DA TEORIA
LITERÁRIA
O LUGAR
DA TEORIA
LITERÁRIA
2016
Coordenação editorial:
Paulo Roberto da Silva
Capa:
Leonardo Gomes da Silva
Editoração:
Carla da Silva Flor
Revisão:
Heloisa Hübbe de Miranda
Ficha Catalográfica
(Catalogação na publicação pela Biblioteca Universitária da Universidade
Federal de Santa Catarina)
Inclui bibliografia.
1. Literatura – História e crítica – Teoria, etc. 2. Literatura – Estudo e
ensino. I. Cechinel, André.
CDU: 82.0
ISBN 978-85-328-0752-6
Apresentação........................................................................................................ 7
André Cechinel
I Fim da Teoria..................................................................... 11
1 – O que aconteceu com a Teoria?............................................................... 13
Fabio Akcelrud Durão
2 – Sobre a estranha morte da Teoria (com tê maiúsculo)......................... 29
Sérgio Luiz Prado Bellei
3 – Os fins da teoria......................................................................................... 57
Peter Barry
II Estado da teoria................................................................ 81
4 – Teoria literária hoje................................................................................... 83
Jonathan Culler
5 – Teoria e software: reflexões sobre a divisão de trabalho nas
Letras ontem e hoje................................................................................. 101
Márcio Seligmann-Silva
6 – Sem a imagem, a vida seria impossível: um trajeto sobre a
recente produção de Luiz Costa Lima.................................................. 113
Aline Magalhães Pinto
7 – Crise ou drástica mudança? Análise de um caso................................ 145
Luiz Costa Lima
Luiz Costa Lima, por sua vez, no livro Frestras: a teorização em um país
periférico, acrescenta a este uma série de outros problemas, constatados
em tom de incredulidade: alunos pouco qualificados, condições salariais
precárias, a pobreza de nossas bibliotecas etc. – “tudo isso nos leva a pensar
que é a própria sociedade brasileira que desqualifica a relevância da questão
intelectual” (LIMA, 2013, p. 475). Como deixar de associar essas questões
aos problemas que se referem especificamente à teoria literária e ao seu
lugar na universidade?
Logo no início do capítulo intitulado “O que aconteceu com a teoria?”,
8 que integra este volume, o professor da Unicamp Fabio Akcelrud Durão
André Cechinel
Organizador
Referências
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
ANTELO, Raúl. A pesquisa como desejo de vazio. In: SCRAMIM, Susana (Org.).
O contemporâneo na crítica literária. São Paulo: Iluminuras, 2012. p. 15-33.
BARRY, Peter. Beginning Theory. 3. ed. Machester: Manchester University Press,
2009.
LIMA, Luiz Costa. Frestas: a teorização em um país periférico. Rio de Janeiro:
Contraponto, Ed. PUC-Rio, 2013.
PATAI, Daphne; CORRAL, Will H. (Ed.). Theory’s empire: an anthology of
dissent. New York: Columbia University Press, 2005.
10
O que aconteceu
com a Teoria?
I
A controvérsia em torno da morte ou fim da Teoria ainda é nova; de
fato, é um dos primeiros filhos legítimos do século XXI. Ela compreende
diferentes pontos de vista: reivindicações de falta de novidade, pois,
“na verdade, não há nada na Teoria que tenha se mostrado realmente
revolucionário” (CUNNINGHAM, 2002, p. 29); proclamações cheias de
regozijo dos puristas, geralmente conservadores, para quem a Teoria é um
entrave; queixas daqueles que creem que falta o contrário, que a Teoria é
insuficientemente teorizada, que foi domesticada pelos readers e cursos
introdutórios de graduação. Para uns a Teoria sucumbe por ser politizada
demais, para outros, só poderá sobreviver com uma politização crescente
(BUTLER, GUILLORY; THOMAS, 2000); existem críticos que reclamam do
esquecimento do estético, ao passo que outros se queixam da incapacidade
da Teoria de exorcizar a estética por completo – com efeito, para cada um de
seus aspectos há posições contrastantes, muitas delas polêmicas, e algumas
com certa repercussão para além do espaço estritamente universitário.
nos EUA, durante os anos 1960. Seu ápice teria sido alcançado com a
desconstrução da Yale School3 nas décadas de 1970 e 1980, que promoveu
1
Ainda que a distinção seja frouxa, “Teoria” refere-se ao campo reflexivo autonomizado, e
“teoria”, ao termo não marcado em seu uso geral.
2
Para uma introdução crítica a essa nova formação discursiva, que salienta tanto seus
ganhos quanto seus impasses, cf. Duráo (2011b). O presente texto é um desdobramento
desse livro.
3
Compondo a primeira geração estavam Paul de Man, Geoffrey Hartman, Harold Bloom e
14 J. Hillis Miller (cf. BLOOM et al., 1979). Dentre a segunda, destacam-se G. Spivak, Barbara
Johnson e Samuel Weber, entre outros.
4
“Se a tarefa política é mostrar que a teoria nunca é meramente theoria, no sentido de uma
contemplação desinteressada, e insistir que é plenamente política (phronesis ou mesmo praxis),
por que não chamar simplesmente essa operação de política, ou alguma permutação necessária
de si?” (BUTLER apud RABATÉ, 2002, p. 2, grifo do autor).
5
A Duke University Press possui uma série chamada de Post-Contemporary Interventions, 15
editada por Fredric Jameson e Stanley Fish.
II
Para tentar explicar, ainda que um tanto grosseiramente, como
esse estado de coisas veio a ser, gostaria de propor um conjunto de quatro
17
6
Cf. Durão (2011a) para o caso da noção de “texto”.
7
Sem dúvida, haverá sempre aqueles que defenderão a capilaridade e multiplicidade irredutíveis
dos meios de comunicação digitais, da internet e dos celulares. Os argumentos de reivindicação
de liberdade no universo dos computadores já existem desde a década de 1990 e têm sido
desmentidos um por um. Que haja uma concentração dos aparatos comunicacionais, não
significa que o sistema seja fechado. Ele funciona porosamente: o Porta dos Fundos (produtora
de vídeos de comédia veiculados na internet) é um exemplo contundente de sucesso meteórico
de quem estava de fora, e de adaptação sem fricção ao que já estava montado.
8
Vale aqui chamar a atenção para o livro de Alex Demirovič, Der Nonkonformistische
Intellektuelle (1999), que mostra pormenorizadamente como T. W. Adorno e Max Horkheimer,
18 longe de ser mandarins da torre de marfim, estavam empenhados em uma práxis intelectual
incessante.
9
Uma outra maneira de observar o fechamento da cultura é por meio do desaparecimento
de qualquer forma de alteridade. Na ausência do outro da cultura, ela converte-se em uma
mediação universal, tal qual o dinheiro. Este, por sua vez, passa a confundir-se com a 19
transcendência religiosa, como muito bem articula Teschke (2014).
10
A University of Phoenix é geralmente citada como o exemplo mais consumado de identificação
entre universidade e empresa.
11
Para uma boa discussão das transformações por que tem passado a universidade desde o século
XVIII, cf. Readings (1997).
12
É claro, sempre haverá a possibilidade de não participar do sistema; com efeito, a presença
de muitos Ph.D’s em filosofia, sociologia, história ou literatura interagindo com pessoas do
20 povo teria o potencial de catalisar a contestação. Cf. aqui o que diz Robert Hullot-Kentor (in
DURÃO, 2012, p. 36-39).
