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o SEGREDO DO INDlvfDUO

o INDWfDUO E SUA MARCA

o semimcmo de identidade individuaI acentua~se e difunde-se am- A ORlGINAllDADE


plamente aa longo de rodo 0 século XIX. A historia do sistema de dena- DA DENOMlNAÇÀO, OU
minaçao fornece um prlmeiro indicio. 0 processo de dispersâo dos pre- "UM NOME PARA SI"
nOffil:S iniciado no século XVlll prossegue; contradiz 0 movimemro de coo-
centraçao ddiberadamente encorajado pela Igreja da Reforma Catôlica,
desejosa de valorizar 0 exe-mplo dos principais santos. Neste dc.minio, a
Rtvoluçào naD constitui urna verdadeira ruptura; no maxima da desem-
penha 0 papel de acelerador.
Aù longo de décadas, ciclos mais ou menos curtos, eSlabcleddos pe-
la moda, dao 0 ciuno do movirncnto de dispersao; esta aceleraçao traduz
sUnultaneamemc a acentuada vomade de individualizac, a preocupaçâo
cm sublinhar 0 cocte das geraçôes e 0 desejo de adaptar-sc à nova norma,
sugerida pelas classes dominantes. Corn efeiro, a moda d e cettos peeno-
mes propaga-se verticalmeme, da acÎstoccacÎa para 0 povo, da cidade para
o campo. A precisao e complicaçao crescemes da hiecaequia social favoee-
cern a transmissao d e tais modas por capilaridade. .
Ao mesmo tempo, as regcas d e tcansmissao familiar dos nomes pcc-
dem sua auroridade. A escoUla do prcuome do padrinho ou da madri-
nha, ou seja, rradicionalmeme, de um dos av6s, um rio-avô ou uma tia-
11.0 rednir Of ClIJIOJ tU fotogrofo
av6, a passagem do prenomc do pai ao filho primogênito ou do avô fale-
proJtn:.id3 em Jin·e, DiJdin p ermÙù.
cido ao neto cecém-nascido constituem, cspecialmeme no campo, impe- o "ulgrnizo;iio do retrolo. Com
rativos cujo declinio certamcmc nao convém exageeac; nern poc isso dei- ete, 0 ur/Jo de 11I!;14 toma·fe mllù
xam de sec contcaeÎados pelas novas praticas em ascensâo. 0 cnfraqueci- insùlewte; pouce queur figuror
mento das regras de rransmissào famïliar traduz 0 definhar das virtudes no ilbum de fomü;a. A pofe
hceedicirias e ao mesmo tempo vaticinadoeas do peenorne. A peeda da fotogriftU, oqu; elabormlfuima,
en/fll1l0f proCl!dimenlos
fé na exisrência de urn patrimônio de cararer cransmitido pela denomi-
de sofùlicopo do apmenUlÇ40
naçao evidentemente trabalha a favoc do individualismo. de si t1mfTJ(). (DiJdin·, Ûltes
Quando peedura a familia de estrutura complexa c a pobeeza da de visite: groupées. Pon!, Bibliolec.;
gama dc pecoornes agrava os riscos de confusao, 0 sisrema denomina- NlICio"J.. )

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o JEGIiED(l IXlINIJwfl>uO 423

difundem os pcq ucnos cspclhos para qUt· as mu lhcrcs c moças pos·


sam contemplar seus rostos; mas as aldcias ignoram os espclhos em
que se vi:. a corpo inteiro. Entre os camponeses, a identidade corporal
continua a ser lida nos olhos dos OUtrOS, a reveJar-se por meio da escuta
de urna percepçao intcrior. "Coma viver em uro corpo que nao se viu",
em seus menores detalhes?, indaga Véronique de Nahoum; eis aî uma
questao que é preciso colocar para os bisloriadores da sociedade rural.
Entao compreendem-se melbor as interdiçôes que pesaro, cm tal am-
biente, sobre 0 uso do espclho: apresenra-Io a um hebê pode deter
seu crescimento; deixar um espelho descoheno depois de urna morte [raz
azar.
Nas classes abastadas, 0 codigo de boas maneiras proibira por muito
tempo que uma moça se admire nua, mcsrno que seja através dos reflexos
de sua banheira. Hâ pos especiais corn a mÏS5ào de [Urvar a âgua do ba-
nho, de forma a prevenir tal vergonha. 0 estîmulo erotico da imagem do
corpo, exacerbado por semelhante proibiçâo, freqüenta esta sociedade que
enche os bordéis de espelhos antes de pendu râ-Ios, tardiamente, na porta
do armârio nupcial.
No final do século, a difusâo citadina desre ambîguo m6ve! permite
a organizaçâo de urna nova identidade cu l[U ral. No indiscreto espe!ho a
beleza desenba para si uma nova silhueta. 0 espdho de corpo inteiro au-
torizara a afloramento da estética do esbelto e guiara 0 nutricionismo por
novos rumos.
Nao menos essencial é a difusao social do retrato, "funçao direra", A DEMOCRATIUçAO
observa Gisèle Freund, "do esforço da personalidade para afirmar-se e DO RETRAIO
tomar consciência de si mesma' '. Adquirir e aflXar sua pr6pria imagem
desarma a angustia; é demonstrar sua existência, registra! sua lembrança.
Bem encenado, 0 re([ato atesta 0 sucesso; manifesta a posiçâo. Para 0 bur-
gu~s, familiarÏzado corn 0 papel de her6i e pioneiro, nao se trata mais,
coma fora outrora para 0 aristocrata, de inscrever-se na cominuidade das
geraçoes, mas de criar uma linhagem; e1e deve partanto inaugurar seu
prestÎgio por meio de seu êxito pessoal. 0 século da comemoraçao é tam-
bém 0 da fundaçâo das genealogias comerciais, orgulhosamente ostenta-
das. Bem entendido, a moda do reuato panicipa do proccsso de imitaçao
par capilaridade, precocemente di!tCernido por Gabriel Tarde; da satisfaz o artiJ/a do final do $&1110,
o desejo de igualdade. Nâo esqueçamos, por fim, 0 papd inovador da lio /ncinado e perlllrbado pela
inlù,ûdade da mlilher Iozinha como
técnica que reproduz a desejo da imagem de si, convenida ao mesmo tem-
al erpeuadouI aOI quail te dirige,
po cm m ercaclori a e cm instru mento de poder. de/eitt1-te cam uleJ tibioI
Tendo sido par longo periodo Oum apanâgio da arÎstocracÎa e da dllplamente o/ert adoI. Opera-te
mais rica burguesia, 0 retrato se difunde c toma-se intimo no fina l enlia, POliro d POIlCO, a idenlificafào
do Antigo Regime; é cntao que uiunfa a miniatura; os pingcntes, os do individuo rom $tll corpo;
Il dtfllI40 do elpe/ho de corpo inle/ra
medalhoes, as cobcrturas de caixinhas de pO facial ostemam os rosros eJ/imlim 0 alumo do narcùùmo.
amad.os. Barbey d'Aurevilly enfalÎza corn quanta fervor as dites da (Djante do cspc:lho, 1890. Parù,
Restauraçao retomam esta moda do retrato-j6ia. Para uma dama do bu- Biblio/eu dal Artu Decoralivt1J.)

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pouco a pouco a vida cotidiana. Milhôes de rcrratos fotograficos djfundi .


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dos e cuidadosamente inseridos cm albuns impôem normas gestuais que i


renovam a cena privada; ensinam a alhar corn nOVQS olhos para 0 corpo,
especialmente para as maos. 0 retraw fotografico contribui para esta pro-
pedêutica da postura objedvada pela escola, ao mesmo tempo cm que
difunde um nOVQ c6digo perceptivo. A arte de sec avô, assim como 0 ges-
to de reflexâo do pensador, obedecem a panic de agora a urna banal en -
cenaçao.
o desejo de idealizac as aparências. 0 rep6dio ao feio, conforme os
cânones da pÎntuca oficial, convergem igualmeme para 0 ordenamemo
do retrato-foto. As rnultidôes da Exposiçao de 1855 mostram-se fascina-
das pela demonstraçao do retoque. Esta técnica difunde-se ap6s 1860; os
traços do rasto se suavizam; manchas, vermeIhidôes, rugas. verrugas in-
convenientes desaparecem das faces lisas, aureoladas por urna artistÎca de-
licadeza. Até no campo, urna nova imagem da beJeza vern ameaçar as noc-
mas impostas pela cultura tradicional.
o album de fotografias da familia delirnita a configuraçao da pa-
rentda e conforta a coesao do grupo, entao ameaçada pela evoluçâo eca-
nômica. A Ïrrupçâa do retrata no seia de vastas camadas da sociedade ma-
difica a vÎsâo das idades da vida, e portanco a sennmento do tempo. As
fotos, comenta Susan Soncag, tambérn coostiruern memenlo mon'. Gca-
ças a elas, fica mais fâcil imaginar sua pr6pria desapariçao; 0 qu~ incita
a lançar mais um olhar sobre os velhos e a reconsiderar a sone que se re-
serva a des.
Esreio da rememoraçâo, a foto renova a nostalgia. Pçla primeira vez,
Dùdi n" e JeUJ dùcipulo! sabem a maior parte da populaçao cern a possib~lidade de representar antepassa-
exaltar igua/mente Il funfiia materna. dos desaparecidos e parentes desconhecidos. A juvenrude dos ascenden-
o eJpaçamento regular do! fi/ho! Deotco do cemîtério manifesta-se a mesma vomade de perpetuar· A PERENIDADE
teS corn quem sc convive no dia-a-dia torna-se perceptivel. Opera-se no DA RECORDAÇ,l.O
permite /JO ar/ùfa deJenh4T lima se, de imprirnir sua marca. Philipe Ariès rclatou 0 tfiunfo da rumba indj·
piramide. &/a reproduz e alarga mesmo processo uma mudança d,as referências da mem6ria familiar. De
vidual e a emecgência do novo culto aos mortos no alvorecer do século
o ~y;Jume da cn"nolin:: ou da! urna rnaneira geral, a possessào simb61ica de outra pessoa tende a canali-
(mquinhaJ, que têm a fllnfiio
XIX. Aqui interessa-nos apenas 0 epitâfio personalizado, procedimeoto
zar os fluxos semimentais, valoriza a relaçâo visual em detrimemo da re-
de disJimular e Iimuluneamente também inteiramente nova para a grande maioria da populaçâo; inédito
laçào orgânica, modifica as condiçôes psicologica<> da ausência. A fota dos
wgenr os ponontes quodtiJ dG apelo à permanência da lembrança. A l-tisr6ria da vulgarizaçào neste dis-
geni/ora. (Colepo Sirot-Angel.) defuntos ateoua a anguscÎa de sua perda e concribui para desarmar 0 re-
curso funerario começa a esboçar-se corn nitidez. Durante a Monarquia
morso causado por seu desaparecimento. de )ulbo, multiplicam-se os epitâfios enalrecendo os mérÎtos do esposo,
o novo processo favorece por fim a vulgarizaçao e a comcmplaçâo do pai ou do cidadao. lnscreve-se sobre a pedra tumular 0 avanço da pn'-
da imagem da nudez. Tende a modificar 0 equilîbrio dos modos de si- tldey. Mais adiante, a cornplicaçao dos cemitérios construldos e a indus-
mulaçao erôrica, a difundir urn nova tempo do desejo; testemunha-o 0 trializaçao dos rumulos tendem a apagar aos poucos rodo 0 discur~o ori, A fOlogTafia iflsm "d" '10 ilbum
prestîgio do "nu 1900". 0 legislador percebeu-o bem depressa: desde ginal e a subsrÎtuf·lo par estere6tipos que os medalhôes-fotografias in - de fomf/it1 conuglle <InCOTIIT flO
1850. urna lei profbe a venda de foros obsceoas na via piiblica. Ap6s 1880, ùmbronça 0 soltdariulode entre
crustados na pedra irao individualizar corn felicidade.
os irmlio!. Qut1l1do 0 j,ida os
a foro de amador suprime 0 intermediario profissional, alivia 0 ritual da Diversos trabalhas mostram que esta evoluçâa operau-se segundo dispersar, 0 instant.itl~o Il'RoTeiecido
pose, abre de par em par a vida privada para a objetiva, a pa'n ir de entao ritmos diferemes e nao deixou de provocar atritas . No cemitério de servira de SUPOTte do unlimento.
avida de imagens întimas. Asnières, obscura aldeia do Ain, 0 primeiro texto runebre 56 surgiu em (ColeçiJo Siro/·Angel)

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1847. Em 1856, a villva de um dignatario, mUlto malvisto por seus conci- de prémios, ao dip loma que sc pendu ra na pan.:dc do sal ào uu da sala
dadâos, manda cereac corn urna balau slrada 0 monumento de seu espo- comum; ou ainda 0 prestigio da decora ...·ao, () tom hagio!;rafiw da rubrica
50. 0 gesto provoca um movimnno de hoslilidade; 0 proprio padre insurge- necroJ6g ica. Para muitos humildes, sera a nova emoçào de k r scu nome
sc ao constatar que 0 marmore ira conservar a Iem brança daquele simples em uma coluna de jornaJ. Qualqucr Ulll pode, ago ra, scc lelllado a ado-
cristâo, quando é Impossfvd saber onde jaz exatamente seu piedoso cria- tar a pose de her6i; ainda que scja apenas no seio do circulo fami liar. on-
dor. Nas pequenas par6quias rurais, a pedra tumular, 0 epitw.o por mui. °
de esta nova pretensâo modifica 0 ambienre. Alé pr6prio gcSlO crimi-
tO tempo continuarào esbarrwdo no sentimenw de igualdade. Em 1840, nosa traduz lai aspiraçâo. lncitado por leituras sobre fundadores, no esti-
Eugénie de Guéein vê-se obrigado a guardar a pomba branca que, no cen- 10 de Plutarco, 0 jovem parricida de Aunay-sur-Odo n escreve, coma se
tro do cemitério de Andillac., celebra a mem6ria de seu irmao Maurice. esuvesse orgulhoso, na primeira linha de suas assombrosas mem6ri as: "Eu,
o surgimento do discurso funecario nestas miniisculas par6quias Pierce Rivière, tendo esuangulado minha mae, minha irmà e mtu iemâo ...".
é acompanhado pela aseensâo da dignidade post mortem: 0 comerciame, o eeajustamento do indivîduo impôe-se corn maioe razâo às autoeÎ - OS LIMITES
Enqlla11lo, nos CUII/linos comtruIdos, aqui, uma vez [alecido, da-se ares. Inversamente, esta nova permanên- dades, que, no inteeioe do espaço publico, passam pouco a pouco do ano- DO PAN6PTICO
a5 formulas estueoliplldas fende", cia do traço favorece a manutençào, e até a ampliaçâo, do boato desa- nimato paea eelaçèies de inteeconhecimcnto. A multidao cada vez mais
Il 5ubJ/iluir os epitôjios bonador. densa e silenciosa que cobee a rua perde sua teatralidade; dissolve-sc cm
p ersona/izados de outrora, fi fo ro no
meda/h30 asugura Il ",unon"a do
Um fio condutor vincula corn efeito todos os procedimentos ·que um ageegado de pessoas corn a pensamento absorvido poc seus interesses
aparincia. &Ia prôficil efimerll tcndem a reforçar 0 sentimento do eu: a tentaçâo de forjar her6is, a privados. Compreende-se que a partie dar se purifiquem os processos de
cotlstitui lima dal mais sigllificalillas hipencofia da vaidade tranqüilizadora. A époea foenece muiras OUtros idemificaçâo e 0 controle social torne-se peeciso.
11Iamfosltlflus do deujo de garantir sinais neste senrido, conforme se verifica a ascenso da meritocracia: a Até 0 uiunfo da Repiiblica (1876-1879), as técnicas de aj ustamento
a Mrenidade da maf"Ca. împonância atribuîda ao ouadro de hanca, ao ritual das distribuiçôcs sâo ainda balbuciames; sua peecariedad e ftxa os limites desta visâo pa-
n6ptica que se auibui, sem d6vid':l corn algum exagero, aos delemores
do poder. 0 Estado civil, secularizado desde 1792, codificado a 28 Plu -
vioso do ano Ill, os ra:en..."CaIIlentos da populaçào e as listas nominais cs-
tabdecidas a cada cinco anos, as listas cleitorais, censiciirias aré 18·18, es-
tc:ndidas ao conjunto da populaçao masculina em março de 1848, c: a se-
guir em seeembro de 1851, constÎtuem as refcrências essenciais do sistema.
Certas categorias sac adc:mais objeto de procedimemos especiais: os ope-
r~iri os, teoricamente su je jeos à caeteira desde 0 Consulado, can eira que
des pr6prios passarâo a ponar desde a lei de 22 de junha de 1854, para
grande prejufzo dos patc5es; os militaees; os domésticos, dos quais se exi-
ge a apresemaçâo de certîficados emÎ tidos pelos empregadorcs prc:ceden-
tes; as mulheres da vida registradas pela Chefatura de Pollcia ou pela ad-
ministcaçao municipal; as crianças abandonadas às quais sc dese je aui-
buir um estado civil cuma (Ueela; os viajantes e, mais especi alm enrc, os
elementos Itinerantes e nômadcs, que devem providenciar passapones antes
d e efetuar suas andanças.
o escudo dos migrantes de limoges, assim como 0 dos viajames qu e
atravessam 0 departamenro de Indre, rnosua claramente qu e a extre-
mada miniicia das exigências é acompanh ada, neSfe panicular como
em muifOs ourros, poe uro grande laxismo, para nao d izer pd a mais
completa anarqu ia. 0 n:conhecimento interpessoal e a mcm6ri a visual
continuarâo por muito taupo a ordenar as listas de migrantes c: de
amoricladcs. Enuetanto, junto corn os progressas d a alfabc ti zaçâo, 0
eecrudescimento de todas estas exigências admin islCativas con u ibui para
dcsenvolver a posse, 0 uso e a decodificaçào dos "papéis" . Nova fami -
liaridade que, avivada pelo a.scenso da peatica do COntralO no seio da
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1fao C01ll0 0 menOI dOlado drJJ
membrO! de In1Ja fomfHa de ",édicol
preJfigioJOI, em cOll frdparJida
Adolphe Berl/Jlon encol//rar;
a n%riedode IIOJ esen/6rios do
ChefolurJ de Policia. ToI eomo por,1
nonos an/rop6logos rio filial do
século - Cesare LDtnbroJO 011 ..

_..
",

PoIllline 1imlovJl.:uio, par exemplo -


o ombienle dos en"minOJOJ forma JeU
labora/6rio. (PariJ. Milieu tU Policil1. ) a..w.o*. ~ ..

e. mais tarde, a panir de 1850, 0 arquivo judiciârio, mantido pela canô-


rio dos tribunaîs.
MEDIDAS 6SSEAS EM No final do século 0 duplo pro blema estâ resolvido; novas técnicas
BUSCA DA MARCA permitem que se atribua a cada indivîduo urna idenridade invariâvel e Ante! que le pratique 0 regùfro
de impreJJôeJ digi/où, 0 ngor
facilmente passlvel de demonS(raçâo. 0 sistema de reconhecimento toma
tkJ medidas 6sJeoJ indicada! por
imposslvel dal por diante a substituiçâv de quem quer que seja. mesmo Bertillon permite a iden/ifieaç4Q
entre gêmcos; eJimina a fa lsificaçao do estado civil. Em urna palavra, in- jlUlieil1/.. 0 a/conce da ducoberto
terd ita a metamorfose. A prôpria bigamia toma-se urna aventura, mais wlrllpaJJt"'; aos POUCOJ a elftra
ainda quando 0 legislador restabcleccu 0 div6rcio. Em contraparcida, aca- do crime e d.:J delinqüéncUt: no ronjunlo
baram os temores devidos à prova impossivel; as dificuldades do coronel do corpo Jocia/a metomorfou
em bfelle Je lomoril imposs1vel.
Chaben penencem agora ao passado.
Em 1876 a polîcia começa a empregar a fotografia; no final da déca-
da. a Chefatura jâ possui 60 mi l foros. É verdade que estas, tomadas de
todos os ângulos e guardadas em dcsordem, têm pouqufssima valia; de
quaJquet rnaneira, nâo permîtem que se desc ubra:t verdadeÎra identida-
de de um fa:sario. Tudo mu da a partir de 1882, corn 0 emprego da iden-
tificaçâo an tropométrica estahelecida por Alphonse Benillon. No momenro
em que a aprovaçâo da lei de 27 de maio de 1885 sobre a reincidência
tornara mais imperiosa a nccessidade da identificaçâo criminal , de prova
que cinco ou seis medidas 6sseas efetuadas corn rigor e conforme um pro-
cedimemo fixo sao 0 baslanre para marcar uro indivlduo.

