grupo pretendia mobilizar: "bichas, sapatões, viados,
lésbicas, entendidos, bonecas, fanchonas, pederastas, giletes, enrustidos, travestis,
entendidas, etc, etc".
Três são os objetivos deste novo grupo de militância gay: discutir e aprofundar
o conhecimento da questão homossexual; lutar pela cidadania plena dos gays,
lésbicas, travestis e transexuais, denunciando publicamente todas as manifestações
de preconceito e discriminação, impedindo, sempre na estrita observância da lei,
que homens e mulheres sejam discriminados por causa de sua orientação sexual ou
estilo de vida, desde que tais expressões respeitem a liberdade alheia; atingir o
maior número possível de homossexuais, conscientizando-os da necessidade de se
organizarem e defenderem seus direitos de pessoas humanas normais, com os
mesmo direitos legais que os demais cidadãos. Alguns anos depois, incluiu-se um
quarto objetivo: empenhar-se na prevenção das Doenças Sexualmente
Transmissíveis e Aids junto à comunidade homossexual em particular e à população
em geral.
Ao completar em fevereiro último 20 anos de existência, o Grupo Gay da Bahia
consolida-se como a ONG homossexual mais dinâmica do país, tendo participado
diretamente da fundação de uma dezena de outras ONGs, entre elas o Grupo
Lésbico da Bahia, a Associação de Travestis de Salvador, o Centro Baiano Anti-
41
Tribuna da Bahia - 31.03.73 – " Maysa gosta de platéia, mas sem vaia"
Aids, o Grupo Vida Feliz de Portadores de HIV/Aids, a Associação de Profissionais
do Sexo da Bahia, o Grupo Quimbanda-Dudu de Gays Negros do Brasil, o Fórum
Baiano de Ongs/Aids, além dos grupos gays de Sergipe, Alagoas, Feira de
Santana, etc.
A atuação corajosa e persistente do GGB provocou de um lado a exacerbação
da homofobia sobretudo no principal jornal regional, A Tarde, que passou a atacar
violentamente os homossexuais – a ponto de publicar duas vezes estas palavras de
ordem: "Mantenha Salvador limpa, mate uma bicha todo dia!". Por outro lado, passo
a passo, a cidade e o estado da Bahia passaram a reconhecer, oficialmente, os
direitos humanos dos homossexuais: primeiro foi o registro inédito do GGB como
entidade civil de defesa dos direitos dos homossexuais; depois a declaração da
entidade como utilidade pública municipal e a realização de diversas sessões
solenes, na Câmara Municipal, seja celebrando o Dia do Orgulho Gay (28/6), seja
denunciando a violência e assassinato de homossexuais. Em 1990, graças a nossa
pressão, Salvador e mais 72 municípios brasileiros incluíram em suas Leis
Orgânicas a expressa proibição de discriminação por orientação sexual. Em 1994 o
Centro Baiano Anti-Aids foi declarado de utilidade pública municipal, em
reconhecimento por sua atuação pioneira – desde 1982 – na prevenção da Aids. Em
março de 2000 novamente a Câmara Municipal celebrou o 20 o aniversário do GGB,
sessão solene aprovada por unanimidade pelos Vereadores.
Não há como negar que a presença em Salvador do mais atuante grupo gay da
América Latina teve papel crucial na evolução da história homossexual nesta capital
e Estado, na medida em que nestas duas últimas décadas, essa entidade promoveu
centenas de atividades e manifestações públicas, de caráter científico, cultural e
político, em pró dos direitos humanos e cidadania das minorias sexuais,
estimulando e capacitando lideranças lésbicas, de travestis, de prostitutas e de
soropositivos a se organizarem em sociedades civis que hoje, autonomamente,
lutam por seus direitos de cidadania, participando ativamente na prevenção das
DST/Aids junto a seus pares.
Não obstante a presença marcante do GGB, nem por isto erradicou-se
localmente a homofobia: lastimavelmente, o assassinato de gays, lésbicas e
travestis continua sendo uma epidemia no país, inclusive na Bahia. Entre 1980-1999
contabilizamos 1830 homicídios no Brasil, dos quais 245 na Bahia; a perseguição e
prisão arbitrária de travestis profissionais do sexo continua infrene, sendo que devido
à instauração por parte da Secretaria de Segurança Pública de nova política de
"tolerância zero", 1999 foi o ano de maior repressão aos travestis, sendo realizadas
352 detenções , muitas vezes com violência, extorsão e tortura. 42
Desde 1997, contudo, Salvador conta com nova e importante arma para lutar
contra a homofobia: graças à pressão do vice-presidente do GGB, Marcelo
Cerqueira, foi aprovada a Lei n.5275/97 que pune a discriminação por orientação
sexual com multas pecuniárias. Embora a experiência demonstre que mentalidades
não se mudam por decreto, compete aos próprios homossexuais e aos
simpatizantes pressionar o poder público para que faça cumprir as leis que garantam
a cidadania dos homossexuais.
É portanto na velha São Salvador, com esta história homossexual tão multi-
colorida e fortemente marcada pela repressão, que desenvolvemos nossa pesquisa
sobre as diferentes categorias e espaços homossexuais contemporâneos.
42
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no
Brasil, op.cit.
3. Tipologia dos Homossexuais da Bahia
43
Foucault, Charles. História da Sexualidade. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1980
44
Laupt, G. L'Homosexulaité et les types homosexuels. Paris, Vigot Frères, 1910, p.24-
27
45
Marañon, Gregório. A Evolução da Sexualidade e os Estados Intersexuais. Rio de
Janeiro, Oscar Mano e Cia, 1938.
46
Chardans, J.L. History and Anthropology of Homosexuality. Paris, Centre d'Études
et de Documentation Pedagogiques, 1970, p.47
de A. Forel (1911); os três tipos de S. Freud, os dois tipos de Ferenzi (1924), e mui-
tos mais. A maioria dessas classificações considerava o homossexual como um
doente necessitado de cura: "tudo fazer para que o instinto siga seu caminho normal
e impedi-lo de seguir vias tortuosas...", dizia nosso jurista Hélio Gomes na década
de 40.47
47
Gomes, Hélio. Medicina Legal, apud Jayme Jorge, Homossexualismo Masculino,
Rio de Janeiro, Edição do Autor, 1953, p. 64
48
Lima, Délcio M. Comportamento Sexual do Brasileiro, Rio de Janeiro, Edição
Francisco Alves, 1978, p. 137
49
Jorge Jayme, Homossexualismo Masculino, op.cit.
50
Fry, Peter. "Da hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade
no Brasil", in Para Inglês Ver, Rio de Janeiro, Zahar, 1982, p.87-115
51
Parker, Richard. Beneath the Equator. Cultures of desire, Male homosexuality and
emerging gay communities in Brazil. New York, Routledge, 1999, p.48.
Assim sendo, pesquisando os diferentes estilos de vida dos homossexuais na
Bahia, percebemos inicialmente a existência de três grandes grupos: 1] gays ou
bichas; 2] travestis e 3] homens com práticas homossexuais ou bofes.
52
Parrker, Richard & Terto Jr, Veriano. Entre Homens: Homossexualidade e Aids no
Brasil. Rio de Janeiro, ABIA, 1998, p. 32
Segundo tal pesquisa, portanto, a expressão "gay" , minoritária em 1990 se
comparada com os informantes que se auto-identificaram como termo bissexual ou
homossexual , é a que revela proporcionalmente maior crescimento cinco anos
depois, subindo de 4,8% para 16,7%.
Não obstante o uso generalizado do termo gay e bicha para se referir inclusive
aos travestis, no milieu gay, essas três subdivisões são bastante e cada vez mais
enfatizadas, pois mesmo que todo travesti possa ser considerado também uma
bicha, a maior parte dos gays ou bichas não são nem se consideram travestis.
Gay significa “alegre” em inglês e apesar de alguns criticarem seu uso no Brasil
e demais países de língua latina, pesquisas revelam que a palavra gay (gai) já era
usada na Península Ibérica desde a Idade Média como sinônimo de “rapaz
alegre”53, o que redundou no português os termos "gaiatice" e "gaiato",
popularmente chamado de “engraçadinho” .
Gay é o termo universal preferido pelos homossexuais do mundo inteiro.
Embora usado sobretudo como identificação dos homoeróticos masculinos, algumas
mulheres também se auto intitulam gay, entre elas, Martina Navratilova e nossa
cantora Marina Lima. Hoje as homossexuais femininas cada vez mais preferem ser
chamadas de “lésbicas”, em homenagem à mais famosa "entendida" da
antigüidade, Safo de Lesbos. 54
53
Boswell, John. Christianity, Social Tolerance and Homosexuality, op.cit. p. 43
54
Mott, Luiz. Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto, 1987
55
De acordo com pesquisas do Dr. Hainsdorf, "em 100 ocidentais do sexo masculino,
15 são homossexuais." Cf. Manchete, n..1562, 27-3-1982, p.79
56
Kinsey, A. C. et alii. Sexual Behavior in Human Male. Philadelphia, Saunders,
1948. Mott, Luiz. "Estereótipos tupiniquins", Folha de S.Paulo, 18-1-1998; Mott,
Luiz. "Perfil sexual do Brasileiro", Página Central, S.Paulo, agosto 1998
do sexo masculino entrevistados declararam que nos últimos cinco anos tiveram
relações sexuais com homens ou com homens e mulheres.57
Gays enrustidos
57
"Comportamento sexual da população brasileira e percepções sobre HIV e Aids",
CEBRAP, 1999. Como os próprios técnicos do CEBRAP reconheceram, "por ser esta
uma pesquisa domiciliar, espera-se uma subestimação dos resultados relativos à
prática homossexual (e uso de drogas) face ao preconceito e o temor das pessoas falar
sobre tais assuntos."
Entre os gays enrustidos, há tanto aqueles jovens ou adultos reprimidos, que
eventualmente vivenciam uma fase anterior à prática e/ou afirmação homossexual,
quanto os indivíduos em estado permanente de auto-repressão, atitude referida
pela psicanálise como homossexualidade egodistônica, conhecida também como
homofobia internalizada.58 Esses homens cuja atração homoerótica é introvertida,
não querem ou não se sentem motivados a assumir a identidade e afirmação
homossexual.
Muitos gays assumidos e travestis são particularmente críticos, por vezes até
agressivos contra tais pessoas, não perdendo oportunidade de apontá-las e
ridicularizá-Ias, chamando-as de "incubadas" e acusando-as de perseguirem os
homossexuais egosintônicos, as chamadas bichas assumidas. O ditado machista
internacional, cherchez la femme - como se em todas as causas misteriosas
envolvendo homens, sempre haveria a presença de uma eminência parda feminina,
aparece também no meio gay, pois quando se suspeita que alguém está
perseguindo, sendo intransigente ou prejudicando os gays ou travestis, a acusação
constante é de que provavelmente a responsável é uma bicha secreta: "cherchez a
incubada"...
58
"Ego-Dystonic Homosexuality", in Dynes, W. Encyclopedia of Homosexuality, New
York, Garland Press, 1990, p. 349-350; Bayer, Ronald. Homosexuality and American
Psychiatry. Princeton, Princeton University Press, 1987.
Outro tipo de homossexual enrustido muito comum em Salvador inclui os que
disfarçam ou escondem publicamente suas preferências sexuais, vivenciando
contudo seu homoerotismo apenas nos espaços especificamente homossexuais, no
intra-claustros do gueto gay: nas saunas, boites, bares, festas particulares em casas
de colegas entendidos, etc. É dentre todas, a categoria mais numerosa, englobando
artistas, autoridades civis e militares, chefes religiosos de todos os credos,
intelectuais, estudantes, gente do povo, proletariado, etc, etc. Em Salvador, por
exemplo, todo mundo sabe que o Diretor desta e daquela Fundação, que o professor
fulano de tal, que o Juiz sicrano, que a maioria dos pais de santo dos terreiros de
candomblé, que o Monge Dom Beltrano, que aqueles artistas, que os caixas e fun-
cionários do Banco tal - que todos são "viados" - mas nenhum destes assume
publicamente a própria homossexualidade. Diferenciam-se da categoria anterior pelo
fato de pessoalmente e às vezes, com alguns amigos mais íntimos, assumirem a
identidade homossexual, chegando até a representar de forma caricata o estereótipo
da bicha, muito embora não se sintam à vontade ou não queiram afirmá-la
publicamente.
"Assunto particular", ou "o que faço e com quem vou para a cama só a mim
interessa", ou "não dou ousadia a ninguém perguntar sobre minha vida íntima" são
algumas das respostas que geralmente tendem a dar quando inquiridos ou
provocados a definir suas preferências homoeróticas. Outros dizem que não querem
"levantar bandeira", e os mais teóricos que são contra a obrigatoriedade de
"assumir rótulos". 59
59
Heilborn, Maria Luiza. "Ser ou estar homossexual: dilemas de construção de
identidade social", in R.Parker et alii, Sexualidades Brasileiras, Rio de Janeiro,
Relume Dumará, 1996, p.136-145
cinqüentão, pai de filhos adultos, me segredava: "até hoje meu casamento se
mantém porque nunca eu e minha esposa tocamos na palavra homossexualismo"...
Bichas Fechativas
Até poucos anos atrás o termo mais usual para referir a tal categoria era "bicha
louca", hoje considerado politicamente menos correto. A expressão "fechativo/a",
que já extrapolou o gueto gay, certamente provém da imagem de que uma pessoa
muito espalhafatosa ou exuberante, que provoca tamanha admiração dos
transeuntes e circunstantes, que forçaria a "fechar as portas do comércio", para ver
e apupar, no caso em baila, à "bicha fechativa". Mais recentemente além do verbo
"fechar", emprega-se de norte a sul a expressão "lacrar", significando igualmente o
ato de "desmunhecar". “Dar pinta” ou “bicha pintosa” é outro sinônimo de bicha
fechativa.
Outro distintivo peculiar desta categoria é sua grande ligação com o universo
do candomblé: muitas bichas fechativas são freqüentadoras regulares e filhos de
santo de casas de culto afro-brasileiro, recebendo predominantemente Orixás
mulheres quando possuídas, utilizando entre si inúmeros termos em língua nagô,
além de outros traços culturais destas religiões. São exímios em "dar baixa" nas
pessoas quando irritados, isto é, destratar, esculhambar, "dar carão", gozando fama
de não haver quem compita com suas afiadas línguas viperinas.
Nossa sociedade maniqueista não tolera o meio termo: "porque não és quente,
nem frio - mas morno - eu te vomito", disse Deus no Apocalipse de São João. E a
antropóloga Mary Douglas no seu livro Pureza e Perigo diz enfaticamente: "A
santidade requer que os indivíduos se conformem à classe à qual pertencem. E a
santidade requer que diferentes classes de coisas não se confundam". 60 Com-
pletaria eu: não apenas os santos, mas também os demônios têm que conformar-se
à classe que pertencem. Idem para o universo homossexual: exatamente por serem
"metá-metá" , macho-fêmea, é que são alvo de tanta violência, pancadaria,
opressão.
60
Douglas, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo, Editora Perspectiva, 1976, p. 70
classificações dicotômicas do ideário heterossexista, que só aceita como legítimo,
por ser "natural", o sexo entre diferentes – mesmo que a diferença entre um bicha e
um bofe seja apenas na teatralização diversa do papel de gênero. Dificilmente os
gays se interessam sexualmente pelas bichas fechativas (do mesmo modo como
evitam os travestis), alegando que se gostassem de mulher, transariam diretamente
com uma das verdadeiras: seus principais parceiros sexuais são rapazes jovens,
que não sabendo ainda distinguir um gay enrustido ou temendo a circunspecção e
falta de sinais identificadores dos homossexuais mais discretos, sentem-se mais
seguros em abordar gays mais espalhafatosos que com seus ademanes preenchem
melhor os estereótipos que a sociedade global fantasia a nosso respeito.61
Gays assumidos
61
Após escrever este sub-tema, ao participar em Juiz de Fora, em agosto/2000, do III
Rainbow Fest, o Coordenador da Parada Gay de S.Paulo, o teólogo Roberto de Jesus,
declarou certo momento, numa intervenção após uma palestra, que assumia com todo
orgulho a condição de "bicha fechativa". Apesar de às vezes esse importante líder gay
paulistano assumir tal performance, no mais do tempo sua conduta não se enquadraria
no way of life das bichas fechativas da Bahia tal qual as descrevemos acima. Assumir-
se "bicha fechativa" neste caso, é uma opção política, afirmando o primado da
liberdade e anomia do papel de gênero em oposição à ditadura do modelo "gay"
dominante nesta virada de milênio.
exteriorizar, por sua “androginia" psicossocial, suas preferências homoeróticas, na
verdade, travestis e gays muito desmunhecados funcionaram como pontas de lança
da emancipação homossexual, abrindo espaço para que séculos mais tarde,
também os gays mais recatados ousassem sair do armário e proclamar: “é legal ser
homossexual”!