13
Com efeito, para um acadêmico brasileiro, há um estranhamento quase etnográfico no encontro
com a bibliografia sobre a universidade norte-americana. É impossível não se encher de espanto
(ou mesmo incredulidade), quando se lê, por exemplo, que nos últimos anos dois terços dos
reitores das grandes universidades foram escolhidos por meio de firmas de head hunters. É
importante levar em conta, porém, que esse cenário não seria tão distante se houvesse no Brasil
uma preponderância das universidades privadas, como parece desejar a política educacional 21
dos partidos de centro-direita do país.
14
Baseio-me aqui no trabalho de doutorado em andamento de Maria Clara Biajoli, que oriento, 23
Lições de como matar a literatura: continuações de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.
Referências
BEWES, Timothy. Cynicism and Postmodernity. Londres: Verso, 1997.
BLOOM, Harold et al. Deconstruction and Criticism. Nova York: Continuum,
1979.
BUTLER, Judith. Imitation and Gender Insubordination. In: FUSS, Diana (Org.).
Inside/Out: Lesbian Theories, Gay Theories. Londres: Routledge, 1991.
BUTLER, Judith; John GUILLORY; Kendall THOMAS. What’s left of theory?
Nova York: Routledge, 2000.
CRARY, Jonathan. 24/7. Londres: Verso, 2014.
27
2.1 Teoria
Falar da Teoria que vem sendo declarada morta há algum tempo
exige um trabalho preliminar de definição de termos que leve em conta
a distinção, usada com frequência em certos setores da academia anglo-
americana, entre “Teoria” e “teorias”. Não é tarefa fácil porque a Teoria
constitui um campo discursivo que resiste sistematicamente a qualquer
modalidade de mapeamento de um objeto específico de estudos a partir
da prática de seus representantes maiores. Preparar uma listagem exemplar
destes últimos, ainda que incompleta, não constitui grande problema:
Jacques Lacan, Roland Barthes, Michel Foucault, Jacques Derrida, Jurgen
Habermas, Fredric Jameson, Edward Said, Hélène Cixoux, Julia Kristeva...
Estabelecer um objeto de estudos a partir de tais nomes é praticamente
impossível. A Teoria, a rigor, não existe enquanto um campo coerente de
pressupostos, metodologias, crenças ou preferências ideológicas aplicáveis a
um objeto de estudos. Não se pode, portanto, falar com propriedade de uma
nova Teoria da literatura no sentido em que era possível falar anteriormente
de uma teoria marxista, ou psicanalítica, ou estilística, ou formalista da
literatura. O New Criticism ou o Formalismo Russo constituíam campos
[...] não faz sentido iniciar uma história da teoria com a tentativa de
identificar o seu objeto comum ou uma linguagem compartilhada. Ao
contrário das teorias científicas, a teoria que surgiu nas humanidades
e nas ciências sociais na década de 60 do século passado não era
definida por seu objeto porque se constituía a partir de disciplinas
voltadas para objetos diversos: a linguística e estudos jurídicos,
a literatura e a antropologia, o estudo de narrativas populares e a
análise de modalidades econômicas de produção. (HUNTER, 2006,
p. 80).
HAMLET
What?
GHOST
I am thy father’s spirit,
Doom’d for a certain term to walk the night,
36 And for the day confined to fast in fires,
1
“Pois aqueles que pensas destruir / Não morrem, pobre morte, e a mim não podes matar.
[...] / Terminado um sono breve, acordamos para a eternidade / E a morte deixará de existir.
Morte, tu morrerás! John Donne. HAMLET: O que? / ESPECTRO: De teu pai sou o espírito, /
Destinado por algum tempo a vagar pela noite, / E no dia confinado a jejuar no fogo, / Até que 37
dos crimes que quando vivo cometi / Pelas chamas seja purificado.”
Não será jamais possível saber, pela simples razão que a escritura é
a destruição de toda voz, de toda origem. A escritura é esse neutro,
esse composto, esse oblíquo pelo qual foge o nosso sujeito, o branco-
e-preto em que vem se perder toda identidade, a começar pela do
corpo que escreve. (BARTHES, 2004a, p. 57).
Muito embora haja aqui um esforço para esvaziar esse leitor das
marcas clássicas do humanismo tradicional (a sua biografia, história e
psicologia), não deixa ele de constituir-se precisamente como um autor:
um sujeito definido como origem e centro produtor de sentidos a serem
unificados em um processo de leitura que deve cobrir todos os traços do
texto a ser lido. Assassinado na porta de entrada do ensaio, o autor, por
assim dizer, retorna pela porta dos fundos. Sua condição é menos a de um
morto do que a de um morto-vivo ou de um espectro que retorna.
O ensaio de Michel Foucault, “O que é um autor?” ([1969] 2009)
complementa e problematiza o texto de Barthes principalmente porque,
ao enfatizar as dimensões históricas, econômicas e sociais do conceito de
2
Para um exame detalhado da formação do estrelismo na área de Teoria, ver o importante 45
estudo de Shumway (1977).
2.3 O legado
O que se poderia então dizer, para além da morte da Teoria, a respeito
do seu legado? Um bom começo seria refletir brevemente sobre a sugestão de
Eagleton a respeito da impossibilidade de retorno a um passado de inocência
em relação à tradição literária. Nesse passado, o nome “John Milton”
46 apontaria para aquele escritor maior da literatura inglesa que produziu
Há, pelo menos, duas razões por que legados como a ética de
leitura representada por Foucault ou Barthes não deveria ser esquecida.
Quando bem utilizados, procedimentos que tentam perceber o “estranho
e o singular” no que era anteriormente aceito como “senso comum” e que,
consequentemente, desrespeitam hierarquias tradicionais constituem
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
JAY, Martin. For Theory. In: JAY, Martin. Cultural semantics: Keywords for our
Time. Amherst: University of Massachusetts Press, 1998.
KNAPP, Steven K.; MICHAELS, Walter Benn. Against Theory. Critical Inquiry
8.4, p. 723-742, 1982.
LACAN, Jacques. Écrits I. Paris: Éditions du Seuil, 1966.
MARX, K.; ENGELS, E. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MILLER, J. Hillis. The Triumph of Theory, the Resistance to Reading, and the
Question of the Material Base. PMLA: Publications of the Modern Language
54 Association, 102: 3, p. 281-191, May 1987.
55
Os fins da teoria 1
Peter Barry
1
Por volta do fim do milênio, houve muitas discussões aflitas
sobre o fim da teoria. Os teóricos gostam de falar sobre a morte disso e
daquilo, e há um frisson extra quando a morte em questão é a da própria
teoria. A teoria sempre se sentiu atraída por posições extremas – por
formulações polarizantes, por uma prosa que habita constantemente as
margens da incompreensibilidade, por narrativas melodramáticas sobre
crise e perda e por declarações descompromissadas que varrem do mapa
todas as certezas possíveis. Diante desse cenário apocalíptico, ela celebra
a coragem de alguns poucos (isto é, dos próprios teóricos) que suportam
olhar para o abismo e contemplar a dissolução final das estruturas e
ilusões reconfortantes que guiam as vidas das pessoas. Dessa forma,
imaginar a destruição da própria teoria é algo que teve um forte apelo
intelectual e emocional. O meu argumento aqui é simples: toda a energia
dedicada a refletir sobre o fim da teoria teria sido mais bem empregada
na tentativa de reconsiderar para que serve a teoria. Em outras palavras,
nossa atenção precisa voltar-se não para o fim da teoria, mas para os fins
da teoria.
