Anda di halaman 1dari 12

Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

revistacult.uol.com.br

Nunca existiu um governo do PT


15-21 minutes

O ex-presidente Lula e o presidente Michel Temer (Foto: Arte sobre foto de André

Coelho/ Agência O Globo)

Tenho evitado escrever sobre a situação brasileira aqui na


coluna. A ideia original era que eu escreveria sobre Paris,
sobre o que vejo e sobre o que encontro ou nas viagens que
faço por aqui. Além do mais, como estou distante, fica mais
difícil acompanhar tudo o que está acontecendo, mesmo que
a primeira coisa que eu faça, todos os dias, ao acordar, seja
ler os jornais brasileiros. Também tento me informar através
dos blogs de jornalistas independentes (chamados pela direita
brasileira de blogs sujos) e também um pouco através do que
as pessoas postam no Facebook e das conversas por áudio e
câmera com amigos e familiares. Mas isso é diferente de
estar no Brasil, vivendo no dia-a-dia a coisa mesma.

A situação brasileira é tão complexa que é difícil decidir por


onde começar uma vez que decidimos falar sobre ela. Talvez
um começo seja lembrar que ela não é desconectada da
situação internacional. Nem nunca foi. Assim como o golpe de

1 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

1964 não pode ser entendido fora de um contexto


internacional – a Guerra Fria, a luta dos Estados Unidos e dos
seus aliados contra a emergência de países comunistas -, o
mesmo deve ser dito da situação que vivemos agora e do
golpe de Estado que sofremos no ano passado. Só que essa
situação internacional não é mais a mesma, mesmo que a
luta de algum modo permaneça a mesma. Os lados da luta se
mantêm inalterados, ainda que hoje seus instrumentos sejam
diferentes. Os contextos mudaram.

Não há mais o fantasma do comunismo. A morte de Fidel veio


sacramentar esse fato. O que existe hoje não é mais a ideia
de revolução, de constituição de um Estado socialista.
Ninguém mais pensa nisso como uma real possibilidade, a
não ser alguns poucos autores. Mesmo a China representa
hoje outra coisa, um outro tipo de ameça. A China não é hoje
a ameça comunista, mas apenas a ameaça chinesa. Não
vejo, por exemplo, a China muito concernida pelo que
acontece nos outros países, não é muito clara para mim a
atuação internacional chinesa, enquanto uma atuação
política. O fantasma hoje é outro.

O perigo agora para a direita é, a meu ver, a chegada ao


poder, via voto popular, de lideranças de esquerda. O fato de
muitas dessas lideranças terem chegado ao poder, via voto
popular, foi o fato que marcou a década passada, a primeira
década do século 21. Essas lideranças de esquerda não só
chegaram ao poder, mas implementaram políticas sociais que

2 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

modificaram a vida de milhões de pessoas. Acendeu-se uma


nova luz vermelha. O que implicou um novo modo de
combater esse novo tipo de ameaça.

Podemos dizer que já era essa a tendência na América do Sul


quando ocorreram os golpes militares das décadas de 1960 e
1970. A eleição de Allende, no Chile, e a de Jango, no Brasil,
mostravam que a esquerda já estava buscando uma chegada
ao poder através das eleições. E ela estava sendo vitoriosa.
Mas a resposta da direita, todos nós a conhecemos, foram os
golpes militares no Chile e no Brasil. Ou seja, é uma tradição
da direita, pelo menos na América Latina: ela só respeita a
democracia quando vence. Quando perde, ela produz golpes
de Estado. Essa história se repetiu no Brasil em 2016, mesmo
sem que os militares tenham tido participação no golpe dessa
vez. Ela já tinha acontecido, do mesmo modo, no Paraguai,
em 2013, com o impeachment de Fernando Lugo. Mas em
Honduras, em 2009, a deportação de Manuel Zelaya,
considerada por uma resolução da Assembleia Geral das
Nações Unidas como um golpe militar, não aconteceu sem a
atuação das forças armadas daquele país.

