Abstract Introdução
1 Secretaria de Estado da
This study provides a trend analysis of leprosy A hanseníase ainda constitui grave problema de
Saúde do Espírito Santo,
Vitória, Brasil. among patients in the State of Espírito Santo, saúde pública, nas regiões em desenvolvimen-
2 Faculdade de Saúde Brazil, from 1980 to 2003. Using temporal series to 1. Estudos recentes indicam que cerca de 90%
Pública, Universidade de São
statistical models, an upward trend was identi- dos casos vivem em seis países: Índia, Brasil, Ne-
Paulo, São Paulo, Brasil.
fied throughout the period in the overall detec- pal, Myanmar, Moçambique e Madagascar 2,3,4.
Correspondência tion rate (p < 0.05), with an apparent stabiliza- Dados de 2003 mostram que a prevalência de
C. L. Martins
tion at the end of the period. We also observed hanseníase no Brasil situava-se em 4,5 casos/10
Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo. an upward trend for the following periods: (i) mil habitantes 5, colocando nosso país e a Índia
Av. Dr. Arnaldo 715, 1980-1987 in the < 15 and ≥ 50-year age groups como os mais atingidos por esta endemia, em
São Paulo, SP
and for paucibacillary forms; (ii) 1988-1995 for todo mundo 3. No âmbito das Américas, é o único
01246-904, Brasil.
cleide@usp.br the 15-19, 20-29, and ≥ 50-year groups and for país a não atingir a meta de prevalência inferior a
multibacillary forms; and (iii) 1996-2003 in the 1 caso/10 mil habitantes, proposta pela Organi-
20-29-year group and paucibacillary forms. The zação Mundial da Saúde (OMS) 6.
indicators for evaluation of the endemic indi- Sua distribuição no Brasil é heterogênea
cate: stable levels in grade 2 disability (mean of 4,7,8,9,10, variando de prevalências inferiores à
6%); a proportion of less than 10% of cases in meta proposta pela OMS, como no Estado do
individuals < 15 years of age; and a treatment Rio Grande do Sul 5, a regiões hiperendêmicas,
dropout rate of approximately 6%. Prevalence particularmente nas regiões Norte e Nordeste
showed a sharp decline. The upward trend can 11,12,13,14. O Estado do Espírito Santo foi o úni-
do da trajetória da endemia nos últimos anos. Interagencial de Informações para a Saúde, que
O objetivo deste estudo é descrever a situação se encontram disponibilizados na página de In-
atual da hanseníase no Estado do Espírito Santo ternet do Departamento de Informática do SUS
e analisar a tendência da sua incidência, durante (DATASUS; http://www.datasus.gov.br).
o período de 1980 a 2003. Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de
Ética da Faculdade de Saúde Pública da Univer-
sidade de São Paulo.
Metodologia
Análise dos dados
Delineamento
As informações relativas aos casos de hanseníase
Estudo descritivo com análise de tendência. do Estado do Espírito Santo, referentes ao perío-
do de interesse, estavam armazenadas eletroni-
Área e população de estudo camente na base de dados do SINAN. Primeira-
mente foi examinada a consistência dos dados,
A área de estudo é o Estado do Espírito Santo, que o grau de preenchimento dos campos a serem
já concluiu o processo de descentralização dos utilizados, inclusive verificando a existência de
serviços de saúde iniciado em 1995, tendo o pro- duplicidade de notificações. Para a análise foram
grama de controle da hanseníase acompanhado usados os programas Epi Info versão 6.0 (Centers
este processo. A população de estudo abrange for Disease Control and Prevention, Atlanta, Esta-
o universo dos casos de hanseníase, notificados dos Unidos), Excel (Microsoft Corp., Estados Uni-
entre 1980 e 2003, residentes no estado. dos), SPSS versão 8.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados
Unidos) e SINANW versão 5.0 (Departamento de
Definição de caso e conceitos Informática do SUS, Brasília, Brasil).
As variáveis analisadas foram os caracteres
É considerado caso de hanseníase qualquer in- sócio-demográficos (sexo, idade), classificação
divíduo, que independentemente de sexo e ida- operacional (multibacilares e paucibacilares) e
de, apresente uma ou mais de uma das seguintes grau de incapacidade à época do diagnóstico. Os
características: presença de lesão(ões) de pele indicadores epidemiológicos e operacionais e os
com alteração de sensibilidade, acometimento parâmetros utilizados são os propostos pelo Mi-
de nervo(s) com espessamento neural e bacilos- nistério da Saúde 18 e pela International Federa-
copia positiva 18. tion of Anti-Leprosy Association (ILEP) 20.