1
Traduzido do inglês pelo organizador do volume.
mo de nossa disciplina literária, cada “virada” desse tipo dura pelo menos
trinta anos.2
3
Quando a ascensão da teoria teve início, nas décadas de 1960 e
1970, argumentava-se (e com razão) que a crítica literária era uma prática
58
2
Ver Barry (2007), capítulos 1 e 2, sobre a “historicização” dos estudos literários.
4
Uma correspondente recente me relatou suas experiências ao encontrar 3 – Os fins da teoria
esse tipo de teoria nos cursos de Mestrado. Após uma longa exposição às
noções pós-estruturalistas em torno do caráter inerentemente “escorregadio”
da linguagem e da consequente flutuação do significante (e outras noções
“líquidas” sobre a natureza da linguagem), ela perguntou à professora
“como seria possível falar sobre literatura se tudo era tão escorregadio?”3
3
A palavra de Derrida para “escorregadio” é “jogo” ou “jogo livre”, como no título “Estrutura,
signo e jogo no discurso das ciências humanas”, o ensaio fundador do pensamento pós- 59
estruturalista. A resposta de Derrida à minha questão correspondente seria a de que caberia
5
O estruturalismo me parece mais interessante porque é sobre
literatura e porque está relacionado à prática – ele nos conduz a algum
“empregar o termo [isto é, qualquer termo ou conceito de que você queira falar] com precaução
e como se estivesse entre aspas”. Esse é o mecanismo mágico acionado ao utilizar as palavras
sous rature (“sob rasura”), um truque heideggeriano que permite ao falante reconhecer a
instabilidade do significado, ao mesmo tempo que continua falando como se tanto esse fato
60 quanto o seu reconhecimento não tivessem consequências práticas para o teórico, mas somente
para os demais usuários da linguagem.
6
Os historiadores da internet dividem a web em duas fases
distintas, que eles designam por meio dos termos abreviados “Web 1.0”
e “Web 2.0”. Na primeira fase, a web era apenas uma fonte de informação
– você podia fazer downloads mas não uploads –, ou seja, um sistema de sentido
único com “domínios” controlados que, em vez de participantes, tinham
“consumidores”. Na fase posterior – Web 2.0 –, a rede tornou-se um processo
de duplo sentido: os consumidores passivos tornaram-se participantes
ativos e tiveram sua criatividade potencializada pela rede, pois contribuíam
e partilhavam informação como colaboradores, de modo que (nas palavras
de Tim O’Reilly (2005) “os usuários adicionaram valor” ao sistema, sem
qualquer entendimento de que diluíam sua autoridade. Na teoria literária, é
possível discernir entre duas fases potencialmente análogas, que poderíamos
chamar de Teoria 1.0 e Teoria 2.0. Só que a teoria tem, em grande parte,
resistido à transição do 1.0 ao 2.0, sem modificar suas rígidas estruturas de
poder intelectual. O resultado é inevitável: a teoria literária é agora uma igreja
sem quaisquer seguidores (que falem dela); ela ainda mantém o sacerdócio,
mas seus membros, em sua grande maioria, falam e escrevem apenas uns aos
outros, e já não há mais qualquer grupo significativo de verdadeiros crentes.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
62
4
Sobre a hermenêutica da suspeita, ver Scott-Baumann (2011).
8
A Web 2.0 começou com o “estouro da bolha da internet no outono
de 2001” (O’Reilly), que abalou a fé ingênua do mundo nas infinitas
5
Esse ponto de vista (de que a teoria, depois da “teoria”, vai manter o seu domínio anterior, mais
ou menos da mesma maneira) é amplamente incorporado nos seguintes livros: Attridge; Elliot 63
(2011) e Leitch (2014).
9
Seja como for, não há profissionais no mundo que desfrutem, nos
dias de hoje, do mesmo tipo de fidelidade inquestionável de que os teóricos
do primeiro escalão pareciam há muito tempo desfrutar e desejar para si.
Em outra oportunidade, descrevi a inabalável confiança do deslumbrante
grupo de grandes teóricos que palestraram na Universidade de Strathclyde,
em 1986, como parte da conferência intitulada “A linguística da escrita”.
Depois de vários dias ouvindo um discurso impositivo, o público se revoltou
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
6
Ver Hamacher; Hertz; Keenan (1988).
7
Ver Sokal (2003).
8
Sobre Althusser, ver Roudinesco (2010) (edição francesa original de 2005), Capítulo 4, “Louis
Althusser: The Murder Scene”, p. 97-131; sobre de Man, ver Derrida, (1988, p. 590-652). Para
“Respostas Críticas” ao texto de Derrida, ver Critical Inquiry 15, Summer 1989, p. 765-811, mais
outras sessenta páginas de Derrida respondendo às respostas ao seu texto no número seguinte;
sobre Sokal, ver Sokal; Bricmont (2003) (publicado primeiro em francês, em 1997, e depois em
inglês, em 1998); e, para uma lista abrangente de respostas e reações ao embuste, basta visitar o
64 site disponível em: <http://www.physics.nyu.edu/sokal/>.
9
Ver Barry (2009, p. 276-279) para uma descrição desse episódio.
10
Assim, os teóricos da literatura interpretaram mal as importantes
mudanças nas estruturas de poder da nossa própria era. Nenhum teórico
terá novamente o mesmo crédito intelectual ilimitado concedido a Derrida,
Lacan ou Foucault. Nossos fundos de admiração intelectual e credulidade
esgotaram-se, e serão necessárias várias décadas para preenchê-los
novamente. No mundo financeiro, tivemos o que ficou conhecido como a
“crise do crédito”; já no mundo da teoria, temos a “crise da credibilidade”.
Para começar a iniciar nossos alunos no mundo da Teoria 2.0, então,
precisamos fazer todas as perguntas básicas de novo. O campo dos estudos
literários deveria reconhecer o papel subalterno e colonizado que aceitou
desempenhar na Teoria 1.0 para, a seguir, recusar-se a tolerar mais vinte
3 – Os fins da teoria
11
O Triunfo da Teoria (tal como J. Hillis Miller o chamou) teve
raízes nas décadas de 1960 e 1970, quando os Estados Unidos ofereceram
hospitalidade a ideias vindas sobretudo da França, Alemanha, Itália e
União Soviética. Essas ideias foram “nativizadas” e domesticadas nos
cursos superiores do sistema universitário americano, e então reexportadas
para o mundo inteiro. No entanto, por volta do fim da década de 1990, o
clima nos Estados Unidos mudou: forças poderosas estavam trabalhando
no sentido de americanizar novamente o currículo das ciências humanas.
Uma contrarrevolução geral tomou conta das universidades americanas,
voltando-se contra vários alvos: o politicamente correto, o relativismo,
o pós-modernismo, o multiculturalismo, a teoria literária, entre outros.
Essa tendência para o isolamento cultural e intelectual atingiu em cheio
a teoria literária, acentuando-se com o clima pós-11 de setembro [2001].