Gays publicamente assumidos, não travestidos nem fechativos, existem na
Bahia quando menos desde os meados do século XX – alguns poucos artistas, raros
donos de casas noturnas entendidas, um ou outro intelectual. Era a época em que
os homossexuais se autointitulavam de entendidos. Outro tanto de homossexuais
eram bastante assumidos apenas nos espaços gays, no círculo fechado de amigos e
conhecidos, incluindo homens e mulheres heterossexuais – mas jamais ousariam
declarar numa entrevista de jornal, ou numa delegacia de polícia, que eram
homossexuais.
Em recente pesquisa junto a 227 gays e homens com práticas homossexuais
de classe média de Salvador, 75% com poder aquisitivo entre US$161 a mais de
US$400, a médica Márcia Sampaio e uma equipe de pesquisadores da UFBa,
encontrou altas taxas de auto-revelação da própria homossexualidade: 89% dos
entrevistados declararam ser assumidos com os amigos , 68% no local de trabalho
e 59% na família – taxa mais elevada do que a declarada pelos gays que
frequentam as reuniões semanais do Grupo Gay da Bahia. 62 Detalhe significativo:
os informantes desta pesquisa foram recrutados em bares e boites gays – portanto,
entre homossexuais familiarizados com a cena gay soteropolitana, o que facilitaria
de certa forma seu processo de assunção.
Foi somente nas duas últimas décadas, quando surge em Salvador o primeiro
grupo gay do Nordeste, que se amplia esta nova categoria sexológica: a dos gays
assumidos. Foram os gays ativistas os pioneiros deste movimento político
emancipatório de visibilidade e afirmação homossexual.
62
Sampaio, Marcia et alii. "Reducing Aids Risk among Men who have sex with Men
in Salvador, Brazil", XIII International Aids Conference, Durban, South Africa,
Abstracts, , Break the Silence, 9-14/7/2000, Comunicação Oral.
incansável militância, com mais de 500 militantes, os quais freqüentam regular ou
esporadicamente as reuniões semanais e demais atividades desta organização não-
governamental.
O que distingue esta categoria dos gays enrustidos é exatamente sua postura
franca e decidida de afirmação homossexual: são gays que na medida de suas
possibilidades reais não negam sua homossexualidade em todos os ambientes - na
família, no bairro, no trabalho, na escola. São assumidos porque assim o querem e
não obrigatoriamente porque não conseguem camuflar suas preferências
homoeróticas, como ocorre com as travestis e bichas fechativas, também apelidadas
de metá-metá. Assumem-se por e sentirem melhor assim e pela convicção de que é
política e historicamente importante e necessário "sair da gaveta". (28).
63
Fry, Peter. "Prefácio" , Perlongher, Nestor. O Negócio do Michê, São Paulo, Editora
Brasiliense, 1987; Heilborn, Maria Luiza. "Ser ou estar homossexual: dilemas de
construção de identidade social", op.cit.
Os ativistas gays aspiram que um maior número possível de homossexuais
conscientizem-se da necessidade de se organizar e defender seus direitos de
pessoas humanas normais, com os mesmos direitos legais que os demais cidadãos,
lutando contra toda forma de discriminação, denunciando publicamente os
transgressores, impedindo através dos meios que julgarem mais adequados, que
homens e mulheres sejam discriminados por causa de sua orientação sexual.
Esses gays ativistas são os que mantêm maior contato com todas as demais
categorias de homossexuais, muitas vezes sendo seus porta-vozes, estando sem-
pre atentos às ocorrências de discriminação e violência que pesam sobre seus
companheiros menos organizados. Foram os militantes gays que iniciaram a
prevenção da Aids também na Bahia e no resto do país, divulgando práticas de sexo
seguro, desenvolvendo projetos dirigidos aos demais subgrupos menos
organizados, participando diretamente da fundação de grupos de travestis e de
soropositivos.
Desde que Luiz Mott fundou o Grupo Gay da Bahia, existiram na Bahia, na
década de 80, dois outros grupos homossexuais geralmente capitaneados por
dissidentes do GGB e com curta existência: Adé Dudu e Aquarius. Em 1994 o GGB
fundou o Grupo Lésbico da Bahia, em 1995 o Quimbanda-Dudu (Grupo Gay Negro
da Bahia) e a Associação de Travestis de Salvador e em 1998, a Associação de
Profissionais do Sexo da Bahia – todos grupos registrados como sociedade civil e
com vida independente do GGB. Além de algumas centenas de participantes
efetivos destes grupos há também na Bahia mais de uma dezena de gays
militantes que assumem a mesma bandeira dos ativistas, embora atuem como fran-
co atiradores.
Travestis
64
Ainda não existe consenso na língua portuguesa do Brasil qual artigo deve ser
utilizado para se referir a esta categoria sexológica: tradicionalmente se dizia “o”
travesti. Nos últimos anos porém, por influência das travestis da Argentina, que
propugnam pelo artigo feminino, também no Brasil, vem-se generalizando a expressão
“a” travesti, aliás como defende a Associação de Travestis de Salvador. Neste
trabalho utilizamos preferencialmente o artigo feminino, porém no caso do travesti ser
referido apenas com seu nome masculino, optamos em manter o artigo "o".
64
Couto, Edivaldo. Transexualidade: O corpo em mutação. Salvador, Editora Grupo
Gay da Bahia, 1999.
abundantes porque são mais visíveis e chamam mais a atenção em qualquer lugar
onde estejam. 67
No que se refere à Bahia, e atenção - as descrições destes sub-tipos de
homossexuais pretendem retratar tão somente a realidade baiana, muito embora
certas regularidades sejam encontradas no restante do Brasil - distinguimos dois
grupos principais de travestis: os que vivem o tempo integral vestidos de mulher e
os que se “montam” em tempo parcial, geralmente durante a noite. 68 A prática da
prostituição constitui outra grande divisória dentro desta categoria: embora a grande
maioria das travestis sejam profissionais do sexo, um pequeno número deles
dedica-se a outras profissões, geralmente ligadas à prestação de serviços ao
universo feminino. Em Salvador, as travestis e homens que se vestem de mulher
podem ser classificados nas seguintes subcategorias: transformistas, drag-queens,
travestis de pista e travestis que se dedicam a outras atividades profissionais.
Há ainda talvez uma dezena de gays que mesmo ostentando seios femininos,
à custa de altas doses de hormônios, assim como sobrancelhas depiladas e cabelo
unissex, durante o dia se vestem com roupas mais ou menos masculinas, fazendo
67
Boletim do Grupo Gay da Bahia, "Travestis", n.29, vol.15, julho 1995
68
Oliveira, Neuza: As Monas da Casa Amarela. Salvador, Universidade Federal da
Bahia, CED, l994
questão de serem chamados por seus nomes de registro e tratados como homens,
adotando roupas femininas apenas certas noites nos palcos ou quando vão a boites
gays. Muitos destes semi-travestis trabalham como esteticistas em salões de beleza,
e em menor número como modistas, costureiros ou no comércio. Os que têm
aparência mais viril, sem alterações aparentes da anatomia, quando vestidos com
trajes masculinos, procuram ocultar que são gays, alegando que a vida artística de
transformista não tem necessariamente de transbordar para fora do palco. O
principal ponto em comum entre estes homossexuais e as travestis full time está no
fato de se vestirem todos de mulher: seus estilos e expedientes de vida, sua auto-
definição existencial, enfim, sua subcultura é bastante diversa da vivenciada pelos
tipos anteriores.
69
Palomino, Érika. Babado Forte: Moda, música e noite na virada do século 21. São
Paulo, Mandarim, 1999.
200 travestis, e talvez meia centena espalhados pelas maiores cidades desse
Estado. 70
A importância em se estudar esta população, apesar de tão diminuta, liga-se
à diversos aspectos de sua cultura que a torna, graças a seu way of life,
particularmente vulnerável ao HIV e demais DSTs: dos 179 travestis que
entrevistamos em Salvador, 97% da população total, vivem da prestação de
serviços sexuais, expondo-se por conseguinte ao risco de infecção pelo HIV
através da prática do homoerotismo, da prostituição e do uso impróprio de agulhas
e seringas, seja na aplicação de silicone, hormônio ou, em menor escala, no abuso
de drogas. A situação agrava-se devido ao stress de que são vítimas, rejeitadas que
pela sociedade que as marginaliza, que não oferece outra alternativa de
subsistência à maioria das travestis, a não ser, a prostituição.
Eis, em linhas gerais, o perfil demográfico deste segmento social: a
composição racial das travestis reflete grosso modo a mesma tendência da
população baiana: Brancos 29%; Pardos 58%; Negros 13%.
Quanto à sua procedência geográfica, encontramos apenas 29% dos
informantes nativos de Salvador, sendo que 19% das travestis nasceram no interior
da Bahia, enquanto 52% delas procedem de outros Estados, notadamente de
Pernambuco. Aproximadamente 3/4 das entrevistadas moram no Centro Histórico de
Salvador. Quando da fundação do GGB, antes da reurbanização do Pelourinho, nos
meados dos anos 90, ocupavam uma dezena de casas nas principais artérias do
quarteirão central, sendo que por ocasião da "limpeza social" desta nova área
turística, foram obrigados a abandonar aqueles casarões, hoje vivendo em casas
caindo aos pedaços na parte "feia" do Centro Histórico, notadamente na Ladeira de
São Francisco e nas ruas Saldanha da Gama, Montalverne, Rui Barbosa e mais
distante, nas imediações da Praça Castro Alves: Gameleira, rua do Sodré, Ladeira
da Conceição.
Algumas poucas travestis costumam atender seus clientes no próprio quarto
onde habitam, praticando a prostituição “de janela". A maior parte das que
“batalham na pista” reservam seu quartinho não para atender clientes, e sim para
70
Boletim do Grupo Gay da Bahia, "Travestis", N°29, Volume XV, Julho l995; Mott,
Luiz & Cerqueira, Marcelo. As Travestis da Bahia e a Aids, Salvador, Ministério da
Saúde, Editora Grupo Gay da Bahia, Outubro, 1997
eventuais encontros íntimos com amantes fixos ou passageiros. Poucas vivem com
suas famílias em bairros distantes do centro.
Uma característica marcante desta população é sua grande mobilidade
espacial: 43% das entrevistadas disseram ter chegado a Salvador há uma semana;
17% a um mês; 14% no período de um ano e 26% a mais de um ano. Rara é a
semana que não desembarca uma nova travesti nesta cidade, aumentando
sensivelmente seu número no verão, entre os meses de dezembro a março, ocasião
das festas populares, do carnaval e do maior fluxo turístico nesta capital. 3/4 delas já
praticaram prostituição em duas ou mais cidades, predominando as que já fizeram
pista no Rio de Janeiro (27%) e Recife (19%), seguindo-se Aracaju, S.Paulo e Belo
Horizonte. 21 das travestis de Salvador (12%) já estiveram no Exterior, sobretudo
na Itália (Roma, Milão, Verona), na França e em menor número em Portugal,
Espanha, Grécia, Estados Unidos e Paraguai.
Um dos traços que surpreende no perfil demográfico desta sub-população é
que apenas 6% são analfabetas, comparados com os 16% da população brasileira.
O fato de se tratar de uma população alfabetizada torna mais eficaz a utilização de
material impresso na prevenção da Aids, pois além de 94% da população alvo ter
quando menos os rudimentos da leitura, as travestis, diferentemente da grande
maioria dos gays não assumidos, não têm problema em levar material explícito
sobre DST/AIDS para seus quartos, além do fato de disporem de muitas horas de
folga durante o dia para se dedicar à sua leitura. Portanto, cartazes, folhetos e
cartilhas sobre sexo seguro, com imagens bem explícitas e linguagem adaptada à
seu universo cultural constituem excelente instrumento de prevenção junto a esta
população alvo.
Quanto à idade, das 179 informantes, a mais jovem travesti residente em
Salvador tinha apenas 14 anos e a mais velha, 41anos. 13% destas profissionais do
sexo são menores de idade, estando portanto em situação de risco de serem presas
pela polícia e trancafiadas nos estabelecimentos do juizado de menores. Mais da
metade das travestis (56%) estão faixa etária entre 17 e 23, representando apenas
13% as que têm idade superior a 31 anos. A idade média das informantes foi de
23-24 anos.
35% das atuais travestis tiveram sua iniciação homossexual antes dos 10 anos
de idade, sendo a maior frequência (16%) aos 13 anos. Aos 15 anos, 94% das
entrevistadas já tinham mantido relações homoeróticas e 99% antes de atingir a
maioridade legal. Apenas 12% delas declarou ter sido vítima de violência sexual,
algumas vezes com sangrento anal por dias seguidos.
O mais jovem homossexual tinha 9 anos quando começou a usar roupas
femininas. Aos 15 anos , 1/3 das informantes já se travestia e 71% antes dos 18
anos. É nos anos mais críticos da adolescência - entre 14-15 anos - que 33%
destes jovens passaram a se travestir. Se aos 15 anos 95% deles já tinha debutado
na homossexualidade e 55% já se travestiam, nesta mesma idade 33% das
travestis já se dedicava à prestação de serviços sexuais. 52% delas já viviam do
trotoir antes de atingir a maioridade.
90% das travestis usam hormônios femininos, a mais precoce tendo iniciado
esta auto-medicação aos 10 anos, sendo aos 15 anos que a maior parte das 179
informantes (16%) optaram para tal expediente, a mesma idade em que passaram a
usar vestimentas de mulher. Mais da metade já usavam hormônios antes de atingir
os 18 anos. 12% delas iniciou esta terapia depois dos 20 anos e apenas 3 indivíduos
depois dos 30.
Predomina a ingestão oral dos hormônios, embora também muitos o utilizem
por via endovenosa - aplicado no mais das vezes por outra travesti com seringa e
agulha reutilizadas.
32% das informantes possuem silicone em uma ou mais partes do corpo.
65% delas declararam a intenção de aplicá-lo. Das 57 travestis siliconizadas, a mais
jovem tinha 13 anos quando fez a primeira aplicação, 73% tendo se submetido a
esta intervenção antes dos 25 anos
Conforme antecipamos, 97% das entrevistadas declararam ser profissionais do
sexo - termo erudito e politicamente correto mas não usado pelas próprias, que se
referem a tal atividade como “fazer pista” ou "batalhar”.
Apesar da opinião pública imaginar que as travestis prostitutas atendem
dezenas de clientes por dia, os extremos encontrados nesta pesquisa oscilaram de 1
a 14 atendimentos diários, estando a média entre 3 a 4 clientes por noite. 31% das
informantes declararam atender 5 clientes e 86% , de 1 a 5. Domingo e 2a. feira
são as noites mais fracas do comércio carnal, tanto que muitas travestis nem vão à
pista nestes dias. Segundo elas, a grande maioria dos fregueses são homens de
meia idade, de classe média, casados, que ao retornarem do trabalho para casa à
noite, procuram secretamente os serviços destes profissionais do sexo. 71 Esta
categoria de homossexuais enrustidos é igualmente muito exposta ao contágio
venéreo: por manterem clandestinamente suas escapadas homoeróticas, não
podem levar para casa material informativo sobre prevenção de DST/AIDS, daí a
importância de que as próprias profissionais do sexo se tornem na prática
prostitucional, agentes multiplicadoras de prevenção. Mais adiante voltaremos a esta
categoria quando tratarmos do "cliente invisível".