São considerados casos paucibacilares aque- Para a análise da tendência da hanseníase fo-
les correspondentes às formas clínicas indetermi- ram calculadas as taxas anuais de detecção geral,
nada e tuberculóide, e multibacilares os corres- por faixa etária e por classificação operacional,
pondentes às formas dimorfa e virchowiana 18. A para o período de 1980 a 2003. As taxas anuais
partir de 1998, com o processo de descentraliza- foram padronizadas para idade, aplicando-se o
ção para as unidades de saúde da família, a Área método direto. A população utilizada como pa-
Técnica de Dermatologia Sanitária do Ministério drão foi a do Estado do Espírito Santo estimada
da Saúde passa a recomendar a classificação sim- para o ano de 2003 (http://www.datasus.gov.br).
plificada proposta pela OMS: paucibacilar, até 5 Para a análise da tendência da incidência fo-
lesões de pele, e multibacilar mais de 5 lesões. ram utilizados modelos de regressão polinomial
A baciloscopia, como exame complementar, se para séries temporais. As variáveis dependentes
positiva, classifica o caso como multibacilar, in- (Y) para cada análise foram os logaritmos das ta-
dependente do número de lesões de pele 19. xas anuais de detecção de hanseníase e os loga-
Neste trabalho, para a classificação operacio- ritmos das taxas anuais de detecção por faixa etá-
nal, utilizou-se a informação contida na ficha de ria, e as variáveis independentes foram os anos
notificação armazenada no Sistema de Informa- calendário do período. A análise inicial incluiu a
ção de Agravos de Notificação (SINAN). elaboração dos diagramas de dispersão gerados
pelo programa Stata 7.0 (Stata Corp., College Sta-
Fonte de dados tion, Estados Unidos), entre as taxas anuais de
detecção observadas (Y) e os anos do período,
Os dados foram obtidos junto ao Sistema de Vigi- para definir a função que melhor expressasse a
lância da Hanseníase da Secretaria de Estado da relação entre eles.
Saúde do Espírito Santo, armazenados na base de Com a finalidade de evitar autocorrelação se-
dados do SINAN. Os dados demográficos foram rial entre os termos das equações de regressão,
os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- optou-se por não trabalhar com os valores do
tica (IBGE; http://www.ibge.gov.br) e da Rede ano e sim com ano menos o ponto médio da sé-
rie histórica. Portanto, o intervalo de tempo entre contra-se o modelo), na análise de resíduos e nos
cada ano da série histórica (1980 a 2003) e o seu resultados dos testes t para cada componente do
ponto médio (1991), foi representado pela vari- modelo. A significância estatística da tendência
ável centralizada X = ano-1991. Assim, os anos foi admitida quando o modelo obteve probabili-
foram codificados de -11 a +12 21,22. dade máxima de erro de 5% (p < 0,05).
Em seguida foi realizada a modelagem, tes- Em seguida, o período foi dividido em três
tando-se os modelos de regressão polinomial li- fases, compostas de oito anos cada, para deter-
near de primeira, segunda e de terceira ordens, minar as tendências de cada uma delas: esta-
representados pelas seguintes equações mate- cionária, crescente ou decrescente. Foi utilizada
máticas: análise de regressão, e o processamento estatísti-
i) log Y = β0 + β1 X; co das séries temporais foi realizado usando-se o
ii) log Y = β0 + β1 X + β2 X²; programa Excel.
iii) log Y = β0 + β1 X + β2 X² + β3 X³;
em que β0, β1, β2 e β3 são os coeficientes de re-
gressão, sendo que β0 representa o coeficiente Resultados
médio do período e os demais os incrementos
médios anuais. O modelo polinomial tem como Foram incluídos no estudo 31.030 casos segun-
objetivo encontrar a equação de regressão que do critérios estabelecidos pela pesquisa, sendo
melhor descreve a relação existente entre a va- que destes, 22.657 eram casos novos. A trajetória
riável independente (X) e a variável dependente das taxas de detecção de casos novos e da preva-
(Y). lência no período de interesse está apresentada
A escolha do modelo que apresentou melhor na Figura 1. A Tabela 1 apresenta a distribuição,
ajuste foi baseada na análise do diagrama de dis- número e percentual dos casos novos quanto ao
persão, no valor do coeficiente de determinação sexo, faixa etária e grau de incapacidade no diag-
R2 (quanto mais próximo de 1, mais ajustado en- nóstico.
Figura 1
Taxas de prevalência e de detecção da hanseníase. Estado do Espírito Santo, Brasil, 1980 a 2003.
Fonte: Programa de Controle da Hanseníase, Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (prevalência), Sistema de Infor-
mação de Agravos de Notificação, Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (detecção e número de casos) e Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (população).
Tabela 1
Distribuição percentual dos casos novos de hanseníase segundo faixa etária, sexo e grau de incapacidade no diagnóstico. Estado do Espírito Santo, Brasil,
1980 a 2003.