" ,
434 RI1mDORfS

A btfftdlof/agem, (ul milla ~ao dt: Uilla vast Î~i ma caminhada, baliza -
da pelus trabalhos de Barrud sobre 0 sangue e 0 oda!" individuais, pelas
invc:stigaçoes de Ambroise Tardieu , dt: Quételet e dos m embros da Socic-
dade de t\lllropologia, reinara sem ri vais :né 0 inkio do séçu lv xx. Nes-
te intcrvalo, é aperfeiçoada por seu inventor. que decidc acrescentar os
si nais parr iculares à idcntificaçao ddin ida pelas medidas ôsseas, ajuntan-
do mais tarde a fotografia ao bolctim amropomécrico.
Na vcrdade, a bertillonagcm naD é mais que urna Clapa. Oesde a
inicio do século XX triunfa a idcntificaçâo pelas marcas corporais e mais
precisamente pelas împre:ssôt:s digitais. Esta vdha descoben a chi nesa, uti-
lizada cm Be:ngala pela adminisnaçâo inglc:sa, é apropriada por Galton
que sahe:ra convenccr Alphonse Bertillon a integrar 0 nova dado ao OOle-
{im antropométrico.
Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, os procedimcl1tos destina·
dos aos ddinqüentes e crimÎnosos ultrapassam 0 quadro penitenciario.
A lei de 16 de julho de 1912 os impôe tambérn aos nômades e itineran-
tes, inclusive comerciante:s e industriais do exterior, a posse de urna "car-
ta de identidadc antropornétrÎca' '. Nda figuram 0 nome, sobrenome. data
e local de nascimento, ftliaçâo, descriçâo. Împressôes digitais e a foto do
individuo; reconheceremos nela a antepassada de nossa carteira de iden-
tid ade.
A nova amea·ça que tais procedimentos ruem pesar sobre 0 segredo
da vida privada começ:a a inquietar. Qualldo a questâo alcança seu apo·
geu, a am~opometria desperra a ira dos dreyfusianos e alime:ma um vivo
debate. Entretanto, e revela-se aqui a mesma ansiedade, 0 afluxo de queixas
obriga 0 prefeito Lépine a deixar de exigir das proprierari as de bordéis
. a fotografia das mulheres que freqüemam seus estabdecimemos. Prova-
veImente seria possivel distinguir muÎtos outras sinais desra nova suscetÎ-
bilidadc; Philipe Boutry mosrra também, desde 1860. cm vârias par6quias
do Ain , uma intolerância até entâo desconhecida em reIaçâo a qualquer
violaçâo de atos pessoais por parte dos p regadores. Os pastores, apegados
à batida imagem da " e!oqüente profundcza dos abusos individ uais", sâo
aos poucos obrigados a levar em conta 0 nova espaço privado da vida mo-
ral baseada na autonomia da pessoa.
É f:icil observ-.d.r que , em todas as esferas menci0nadas, urna mudan·
Em selembro de 1894 Il França ça se esboça em torno de 1860 p::.ra ce!inir-se par volta de 1880 . Em resu-
eSla aterroriuda par aten/ados ma, opera-se urna transformaçâo no momento do triunfo da Republica.
anarquu/as. Desta tJez a bUSCil o movimento de individuaIizaçâo que anima 0 século culmina, ao passa
dos indil/ruuas n40 Je bau;" flpenfls que 0 neokamianismo inspira os dirigemes c que: Pasteur impôe a exis·
nll ~mf40. Ji folOgrafia ths sUJpeùos, tênt.:ia do micr6bio. pcnurbador do organismo; este modelo biolôgico, apli.
difundida nas jronuiraJ, é IIm
obJt.uu/o il IIJurp/lftlo da iden/ùiade.
cado ao cam po social, estabelccc que 0 controle do individuo é essencial
(Album photognphiqul:: des à so brevivênCla do grupo.
individus qui doivent êUI:: l'objl::l Ao mesmo tempo. 0 temor da violaçâo do cu e se u segrcdo en-
d'uol:: su['V(:il12ncl:: spéciale 2UX gendra 0 famascÎco dêsejo de decifnl.r a personalidade que sc oculta e
frontières. Paru, MIiJeIi da poIrcw.) de Înt romcter·se na iulimidade dos outras; muda preocupaçâo que cm·
436 BAmOORES o SEGREDO DO INDl vfouo 43ï
basa 0 csnobismo do incognilO, .ui\'a a lcmaçao da cana anônima, com ri- à cumplicidad e das amas ou criadas. Nâo ha motivo para espaoto quan-
bui para 0 prcstigio do voycurismo do fim -dc-sécu lo, cxplica a cmcrgên- do se eccncontram, parucu larmente imeriorizadas pela dite, a1gumas de:stas
cia da pcrsonagcm do detctivc em busca de p istas. Mais ainda que Conan normas que af}oram a parti r das profu odezas sociais, cm peneita harmo-
Doyle, é G aslOO Leroux que restcm unha a nova sensibil idad e e que raz nia corn 0 higienismo cotidiano de médicos bonachôes, panidârios. tam-
nao da identificaçào, mas da p ropri a identid ade do culpado, e de seu dis- bém d es, da posiçâo mediana.
farce, a essência da açâo policiaJ. No polo oposto às crenças antigas inscreve-se a permanência e, em
ccnas esferas, a tendência a acentuae a mensagem cristà baseada no ama-
AS AMEAÇAS DO CORPO gonismo entre a alma e 0 corpo. Desdenhando os lim ites dogmaticos do
desprezo pela carne, desenhados pelo mistério da Encaroaçao, 0 mistério
A AlMA E da Eucaristia e a fé na Ressurreiçâo, uma visao pessimista, refinada pdos
È iDUtil temar compreender 0 semimemo de imimidade que orien-
o CORPO ta a vida privada no sécuJo XIX sem uma reflexâo preliminar sobre esta
Padees da Igreja, notadameme Tertuliano, e retomada tanto por Bossuet
como pelos jansenistas, reduz os despojos monais, fururo pasto dos ver-
permanente dicotomia entre alma e corpo que gera as atitudes de entâo.
As modalidades desta espantosa partilha variarn evidentemente confor-
mes, a urna provisoria peisâo. 0 corpo, que 0 padre de Aes nuoca chama
senâo de "0 cadâver", compromete a alma corn os instintos e impede-a
me a extraçâo social, a nlvd cultural e 0 grau de fervor rdigioso. Por ou-
tra lado, urna sedimemaçào de ceenças nos subsrratos pcofuudos de cada de dcvar-se rumo à parria celeste. Assim se jusrifica a guerra permanente
indivlduo assim coma urna incessante ciccuJaçao das modas e compona- movida contra os anseios, os impulsos orgânicos; se a alma nao modera
mentos entre as diferentes camadas da populaçao semeiam confusâo mes- o corpo, este, tal coma 0 deagao, hâ de Ievamar-se para avassalâ-Ia. Nâo
mo em meio às mais rigorosas anâlises. Assim, é cooveniente n âo perder existe compeomisso pOSSIVel. Este desdobramemo, quase esquizofrênico,
de vista 0 imeincado dos sistemas de rep eesemaçâo que nos, por razôcs embasa os componamemos ascéticos_
didâticas, Îremos diferenciae aetificialmente. Alimentadas pelo crescÏmemo dos efetivos congregacionistas, pda
Muitos ernologos, enue os quais Françoise I.oux, evideociaram a coc- mulciplicaçao dos pensionaws edigiosos e das oedens terceiras, tais prao-
rência e 0 dommio do corpo no seio da sociedade tradiciooaJ. Muito cas, oeiundas de uro passado longlnquo, nâo cessam de cvoluir ao longo
curiosamente, esta parece ignorar a dicotomia à qual aludi. Os peovér- do 5&ulo XIX. Até a alvorada do Segundo Império sobrevive um rude
bios coletados por folcloristas cm fins do século XIX reflerem uma visâo ascetismo, companheiro do rigorismo que persiste. Esta violência
laicizada da existência, que privilegia 0 oegânico. Ddineiam urna moral harmoniza-se corn a imagem do Cristo no G6lgota, e piedosos gravadores
da moderaçâo, constatacn que 0 repiidio à posiçâo mediana, 0 respeito se comprazem eotào em fazer suas feeidas venerem sangue cm terriveis
ao jUStO meio favorecem a sailde e buscam, aqui, um bem-estar mais refi- jacos_ A partir de meados do século declinam as monÛtcaçôes, pouco ade-
nado que 0 prazer. Esta ética brota de um campesinato laborioso, que quadas à feminizaçao da prâtica. A Igreja, que investe na mulher para
vaIociza os fcuros do esforço e desconfia dos pobres, fermemadores de vio- levar a born termo sua reconquista, deve levar cm conta 0 discueso médi-
lências e desordens. Mentalidade impeegnada de pessimismo e resigna- co que sublinha à saciedade a fragilidade das filhas de Maria. Mil peque-
çao, que mantém uma obedieme escuta das mensagens do corpo, basea- nas monificaçôes, mais adaptadas ao !Îtmo dos tempos femininos. subs-
da na convicçâo de que este encontra-se estreitamente ligado à ordem cos- tituem 0 sangue e a dor. lnterioriza-se assim a eenuncia a si mesmo no
mica, vegetal e animal, por toda uma série de correspondências simbOlicas. cotidiano e inaugura-se a comabilidade dos pequenos sacrificios.
A atençâo dcdicada às fases da lua, indicadoe cdeste do cielo feminino, Os disct'rsDS acadêmicos revdam-se mais Înovadores. Em fins do sé-
a ansiosa auscultaçao do discurso do galinheiro quando se apresenta 0 pe- cula XVIII, tem um pape! decisivo neste dominio a difusao na França dos
cigo da mone, a mediçâo do crescÎmemo da ârvore plamada 00 dia do esccitos de Georg Stahl e sua influência sobre 0 pensameDto médico. Quer
nascimento do filho, as proibiçôes que ceccam a gestào dos dejews do or- se prodacnem partidârios do vitalismo montpe!lieriano, do anicnismo ou
ganismo, placenta, fragmentos de uoh15 ou dente caldo, atestam 0 carâ- do organicismo, os médicos da épata, cm sua maiocia, noradamente aque-
ter obsessivo desus ceenças aecaicas. Elas sao acompanhadas poe urna oor- les que, tal como Roussel, daboraram 0 discurso sobre a especificidade
ma higiênica que admite 0 born desempenho das funçoes nattirais, talera do sexo feminino, al in ham-se corn 0 dogma da supeemacia da alma sobre
o arcoto, 0 peido, 0 espirco, 0 suor e os sioais do desejo, assume sem red a- o corpo. A alma, guia, detemora do segredo da vocaçao do corpo, dirige
mar os estigmas da decadência. É um sistema de opinioes e atitudes que sua efetivaçâo. Nâo sao portamo as formas da anatomia, Dem os traços
define uma frente de resÎstência à difusâo da higiene acadêmica e que especificos da fisiologia da m ulher que deteeminam seu carater e justifi-
se insinua. em pérfidos comra-ataques, até no imerioe bur~uês, graças cam sua missao maternai; é a alma que modela simultaneacnente 0 corpo

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440 BM11I>O /ŒS

progressiva identificaçào do sujciro corn 0 corpo; 0 que implica atenua-


mente do desprezo pelo orgânico, pela animaJidade. Pouco a pouco instaJa-
se a so!idào dos apetiles, semidos como sendo os da pr6pria pessoa, e nào
mais coma expressao das exigências de um Outro, a um 50 temp9 amea-
'1 o SliCIŒ/)O IJ(J n·mwfDllo

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Il '
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44/

çador e fascinante. 0 anacronismo psicol6gico espera 0 historiador desa-


"
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tento a esta mutaçào do estatUlO do desejo.
! ~
o LEITO o sécu lo XIX assistiu à continu idade do proccsso dc desamomoa-
'. Il
E 0 QUAR10 mcnto dos corpos, inaugurado nos espaços colcuvos por volta do final do
INDIVIDUA I$
Antigo Regime. 0 lei ta individuaJ , velha norma dos convemos, tomou-
se simples precauçao sanÎtaria, especialmente nos hospitais. De fata, co~
~

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, 1 l',
. ~, .
V .',) ~. 1
mo bem demonstrou Olivi er Faure, a peop6sito do exemplo lionés, a pri-
vatizaçào do espaço reservado ao enfe rmo demorara a trjunfar nestes esta-
beleeimentos, pois contrariava os ritOS da sociabiJidade poputar que se
reconstituia espontaneamente. 0 essencial no que diz respeito ao nosso
objetivo é sobretudo a transferência desta preocupaçào p"ara a espaço p ri-
vado; um processo acele rado pela epidemia de c6lera de 1832, que enfa-
tizou tardiamente os males do amonroamento e da promiscuidade re i~
nantes no seio da habj[açào popuJar.
Estimulados pelas descobertas de Lavoisier e pelo novo emendîmen-
ta do mecanismo da respiraçâo, pe rsuadidos dos benef1cios de urna resee-
va de oxigênio, os médicos luram durante todo 0 século contra 0 Idto co-
JetÎvo e a promiscuidade. Pouco a pouco serao ouvidos. Seria impossivel
superestimar as conseqüências de seu dif1cil triù.nfo. A nova solidâo do
leiro individual conforra 0 sentimemo da pessoa, favarece sua autonomia;
facilita 0 desabrochar do mon610go imerior; as modalidadç:s da prece, as
formas do devaneio, as condiçôes do adorf!lecer e do despenar, 0 desen- No lj1lflrlO JI1/ur.:uIo de objelos,
simb%s de seUl prdZeres, elta
volvimemo do sonho, e do pesadelo, rudo é transtornado. Ao passo que
burgUellI de/eila·Je cam sua friorenta
se atenua 0 ealor da fraternidade e se desenvolve na criança a exigência solirJâo. Ner/Il épocl1, Il lIedaçiio
da boneca ou da confortadora mao .materna. Os médicos 0 deploram: 0 dos/ocuù de infimidade cons/ilui pllnl
p:-azer solitario Bea favorecido. ' muitos umo I1grl1divel nOl/idade.
(Pllni, Bibliofeca daI Arlel
No seio da pequena bu rguesia, pelo menos, avança 0 quarto indivi- DeCQrativuJ. )
dual, objeto da solicirude dos higienistas que ditam os volumes, aconse-
lharn a e1iminaçâo das domésticas e da coupa de cama suja. 0 quarto de illesmo TIll Salpém ere, este inJerno
das mu/huer, In-unft o /ûlo
uma moça, transfonnado em templo de sua vida p rivada, enche-sc de sUn-
indi"ùlllai e eJbofu-se Il pril/l1tizl1flJo
bolos; confunde-se corn a personal idade da ocupante, prova sua autono- do t:Jpayo. (Albut Morand,
mia. 0 pcqueno oratorio no ângulo, a gaiola do passarinho, 0 vasa das la Salpêuièr~ Paris, MUIeu da
flo res, 0 pape! de parede que imita 0 tecido de Jouy, a escrivaninha que ÂJsutêncùl Nb/ica.)
encerra 0 â1bum e a coleçao de canas intimas. talvez a bibli9teca. comr.i-
buem para definir a imagem de Césarine Biroueau ou Henriette .Gérard,
e mais ainda a de Eugénie de Guéri n, cujo d iatio emoa um interminavel
hino ao prazer de ter seu "quarti nho" , igualmeme celebrado por Caro}j~
ne Brame.
442 H.H11IXlh'/..\
o SfO::ElJU DO JNDWfDl'O 44.,

A idîli ca mansarda da cosrureiri nh a, cujo bcm-componado ambienrc


é atestado de vinude, constirui 0 avatar plebeu do modelo. A obrigato-
riedad c de " um quarto para cada um " impoe-se mesmo nas casas de to-
lcrâncÎa fi scal izadas pela polîcia de costumes. No campo, a intimidade
de um esp aço conjugal cxplicita-se pouco a pouco corn a instalaçao de
coninas. de biombos, até corn a construçao de sumarios tabiques, Quan-
do 0 dono da casa decide passa-la a alguém, desenvolvc-sc: 0 uso de reservar-
se um quano no conuato de doaçâo; de garante assÎm a privacizaçlio do
espaço cm que deve passar 0 resto de sua existência.
Paraldameme, a w:sceme intimidade dos locais de defccaçao favo-
rece a busca do mon610go Îmerior, Nos im6veis populaces, a passe da chave
das lauinas inaugura esta familiaridade do excremento, que constitui um
d emenro nlio negligenci avd do avanço da pn'tlocy, Quando, em torno de
1900, difunde-se 0 sanitârio, e mais tarde 0 banhciro, dotado de um soli-
do ferrolho. 0 corpo nu pode começar a experimemar sua mobilidade a
salvo de qualquer intromissao. Este espaço, dessensibilizado ao maximo,
transforma-se no templo cleon ond decent do inventario e da contempla-
çào de si pr6prio.
il HJGIENE Os progressos da higieoe intima efe:tivamc:nte revolucionam a vida
INTIMA privada e as condiçoes da funçao. MGltiplos fatores contribuem, desde os
prim6rdios do s&ulo, para aceoroac as antigas cxigências de limpeza, que
germinaram no interior do espaço dos convemos, Tanta a descoberta dos
mecaoismos da transpiraçlio como 0 grande sucesso da teoria infecciorus-
ta levam a se acenruar os perigos da obstruçao dos paros pela sujeÎra, par.
radora de miasmas. Um pouco mais tarde, 0 fonaJecimento do conceito
de "depuraçao" impOe uma vigilante higiene dos' 'emunctorios" do or-
ganismo. A ceconhecida influêncÎa do fisico sobre a moral valoriza e re-
comenda 0 limpo, Navas cxigências senstveÎs rejuvenescem a civilidade;
a acentuada delicadeza d as dites, 0 desejo de manter à distância 0 dejeto
orgânico, que lembra a animalidade, 0 pecado, a morte. em resumo, os
cuidados de purificaçào aceleram 0 progresso. Este é cstimuJado igua!-
mente pela vantade de distinguir-se do imundo zé-povinho. Tudo con·
tribui para estabdecer uro novo esraroto do desejo sexual e da repulsâo,
que por seu turno aviva 0 impulso das p'"'iticas higiênicas.
Porém, cm contrapanida, muitaS crenças incitam à prudência . A
Aqui Il lame/(: $e,."e de pretexto
agua, cujos efeitos sobre 0 115ico e a moraJ sào superes[Îmados, reclama
pl1r.z" exalla;40 do corpo dll mu/hu,
CM};' perftira depi/Ilfdo i apena;
p recauçôes. Normas exrremamente estritas regulam a pcitica do banho
w m'enciontJ/. 0 hùron;'dor conforme 0 sexo. a idade, 0 temperamento e a profissào. A preocupaçâo
I1mericano Peter G"J" ;ub/inM com de evÎtar a languidez, a complacência , 0 olhar para si , na verdade a mas-
11lz00 0 pape! de$empenhado pela rurbaçào. limita a extensào de tais praricas. A rdaçao na época firmem ente
contemplo{iJo de obr.:; de orte na
estabelec ida entre âgua e estcrilidade dificuha 0 avanço da higiene inti-
educa{iio dO$ Jenfidol d" jUlienlude
bUfEuua. (Benj.zmitt-Eugène Fiche/' ma da mulher.
Mulh~t n:i. tO:i.kt~, 1891. PanJ, Entretamo, 0 progressa esgueira.se aos poucos, das classes supe-
Bibliotua Nac1onal.) riores para a,pequena burguesia. Os empregados domésticos contribu em
446 IMsnDORES

]impamentc sua sapa; no cnt'anro, na casa da vizinha, Fifille Migneboeuf,


ordena-se que a cfiança enxugue 0 sanguc mcnstrual espalhado pelas la-
l lippe Perror, 0 corpo feminino foi tao cscondido como cnuc 1830 c
1914. Ap6s a combioaçâo, 0 calçao propaga-se irresistivehnente. Usado
() SEGREDO DO fNDfvfDUO 44 ï

1 primeiro pela menina, vence sua causa junte às mulhcres adultas corn
jes da sala comum. A pr6pria t'scola rc.:publicana, taO exallada por sua açâo
higiênica e pela rimai das visitas de limpcza, nâo rem ambiçôes; para o triunfo da crinolina, 'o u seja, no iolcio do Segundo Império. Em 1880,
convencec-se basta celer atemamente Le tour de France par deux enfonls seu uso é imperativo, ao menos na burguesia . Entretanto, 0 corpete re-
(A volta à França por dois meninas]. A batalha dccisiva efava-se cm torno sisre às violentas ofensivas empreendidas contra de pelo corpo médi-
do usa do pente e do aprendizado da disciplina da defecaçâo. 0 garora co. A amarraçao "à preguiçosa" permire seu uso autônomo; deixa que
deve deixar de pemear-se corn os dcdos; ca menina, aprendcr a manter a mulher se arrume sozinha, 6 que incremema sua margem de manobra
limpa sua calcinha. amorosa.
Por volta do inkio do século xx, contudo, urna virada se deJineia: No final do século a riqueza, até emao desconhecida, da renda
o progressa, limicado, do equipamcmo e do mobiliârio sanitiirios, a 10- e dos bordados acompanba a hipemofia da lingerie. Jamais ficarao tao
f1uência da clucha das sociedades esponivas, os esforços da nova adminis- evidentes os efeitos perversos do pudor; enquanto se inultiplicam os
traçao da higiene publica, a crescente utilizaçao dos hotéis de turismo e estagias do despir-se, os impacientes dedos masculinos devem suplantar
dos bordéis de luxo ajudam a difundir a bacia e 0 jarro d'ligua; mas sera obstaculos de uma gama cada vez maior de laços, colcheres e botôcs.
preciso esperar pelo period'J entreguerras para que se difunda 0 ferro es- 1àmanha acumulaçâo er6rica, que contribui para renovar a mitologia
maltado; e pelos anos 50, a banalizaçâo da ducha e do banheiro, para libidinosa e cuja represenraçao grâfica continua a ser um rabu, exceto
que a revoluçâo higiénica se opere em prafundidade. na caricatura, difunde-sc com extrema rapidez - mais depressa que a o corpete lem por missilo Jubliflhar
Ir. AMEAÇA É no seio do espaço privado que 0 individuo se prepara para afron- higiene ~ em todas as classes da sociedade. Muito em breve, até 0 jo- as formJS fominimn. Na jo"em
DO DESE)O tar 0 olhar dos outras; ali configura-se sua apresentaçâo, em funçâo das' vern campônio sedutor deverâ aprender a haver-se corn inesperados de silhuetlllJintia etbe/lIl, iUentua
imagens sociais do corpo. Também neste domÎnio verrncou-se uma revo- Il Cllroa da! Iln~ e do Jeio.
obsrâculos.
luçao. 0 século XIX' elabora e em seguida impôe uma esrratégia da apa- Contn'but; sem demaniuJa
Seria convenienre refletir sobre 0 que signrnca a aceitaçâo destes re-
indiscripo, PIlTIl e"ùknCÜlr 0 dole
rência, um sÎstema de convençôes e ritas precisos que nao visam senao finados complicadores, cm harmonia corn a perturbadora hipertrofia do ettético. Itq:ti. tonludo, Um4
a esfera privada. Depois opera-se 0 lento enfraquecimento desra recente imaginario er6rico que traduzem, no seio da burguesia, a ânsia de cobrir- Ilmarraç40 "à pregyifOSa'; bOJlIlnte
especificidade, corn base na distinçâo hipertrofiada entre 0 dentro e 0 fo- se, a obsessâo da capa, do estojo c do cadarço. 0 desejo de conservaçao, frouxo, "oIon'zondo Il grlJf4 do geslo,
ra. Assim, ao cabo de décadas, a camisola de dormir deixa aos poucos e"ilo a (1ulénfÎca tortura que 0 mOfd
o cuidado de proteger-~, 0 medo da castraçâo, a permanente lembrança
de ser toJerada fora do quarto. Tornou -se 0 simbolo de uma incimidade Je arrisca 0 sofrer qUllndo chegor a
'da ameaça do desejo realizam aqui um neur6tÎco encontro. horo do =17JUJto e da motemidade.
erôtica e a menor alusâo a ela, mesmo implîcita, seria ja entao inconve- Camo entao admirar-se corn 0 ascenso deste fetichismo, descrito e (Eugène Vincent Vitiol, Moça do
niente; mais ainda uma vez que a camÎsûla conjugal tende a distinguir-se codificado por Binet e Krafft-Ebing, no final do século, mas cujos sinto- corpctc: toSll. Paris, MUJeu
da simplicidade juvenil. Toda uma gama de déshabillés compôe 0 guarda- de Luxembourg.)
mas ja tÎnham sida minuciosamenre analisados por Zola, Huysmans e Mau-
roupa matinal, no quai uma mulher decorosa nao sera vista par estranho
passanr? A mistica do talhe e das curvas, a fixaçâo do desejo nos sedosos
algum, a menos que seja scu amame; uma exigência de modésria espica-
arredondados do colo, 0 valor er6cico do pé e do couro das borinas, 0 de-
çada pelo progressivo refinamemo destas vestes e pela visibilidade cada
sejo de conar a cabeleira feminina para respirar à vontade rornaram-se
vez maior das roupas intimas. 0 Mas enldo niio passeies Ioda nua de fey-
fatos histôricos, assim como 0 fetichismo do avental, simbolo de intimi-
deau nao deve sec t"''llado ao pé da leua. D" mesma maneira, em sua
dade que parece autorizar rodos os atrevimentos. A lingerie, onde vao
casa uma mulher circula corn os cabelos solcos; no espaço pûblico, urn
inscrevcr-se os traços da sexualidade, da eofermidade, alé do crime, adora
tai penteado designaria a arrumadeira ... ou a prostituta. Tais normas en-
um discurso comprometedor; nde se ap6ia 0 cumor elaborado pelos cria-
tram no sistema global de freios que contribui simultaneamente para li-
dos e logo amplificado pelas Javadeiras. A lavadeira do castelo sabe de
mitar 0 acesso da mulher à cena pûblica e para dar so1enidade ao seu apa-
muita coisa; desfruta na aldeia do .prestigio da mulh er que conhcce os
recimento. A distÎnçao emre 0 dentro e a fora rambém nao poupa a po-
pulaçao masculina; a vestimenra adotada pelo parisiense em sua casa nao segredos das belas coupas intimas.
AS ESTRATÉG1AS
Ihe permitiria afromar a rua. [,enero do espaço privado desenvolve-se também a toalere que
DA APARÊNClA
Outra fato histôrÎco renova entao as condutas privadas: 0 inaudi - prepara a apariçao na cena publica. 0 ri tuai deste labor inutil, par
te sucesso da lingerie. A extrema sofisricaçao da vestimema invisivel muito tempo confinado à dite, difunde-se bruralmente entre 1880 e
valoriz:l a n1ldez, dando-lhe maior profundidade. Jamais, observa Phi- 1910. Aiguns traços principais 0 caracrerizam: para começar é urn da-
448 MS71IXJREJ a SEGRWa DO INDwlDUO 449