Após a queda das ditaduras militares que se impuseram na


segunda metade do século passado na América do Sul,
houve um fortalecimento, nós acreditávamos, das instituições
democráticas. Achávamos que um golpe nunca mais
aconteceria. E mais uma vez, a esquerda buscou o caminho
democrático das urnas para chegar ao poder. O que não é

3 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

fácil num país em que todas as instâncias de poder, dentre as


quais a do poder midiático, são dominadas pela direita.

A esquerda foi vitoriosa na maioria dos países da América do


Sul e em alguns da América Central no início do século 21.
Essa vitória não implicou, no entanto, em nenhuma quebra ou
modificação da economia de mercado, mas introduziu
mudanças significativas nas ações sociais dos governos
eleitos. Em outras palavras, ninguém tentou implantar nesses
países uma sociedade de tipo comunista ou socialista. Os
governos implantados estavam mais para a clássica receita
da social-democracia: economia de mercado com justiça
social. No Brasil há coisas estranhas: o Partido dos
Trabalhadores, em tese socialista, buscou exercer, de fato,
um governo social-democrata, enquanto o Partido da Social
Democracia Brasileira, apesar do nome, não tem nada de
social-democrata, tendo praticado um governo totalmente
neoliberal.

A lição que tiramos, no Brasil, dos anos de governo do PT é a


de que a social-democracia, aquela praticada pelo PT, já é
suficientemente perigosa e insuportável para a classe
dominante brasileira, mesmo que esse “ensaio” de social-
democracia estivesse ainda muito distante do que seria uma
social-democracia de fato. A única social-democracia que a
classe dominante brasileira pode suportar é aquela do PSDB,
ou seja, um neo-liberalismo que tem a social-democracia
apenas no nome. Podemos tirar a mesma conclusão do

4 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

países da América Latina em geral (a exceção, até agora, é o


Uruguai).

De fato, o que vivemos hoje é uma derrota generalizada das


esquerdas no mundo, em especial na América Latina. O caso
Canadá é uma incógnita. E eu não tenho informações
suficientes para comentar o caso (lembremos apenas que o
Canadá vinha de um longo período de governo pelo Partido
Conservador e isso deve ter produzido um esgotamento). O
paradigma do momento não é, no entanto, Justin Trudeau,
mas Donald Trump, com seu correspondente brasileiro, ou
melhor, paulista (espero que ele permaneça um
correspondente apenas paulista), João Dória.

Há uma tendência conservadora no mundo como um todo.


Mesmo um oásis progressista como a Holanda sente essa
tendência: “Há uma atmosfera conservadora”, diz Jonathan
Foster, dono de um coffeeshop em Amsterdã, leio em notícia
publicada na Folha de S.Paulo. A observação do proprietário
se deve à notícia do fechamento do Mellow Yellow, o mais
antigo coffeeshop de Amsterdã, no qual a venda e consumo
de maconha eram tolerados desde 1972. O fechamento da
casa se deve a uma nova “medida que proíbe a venda de
maconha a menos de 250 metros de escolas —o Mellow
Yellow estava a 230 metros de um curso de barbeiro”. A
medida teve que ser aceita pela prefeitura de Amsterdã, mais
liberal, como uma espécie de negociação com o governo
nacional, mais conservador, que queria simplesmente proibir

5 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

turistas de frequentarem esses estabelecimentos. “Sabemos


que isso chateia quem foi afetado”, diz, à Folha de S.Paulo,
Jasper Karman, porta-voz da prefeitura. “Tivemos que
escolher. Acreditamos ter tomado a decisão certa.”

Cito essa situação porque para mim ela é um paradigma do


que temos na América Latina, onde mesmo governos de
orientação socialista ou social-democrata tiveram que
permanentemente negociar com uma classe dominante
extremamente conservadora. Sabemos que essa negociação
chateia muita gente, sobretudo aqueles que são afetados por
ela, mas foi uma negociação sempre necessária para evitar
um mal pior.

Fiquemos no caso do Brasil, e do governo do PT. Durante


todo o seu governo, Lula e Dilma tiveram que negociar os
anéis para não perder os dedos. O que lhes rendeu inúmeras
críticas vindas da esquerda, seja de partidos da esquerda,
seja simplesmente de cidadãos que por terem votado nos
candidatos do PT esperavam um governo 100% de esquerda.
As pessoas são inocentes ao ponto de acreditarem que, após
ter chegado ao poder, o PT poderia ter feito o que quisesse. E
se não o fez, é porque não quis. É o tal do mito voluntarista
da “vontade política”.