Consequentemente, a vida intelectual tornou-se mais insular, com um
aspecto mais nacional que internacional, e a teoria literária não passou
imune a essas tendências. Talvez possamos esperar, nas próximas décadas,
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
12
Um dos sintomas do declínio da teoria tem sido sua tendência a
66 aumentar de volume, bastante evidente no tamanho cada vez maior das
13
Nas décadas de 1980 e 1990, era quase um lugar-comum a afirmação
de que discordar de teóricos como Derrida e de Man constituía uma “recusa
à leitura” e, portanto, um abandono da tarefa mais básica de um intelectual.
Assim, em seu discurso presidencial, Miller (1987, p. 284) escreve (sobre
a “representação equivocada do que Derrida ou de Man dizem”) que “essa 67
14
O que acontece quando a força incontrolável da teoria literária
encontra o objeto imóvel do texto literário? No passado, o encontro entre
texto e teoria foi como um eclipse – a sombra da teoria recaiu sobre o texto
e ali permaneceu. A teoria assumiu o controle do texto, de modo que o
texto perdeu sua própria voz e começou a falar ventriloquamente com a
voz da teoria. Com efeito, apenas para deixar claro, a teoria literária havia
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
10
A declaração clássica da posição de que a resistência à teoria representa uma “recusa cega à
leitura” pertence a Paul de Man (1986).
11
Em inglês, “the cutting edge of theory”, expressão que pode ser traduzida como “a vanguarda
68 da teoria”. A opção de tradução aqui feita busca preservar a imagem do corte, mantendo o
vínculo entre a expressão e o poema de Patrick Kanavagh citado a seguir. [N.T.]
15
Como a teoria está morta, devemos parar de tentar ensinar teoria.
Há vários anos, iniciei um texto com a seguinte declaração: “há muitas
maneiras de ensinar teoria literária. O problema é que nenhuma delas
funciona” (BARRY, 2003, p. 1). Se você é um daqueles que tentaram ensinar
teoria, você sabe que a declaração é verdadeira. Você fica cansado da teoria,
assim como os seus alunos, mas, à medida que a sua carreira avança, você
se torna cada vez mais preso à perpetuação institucional dela. Eis o que
você deve fazer: seja corajoso o bastante para parar de ensinar teoria, e, no
lugar, comece a ensinar a teorização. Listarei algumas das diferenças.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
16
Uma imagem intitulada em inglês “No Radio”, da artista
contemporânea Barbara Krunger, é utilizada na capa de um desses guias
teóricos amplamente prescritos. A imagem baseia-se em uma gravura
retirada de um manual de medicina do século XIX e mostra uma autópsia
em curso: em primeiro plano, o cadáver quase nu de uma jovem mulher
jaz sobre a mesa de dissecação. Atrás dela há um homem (totalmente
vestido) que observa o que parece ser um coração, que ele segura em sua
mão e supostamente acabou de extrair do cadáver. A imagem talvez queira 3 – Os fins da teoria
representar o olhar patriarcal e sua atitude predatória, pois se trata de um
homem de meia-idade, robusto e de barba grisalha. Mas sempre li essa
imagem, em sua posição familiar na capa da antologia, de modo diferente.
O cadáver na mesa de dissecação é o texto literário, já o hábil cirurgião,
capaz de extrair o seu coração, é o teórico da literatura (alguns dos quais
provavelmente têm barba). Por mais ou menos trinta anos, foi assim
que as coisas funcionaram, pois, nas discussões teóricas, o texto literário
sempre esteve na extremidade passiva da recepção de toda uma série de 71
17
Um dos indícios do fim da teoria foi o modo como a sua conceituação
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
18
Assim, os verdadeiros teóricos da literatura são os próprios escritores.
Eis onde devemos procurar um relato sobre a presença textual. O melhor 3 – Os fins da teoria
relato que conheço, capaz de registrar o efeito da presença textual, é o modo
como Henry James relembra sua primeira leitura do poema “The Church
of Brou”, de Matthew Arnold. O poema imagina as efígies de mármore de
um duque e de uma duquesa sendo despertadas pelo farfalhar das folhas
no telhado metálico da igreja acima e por um feixe de luz da lua que atinge
os seus rostos. Trata-se de um efeito hipnotizante, conquistado através de
uma precisão mimética muito bem disposta e sustentado impecavelmente
ao longo de quarenta e cinco versos. James ficou tão impressionado com a 73
Tudo o que sempre soube da igreja de Brou foi o que pude ler, anos
atrás, no belo poema de Matthew Arnold, que leva o seu nome
[...] e enquanto estive diante do objeto da minha peregrinação [...]
lembrei-me do lugar onde li pela primeira vez [aqueles versos], e
onde os reli tantas e tantas outras vezes, imaginando se algum dia
teria a felicidade de visitar a igreja de Brou. O lugar em questão
era uma poltrona em uma janela com vista para um jardim com
algumas vacas; sempre que eu via as vacas, não sei por que, me
ocorria o pensamento de que eu provavelmente nunca veria a
estrutura erguida pela duquesa Margaret [...] “So sleep, forever
sleep, O princely pair!”.13 Lembrei-me do verso de Matthew Arnold...
Então me ocorreu algo em relação à luz da lua em noites de inverno
através do frio clerestório. (JAMES, 1984, p. 171-172, tradução de
André Cechinel).
74
13
“Então durma, durma eternamente, ó par principesco!”.
19
O meu exemplo de teorização justapõe, não uma teoria (pós-
estruturalismo, digamos) e um texto literário (o conto de Henry James,
“The Author of Beltraffio”, digamos), mas uma frase de Derrida e uma
palavra do conto de James. A frase de Derrida está na seção “A farmácia de
Platão”, publicado primeiramente no livro Disseminação, e começa assim:
Author of Beltraffio” não é narrado pela Sra. Ambient – nem poderia sê-
lo, da mesma forma como os acontecimentos de The Turn of the Screw
não poderiam ser narrados pela governanta. A ficção imoral do romance
imaginário Beltraffio, que nutre a “arte pela arte”, governa as vidas “reais”
da história que o narrador conta, pois ele frivolamente realiza testes com os
Ambients, só para ver o que acontece. Da mesma forma, a governanta em
14
O autor contrasta duas palavras de significado semelhante, osseous e boney, insistindo, contudo,
no caráter médico/clínico do primeiro termo e no afastamento que o narrador promove em
76 relação ao seu objeto em decorrência dessa escolha lexical. Optamos por preservar os termos
em inglês justamente para manter o contraste. [N.T.].
20
Teorizar também significa especular sobre a extensão de um texto. Se a
expressão “as palavras na página” é rotineiramente considerada inadequada,
isso implica que as palavras que estão em algum outro lugar também são
relevantes e compõem o texto que estamos considerando. O necessário (para 3 – Os fins da teoria
utilizar uma frase de Marina Warner) é “cavar na arqueologia da história”.
Essa é a esfera da teoria da intertextualidade, que leva em consideração
os ecos e afinidades entre textos. O termo que utilizo para a subcategoria
da intertextualidade que observa outros textos de um mesmo autor é
cotextualidade. James utilizou a palavra osseous em relação à aparência física
de uma mulher em um outro lugar, a saber, em sua Autobiografia. A palavra
aparece em sua descrição da atriz Rose Chéri, cuja performance ele havia
visto no Théâtre du Gymnase, em Paris, em uma peça chamada A Woman 77
Referências
ATTRIDGE, Derek; ELLIOT, Jane (Ed.). Theory after Theory. London: Routledge,
2011.