rissimo dimorfismo sexual quc rcsuh a cm salicntar a difcrcnciac;ao dos

I!IIJ papéis, A mu lhc: r lem 0 monopôl io do pcrfumc. da pimura. da cor, da


sedosidade , da renda e sobrerudo de urna tOrturante body sculpture que

lWiI a coloca dcsde 0 infcio acima de qualquer suspeita de trabalho. Tem a


funçâo de ser a insignia do horncm condenado à atividadc, ou scja, à ves-
timenta negra ou cinzenta, cm forma de tubo, que faz Baudelaire bradar
qne este é um sexo de luto, As pr6prias roupas intimas masculinas care-
cern de refinarnemo, 0 homem do século XIX nâo se orgulha de seu cor-
po, exceto de seus pêlos. Enquanto as ondas da cabeleira feminina fee-
qüentam 0 modem style e a "ondulaçâo Marcel" faz furor. propagada
pelos cabeJeireiros para damas que começam a surgir. outros proflSSionais
nâo propôem menos de quinze a vinte modelas de bigodes, barbas e suiças,
o que se investe nestas modas nào é nada insignificante; sua his-
tôria inaugura a difusâo de um novo escilo de vida priY<l.da. Eviden-
cia-se novamente aqui a imporrância da mutaçao eferuada entre 1860
e 1880. AtE emao, 0 campo mostra-se desconfiada em relaçâo ao que
chega da cidade; nas pr6prias ruas eitadinas. os trajes camponeses con-
tinuam a exibir-se alcivamente nos dias de fcira e de mercado, VaJe
ruzer que entre 1840 e 1860, favorecida pela prosperidade rural, a ves-
timenta tipica conheceu uma generosa idade de ouro, Em seguida inau-
gura·se 0 mÎmetÎsmo que conduzici à expropriaçao simb6lica. à pro-
gressiva eliminaçâo dos costumes regionais, piedosarnente recolhidos
pelos folcloristas, Enquanto as toucas e os eoletes tfpicos desaparecem
pauco a poueo, as gravuras de modas esp alham-sc até as regiôes ru-
rais menos acessfveis. As vendas por coreespondência, a multiplicaçao
das sucursais d a Printemps, a instalaçâo de modistas e sobrerudo a
extraordinâeia proliferaçào das cosrureiras no final do sEeuJo aceleram
a evoluçâo. Transforma-se a existência das jovens adolescentes. agora
sujeÎtas a um novo aprendizado. Yvonne Verdier bem 0 mostrou a pro-
p6sito de Minot. é verdade que sem sublinhar 0 bastante que se Ullta
de um fenôm eno histôrico, estreitamente delimitado no tempo.
N o final do Jéculo, li lIledidJ q ue
se d t/(1f(1 a '~1/IpO d t: lazer do ~'OllJinlIO o ambiente dos opccirios urbanos nâo é poupado. Por muito
do corpo !orùl. dt/fm de ·se I/m tempo impusera-se a especificaçâo do offcio pela cipa de roupa; :ué
eXiJUItivo " Irobalbo dal UpllréII(ÙI" meados do Segundo Império, era fâeil d istingui r na rua a blusa do
(P. Perro/), aD quaI operârio, 0 cerno negeo do magistrado, 0 eolarinho do empregado.
Il pequeno·burgueJ(1, (1j ud(1da par

!U(1 criada, delle l ubmeter-se an'u


Mas eis que germina, apôs 1860, a tentaçâo de endomingar-se, Oope-
de 4 ron/(11 (1 cena piib/icd, cirio pretende vestir-se à burguesa para fazer sua festa mesclado corn
A mul/iphàf4u dOJ traju ao lO/lgo a multidâo uebana. 0 repouso dominical reveste-se a partir dar de
do dia imp6e url/a p en!1(1/1c"Ie um nova significado. Endomingar-se é mostrar-se senslvel à moral da
adeqtluf40 dOJ elulu tllo! do
limpeza. Para a jovem operaria quer dizer assumir os novos refinamen-
g uarda-roupa; CUJO cOTllrtino,
a co ,,[us40 /r.ms[onfllJr1(1 CI)1f/ taS da seduçâo femini na, aceitar 0 jogo da botina, dn leneinho perfu-
du nas/ada e"idêllci(1 0 upafO intima mada e do seio bem desenhado. adotar urna postura nova ; é tambérn
er" ballidor do Je(1/ro IOcial (Colefilo impor-se 0 obcecante aprendizado das compras; é. por fim, reconhe-
Siro/,Allgel.) cer os novos tempos da usura. Muitos COntOS de Maupassan:, inume-
o Sl:.'GREOO DO INDJVfDUO 45 J

ces 0 "mal branco", cecusa em sair por medo de se c espiada por desco-
nhecidos.
Esta dupla pceocupaçâo instiga a exigência do porte ,. modesto", que
inspira em especial a pedagogia das congregaçôes fem ininas. Esta visa em
pcimeiro lugac ceduzic a vivacidade das crianças. A quebra do citmo dos
impulsos conjuga-se aqui corn a vontade de estancar as fontes de emoçao
e restcingic os assamos da sensualidade. Ja que os sentidos sao semelhan-
tes a ponas aberras para 0 demônio, é pceciso ensinar a pcudência, ins-
truir a juvenrude paca que ocupe pecmanentemente as mâos, ceceie seu
pcoprio olhar, saiba falar em voz baixa e, melbor ainda, compenetce-se
das virrudes do silêncio. Odile Arnold distingue a este respeito, nos coo-
ventos de rneados do século. um nitido enducecimeoto pedag6gico, que
se segue a uma considecavd liberdade e até a urna eeal espontaneidade
de atitudes. A tentativa de descorporificaçao se exaspera corn 0 enalteci-
mente do modelo angeJical; em muitas moças opera-se entao urna vecda-
deica identificaçâo corn 0 anjo. Esta miragem, cuja gêneseJean Delumeau
atcibui cm parte à antiga influência do neoplatonismo, acentua capida-
mente seu domînio; nitidamente perceptivd nas POSturas da prece, acom-
panha a ccescente exaltaçao da virgindade e 0 ascenso do lirismo da casti-
dade. É sintomatica, a pcop6sito, a capida difusâo do culto a Filomeoa
a partir de 1834. 0 moddo desta santa que ouoca existiu, mas à quai
ainda assim sao consagradas abundantes biogcafias, permice a difusao de
preces, imageos e até cocdôes destinados às jovenzinhas desejosas de se
ras cançôes de 1900 registram esta mutaçâo simbolizada aioda pela surgi- cooservacem intatas. Nao esqueçamos: nesse século em que se afirma 0
menta do moço de recados, longfnquo descendente da costureirinha prirnado da palavca masculina, é atcavés da cetocica do corpo, da elevaçao
gnselte. do olhar e do fervor do gesto que se opeca a prédica feminina.
No século XIX, 0 pudor e a vergonha pretendem regcc os campana- Resta colocar 0 problema da difusâo das conduras. Suzanne Voilquin,
o PUDOR filba do povo, rdata 0 verdadeiro noviciado a que foi submetida, entre
E Il VERGONHA mentas. Por tras destes termas ocutta-se um duplo sentimento: de um
1805 e 1809, pelas mestras da escola do claustra de SaÎnt·Merry, e em
lado. 0 m,do de ver 0 Omra - 0 corpo - exprimir-se, de permitir que
seguida pelas tristes senhoritas normandas em cuja casa eferuou seu
o animal panha as manguinhas'dé fora; de omro, 0 temor de que 0 segre-
aprendizado, desde os nove anos de idade. Todavia, a antropologia an-
do intimo seja violado pela indiscriçâo, 0 desejo atiçado por todas as pre-
ge1ical rdativa à época romântica 56 se estende amplamente quando
Enq~(JnJO 0
cauçôes destinadas a mascarar tamanho tesouro. 0 primeiro sentimento
mo"imt: I1Jo operin'o se deflagca a contca-ofensiva cat61ica, ou seja, ap6s 1850. As técnicas
chaf1Ul1l Ji Il clerical injunf40 do da lugar à conrençâo, ou seja, a preocupaçâo de evitar qualquer manifes- de començâo destiladas nos conventos penetram emâo nos meios po-
repouJo dominical, 0 n'Iual do taçâo orgânica suscetivd de recordar que 0 corpo existe. Richacd Sennett
PIlJJeiO, por mllilo tempo confinado
pulaces. Muito cecentemente, Macie:José Garoiche-Mercitt, que eeco-
evoca a prop6sito a "doença vecde", coostipaçâo provocada nas mulheres lheu minuciosamente 0 testemunho da mem6ria popular, tcaça um
nll b1ltguesia, propaga·Je
bruscllmenU no final do l ieu/o. pelo receio de peidar em pûblico. Os médicos estabeJecem 0 quadro c1i- quadro impcessionante da rninuciosa vigilância execcida, ainda entce
É es/imulado pela pro/angon/enta oico da "eceutofobia", pudoc exacecbado. mocbido pavoc de nâo poder 1900 e 1914, pdas celigiosas sobre as moças da pequena comuna de
do lempo /ivre e pela du ejo
imperur 0 ruboc de subir às faces. Do segundo sentimemo deciva, poc Bué·eo-Sancerrois. Constitui·se. especialmente nas par6quias curais,
de pllrtitipflr do desfile de trlljes
que emba,.uho os ni"eiJ soàais e exemplo, a recusa do espéculo, cujo emprego permanece por muito tem- urna cede de congcegaçôes juvenis. Incomaveis assocÎaçôes de ccianças,
p ermile 0 Jonho do conlolo eftmero. po identificado corn um "estupro m éd ico"; no final do século, os aboli- de Filbas de Maria, ou ainda dessas donzdas agraciadas corn coroas
(Henri Ellenepoel, Pa.sscio de de rosas, as rosières, que Manine Segalen avalia serem pcovavdmenre
cionistaS continuam a empcegar 0 argumento em sua lura contra a prosti-
domingo, 1899. Liège, Museu de
tuiçâo regulamentada. 0 rnesmo tipo de ansiedacle acarreta nas mulhe- um milhar, aplicarn a iiçao de moral e començâo dispensada pela es-
Belas ArteJ.)
454 B... snOORES o SI::GRU)O [ln I NlJwiVIlO 455

de gerir qualquer dispéndio e ponamo de daborar urna saudavel I.:cono- por sete vezes de scmelhante terapêutica, destinada, em princîpio, a cura-lo
rnia espermatica. Nesta perspectiva, repete-se que 0 prazer solitirio mas- de perdas seminais involuntarias. Porém sac ainda mais eloqüentes os pa-
cutino conduz a uma tâpida decadência. 0 definhamemo, a senilidade vores de Amid, minuciosarnente relatados pela prôpria vÎtima. 0 iofeliz
precoce seguida de morte baljzam 0 îtînerario percorrido por estes indivî- "sucumbe" regularmente às "perdas seminais' '. "Cada poluçao é uma
duos emagrecidos, macilentos e quase amnésicos que lotam os consult6- punhalada para vossos olhos", declarou um especialista ao rapaz de de-
rios médicos. A dramatizaçao do quadro clînico traduz 0 ternor de que zenove anos. Este, aterrorizado, anota cuidadosamente desde entao cada
o dispêndio de energia prejudique 0 dinamismo necessario ao esforço e urna de suas ejaculaçôes noturoas; consigna seus arrependimentos, escre-
coloque em causa a capacidade de uabalho; oculta sobretudo a recusa do ve suas resoluçoes; à noite, toma banhos de agua fria, come gelo picado,
aprendizaclo do prazer, a negativa das funçôes hedonistas. lava as virilhas corn vinagre. Nada adiama; em 12 de junho de 1841 de
o gozo da mulher sem a presença masculina parece ser panicular- decide nao dormir mais que quatro ou cinco horas por noite, sentado cm
meme inroledvel. A "manualizaçao" constirui 0 supra-sumo do vîcio. uma poltrona.
Para 0 homem, figura 0 segredo absoluto, infinitamente mais misterioso A cauterizaçao do clitôrÎs e do orifîcio da vulva constituern em con-
que as comoçôes do coÏto. Aqui nem se cogita de privilegiar os riscos de rraparrida procedimentos muÎto raros, e mais ainda a clitordectomia, pra-
esgotamento, pois a capacidade copulaclora da mulher parece infini ta; po- ticada pelo de. Roben desde 1837 e mais tarde, no final do sécu.1o, pelo
rém outras sançôes, igualmente terrlveis, espreitam no horizonte da ful- dr. Demettius Zambaco. Corn efeito é necessario ser prudente e, sem ne-
ta. Nao ha um quadro clînico, mas a biografia de ninf6mana, de histérica gar a significativa dimensao de tao terrificantes prâticas, nao s,uperesti-
ou prostituta que se abre sobre a imagem da pequena viciosa. Reencontra-se mar sua freqüência.
aqui a hostilidade que os médicos do século XIX demonstram diante do Cornpreendern9s assim 0 guanto 0 corpo tocna-se urna obsessao no
clitoris, simples instrumento de prazer, ioual na procriaçao. seio da vida privada. 0 auscultar dos obscuros sinais da cenestesia, a vigi-
oONANIS'LI. A luta concra a corrente provém dos pais, do padre e sobrerudo do lante espreüa da tentaçao, a permanente ameaça que se.acredita pesar so-
SOB VIGILÂNGIA médico. Os livros incÎtam a vigilância doméstica. Aos o1hos dos edueado- bre 0 pudor, 0 fasdnio exercido pela transgressâo semprë possîvel conco~­
res clericais, 0 sono deve ser 0 equivalente da morte, 0 Idto, imagem do rem para valoriza-lo. Chega-se a fugir do esperaculo do coiro animal. A. . . . .
tûmulo e 0 despenar, equivaleme àa ressurreiçao. No imerior do dormi- QlIando a l'ig/ïânc/4 dos pais
simples alusao a ele é urna grosseria masculina cujo sentido hurnorîstico e edlludores nâo bllllll, apenas
tôrio do pensionato eocontra-se uma freira para zelar pela "modéstia" é dificil conceber atualmente. Grupos de canto e circulos formarn-se ex- o corpete 011 0 aparelho orJopédico
do despertar e do adormecer. Durame a dia, convém nao deixar a criança clusivamente p~ra rir e falar de sexo. 0 nu, profundamente oculto, é um conlêm no adolescente Il i"CSUlil'el
sozinha por muito tempo. 0 regulamenro das casas dirigidas pelas ursu- fantasma a rondar os hornens. Os convidados da condessa Sabine, urna neceJSidade do prazer soli/mG e e1Iita
linas prescreve que as moças devern ficac sempre à vista de numerosas co- das herofnas de Nana, con ject ur am longarnente sobre a forma de suas co-
a senilidade precoce, ou alé a morte
legas. Os médicos, por seu turno, aconselham que se evite 0 calor e a ma- por exceJSilla d/ïapidaçâo da puc/osa
xas. Comparada corn îsto, nossa tao célebre subrnissao aos impulsas e de- ummte. (Paris, B/bliouca da antiga
ciez da cama; proscrevem a manta e um exagero de cobertas, e Hxam a
scjos do corpo parece bastante descuidada e até urn tanto desajeitada. Faculdade de Mellicina.)
postura do sono. A prâtica feminina da equitaçâo desperta sua descon-
fiança, assim como a maquina de cosrura, ~enunciada pela Acadernia de
Medicina em 1866. 1NTERPRETAÇAO E CONTROLE DE SI
A estrutura dos equipamentos e, em caso de necessidade, a ortO-
pedia concorrem para a prevençao. Em 1878 os especialistas aconselham Enquanto sc processa 0 esgotamcmo literario da intimidade, apro- A BANALIUÇÀO
a adoçao de sanitarios tendo na parte superior e na inferior orifîcios DO EXAME
funda -se 0 desejo de decifrar a si pr6prio, banaliza-se a pratica da Întros-
autorizando 0 controle de posruras. Cenos médicos 3.consdham que os pecçao. Processos favoreciJos pelo refinamento e difusao social dos exer-
menioos vistam longas camisolas. Até 1914 os especialistas propôem ckios espirituais surgidos do esforço disciplinar pôs-tridemÎno. Parado-
contra 0 onanismo rebelde 0 uso de bandagens sob medida; alguns xalmentc, 0 procedimcnto do exame de coosciéncÎa estende-se no mo-
chegam mesmo a fabricar "cintos de començao" destinados às moças. mento cm que se reduz 0 efetivo dos praticantes. Uma nova cornpreensâo
Nos hospkios, algemas, correias, aparelhos instalados entre as coxas para dos imperativos da teologia moral petmite 0 acesso da massa de catôlicos
impedir 0 toque S:i0 impostos aos alienados ninfôrnanos. Quando 0 a uma disciplina mental que permanecera por muito tempo restrita à di-
mal persiste, pode acontecer a cirurgia. A cauterizaçao da uretra pa- te. Durantc a Restauraçao, multiplicam-se os retiros e mÎssôes; rama uns
ecce ser praticada corn bastante freqüência. Théodore Zeldin cita 0 mar- coma ouuas desaguam em uma confissao geral; estas proporciooam oca-
tîrio do empregado de urna loja, corn dezolto anos de idade, vltÎma siao para uma longa exploraçao' de si. Claude Langlois mostrou 0 en raiza-