No Brasil de hoje, fala-se muito dos “erros do PT”. Mas esses


“erros” são mesmo do PT, devem ser atribuídos unicamente
ao PT ou, antes, eles teriam que ser atribuídos à classe
dominante brasileira, àquele 0,1 % da população

6 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

brasileira que detém a metade da riqueza de tudo o que é


produzido em nosso país e que traduz esse poder econômico
em poder legislativo, judiciário, executivo e, sobretudo, em
poder midiático? Será que é tão difícil para as pessoas
entenderem (refiro-me às pessoas que votaram no PT e que
se dizem desiludidas) que o PT nunca governou sozinho esse
país, mas sim junto com a direita?

Agora nós podemos ver a olho nu com quem o PT estava


governando. Não é senão isso o governo Temer. Portanto, a
questão que nós temos que colocar agora deve ser invertida:
como o PT conseguiu fazer tudo o que fez mesmo tendo que
governar com esses caras? Ora, o fato de que o governo do
PT encabeçava esse governo de coalizão colocava certos
limites à atuação da direita dentro do governo, mesmo que
essa direita também colocasse limites à atuação do PT. O que
vemos agora é essa direita atuando sem nenhum limite.

Nós nunca tivemos um governo do PT propriamente dito, nem


no nível nacional, nem no nível estadual. Simplesmente
nunca houve um governo de esquerda propriamente dito no
nosso país. Nós não sabemos o que é isso. Portanto, não
podemos fazer exigências ao PT como se isso tivesse algum
dia existido. Em países como Canadá e Inglaterra, um partido
só pode chegar ao poder se tiver maioria no Congresso. Em
outras palavras, o partido que obtém maioria no Congresso
nomeia o primeiro ministro. No Brasil, não existe nada disso.
E como existe uma pulverização dos partidos políticos (eterno

7 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

tema de uma reforma política que nunca acontece), surgiu o


tal de “presidencialismo de coalização”.

Portanto, precisamos levar em consideração que a maioria


dos chamados erros do PT não são erros do PT, são erros de
uma coalizão entre partidos de esquerda e de direita que
governaram o país nos últimos treze anos. É claro que, além
desses, há erros que podem ser atribuídos, a meu ver, não
tanto ao PT, mas ao Lula e à própria Dilma enquanto
governantes. Por exemplo, todas as nomeações de juízes
para o Supremo Tribunal Federal foram erros. Nem Lula nem
Dilma foram capazes de realmente constituir um STF
progressista, mesmo que possamos ver algum avanço da
Corte atual em relação a um ou outro ponto. Mas o STF
continua a serviço da classe dominante brasileira. Também
foram erros de Lula e de Dilma terem dado todas as
condições para o surgimento desses monstros que se
tornaram o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Não
ter politizado as nomeações foi um erro, pois não politizá-las
pela esquerda significa simplesmente permitir a politização
pela direita. Temos hoje um Judiciário caracterizado pela
ideologia das classes dominantes e nem Lula nem Dilma
foram capazes de produzir qualquer tipo de mudança nesse
sentido. E tudo em nome de uma neutralidade democrática
que eles julgavam ser o procedimento correto a ser adotado
nessas nomeações.

Nós poderíamos elencar muitos outros “erros” dos governos

8 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

Lula e Dilma, mas creio que os “erros” pelos quais eles são
acusados, enquanto “erros” do PT, têm outra natureza e só
podem ser entendidos à luz das condições complexas, para
não dizer complicadas, em que eles tiveram que exercer seus
mandatos presidenciais.

Hoje já temos elementos suficientes para poder compreender


que Lula não é nem nunca foi apenas um líder da esquerda
brasileira. Enquanto tal, ele jamais teria chegado ao poder,
jamais teria ganho uma eleição presidencial. A esquerda não
tem como chegar ao poder no Brasil, e mesmo que chegue,
cai.