BARRY, Peter. Beginning Theory. 3. ed. Manchester: Manchester University Press,
2009.
BARRY, Peter. Literature in Contexts. Manchester: Manchester University Press,
2007.
BARRY, Peter. The “Good Science” Approach to Teaching Literary Theory. English
Association Bulletin, n. 174, autumn/winter 2003. p. 1-3.
DE MAN, Paul. The Resistance to Theory. Minneapolis: University of Minnesota
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HAMACHER, Werner; HERTZ, Neil; KEENAN, Tom (Ed.). Paul de Man: 3 – Os fins da teoria
80
Jonathan Culler
1
O presente capítulo, traduzido do inglês pelo organizador do volume, é, segundo o autor,
resultado de uma série de palestras proferidas em outubro de 2011 nas seguintes universidades
chinesas: Shanghai Jiao Tong University, Nanjing University, Beijing University e Tsinghua
University. (N. T.)
84 2
Para uma discussão da “teoria”, ver Culler (1997, capítulo 1). Há uma nova edição, publicada em
2011, com uma bibliografia revisada e um novo capítulo final, intitulado “Ética e estética”.
86 3
Para algumas discussões sobre a situação atual da teoria, ver Attridge; Elliot (2010); Culler
(2010), e também o novo capítulo final de Culler (2011).
por uma virada ética ou religiosa e mostrando, em vez disso, que desde o
início a preocupação de Derrida com a temporalidade caminha junto com
uma valorização da sobrevivência, do mortal, do temporal e uma rejeição
do desejo de imortalidade e transcendência que estrutura tantas formas de
pensamento. Investigando a questão da temporalidade e da sobrevivência,
Hagglund analisa a relação de Derrida com o pensamento de Kant, Husserl
e Levinas, bem como com os debates atuais sobre democracia, ética e o
retorno da religião. Esse livro recebeu muita atenção e tem sido objeto
88 de conferências e debates em revistas acadêmicas, um indicativo do
90 4
Sobre “estar com os animais,” ver Haraway (2007).
5
Para duas fontes gerais sobre a questão, ver Carlaco (2008) e Wolfe (2003).
92 6
O livro de Buell (2001) constitui um importante exemplo. Já o de Garrard (2004) é uma
introdução breve e acessível.
Referências
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2001.
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CULLER, Jonathan. Literary Theory: A Very Short Introduction. Revised edition.
Oxford: Oxford University Press, 2011.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
DERRIDA, Jacques. The Animal That Therefore I Am. Trad. David Wills. New
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FLUDERNIK, Monika. Towards a ‘Natural’ Narratology. London: Routledge,
1996.
GARRARD, Greg. Ecocriticism. London: Routledge, 2004.
HAGGLUND, Martin. Radical Atheism: Derrida and the Time of Life. Stanford:
98 Stanford University Press, 2008.
99
Márcio Seligmann-Silva
102 Cada vez mais me convenço [...] de que a poesia é uma propriedade
comum à humanidade, que por toda a parte e em todas as épocas
Assim, toda a cultura seria “tecido comunicativo”, sendo que deve 5 – Teoria e software
De minha parte, acho que hoje, cerca de trinta anos após Flusser
ter escrito essas ideias, (a primeira edição desse livro é de 1983) podemos
pensar em um processo de dialogização republicana que se dará tanto nas
redes como em um processo de “despiramidização” da cultura atual. Essas
pirâmides são calcadas não mais apenas nas instituições detectadas por
Flusser, mas nos Estados ou blocos. Um modo radical de diálogo em rede
(mas que não se reduza ao simples feedback, como diagnosticou Flusser com
razão) e circular, ou seja, não hierarquizado e verdadeiramente integrador
e plural, é um horizonte possível com os meios de que já dispomos. Eles
precisam ser reapropriados e realocados no sentido da democratização e
da res-pública. O estabelecimento de uma verdadeira circulação, tradução
de si e do outro em redes dialógicas, essa é a tarefa que temos diante de
nós. No âmbito teórico, essa revolução implica que os discursos serão
constantemente retroalimentados por diálogos circulares e em rede. Essa
multipartição permitirá também uma politização da teoria, que deverá ser
plasmada a partir das questões prementes em cada local. O diálogo será
alimentado pela diferença (entre locais) e os discursos não mais serão
impostos em via de mão única e desprovidos de relação com as questões
locais. Esse panorama dinâmico do diálogo acadêmico deve prever também
uma maior porosidade com outros discursos. Muitas resistências, derivadas
de hábitos de pensamento, mas sobretudo de aspectos institucionais e
de poderes arraigados, terão que ser vencidas. Mas, de certa forma, a
sobrevivência do pensamento não fascista depende também de encararmos
essa tarefa. Esse novo design e prática do diálogo devem ser urgentemente
implementados. 5 – Teoria e software
Referências
BENJAMIN, Walter. O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Trad.
pref. e notas M. Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, EDUSP, 1993.
BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. TIEDEMANN, R.;
SCHWEPPENHÄUSER, H. (Ed.). Frankfurt: Suhrkamp, 1972. v. 4. 111
112
Sem a imagem,
a vida seria impossível:
um trajeto sobre a recente
produção de Luiz Costa Lima
Se na arte
– como tendencialmente
pensa o reflexo (wilderspiegler) realista –,
tudo fosse real,
ela seria realidade e não arte.
E se na arte
– conforme pensa a tendência
do ilusionismo criativista –,
nada fosse realidade, ela não seria nada
e portanto, tampouco, arte.
(Odo Marquard, “O Exílio da serenidade”)
Para Laise Araújo
e por isso se projeta em direção a uma teoria da cultura. Com efeito, como
aponta Sérgio Alcides, no posfácio à reedição de Mímesis: desafio ao pensa-
mento – livro que serve como inflexão e vetor desse rumo no pensamento
de LCL –, os estudos realizados pelo autor brasileiro durante a década de
1980 (O controle do imaginário: razão e imaginação no Ocidente; Sociedade
e discurso ficcional; O fingidor e o censor, no Ancien Régime, no Iluminismo e
Hoje), reunidos em 2007 na composição Trilogia do controle, mostraram as
maneiras pelas quais “os modos dominantes da razão ao longo dos tempos
114 modernos procuraram levantar barreiras aos potenciais disruptivos da
2
Parte dos argumentos desenvolvidos no presente artigo são encontrados em “Mímesis,
imaginação e torsão temporal” (PINTO, 2012, p. 45-58). Nós os retomamos aqui para proceder
sobre eles tanto revisão quanto um aprimoramento do que havia sido feito, representando
o trabalho empenhado individual e coletivamente, no âmbito do Grupo de Pesquisa/CNPq 117
“História Transdisciplinar dos Conceitos”.
Por meio dela, Aristóteles invoca a relação causal platônica entre originais e cópias. Mas
Aristóteles assim só o faz depois de sistematicamente opor sua própria doutrina da memória,
da sensação e das imagens mentais com a do Philebus e cita a imagem rejeitada por Platão da
tabuinha de cera como o modelo por excelência da mente e da memória. Aqui, então, está a
chave para os mistérios de Da Memoria. A importância da linguagem platônica em Aristóteles
não significa a importância de Platão em Aristóteles; antes indica a riqueza da metafísica e
da linguagem de Platão para as finalidades próprias e para a reinterpretação de Aristóteles.