(continua)
Tabela 1 (continuação)
Ano Sexo Grau de incapacidade
Feminino Masculino Avaliado * 2 **
n % n % n % n %
Tabela 2
Modelos que apresentaram melhor ajuste na análise de tendência das taxas de detecção de hanseníase no Estado do Espírito Santo, Brasil, 1980 a 2003.
Figura 2
Tendência das taxas de detecção de hanseníase (por 100 mil habitantes) por faixa etária. Estado do Espírito Santo, Brasil,
1980 a 2003.
2a) Geral
(continua)
Figura 2 (continuação)
2f) 50 anos e +
Figura 3
Tendência das taxas de detecção da hanseníase (por 100 mil habitantes) segundo classificação operacional. Estado do Espíri-
to Santo, Brasil, 1980 a 2003.
3a) Paubacilar
3b) Multibacilar
Na distribuição percentual por sexo, há um be-se também queda discreta nos percentuais de
predomínio discreto de acometimento do sexo 20 a 29 anos e de 30 a 49 (Tabela 1).
masculino para quase todo o período, em média A informação quanto ao grau de incapacida-
1,1 homem para uma mulher. de só tornou-se consistente a partir de 1994, com
Quanto à faixa etária, a proporção de casos 83,9% dos casos avaliados, chegando a 87,7% em
novos em menores de 15 anos iniciou o período 2003. Quanto ao grau de incapacidade no diag-
com 6,7%, atingiu seu pico máximo em 1994, de nóstico, o grau 2 de incapacidade mostra discre-
9,4%, caindo a partir de então, chegando em 2003 tas alterações, estando na maioria do período em
a 7,6%. Para a faixa de 15 a 19 anos, o desempe- torno de 6% (Tabela 1).
nho é semelhante à de menores de 15 anos. Ao O abandono de tratamento, para o período
mesmo tempo, os percentuais para a faixa de 50 1994 a 2003, caiu de 45,2% em 1994 para 5% em
anos e mais vêm sofrendo um aumento discre- 2003, atingindo seu menor índice em 2001, com
to, tendo alcançado seu maior índice, 33,2%, em 3,4% 15.
2001 e seu menor índice, 24,0%, em 1981. Perce-
estudos 12,20,23, com predomínio discreto do sexo do que o diagnóstico está sendo efetuado preco-
masculino. cemente.
Quanto à classificação operacional, pauciba- O abandono de tratamento é um indicador
cilares e multibacilares, a tendência destes últi- utilizado na avaliação da capacidade dos serviços
mos entre os casos novos aumenta no início das em assistir aos casos de hanseníase 18. No Espírito
atividades de um programa 20. No decorrer do Santo, na última década, este percentual caiu de
processo, quando o programa passa para uma forma expressiva, atingindo 5%, em 2003. Desde
fase intermediária, essa proporção tende a se re- o ano de 1997, esse percentual não ultrapassa o
duzir com o incremento da detecção de casos limite considerado bom 18, ou seja, em torno de
paucibacilares, fato que também pode ocorrer 10%. Tais resultados, possivelmente estejam re-
quando temos campanhas com busca ativa 20. lacionados ao maior acompanhamento dos mu-
Nossos resultados mostram-se consistentes com nicípios pelo estado com vistas a atingir as metas
essa análise. O período de crescimento dos mul- estabelecidas nos Pacto da Atenção Básica e da
tibacilares, 1988 a 1995, coincide com a imple- Programação Pactuada e Integrada, de diminuir
mentação das ações. Já os paucibacilares, apre- a proporção de abandono de tratamento e o grau
sentaram tendência crescente de 1980 a 1987 de incapacidade à época do diagnóstico, ampliar
e de 1996 a 2003. Como dito anteriormente, na o percentual de cura e o de casos novos desco-
última década intensificaram-se as atividades de bertos em relação ao esperado segundo estudo
busca ativa de casos. de tendência 15.
O grau de incapacidade à época do diagnós- Em síntese, os resultados deste trabalho
tico é um dos parâmetros mais utilizados para mostram que além das medidas já tomadas pelo
avaliar a sua precocidade 9. Somente a partir de Programa Estadual de Controle da Hanseníase
1994, passamos a ter essa informação para mais e citadas neste texto, é importante o desenvol-
de 75% dos casos novos detectados, índice que vimento de estudos que nos permitam melhor
segundo normas do Ministério da Saúde 18 per- conhecer os mecanismos de transmissão mais
mite avaliar a proporção de casos com incapaci- relevantes nessa fase de controle da doença, as-
dade. Os resultados verificados a partir de 1994, sim como para identificar grupos de maior risco
apontam patamares próximos aos considerados para constituírem resíduos de fontes de infecção,
como baixos, ou seja, em torno de 5% 20, sugerin- especialmente no ambiente domiciliar.
Resumo Colaboradores
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