As travestis de pista têm como clientes uma ampla variedade de homens e
rapazes, que inclui além das “mariconas” - senhores de meia idade, homens
casados, geralmente proprietários de caro, vigilantes noturnos, taxistas, policiais,
marginais, “bóyzinhos" - rapazes de aparência viril.
As transexuais, diferentemente da maioria dos travestis, são inconformadas
com sua genitália, tanto que muitas delas realizam a operação de transgenitalização.
Poucas são as transexuais originárias da Bahia ou as que visitam esta terra: nestes
últimos 20 anos, talvez não tenham passado de duas dezenas as transexuais que
por aqui passaram, e quando na Boa Terra, as outras, sejam as travestis, sejam as
transexuais não operadas, comentam muito sobre as visitantes, pedindo não raro
que mostrem os resultados da operação corretiva. As transexuais, além de se total
identificarem totalmente com o sexo oposto, muitas, se tivessem condições
materiais, gostariam de substituir o incômodo pênis por uma neovagina. As não
operadas procuram esconder o pênis na cama, revelando que não chegam sequer
a ter ereção. Aproximadamente 1/4 destas travestis declararam que se pudessem
fariam a operação de "mudança de sexo".
Das 179 entrevistadas, 44% declararam “fazer pista” no Centro e 43% na
Orla. No Centro, concentram-se nas imediações do Quartel dos Aflitos e na Rua da
Ajuda – local que já nos finais do Século XVI lá estava o primeiro travesti de nossa
história, Francisco Manicongo, assim como o primeiro caso documentado de travesti
espancado por rapazes homofóbicos.72 Na orla marítima, hoje fazem pista
sobretudo na praia da Pituba. Barra, Ondina e Itaigara foram as áreas mais
71
Silva, Hélio. Travesti: A invenção do feminino. Rio de Janeiro, Relume Dumará,
1993, “O cliente fugidio. Os clientes debochados. Dar ou comer. Os respeitáveis,
passivos. Os fregueses maravilhosos.” p.98 e ss.
72
Mott, Luiz. Escravidão , homossexualidade e Demonologia. S.Paulo, Editora Ícone,
1988.; Homossexuais da Bahia, op.cit.
concorridas na década de 80, e que por pressão dos moradores e repressão policial,
hoje deixaram de ser ponto de trotoir. Mesmo a Pituba resiste como área de pista à
duras penas, pois como noutras capitais, também em Salvador volta e meia os
moradores dos locais de maior concentração de travestis protestam, seja por
travestifobia gratuita, seja contra seus exibicionismos, algazarras e
comportamentos anti-sociais. Em 1999 a Secretária de Segurança Pública da Bahia
declarou que tinha como questão de honra em sua política de tolerância zero retirar
as travestis desta zona urbana de classe média alta. 73
Conforme vimos, nossa população alvo declarou atender uma média de 3 a 4
clientes diários, 5 dias por semana. Se multiplicarmos tal média pelos 250 travestis
existentes na Bahia, teremos aproximadamente 250.000 relações homoeróticas por
ano, numa média anual de pouco mais de 1000 relações sexuais per capita, número
aliás pouca coisa inferior ao revelado pelas travestis brasileiras que fazem pista em
Roma, que disseram manter uma média de 1500 relações por ano.74
Desde 1980 que o Grupo Gay da Bahia vem realizando trabalhos de
prevenção de DST junto aos travestis prostitutos do Pelourinho, e desde l987 iniciou
campanha sistemática de prevenção da Aids, abrindo em l989 num casarão
habitado por travestis, um posto avançado de distribuição de preservativos. Em
1995 graças a um projeto financiado pelo Ministério da Saúde, e com a fundação da
Associação de Travestis de Salvador (ATRAS), passamos a realizar mensalmente
oficinas de sexo seguro e reuniões semanais, toda quinta feira à tarde, na própria
sede do GGB, contando com a presença de trinta ou mais travestis. Cada travesti
participante do projeto recebe de 15 a 20 camisinhas por semana, sendo raríssimo
hoje em dia encontrar-se uma travesti de pista que não tenha dentro da carteira ou
do bolso alguns preservativos obtidos no GGB. Daí 90% das travestis entrevistadas
terem respondido que usam regularmente o preservativo. 75
À pergunta: ”Há quantos anos usa camisinha?” 4% declararam que há
menos de 1 ano, 33% de 1 a 2 anos e 43% a mais de 3 anos. 7% disseram usar a
73
A Tarde, 1-5-99; A Tarde, 18-8-1995, “Rodando a Bolsa”; Jornal da Tarde, SP, 31-
1-91 ”Os incômodos vizinhos que usam batom”; Tribuna da Bahia, 25-2-1991,
“Caçada aos travestis”.
74
Folha de S.Paulo, 2-2-1992, ”Travestis brasileiros invadem a Itália”.
75
Cerqueira, Marcelo. "The prevention of HIV-STD with transvestites sex workers in
Bahia, Brazil", Abstract, n. 44174, XII Aids Conference, Geneva, 28-6/3-7-1998
camisinha há mais de 9 anos, data que coincidente com o início da campanha de
distribuição de preservativos grátis por parte do GGB. São exatamente as travestis
recém-chegadas em Salvador e que tiveram menor contacto com nossas oficinas de
sexo seguro, as que revelam menor uso do preservativo. 44% das entrevistadas já
haviam estado na sede do GGB ao menos uma vez, das quais 40% mais de 5
vezes , sendo que 1/3 delas visitou a sede da entidade de 20 a 100 vezes -
demonstrando o alto grau de aceitação deste programa junto à população alvo.
Infelizmente são poucas e limitadas as estatísticas sobre DST e
soroprevalência do HIV entre gays e travestis no Brasil. Segundo pesquisas
realizadas pelo Projeto Praça Onze, no Rio de Janeiro, de uma amostra de 200
voluntários homossexuais soronegativos para HIV, 37% tinham hepatite B, 15%
sífilis, 3,5% clamídia e 0,5% HTLV. Numa amostra de 37 travestis-prostitutos de São
Paulo, foi encontrado 62% soropositividade; em Salvador, pesquisa com 350
homossexuais (incluindo 10% de travestis), deparou-se com 12% de
soropositividade, aliás, taxa bastante próxima da encontrada em São Paulo e Belo
Horizonte que apontam para a prevalência de HIV em torno de 10,8% (N=11082)
e 9,4% (N=5570) respectivamente.76
76
O Globo, 14-4-1996, “Incidência de doenças venéreas entre homossexuais no Rio
assusta médicos”; Suleiman, G. & Galvão, P.A. Ayroza. “Prevalence of HIV among
transvestites in the city of S.Paulo”, Abstract of International Conference on Aids,
T.A.P.17; Cortes, Eduardo. “Hiv-1, HIV-2 and HTLV-I infection in high-risk groups
in Brazil”, The New England Journal of Medicine, vol.320, april l989, n.15, p.953;
Mott, Luiz et alii. “The impact of condom use to prevent HIV transmission amog male
homosexuals in Bahia, Brazil”. Abstract, 6th. International Conference on Aids,
S.Francisco, l992 ; Castelo Branco, L.C. et alii. “Frequency of antibody of HIV in
male and female prostitutes in Rio de Janeiro, Brazil.”, Abstract, 4th International
Conferenece on Aids, Stockholm, June l988; Souza Filho, Edson et alii.
“Representações sociais da Aids, práticas sexuais e vida social entre heterossexuais,
bissexuais e homossexuais em Brasília, Brasil.” Cadernos de Saúde Pública, 8 (4),
out.dez l992, p.428-441. Segundo informação da Polícia Militar de S.Paulo, quando da
realização da “Operação Silicone”, em fevereiro de l991, dos 105 travestis presos e
submetidos ao teste anti-HIV, 63 (60%) tiveram resultados HIV+, cf. Tribuna da
Bahia, 25-2-1991; "Proposta de Estudo de Avaliação da efetividade das ações de
prevenção dirigidas a homens que fazem sexo com homens", Ministério da Saúde,
CN-DST/Aids, Unidade de Prevenção, julho 2000. Como não há especificação, no
Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre as diferentes categorias de
"homossexuais", ficamos sempre na dependência de pesquisas estatisticamente pouco
significativas e de extrapolação problemática.
Segundo o Ministério da Saúde da Itália, dos 92 travestis brasileiros
examinados em Roma, em l991, 2/3 eram soropositivos.77 Pesquisa realizada no
Rio de Janeiro, numa amostra de 47 travestis e 50 homossexuais usuários de
cocaína, encontrou-se uma soropositividade de 28% para estes últimos e 64% para
as travestis. 78
Das 179 travestis entrevistadas, exatamente a metade declarou já ter feito o
teste anti-HIV , 62% uma ou duas vezes; 9% de 5 a 8 vezes. 18% das travestis
disseram ter sido mais de dez ou “inúmeras” as colegas vítimas desta síndrome.
Nos últimos anos sempre há no Pelourinho uma ou mais travesti acamada, com
várias infeções oportunistas, e que impossibilitado de batalhar, passa a viver da
caridade das colegas. Outras, quando muito debilitadas e carentes de sustentação,
são removidos para a CAASA, ou recebem cesta básica mensal distribuída por esta
entidade e entregues em suas casas pelo GGB. Há registro de uma travesti doente
de Aids, que mesmo paralítica em cima de uma cadeira de rodas, foi espancada
por policiais quando invadiram o velho casarão onde morava em busca de drogas. 79
77
“Travestis brasileiros invadem a Itália”, Folha de S.Paulo, 2-2-1992
78
Surrat, Hilary. “Hiv risks among transvestites and other men having sex with men in
Rio de Janeiro: A comparative analysis.”, Abstracts, XI International Conference on
Aids, Vancouver, vol.1, C.2403, p.335.
79
“Lá vem o Rapa: a ordem da polícia é limpar as ruas”, O Estado de S.Paulo, 20-12-
1979; “Travesti de 17 anos acusa policiais de agressão”, Folha de S.Paulo, 23-9-1992;
“Travestis baleado por policial morre de Aids”, A Tarde, 30-11-1995
aliás, utilizando a mesma denominação da Coordenação de Aids do Ministério da
Saúde da França, conforme salientamos na introdução deste trabalho.
Bofes
80
Whitaker, E. "Estudo biográfico dos homossexuais (pederastas passivos) da Capital
de São Paulo. Aspectos de sua atividade social", Arquivos da Polícia e Identificação,
vol. II, n.1, 1938-1939, p. 244-262
81
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no
Brasil, 1999. Salvador, Editora Grupo Gay da Bahia, 2000
82
Kinsey, A. C. et alii. Sexual Behavior in Human Male.op.cit.
O "bofe eventual" é o rapaz ou homem adulto, de aparência viril, sem
identidade homossexual, que esporadicamente mantém relações homoeróticas, seja
com outro homem com idêntica situação existencial, seja com gays ou travestis. Tal
eventualidade homoerótica ocorre com mais frequência entre adolescentes em
iniciação sexual e que "seduzidos" por homossexuais mais experientes, mantêm
contacto íntimo umas poucas vezes, ou por pura curiosidade e prazer, ou com
interesse em alguma retribuição pecuniária ou material. Nosso Rei Pelé, por
exemplo, revelou em entrevista a uma revista colombiana que ele e todo seu time
juvenil tiveram sua iniciação sexual com um "veado".
O bofe eventual ou ocasional pode reincidir nos contactos homoeróticos, mas o
que mais o distingue das demais categorias sexológicas é a não definição de uma
identidade e a casualidade de seus orgasmos com o mesmo sexo.
Conduta diversa costuma ter o "bofe profissional", que faz da prestação de
serviço sexual seu ganha pão ou fonte subsidiária de renda. Nesta categoria de
profissionais do sexo de aparência viril (em oposição às travestis, profissionais do
sexo de aparência feminil) estão incluídos jovens e adultos popularmente
conhecidos como caçadores, rapazes de programa, michês, taxi-boys e
massagistas.
A primeira referência no Brasil a uma relação homoerótica mediada pelo
dinheiro ocorreu na Bahia em 1591, quando o estudante Jerônimo Parada, 17 anos,
"agasalhando-se o Padre Frutuoso Álvares em casa de sua avó, disse-lhe o dito
clérigo que fizessem como das outras vezes o pecado de sodomia, ao que ele
respondeu que não queria. Então o clérigo lhe deu um vintém e por ele se não
contentar com um vintém, lhe deu mais um vintém, então ambos tiraram os calções
e se deitaram na cama e o dito clérigo deitou-se com a barriga para baixo e disse a
ele que se pusesse em cima e assim o fez e dormiu com o dito clérigo carnalmente,
por detrás, consumando o pecado de sodomia, metendo o seu membro desonesto
pelo vaso traseiro do clérigo como faz com uma mulher, tendo polução uma só vez.”
E completa o documento inquisitorial: “O acusado se mostrou arrependido”. 83
Caçador é o termo mais antigo na Bahia para identificar rapazes que transam
com gays em troca de alguma vantagem material, seja dinheiro, um simples vale-
83
Confissões da Bahia, op.cit. p. 39-40
transporte, um acarajé ou de presentes e somas mais valiosas. Tais rapazes,
contudo são "free-lancers", não vivem desse expediente. Este termo foi muito
corrente nos meados do século XX, conforme referimos ao citar os folhetos de cordel
do poeta Cuíca de Santo Amaro. Os caçadores podem ser apontados como os
precursores dos atuais profissionais do sexo, vivendo numa época em que os
próprios homossexuais eram muito menos ousados e visíveis, período fortemente
marcado pela homofobia, em que na mentalidade popular, veado devia ser "caçado"
e desmascarado publicamente através do "tibum" das pessoas incomodadas,
quando não perseguidos e presos pela polícia.
O termo michê, assim como muitas outras palavras ligadas ao mundo da
prostituição, vem do francês (como rendez-vous, madame, etc) e tem dois
significados: michê tanto pode ser aquele que se prostitui, quanto o preço pago pelo
serviço prostitucional. Michetagem é neologismo equivalente a prostituição.
Não há na Bahia uma distinção clara entre rapaz ou garoto de programa e
michê. Alguns consideram que rapaz de programa refere-se sobretudo àqueles que
anunciam nos jornais seus serviços sexuais na sessão de massagem - também
conhecidos como taxi-boys ou massagistas. Outros reservam o termo michê àqueles
que atendem clientes eventuais na rua: no Rio, fazendo ponto na Cinelândia e Via
Ápia; em S.Paulo, na área da Ipiranga, Largo do Arouche e adjacências; em
Salvador, na Avenida Sete, na esplanada das escadas rolantes dos principais
Shopping Centers e próximo ao Elevador Lacerda, local apelidado pelos gays mais
antigos de “Cemitério Sucupira”. Em interessante pesquisa realizada junto a 53
michês de Curitiba, em 1999, Toni Reis, do Grupo Dignidade, informa que 37,%
destes rapazes preferem ser chamados de "boy", 28,3% de "garoto de programa" e
apenas 5,7% de "michê". 84
Para efeito desta análise, uso indistintamente os dois termos - michê e rapaz
de programa. Michês são aqueles rapazes geralmente ostentando aparência
acentuadamente varonil, que de noite, a partir das 20hs até o começo da
madrugada circulam por certas praças e ruas do centro da cidade, à espera de gays
84
Reis, Toni. "Pesquisa realizada em Curitiba com 53 michês entre 16-7 e 20-8-2000",
mimeo, Curitiba, 2000; Mays, V.M. " Motivational interviewing for HIV risk
reduction among gay men in commercial and public sex environments", XIII
International Aids Conference, Durban, South Africa, Abstracts on Disk, Break the
Silence, 9-14/7/2000, WePeD4754.
que os contratam para transar, notadamente ao longo da Avenida Sete, Praça da
Piedade, Rua Carlos Gomes, Praça Municipal, Rua Chile e nos espaço de
alimentação e próximo às escadas rolantes dos shoppings-centers . Estacionam-se
disfarçadamente nos pontos de ônibus, ou perambulam pelas ruas e praças,
atentos aos gays que passam a pé ou motorizadas. Quando abordados, combinam
rapidamente o preço e embarcam no carro ou dirigem-se para pensões ou quartos
de seus clientes. Embora grande parte desses michês assuma postura hiper-viril,
resumem seu desempenho sexual a serem chupados e a penetrarem seus
parceiros, sem carinho, nem beijos ou abraços; outro tanto desses rapazes,
dependendo do quanto se Ihes pagar a mais, "fazem de tudo na cama": felação,
cuniIíngua, deixam-se sodomizar, etc.