Por De Memoria dispomos de clara evidência desta reinterpretação da linguagem platônica.
Aristóteles primeiramente critica Platão e, a seguir, com base em sua crítica, reivindica o
modelo de memória que Platão explicitamente rejeita. Assim, na conclusão do argumento,
se Aristóteles conta com a linguagem e com conceitos platônicos, o conteúdo do argumento
só pode ser compreendido como do próprio Aristóteles. O Platão que é apresentado em
120 De Memoria é um Platão corrigido: o Platão de Aristóteles (LANG, 1980, p. 393, tradução
minha).
[...] o espírito não pode ser determinado de outro modo senão como
uma capacidade em relação ao todo do já existente. O possível é
sempre e apenas o que, conforme sua morphé, já é real: o cosmo é,
ao mesmo tempo, o todo do real e do possível. [...] O que procria
sempre reproduz sua forma de ser. Em suma: o existente provém
apenas do existente. (BLUMENBERG, 2010, p. 106, grifo do autor).
Ler Luiz Costa Lima fez, entre outras coisas, aumentar meu
interesse por duas vias problemáticas: a reversibilidade entre lógica
sequencial e apropriação e ruptura para constituir a história da
filosofia (em outras palavras, o controle do imaginário como relação
da antiguidade e da modernidade); e o continuum de essência
entre literatura e filosofia de acordo com época, a língua, a cultura,
revezando-se e servindo uma à outra de instrumento interpretativo.
124 (CASSIN, 1999, p. 25).
4
Freud, em 1915, no texto “Pulsão e destino das pulsões” (Trieb und Trieb Shiksal) decompõe a
pulsão, como forma originária do querer, em quatro momentos: Drang (impulso), Quelle (fonte),
Objekt (objeto) indeterminado e Ziel (fim). Mais importante do que repassar esquematicamente
a articulação entre esses momentos é enfatizar a relação dinâmica entre eles. E remarcar que
entendemos por pressão ou impulso (Drang) a soma de força ou a medida da exigência do
trabalho que será usado psiquicamente para achar os meios de livrar-se dessa pressão e buscar 129
obter algum alívio (FREUD, 1968).
5
René Girard pratica uma antropologia da violência e das formas religiosas. O desejo mimético
é base pela qual ele explica que a violência é intestina ao humano e extremamente contagiosa.
Sua questão intelectual visa, portanto, encontrar formas de geri-la de modo a não permitir a
destruição do corpo social. Basicamente, Girard nos mostra que a gerência da força violenta
dos homens se faz por meio dos mecanismos que geram “bodes expiatórios” que canalizam
para si essa força, evitando portanto que o conflito humano se generalize. Ao mesmo tempo,
pela força simbólica do “Cristo redentor”, o cristianismo seria a única força capaz de quebrar a
130 maldição do mimético, pois permite-nos compreender a mesma estrutura do mal da violência
e do pecado (cf. GIRARD, 2004).
7
K. Lorenz alerta para o fato de que, no trabalho de Gehlen, o estado de inadaptação humana
não pode ser considerado um conceito biológico porque no sentido da biologia não há seres
não adaptados, ou então se os há, são seres isolados e condenados a desaparecer. Apesar
disso, Lorenz reconhece que a teoria de Gehlen contém qualquer coisa de fundamentalmente
verdadeiro, já que um ser que possuísse uma adaptação morfológica claramente especializada
jamais poderia constituir-se como o homem. Se por um lado é certo que as realizações culturais
não podem ser explicadas através de uma deficiência biológica, por outro é igualmente correto
que um ser especializado não poderia ser uma criatura que deve assumir a tarefa de criar o
seu próprio mundo. O cérebro humano prepara-nos biologicamente para levar a cabo essa
tarefa. Todavia a especialização biológica não garante o sucesso da empreitada. Nesse sentido,
o cérebro seria, ele mesmo, um órgão aberto ao mundo, i.e., um órgão em risco permanente de
134 fracassar e de enlouquecer. Por “natureza” o homem é uma criatura em perigo. (cf. LORENZ,
2010).
Esse horizonte – que não foi, mas poderia ter sido –, cumpre-se de
forma facilitada na prosa devido às propriedades do enredo narrativo. Na
poesia, por sua vez, esse efeito se dificulta porque o horizonte a que ela se
projeta não se restringe à dimensão sintática e semântica: “o mecanismo da
rima aproxima pelo som o que se diferencia pelo sentido” – afirma o autor,
evocando Iuri Lotman e seguindo o que desenvolve em A ficção e o poema
(LIMA, 2013, p. 223-224).
Uma vez definida a posição da ficção e mais especificamente da
ficção interna, Costa Lima, dando continuidade ao trabalho de delimitação
do que não seria uma ficção externa, examina duas formas discursivas que
representam planos pervertidos ou deformados da realidade: o domínio
se torna por isso ficcional. Torna-se uma crença morta, por isso, deformada
pela ação do tempo (LIMA, 2013, p. 231-236).
Ao contrário da moeda (plano pervertido) e da crença descreditada
pelo tempo (plano deformado), para LCL, o modo correto de cumprimento
dos rituais cotidianos são índice de que, na complexa amálgama que
conforma as relações entre linguagem e realidade, há algo que se realiza,
nesse “teatro do mundo”, pondo entre parênteses a pretensão de declarar a
verdade. Devido a esse tipo de realização, a ritualística cotidiana merece ser
138 tratada como ficcional. Desse modo, duas características pautam as ficções
Referências
ALCIDES, Sérgio. Posfácio: um livro-limite. In: LIMA, Luiz Costa. Mímesis:
desafio ao pensamento. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014. p. 307-312.
ARISTÓTELES. De anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília
Gomes dos Reis, São Paulo: Ed. 34, 2006.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
144
1
A reflexão das Memórias não deixa de ser problemática. A julgar por ela, a afirmação do melhor
biógrafo de Graciliano seria despropositada: “Graciliano extrai da memória a sua matéria
ficcional, resgatando tanto suas raízes existenciais quanto um conjunto de tradições e heranças
místicas do Nordeste” (MORAES, 2012, p. 214). Mas, ao contrário, ela se ajusta às declarações
mais frequentes do romancista. Embora não possa comprová-lo, creio que a discrepância do
afirmado nas Memórias era consequente às discordâncias que sofria o autor ante as normas 147
rígidas do realismo socialista praticado pelo Partido.
2
Embora a fonte não declare claramente a data da afirmação, a frase de Rachel de Queiroz
148 confirma a sinonímia: “O que fazíamos era romance-documento, romance-testemunho” (apud
MORAES, 2012, p. 75).
ou literária expõe.