...
.,
456 IM S71DORëS o SEG;:WO DO INDwtDUO 45ï
mento popular da prâtica do retiro na diocese de Vannes. Em 24 de [Ensaio sobre 0 emprcgo do tempo ou método tendo par objeuvo a boa
março de 1821, relata Gérard Cholvy, 6 mil homens participam, de c1- organizaçào do emprego do tempo, primciro meio de ser feliz}. redigido
rio cm punho, da honrosa eerimônia de caridade que eonstitui 0 fone em 1810 por Jullieo. militar da reser\"a. manifesta clarameote sua filiaçao.
da grande missâo de Montpellier. Cerea de meio século mais tarde, o autar, que remete a lDcke e a Franldin, e cujo crabalho sera coreado
em 1866, par motiva da visita de uns pregadores a Chasseradès - a par Fourcroy, recorncnda que se divida a dia em três fatias de oito horas.
humilde eomuna do inacesslvel Gévaudan - opera-se 0 voltar-se para Aconsdha que .se coosagre a primeira 01.0 sano, a segunda aos esrudos e
si e desata-se a Irogua dos rudes camponeses dos oustaux. A manuten- aos "deveres de .seu emprego", a terceira às refeiçôes, 01.0 lazer e aos exer-
çâo, durante décadas, da dupla confissao e da absolviçâo difeft'nciada, crcios corporais. Aconsdha, sobrerudo, que se mantenham tcês diarios ou
a pradca da confissao geral por ecapas, entremeada par longos perlo- "contabilidadcs", onde serâo registf2.d2S as fluruaçôes da saûde, 2S vicis-
dos de auto-anâlise, tal como era preconizada pelo padre de Ars, con- situdes da moral e as pulsaçôes da arividade Îme1ectual. Um "memorial
venido em missionario sedentario durante a Monarquia de Julho, in- analltico" e um quadro trîplice da siroaçâo, redigidos a C2.da trimestre
citam a um minucioso esquadrinhamemo da memoria à procura da ou semestre, pennicirao que se façam sucessivos balanços que serâ conve-
falta. niente su bmeter a um amigo volumâIio para julgar sua evoluçâo. 0 dese-
A proliferaçâo dos "regulamemos de vida", a crescente precisâo ;0 de esdarecÎmento interior, combinado corn 0 temor do desperdfcio,
das "reso!uçôes" acompanham 0 aprofundamento dos exames. Prega- suscita aqui uma prâcica que nâo subemende nenhum dialogo corn 0 Cria-
dores e educadores congregacionistas convidam as aimas piedosas a exer- dor. É em funçâo do olhar sobre si mesmo, c dos olhares dos outres e
cer esta nova maestria. AssUn se acomodam as condutas no interior do mondo, que se e5trutura um exame permanente, obcecante. Olongo
da vida privada. Aconselhados pelas educadoras, os pais Împôem urn monélogo interior permite também que se conuole a aparência pessoaI,
rigido reguJamemo às moças que retomam do internato, corn 0 inten- tomando-a 01.0 mesmo tempo mais iodecifrâvd aos ourros; 0 necessmo
to de afasca-Ias das temaçôes de uma vida que parece devotada 20 6cio. segredo do individuo conuibui pan. impar a introspecçâo.
o emocionaote Cahier de résolutions [Caderno de resoluçôes] da ;0- Os grandes autores de diarios da primeiC2. metade do século esfor-
vern Léopoldine Hugo testemunha 0 sistema. Algumas boas aimas çaram-se por levar a bom terme esta ucefa de esclarecimento, sem a me-
chegam a escimular tadas as moças a manter um diario, como simples nar ambiçao literâria. Suas obras, que corn fceqüência regiscram simulta-
corolârio do sacramento da pcnitência. Em Marselha, Isabelle Fraissi- neamente 0 crabalho, 0 dinheiro, 0 luer e a açao amoresa, desempenham
net , corn doze anos de idacle, é constrangida a preencher todos os dias o.papd de cOllubilidades da decadência. 0 dîmo Intima tenta exorcizar
a seu. 0 papel pode registrar rambém 0 progresso da vida espirirual esta angUstia da morte, que de aviva corn 0 proprio ato de se escrever.
dos adultos, aliviar os escriipulos nascidos de pequenas falras cotidia- Detectar 0 desperdkio de si proprio é proporcionar-se os meios para uma
nas. Apos 1850, 0 ascenso do diâIio feminino de conversao, tendo por estratégia de poupança. "Ao conservar a historia do que sioto", diz Dela-
modela 0 de madame Swetchioc, editado por Falloux, traduz 0 mes- croix em 7 de abril de 1824, "tenho um duplo fun: 0 passado retornara
mo desejo de adaptar a fins edifi éantes a crescente necessidade de (:Scre- a mim. 0 future :sti sempre aIi." Assi.m se constirui uma mem6ria que
ver sobre si. autoriza a um sô tempo a amnésia e a comemoraçâo.
Nâo menos essencial é a laicizaçao dos procedimentos de imer- Manter um diacio é rambém disciplina de imeriorizaçào; depo-
pretaçao do Îndivîduo, elaborados à sombra do confessionârio. A com- sita-se sob re 0 papel a discreta conftssâo. A escritura pcrmitc a anâlisc da
patibiJizaçao da existência, a aritmética das horas e dos dias. que so- culpabitidade înrima, registra taoto os fracassas da sexualidade como 0
brecarrcgam 0 homem do século XIX. nao derivam apenas do tcmor sufocante semimento da iocapacidade de agir: cepisa as resoluçôes secretas.
da Calta; provêm igualmente deste mesmo fantasma da perda que con- Multiplos fatores comribucm ainda para explicar a ascensâo desu
duz a manter livros de contabilidade doméstica da mais extremada fascinante prâtica. Em Maine de Biran, da respollde à ambiçâo de
minucia, que engendra a angûstia do desperd1cio de espcrma ou sim- apoiar a ciência do hamem na observaçâo e captar, para tanto, as cela·
plesmente do coridiano esucitamento da duraçâo da vida. Este desejo çôes que se estabelecem entre 0 fîsico e 0 moral. A busca de si mesmo
de represar a perda t~ansborda para 0 diario intimo. é estimulada ainda por todos os fatas historicos que conduzem ao
A PROCURA o extraordinacio Essai sur l'emploi du temps ou Méthode qui a pour aprofundamemo da sensaçao de identidade. Sobrerudo, 2 acderaç2:o
DO DIÂRIO objet de bien régler l'emploi du temps, premier moyen d'être heureux da mobilidade social engendra um semimemo de iosegucança. Incita

,.
>
o SEGREDO DO I NDJVfDfJO 45 9
458 nA Sl1DO/Œ.l

o autor do diârio a indagar-sc sobre sua posÎçâo, a calcular 0 julg:unento


dos outros. A muda presença da sociedade freqüenta a vida privada e so-
jitiria do autor. 0 novo fcitio das reJaçôes interpcssoais ditado pela urba-
nizaçâo muhiplica as feridas narcîseas , gcra uma frusrraçâo que convida
ao recolhimento neste refugio interior. Maine de Biran prevê, em 1816,
esta busca de urna revanche psicologica; prcssente os (Crnpos cm que' 'os
homens, cansados de ouvir, estarao mais dispostos a se vOltaT sobre si pro-
prios, buscando ali 0 repouso c esta espécie de calma e conso lo que s6
se encontra na intirnidadc da consciência".
o avanço do sentirnento de propriedade nao é estranho à nova bus-
ca; mais urna vez é Maine de Biran que 0 pressente; de se Felicita quando
o abade Morellet, seu amigo, na monografia que consagra ao assuntO, ba-
Um4 fm,/her th IJTislocraciz ou da
scia 0 dircito de propriedade no "direito de cada homem sobre si pro-
bllrglles/n conJlJgra muitn.r nOTai
prio, sobre todas as suas faculdades, [sobre] seu eu". por dilJ à lua co"espondéncia.
A pRAnCA Resta definir 0 efclivo consagrado à prâtica de escrever sobre si mes- Caroline Chol4r4-Iiorel pâde analisar
DE ESCREVER mo. Caso nos atenhamos aos grandes aurores de diirios, reconhecidos pe- pOrlllnto milhores de cn"IlS elen·llll,
11Q i1h·ma leTfO dosicuÛ}, pelos BoileJ1u,
SOBRE SI la historia literaria, a tarefa é fici!. Sao numerosas as mulheres ils quais
I/m Ulal de dignalânos
o codigo das conveniências proibe a publicaçao e que suprem graças ao
de Snl/mllrois. Ao pemllhr
diârio sua neccssidade, quando nao sua fUria, de escrever. A propria Eu- Il IIeriflClJfiio e mI1nulençiio dol
génie de Guérin confessa que aplaca urn irreprimivd desejo e {Odo leva gn/pOl, Il C4r11l joga um plJpe/
a crer que 0 mesmo ocorre a madame de Lamartine, a mie do poeta. crelt:ente na re/4pa amoroJ4. Nesta
Corn freqüência mal inserida na sociedade onde foi chamada a vi- BeDe Époque da dU/lénO, é eu que
permite 114 mI1iorin tins vezes que a
ver, a autora de um diârio sofre por nao poder comunicar-se. Ademais, mmido delCtlbrlJ que é enganado.
seme dificuldade em decidir-se. Em maio de 1848, corn 27 anos de ida- (ViscondesJII de Cil/ello, A resposta,
de, Amie! expôe em seu diario, sob a forma de uma interminavcl equa- Sdiic de 19<19.)
çao, os clementos de um eventual casamento. "Eu invento fantasmas e
obsticulos gratuitos", confessa Maine de Biran, esmagado pelo que de- minhas disposiçôes e as variantes de minha maneira de ser, de tirar 0 me-
nomina a "preocupaçao" - nos didamos a ansiedade - que de atribui lhor partido de miro mesrno, de registrar as idéias que me ocorrem por
à "desconfiança de si pr6prio". acaso, ou as que minhas leituras sugerem." Neste sentido, 0 diârio inti-
Eru suma, 0 grande escritor de diirios nao estâ longe de parecer uro mo é 0 coroamento das alegrias da pn·vdcy: "Aspiro a tornar-me eu mes-
doente; certamente uro dmido, aré um il"f.lpotente, cheio de tendências mo, retOrnando à vida privada e familiar", confessa 0 mesmo escritor,
homosscxuais que nao saberia saciar. A microfaroilia burguesa da provin- "erguendo-me assim acima de mim mesmo; entao nao serei nioguém".
cia constitui 0 lugar privilegiado da eclosao do diario intimo. Sua estru- Entretaoto, pode-se adivinhar, 0 di:1rio é inimigo da vida conjugal! Às
tura favow:e 0 apego à mae e à infância; Béatrice Didier afirma que 0 mulheres, sobretudo, impôe-se que 0 escrevam às escondidas. Eu~énie de
autor de um diirio sofre de regressao e sua caligrafia traduz a busca de Gué.rin oculta até de seu adorado pai 0 caderno que cla preeoche à noite,
um refù.gio maternaI. Nao se poderia negar que este castigo cotidiano pro- em seu "quartinho", enquanto contempla as estrelas. Manter um diârio
A alfobetiZOfâo, ji qUlIse generaliZllda longa os imperativos da pedagogia juvenil: de lembra simultaneamente reveste-se efetivarnente do aspecto masturbat6rio reaIçado por Béatrice
quando da imfallfllç40 dt1 esco/a
republicana, p ermite pela prime/ra o cademo escolar e 0 dever de casa. Didier.
liez que 0 conjllnlo da jUllenlude Com efe ito 0 diario é, para começar, e talvez acima de tudo, uma Os hiscoriadores ainda nao mediram satisfarorÎameme a difusao so-
se dedique às d1leren/el modaltdades pritica. Impôe um fati gante trabalho; lembremos as 17 mil pâginas cial de urna prarica cuja anilise permanece coma monop6lio dos especia-
da escrila de Ji propn"o. LiçJo 0 ;: praxer, escritas por Amiel! Para os que sc comprazem com 0 rnon610go inte- listas em literatura. Ademais, a grande fragilidadc destes documentos cer-
a car/a, IlISÙn (omo (/ redaçiio, en/ra rior, de pode {Omar-sc também um refinado prazer. "Quando estoe tamente leva à subestimaçao de sua quantidade. Muitos indicios levam
a pllr/ir de agorll na liIta dal
obngllfôel. (Philippe jo/y et, A carta,
sozinho", declara Maine de Biran, "basta-me a ocupaçao de seguir 0 porém a pensar que 0 diârio Intimo é 0 contrapomo de muitas vidas pri-
Salao de 1908.) rnovimento de minhas idéias ou impressôes, de apalpar-me, observar vadas. A pequena burguesia nao 0 ignora, como testernunha 0 texto de
.Jo() HIHTII)(JI1f:S
1 o SIiCh'I:.." -") INOW7DL"(. 401

P. H. Azaïs, modesto autodidal3 p:trisicmc; :lqUÎ 0 diario apn..'SCnta-St: camo eSlafa, do cxcesso, subsnito pclo corpo rnc:diLO, t:umribu i para moderar
herdeiro longinquo do livra de razâo c companheiro do livre de conrabi- amb içôes. Seria preciso acrescentar a inOuênria dcsla cu hura cl âssica dos
lidade. Adivinha-se que as mocinhas que encontraram ode urna mancira huma ni stas, cuja importâ nt:ia é minimizada por um condcSl.:cndcmc dcs-
de dcsabafar sejam legiao. Caroline Brame, cujos papéis foram cncomca- prczo. QuaOlos homens maduros. leilOres de Horacio. nào buscaram ilci-
do nos Puces, e Marie Bashkirtseff cenamcntc nâo sâo exemplos isolados; ma de tudo 0 ofÙl'1n e praticaram 0 corpe dielll, à im agcm dos prefeiros-
e menas aiod a Isabelle Fraissinet. poetas descritos por Vincent Wright ou do presidente de Neuville, 0 ma-
Convém desracar a prop6sito a imensa popularidade do album. gisuado levado à ceoa por Duranty cm Le mo/heur d'Henriette Gérard
Durante a Monarquia deJulho, escrcve Pierre Georgel, coda moça de boa [A infelicidadc de Henriette Gérard]. A busca da estima publica, teste-
familia {cm 0 seu, que apresenta aos amigos da casa. É Lamartine que munhada pela idéia fixa da condecoraçao, sobn::pôe-se corn freqüência à
abre 0 de Léopoldine Hugo. Aré os Heze anos de idadc. Dicline regis- da riqucza; c a diflcil posiçao do novo-rico mosrra bem que a mobilidade
tra ali seus brinquedos, seus sonhos de infância, suas leiruras; em se- social nilo é cm absoluto uma simples questao de fortona.
guida surpreendem-se ali os suspiros c dedaraçôes dos primeiros admi- Entào compreendcm-sc melhor certos resultados da historia quanti-
radores aos quais a jovem aos poucos vai atemando. Desde cntao ela
tativa; c antes de mais nada a permanente arraçâo exercida pelas profis-
se preocupa corn as roupas, registra os bailes , os espetâculos a que assis-
socs liberais e a funçào pli blica. Vma pesqu isa coordenada por Duruy cm
te e (em 0 cu idado de inscrever suas impressôes de viagem. 0 album
1864 junro aos alunos do curso c1iissico dos liceus da provincia mostra que
é uro saco de gatos; ali colam-se boletins escolan:s e gravuras picores-
o direiro, a medicina e a escola militar de Saint-Cyr concentram as ambi-
cas; ao chegar 0 casamento, de ira un ir-se aos cadernos no oovo museu
çôes dcstcs jovens. De qualquer forma, a burguesia prefere 0 serviço do
dos arquivos familiares.
Estado ao mundo dos negocios. Christophe Charle avaliou bem tanto a
Funcionam entre 0 povo equivalentes simb61icos do album, se nao
solidez dos mecanismos d e reproduçao como 0 permanente atrativo dos
do diario. 0 enxoval bordado pela jovenlinha nio pode ser coosiderado
al(Qs cargos publicos. A Politécnica e outras grandes escolas fascinam , em·
como um a arenta escrituraçao de si e de seus soohos para 0 fururo? Em
bora a pratica de tfocar 0 serviço pliblico pela empresa privada ainda nào
rodo caso, sua funçao ultrapassa em muito 0 simples desejo de dispor de
uma reseNa de panos para depois do casamenro. Agn~s Fine mostra corn renha se desenvolvido e. ponamo. este ripo de carreira esreja longe de
quantos cuidados a adolescente dos Pireneus fia, borda, marca corn um assegurar a aquisiçao de uma grande fo rtuna.
fio vermdho este resouro que, mais tarde, de nada Ihe servira. A moça No ambiente operario, 0 orgulho da comperência, 0 prestÎgio do pro-
designada como herdeira também se curva a em: rito cuja necessidade fissionalismo limitam 0 desejo de evasao social; e simultaneamenre con-
pratica ela nao rem. Explica-se assim 0 extremo apego da mulher a seme- 'u ibuem para explicar a amplitude da endogamia técnica e as escassas pro-
lhante acumulaçao simbolica. Em Icarie, Cabet sera acusado de querer moçôcs. A multiplicidadc das transferências sociais que se operam de uma
confiscar 0 enxoval. Ao valorizar ao extremo cm sua narrativa 0 bau de geraçao para outra oao deve oculcar aqui a estabilidade dominante dos
panos que G illiat herda de sua mac, 0 amor de Tratltufleurs de /0 mer esratutos SOClalS.
[1fabalhadores do mar] sabc pcrfeitamence que aponta um clemento maior Jacques Rancière evidenciou todavia a profunda influência da ex-
da sensibilidade popular. periência vivida, entre 1830 e 1850, por um contingente minoritârio
A MODERAÇAO A busca retrospectiva do eu, objeto do diario intimo, estimula arre- de trabalhadores sobre 0 qual abateu-se um nova mal-estar. Senslveis
DAS AMBIÇOES pendimentos, aviva nostalgias , mas, em um mesmo movimemo, valoriza à dor do tempo roubado pelo trabalho, estes individuos que se semem
a aspiraçao e desperta 0 imaginario da conscruçao de si. Convida à histo- vocacionados para coisa bem diferente da exploraçào sofrem de uma
ria da ambiçao, mas ai!, sem pre 00 limbo. Vma evidência., comudo: enorme superabu ndância existencial e temam libenar-se dela entregando-se a
moderaçao cerca as represcntaçôes do futuro; esta prudência vern contra- verdadeiros " ddfrios domésticos ". As noÎres destes prolerârios, povoa-
dizer a imagem excessivamentc fogosa de um século cm que sc daria va- das por sonhos para 0 futuro, sào também freqüc:madas pelo paraiso
zao aos apetites. De fato, convém nao esquecer 0 atrativo da reproduçao da idc ntidade. É uma rensào minoritâria. sentida pelos uabalhadores
e a força dos mecaoismos que 0 co rroboram . A amplitude do apadrinba- que vivcm como ope rârios mas rratam de falar e escrever coma bur-
mento, do si.<;tema da " rccomeodaç:io", cm suma, 0 peso das relaçoes e gueses; e isto ao preço de um imenso esforço cm leiruras difîceis. ses-
o intrincado das estratégias familiares conrêm por muiro rempo a ascen- roes de cop ia e liçoes aprendidas de cor. 0 nlimero, nitidamenre mais
sac de uma democracia que, mesmo depois do triunfo da Rcpublica, coo- elcvado, de operârios parisienses que durame a Monarquia de Julho
tinuara mitigada. TaI coma sublinha Théodore Zeldin, 0 temor da puseram-se a freqüenrar cuesos notumos restemunha a propagaçio desta
462 M S17DORFS . .::. ~ DO J"'. :"':.:.

ambiç:lo prolctâria. A hi S1'o ri:1 das singularidades temper:1 :lqu; os muclos o h",.I)J~"': . :;IOr/'Îr.. : ; . -:.lçJe,
clados da quamificaçào, informando·nûs sobre a g<:n(:se do dcscjo. litr.rJrÙ, '; ';;1::, ';. (J I OÙr.; c" {J',UUr.
o rgJIIt1.IJ1n G. i"".I)OJ d, CG r. J1r:1fJ(,
Também 0 povo do campo abrc· sc :lOS po ucos para 0 so nh o do fucu·
de Ji pr';; -; .~ Tr:prodJ.,,~ ~ .i.;J .. ,";;,
ro individual; é urn cngatinhar cujos WIÇOS devern sec procurad os mais do Jécu/o S1.': .." J Js:J pd~J !xuld;;Jo~
no gesto que no discurso. Assim, 0 alroz crime de Pierre Rivière pôde ser d~ direito û ':' tr..:dÙ:;'11l ~. $(.OU'ls"Ù"
interpretado como sina l de tomada de consciência pessoa l de um mal· p~/I1J grJI:,ù, <Ut'JIO I cUl0 vr.iforrn (
cStar colctivo. A forrnula çâo de ambiçôes individuaîs dcsagrega lenta e COllItIlUIJ " .(û; ....ï UlT(1J am b/{-6eI.
A !reqiiù;t:.; .;'of !nuaJJoJ .::lima";
muito desigualmente as estruturas familiares, conforme 0 sistema; cons· fllllitO tl1n.;rg.:. : ; t'nJ,~ 01 r<p rol ·Jdo.'
(range as estrarégias parernas c vern resolver, muito oponunameme, 0 pro· n OS ,,~JIIb:'.'.;T.·i. obrigodoJ
blema colocado pelos fi lhos mais novos da farnrI ia·tronco. Segundo Gre· Il Je COI/JUII';- ,'om ~117PT~go;,l

gor Dallas, que estuda 0 carnpesinaro de Orléans, 0 progresso da indîvî - JlIbaiumoJ.


dualizaçâo distende 0 vÎncu lo que ligava a mâe aos fi lhos, aumenta 0
scntimento de insegurança e leva à im plosâo de uma "econom ia campo·
nesa" que de outra maneira leria sobrevivido às conru rbaçôes econômÎ-
cas. Aqui , longe de curvar-sc perante 0 menino-rei, a familia desloca-se
pelo desvanecimento da relaçâo afetiva . Se ria faci l detectar va rios OU trOS
aspectas desta crescente descnvolrura cm re laçao aos seus , deste definhar
do semÎmento. Um exemplo entrc outros: a partir d a Restauraçao, 0 imi-
grante de Creuse começa a reeusar ao pai 0 montantc de suas economias;
dentro em breve, passara longos anos sem rever e abraçar sua mâe e suas
Îrmâs.
Très formas de ambiçâo instigam os jovens do campo, moldadas de
acordo corn suris hierarquias imrafamili ares, em especial conforme 0 pos~
tO oeupado em relaçâo aos irmaos: P) a vontade de adquirir 0 est3.ruto
de pcoprietârio, projeto tradicional, mais faci l de realizar que no passado,
restemunhado pela clevaçao do valoe da terra, 0 retalhamcnto das parce-
las e a retomada de grandes movimemos de arroteamento; 2 ~) 0 desejo
de alçar-se a uma dessas raras profissôes·de-rransferência, como a de mo-
leiro e sobretudo a de taverneiro, que, coma Ronald Hubscher mostrou
a prop6sito das zonas cu rais de Pas-de· Calais, constituem os trampolins
indispensaveis ao sucesso social; 3~) a emigraçao dcfioÎtiva para a cidade,
experiência de exilio cujos riscos sao remperados pelas red es de solidarie-
dade, de acolhida, colocaçao e aliança, qu ase sem pre corn base regianal.
estrururadas na urbe ao 10ngo de décadas. Ali se elaboram a: novas rela-
çôes, os novos itinerarios que permitem il: geraçao seguinte empreender
uma vcrdadeira ascensao. 0 caso dos imigranrcs vindos de Auvergne, exa-
minado por Françoise Raison , é exem p lar.
Nao esqueçamos a vocaçao, apice da csca la das ambiçôes, cujo ca- AS J-1 GUR.~

rater irrepreensÎ\'el freq üenrememc perturba - ou exalta - a "ida DA VOc:\ç.~0


privada das familias do século XIX . 0 modelo da vocaçao reli giosa in-
cremema seu domînio, como demonstra, aind a uma vez, 0 aumenro
dos efctivos cclcsiiisticos até 0 advcnto da Terceira Repûbli ca. A exten-
sao social do recrutamento varia a tal pontO conforme as dioceses que
pareee i0l1ei l remar mesmo uma breve sÎnteSl:. No maxim o podcmos
464 liunOOIHiS
- . .-11" . ';'1,

tra nsfc rénr ia. 0 riqu lssirno qua remao Ferd inand G:un l){)fl perde quinze
anos d e sua vida no dreere, resiste às sli plicas de sua famfli a e de sua
noiva, supona as suris sevfcias dos rarccreiros pa ra nao ter de solici lar
o pcrdâo Impe rial; libertado, por fim. dcvota il. causa n:publica na 0 res-
ta de sua èxistência. Numerosos militantes operarios, que vivem um a
pe regri naçâo quase apostôlica, muitas fem inist"as, que decidcm pe rma-
nccer vi rgens ou pelo menos sohei ras, varias educado ras ascélicas mo-
delam, mais ou menos conscientemente, sua condu ta conforme 0 antigo
figurino. E jii raz bastante [empo que Françoise Mayeur deslacou 0 as-
pecto co nvencu al da Escola Normal de Sèvres. C<:nameme seria frurffero
reexaminar nesta perspectiva. de consagraçao do indivlduo privado e
disso luçâo 00 sonho roletivo, os intimeros ve.'"rbetes do Dictio""oire du
mouvement otlvtùr [Dicionario do movimenco opera ri o], publ icado
pelo infaeigavcJ Jean Maitron.
Enqu anto aguardamos, uma ccneza se im pôc, enctrrando este cs-
boço de uma h istoria da ambiçâo: a freqüéncia e amplitude da deccpçâo.
Em 1864 , os alu nas do cu rso classico sonham corn carreiras dl; generais.
grandes proprietârios ou advogados; imaginam-se reirorcs, fun cionari os
do registro civil, mei rinhos. A decepçâo do bacharelado mostra-sc simé-
trica à da jovc nzinha, burguesa ou camponesa; esra sonha corn 0 princi pe
cncamado ou a belo cOr.lpaoheiro mas nâo ignora ,!ue a estratégia matri-
monial , cujas impcrativos interiorizou, iril arirâ-Ia nos braços de um ccl i-
batario envcl hec ido ou de um triste palcrma.