Muitos michês são jovens de origem social pobre que descobrem poder
ganhar alguns trocados extras, ou mesmo fazer grandes negócios, explorando o
mercado prostitucional homoerótico. Saem de seus bairros periféricos a caminho do
centro da cidade grande, onde no anonimato da metrópole, fazem ponto nas
esquinas, atrás das árvores e paradas de ônibus, à espera de algum cliente que os
convide para dar uma volta de carro. No mais das vezes, motorista e pedestre
trocam poucas frases na janela do carro, acertando preço, preferências sexuais e
outros detalhes logísticos. Os mais habitués dispensam tal diálogo, pois já
conhecem e são conhecidos da clientela.
Os programas podem ser feitos dentro do carro, em local discreto e escuro, em
pensões e motéis, ou na casa do cliente. Infelizmente, é nestas casas e
apartamentos que muitos gays são vítimas de violência e assassinato: de um total
de 1830 homossexuais assassinados no Brasil entre 1980-1997, aproximadamente
20% destes crimes foram praticados por rapazes de programa - algumas vezes,
marginais e homicidas que disfarçam-se de michês para praticar latrocínios - matar
para roubar.
Podemos perceber quando menos três tipos de rapazes de programa em
Salvador: uns que mantêm o comportamento exclusivamente de “machão ativo”: não
beijam, não tocam no pênis do cliente, só querem ser chupados e penetrar. Há
michês que chegam a fazer sexo oro-anal com o gay ("cunete"), recusando-se
beijar na boca, reservando tal intimidade para envolvimentos não profissionais. Este
tipo faz questão de deixar bem claro que está transando por interesse financeiro:
fica excitado com o gay, não porque também se considera homossexual, mas
"porque é macho mesmo, e macho tem de meter sempre, não importa de quem ou
qual seja o buraco. "
Muitos rapazes de programa representam este papel de super-machos para
não decepcionar o cliente, pois há gays que dizem "só transar com 100% homem",
nutrindo a vã ilusão de que foi o primeiro ou o único a despertar a atração
homoerótica daquele rapaz.
Estes michês do primeiro tipo têm como questão de honra não expressar
nenhuma ternura ou amor pelo parceiro homossexual: reagem, às vezes
agressivamente, ao serem identificados como gays, aliás, conduta semelhante à
observada por Nestor Perlongher em seu livro O Negócio do Michê, relativo aos
rapazes de programa de São Paulo.85 Os psicanalistas diagnosticariam muitos
destes indivíduos como “homossexuais egodistônicos” - isto é, o ego destes michês
está fora de sintonia com seu desejo erótico. Às vezes chegam a matar para lavar a
honra com o sangue do gay, assim negando pertencer a essa espécie maldita. 86
85
Perlongher, N. O Negócio do Michê, p.cit.
86
Mott, Luiz. Homofobia, op.cit.
Em Salvador, é notadamente no jornal A Tarde, já septuagenário e que se
auto-propala "o maior do Norte e Nordeste", conhecido por sua tradicional postura
homofóbica, onde mais se divulga, no caderno de classificados, a oferta de serviços
sexuais. Em pesquisa realizada neste periódico, constatamos que apenas a partir de
1975 que passou a ter uma seção de classificados e somente em dezembro de
1979 que surge o primeiro anúncio de uma casa de massagem erótica, sob o título
de "relax".
Entre 1980-1984 diariamente este jornal divulgou de um a dois anúncios de
"agência feminina" com oferta de mulheres disponíveis para encontros íntimos. Só a
partir de 1985 que surgem os primeiros anúncios de "agências masculinas", sempre
em proporção muito inferior às "femininas", numa relação de 2 para 10. Já nesta
quadra a oferta de itens sexuais se diversifica, incluindo boutique de produtos
eróticos, iniciando-se a partir de então alguns esporádicos anúncios individualizados
de homens profissionais do sexo.
De 1990 a 1994, os anúncios diários de agências de massagistas mulheres
aumentam, oscilando entre 6 a 13, sempre mais numerosas tais ofertas nos fins de
semana, enquanto que o número de agências anunciando massagistas homens
permanece estável: apenas um anúncio diário. Novidade destes anos são as
agências mistas, de mulheres e homens, aparecendo de 3 a 9 nos anúncios diários.
É a partir desta data que surgem os primeiros anúncios de travestis, referidas
usualmente como "bonecas".
1995-1999 representa o boom da oferta de serviços sexuais em classificados
diários de Salvador: a 4 de maio de 1999, quando encerramos o levantamento deste
tópico, havia 107 anúncios de mulheres, 42 homens, 2 "bonecas", 2 casais, 1
agência masculina, 17 agências femininas, 2 agências mistas, 4 lojas de produtos
eróticos e 2 saunas masculinas.
A partir da análise destes números, podemos perceber certas tendências:
primeiro que a utilização de classificados com anúncios de serviços sexuais só surge
na Bahia em 1979, portanto, novidade do último quartel do século XX, decorrência
da maior liberação dos costumes, embora ainda sob o regime militar. Apesar de
sempre majoritária a oferta de profissionais do sexo feminino, só a partir de 1985
que surgem os primeiros anúncios de homens disponibilizando seus préstimos
sexuais – recordando que o Grupo Gay da Bahia fora fundado em 1980 e que em
1985 existia em Salvador uma dezena de estabelecimentos de lazer dirigidos à
comunidade homossexual.
Note-se que o aumento significativo de oferta de profissionais do sexo na
década de 90 coincide exatamente com a expansão da epidemia da Aids também na
Bahia, evoluindo de 5 casos entre 1984-85, 48 em 1987, 196 em 1989 e 331 em
1991, dos quais 42% referentes à transmissão homossexual e bissexual. 87
Nesta década notamos a proporção de um profissional do sexo masculino para
3 ou 4 do sexo feminino. A solução encontrada nos últimos anos de agências mistas
demonstra uma evolução na prostituição de mulheres e homens, que partilham não
apenas o mesmo espaço na pista – na Rua da Ajuda, no Centro Histórico, ou na
Pituba, como também nos classificados do jornal.
A inclusão de travestis nos classificados coincide com a popularização e
barateamento do telefone celular, posto que nos últimos dois anos quando menos
1/5 das travestis de pista de Salvador têm seu próprio celular. Um exemplo: a
travesti Lena, que foi vice-presidenta da Associação de Travestis de Salvador, hoje
retornada ao Ceará, era uma destas profissionais do sexo "celularizada": tantas
eram as ligações diárias que recebia de clientes interessados, que a todos
respondia mecanicamente dando sua ficha física e detalhes da performance erótica.
A telefonia celular beneficiou significativamente o acesso dos clientes aos/às
profissionais do sexo.
A simples comparação dos anúncios dos profissionais do sexo de Salvador
com outras capitais brasileiras, permite-nos uma melhor compreensão do significado
desta prática no conjunto das tribos homossexuais de nossa cidade. 88
87
"Avaliação Epidemiológica da Aids na Bahia", Secretaria da Saúde do Estado da
Bahia, Divisão de Vigilância Epidemiológica, março 1993.
88
Fontes: Correio Brasiliense, "Relax", 31-5-2000; Diário Popular (Curitiba),
"Acompanhantes", 7-10-1999; Zero Hora, Porto Alegre, "Acompanhantes", 20-6-
1999; Jornal do Brasil (Rio de Janeiro),| "Massagens", 9-5-2000; A Tarde, (Salvador),
"Massagistas", 25-6-2000; O Estado de São Paulo, "Relax", 4-5-2000.
Curitiba 101 10 (9,9%) 1
Porto Alegre 225 22 (9,7%) 9
Rio de Janeiro 48 9 (18%) 7
Salvador 97 34 (35%) 1
São Paulo 195 10 (5,1%) 6
Maridos de travestis
89
Na citada pesquisa realizada entre michês de Curitiba, de um total de 50
informantes, 45 (90%) declararam que se tivessem oportunidade, deixariam de fazer
sua amante travesti que "mofava" numa das infectas celas de Delegacia. Eu mesmo
presenciei, quando da prisão de 18 travestis por ocasião da visita da Rainha da
Dinamarca à Bahia, em maio de 1999, a presença de quatro maridos aguardando
na sala de espera da 1a Delegacia, a soltura de suas "mulheres", soltura conseguida
graças à enérgica interferência do Grupo Gay da Bahia.90
De vez em quando alguns destes homens têm problemas com a polícia, quer
por envolvimento com roubos, uso ou tráfico de drogas ou mesmo contravenções
mais graves. O amante de Wamburga foi acusado de ter esfaqueado um camelô no
Maciel, fugindo em seguida, redundando na detenção da pobre travesti por treze
dias consecutivos sem ter outra culpa além de ser amante do suspeito do crime.
Somente mediante a intervenção do GGB junto à comissão de Defesa dos Direitos
Humanos da OAB/Bahia é que a travesti foi liberada, graças a um habeas corpus.
Uma das tarefas mais árduas e não menos importantes na prevenção junto às
travestis é convence-las de que o amor não protege ninguém contra DST e Aids, e
que devem usar sempre a camisinha, mesmo com seus amantes. Tarefa difícil, mas
não impossível, pois segundo depoimento de numerosas travestis que frequentam
semanalmente as reuniões da Associação de travestis de Salvador, nem mesmo
com os maridos muitas abrem mão do preservativo.
Clientes de Travestis
programa.
90
A Tarde, 1-5-1999
Uma das minorias sexuais de Salvador e do resto do país que oferece maior
dificuldade de acesso, são os homens e rapazes clientes dos serviços sexuais das
travestis de pista. Em decorrência da clandestinidade de tais encontros, do risco de
batidas e extorsões policiais, os clientes afastam qualquer tentativa de aproximação
de estranhos, recusando-se peremptoriamente ser entrevistados. Para compensar
tal lacuna, solicitamos a 34 travestis, de áreas distintas de prostituição, que
diariamente, preenchessem uma pequeno questionário descrevendo o perfil sócio-
demográfico de cada cliente . Embora reconhecendo os limites de tais informações,
foi a única solução encontrada para conhecermos mais de perto tal universo
populacional.
38% das travestis disseram ter atendido apenas um cliente na véspera, 45%
dois clientes e 14%, três. O que vale dizer que 97% destes profissionais do sexo
tiveram de 1 a 3 clientes por noite, média muitíssimo inferior à imaginada pela
população em geral e pelos epidemiologistas mais homofóbicos, alguns afirmando
que passavam de uma dezena os atendimentos diários da maioria destes
profissionais do sexo.91
De acordo com informações prestadas pelas próprias travestis, eis como elas
teceram o perfil de seus clientes: 50% pardos, 37% brancos e 13% negros. A idade
variou de 17 a 54 anos, sendo 5% dos clientes com menos de 20 anos, 65% de 20
a 30 anos, 30% de 30 a 40 anos e 2,2% com mais de 40 anos. Em síntese: 2/3 dos
clientes de travestis têm menos de 30 anos, o que relativiza a opinião geralmente
91
Mott & Cerqueira, As Travestis da Bahia e a Aids, op.cit.
divulgada na mídia de que são sobretudo homens de meia idade que procuram os
serviços sexuais destes profissionais.
98% das informantes disseram que têm como hábito acertar o preço antes da
transa, evitando assim desentendimentos e brigas – variando tais valores de R$3,00
a R$85,00. Em 9% de suas últimas transas, as travestis receberam menos de
R$10,00. Mais da metade dos clientes pagou de R$10,00 a R$20,00 sendo que
280 clientes (32%) pagaram 15 reais, o preço mais freqüente. Apenas 5% dos
clientes pagaram mais de R$50,00 – sendo este o preço pedido pelos rapazes de
programa de Salvador em seus anúncios no jornal. O que vale dizer que no mercado
prostitucional, os serviços sexuais de travestis vale em média menos da metade do
cobrado pelos massagistas e menos de 1/3 do exigido pelas mulheres que anunciam
no jornal.
93% das relações das travestis com seus clientes tiveram menos de uma hora
de duração, variando de dois minutos, a mais rápida, a três horas o encontro mais
prolongado. Mais da metade destes encontros (56%) não ultrapassaram 20 minutos
– certamente prevalecendo nestes casos as relações mantidas na praia, em ruas
desertas ou dentro do carro. Nos motéis e pensões, o tempo limite para aluguel de
quartos rotativos costuma ser de duas horas.
No que se refere às práticas sexuais desta população, à pergunta: "o que você
fez com o cliente?", tivemos as seguintes regularidades: 95% das travestis disseram
ter praticado felação com o cliente; 70% declararam ter sido sodomisadas pelos
mesmos; em 24% das relações os travestis foram ativos e em 63% das transas os
clientes foram masturbados pela travesti .
Invertendo agora a questão, "o que o cliente fez com você?", obtivemos as
seguintes respostas: 25% dos clientes praticaram felação na travesti; 24% dos
clientes foram passivos; 68% dos clientes sodomisaram as travestis e 36%
masturbaram as profissionais do sexo.
92
Higgs, David (Ed.) Queer Sites. Gay Urban Histories since 1600. London,
Routledge, 1999. Nesta obra, há um capítulo sobre a vida gay no Rio de Janeiro, da
Colônia a nossos dias.
93
Dynes,W. Homosexuality: A Research Guide. New York, Garland Publishing Inco,
1987, p. 437; Achilles, Nancy. "The Development of the Homosexual Bar as an
Institution", in John Gagnon & W. Simon (Eds), Sexual Deviance. New York, Harper
& Row, 1967, p.228-244; Read, K. Other Voices: the Style of Male Homosexuals
Tavern. Novato, Chandler and Sharp, 1980.
94
Eighner, L. "The Ghetto and the Gay Gheto", Cabirion And Gay Books Bulletin, 12
(1985), p.66-8; Perlongher, Nestor, op.cit., p. 51; Castells, M. & Murphy, K. "Cultural
Identity and Urban Structue: The Spatial organization of San Francisco's gay
community", in Fainstein, N. (ed) Urban Policy under Capitalism. Beverly Hills,
Sage, 1982.
95
Berube, Alan. "The history of the Gay Bathouse", Coming Up!, S.Francisco,
Dec.1984, n.6, p.3; Douglas, J. & P. Rasmussen. "The Nude Beach." Beverly Hills,
Sage, 1977; Rumaker, M. A Day and Night at the Baths. Bolinas, Grey Fox Press,
1978.
de paquera; praias e sanitários públicos; em seguida, estabelecimentos privados, a
saber: bares e boites no zona central e na orla; saunas; cinemas e a própria sede
do Grupo Gay da Bahia.