Por conseguinte, a fortuna do realismo na arte parte da primeira
metade do século XVIII e viria encontrar sua máxima expressão ao longo
do século XIX. Centrando-se inicialmente na França e na Inglaterra e
concentrada no gênero que, desde então, é o ápice da forma literária, o
romance, o prestígio do realismo é contemporâneo à expansão primeira do
capitalismo industrial e dos meios de comunicação (a estrada de ferro e o
telegrama sem fio). Nenhuma estranheza que tenha se difundido das duas
152 nações europeias então mais desenvolvidas e tampouco que daí seu prestígio
mais refinada, revelar como é a realidade social. Sucede apenas que tal
pretensão passa a ser vista de modo indireto – “sintomal”, como Norris
usa o termo de Althusser para definir o marxista de autores posteriores à
queda do império soviético. Tal seria a distinção radical com a posição de
Barthes. Se de sua obra não se retira alguma outra propriedade do literário
além da ênfase na construção da própria forma; se, portanto, afasta-se o
literário do padrão realista, sua pertença ao mesmo paradigma resulta de
que à negação do perfil realista – “imitação”, apreensão do que a realidade
154 é – não se segue algo mais propriamente definitivo. (A ênfase na forma
Referências
ARISTÓTELES, Poét. Trad. DU-ROC, R.; LALOU, J. Paris: ed. Du Seuil, 1980.
BAPTISTA, A. B. O livro agreste: ensaio de curso de literatura brasileira.
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Harvester Press, 1974.
LIMA, L. C. Por que literatura? Rio de Janeiro: Vozes, 1966.
LUKÁCS, G. [1958]. La Signification présente du réalisme critique. Trad. Maurice
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PAYNE, M.; BARBERA, J. R. (Ed.). A Dictionary of cultural and critical theory.
New Jersey: Blackwell Publishing, 2010.
RAMOS, G. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora,
157
Ivete Walty
162
2
Esse aspecto será retomado mais à frente.
4
Posteriormente, no quadro da Teoria da integração conceitual (FAUCONNIER; TURNER,
2002), trabalha-se com a noção Blending: “Conceptual integration, also called “blending,” is
a basic mental operation that works on conceptual arrays to produce conceptual integration
networks. Certain conceptual arrays provide inputs to the network. Selective projection
from the input conceptual arrays and from the relations between them carries elements and
relations to a blended conceptual array that often has emergent structure of its own. This
blended conceptual array is often referred to as “the blend” / “Integração conceitual, também
denominada “blending”, é uma operação mental básica que atua sobre matrizes conceituais
para produzir redes de integração conceitual. Algumas matrizes conceituais fornecem material
de entrada para a formação de tais redes. Projeções seletivas a partir de redes conceituais e
a partir de relações estabelecidas entre elas transportam elementos e relações para uma rede
conceitual integrada (blended) que frequentemente possuem estruturas emergentes que lhe são
próprias. Esta estrutura conceitual integrada é frequentemente denominada “integração” (“the 167
blend”). (TURNER, 2008, p. 57, grifo do autor, tradução nossa).
Tais estudos são ainda um desafio para mim, a ser vencido sempre em diálogo com o colega
168 linguista Milton do Nascimento, a quem agradeço a grande contribuição. Agradeço ainda a
Graça Paulino a interlocução crítica de hoje e de ontem.
5
Ver epígrafe de Guimarães Rosa: “Narrar é resistir” (apud LIMA, 2013, p. 5).
6
“The claim of this book is that the human spark comes from our advanced ability to blend
ideas to make new ideas. Blending is the origin of ideas. [...] Blending, I claim, is the big lever
of the cognitively modern human mind” / “A ideia defendida nesse livro é que a centelha
humana advém da nossa capacidade avançada de integrar ideias para produzir novas ideias.
A integração conceitual (blending) está na origem das ideias. […] Defendemos que a Integração
Conceitual é a grande alavanca da mente humana cognitivamente moderna”. (TURNER, 2014,
p. 2, tradução nossa).
172 7
Modifica-se também o lugar ocupado pelos estudiosos das ciências humanas em sua relação
com as chamadas ciências duras, tomadas, muitas vezes, como hierarquicamente superiores.
Referências
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Geneve, 1951.
174 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina G. Pereira.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
PINKER, Steven. Um instinto para adquirir uma arte. In: PINKER, S. O instinto
da linguagem: como a mente cria a linguagem. Trad. Claudia Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. Mônica
Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2009a.
RANCIÈRE, Jacques. O efeito da realidade e a política da ficção. Trad. Carolina
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RANCIÈRE, Jacques. O inconsciente estético. Trad. Mônica Costa Netto. Rio de
176 Janeiro: Editora 34, 2009b.
177
Nabil Araújo
180 1
Esta e as demais traduções de trechos em língua estrangeira citados neste texto são de minha
autoria.
***
“Die Logik von Frage und Antwort” [A lógica da pergunta e da
resposta] é o nome da última seção da segunda parte de Wahrheit und
Methode [Verdade e método] (1960), na qual Hans-Georg Gadamer,
comentando criticamente e extrapolando a ideia de uma “logic of question
and answer” desenvolvida por R. G. Collingwood, procura mostrar, em
1984, p. 142).
Passando em revista certas “respostas tradicionais” à “pergunta do
que é e onde está o poema, ou, antes, a obra de arte literária em geral”
(WELLEK; WARREN, 1984, p. 142), os autores concluem não ser possível
encontrar uma resposta satisfatória à questão em termos de psicologia
individual e coletiva, sentenciando não ser o “poema”, isto é, a obra de
arte literária, “uma experiência individual ou uma soma de experiências,
mas apenas uma causa potencial de experiências” (WELLEK; WARREN,
184 1984, p. 150); e ainda: “o verdadeiro poema deve ser concebido como uma
estrutura de normas [a structure of norms], realizada apenas parcialmente
hesita, Kant figura como o marco histórico fundamental: “Kant deve ser
considerado o primeiro filósofo que clara e definitivamente estabeleceu a
peculiaridade e a autonomia do domínio estético” (WELLEK, 1970, p. 124).
Contra os que querem atribuir essa primazia a outros nomes (p. ex. ao de
Vico ou ao de Baumgarten), Wellek retruca que:
[...] a faculdade de juízo reflexiva deve subsumir sob uma lei que
ainda não está dada e, por isso, é, de fato, apenas um princípio de
reflexão sobre objetos, para os quais objetivamente nos falta por
completo uma lei ou um conceito de objeto que fosse suficiente
193
Isso não quer dizer que o juízo de gosto não aspire à universalidade;
ao contrário, todo juízo de gosto implica uma “reivindicação de validade
universal [Anspruch auf Allgemeingültigkeit]”, a qual pertence, na verdade
“tão essencialmente a um juízo pelo qual declaramos algo belo”, explica
194 Kant,
[...] que no juízo de gosto nada é postulado exceto tal voz universal
[allgemeine Stimme] com vistas ao prazer [Wohlgefallen] sem
mediação dos conceitos; logo, a possibilidade de um juízo estético
que, ao mesmo tempo, possa ser considerado válido para todos.
Para Kant não pode haver nada como uma doutrina ou princípios
que possam ser ensinados. A crítica é sempre julgar por exemplos,
a partir do concreto. A crítica é, assim, histórica, no sentido de
ser individual, enquanto a ciência (e Kant pensa na física) é geral,
abstrata, visando a uma doutrina sistemática. O método da crítica
é, assim, o método comparativo. A capacidade de escolher com
validade universal, outra definição do gosto, não é senão a capacidade
de comparar-se com outros; e esse processo é, claro, não apenas uma
justaposição com outros, mas uma autocrítica, uma introspecção,
198 um exame dos próprios sentimentos. (WELLEK, 1970, p. 129).