A VIAGEM E
AS VAGABUNDAGENS DA ALMA
Enlre a auin3tura da Concordata destacar globalmente a progressiva "ru ralizaçao" do c1ero. Amitide, 0 pri-
(IBOI) e 0 fim do Segur/do ImPéno,
meiro chamamento faz -se ·ouvir à véspera da primeira comunhâo, por oca- Du rance a primeira metade do sécu io, opera-sc uma rcvol uçâo nas A r\on.
mU/llp/icam-u al vocPf6el feminin/n. EXP EKl~:"':CJA
siâo desta crise de misticismo taO hem rclatada, fora de época, por Geor- maneiras de viaj ar. Elabora-se uma nova experiência, destinada a ocupar
Segundo C1l1ude lAng/où, e/aJ DO E~?"ÇO
a!cançam 0,8% dl1 popu/af8o amplo espaço nos devaneios da vida privada. a modela dassico do itine-
ge Sand e vivi da corn tama imensidade pela desgraçada Caroline Brame.
de mu/hue;. hUllo na Jociedade rario calmo e sere na, poncilhado de escalas citadi nas, que esti mul a\'<l. a
Apcs 1850, a exaltaçâo da figura do anjo, 0 crescÎlnento do culto a Maria,
como no Jào d:J fomi/itl, (1 19re/a t-urista a cncrcter-se corn obras de acte e visitas a monU!llentos, lClHamen-
d3 Fr311fa com.; com 0 JeXO jrJgil a promulgaçâo do dogma da Im",,,:ulada Conceiçao, a onda de devoç6es
te cede lugar a urna prat ica datada de fins do século XVIII e cu jos mode-
p<lr3 ü"lIr (1 bom fermo (/ conquùtp que conduz ao enaltecimemo da personalidadc de numerosos santos até
duJ a/mas. Uu/n]tlrnes ROligeron,
las foram ddi nidos pel as cxcu rsôes alpinas de Saussure, as ca minhadas
entaO neg ligenciados e 0 recuo do amimisticismo amerÎor concorrem pa- de Ramond de Carbonnières pelos Pireneus ou as de Cambry no Fin istè-
Ordcnaç2o no Carmelo. "fliJeli
de Dijon.) ra exacerbar um sentimemalismo juvenil contido cm seus impulsas pela re. r-aze r fremi r 0 eu, enri quccer-se corn uma expcriência nova do espaço
negaçao circundame do corpo. A grande eclosâo da VJuriofonia, que se e dos ou trOS, vivida fo ra do quadro habituai, const it uem emâo as meras
dcsenvolve em La Salen e (1846) e Pontmain (1 871), atesta a presença ce- essenciais. a viajame gosta de confromar-se corn a (ena grand iosa, as
leste e aumema a freq üência dos apelos. paisagens caôticas. Dom inando a fa lésia, semado bem peno dos abis·
Seria também convenÎente refleeir sobre a deslocamcmo comem- mas, cie ani nha-se nos flancos da momanha, a meio cami oho emre
porâneo de uma figura laicÎzada de vocaçao. Cenos pol1ticos burgue- os cumes solares e a segurança do vale. Suas IcilUras collvidam·no a de-
ses, apôstolos populistas, testemunham corn suas vidas a realidade da [rontar-se corn os bons sclvagens que habitam estes rdugios. A imagcm
466 Jj,O"mVOHfJ
l o Sf(,ïU,'DO DO /NDWfDt'O 46 i

No Belle Époqlle é em fomf/io do highlander de Wavedey, do Îndio d e 1..0 prairie lA p rad ariaJ ou das gruta, 0 descampado agitado pelo venta, a costa batida pelas vagas, 0 pro- A Jembronftl do excllrJJlo . 'huôù:Il"
qlle olluceJJorel de monitelir margens do Messachebé suscita urna etnologia rude e povoada de fa ntas- conldbui PtlfJ se/tir Il «MMO do
Pern"cha n e'Jjrenlllm ll1!Jonlonho. mont6rio sobre 0 quai ergue-se 0 farol brevemeOle serno os cenarios pri-
mas. Os s.ibios da Academ ia Ceha e pouco depois os arque610gos das as- anu/o [aff/disf 011 dll rede de omigos.
A expons40 dOl priliClll esporlilJos vilegiados da contemplaçao. A leitura de René ou Dominique encoraja Enqullnlo celJd en/te 01 Iralulh4dorel
renOIJ3 0 modo, ji balillnu Ilnligo, sociaçôes ciemfficas apontam ao via jante os traços de u m passado incrus-
a adoçao de novas conduras. Jean .Pierre Chahne constata que, apesar da o prJlicll dOl T1IigrIJfOeJ lemponiril1s,
do exctmiio lis ''ge/eirIJl'' dos A/pel tado na terra e sugercm misteri osas correspondências cntre 0 minerai, 0 tI IJÙJgeT1l luriU/Cd prop6e Il '!:JIIIlI
proximidade da praia, as longas caminhadas e os solitarios devaneios cm
ou dOl Pireneui. vegetal e 0 humano. cOff/odos dll pOpU/Ofiia lodtl Uf1Ul
meio aos basques constÎtuem os melhores lazeres dos bons burgueses de
Os turistas que supedotam as estâncias hîdricas emprcendem a es- gomll de emo{oes refinodul. AI e/iteJ
Rouen. ponstenJeJ e 01 eJlrongelrol mal
calada em grupos dos primciros cumes das montanhas vizi nhas. Desde
A partir da Monarquia de J ulho, contudo, empreende-se urna nova perdem 0 monopa/io dll iklcoberlo
1816, Maine de Biran arrLsca-se pelas Pireneus, cam seu Ramond oas maos.
expcriêocia, conforme testemunha à perfeiçao 0 circuico brecao de Flau- do lem·lano. (P.m s. Bihliolull
Os guias rurîsticos publicados sob a Monarquia deJ ulho indicam os "pon- NOClonai. )
tas de vista", mais tarde os "panoramas"; levam, assim coma a imprensa bert e Du Camp. J a entao nao sc encontra mais a mesma expcctaliva das
pitorcsca, a urna nova propedêuüca do ol har, logo reforçada pela desco- revclaçôes da terra, a mesma busca metafrsica e etnolôgica, a mesma prco~
bena do instamâneo fotogrwco. Entâo rCOOvaffi-se os itinerârios: apas os cupaçao corn correspondências. Em contrapartida, aumenta a disponibi-
Alpes e a Auvergne. a Normandia e, mais tardiamcnte, a Brctanha co- lidade para sensaçôes e mensagens da cenestesia; 0 corpo eoconrra·se mais
mcçam a ser atraemes, a despeito da p recariedade da rede hoteleira. Du- engajado 00 oova circuito. A p ratica de panir para 0 campo nas caleças
rante a Monarquia de J ulho e 0 Segundo Império os componamentos se de Courbct e nos barcos de Maupassant, a moda da praia , onde se bus-
vulgarizam, através de um esca lonamemo c.ronolog ico bem compreensî- cam 0 ar e 0 frescor, mas ainda nao 0 sol, as audacias do ban ho de mar
vel. Enquanto os bons burgueses de Rouen empreendem viagens à Suiça, a 13 graus centigrados, cujas fortes sensaçôes Didine relata-nos cm seu
Perrichon arrisca a vida no mar de Gelo. album, lcstemunham CStC primciro estâgio do desnudar dos corpos.
o simples pa.sseio l'ambérn se uansforma. 0 descjo de um rcfû- Deve·se ((namente acresceLHar a isro 0 papel de iniciaçao que
gio no seio do quai busca-se a emoçào das vibraçôes intimas e 0 con- assume, pan 0 jovem culto, a grande viagem ao "Oriente", ou seja,
sola do serena cspctaculo da natureza, ou seja, a expcriência de Rous- à Espanha, Grécia, Egito ou B6sforo; ou ainda a difusao, e em segui-
seau na ilha de Saint- Pierre, conserva seu prestfgio porém renova-se. A da a degradaçao social, da viagem de nupcias; tempo de urna dupla
() If ; :::'0 no ISD! : 1nl '0 4(\ <

I1llo:t!."ào, SÎ rHt".(" das pr{it Îcls ;lJltigas. que condul. os jOV{·o ... lOisais l :ln -
to a Vcllt' za t Tunis como à costa da Brctanha ou aos (j o rd cs ch Norucga.
,\ viagcm pc rmancce urna pcripécia: impôt: urna colcçiio de: rCCOf-
daçôcs cuj'I im ponànc ia l'ode-se apcnas imaginar hoje cm dia. 0 indis-
pcnsâvd album aba rrotado de Îm pressôes fragmemarias c croquis iospi .
rados na mod a do Vo)'age pittoresque IViagem pitorcsca]. as numerosas
anotaçôcs c eonlOS pu blieados pelos maiores nomes, de Stendhal a Flau·
bert , de Gautier a Nerval, ateSlam a intensidade da experiêneia, Sera ne·
ecssario enrrctamo espe rar pela institu içao dos trens de rcereio e sobrctu·
do l'da aseensào das grandes pcregrinaçôcs, ou scja, pcla ofcnsiva que os
assuneionistas emp rccnd em entre 1871 c 1879, para que as massas rurais
J"\'TROD IIC TIO\' possam cxpcrimcntar por sua vez as emoçôes que ha (jllasc um sé:cu lo en·
riqu eeia m a dite.
Na cidade, 0 afloramcmo da fi gu ra do "pcrambulador", detee·
rada por Vict or Hugo e bem analisada per Baudelaire, Haduz simul.
taneameme a mutaçao do espaço publieo e 0 avanço da pn'v(lcy. Nova
transeum c na paisagem pétrea da eidade, 0 perambulador inaugura
as estratégias de privatizaçao que se desenvolverao no scio do espaço
- _- ...._M.....
.... "'_,L
publieo; neSte semide, aparecc eomo um elemento de lransi çao, Em sua
explo raçâo eitadina, aprecia 0 espaço que Ihe perm itirâ. reconsliwi r as
..... _--_._.
" ' ~ "-: :_7·~"-
cond içôes da vida privada; a prôpria rua tende a connituir para de a
imagem do apartamento. As passagens que 0 urbanismo da Monarquia
de Ju lho muhipliea e os cafés que aninham faci lmente a d aboraçâo
de novas conduras propôem ao perambulador fala ciosos interiores.
Chegado 0 tempo da haussmannizaçao, a gare e sobretudo a loja de
depanamentos, novo labirinto da mereadoria, fornecem derradeiros
refugios a esta personagem. Tornado insOli te, ci e abandona aos poucos
a calçada ao passame. 0 pedestre apressado, ansioso por garantir sua
segurança, corn 0 espÎrÎto absorvido por suas preocupaçôes, jâ nio pode
Im''''I''' I,·
<l'" ...."·,,,1 ;, 1''''-'-;,)''''1 ,1, < r,\ ,j,", , -,,",'0' l'E'''' 'I''' 0'1 l'AI;'''I'''' ' ,'" '''''''''''', dar atençao ao esped.culo da rua; para de nao se trata mais de fazer dela
d""",> 1.. ~ i"'I"i~",,· ,j'·(·I,i ,J, . t'i-n" ..t,,..,,,.,,,,,.>, """ 1., d"11",,,i,,,,, i,,,,
o prolongamento de sua residéncia.
d',hi,- \Iill("""'; ,",.•, Ja L'''''II''''.,
'l ''' ')," ,~ i. ,Jo',·ri ,-~.
Sabe·se corn quanta audiicia os românticos rcnovaram 0 imaginario, AS VERED.J,5
multiplicaram as pistas do sonho, enriqueceram as modalidades do mo· DO SOKHO
n61ogo ioterior e conv idaram se us lei tores à meditaçâo, à contcm pl a~o,
quando nao ae êxcase m:st!co. Pode·sc esboçar aqui as etapas de tao pro-
digiosa renO\"açao. Durante a Resl:lUraçâo rriuofa aqu d e devaneio sense·
rial no interior da natu reza , propoSlQ por Jean.Jacques Rousseau, emi·
quccido por Lamarti ne, que permite à consc iência abandonar·se aos mo·
vimentos da \'ida imerior. 0 pe nsamemo da morre, 0 tcma da fuga do
tempo freore aos vestîgios do passado, a eontcmplaçâo do oceano ou da
noire esrrclada, a escuta do rouxinol eomandam as encenaçôcs da me·
ditaçâo.
Oepois de 1830 alargam·se os caminhos do imagioario; 0 deva· lAhord~. \ ';;;,;:em :lo Oriente'. 183(.
neio scnsorial perde prestÎgio em benefîeio do devaocio fabuloso e iti· (P"rù, Bib.;; :<!(;! Nacior..z!.)
470 M .f /ll)()JŒJ

oerante que dâ livre U1r~u j Jtll;iJ.: i ll:H.)(). ;iviJ;1 de p rojetar-sc fumo a par- A impordneja ar ribuida l'dos idcôlogos ft cenes tes ia e ii influência
ses cx6ticos ou 010 mais rell1o\O passado. do frsitû sobre: 0 moral guia por muito te:mpo as explicaçoes cientîficas
Resta sa bcr cm qu c med id :l {"STeS Icmas lilcrârios alimenraram atos. sobre os méGtnismos o nrticos. Conduz a p rivilcgiar 0 papel das mensa-
A muhipljeaçâo das barrcÎras qUl" gllard:IITI 0 seg rcdo da vida privada, gens orgânicas, visce rais ou cerebrais c simultaneamcme a val orizar a in-
a difusao dOlS novas disc ipl in:L5 som:hie:ls e :l cresccnrc precisâo do cm- fluêllcia das prcocupaçoes da véspera e dos resrduos das scnsaçôes diur-
prt:go do tempo cvidemememe s6 frl.efam esrimular a fuga p ara as vc- nas. Dar as dÎstinçôcs ope radas por Maine de Biran e, mais tarde, por Mo-
fedas do imaginario. As moças, p:micu larmeme visadas por tais limi- reau de Tours, Alfred Maury ou Macario, entre os $Onhos scnsoriais, afetivos
taçocs, passam a seT temadas pelas sonhos de amor etéreo; pelo menos e inrelecruais.
o romance epistolar alraycssa ra IOdo 0 século repisando esta imagem, Entre 1 84~ e 1860, concudo, urna pléiade de sâbios franceses renova
desde Balzac até Edmond de Goncourt c Marcel Prévost. A inacessi- perspectivas; para des 0 sonho nâo passa de um dos multiplos mecanis-
bi lidadc da yirgem, 0 isolamclHo do ir1cernaro, enquanto favorecem mos de regressao e dissoluçao das formas superiores do psiquismo; fica
as praticas da dcgradaçao scxual, inciram 0 jovem rapaz :l sonhar corn relegado à patologia, 010 lado do delfrio e da loucura. Os pesquisadores
a diiifana srIfide imaginâria. A graciasa silhueta cnrrevisc:l na igreja, 0 dedicam dc:sde entao uma grande arençao ao sonambu lismo, assim como
pcrfeito oval de um rost'O à lu z do vitraI bastam entâo para alîmentar ao processo hipnag6gico, ou seja, a estas imprecisas sensaçôcs que se im-
fanrasmas. paem nos limiares do sono, quando a coerência do pensamenro se desva-
oece. A obca de Moreau de Tours, De l'identité de l'étot de rêve et de
Encontram-se numerosos traços desta tendência nos arquivos da
l%lie !Sobre a identidade do estado de sonho e da loueura] (18~)), as-
vida privada juvenil. As caminhadas de Eugénie de Guérin pelo cemi-
sim como 0 fascÎnio exercido pela AlIré/io de Nerval, traduzem esta' 'psi -
tério patecem, até nas posturas , inspirar-se na iconografja da jovem
quiatrizaçao" das anlilises. Elabora-se entao uma cié ncia do sonho, que,
mulher e da morre. 0 "caderno de estilo" rcdigido por Léopoldine
pelo menos na França, reinara inconreste até a Întroduçâo da psieallâlise.
Hugo aos dezesseis ou dezessere anos d e idadc mosua q ue da se es- o probJema da hisroricidade da fenomenologia do sonho e da divi-
mera nas "dissenaçôes rned irarivas" e revela na aurora urna espan- sâo social das pratÎcas oniricas mostra-se mais ddicado. Jean Bousquet abre
rosa maruridade quanto a esta prarica. Um de seus rextos, imirulado o debate de maneiea perempt6ria. Segundo de, "apenas depois de 1780
Le soir [A noite], é uma longa anâlise de tal escado de devaneio. George os homens sonham estas cenas esuanhas, estes bizarros jogos sem signifi-
Sand relata como, cm sua ado lescê ncia, deixava sua imaginaçao criar cado" que constÎtuem a crama do onirismo comemporâneo. A acreditae
um parque de Versailles, que ela nunca vira. Em seguida é a jovem em sua tese, houve no fim do sécu lo XVIII uma reviravolra simultânea na
Aurore que adquire 0 habito de abandonar-se às ilusôes de um instan- forma, no conreudo e na funçao do sonho.
te, de entregar-se às mais loucas idéias; cm casa, a divagaçao itinerante De qualquer maneira, rodos os especialistas coincidem cm observac
tende a transformar-se cm mania. Ela avaliza assim a célebre extrava- um debi liramemo do sonho premonit6rio. 0 fururo deixa de poJarizar
gância virginal, subJinhada pelo discurso m éd ico. Aqui despoma inclu- a atividade onÎcica. Segundo George Steiner, a difusâo da cosmologia new-
sive a [emaçio flauberrÎan a da vida sonhada e nio vivida, cuja cxten- toniana e, em seguida, do evolucionismo de Darwin ;a nao permitem que
sao lamentavdmeote é impossivcl medir. sc procurem os sinais do amanhâ na obscuridade da noite individual. Di-
D1VERS1F1CAÇÀO o aumento da demanda onÎrica decectado por Jean Bousquet ex- to isto, 0 sucesso que continua a bafejar, duranre [odo 0 séeulo, as Clés
DAS IMAGENS plica a extrema atençao dispensada pelo século <l.OS pracessos do sonho, des songes [Chaves dos sonhos], difundidas poc mascates eotre 0 publieo
ONfRICAS
percebido como 0 mais secreta cemra da personalidade, protegido pelos popu lar, atesta, a proposito, 0 escalonamemo d~ compo:tamenros e a ma-
multiplos involucros da vida diurna. A fun de evitar qualquer anacro- nutençâo das crenças arcaicas.
OUlta evidência: 0 cecuo do son ho para 0 passado individual. Os
nismo, convém recordar aigu mas cvidências que 0 domlnio das {eorias
româotîcos 0 estimu lam, !>Ois consideram 0 sonho coma um cetomo às
freudianas levou a perder de vista. Durame as primciras décadas do
proprias eaîzes do ser, que esrariarn impressas cm sua p rimei ra infância.
século XIX, os fd6sofos interrogarn -se sobretudo acerca do estado no-
Este desenvolvimento dcve-se à reavaliaçao d a infância que eSta cm vias
[urno da alma; Maine de Biran julga que ela também adormece; Jouffroy
de se operar no seio da célula famil iaL
considera, inversamente, que ela vela; lélut, que repousa; scgundo os Menos garamidas sao as evemualidades do onirismo erôtico. tais co-
româmicos, 0 sonho equivale para a alma a urna verdadcira ressurrei - mo parecem dclinear-se. Casa nos atenhamos ao sonho literario, esta cla-
çâo. É nada menos que 0 ser plOfuodo que toma a palavra. ra manifestaçâo do descjo, freqüente no século XVIII, regride cm segu ida
o J E(,"/i/:"1l0 /)(1 /1\'/l1l7i)l'{) 4 73

at é 184 0-18 50. cm bent.:fkio das imagens de amor pl atônieo. A :lt ividadc
onirica acompanha ponamo a marcha do deva neio diurno. Ope ra-sc cm
scguida um Ilhido rClOrno ao erotismo. avança 0 sonho b scivo, prostibu-
lar. (al como os rerrata, por exernplo. Flaubert. A dar crédito a Chant:.tl
Briend . esta ond a se esre nde entre 1850 e 1870; 0 p restigio da vcnalidad e
sexual e a licenciosidade da festa Imperial rambém freqüeotam 0 sono.
Alfred Mau ry vê nesta volta do erot;smo a manifestaçao de urna nlXessi-
dade de . 'desamontoamento" (sic), despenado pela tentativa de descor-
porificaçâo cm curso. De fam existe urna curiosa sincron ia cotre este pre-
dorninio onrrico do sexo e 0 ascenso do angelicalismo. Os mais tûC2dos
pela tentaçâo do erotismo cm sonho scriam as mulheres histéricas e os
rapazes vi rgens - e agui recnconu amos 0 drama das pcrdas seminais in-
volunn'irias - , assim como "as pessoas que se ded icam a trabalhos iote-
Iectuais e à meditaçao" (Macario). Aiguns sonhos norurnos narrados por
Edmond de Goncourt e, mais ainda, as ceoas ooiricas de incesto relatadas
por Ju les Renard em seo d ii rio atestam a aguda consciência da rdaçao
que existe eotre 0 sonho e 0 desejo sexual, em urn momento em que ger-
mi na a psicanilise.
Yale registrar ainda a freqüência do tema onrrico da viagem, da
diligência, do trem e da evocaçao de urna pa isagem; el emento tenden-

As ena/liras do pcsodelo /ombém /é",


SilO hù/6tio. Entrt! a inr1t!nfkJ dil
gl/i/ho/ino t! os nellf"QUS d<J finol
do sielllo, 0 simplificofdo do oru nol
dt! JI/pl/cio do eorpo, 0 r0101oç40 l

das figuras do ollgiiJ/in e da sojrimm/o


prollocom 0 me/omarfose d:zJ
rmmeiras dt! sonhar. (Pagina 472:
Glls/olle Doré, A rua da ,~lha
lant~ rna, 1855. Pons, BibliOUta
Nacionol. Ao Jado: Louis Boulonger,
li/ogrollllro iluJ/rondo "L'oeillom
poupières ", ex/ro/do dOl Contes
bruns. Pans, BiblioteCl1 Nadonol.)
°
4 74 JH s n OOkliJ
1 desâguam nos deHrios eswdados pela psiquiatria; é a l;~ta que ~c den.: :tt ri -
S~·(;~'E<' .' 0 INDWfDl"O 47;

buir a renovaçao das formas do pcsadelo. Assim tcriam se propagado, no


scio do sonho, os atos involumârios e episôdios de dcsdobramento da per·
sonal idadc. Ap6s 1850, as duas séries (onvergem kntamente (' sc mes-
dam, ao passo que se conclui a laicizaçâo do sonho. A partir de entâo
pode expandir-se 0 onirismo contemporâneo do absurdo c do biz arro.
Este fascinante pcrcurso, assim como certas obscrvaçôes que 0 preee-
dem, tende a referendar a hip6tcse, amifreudiana, da historieidade do
sonho. Nao se pode, corn efeico, deixar de leva! cm conta as numerosas
concordâncias que se estabclecem entre a hist6ria do imaginario c a evo·
luçâo dos conteGdos onrricos.