Ao longo das duas últimas décadas, logo após a fundação do GGB,
elaboramos o primeiro Guia Gay da Bahia, fonte crucial para a reconstituição dos
espaços da cena gay soteropolitana, dispondo até o presente de quatro guias
publicados entre 1981-2000, a saber:
Tomando como fonte tais guias, detectamos a existência nestas duas últimas
décadas, de três espaços comerciais onde principalmente se processa a maior
parte dos encontros e concentração da população homossexual de Salvador, a
saber:
96
Lima Estácio, A Inversão dos Sexos, op.cit., p.38
capital federal, a Praça Tiradentes.97 Vimos, no capítulo sobre a história da
homossexualidade em Salvador, que a Praça Municipal, nas imediações do Elevador
Lacerda, era, nos meados do Século XX, o lugar preferido dos encontros dos
"invertidos". Consultando as quatro edições do Guia Gay da Bahia, constatamos
que o "gueto gay" permanece razoavelmente estável nas últimas décadas,
mantendo como principais limites ou fronteiras, o Campo Grande e a Praça
Municipal, incluindo os seguintes logradouros: Avenida Sete de Setembro, Rua da
Ajuda, Terreiro de Jesus, Relógio de São Pedro, Escadaria do Teatro Castro Alves,
Shopping Piedade, e imediações do Estádio Balbininho, estendendo-se em direção
à orla marítima, incluindo o Farol da Barra, o mirante do Cristo, o Shopping da Barra
– e como área de prostituição de travestis, as praias de Ondina, Pituba e o Parque
da Cidade. Tais foram os logradouros citados nos referidos guias gays entre 1980-
2000. Nos últimos anos, contudo, alguns destes logradouros simplesmente
deixaram de ser procurados pelos amantes do mesmo sexo ou tiveram significativa
redução de frequentadores: o próprio Campo Grande, antigamente considerado
"covil famoso dos invertidos" , hoje apenas alguns raros remanescentes ainda o
frequentam.
Ao iniciar o terceiro milênio, localizamos 10 ruas e praças onde mais "rola
paquera" homossexual em Salvador, tomando o Centro Histórico como ponto de
partida:
1. Praça da Sé e Terreiro de Jesus
2. Rua da Ajuda
3. Praça Municipal
4. Praça Castro Alves
5. Relógio de S.Pedro e Praça de São Bento
6. Praça da Piedade
7. Avenida Sete de Setembro
8. Rua Carlos Gomes
9. Largo dos Aflitos
10. Praça do Campo Grande
97
Green, James. Além do Carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil no
Iniciando pela área do Centro Histórico, na vetusta Praça da Sé, onde desde que
o Pelourinho foi reformado, nos últimos 5 anos, o movimento de turistas e
transeuntes tornou-se permanente, todos os dias da semana, e em praticamente
todas as horas do dia e na noite. Área onde muitos gays, rapazes de programa e
travestis circulam com vistas a engates homoeróticos. Com freqüência nota-se a
presença de michês sentados nos bancos da Praça da Sé e no Terreiro de Jesus, à
espera de aventuras, sobretudo no final da tarde e à noite. Na sua maior parte são
rapazes jovens, revelando alguns, pela aparência simples de suas roupas e
descuido corporal, pertencerem à baixas camadas sociais, provenientes, uns, de
bairros periféricos, outros "crias da zona" como são chamados os rapazes que
habitam nos cortiços da área mais pobre do Centro Histórico, também conhecida
como Maciel. Sobretudo à noite, neste local é comum a presença de gays da
terceira idade entabulando conversação com tais rapazes, saindo alguns pares, de
quando em vez, em direção aos hotéis baratos situados nas ruas laterais. Estes
mesmos espaços são igualmente freqüentados por garotas de programa.
2. Rua da Ajuda
Na tradicional Rua da Ajuda, nome advindo da primeira igreja construída logo na
fundação de Salvador, há quatro séculos já se documentava a presença de um
travesti perambulando pela área, conforme descrevemos alhures. Hoje, à noite, tal
espaço é dividido por uma dezena de travestis e prostitutas que são abordados por
clientes motorizados ou pedestres de menor poder aquisitivo, estes últimos
aproveitando-se dos becos e ruas escuras adjacentes para transas rápidas. São
freqüentes as batidas policiais, obrigando as travestis a saírem correndo pelos becos
menos iluminados. Esta rua teve seu período de maior glória na década de 80,
ostentando hoje franca decadência.
3. Praça Municipal
Este logradouro é considerado tradicionalmente como o coração da urbs
soteropolitana, localizando-se aí o antigo Palácio do Governo, a primeira Câmara
Municipal do Brasil e o prédio da Prefeitura Nova – assim como o Elevador Lacerda,
um dos cartões postais de Salvador. Ao lado das muretas que ladeiam a esplanada
98
Mott, Luiz. Homossexuais da Bahia. Op.cit.,
de um módulo policial em frente à Praça inibe maiores avanços. Muitos casais
heterossexuais, sobretudo no fim de semana, costumam namorar encostados nas
muretas da praça. Em frente à praça, ao lado do Cine Glauber Rocha, assim como o
Cine Tamoio, também desativado, no popularmente conhecido como Beco do Mijo,
alguns gays mais afoitos fazem à noite "pegação" em homens e rapazes que para lá
se dirigem para urinar.
6. Praça da Piedade
A Praça da Piedade, até três anos passados, era um dos locais mais
freqüentados por gays e michês, porém depois de sua última reforma, quando
passou a ser cercada por grades e vedado o acesso do público à partir das 22hs,
perdeu assim a comunidade homossexual de baixo poder aquisitivo, uma de suas
preferidas "salas de estar". Hoje, no começo da noite, uma dezena de gays,
geralmente mais velhos, costumam se reunir nos bancos que cercam a Praça,
sobretudo do lado da Avenida Sete, socializando e à espera de algum eventual
príncipe encantado. Nos bancos exteriores da praça, do lado que faz face à Igreja
de S. Pedro, mais tarde da noite, devido à pouca luz, alguns casais masculinos mais
afoitos se bolinam e discretamente chegam a praticar sexo oral. Recebemos
denúncia recente que os seguranças desta Praça não têm permitido aos gays mais
fechativos e sobretudo às travestis, sequer sentar-se nestes bancos exteriores.
Orla Marítima
1. Porto da Barra
2. Farol da Barra
3. Cristo da Barra
4. Pituba
5. Praia de Patamares
6. Plakafor
1. Porto da Barra
Nos anos 80, o Porto da Barra foi a praia de maior concentração gay da Bahia,
disputando com a "Bolsa de Valores", a praia em frente ao Copacabana Pálace a
preeminência de ser a praia mais gay do Brasil. Nos inícios dos anos 90, contudo,
com a instalação de uma nova linha de ônibus ligando diretamente a periferia de
Salvador à Barra, a invasão de famílias e "farofeiros", sobretudo aos domingos,
desfigurou completamente esse charmoso point gay no Atlântico Sul, afastando a
maior parte seus tradicionais habitués. Hoje, aos sábados a partir das 11hs da
manhã, sobretudo no verão, ainda há significativa afluência de gays, incluindo
artistas, vips e simpatizantes. Disfarçadamente ocorrem contactos sexuais dentro
do mar, tanto casais do mesmo sexo quanto do oposto, notadamente masturbação,
o que estimula a alguns mais afoitos voyeuristas a mergulharem nas imediações,
munidos de óculos ou máscaras, afim de desfrutarem tais espetáculos eróticos
submarinos.
No muro adjunto à escadaria que dá entrada ao Porto da Barra, apelidado de
"peg-pag", funciona como uma espécie balcão para alguns gays e bofes que ali
ficam paquerando, outros à espera de aventuras. Ainda na década anterior, nas
ribanceiras de pedra no extremo à direita do Porto, o matagal ali existente favorecia
encontros homoeróticos, às vezes interrompidos com violência por policiais que
para ali se dirigiam à procura de "maconheiros". Naquela mesma época, algumas
vezes por ano, sobretudo no maior pique do verão, alguma bicha mais fechativa era
vítima de "xurria", um espécie de linchamento mais suave, onde a multidão dá vaia,
persegue e joga areia e objetos na infeliz criatura que espavorida, foge para não
sofrer maiores agressões. Alhures transcrevemos uma xurria ocorrida nesta praia na
década de 70.
2. Farol da Barra
Deixando o Porto da Barra, seguindo sempre em direção ao mar aberto, o
próximo local bastante freqüentado por gays é o Farol da Barra. Atrás de um dos
mais charmosos cartões postais de Salvador, o vetusto (e fálico!) Farol da Barra, há
décadas seguidas, ocorre intensa atividade homoerótica. Sobretudo ao escurecer e
durante a noite, há muita "pegação", e a quase a totalidade dos homens que para lá
se dirigem, estão a procura de sexo rápido e aventuroso. Entre os freqüentadores,
gays enrustidos e assumidos, bissexuais, bofes, raramente travestis.
Nalgumas noites há batidas policiais, com espancamento e violência contra os
presentes. Roubos e assaltos também ocorrem com certa freqüência. De um dos
lados da encosta, há certos locais dentro da vegetação que servem de esconderijo
para os casais ou grupos de homens que desejam maior privacidade ou a prática de
sexo coletivo e voyeurismo.
Nas muralhas exteriores do forte, à noite, ocorre grade variedade de sexo:
masturbadores individuais ou aos pares, felação, cópula anal – atos sexuais que
podem ser apreciados "de camarote" por frequentadores mais curiosos do bar e
restaurante ao ar livre recentemente inaugurado no andar superior deste forte que
serve de sustentação para o Farol da Barra.
3. Cristo da Barra
Deixando o Farol da Barra para trás, a poucos metros da Avenida Oceânica,
no meio de pitoresco coqueiral, encontra-se um dos principais pontos turísticos da
orla de Salvador, a Estátua do Cristo, situada num platô rodeada por uma
balaustrada de cimento. Neste local, quando o fluxo turístico é menos intenso,
rapazes interessados em sexo ficam sentados na mureta ou perambulando pelas
imediações da estátua, trocando olhares e se insinuando sexualmente. Os gays e
homens com práticas homossexuais mais interessados e afoitos, descem pela
ribanceira, através de atalhos íngremes, atingindo grandes rochedos à beira mar.
Atrás destas pedras, ou em suas concavidades mais discretas, ocorre todo tipo de
relações sexuais, geralmente permanecendo os parceiros de pé, encostados na
pedreira, sobretudo ao entardecer ou quando diminui o número de banhistas e
turistas. O local é particularmente perigoso e violento, dada sua proximidade de
"invasões", como a Roça da Sabina, no morro contíguo do outro lado da avenida.
Vários gays foram vítimas de roubos, assaltos e agressões neste local.
Mais recentemente, nova modalidade de encontros homoeróticos vêem se
realizando neste local: nas primeira horas da manhã, quando é grande o fluxo de
pessoas de classe média e alta fazendo "cooper" nas calçadas da orla marítima,
garotos de programa ficam estacionados na mureta da entrada do monumento do
Cristo, à disposição de respeitáveis senhores, que em troca de R$10,00 ou mais
reais, se prestam a atos sexuais atrás das pedras. É portanto neste local onde inicia-
se, de manhãzinha, em Salvador, a prestação informal de serviços homoeróticos.
4. Pituba
Nas imediações do Clube Português e sobretudo na Avenida Manoel Dias,
todas as noites, dezenas de travestis fazem pista, à espera de clientes motorizados
interessados em seus serviços sexuais. Situando-se em área residencial de classe
média alta (Pituba), as travestis atendem não só aos moradores desta região como
motoristas de outros bairros que circulam pela Orla e adjacências. A maior parte
destas profissionais do sexo entram nos carros e dirigem-se para motéis ou para
locais desertos. Devido à algazarra e exibicionismo sexual praticado por algumas
travestis, desfilando com peitos e genitália à mostra, certas praticamente nuas,
moradores das imediações têm protestado, levando a freqüentes batidas policiais e
detenções dos infratores. Só em 1999 foram efetivadas mais de duzentas prisões,
geralmente antecedidas de correrias, espancamentos e extorsões. 99 Nos arquivos
do GGB há igualmente registro de travestis de pista que foram assassinados nesta
localidade. 100 A política do GGB neste particular tem sido de defender a liberdade
de movimento e o exercício da prostituição, "educando-as" para que evitem
exibicionismo sexual e a nudez, e sobretudo roubo contra seus clientes, pois as
inocentes pagam pelas culpadas. Inumeráveis vezes dirigimo-nos a diferentes
delegacias, sobretudo à 7a DP a fim de providenciar a soltura de travestis: em maio
de 1999, o Presidente do Centro Baiano Anti-Aids, Marcelo Cerqueira conseguiu de
uma só vez, liberar 17 travestis, não sem antes passar pelo constrangimento de ter
sido empurrado por um agente policial dentro da delegacia.
5. Praia de Patamares
99
Mott, Luiz. Violação dos direitos humanos e assassinatos de Homossexuais no
Brasil, op.cit.
100
(BA) - 28/12/99 - Redivaldo Cazumba, 21, travesti, “Débora”, profissional do sexo,
assassinada a tiros quando fazia trotuar, na Av. Manoel Dias da Silva, no bairro da
Pituba, Salvador/BA (Fonte: Arquivo do GGB)
Junto ao local chamado "Terceira Ponte", sobretudo nos fins de semana, há
rapazes que utilizam-se do espaço abaixo desta ponte, atrás das pilastras, para a
prática de intimidades sexuais. Às vezes há sexo grupal entre os presentes,
sobretudo ao anoitecer quando é menor número de transeuntes e a falta de luz
favorece tais liberdades. São gays e bofes os principais usuários deste logradouro.
6. Plakafor
Na praia situada próxima ao bar Kalamazoo, também conhecida como
"pantanal", há uma vasta área coberta por vegetação alta, existindo neste local
uma série de cabanas improvisadas dentro do mato, onde rapazes praticam sexo.
Mesmo nos dias de semana, sobretudo à tarde, sempre há algum movimento: casais
entrando pelas locas a dentro, e saindo discretamente algum tempo depois.
Rapazes humildes do bairro São Cristóvão e da invasão dita "Planeta dos Macacos",
semi-profissionais do sexo, oferecem seus serviços aos gays que perambulam nas
imediações. Vez por outra ocorrem assaltos, extorsões e violência policial.
101
Folha de São Paulo, 24-8-2000, "Prefeitura busca patrocínio de empresas privadas
para instalar sistema de vigilância por Câmeras no Parque Trianon. O Prefeito quer o
fim da prostituição."
Estádio Esportivo Balbininho. Tal área caiu em desuso em parte devido à violência aí
praticada por marginais, em parte devido à reforma deste jardim público, cujas
árvores foram podadas rente ao chão, devassando o que durante anos funcionou
como local de encontros sexuais.
Sanitários Públicos
Como ocorre na maior parte das cidades do mundo, também em Salvador, de
longa data, sanitários públicos são utilizados como ponto de atividades
homoeróticas. Dependendo da audácia dos frequentadores e da tolerância dos
vigilantes, em tais lugares se pratica voyeurismo e masturbação recíproca no próprio
espaço dos mictórios, e dentro das privadas, todo tipo de intimidades homoeróticas.
São tais "W.C." um dos nichos mais típicos e preferidos dos adeptos do sexo
anônimo.102
Em Salvador, na década de 80, o mais movimento destes espaços era o
tradicional Sanitário da Barroquinha, ao lado da Igreja do mesmo nome, próximo à
Praça Castro Alves. Situando-se a sede do GGB pouco mais acima deste
logradouro, inúmeras vezes presenciamos e denunciamos cenas de grande
violência homofóbica, praticada ora por policiais, ora por agressores machistas, que
espancavam os gays e homens com práticas homoeróticas presentes naquela
"espelunca". Como são cada vez mais raros os sanitários públicos em Salvador, os
gays amantes deste tipo de aventura sexual têm insistido em utilizar para suas
investida, os toaletes dos shopings-centers, estações rodoviárias e cinemas,
redundando muitas vezes em cenas de humilhação e até espancamento por parte
dos seguranças destes estabelecimentos. Os principais sanitários frequentados
atualmente por homossexuais com fins eróticos situam-se em shopping centers,
mercados, rodoviárias e estabelecimentos públicos.
Apesar da vigilância diuturna de funcionários estacionados em locais
estratégicos dentro dos toaletes, em todos os sanitários masculinos dos shoppings-
centers de Salvador e em alguns supermercados mais movimentados, há discreta
paquera homoerótica, incluindo os shoppings Lapa, Piedade, Iguatemi, Barra,
102
Humphreys, Laud. Tearoom Trade: Impersonal Sex in Public Places. Chicago,
Aldine, 1970; Delph, Edward. The Silent Community: Public Homosexual Encounters.