Lula não chegou ao poder apenas como um líder da


esquerda. Ele chegou ao poder como um líder da esquerda
que conseguiu negociar um acordo com a direita. Isso ficou já
totalmente claro em sua primeira eleição – não só na famosa
Carta aos Brasileiros – e foi só por isso que ele finalmente
conseguiu vencê-la após três tentativas fracassadas. Foi só
quando incluiu explicitamente a direita em sua candidatura
que Lula pôde vencer a eleição presidencial. Em outras
palavras, ele continuou sendo um sindicalista enquanto
presidente. Ele continuou sendo o representante da classe
trabalhadora a negociar com os “patrões”. O fato de que ele
era agora Presidente da República não o tornou um “patrão”.
Ele continuou sendo um trabalhador. A única coisa que o
diferenciava dos outros trabalhadores era exatamente o fato
de que, enquanto os representava, era recebido pelos

9 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

“patrões” ou os recebia no Palácio do Planalto. Mas ele


jamais se tornou um patrão. A prova cabal disso é que a
classe dominante, a classe dos patrões, continuou tratando-o
como o que ele é: um simples sindicalista. A empáfia de um
juiz como Sergio Moro diante de Lula, um ex-Presidente da
República é, a meu ver, a melhor imagem do desprezo da
classe dominante brasileira pela classe trabalhadora
(incluindo nesse desprezo a classe média brasileira, que se
identifica com a classe dominante e não com a classe
trabalhadora). Por contraste, basta ver como Fernando
Henrique Cardoso foi tratado em recente interrogatório pelo
mesmo juiz Sergio Moro. Lula não passou a ser tratado como
um patrão por ter sido presidente. Suas origens populares,
operárias e sindicais lhe condenam a ser para sempre tratado
pela classe dominante como qualquer brasileiro médio com as
mesmas origens. Daí sua condução coercitiva sem
justificativas.

Portanto, a chegada de Lula à presidência não significa, nem


nunca significou uma chegada da esquerda ao poder no
Brasil. Assim como nunca significou uma verdadeira
modificação das relações de poder no Brasil. Significou
simplesmente um refresco ou algo que nós poderíamos
chamar hoje de uma política de diminuição de danos, para
tomar de empréstimo uma expressão da área de saúde
pública. Significou simplesmente a presença de um
negociador na Presidência da República, que tentava
conseguir junto à classe dominante melhores condições de

10 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

existência para a classe trabalhadora. A classe dominante


teve que aceitar a partir de um determinado momento uma
figura como Lula simplesmente pelo fato de que ela, a classe
dominante, não tinha sido capaz nos últimos anos de criar
uma liderança política que estivesse em condições de vencer
uma eleição presidencial. O caso Aécio Neves é talvez o mais
emblemático nesse sentido, pois conseguiu perder para uma
presidente com baixa popularidade num momento de crise
econômica aguda, o que contradiz todas as regras da ciência
política. Mas isso se explica, talvez, pela fato de que a última
vez que a direita teve um candidato vencedor, com a eleição
de Fernando Henrique Cardoso, foi uma tragédia para o país.
E uma parcela muito significativa dos brasileiros guarda até
hoje uma lembrança muito clara dessa tragédia. Foi o que
impediu uma vitória do PSDB nas quatro últimas eleições
presidenciais no Brasil.

Não sendo capaz de ganhar eleições presidenciais, a classe


dominante, no entanto, não deixa de dominar todas as outras
instâncias de poder, mesmo a instância do executivo, pois
mesmo nos governos do PT sempre houve a presença de
representantes dessa classe em seus quadros, em vários dos
seus ministérios. E no que diz respeito a outros poderes, o
Judiciário, o Legislativo e o quarto poder, a mídia, a classe
dominante sempre teve total controle dos mesmos. Em 2016,
essa classe dominante viu uma janela, uma possibilidade de
estar no poder sozinha sem o incômodo que era o PT.

11 of 12 9/21/19, 12:20 PM
Nunca existiu um governo do PT about:reader?url=https://revistacult.uol.com.br/...

O PT não se uniu a essa classe dominante por gosto. Ele o


fez pelo Brasil. Já está mais do que na hora de nós
entendermos isso.

12 of 12 9/21/19, 12:20 PM

Anda mungkin juga menyukai