MEDIADORES DO COLOQUJO SINGULAR


Os ex-votos se mu//iplicam no Jéculo
XIX. Es/e ao /ado illulra pùn.llmenle
(J el/o/u(ao de sua es/rotura. 0 esP:Jfo
o estudo quantitarivo da difusao do livro rdigioso, realizado par EA APRECE SOU T:\.RlA
MEDlTAç.~ O
concedidO!lOI i"ferceuores ceùJtes Claude Savart, impôe prudência: em pleno auge do Segundo Império,
fende a se reduzir, lU) pauo que a reediçao de antigas obras continua a sobressair. A cominuidade parece
se expandem mais amp/amen/e sem duvida maior ainda quando se analisa a literatura de brochuras des-
os epis6dios dal/ida pn"vada que
tinadas ao pûblico popular. 0 que leva a pensar que 0 pensamento rdi·
prol/ocam 11 gratidJo. (Noua Senhor.ll
de Laghet.) gioso e as formas da prece individu al 56 evoluîram muito lentamente. As
técnicas do exercîcio e5piritual ainda se inspiram esuitamente nos mes-
tres do passado. A Imitation {Imitaçao], que Lamennais apresenta em nova
te : c~nfirmar que esta em gestaçao urna nova experiência de espaço. 0
ttaduçao, continua a ser por muito tempo 0 mais d ifundido guia do cris·
propno Alfred Maury sonha corn majestosos sîtios, lugares que conte~­
taO zcloso. 0 "born cura" de Ars fornece 0 modelo de um ascetismo es-
plou como turisra; nada menos que seis cidades freqüentam os sonhos
piritual, aternporal, que opera a fusao dos mûltiplos modelas de santifi·
q~e rel:t~; e ~l,e~ conf~a, a proposito de uma forma peculiar de sensaçao caçao; e a piedosa Eugénie de Guérin ainda lê corn veneraçao santo Agos·
hlpnagoglCa: E pamcu larmente quando viajo que fico sujeito a estas pi- tinho, sao Francisco de Sales, Bossuet c Fénelon. Os missionarios da
wrescas alucinaçôes' '. Restauraçao, infatigaveis evocadores das torturas do inferno, inspiram-se
Seria interessante registrar 0 rcpercorio dos temas politicos do son ho: no tom dramatico dos pregadores de outrora. 0 româmico, fascinado pc·
ob.servo,.de minha. pane, que 0 gesto revoluciomirio retorna aqui enquanto la morte, vibra com as terrlveis entonaç6es de Tenuliano ou sao Bernar-
:ettn:.ottv nos escmos dos cspecialistas; testefl1unha inconsciente da pro· do; corn toda a naturalidade, a meditaçao sobre os fins ûltimos ingressa
tundldade dos anseios? 0 sonho da guilhotina, vivido por Maury e reto· nas novas encenaçôes da rnelancolia.
~ad.o por Bergson, conquistou a celehridade, assim como 0 das pinças, Feitas estas reservas, nao se podcria negar originalidade à piedade
IOsplf3.do ao mesmo Maury pelas jomadas de junho [de 1848]; porém calvez do século XIX - terna um tamo negligenciado da sociologia religiosa,
na~ se deva ver mais aqui do que dois destes sonhos sâdicos que Chantal inteiramente absorvida pela preocupaçâo de medir a descristianizaçâo. A
Bnend afirma terem proliferado em fins do século passado.. .anâlise das Îmençôes da prece e dos testemunhos de gratidao conduz a
Este punhado de consideraçôes parece bem desconcxo diante da ma· sublinhar a especificaçâo que se accntua e a familiarizaçâo das preocupa-
j~s wsa construçâo arqllitctada por Jacques Bousquet corn 0 reforço da ana- çôes que os recursos suscitam. As preces pela conversâo e salvaçâo do es·
lise de c(ntenas de sonhos Iiterarios. Scgundo este autor, desde 0 fim do paso ou do irmâo, pela prosperidadc nos neg6cios ou 0 êxito nos exames
A~ti.go Regime diversificou·se progressivamente 0 estoque das imagens agregam.se ao ja considerâvel estoque das demandas de cura individual,
omncas, até entao estritamentc limitado a evocaçôes do paraîso e do in- boa sorte cm viagens marÎtimas ou salvaguarda do soldado; a este res·
fern~. Na d~scendêncja do Éden inscrevem-se os sonhos de jardim, cm peLto, 0 testemunho dos companheiros do padre de Ars coincide com
segUlda as vIsôes de paisagens naturais; ao inferno reportam·se as visôes os resultados obtidos por Bernard Cousin. Nunca 0 ex·vota foi tao difun·
de subteuâneo e de cidade, assim coma todos os sonhos de angustia que dido corno no século XIX; na Provença, seu dedînic 50 chega durame
4 76 M Y}1D()R/:'.\
l
É J (J sirulo X IX q u ,; Je "t'I'<' o pcrfodo 1870-18 80; este sfmbolo m:uerial de reco nhecimemo Iraz a marca
Il m.lI'ona d OJ call'oino! org Jf11z JdoJ
t
IIU (J IIIPU fr3l1cés. 1('J1e mull /;;mdo
J l 'er/ .:nlt' IrJgica dJ )(' flJibilidJd"
rdigioSt1 da ép oco. A l Ileltes b rot/caJ
das preocupaç6es da pcqucna burguesia, para a quai tomou-se uma for-
ma de cxpressao priviJeg iada. A nescente atençao dcdicada à figum do
bcndiciario combina também com a asccnsao do individualismo, que recn-
T
!
dos 1/1O[OJ qU t ilCo nlponham contramos a cada passo.
a procùsJo tÏ1ISlrom cm CO nlriJ!le
A fami liarizaçao do recurso manifesta-se ainda no progresso da pre-
o Cluater serajico de umo piedodt
dt ",eados do !éculo profundaffltnle ce pelas aimas do purgatorio; é cmao que esta devoçao rama-se realmen-
fnarcado pelo culto 0 Mtma. (Acim:.l." re popular. Para aliviar os sofrimentos dos mottos de sua famflia, que ao
É,mle Charlel, Safda de proôssl0.
que ele acredita ouvem seus apelos, 0 filho piedoso manda celebrar mis-
Saliio de 1913. Embaixo:Ju/ts BUlon,
Imp!ancaçâo de um ca!vario. Mustu sas, comunga, multiplica as oraç6ts, esforça-se por adquirir indulgências.
dt Ldle.) Em 1884, um padre de aldeia, a abade Buguet, que se imitulaci "caixeiro-
viajante das aImas do purgat6rio", funda cm La Chapelle-Montligeon a
"Obra Expiatoria", fadada a conheccr um fulminante sucesso: em 1892
da jâ conta corn 3 milh6es de associados. Este possante crescimento reve-
la a necessidade da presença dos defuntos no local em que viveram; semi.
mento traduzido também pela moda do espiritismo, que deslancha nos
meÎos cuiras corn 0 advento do Segundo lmpério. 0 desejo de evocar os
desaparecidos aumenca depois que a cuita familiar dos mottos foi codifi·
cado. Comprcende·s,e a partÎr de emao que a ênfast deixa de estar nas
chamas do purgat6rio e que 0 cenario do suplîcio provis6rio transforma-
se pouco a pouco cm uma espécie de confottador "parlatorio" (Philippe
Ariès).
Novos epis6dios da vida espiritua!, novas ritos de passagem da alma
se impôem, enquamo cresce 0 agnosticismo e aumenta 0 numero de livres·
pensadores. A experiência da perda da fé concerne a efetivos crescentes.
Também ncstc dominio aprofuoda.se 0 dimomsmo sexual. 0 jovem, so·
bretudo, deve provar 0 embatc corn a duvida entre os dezesseis e os 2)
aoos, ao ingressar na sociabilidade dos aduleos. Traça ducavel do passado
revolucionario, uma imagem tcigica mamém-se na retaguarda das cons-
ciências: a do padre renegado que convette 0 sacerd6cio em escarnio e
que inspira Barbey d'Aurevilly no mais brilhante de seus romances. Fren·
te a da, avulta a figura do conveniciù. A nova categoria de zelosos cristaos
que conduz tentativas de reconquista extrai um redobrado confono da
evocaçao desta experiência individu al que rtoricnca coda uma vida. De
madame Swetchine (181) a Ève Lavallière, "a cancârida malva" (1917),
de Hu~'Smans a Claudel, de jodhos ao pé da pilastra da Norre·Dame. uma
coorte de arrependidos célebres, fulminados pela fé, ajudarâ a aplacar os
temores da dilvida e os SUStOS do abandono.
A EXAITAÇ.A.O Para além das generalidades, convém, urna vez mais, dividir a sécu·
D.... DOR la em dois periodos distintos. 0 primeiro (raz a marca de uma sensi-
bilidade barroca que culmina sob a Restauraçao e onde domina a exal-
4 78 h'MnOOJŒJ

taçào da dor. Assim tcstcmunham a ieonog rafia c a litcra tura qut: dao
l o JEGiŒDO DO f{l.1)!vtDI'O 4 79

apoio à preee. 0 rt:alismo corn que se desc revcm os sofrimcntos de


Cristo se exacerba a(é ombrear corn 0 sadismo. A publieaçào, em 1815,
de L'il1tén'eur d e jéJus ct Man'e [0 imcrior de Jesus c Maria], de Grou,
e a traduçao, em 1835 , das Visions d'Ann e- Co/herine Emmen'ch sur la
vie de jésus et sur sa douloureuse Passion IVisôes de Anne-Catherine
Emme rich sobre a vida de Jesus e sua dolorasa Paixào 1 delimitam 0
periodo. A agonia do J ardim das Olive iras suscita entaO terrivcis pagi-
nas. Nesta literatura, que inspira a eseola neolamaniniana, 0 sangue
corre, esguicha e rccobre 0 corpo do crucifieado. lmpëie-se 0 costume
de cingie a imagem do coraçâo corn a coroa de espinhos. Difundem -se
imagens do Cristo corn um dedo apontando para seu torax abeno. Os
Eù uma un3 ainda muùa
rornânticos fazem do proprio Menino-Jesus urna figura sofredora; é negligencÎ3do pelos hù/ori:uious.
entao que se eJabora a ieonografia do Menino corn 0 Sagrado Coraçao o culto domùtico IlbJOTTe 7101'31
cercado pela coroa sangrcnta. A devoçào a Maria testemunha igualmen- figur4s do 'ù/,; prit'3d4. A puce
te esta fascinaçâo; Nossa Senhora das Sete Dores, a figura do Stabat e se" 4prendiurdo estreÙIZ711 os ";nculos
en/re moe e filhol. A indin:Jf40
mater focalizam a piedade mariana. Ainda cm 1846, a Virgcm de La pela Menino Jesus con/M'Il' Pllnl
Salette traz as insignias da Paixâo. in/ensificar 0 intercimbio
A prâtica revela esta sensibilidade trâgica, confonada pela crcnça na 4e sentimental.
circulaçao do sanguc de Cristo através da historia. Numerosas mulheres,
A imagem da pietiade ocNtil
e mesmo moças, filiadas ou nâo às ordens terceiras, usam , a exemplo de
com reg/umo e sem rot/nos Il th,
edesiisticas célebres, um cilicio ou até terriveis cintos metilicos. 0 padre e 0 !lJtlgue do Cris/a TOm8nlico.
de Ars f1ageJa seu "cadaver", enquanro Lacordaire faz corn que 0 piso- Muito di/undidos. estas 0'.;;&1
reiem e cuspam na cara. A imitaçao de Cristo ja nào basta; as novas pre- inspiradas pelo 54grado Cor.;;40
ces exaltam 0 tema da penetraçao romo ao reffigio ideal. lnsisrem 00 de- contribuem p4r:J enroizar n:n oImol
sennlleu 0 f:uc;mo do marte.
scjo de habitar 0 Coraçào de Jesus, de chegar a de pela comemplaçao Cabe à mae comar a criança no colo, unir suas maozinhas e fazé-Ia ba1bU-
de suas feridas. A mesma sensibilidade origina a pradca do caminho da ciar as primeiras palavras. Assim se eoraIza nos pueris coraçôes as ima-
cruz; esta, comudo, nâo se difundirâ amplamente antes da segunda me- gens da Virgem e do "Pequeoo Jesus", associadas às da mae. 0 suave
rade do século, coma demonstram estudos realizados nas dioceses de Ar-
aprendizado vern renovar esta rdigiao doméstica ainda tao pouco conhe-
ras e Orléans. Yves-Marie Hilaire observa a prop6sito que jamais se cons-
cida dos hîstoriadores. Prepara 0 decreto Quam singulan' que, em 1910,
truiram tamos calvarios como ,no fin al do sécu lo XIX.
autorizara a comunhâo privada.
RUMO A UMA A piedade se detém apos a frarernal revoluçào de fevereiro de 1848.
PIEDADE SERAFICA Dez anos antes, 0 médico trapista Pierre Debreyoc jâ criticava a vio-
o culto do "santissimo sacramento" e os progressos da comunhâo
freqücme concorrcm para a distensâo. A adoraçâo perpétua que, a titulo
lência ascética, acusada de favorecer ramo a histeria como a tîsica. Vma
rdigiao mais afetiva coloca em xeque 0 reino do medo e do antÎmisti- de exemp lo, é instituida em 1852 na diocese de Orléans c reabilit~da. n?
cismo. Os ternas da iconografia evoluem para urna maior plasticidade. ano seguinte na de Arras faz anorar urna nova fonte de emoçâo mdlVl-
A nova manofonio e a evoluçao do dogma lrnpëicm urna piedade sera- dual. Esta guarda igoalitâ.ria de Deus, este cara a cara solitario e prodi-
fica; a radiosa donzela branca de Lourdes afasta-se da Mo/cr doloros(/. gioso impressiona os mais empedernidos fiéis. Nas relaçôes do "bom
de La Salette; a suave imagem da lrnaculada Conceiçào de Sées alia-se cura", gOHa-sc de evocar a figura daqude camponês inculto que vern passar
à figura confoftadora do anjo da guarda , que, em breve, ira triunfar horas a fio na pequena igreja, uoicamentc para visita! 0 Born Deus; a quem
no "cromo". A propria virgem do Sacré·":ocur d'Issoudun nad a mais o imerroga sobre as formas de sua devoçâo, cie responde: "Eu 0 vejo e
possui de tragico. Ele me vé' '. Este sublime nrvel zero da prece convida a nâo esquecer a
lmpëie-se urna nova cena, que simboliza a distensâo: a preee in- imponância de recitar 0 rosârio e meditar sobre os seus mistérios. ~ais pra-
fanti! e maternai. Os manu ais de educaçào exaltam 0 "tocante quadro". dcas tendem a se amplificar e ao mesmo tempo a se populanzar en-
4S0 flA \Tm()~'1 \ n .l'/·'(;fE'0 PO INDlvfDlJO 481