Beverly Hills, Sage, 1978.
Itaigara, etc. Gays mais afoitos permanecem nos mictórios fingindo que estão
urinando enquanto exercem voyeurismo, exibicionismo ou se masturbam junto aos
usuários dos sanitários laterais. Alguns raros casais ainda mais afoitos chegam a
entrar dentro das privadas, embora tal ousadia seja cada vez mais rara, devido às
portas elevadas 30 centímetros do nível do chão, o que permite a quem está de fora
ver quando menos os pés de quem está de portas a dentro. Os mais espertos
driblam este probleminha ficando um dos parceiros de cócoras sobre o vaso
sanitário, de modo que de fora se vê apenas os pés de um usuário.
Muitos contactos de primeiro grau são feitos exatamente nestes sanitários
públicos, onde alguns minutos de mútua e discreta exibição genital antecedem a
saída do casal interessado para acertar a transa fora do toalete. Por repetidas vezes
nos últimos anos o GGB recebeu denúncias de atuação de “caçadores”, seguranças
ou até policiais à paisana, useiros em extorquir dinheiro dos gays surpreendidos
fazendo “descaração” nestes sanitários públicos. Tanto nos toaletes da Rodoviária,
do Terminal da Lapa e do Shopping Iguatemi, há relatos de gays que sofreram
humilhação pública, conduzidos para a área de segurança onde foram espancados
e até fotografados, em flagrante abuso de autoridade e violação dos direitos
humanos – levando ao GGB, quando informado destes excessos, protestar
diretamente junto à direção dos respectivos estabelecimentos. Também neste caso,
"educamos" as vítimas a evitar quejandas situações de risco, pois por mais liberais
que sejamos, sanitários públicos não se destinam à realização de práticas sexuais.
Também ocorre “paquera” e práticas homoeróticas discretas no Conjunto
Comercial Fundação Politécnica, no Mercado Modelo (subsolo), no Sanitário e
banheiro Público da Feira Água de Meninos (com 24 duchas sem portas), no
Sanitário da Praça do Reggae no Pelourinho, etc. Há gays que garantem "fazer"
divinamente nos sanitários do estádio de futebol Fonte Nova, especialmente nos
dias do clássico BahiaxVitória...
1. Boite Caverna
R. Carlos Gomes, 616 - Centro
A boite fica no subsolo de um edifício misto comercial-residencial. Descendo
alguns degraus das escadas deste prédio, chega-se à entrada da discoteca onde há
um pequeno balcão que funciona como recepção, no qual um porteiro atende ao
público, para cobrar entrada e conferir identidade dos jovens que desconfia ser de
menor idade. Nas paredes da entrada, ainda do lado de fora, um mural permanente
exibe diversos cartazes de prevenção da Aids e direitos humanos para gays de
autoria do Grupo Gay da Bahia. Ultrapassada a porta de entrada, um pequeno
corredor escuro, com paredes estofadas de preto conduz ao salão da boate, cujas
103
Hooker, E. "The Homosexual Community", in W.Sikmon (ed) Sexual Deviance,
News York, Harper and Row, 1967.
paredes são todas revestidas com espelhos. Um pequeno palco acortinado, um
balcão de bar, um pequeno reservado onde fica o DJ e a pista de dança (6X6)
compõem o cenário. Na extremidade esquerda, ao lado do palco fica o único toalete
da boate: dentro deste banheiro, um mictório e pia externos e num compartimento
fechado, a privada, onde sorrateiramente entram alguns pares para fazer sexo.
Nos fins de semana esta boite é o ponto preferido de diversão das travestis,
que se aglomeram na escadaria e na calçada em frente, atraindo a atenção dos
pedestres e motoristas que passam pela rua Carlos Gomes. É o espaço de lazer de
maior concentração de gays e travestis de classes mais populares.
Vários michês são logo notados, quer na porta, quer dentro do salão, se
insinuando abertamente, alguns chegando a ir ao sanitário, com olhares de
“convite” para os gays com quem flertaram. O movimento de entra e sai de casais
dentro deste sanitário é intenso.
Esta boite está em funcionamento desde 1969, chamando-se originalmente
Bizarro: funciona de sexta feira a domingo, das 21hs às 7hs da manhã, cobrando
R$3,00 pelo ingresso. Segundo nossa própria observação e avaliação do
proprietário, os frequentadores da boite apresentam as seguintes características
demográficas: 60% negros, 30% mestiços e 10% brancos. Quanto a seu perfil
sócio-econômico: 90% de classe média, 8% de classe baixa e 2% de classe alta.
Tem lotação máxima de 220 pessoas e a presença semanal de aproximadamente
550 frequentadores. O momento de maior movimento da boite é às duas horas da
madrugada do sábado para o domingo, quando transformistas apresentam shows de
variedades. Seu proprietário é quem mais reclama do baixo número de preservativos
fornecidos mensalmente pelo GGB para distribuição entre os clientes, alegando que
em se tratando de população menos abastada, deveria ser mais assistida.
3. Conexão
Beco dos Artistas, 15 - Garcia
"Beco dos Artistas" denomina uma pequena viela que sai da Rua Leovigildo
Filgueiras, próximo ao Campo Grande e Teatro Castro Alves, e se dirige a um "cul
de sac" com pequenas casas residenciais dos dois lados da rua. Desde os finais
dos anos 70 é aí onde se concentrava o maior número de estabelecimentos gays da
Bahia, embora nos últimos anos observe-se também aí nítido processo de
"heterossexualização" tanto do espaço quanto de seus frequentadores. O precursor
dos bares gays deste logradouro foi o Cactus, de um francês conhecido como Pierre.
O Bar Conexão tem o ambiente um pouco mais fino e requintado do que o dos
bares vizinhos, decorado no estilo dos bares europeus. Diversas mesas com 4
cadeiras ocupam todo o espaço do salão único; nas paredes, cartazes emoldurados
com gravuras de artistas de cinema. No balcão do bar, folhetos, cartilhas e jornais
do Grupo Gay da Bahia e Centro Baiano Anti-Aids. Lotação máxima: 150,
recebendo semanalmente uma média de 400 frequentadores.
Do lado direito do balcão, um lavabo com espelho se bifurca em dois
sanitários, masculino e feminino, que por estarem próximos ao balcão, são
controlados pelo pessoal da casa, inibindo a utilização destes espaços para
encontros íntimos. Os frequentadores deste bar são em sua maioria universitários,
jovens artistas plásticos, gente ligada ao teatro. A proprietária não é homossexual e
mantém bom contacto com os diretores do GGB, já tendo aberto este espaço para
exposições por ocasião das comemorações da semana do Orgulho Gay.
A música na maioria das vezes, clássica, ou MPB, proporciona um ambiente
tranqüilo, que facilita o namoro discreto. Este bar é freqüentado sobretudo por
brancos (50%) e Mestiços (40%), dominando clientela de classe média (80%). Abre
todas as noites, a partir das 20hs: a idade dos frequentadores varia de 18 a 50
anos, sendo 90% gays, 5% lésbicas, 4% de heterossexuais e 1% de travestis.104
4. Charles Chaplin
Rua Carlos Gomes, 140 - Centro
Esta boite funciona desde 1990: é o principal reduto de lésbicas da Bahia. Logo
na calçada, um grande portão de ferro dá entrada ao estabelecimento, com um
segurança que faz o papel de recepcionista. O bar fica no primeiro andar, que é
alcançado por uma estreita escada de cimento que dá diretamente num salão com
aproximadamente 4 metros de largura por 10 de comprimento. Um longo balcão é
ocupado por três atendentes, um dos quais percorre as mesas que ficam encostadas
nas duas paredes deste longo salão. Decoração simples, calor sufocante apesar dos
quatro ventiladores colocados nas paredes.
Na extremidade do salão, ao lado direito, aproximadamente à meio metro de
altura, há um pequeno palco em formato de coreto onde duplas ou grupos de
cantores se intercalam com o som da discoteca. No fundo, dois sanitários sem
especificação de sexo.
A concentração de pessoas é muito grande, sobretudo nos finais de semana:
beirando duas centenas de "entendidas/os". Casais de lésbicas e de gays dançam
e namoram livremente, trocando carinho sentados nas mesas e pelos cantos, alguns
se beijam acaloradamente. A prática de sexo é praticamente impossível, pois as
portas de entrada nos sanitários ficam de frente para o salão, inibindo a entrada de
mais de uma pessoa.
Como antecipamos, trata-se do local de maior concentração de lésbicas de
Salvador, mais da metade dos clientes (54%). Predominam os mestiços (75%) e
negros (20%). Também são majoritários os frequentadores de classe média (48%) e
baixa (40%): segundo avaliação dos proprietários e de diversos frequentadores,
apenas 2% dos clientes poderiam ser identificados como de poder aquisitivo
104
Ao concluir a redação deste livro, em agosto/2000, este bar havia fechado suas
portas por "cansaço" da proprietária, sendo re-inaugurado pelos mesmos proprietários
superior. Por volta de 600 pessoas frequentam semanalmente a boite Charles
Chaplin. Infelizmente nota-se certa resistência da proprietária em afixar nas paredes
cartazes alusivos à Aids e aos Direitos Humanos dos homossexuais.
da Sauna Persona.
Situada no bairro da Gamboa, a Holmes funciona de quinta a domingo, a partir
das 22horas, até as 6hs da manhã. Preço de entrada: $5,00 a R$7,00, congregando
clientes que vão dos 18 a 60 anos. Predominam os gays: 80%, incluindo 10% de
lésbicas, 5% de travestis e 5% de heterossexuais. Os mestiços representam 70%
dos clientes, seguidos de 20% de brancos e 10% de negros. Quanto à classe social,
calculam-se em 5% os provenientes da classe A, 80% da classe B e 15% da classe
C. Lotação 400 pessoas, com uma freqüência média semanal de 1200 pessoas. A
Holmes foi a única boite gay de Salvador a instalar um “dark room”105 onde os
frequentadores podiam beneficiar-se das facilidades da escuridão a fim de dar vaza
a suas fantasias homoeróticas: após alguns meses de funcionamento, segundo
informou-nos a proprietária da boite, viu-se compelida a fechar esse espaço por
notar que atraía marginais que aproveitando-se do escuro, surrupiavam dinheiro ou
jóia dos incautos.
7. Touchê
Rua Belo Horizonte – Barra
Tem como característica ser ao mesmo tempo "Bar e Creperia". Situado
defronte da pracinha da igreja da Barra, num bairro de classe média alta, esse
estabelecimento ocupa espaço reduzido (8x5). Luz e músicas suaves, estilo
europeu. As mesas são colocadas do lado de fora da calçada, quatro delas debaixo
de um toldo alaranjado. Avaliamos que os gays e lésbicas representam
aproximadamente a metade da clientela, em sua maioria jovens brancos, de classe
média alta e de comportamento ultra-discreto. Sobretudo no verão nota-se a
presença de vários turistas estrangeiros. Funciona de terça feira a domingo, das
15hs à meia noite, sendo a partir de quinta feira seu maior movimento. Com
capacidade para 45 pessoas, congrega semanalmente por volta de 250 clientes,
20% gays, 40% lésbicas e 40% heterossexuais. Os clientes de classe alta
prevalecem: 60%, seguidos de 30% da média e 10% da baixa. Predominam
frequentadores entre 20-30 anos.
8. Off Club
105
Mendes-Leite, Rommel & de Busscher, P. Back Rooms: Microgéographie des deux
Back-Rooms Parisiennes. Paris, Cahiers GKC, n. 37, 1997
Rua Dias Dávila, 33 – Farol da Barra
É a mais nova boite GLS de Salvador, em estilo moderno e decoração
sofisticada misturando mármore, madeira e vidro. No andar térreo, um hall de
entrada encaminha para um grade salão ocupado por mesas e sofás, tendo ao
fundo um bar com balcão e pista de dança. Uma escada de madeira conduz ao
mezanino, composto por um palco onde se apresentam shows de drag-queens,
gogo-boys e variedades. Diversas mesas circundam o balcão do bar, situando-se ao
fundo a pista de dança separada por uma porta de vidro. Abre de quinta feira a
domingo, das 21hs às 5h da manhã. 80% dos frequentadores são gays, 10%
lésbicas e 10% heterossexuais: travestis e transformistas raramente visitam o
estabelecimento, nem como clientes, nem como artistas. Os brancos representam
por volta de 60% dos clientes, 30% mestiços e 10% negros, predominando jovens
de classe média e alta. Lotação até 500 pessoas, passando aí semanalmente por
volta de 1500 clientes. Situa-se ao lado de uma sauna, o que facilita aos casais
interessados em manter relações sexuais.
9. Red Blue
Avenida Pinto de Aguiar, 24 Patamares
Trata-se de uma casa de praia adaptada em bar, com amplo jardim tropical,
com quiosques rústicos que servem de bar. Situa-se na orla, no bairro de
Patamares. Lotação máxima até mil pessoas. Frequência semanal de
aproximadamente 500. Primitivamente chamava-se Bar Ancoradouro, constando sua
indicação no Guia Gay da Bahia desde 1992. Mudando de proprietário em 1999,
passou a ser chamado de Red Blue.
Na frente do imóvel, um muro alto de aproximadamente 2.50, com um portão
estreito de madeira, a única entrada. Ao lado deste portão um pequeno guichê, para
compra do ingresso, cujo valor varia de R$3,00 a 5,00. No interior do jardim, do lado
esquerdo, encontra-se a pista de dança, que ocupa o espaço de uma antiga
garagem, coberta com telhas de eternit. Caixas de som nas paredes, banco circular
de cimento e luzes apropriadas formam o ambiente. Na parte dos fundos do salão,
um grande mural com cartazes do GGB, GLB e GAPA. Um pouco mais atrás situam-
se pequenos sanitários masculino e feminino, que devido à proximidade do balcão
da administração, não permite sua utilização para encontros a dois. Mesas e
cadeiras se espalham pelo jardim, em derredor de um palco revestido de madeira.
As pessoas namoram, e se beijam naturalmente, lado a lado com casais héteros,
ambiente de respeito.
Funciona de sexta feira a domingo, das 19h às 5h da manhã. A idade dos
frequentadores varia de 18 a 60 anos, sendo 40% brancos, 30% mestiços e 30%
negros. Segundo nossa observação e avaliação dos proprietários do
estabelecimento, predominam clientes de classe média (70%), seguidos de 29% de
classe alta e 1% de classe baixa. Gays e lésbicas representam cada grupo 40% dos
clientes, sendo 10% de héteros; raríssimas as vezes alguma travesti procura tal bar.
É indiscutivelmente o espaço de socialização GLS mais amplo e confortável da
Bahia.
SAUNAS
106
Berube, Alan. The History of the Gay Bathhouse", op.cit.; Rumaker, M. A Day and
Night at the Baths, op.cit.; Styles, J. "Outsider/Insider: Researching Gay Baths",
Urban Life, 8 (1979), p.135-152.
56% em 1999 107, não registrando-se até o momento nenhum homicídio de gay
dentro de uma sauna. Nos últimos anos praticamente todas estas saunas
disponibilizam atraentes rapazes de programa que sob o designativo de
massagistas, prestam serviços sexuais remunerados aos interessados.
Enquanto nos últimos anos o número de bares e boates gays vem decrescendo
em Salvador, as saunas tendem a aumentar: 108
1. Sauna Campos
2. Sauna Phoenix
3. Sauna Olympus
4. Sauna Persona
5. Scórpio Thermas
107
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexuais no
Brasil, op.cit.
108
Fonte: Guia Gay da Bahia, Salvador, GGB, 1993; Gay Bahia, Salvador, GGB,
1995; Bahia GLS, Salvador, GLS-Turismo, 1997; Guia Gay da Bahia, Salvador,
GGB, 2000.
6. Space New Relax
7. Centro Estético Rio's
1. Sauna Campos
Rua Dias Dávila, 25 - Farol da Barra
É a mais antiga sauna de Salvador, fundada em 1978. Situada numa das áreas
de maior concentração de restaurantes e bares do bairro da Barra, o "Centro de
Estética Campos" tem fachada discreta, com um toldo verde na entrada e o nome
escrito com pedras no calçadão. A porta de madeira da entrada permanece sempre
aberta, dando para uma espécie de átrio na extremidade do qual há outra porta, em
esquadria de alumínio com vidro, trancada à chave. Na recepção, um grande banco
e um balcão também de madeira, telefone e alguns quadros decorativos. Uma
escada em frente ao balcão da recepção leva ao vestiário.
Da recepção os usuários podem dirigir-se seja ao bar ou ao espaço das
termas, incluindo uma sauna seca e duas a vapor, chuveiros e sanitários. No bar,
com pouca iluminação, há um balcão de aproximadamente 3 metros, quatro
espreguiçadeiras e seis mesas com cadeiras, tudo em material plástico, além de um
aparelho de televisão. Um biombo em esquadria de alumínio, em forma de L separa
e esconde o espaço reservado aos banheiros e saunas.
No primeiro andar estão localizadas a sala de vídeo, com um grande banco de
quatro degraus; uma "cabina vip grupal", com uma cama quatro vezes maior que as
camas normais de casal. Esta cabina é das áreas mais movimentas da sauna, com
vários homens fazendo sexo grupal.
Ainda neste mesmo piso há um terraço com plantas e quatro mesas e
cadeiras, à noite com iluminação de néon lilás. Ao lado desta varanda situam-se
mais quatro "cabinas vips individuais". Cada uma com um balde para lixo e papel
higiênico. No vestiário há 60 armários individuais com cadeado. Nos momentos de
visita de campo havia apenas um massagista disponível. A direção desta sauna
reluta em assumi-la como predominantemente frequentada por homossexuais,
recusando material de prevenção dirigido a homens que fazem sexo com homens,
embora a evidência comprove que se trata de um espaço gay.
Esta sauna, com lotação máxima de 50 pessoas e uma frequência semanal de
até 100 indivíduos, funciona de segunda feira a domingo, das 14hs às 23hs , seu
preço de entrada, como a maioria das demais, é R$10,00. Segundo avaliação do
frequentadores entrevistados e nossa própria observação, praticamente a totalidade
dos clientes são homoeróticos, predominando os brancos (50%), depois os negros
(30%) e os mestiços (20%). Quanto à classe social, 20% dos clientes pertencem à
classe A, 50% à B e 30% à classe C. Sábados e domingos são os dias de maior
movimento, tendo como pique das 17hs às 21hs, sobretudo no verão.
2. Sauna Phoenix
Rua Prado Valadares, 16 – Nazaré
"Thermas Phoenix Sauna" existe desde 1989, funcionando como as demais
todos os dias da semana, das 14hs às 23hs. Atrai homens de 18 a 60 anos,
segundo avaliação da direção, 80% dos quais praticantes do homoerotismo. Lotação
máxima 100 pessoas. Frequentada sobretudo por indivíduos da classe média (70%),
distribuídos igualmente em termos raciais.
Seu espaço externo segue o mesmo padrão das demais termas: uma antiga
residência de classe média com muro alto, algumas plantas na entrada do pequeno
hall, protegido por uma porta de segurança que dá entrada para a recepção,
contendo o balcão, telefone e fichário. Ao lado esquerdo uma porta dá passagem
para uma sala que serve de vestiário, com um grande espelho, um console com
escovas, secadores, pentes e desodorantes, um balde para lixo e outro para toalhas
usadas. Dentro dos armários individuais encontram-se duas toalhas secas e um
sabonete, tudo lacrado dentro de um saco plástico.
O vestiário dá entrada à sala de TV , contendo dois sofás, duas mesas de bar
com cadeiras e o aparelho de TV num suporte no alto da parede. Uma porta no
final desta sala dá acesso a um pequeno jardim de inverno. Ao lado esquerdo há
outra porta que leva à sala de leitura, com um pequeno estofado e uma banca de
metal com algumas revistas, inclusive material sobre sexo seguro produzido pelo
GGB. Na outra extremidade desta sala uma escada leva à saleta de vídeo, dispondo
de dois bancos grandes em forma de arquibancada e algumas cadeiras. No corredor
contíguo localizam-se seis “cabinas vips”, apenas uma com um colchão de casal: a
luz bem fraca mal permite distinguir os vultos que perambulam pelo ambiente.
Voltando ao piso térreo, ao lado do bar, uma escada leva ao subsolo, onde
estão cinco chuveiros coletivos sem divisões, defronte dos quais situa-se a sauna a
vapor que comporta dois ambientes divididos por vidro blindex, no interior da qual
há o tradicional banco de azulejo em forma de L. Ao lado dessa sauna está a
sauna seca com banco de madeira com três andares.
Ainda no subsolo, defronte da escada, numa passagem que conduz ao salão,
há uma estante tubular com revistas e um aparelho de TV exibindo o mesmo filme
que passa na sala principal de vídeo, três mesas de bar com cadeiras; duas
espreguiçadeiras, um jardim de inverno, uma saleta com alguns aparelhos de
musculação e duas cabinas para massagens. Dois massagistas fixos atendem os
interessados.
As pessoas transam descontraidamente nas cabinas, aos pares ou em grupo.
Alguns fazem pegação na sauna a vapor e se paqueram nas salas de vídeo,
dirigindo-se a seguir para as cabinas.
3. Sauna Olympus
Rua Tuiuti, 183 – Aflitos
A fachada é comum: um muro alto com um portão de ferro, que permanece
sempre aberto. Um pequeno hall dá entrada a uma saleta de recepção, com um
balcão em formato “L”, em concreto, com cinzeiros, panfletos do GGB e outros. A
decoração se inspira na Grécia antiga.
Uma saleta interna funciona como área de circulação e dá acesso à escada
que leva ao primeiro andar, onde está o bar, a sala de revistas e o vestiário com
oitenta e cinco armários para os clientes, onde além de um grande espelho há uma
prateleira contendo escovas, pentes, desodorantes e um secador de cabelos. A sala
de leitura fica defronte do balcão do bar, contendo uma estante em ferro com
várias revistas eróticas e outras, uma mesa redonda com quatro cadeiras, nas
paredes alguns quadros de celebridades e outros. Ao lado situa-se a sala de
massagens.
Em nível um pouco inferior está a sala de TV, com três mesas redondas com
cadeiras e diversos aparelhos de musculação: bicicleta, mesa-supino e tábua para
abdominal. Quatro degraus levam a uma tablado contendo duas espreguiçadeiras e
outro monitor de TV, sempre sintonizado na ”MTV”. No final desta sala, atrás de
uma meia parede localizam-se quatro chuveiros, os sanitários, a sauna seca com
bancos de dois andares e uma pequena fornalha. A sauna à vapor ocupa o dobro
do espaço da anterior, sendo comum a intimidade sexual entre dois ou mais
homens na penumbra.
No andar superior, a escada termina em frente à sala de vídeo (privê), com um
biombo em fórmica que impossibilita a visão de quem sobe, protegendo a
privacidade de alguns rapazes que se masturbam indiferentes a quem sobe ou
desce. Ao lado desta sala, seis cabinas vips, com colchonete e papel higiênico.
Nestas cabinas há indivíduos que transam de portas fechadas, outras deixam-na
aberta, dispondo do recurso de apagar a luz afim de ficar o ambiente na penumbra.
Há uma média de 4 a 5 massagistas, extremamente gentis, à disposição para
contatos íntimos, inclusive transar nas cabinas com porta aberta.
4. Sauna Persona
Rua Junqueira Aires, 230 – Barris
Esta sauna foi fundada em 1999. Situa-se numa casa discreta e limpa, com
plantas na frente e uma pequena varanda que dá acesso à saleta de recepção,
onde atrás de um balcão de madeira atende o recepcionista. Uma porta dá
passagem ao vestiário, contendo 80 armários com cadeado, contendo em seu
interior um preservativo, folhetos do GGB, um sabonete e duas toalhas.
Em frente ao vestiário há um sanitário completo e ao lado, uma grande suite,
com porta fechada, que funciona como sala de massagens. Uma outra sala
contígua contém pequena cabina destinada ao mesmo fim. Ao lado situa-se a sala
de vídeo com dois grandes bancos de madeira. No fim do corredor localizam-se
cinco cabinas com colchonete no chão. Ainda neste andar superior está o bar,
metade coberto, metade ao ar livre, com plantas, arbustos e mesas plásticas com
cadeiras e alguns aparelhos para musculação.
No térreo está localizada a saleta de leitura, com revistas gays e material
informativo produzido pelo GGB e GAPA sobre prevenção e direitos humanos. Ao
lado direito estão cinco chuveiros, e do lado esquerdo, a sauna seca. Pequena
varanda separa esta da sauna a vapor. Durante as visitas notamos alguns homens
se masturbando na sauna a vapor e na sala de vídeo. O ambiente é de pouca
transa e pouca conversa.
Como as demais saunas, também esta funciona de segunda feira a domingo,
das 15hs às 23hs. Predominam entre os clientes os mestiços e brancos,
comportando a lotação máxima de 80 pessoas e uma frequência semanal de
aproximadamente 230 pagantes. Cinco massagistas perambulam pelos diferentes
espaços à espera de clientes.
5. Sauna Scórpion Thermas
Rua Augusto França,22 - Dois de Julho
Como a anterior, também esta sauna foi aberta em 1999. Tem capacidade
máxima de 50 pessoas, com um movimento semanal de 200 a 300 indivíduos.
Segundo nossa observação e depoimento do pessoal do próprio estabelecimento,
80% dos frequentadores pertencem à classe média, predominando os brancos
(50%) e pardos (30%). Público exclusivamente homossexual.
Uma casa tradicional, numa rua residencial, com pequeno estacionamento de
três vagas para os clientes. Como as demais saunas de Salvador, também esta
situa-se numa antiga casa residencial de dois andares. Uma varandinha dá acesso
à recepção, com um pequeno balcão redondo e algumas colunas gregas. Uma
ante-sala conduz ao vestiário, com 50 armários e diversas cadeiras de plástico.
Logo a seguir encontra-se o bar, com uma porta no final que conduz a um
pequeno hall defronte do qual está a sauna seca, e mais à esquerda a sauna a
vapor, onde podem ser vistos alguns homens que se pegam e se chupam. Um
banheiro com quatro chuveiros, um lavabo com espelho, e um pequeno sanitário
completam o espaço superior.
No primeiro piso, no topo da escada, há uma fonte com um anjo vertendo
água do seu cântaro. Ao lado da escada, uma pequena área com duas mesas e
algumas cadeiras de bar, e logo a seguir, a sala de vídeo com uma baqueta de
metal e um grande estofado em formato L com dois andares. Saindo desta sala
estão três cabinas-vips, e mais adiante, um sanitário social. Através da outra
passagem vai-se da ante-sala até o bar-restaurante, e mais além, a sala de
revistas; no fim desta encontra-se a sala de massagens.
Numa de nossas visitas, na sauna seca notamos a presença de um
massagista se masturbando, insinuando-se para dois clientes e sem se importar com
a presença de estranhos, transaram ali mesmo: o cliente chupou o massagista sem
camisinha, depois fizeram sexo anal com preservativo. Noutra ocasião, um
massagista transava com um gay cinqüentão, o qual gritava sabe-se lá se de dor ou
de prazer. Posteriormente o massagista alardeava, feliz, que a "tia" havia lhe dado
R$50,00 além de dois drinks oferecidos no bar.
Cinemas
1. Cine Astor
Fundado em 1955, situa-se num dos mais antigos logradouros da velha São
Salvador, na Rua Tomé de Souza, na mesma calçada da vetusta igreja de Nossa
Senhora da Ajuda. Funciona diariamente das 12h30 às 20hs, cobrando R$4,00 pela
entrada. Só exibe filmes (hetero)eróticos, com censura de 18 anos, predominando
público jovem, na faixa etária de 18 a 25, em sua maior parte mestiços e negros
(90%) de classe média (80%) e baixa (15%). Segundo nossa observação e cálculo
de diversos frequentadores entrevistados, 80% da clientela é constituída por
homossexuais. A lotação máxima desta sala é de 429 pessoas, mantendo uma
média semanal de 1200 frequentadores, com maior concentração às segundas e
sextas feiras.
Como nos demais cinemas de pegação 109, o sexo acontece em todos os
espaços internos, exceto no hall de entrada. Sentados lado a lado, ou mesmo um
sentado na poltrona e outro ajoelhado no chão, homens e rapazes trocam abraços e
beijos, se masturbam, fazem felação. Nos corredores, as mesmas performances
homoeróticas, não sendo raro ocorrer sexo anal, de pé, alguns mais descontraídos
chegando a arriar parte da calça ou bermuda. Dentro dos sanitários do primeiro
andar, muito voyeurismo, pegação e masturbação recíproca nos mictórios, além de
felação e cópula anal dentro das privadas.
Alguns cartazes do GGB afixados nas paredes dos sanitários lembram aos
presentes informações básicas sobre sexo seguro. Predominam gays e michês,
raramente aparecendo um ou dois travestis à cata de quem deseje transar: segundo
informação da transexual Cláudia, da Associação de Travestis de Salvador, que
realiza semanalmente intervenção neste cinema, distribuindo camisinhas e folhetos
109
Terto Jr, Veriano. No Escurinho do Cinema: Sociabilidade orgiástica nas tardes
cariocas. Tese de Mestrado, Departamento de Psicologia, PUC, RJ
aos frequentadores, a gerência do Cine Astor controla a entrada de travestis,
impedindo o acesso de "bichas mais pintosas para evitar baixaria."
2. Cine Tupy
110
OPAS, Boletim Epidemiológico, 10-9-1995, apud Información General y Plan de
Acción para l996 de ILGA, Grupo de Trabajo en Sida, p.2
111
Boletim Epidemiológico, AIDS. Ministério da Saúde, Brasília, ano IX, n.1,
Fevereiro l996, p.17. Segundo Dr.Pedro Chequer, a frequência de notificações oficiais
entre homo/bissexuais, decresceu de 80% em l985, para 41% em l990 e para 26% em
l995. In “Fifteen years of Aids Epidemic in Brazil: Trends over time and
Perspectives”, XI International Aids Conference, Vancouver, Abstract, vol.1, n.1439,
p.131
112
"Proposta de Estudos e Avaliação da efetividade das ações de prevenção dirigidas
a homens que fazem sexo com homens", Ministério da Saúde, Coordenação Nacional
de DST e Aids, Unidade de Prevenção, julho 2000.
113
Fonte: SUVISA/DIVEP/CE – DST/AIDS. Dados preliminares até 15/08/2000,
sujeitos à revisão.
Distribuição de casos de Aids segundo categoria de
exposição e ano de diagnostico - Estado da Bahia 1984 – 2000
114
Lima, Délcio Monteiro. Comportamento sexual do Brasileiro. Editora Francisco
Alves, SP, l977; Parker, Richard. Corpos, Prazeres e Paixões. Editora Bestseller, RJ,
l99l
115
Spartacus International Gay Guide, Berlin, Bruno Gmunder Verlag, l995;
Mott,Luiz. “Brazil”, in Encyclopedia of Homosexuality, op.cit. Whitan, Frederic. Male
Homosexuality in Four Societies. New York, Praeger, 1986.
116
O Inquérito Kinsey sobre o Sexo. Editora Tecnoprint, RJ, s/d
117
Apesar de a homossexualidade não ser crime no Brasil desde 1821, e já existirem
73 Municípios e 3 Estados onde é proibida a discriminação por “orientação sexual”,
contraditoriamente, o Brasil é o campeão mundial de assassinatos de gays, lésbicas e
travestis: entre 1980-1999, 1830 homossexuais foram violentamente assassinados,
vítimas de crimes homofóbicos. Cf. Mott, L. Homofobia, op.cit.