[rc 1850 e: HŒO, graças .10 rc: ~ urJ.:im<:lH o ou cri:içào dt: numcrosas con-
frarias.
Ap6s 1850 multiplic:im-sc as devoçocs paniculare:s. ESla dispefsào
do H:curso, esta mullipliC:lçào dos ÎmcrloculOfCS da prece:. abundantt:·
mente teslemunhada pela eSlaruaria de mau gosto, consl ituÎ um habil
esuatagema para entrar cm Juta conua 0 cu lto popular dos "bons
samos" e das "Loas fomes", culto cuj a persistência muiras hislOrÎa-
dores mostraram tanco cm Charente coma cm Limousin. no Loir-et-Cher
ou cm Morbihan. A mesma esrratégia podcria ter dirado 0 renasci-
menra ou a fundaçao de numcrosas pcregrinaçoes diocesanas, e acé
camon ais, antes que venha a inflar-se, ap6s a derrota da Comuna, a
moda das grandes manifcstaçôc:s nacionais orquestradas pelos assun-
eionisras.
No inîcio da déeada de 1860 desenha·sc a nova imagcm de uma rc-
ligiao séria, moralizame e sobrerudo calcu lista, pauco dada à gratuidade
c à cspantaneidade; 0 discurso da picdade passa a cmpregar a linguagcm
do eapita lismo: esta é a eonclusâo principal da pcsquisa de CJaude Sa-
vart. A nova concepçào utilÎlaria da preee. cm harmonia corn a macla dos
ex-votos, conduz a uma rcnovaçâo do ascetismo. Enquamo os genuflex6-
rios bu rgueses vao sc ramando mais confortavcis, a violência fÎsica cede
aos poucos li comabilidade dos méritos. A disciplina cotidiana sobre os
impulsos, a oferenda da fadiga do trabalho, as abstinéncias moderadas
estimu la um incessante calcu lo da aJma. que integra imimamente a pre- NOl pn'rnii,dios da Terceir3
ce ao dia-a-dia da vida privada. Repub/ica. a boneca aÙlIla conserva
A BONECA o mon6Jogo imerior precisa de imerlocucorcs mudos que entrete- IZ apar;ncla d~ JIma jOllenzinhl1
E 0 MONOLOGO nham a vibraçâo da alma. No século XIX {rés deles descmpenham um que aulonu Il identificlZpo
INTERlOR e a confid;nciJ. No fina/ do J&u/o,
pape! nao ncgligcnciavel; e 0 primciro dcles é a boneca, cuja complexa
ela Jo concorre I1penal p,ua 0
mediaçao nao foi analisada até 0 fim. aprendizlldo d:1 funçJo r/1lZlerna.
Durante a prime ira mctadc do sécu lo XlX, observa Roberc Capia, (Henn· LauunJ·DesrouJJeoux,
"a boneca francesa nunca tem 0 aspecto de urna mcnina, mas 0 de uma A toalete dltS bonecas, Solda de 1904.
mulher em miniatura, cujas coupas, muico cui dadas, scg uern de peno Pans, BiMiolN:1 das Arles
Decoratit/,)!. )
a t'voluçâo da moda". A ciorura fina, os quadris largos correspondcm
aos cânones da beleza feminina da época. 0 eorpo da boneca é de pa-
na ou pele de cordeiro. corn enchimento de strragcm. A cabeça e 0
colo sao de poprà môché, os dcotes de palha ou metal. A boneca acom-
panha 0 passcio da criança. A gama dos modelos, a riqueza dos enxo-
vais, as dimensôes da casa rep roduzem a hicrarquia das posiçoes; por
isto 0 brinqucdo faci lita a tomada de consciência da idcntidade so-
cial. E a boneca ascende corn taoto maior fa cilidade à condiçao de con-
fidente. A literarura q ue a anima e Ihe empresra uma linguagem, assÎm
como 0 progressa técnico, estimula esta funçào psicol6gica. Desdt:
1824 , fabr Îcam-sc brinquedos que falam ; em 1826 aparecem as primeiras
bonecas que and am.
Por vol ta de meados do século (1855), opera-sc uma revoluçao: eo-
481 IlAJ 71D()RfS
. \/Jwil l//() 41,-,
lI"'J "tipi.; (;/ (1.1 /, {' z fIIJÙ j u q iloll.' quanto a gut a-percha sc impoc.;1 bunn:a tende;1 torn:tr- St: um a menin:!.
COIII 0du orrcr daJ t/Ù iJd.1J. impropriamcnlc· cham ada dt" ··bebè' '. Ao longo dos anos , 0 noyo modt:-
o ofil!go 110 animl1l tir eJli mJ(Jo
10 u iunfa. Este re juventsc illlcllt o facilita a idclH i!icaçao: estimula a rdk-
coinf idl' fO!fl IIJ uprl'unl.1(6f'J
da Jl'lIJibilidode /eminilla. (VJ/én"e xiio so bre a rdaçao maelfi lha que.: sc re.:produz cm uma vora gcm e so!iùt:l
ROflenbourg, Sej2 bonzinho!, a anrecipaçào imaginaria. EntreulfHo, a COcx islência , durante 0 Segundo
Sl1liio dl! 1912.) Império, de brinqucdos cm forma de mulher e de "bcbê" permite uma
rclaçâo ambigua, de exccpcional riqucza. Bordar 0 enxoval da boneca, or-
o dllgul!fuOJipo jii JI! eJ/orpl 'll parJ
COnJeTVar os JrafOs do amigo fiel. ganizar um bai le: para da, imagina r seu casamcnto delineiam 0 destina
Tomhim 0 cào dewu posar. (P,ms, que viti; [Oda esta atividadc camprccndc adcmais uma sociabi lidade in-
BibliOlua Noe/o"al.) fanül que pcrmitc 0 aprendizado dos papéis femininos e dos usas
mundanos.
o constame rejuvenescime.:nra d as formas da boncca muda aos pou-
cos os dadas do colôquÎo singular, cmpobrcct:ndo- lhc 0 comelldo psico-
lôgico. Quando, cm 1879. aparecc a "bcb&-chupcra", chamado "bcb&-
mamador", quando 0 vesruârio nào passa de cuciros e fra ldas, quando
a casa de bonecas reduziu -sc às proporçôes do berço, nâo hii mais idemi -
fi caçao ou confidéncias possivcis, 0 nova bri nqucdo ronvida apenas ao
aprend izado do papel materno; rcnovaçâo de intençôcs que traduz uma
novidade gestual pueril. prelCidio da escola de prendas domésticas.
Em 1909. a evoluçào se comp leta , É entâo que aparece 0 "bebé-
narureza", que tem a cabeça de um recém-nascido, 0 suc<:sso do nova
modelo é imediato; prepara 0 do "banhista". de celul 6ide, que aparcce
cm 1920. Mas na época ;:1 impera 0 animal de pdCicia. rcproduzi ndo -
e estimuJando - uma relaçâo que nâo dcixou de sc ampliar ao longe
do séc ulo.
o ANIMAL A historia do anÎmal de estimaçâo rcvcla, igualmente, a imponân-
DE ESTIMAÇAO cia do cone que se delineia por volra de mcados do Segundo Império.
Até emao prolongam-se as condiçôcs elitistas estabelccidas sob 0 Antigo
Regime. A corec de Luis XVI jâ rompera corn a rradiçao cristâ da indife-
rença - ~e nâo desconfiança - diante do anima l desp royido de alma;
rompera também com 0 animal-maquioa dos canesÎanos. Fora-se 0 tem-
po em que Malebranche dava ponmpés no ventre da gata esperando cria,
surdo aos gritos que atribuÎa aos "csprritos animais ' '. A afeiçâo que Rous-
seau dedicou a seu do fiura escola nos salâes; deixara-se de considerar
o an imal coma urn boneco vivo para ver nde um individuo, digno de
senumento.
No alvorcrer do século XIX, a cl ar crédito a Valentin Pelosse, a re-
laçao afetiva é admitida; c é inclusive de.:signada coma pci rica estabc·
lecida, mas sob duas fo rmas privi lcgiadas. Antes dc mais nada, exalta-sc
o vinculo que une 0 dio à mulher. Os doces sorrisos, os olhares afe-
tl/OSOS, as " inorcmcs carkias", a " brincadeira fo lgaza" atestam esta
tendência para a ternura, eHa abcnura para a piedade que 0 d iscu rso
médico rcconhece na mulher, Tais gestos fcnJininos de compaixâo sac
."·,' //I)(JRf ' /) .\l'(,ii/'I>O I X I/!,'I I /I ·/I.>I'U 4H5
,\ l-pOla rOlllÙIlÙ l ;( i-;')Jllt: u.: Il UIll t:ru~u~ n;nllplo~ Je ;Ili(ud t·~ d t.: lef-
nura para cam 0 an imal dt Lomp--.rnhia. Eugénie dt Gué rin ama se.:us de.:·
zinhos; :!ca ricÎa-os, cuicla dcJcs, reu por des: chora a pe rda de um c dt·ci·
Je cmewl·1o condignamcllic Este npÎtu lo de ~ua \,iJa afeliva ocupa amplo
espaça cm seu diari o, Seu amOf dirige-sc também ao pâssaro. (!Special-
mente 0 rouxiool ; sua arcma solicirudc csrende-se mcsmo aos fnfimos mos-
quitos que atr--d.vessam a pagina de um :ivro. Ja aqui a animal faz-se fe-
curso comra os tcmorcs da solidâo.lsolado, cm l84 1, cm Cita\'C(chia, triste
por nâo l'Cr ninguém a quem am.ar, Stendhal afaga seus dois cachorros.
Victor Hugo mosua-sc muitO apcgada ao bom câa que 0 acompanha no
exilio. Os cadernos dt: Gambon sio :;ûnda mais revcladores dt.'Sta sc nsibi-
lid ade. Quase cinqücmiio, ele deu."2-se comovcr pelo o lhardo bai. a viV<l-
cidade do cava lo, a fragi li dade do ameiro. Na prisao, tal como fazia Sil-
vio Pellico, alimenta uma aranha e lcm par companhia um caramujo. Em
Dolleos, Mazas, mais tarde em BeUe-Île, cie cria e Hala de loutinegras,
que sc tornam suas melhores amigas. Aprcnde corn um companhciro de
infortûnio, um pobrc camponés do Limousin , 0 canto dos pintassilgos;
emprcende até dirados musÎcais!
Uma cena destas constirui bom indkio do apcgo dos homcns do povo
l''v':;,..;/ do ,éculo abOft1-U aos animais. Convém , corn cfcito, nio se d ei xar levar pelo discurso domi-
" rt rm Jo do lafo fk dependùm ..:
nante sobre a brma lidade do carroceiro e as praricas sangu inarias dos or-
no :r.;<rior do espsço pn'Jlt1do.
(Cb.;.--;'u TreJlOr Ga,{:md, Menin:. ganizadores de brigas de galos ou de caes. Em toroo dc 1820, os campo-
d~:e:l.:kndo $CU gal O, P.;rù, Bihl:;,.;~:.J neses de Aunay.sur-Odon espamam-sc corn a cmeJdade de Pierre Rivière
t/.;, . ~ --:êJ DecOr.1,ù·;3J.) para corn ~ râs e os passaros; e ficam indignados com as sevlcias que de
impinge aos cavalos. A correspondëncia dos Odoard de Mercurol cnsina-
n<?s que 05 camponeses do Drôme tém 0 costume de nao abatcr os ani-
igualmente mensagens dcsti nadas ao homem. AnibuÎ-se desta maneira
mais que os serviram bem; e sabc-se da paixâo dos opc rarios do Nanc
uma nova funçao ao anima l no espaço doméstico: mediar a propedêutica
pdos pombos. Em 1839,) . B. Roch:lS Séon apresenra a Histoire d'un che-
do seocirnenro. val de trollpe [Hisrôria de um ca\>alo de rropa]. 0 cOntO é cdificame: um
o v10culo afetÎ\'o quc se escabelece entre 0 anciào e 0 auxiliar de
jovcm agriculcor nào teme alistaHe para seguir s: u cavala, com-
sua decrepitude constirui a segunda figura privilegiada. Alguns textos prado pclo Exército. Elc marre de risica, e 0 animal recusa-sc.:l. sobrcvive r
maiores balizam esta exaltaçâo d'a fidelidade do do: 0 sermào de Lacor· sem cleo
daire sob re a ultimo amigo do velhinho; a figura do cio branco do padre Apôs 1860, as concluras de (cmura sc difundem e sc .aprofundam o APRENDIZADO
de Joee/JTi e, mais tarde, a silhuera do infatigavel lobo Homo. levado à simultaneamente; opera-se entâo 0 .aprcndizado de uma vcrd:adeira neu- DE UMA NEUROSE
cella por Victor Hugo cm L'homme qui n't (0 ho mem que ri]. rose coletiva. Ja em 1845, a Socicd2dc Procctora dos Animais instala-se
A reroura dos ncos manifesta-se no espaça privado e é reforçada, em cm Paris. É cerro que a fundaçao da pravas de anglomania; mas rcflcte
contraste. pelas imagcns da violência animal e da crueldadc populares que também os esforços desenvolvidos por alguns franccscs z06filos, tendo à
se expandem livre mente no espaça publico, Ali se ope ra um Jasrima"cI freme a dr. Pariset. Sob 0 Segundo lmpério, 0 cao de apartamcnto lorna-
aprendizado do S:lOgue. que uma neccssâria profila.xia social ira proibir. sc um fato na socicdadc; 0 poodle. cm cspecia l, eSta na moda. Desd c en-
A adminisrraçâo da :\Ionarquia de)u lho começa por oculta r 0 abate, pela taO amplia-se a mania d as exposiçôcs can inas; en quanta cresee a obsessao
menos cm Paris. A i\ssembléia Lcgislativa vota a Lei Grammom (1850), por pedigree e pêlo escovado, a fotografia do bicho ju nta .sc à d as crianças
proibiodo ao prolct:uiado a vio lência publica contra animal doméstico; no album d e familia. D esenvolve-se 0 costume de e l1l crrar 0 animal no
medida sem maior a1cance, que tevc sobrerudo 0 cfciro de destacar a soli- jardim de casa; a aberrura de cemitérios publieos inaugura um novo cul-
dez das barreiras pro[etoras da vida privada. ro. 0 do chega a colocar um probkma para as companhi as ferroviârias,
(lIH, .',i. / , 'I>/J '/{'/", 4,, -
qU(! rcservam um vag ~o para cks, ënquanto isso, desde a Monarquia de
Julho, a gaiola de passarinho instalada no quaninho da jovem burguesa
ou na mansarda da costureirinha rcvda a sensibi lidade da proprietaria e
constitui um indkio de sua virtude, 0 livro que Michelet consagra ao pis-
sa ro cm 1856 confirma este apego.
Durante 0 ultimo quartel do século, 0 status do animal tcnde a
modificar-se. A crescente influência dos livres:pensadores favorece 0 cres-
cimento de uma nova frarcrnidade entre 0 homem e 0 bicho. Garantir
seus direitos, assegurar sua felicidadc é: tentar romper corn a nova solidào
do gênera humano. 0 problcma absolutameme nao se coloca em tcrmos
°
ecol6g icos; trata-se de enahecer sÎmultaneamente semÎmemo de hu-
manidadc e a utilidade social. A esco la primaria empenha-se em dar uma
crescente atençao aos animais, A vulgarizaçao das doutrinas evolucionis-
las, a cxpansào da mcdicina veterinaria, os êxitos da zootecnia trabalham
em favor desta nova fraternidade e avivam a temaçào do antropomorfis-
°
mo. Este alcança entào seu apice; aparccem obras que nào indicam ou-
Ira coisa senào a avidez de dialogo, especialmcme Zoologie pauionnelle
(Zoologia passional J de Alpho nse Toussenel.
Entretamo, igllalmente neste domÎnio as descobertas de Pasteur con-
vidam a uma mudança de conclura. É cerco que nao parece que 0 cuida-
do corn a assepsia. que levava a nao se acaricÎar um animal sem usar lu-
vas, tenha sobreviviclo por muiro tempo à moda. inicial das novas teorias;
o medo dos micr6bios ira atuar pelo menos em favor do gato de apana-
mento, menos malcheiroso e repucado como mais limpo que seu concor-
rente, 0 fclino, até encao limitado à alta sociedadc e aos roeios artÎstÎcps,
expande-se enue 0 povo. Os siameses da familia imperial, os companhei-
ras de Gâucier e de Baudelai re começam a ser apreciados pelos zeladores,
indepe;}dentemente de sua funçao raticida. Ao raiar do século xx,
inaugura-se entre 0 homem e 0 animal uma inversào na rclaçao afetiva
de dependência; 0 ultimo ;ase apresta a tornar-se 0 soberano e 0 senhor
do espaço doméstico.
o PIA.NO, Edmond de Goncourt exagcra apenas um pouco quando batiza
HAXIXE DAS MUlHERES °
a piano como "haxixe das mulheres"; é bem assiro que instrumen-
te aparece no imaginario da época. Danièle Pistone levantou na litera-
rora romancsca do periodo 2 mil cenas nas quais de intervém. Metade
dclas diz respeitQ a moças; um quarto, a mulheres casadas, A grande
moda do instrumento inicia-se em 1815; 0 pudonor trabalha a seu fa-
vor, depois que a harpa, 0 violoncelo e 0 violào começaram a parecer
Îndcccntes. Durante a Monarquia de Ju lho, 0 piano expande-se pela
pequena burguesia; em seguida, democratiza-se. Começa inclusive a
tOrnar-se um pouco vulgar a panir de 1870: comcça entào seu rclativo
ANglll1t Renoir, Mulher ao piano,
declinio.
18i J, (Chirago, Art /rtllill/le, Coleçâo o primado da funçào social do instrumento impôe-se como 0
Manin A, R;'ellon,) mais evidente resultado do trabalho de Danièle Pistone. Tocar bem pia-
j>( , I\

li lcrârio da boa mulh er, nao muÎ lO beb. mas compreensiv:1 t' se llsivd ,
que, corn 0 coraçao magoado, improvisa {trias pungentt's; cm resumo, a
mulher da quai) ules Laforge esrfcvera quc vai "fazenda sua autopsia ao
som de Chopin".
A terccira destas ccnas ainda é a mais freqüentc: 0 piano desempt-
°
nha papel de exurorio solit:hio da força irreprimîvcl das paix6es; é de
que acalma 0 d elfrio dos sentidos da duquesa de Langeais. Nesras oca~
si6es. [Orna-se su bstitulO da cavalgada a galope e do passeio sob a lem-
pcslade; vale notar, a propôsi[O, a proximidadc dos três campos semâmj-
cos. Por este mQ[ivo Edmond de Goncoun, anres dos psicanalislas, associa-o
il prarica da masturbaçâo.
o dedilhar do piano participa pOt fim da inutilidade do tempo
feminino; permite matar as horas à espera do homem; scgundo Hyppo-
Saber loc;}r piano s6 foz allTIJl;!rltor
as cvallces 110 IfIerf.odo malfimomal. Irre Taine, ajuda aquela que 0 toca a resignar-se corn "a nulidade da
A agtlid.Jde dos dedos cria cond içâo feminina' '. Resta registrar que rodas as cenas que atestam a
o a",bietlfe sonora que impregnll importância do instrumento na vida Intima referem-se, ames de mais o aj,nallaqui. :::Jjo C01J/~~ d.J
o bn'lIquedo Jos p equenirloJ e Pro f'OC.; nada, ao imag inârio masculino da mu lher ao piano. A cabeleira desfei- na/uro/mUIIl Ji' u nOllo. cor.r.nlJ(J
o dCVim eio dOJ Jeres queridos. IlIé a Pn·m~ir.; G::J~rT.J Mur.,ii.;l romo
o "ludo pumo d.J recém·C:JJoda ales/ar; ta, a visagem incendiada pelas velas iJuminando a partitura, os olhos
pri"cipll//~i::.r.; dOl carnpor.eJeJ.
°
COf/} JtIJ slléncio domlllio qlle perdidos no vazio, d a parece ja a presa sonhado ra ofe recida aos desejos De liial "um~~. :JgrJdo.z 1000000S dt/fa1l/e
exercia Jobre 0 cor(Jf!Jo dos pois. do homem. () seriio. A/ùr. dùJo. por,;Jdaxdmeflft:,
(Drjongve, Moça ao piano, 1880.) ajuda a comprUlliiio d;; srx!Ù.I4de
cirf.lJndl1nle. (P.;nJ. Bibliou:r..;
no esrabdcce urn a reputaçào juvenil , dcmonstra publicamente urna PRAZERES SOLITARJOS Naàollol.)
esmerada educaçâo. 0 vinuosismo entra na esrrarégia matrimonial, ao E TESOUROS SECRE1DS
lado do "dore esrérico" . Em comrapartida, apenas rarameme 0 piano é
o lugar da (foca, do dÎa logo amoroso; este pape! é reservado ao canto, es- Durante a primeira metade do século XIX, 0 livro custa caro. Sob o ACESSO
pecialmeme à romanza. Fcilas estas reservas, quauo figu ras priviJegiadas a Reslauraçâo, a compra de um romance nova absorveria um terço do AO L1VRO
delÎneiam, preferencialmente na calma de um entardecer, a imagem de salario mensal de um assalariado agrkola. Explica-se assim a rarefaçao
um amigo, de um confidente, de um refûgio que permite um dcsafogo da rede de livrarias, até 0 auge do Scgundo lmpério. Por Îsto mesmo
solitario. Note-sc que tais figuras irâo se apagando corn 0 correr das déca- a locaçàa se impôe. Dali por diame conhece-se bem, graças a Françoise
das, na medida cm que 0 piano for deixando aos poucos de ser 0 amigo Parem-Lardeur, 0 considerâvel papel do gabinete de leitura na P:iris da
da alma para convener· sc cm um m6vei sem personalidade. Restauraçao. Estas 10;as de 1er emprestam por volume ou por assinarura;
Sob os dedos inocentes da jovenzinha ignorante, 0 tedado traduz o leÎtor que parte para sua aldeia natal pode mesmo levar vÎme, ou cern
as pulsaçôes que a linguagcm nâo saberia exprimir. Por esta razào Balzac livros. Quarenta mil parisienses freqüentam estes gabinetes; na maioria,
aconselha a sua irmâ que compre uro piano. Este aparece coma 0 exut6- aparenremente, pertencem à nova burguesia e especialmenre à pequena
rio privilegiado da rimidez; 0 ql!e permite 0 surgimento da cena literâria bu:guesia que se satÏsfaz corn seme!hante sisrema de locaçào. Porém,
cm que a moça, acrcdi tando-se s6, rcvela ao indiscreto anseios ranto mais ao lado do rentier e do csrudanre, enconrram-se ali muitOs indivîduos
insuspeitados jâ que 0 instrumento tem ainda 0 privilégio de c:Ievar a a l ~ que vivem cm conratO corn as classes dominantes: camareiras, poneiros,
ma até 0 idcal. balconistas das lojas de departamentos. Os domésrÎcos do bulevar Sai nt-
Mais raramente, 0 piano faz-se caixa de ressonância de amores Germain lêem no escrit6rio obras empresladas pelos patr6es. No bairra do
contrari ados, mensageÎro solitario ao amanre ausente. Sabe também Temple, as costureiras. as grisettes, <)s artesàos constitucm 0 grosso da
traduzÎr os queixumes de uma alma ferida pelo rompimento. Segundo c1iemela desles estabe1ecimentos que os operârios quase nunca freqüen-
Edmond AboUl, 0 envio de um piano à amante abandonada entra na tam . 0 gabinete de Ieitura existe também na provfncia; desenvolve-se
lista dos presentes rituais. Esta prarica harmoniza-se corn 0 estereôtipo comudo mais tardiameme. Em muitas sedes de cantôes do Limousin,

.... ---------~---~~--~- '_. __._-_.


o .ŒÇiŒDO 00 ISDn1Dl'o 49 1

du rante a Monarqui a de Julha e 0 Scgundo lmp€ria, al gumas mCfo.:c i -


ras. solm:tudo vÎLivas, lambém alugam romances de coleçôes baratas.
o habitante das regi&s rurais mais afastadas deve recarrrer ao envia
por correspondência. 0 livro consutui um produtO precioso; pade tornar-sc
um in espcrado presente que provoca muila alegria; prova-o a emoçâo dos
habi tantes do pobre Cayla de Albi ao receberem as obeas de Walter Scou
ou de Victor Hugo.
Em lais regiôes opcram estes representantes de grandes livrarias, na
grande maioria naturais dos Pireneus, cuja atividade culmina sob 0 Se-
gundo Império. Eles acabam de substituir os humildes vendedores am-
bulantes que tinham espalhada tantos Telémaqut [Telémaco], Simon de
Nantua, Ge11eviève de Brabant ou Robinson Crusoé durante as décadas
anreriores.
A partir da década de 1860, um sistema de distribuiçao mais efi-
clente entra cm cena. É ceno que as bibliotecas pLiblicas cominuam
dormitando; seu fundo de obras clâssicas e cieotrficas, em pane herdado
de antigos conventos, nao Interessa senao a urna cliemela de especia-
listas, irrirada corn os parcimoniosos horacios. 0 silêncio que reina
em tais estabelecimentos e a apresentaçao que se exige dos lei tores
comrariam os habitos populaces a ponto de impedir que tao severos
dep6sitos possam desempenhar um gtande pape!. Em compensaçao,
os citadinos comam a panir de entao corn urna rede bastante conside-
clvc:l de livrarias, que completa as bibliotecas das estaçôes ferroviarias.

N o inlmor du Clllil de fomilia,


a contemplllfâo em comum da!
m elma! imagens JOIda a co"i"éncla
dOl irmaol. 0 livro prop6e iil crianfl/I
da burgue!1a proliftrante UfrJ(J
alternati"a de calflUI e recolhimento
face li b"liçolo ogilupo do jardim.
Contn"buiporo fI/odelllr a imagem
do menino belll·rompOTfodo. Vules
Trayer, 0 livro de figuras .)

o Iit"lo do qudro, expo!lo no Saio<J


tie 1902, leva il crer que 0 aTtisla n<kJ
tk!eja apenal e1'OC4r 1171'1 paJSatempo
co!fumeiro enl" mOf'IJ em "Wta.
Ao Je contu npltlril obra, lente-Je
que a hora ji nio pmenu Mn/Oa() livro
religioJO, m:Jl aliUralur3 romanuca,
amblgua porém Munre, que,
na Jolidiio da leitUtrl em l'OZ baiXB,
ensina li jovem 0 baJ1tmte pllr3
que ela deixe de Jer um3 ;nocenlo"a.
(Mary Shepard Greene, Urna
historieta, Saliio de 1,9 02. )

---~.~~..,.----'--.--.- --- -
492 IltIS17DO /ŒS o SEGREDO DO I.V DWfDUO l;.