Hospital Jorge Valente a debater sobre o primeiro caso de Aids diagnosticado na
Bahia, e neste mesmo ano, publicamos duas cartas de protesto no principal jornal
local, A Tarde, contra matérias preconceituosas referindo a Aids como peste-gay.
Em fevereiro de 1985 o GGB divulga seu primeiro texto de prevenção, distribuindo
no Carnaval 5 mil folhetos, "O Perigo da Aids na Bahia", alertando a população
homossexual de como evitar e reconhecer a Aids. A partir de 1986 o GGB assina
convênio com a Bemfam (Sociedade do Bem Estar Familiar), distribuindo a partir de
então, mensalmente, 5 mil preservativos sobretudo junto à comunidade
homossexual.
Data desde então nosso trabalho sistemático e ininterrupto de panfletagem e
distribuição de preservativos na cena gay de Salvador, adaptando para nossa
realidade o que já vinha sendo sistematicamente realizado pelos grupos
homossexuais no exterior.118 Em 1989 o GGB participa da primeira pesquisa sobre
o HIV na comunidade homossexual de Salvador e do Brasil, convênio firmado entre
a Universidade Federal da Bahia e a Universidade de Cornell (NY), com testes
voluntários, sigilosos e gratuitos realizados na própria sede da entidade. Em 1990 o
GGB funda o Centro Baiano Anti-Aids, participando de um programa semanal sobre
Aids na Rádio Sociedade; neste mesmo ano elaboramos a primeira cartilha no
Brasil sobre Aids para cegos em baile. Em 1991 o GGB abre o primeiro posto de
prevenção da Aids para travestis no Pelourinho. Em 1992 realiza uma exposição de
cartazes sobre o tema: “O Erotismo na prevenção da Aids", dando continuidade aos
testes de HIV na sede da entidade, com apoio da Universidade de Cornell: neste
ano o GGB participa pela primeira vez do Seminário França/Brasil em Salvador,
produzindo o primeiro cartaz sobre Safe-Sex dirigido à comunidade gay de Salvador.
1993: exposição de cartazes na Casa de Benin: A imagem do negro na prevenção
118
Bolton, R. Mapping terra incognita: sex research for Aids Prevention, an urgent
agenda for the 1990s."in Herdt, G. & Lindenbaum, S, (eds). The Time of Aids: Social
Analysis, Theory and Method. London, Sage, 1992; Bolton, R. et alii. "Gay sauna:
venues of HIV transmission of Aids Prevention?" Poster Abstracts, Volume 2, D415,
Amsterdam, VIII International Aids Conference, 1992; Lindell, J. "Public space for
public sex." in Colter, E.G. et alii. (ed) Dangerous Bedfellows. Policing Public Sex:
Queer Politics and the Future of Aids Activism. Boston, South End Pres, 1996;
Tewksbury, R. "Cruising for sex in public places: The structure and language of men's
hidden erotic word." Deviant Behaviour, n.17, 1996, p.1-19.
da Aids e divulgação do folheto "Aids e Candomblé, dando início a um trabalho
dirigido aos adeptos das religiões afro-brasileiras, atividade que persiste até hoje.
1994: campanha "Camisinha nos Bares", convênio estabelecido com os
estabelecimentos comerciais para distribuição de preservativo nos principais bares
do centro histórico de Salvador. Início do primeiro projeto financiado pelo Ministério
da Saúde para prevenção de DST/Aids junto à comunidade homossexual de
Salvador. Produção do folheto: Como viver positivo. O GGB coordena então o VII
Encontro de ONGs/Aids em Salvador. Em 1995 é publicado nosso primeiro boletim
especial sobe "Travestis", com a fundação da Associação de Travestis de Salvador.
1996 é fundado o Quimbanda-Dudu, Grupo Gay Negro da Bahia, para lutar contra o
racismo, homofobia e promover a prevenção de Aids na comunidade negra.
Publicação em 1997 do boletim, Sexo Oral, o mais completo levantamento sobre os
riscos de infecção pelo HIV através da felação. 1998: o projeto de prevenção junto à
comunidade gay é renovado, sendo aprovado projeto específico dirigido às
travestis, além de projeto de assessoria jurídica aos portadores de HIV/Aids e
minorias sexuais. 1999 divulgação da cartilha "Redução de danos no uso do
silicone" . 2000: o Grupo Gay da Bahia completa 20 anos de luta, celebrando sessão
solene na Câmara Municipal.
Nestas duas últimas décadas, desde o aparecimento da Aids em nosso país, o
Grupo Gay da Bahia além de ter sido a primeira ONG a se preocupar, cobrar ações
governamentais e trabalhar diretamente na prevenção da Aids junto à comunidade
homossexual local e nacional, produziu mais de trinta folhetos, cartilhas, livros,
boletins, jornais e cartazes consagrados a esta mesma problemática: a transmissão
de informações corretas visando a redução da morbi-mortalidade junto às diferentes
categorias de homens com práticas homossexuais. Tivemos igualmente participação
direta na elaboração do Manual do Multiplicador Homossexual, divulgado pelo
Ministério da Saúde em 1996.
A enumeração deste resumo das principais ações e campanhas do Grupo Gay
da Bahia na prevenção da Aids junto à população homossexual tem como escopo
salientar o quanto esta ONG tem se comprometido no trabalho de prevenção das
DST/HIV junto a esta população alvo, disseminando informações corretas de como
evitar a Aids através da adoção de práticas de sexo mais seguro.
Para se ter uma visão mais detalhada de uma das facetas do trabalho de
prevenção do GGB junto ao diferentes segmentos de gays e homens com práticas
homossexuais, assim como junto a outras populações alvo atendiddas pelo Centro
Baiano Anti-Aids, mostramos no quadro abaixo o fluxo de distribuição de camisinhas
entre 1999/2000, incluindo os seguintes nichos: preservativos distribuídos na sede
da entidade no horário comercial, para pessoas de ambos os sexos, predominando
jovens heterossexuais (12%); convênios com diferentes entidades e
estabelecimentos, incluindo saunas, bares e boites gays, diretórios acadêmicos
universitários, etc (21%); convênios com terreiros de candomblé capacitados para
prevenção de DST/Aids junto ao povo de santo (16%); preservativos distribuídos em
intervenções do tipo out reach em espaços públicos e estabelecimentos comerciais
frequentados por público GLS (13,5%); camisinhas distribuídas nas reuniões bi-
semanais na sede do GGB, incluindo oficinas de sexo seguro (3,4%); reuniões
semanais da Associação de Travestis de Salvador (13,5%); reuniões semanais do
Grupo Vida Feliz de Pessoas com Hiv/Aids (1,7%); intervenções diversas em
colégios, sindicatos, associações de bairro, etc (15%).
Mês Sede Conv Cand Interve Reun. Reun. Reun. Diversos Total
1999 ênios omblé nções GGB ATRAS V. Feliz Preser.
Jan 785 2130 1600 850 524 1248 70 1510 17280
Fev 743 1770 1800 1300 366 1044 230 1310
Mar 552 1956 1900 1330 436 1092 144 1410 18720
Abr 851 2250 2202 1412 401 1224 50 1510
Mai 886 2212 1200 1428 264 1764 288 1710 18720
Jun 899 2200 2250 1000 225 684 100 1610
Jul 1394 2611 2000 2028 369 2016 89 1910 26208
Ago 2044 2743 2500 1586 456 2292 157 2010
Set 1369 2356 2500 1526 261 2124 144 2245 25920
Out 2236 2750 2500 1628 474 1512 250 2045
Nov 2171 1790 1331 1334 240 900 144 1336 20160
Dez 1779 2196 1900 1775 348 1272 144 1500
15712 26964 21183 17197 4364 17172 2204 19106 127.008
12% 21% 16% 13,5% 3,4% 13,5 1,7 15%
Mês Sede Conv Cand Interve Reun. Reun. Reun. Diversos Total
2000 ênios omblé nções GGB ATRAS V. Feliz Preser.
Jan 1914 4700 3500 1552 267 2232 90 2670 29808
Fev 3262 2400 2450 1142 363 1996 170 1100
Mar 2468 4250 3500 1432 357 2414 219 2202 29808
Abr 2000 2803 2450 1212 369 2660 310 1162
Mai 2434 2450 3500 1513 627 2933 344 2335 29808
Jun 2121 2756 2450 2266 588 2002 125 1364
Jul 1427 4700 2450 3356 366 950 38 1019 14976
15626 19829 20300 12473 2937 15187 1296 11842 231.408
Folhetos e Folders
1. Calendários com mensagem sobre camisinha (5)
Cartazes
119
Mott, Luiz. "Travestis: a subcultura da violência." Boletim da ABIA, n.44,
Jan/Março 2000, p.4.
Fundamental é insistir na importância da pratica do sexo sem risco também
com o “marido” ou com o “vício”, posto que também entre as travestis há a falsa
idéia de que o amor e a paixão são suficientes para evitar a contaminação pelo HIV.
Repetimos: os materiais para travestis podem e devem ser totalmente explícitos,
com linguagem e imagens fortemente ligados à sua subcultura, podendo inclusive
ser um pouco mais longos e encorpados do que o destinado a outras minorias
sexuais, pois em seus quartos e casas, as travestis têm bastante tempo de ócio que
pode ser consagrado à leitura de cartilhas e livretos.
Como uma boa parte de praticamente todas as diferentes categorias de gays e
homens com práticas homossexuais frequentam algum tipo de hotel, motel ou
pensão, geralmente no centro da cidade ou na região do bairro Dois de Julho e
Avenida Sete, agentes de saúde do GGB realizam todos os anos visita regular aos
proprietários e gerentes de tais estabelecimentos, oferecendo cartazes e livretos
sobre DST, alertando-os da importância de disponibilizar aos clientes preservativos
grátis ou a preços módicos, seja no balcão da portaria, seja quando solicitados por
telefone nos apartamentos, além de instruir aos profissionais hoteleiros sobre
medidas de segurança contra a violência anti-homossexual, enfatizando que em
Salvador há lei municipal que proíbe a discriminação com base na orientação sexual.
De todos os locais da cena gay de Salvador, os cinemas de pegação, e
atualmente, em especial o cine Tupy, representam o espaço mais diversificado e
heterogêneo quanto à presença de diferentes categorias sócio-sexuais, pois num
único espaço convivem lado a lado, gays de todo tipo, bofes, homens com prática
homoerótica sem identidade homossexual, garotos e programa e travestis, sem falar
em eventuais heterossexuais desprevenidos que entraram no cinema apenas para
assistir a um filme pornô sem saber que se tratava de um cinema de pegação - e
que ao serem assediados sexualmente, às vezes topam a parada.
Em ambiente sexualmente tão eclético, considerando que os mais expostos
são os que dentro do sanitário praticam cópula anal - envolvendo sobretudo
travestis com “mariconas”, concentramos nosso trabalho de prevenção nas
imediações do W.C., distribuindo camisinhas a todos que ali entram. Via de regra
nossos agentes de saúde percorrem igualmente os corredores da sala de cinema,
onde gays e bofes se masturbam ou fazem sexo oral, quer nas poltronas, quer
encostados nas paredes, distribuindo preservativos aos interessados. Como
mantemos bom relacionamento com o gerente deste cinema, nossos cartazes são
regularmente substituídos nas paredes do sanitário, estimulando os frequentadores
à prática do sexo seguro e dando oportunidade aos mesmos de irem à nossa sede
buscar preservativos. No hall de entrada o ambiente é propício à panfletagem, tanto
para os que entram quanto para os que saem do estabelecimento.
Ao concluir este capítulo consagrado às dificuldades e direções relativas à
prevenção de DST/Aids junto às minorias homossexuais de Salvador, seria oportuno
frisar que grande parte do sucesso de nossos diferentes programas de mudança
comportamental se devem especialmente à conjunção dos seguintes fatores: a
iniciativa pioneira do Grupo Gay da Bahia, já em 1982, na prevenção da Aids em
nosso país; a solidez de sua infra-estrutura institucional, com sede própria no centro
histórico de Salvador, situada num local privilegiado próximo aos principais espaços
de socialização e encontros sexuais das diferentes categorias homoeróticas; o apoio
regular, nos últimos 10 anos, de projetos financiados seja pelo Ministério da Saúde,
Secretarias de Saúde do Estado da Bahia e do Município de Salvador, seja, em
menor escala, o suporte de outras agências nacionais e internacionais.
Em sua vocação histórica de defensor dos direitos humanos das minorias
sexuais, o GGB vem conseguindo uma proeza digna de nota: a conscientização,
capacitação e organização institucional enquanto sociedade civil de diversos setores
destas populações, sendo inspirador e co-fundador do Grupo Lésbico da Bahia, da
Associação de Travestis de Salvador, do Grupo Vida Feliz de Portadores de Hiv-
Aids, da Associação de Profissionais do Sexo da Bahia, do Grupo Quimbanda-Dudu
de Negros Gays, do Fórum Baiano de ONGs/Aids, além de participação direta,
incluindo pequeno apoio material à fundação de grupos em outros estados
nordestinos, agora reforçados com nossa coordenação do Projeto Somos/Nordeste.
Nestes 20 anos de existência, 7300 dias de militância, o Grupo Gay da Bahia e
Centro Baiano Anti-Aids e demais ONGs associadas não deixaram de lutar um só
dia, sem férias nem trégua. Seu impressionante curriculum e folha de serviços
comprovam que o sucesso de uma ONG se constrói reunindo basicamente os
seguintes ingredientes: lideranças competentes e democráticas; formação de
coordenadores e multiplicadores responsáveis e devotados; seriedade e
cientificidade nos projetos e ações políticas e sociais; transparência e cuidado no uso
de recursos e construção de alianças; criatividade e ousadia. Eis a contabilidade dos
serviços e ações realizados pelo GGB desde sua fundação:
Visitantes na Sede do GGB: 271.076 pessoas
Capacitação de multiplicadores em direitos humanos e Aids: 453 pessoas
Reuniões e oficinas realizadas na Sede: 2.620 atividades
Participantes de reuniões e oficinas de sexo seguro: 52.107 pessoas
Conferências realizadas em Universidades, Escolas, ONGs: 432 atividades
Folhetos e cartilhas produzidos: 47, total de exemplares: 307.000
Boletins e jornais produzidos: 61 , total de exemplares: 25.000
Cartazes: 35, total de exemplares: 52.000
Livros publicados: 8 títulos; total de exemplares: 8.000
Preservativos distribuídos: 1.680.500
Entrevistas em televisão: 128; em rádio: 221
Projetos nacionais e internacionais para direitos humanos e Aids: 32
Matérias publicadas em revistas e jornais brasileiros: 1.632
Matérias publicadas em revistas e jornais no exterior: 398
Cartas recebidas e expedidas: 20.806
Telefonemas de consulta sobre Aids: 2.341 e direitos humanos: 5.899
Participação em comissões e reuniões governamentais: 78
Realização de Encontros e Congressos Nacionais: 5
Participação em congressos nacionais e internacionais: 48
Assessoria jurídica em direitos humanos e Aids: 728 atendimentos.120
2 – CAAASAH
Rua Artur Bernandes, 10, Dendezeiro 40.240-000 - Tel: 312-7655/313-1295
6 – HIVIDA
Av. Sete de Setembro, 2231, apto 702, Vitória 40.120-080 - Fax: 230-5049
7 – PROJETO AXÉ
Rua Professor Lemos de Brito, 184, Morro Gavazza 40.140-090 - Tel: 243-5374
9 – SOCIEDADE 1º DE MAIO
Rua Nova Esperança, 1, Novos Alagados, Plataforma 40.717-180
Tel: 398-1190 Fax: 398-8361
10 – UNEGRO
Rua Frei Vicente, s/n, Pelourinho 40.030-125 - Tel/Fax: 321-9922
11 – BEMFAM
Av. Sete de Setembro, 2759, Ladeira da Barra 40.130-000 - Tel: 336-2952
12 – OLODUM
Rua Gregório de Matos, 22, Pelourinho 40.025-060 - Tel: 321-5010