Emretamo, 0 progresso da grande imprensa barata rdega para 0 roi dos


arcaîsmos 0 canard, 0 pasquim dos prim6rdios do século XIX, quando nao
os almanaques, cuja uti lidade continua a sc impor aos camponeses.
A EVOWÇXO Uma utplicc cede de bibliOlecas paroquiais, populares e escolares
DAS MANEIRAS se Înslala; as primeiras, inslaladas desde a Monarquia de Julho até nas
DE LER menorescidades, propagam os "bons livros"; as ~gu nd as, estabelecidas
sob a Terceira Repûblica, difundem obms consideradas faccis, mas de bom-
tom; as iiltimas, criadas a partir de 1865, sâo freqüemadas sobretudo por
jovens que adquiriram na escola 0 gOSto pela IcÎtu ra. A biblioteca escolar
desempenha 0 mesmo papel da colcçao de IivtOS caros que ocupa urna
das pratdeiras do armârio camponês. Seus magros recursos mal conseguem
suprir, no caso de cenos lavradores famimos de leitura, 0 fosso cavado
entre 0 esciolameoco do mascatc e a apariçao da imprensa regional de gran-
de tiragem.
A evoluçao das condutas acompanha a mudança da rede de distri-
buiçao. A leitura cm Val alta, na esfera doméstica, continua mas declina,
assim camo a pratica da leitura ditada. Durame a Monarquia de Julho,
os burgueses de Rouen cominuam a 1er no salao, à noite, ao pé do fogo,
0/ hu/ori:JJoreJ dll/itertl/llrll do mas em seguida 0 camo, a musica, a piocura concorrem vitoriosamente
$lclllo Xl)( ha milita regu/rllram corn urna atÎvidade considerada fora de moda, que a panir de entao s6
a impOrlancra da janela ngs a enfermidade do anciâo impôe, A leitura em VOl alta converte-se assim
rept'e$enlaf6~/ da /4nn'bilidtui4 em monop61io da filha devotada ou da dama de companhia. Cai ~ de-
4 da Illividad4 fominimu. Parti a jOf'em
mu/hu 4m $4111ar; Il june/a çonJlilui
suso também a leitura edificante para os doméscicos"aoalfabetos, ta) co-
IIm cenano pn·IIi/4gigdo. mo é pratic~da, varias veles ao dia, por mademoiselle de Ars, a castdà
A abllndâncill de /IIZ foclïila a leirura; do padre.
~m Nancy, no tempo de Lucien Leuwen, é introduzir-se no seleto c1rculo A 1ei/llrJ em 110% al/a, mTlU
o acuso (1C} mOllimenlo do esPaça Em contraparrida, até a Primeira Gueera Mundial, a leirura em
dos legitimistas. No seio da burguesia de Rouen, para 0 prazer de Hau - eom'queir3 no $al40 fomilillr, jâ
publico, Clljo nJfdo Il flirlraçll
VOl aira permanece como tradiçào durante 0 seno camponês. Aqui da n4()$obrenlle, no final Jo $éelllo, $n;P:
gn;orlece, prop6e $e necemin'o bert , lê-se bastante; 0 comentario das novidades rnovimenta as conversas
deve sec curta; tem por objerivo estimular a conversaçao, foenecee um par OCIInJo do eon";,;o entre g thms
IImll alumlllÎlIll 11() rI~lIaneio. (LoIIÙ mundanas, impondo previamente a leiNra em VOl baixa. Esta é pracica-
tema para os comentarios dos m embros da eeurnào; distingue-se nisso de rompJnma e 0 anei40 debilzia.:k.
TeSS01l, Meditaç~o.)
da no salâo, no quarto, no banco do jardim ou em plena natureza. Seria conun;enle reflelir sobre a
da mon6tona 1eitura do salao burguês, que traz consigo a teotaçào do
Este passa tempo ditista difunde-se corn 0 progresso da alfabetiza- eflm4n1 propaga;âo da/a pm/Iut
sono. No final do século a leitura na oficina, pracicada a ticulo de exem- de on'gem arnloerahu., poiJ
plo pelos artesaos da porcelana de Limoges, conscirui uma forma tar- çâo. Parent-Duchâtdet descobre, nao sem surpr~~. qu e cenas proscirutas
a vertiade i qll4 g C<Jmpllnhi4,
dia de lcitura oral que, tendo surgido nos eefeit6cios dos convenros, passam horas lendo romances de amor. J a vimos 0 atrativo que a leitura $lIb$titllidJ por 1lmi1 gllrmz de noro;
ainda imposta nos co l é~ios das congregaçôes, cede a partic de entao 2 noturna apresenta para uma limitada dite opeciria, apos a Revoluçao de proceJ/OJ de ueu/a, em brelle deix.zt-i
1830. Ja em 1826 e 1827, Agricol Perdiguier, por ocasÎao de sua viagem de com/ùllir lima meTrllliorill. (É~
leirura em VOl baixa. Adun, A I~irura . )
É verdade que iseo nao significa leirura soliwÎa; da é praçicada através da França, refugia-se em leiruras dispares. desordcnadas. Sua pra-
na biblioteca, no grêmio, no café, no salào do gabinete de leitura. tica da liteearura dos mascares, sua admiraçao pela cançao em com pas-
Mas implica um recolhimemo, uma forma de abstraie-se do ambienre, sam a ser acompanhadas por uma nova pairlo, pelos mais insfpidos auto-
em suma, um conjunto de acitudes privadas do quai 0 pova dCV(:cl res do século XVIII, cujas obras completas acabam de ser publicadas.
sentir-se por muico tempo excluido. Por ouuo lado, 1er na solidào é às Os habitos de leirura diferem profundamente conforme a idade
veles participar conscÎentemente de um grupo de leitores, eorreter·se e 0 se..:o. Mais do que nunca fitma-se 0 desejo de confinar as crianças
corn imerlocutores imaginârios. 0 deitor da Monarquia de Julho que lê na leitura, desde entào popular, dos CODrOS e lendas. Às miiltiplas edi-
seu jornal no salâo participa da vida publica; é exatameme assim que sua çôes de Perrault ou de madame d'Aulnoy, somam-se incontaveis obras
atividaJe sera assimilada. Assinac Le Quotidienne [0 Cocidiaoo1 cujos autores, desde a condessa de Ségur até Jean Macé, procuram ce-

.;
J> \
494 B.AJî7DORES o Sf G' r..;.- 00 INDlvfDUO 49j

1oulmouche da a entendu que, enconrrar a espccificidadc do imaginârio infantil. É mais recente 0 COll-
no Segundo ImPério, a dupeito sideravel avança de uma lücralu ra dcstinada à infância burgucsa e ob-
da difusikJ do liJlf'O re/igioso I1nalulldo jetivando apoiar a supremacia social em uma primazia moral. Condu-
por Claude Savl1rt, ilS mocinhas
sabem descolm'r cern emoy40 zida por madame Necker de Saussure e madame Guizm, uma legiao
I1literaltml erolÎ&I1. ReJll1Saber de boas senhoras inspira-se no modela elaborado par madam e de Gen-
Je Ol1rtull1 n40 apazigUII em primeiro lis. Todas concord am corn os médicos quando aconselham que se Esca-
IlJgar um fonlllJ11UJ mJ1.Scwino, lizem as leituras doméscicas da rnocinha; todas denunciam os efeitos
IKJ evocar Il perturhtlf40 e Il Jecretll
destruidores do romance, no quai concentra-se 0 jogo do desejo e da
co,,jvência enlre as meninlli
Je I1pl1rêncUz bem-compor1tJda. proibiçao.
(0 hum proibido. Il pmu de Ilm Uma maior liberdade é concedida à mulher casada, da quai, na rea-
qlUldro de AugJlJle ToJmouche, lidade, as boas senhoras nâo faJam mais. Muitas jovens esposas verâo as-
Sai4/) de 186'. Pl1ris, Bih/ioleu Jas sim a viagem d e nupcias assinalar a ampliaçâo do horizome de suas leitu-
Jutes Decorativas.)
ras. No tempo de Paul Bourget, urna literatura que se compraz jogando
corn a revdaçâo parcial dos mistérios do sexo destina-se a mulheres tao
recentemente iniciadas que conservam aJgo da ansiosa curiosidade das vir-
gens. Os homens, por seu tumo, reservam-se esta literatura proibida cuja
exata difusâo jamais poderemos rnedir. A vivacidade da luta movida con-
tra 0 livro obsceno, que 0 senador Béranger e as ligas da moralidade naD
cessam de alvejar no EnaJ do século, permite adivinhar um ampllssimo
sucesso, viabilizado pela cnaçao de canais de distribuÎçao "muito re-
servados".
o modo de consumir 0 livro evidentemente varia conforme a cri -
gem sociaJ_ Uma observaçao a respeito: antes da instituiçao das bibliote-
cas escolares, 0 jovem camponês, faminto de sa ber, estâ condenadû a mi-
xérdias de leituras ao acaso cuja imponância supervaloriza e que por ve-
zes exercem sobre de estupenda influência. Em 1820. a condura de Pierre
Rivière em nada difere da do moleiro friulano do século XVII estudado
por Carlo Guinzburg. Os dois infelizes petecerao vitimas da anarquia de
suas leiruras. Pot muito tempo a maneira de 1er dos autodidaras apresen·
tarâ esta voracidade desordenada que despena 0 riso do autor de La nau-
sée [A nâusea)_Meio sétUlo depois de Agricol Perdiguier, 0 mineiro J ules
Mousseron, de VaJenciennes, atira-se, assim que "sobe" da mina, sobre
rodos os livras que lhe cacm nas mâos. Menos audaciosos, os operârios
da Belle Époque sentem-5e culpados par dilapidarem um tempo que not-
maJmente seria dedicado ao trabalho. Nem por isso devoram corn meno!
avidez os romances populares cuja apresemaçâo adapta-se ao rempo frag.
mentado de suas leituras e fâcilita 0 comcntârio de rodos os dias dentro
do ônibus ou da oficina.
o CONTIODO Mas quando se alcança a idade de orientar livremente sua leitura,
DAS LElruRAS o que se lé de preferência? A este respeito convém nâo se deixar ofus·
car pelos presdgios da historia IÎlerarÎa. Claude Savan mostrou quai
seria, em 1861, a amplitude da difusao da literatura religiosa; e a anâ-
lise dos Înventârios post-mortem revela a importância do livro profis-
sional. As obras de direito enchem a biblioteca dos magisuados de Po-
496 IM.mW /ŒS o .u.a..mo DO INDlvtooo 49ï

tiers e os c1Înicos da zona rural guarnecem a sua corn livros de medicina.


Além do mais, os autores cJissicos cominuam se amomoando. Adeline
Daumard realça 0 desdém dos burgueses de Paris pelo livro contemporâ·
neo; Eugène Boileau. encerrada, a partir de 1872. em um castelo de Vigo
né, anota Sêneca e Benjamin Franklin, dois autores que inspiram oorde·
nam.e nto de sua vida. Por outro fado, rudo leva a acenruar a amplitude
do consumo poético no século XIX. A pracica do recital, a longa escuta
de textos litiirgicos, 0 gosto do pûblico cultivado" na maioria das vezes
bilfngüe, pelas poetas latinos, 0 sucesso do poema amador lido ao fim
da refeiçào e copiado no album, a superabundância das associaçôes poé·
ticas e, talvez acima de tudo, a moda da cançao e a safra de poetas opera.
rios asseguram a orupresença social do texto rimado. Dois indkios entre
muitos outros; em quase todas as famrIias mineiras de Valenciennes, du·
rante a Belle Époque. as moças possuem um caderno de cançôes e Marie
Dominique Amaouche·Amoine registra idêncica pratica encre os chape·
leiros do curso superior de Aude.
Quanto ao resto, os comemporâneos sublinham os constantes pro·
gressas do romance às custas dos autores dassicos e dos livros de hist6·
(Ïas. A partir da Monarquia de Julho, este gOSto uaduz·se, no scio do
pr6prio povo, pelo inwitado sucesso do romance de folbetim. Em se·
guida a queda dos preços permite uma larga difusao destaS coleçôes
romanescas cujo modelo foi bem delineado pelo ediror Charpentier.
Ao mesmo tempo. a influência do cientifidsmo e do patriotismo ensi·
nadas na escola contribui para 0 êxito de Jules Verne e Erckmann·Chatrian.
Em lugarejos d e Creuse, humildes bibliotecas irâo consti.tuir.se no fim
do século. As obras de Victor e de Paul M~guerjtte ombreiam corn a des·
tes tcês autores.
Jo. ÇONSTITIJJÇÀO o crescente atrauvo dos prazeres solicirios do "gabinete" acom·
DO MUSEU PARTICUlAR panha os progressos da leitura em. voz baixa. No século XIX, a co!eçao
mantém-se enquanto pcitica eSsencialmerite masculina; é 0 homem
que concebe e desenba 0 projeto da acumulaçao. A mulher nada sabe
criar afora "mil nadas". Tanto em 1892 como em 1895. as exposiçôes
de obras de damas despertam .a (ronia da cduca, que se recusa a dar
valor a estes irris6rios produtos do 6cio, No maximo a ternura e a pie-
Coma um prisioneiro em mûo dade poderiam autorizar a amiga ou a mae a reunir nas gavetas de
a abje/os apl1re'ltemente dfspares, seu escrit6rio aigu mas Jembranças de famîlia, particularmencc emo·
que /omllm a/Ola/ù/ade do esPIlfO
âisponfflel: 0 co/ecionador pareee cionantes.
f/erificar Je a sala es/â trar/cada, A coleçao tem sua historia. Dumme a primeira rnetadc do século
t assim, no in/m'or da p efa, que elabora·se urna nova peacica, Dispersados pela toementa revolucionaria,
o gozo da paJSeJsào reâobral1O IIbngo
os objeros que guameciam as dependências arÎStocraticas ficam reduzi·
de qua/quer intromÎssào amel1fadora.
(Arthur Henry Roberts, Gabinece do dos à condiçâo de refugo. Irao findar em inconciveis fetras·velhos dos quais
sr. SauV2geoc. Pans, Louf/re.) Victor Hugo pineou um impressionante quadro, em Quatre-vingt·treize

"


. .,
o SEG?.DO DO lNI)wiDuo 499
INovema e trés]. Ao se consciwirem as grandes coleçêes pGblicas. 0 novo da. A coleçao confere um evideme prestfgio cultu.a1; ligad a ao mecc-
q uescionamemo d as hierarquias é acompanhado por urna desorganiza- nato, permitira orientar à vontade os gostoS da produçao artistÎca. Efc-
çâo do sisterna de sinais de supremacia social. tiva-se assîm urna esfumaçao das origens ariStocraricas e burguesas,
Aparece emào urna nova raça de colecÎonadores. Durance duas dé- elaborada 0 bastante para que Arno Mayer deixe·se levar e confunda,
cadas (1 815-1840), a conjunrura favorcce os compradores. À semelhança pelo menos no que diz respeito à França, 0 Antigo Regime corn 0 eeleris-
do primo Pons, os fomecedores de ferro-velho, corn muita freqüéncia mar- mo burguês.
ginais sem grande fortuna, conseguem cm pouquissimo tempo constiruir Mas 0 desejo de colecionar revela sobretudo urna estrurura psicolô-
impressionames coleçôes. Por volta de 1840-1845 desenvolve-se uma brusca gica secreta; remete às profunçlidades da h ist6ria da vida privada. A cons-
flexào na moda. Os burgueses passam a freqüemar as lojas de attigos de cituiçao de um museu parcicular resulta, conforme 0 C2S0, de mûlciplos
segunda mio. A nova condula se codifica. A visit~ ao antiquario. a pa- desejos. A coleçao pode nao .passar de simples ac6..mulo de lembranças
ciente busca apoiada em uma nova técrlica de compra constiruem-se em individuais. 0 cofrezÎnho secreto onde Nerval encerra as mechas e canas
riruaI. A Monarquia deJulho é a idade de ouro do gabinete de "arqueo- de Jenny Colon, a coleçao de ohjetos sensuais e aromiiucos que lembra
logia", do museu panicular, Îndiferente aos prescigÎos da venalidade. 0 ao Flauben de Croisset a embriaguez das noites corn Louise Colet permi.
colecionador privilegia 0 objeto ancigo; ambiciona "saIvar a hist6ria" e tem uro deleite so!itarÎo, sÎmultaneamente noscilgico e temeroSQ. A preo-
ainda nao cogita revendê-la. Corn sua mone, 0 inventariante dispersacl cupaçao de conuolar, de resguardar sua pr6pria libido pode suscita! se-
[odos os seus tesouros. A provincia nao desconhece a personagem. Bru. melhante pra.cica, que parece emao desenvolver-se pref'erencialmeme de-
Toulouse, por exemplo, opera na época uma dezena de colec.ionadores. pois dos quarema anos.
Ap6s 1850 defme-se 0 valor dos objetos, estrurura·se 0 comércio das Posse em esrado puro. sem fins funcionais, a coleçâo culmina a pai-
ancigüidades. 0 fato de 0 tesouro de Pons terminar caindo nas màos do xio individual pela propriedade privada; mas pode convener-se também
inculto Popinot configura a influência da venalidade que ~e aproxima. em fuga apaixonada, refûgio em meio a objetos que sao tarnbém equiva-
Uma meramorfose opera-se eotlo nas conduras. Uma legiao de coleao- lentes nardseos do eu. Para além dos alibis do esnobismo e do prazer es·
tédco, pressente-se que a coleç~o compensa um fraca.sso. real ou imagina:-
nadores riqufssimos da: 0 tom. 0 &to mereee destàque: todos os grandes
no. Apôs ter sua carreira interrompida pela administraçao imperia.l, 0 pe-
homens de neg6cios experimemaram 0 desejo de colecÎonar'objetos pre·
queno rnagistrado Henri Odoard retira-se para Chantemerle; la, organiza
cjosos. Bm alguns, fica daro que ta! desejo sobrepôc-se a qualquer outi"a
piedosamente os arquivos familiares e coleciona coochas e medalhas. 0
paixâ:o. Os magnatas das fmanças, especialmenre os irmàos Pereire, em
recuo para 0 universo doméscico confirma 0 fraca.sso da. rdaçao indicado
sua mansâo do faubourg Saint-Honoré, e os Rothschild, em Ferrières, fo-
ainda pela obsruridade, os m6veis acolchoados c as abundantes tapeça-
cam tragados pelo desejo de acumular. Muitos industriais também. Eu-
rias do interior burguês de meados de 1880. Seria 0 casa de ver em ta!
gène Schneider coleciona pinruras holandesas e desenhos. Encerra seus
retraimento 0 sinal de um medo inconsciente das massas, ou 0 remorso
tesouros, que ninguém pode ver, em um gabinete cuja chave leva sempre
freote à espoliaçâo atestada pela riqueza dos objetos acumulados? A neu-
consigo. Os diretores das lojas de depan:amentos - na maioria novos-ricos
rose de ' Des Esseintes poderia dar 0 que pensar.
- rambém sào cOQtagiados pdo nova frenesi: Boucicaut coleciona j6ias, Sem duvida 0 jogo da série na intimidade obedeee ainda ao mesmo
Ernest Cognacq e wlJise Jay, fundaaores da Samaritaine, objetos do sé- processo de regressao da maoutençao do diârio. pra.zeres solitârios e ao
culo xvm. mesmo tempo formas de autodesuuiçao, os dois passatempos tomam al-
Todos sac ao mesmo tempo meceDas; e exercem gran~e inEluência go da morre. De qualquer forma, a onipresença da coleçao conscirui cer-
sobre a moda. C impressionismo, assim como 0 art nouveau, deve muito ramente uma das manifestaçôes mais profundas da hist6ria das classes do-
a estes ambiciosos hwgueses. Depois de 1870, 0 grande colecionador re~ minantes no século XIX. Ignora-la seria condenar-sc a uma tOtal imom-
cusa a dispersào p6sruma dos objetos acumulados corn grande preocupa- preensao dos môveis que guiam os tenores da vida econômÎca.
çao de eclerismo. Pretende a partir de entâo ser cdebrado pdas geraç5es Nào menos essencial é a. divulgaçao destas pracicas reservadas por DIRJSAO SOC!."-
futwas. Para sobreviver na mem6ria nacionaJ, doa seus tesouros a uro mu- DE UMA PR..\nc..\
muito tempo às dites. Eoquamo a fi latdia enconua-se em pleoa as-
seu, que da seu nome a urna sala. censâo, incomâveis coleçôes de carrêes-postais, de conchas, de meda-
OS PRAZERES o apecite do colecionador pareee revdar eotao um duplo ritmo. lhas e mais tarde de bonecas surgem cotre 1890 e 1914. A pequena
SOUTARlOS Para quem ambidona fundar uma nova linhagem, acumular tantos bwguesia, especialmente a da provincia, logo deÎxa-se Ievar pelo dese·
DO "GABINETE"
signos corresponde ao desejo de legicimar urna posiçao recém-adquiri- jo de coostituir arquivos familiares, em seguida coleç5es de souvenirs.

. , J.
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500 BIIST7DORES o SEGRI:.·DO lX) i!>7:)n1DUù
Chantal Martinet estuda a descida dest3, condu ta até os mcios populaces. No pr:ndpio da ùruc:r~ R~pJl ù.:­

Pouca depois de Henri Odoard ter piedosamente agrupado as correspon- ~JlaJ jorogTajiaJ do Ftrr;;reJ dOJ
RorhJchild d.io 0 qlle pNlJar àq".t,.-
dências da famîlia, é cm (odos os ambiemcs que se corneça a conservar
qll(' . .. p.1rtir do J(}(";6i&rv Gllbru_
fotos, m onogramas, coupas de casamento, buqués c coroas de noiva. Aas Tord(. .1r..Jlùll", (1 nue !;SUbd(
tesou ros " [eitas a mao" acrescentam-se atas jurfdicos e nûmeros de alis- de l(gitimOfiio MJ ~J li"h(1gt·r..
(amcm o militar, em urna acumulaçao de piedosas lembranças que a morte o deujo de celebmTIl ..-u
tornara in6cua. Espfriro de imitaçao? Democratizaçao de uma conduta? individud e (1 ad~.J40 lÛt JinilJtu:.
burglieJiJJ 110 Iner cJço, (P.;ni,
Cenamente. Mas também d ifusa:o social de um sentimento da ameaça
B,blio/(CIl NtlCionol.)
que pesa sobre os valores do passado e da recusa cm aceitar a ruptura en-
tre as geraçôes. Nâo ter sabid? assegurar sua transmissao engendra nestes
circulas urna nova culpa; é eJa que incita a recollier aquilo que podera
pela menas deixar urna marca. Aclemais, encontramos aqui 0 roesroo de-
sejo que leva a personalizar a inscriçao funecaria. "Joseph Brunet é uro
homero, eu 0 afirmo, crede em mim!", escreve em 1864 uro obscuro pro-
prietirio na pagina de rosto de um dos livros de sua coleçao.
Ha OUtrOS fenômenos derivados do processo de imitaçao. A panir
de 1880, à medida que se exdcerba a decoraçâo do interior burguês, os
compradores populaces começam a mostrar-se gulosos de imitaçôes; uro
mercado de falsas antigüidades se d esenvolve; aparecem coleçôes de simi-
lares. 0 quano "Lurs xv", 0 bufé "Henrique II'' introduzem novas re-
laçôes entre 0 povo, seu mobiliirio e seu interior. É todo 0 ritual da vida
privada que é aferado. ...

A rec1usao do indivfduo em meio a sua coleçao, vivida por Pierre


louys em sua residência do povoado de Boulainvilliers, assinala 0 ponto
extremo deste volur-se para si que sda a ascensâo do sentimento da pes-
soa. Semelhante conduta permite mediI 0 quanta 0 desejo de comunica-
çâo podia tornar-se opressivo. 0 escudo dos prazeres e lazeres solitarios
impôe a pesquisa so~ re a relaçao intima, a uro s6 tempo relato de si a
uro interlocucor e vlnculo corporal, do coraçâo ou do espfrito que se ape-
ga a Outro.

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