LIMA, Luiz Costa. O labirinto e a esfinge. In: COSTA LIMA, Luiz. (Org.). Teoria
da literatura em suas fontes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. p. 11-41.
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Chapecó: Argos, 2011.
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cultura post-moderna. Milano: Garzanti, 1985. [Ed. bras.: VATTIMO, Gianni.
O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Trad.
Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.]
WELLEK, René. A History of Modern Criticism: 1750-1950. London: Yale
214
University Press, 1955-1992. 8 v.
215
Teorizar é metaforizar
10 – Teorizar é metaforizar
de sua prática, pois é graças a essa heterogeneidade de ideias e pontos de vista
que os diferentes perfis acadêmicos são capazes de dialogar em regime de
igualdade com seus pares. A abordagem da literatura tem se apoderado da
variedade de enfoques e metodologias com vistas à abertura interpretativa
e à impossibilidade de defesa desta ou daquela linha de pensamento. Esta
posição se afasta de preconceitos relativos à falta de controle do exercício
das críticas comparada e cultural, denunciadas pela confusão e o vale-tudo
analítico. Não se postula o retorno de métodos e preceitos judicativos nesta
avaliação, mas se entende que o rigor e a seriedade das distintas propostas
deverão ser reconhecidos pela comunidade acadêmica. 219
de seu abandono, desuso ou finitude. Essa posição investe na releitura do presente como meio de
apontar o que ainda merece ser reintroduzido como reflexão na contemporaneidade” (SOUZA, 223
2014, p. 114-115).
Referências
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2014.
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WILCKEN, Patrick. Claude Lévi-Strauss: o poeta no laboratório. Trad. Denise
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
224
André Cechinel
empire, mas também aquilo que por vezes ocorre em críticas que se
voltam para a chamada Teoria: ao responsabilizar alguns poucos nomes
pelo aparente fracasso do novo “império teórico” – os culpados são, via
de regra, Barthes, Foucault, Derrida, Paul de Man e J. Hillis Miller –, as
análises acabam por projetar leituras reducionistas dos fenômenos que
buscam apreender. Conforme Fabio Akcelrud Durão demonstra no texto
“Giros em falso no debate da Teoria”, algumas das críticas expostas no
livro de Patai e Corral são difíceis de refutar; “por outro lado, várias outras
projetam uma imagem estereotipada e errônea da Teoria, avessa àquilo que
228 ela possui de melhor” (DURÃO, 2008, p. 65). No que tange ao texto de
1
Esse efeito desconcertante apresenta-se inclusive como um problema de tradução. A frase-
fórmula “I would prefer not to”, quando traduzida para o português como “acho melhor
não” ou “preferiria não”, perde parte da gramaticalidade excessiva que traz inscrita em si,
pois a ocorrência mais usual e provável da formulação seria, em inglês, “I had rather not” (cf. 231
DELEUZE, 1997, p. 80).
2
Com efeito, a leitura de Rancière busca tensionar o texto de Deleuze principalmente no sentido 233
de alertar que “não se passa da encantação multitudinária do ser em direção a uma justiça
234 política. A literatura não abre passagem alguma em direção a uma política dionisíaca ou
deleuziana” (RANCIÈRE, 1998, p. 202).
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DELEUZE, Gilles. Bartleby ou a fórmula. In: DELEUZE, G. Crítica e clínica. Trad.
Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1997.
DERRIDA, Jacques. The gift of death. Trad. David Wills. Chicago: University of
Chicago Press, 1995.
DURÃO, Fabio Akcelrud. Giros em falso no debate da teoria. Alea, v. 10, n. 1,
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
p. 54-69, 2008.
3
No momento em que o presente livro encaminhava-se para a gráfica, deparei-me com o artigo
de João Pedro Cachopo, da Universidade de Lisboa, intitulado “Exasperar Bartleby: fórmula
– alegoria – reticência”. O texto serve como complemento e contraponto para alguns dos
elementos apresentados ao longo deste capítulo; sua conclusão, contudo, não deixa de remeter
ao argumento central aqui defendido: “A literatura tem uma política que lhe é própria. E, nesse
sentido, se Bartleby se parece com a literatura, ou vice-versa, é num esquivar-se à interpretação
que fragmenta, multiplica, dispersa leituras possíveis mais do que as rechaça em bloco como
impossíveis. Mas reconhecer a especificidade da ‘política da literatura’ não implica apenas
preferir não tomar a personagem por emblema de uma eventual comunidade ou humanidade
238 vindoura; implica também preferir não tomar o procedimento como bitola de uma qualquer
política por vir [...]”. (CACHOPO, 2014, p. 21-22, grifo do autor).
239
Eduardo Subirats
1
Traduzido do espanhol pelo organizador do volume.
247
4
Ver Andrade (1978, v. 6, p. 13).
5
“Tenho que falar, não tendo nada a dizer, nada a não ser as palavras dos outros. Não sabendo
falar, não querendo falar, tenho que falar. Ninguém me obriga a isso, não há ninguém, é um 249
acidente, é um fato” (BECKETT, 2009, p. 58).
6
Ver Anders (1951, p. 10 e ss). 251
7
Ver Leavitt (2012, p. 122 e ss).
das novas condições teológicas e políticas do poder colonial, a morte se eleva à expressão da
violência sexual genocida, um significado que a continuidade mitológica asteca da vida e da
254 morte reincorpora nos ciclos eternos do renascimento da vida. Isso explica por que algumas
derivações desse verbo, como a palavra Chingón, possuem uma conotação claramente positiva.
10
Ver Neumann (2004, p. 269). 257
11
Ver Lachower (1989, v. 2, p. 597 e ss.).
Referências
ADORNO, Theodor W. Noten zur Literatur.Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1973.
v. 2.
ANDERS, Günther. Kafka. Pro und contra. Die Prozess Unterlagen. München:
C.H. Beck, 1951.
ANDRADE, Oswald de. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. In: Obras
completas. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. v. 6. 259
260
Literatura digital,
uma experiência possível
Cristiano de Sales
1
Merleau-Ponty (2008) chamou isso de fala falada.
262 2
A teoria também ajudou e ainda ajuda, em contrapartida, a fazer com que os ideais românticos
do século XIX permaneçam no XXI.
3
Acusação feita por Adorno (2006) quando lê pela primeira vez os manuscritos que Benjamin 263
escrevera sobre Flores do Mal.
13.2 Do digital
Uma forma de reinvenção crítica (não é essa uma das funções da
teoria?) é voltarmos nossa atenção para a escrita digital do nosso tempo.
Não é de hoje que poetas e artistas incorporam aos seus trabalhos a
linguagem de programação digital e a possibilidade de fazer os significantes
fruírem em outro espaço-tempo, o digital.
Há um tipo de literatura que se pratica desde meados dos anos de 1990
no Brasil que visa a incorporar aos objetos poéticos os signos, processos
264 e procedimentos dos ambientes e da lógica digital, ou hipermídia, como
4
Justiça seja feita a Rui Torres que, muito além da articulação de softwares, preserva uma
266 preocupação estética a ponto de conseguirmos ver em seus poemas digitais o registro de um
estilo visual e procedural.
268 5
“Não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas sim à obra de arte.” (MERLEAU-
PONTY, 2008, tradução nossa).
O novo flâneur
navega
num informático oceano
feito de simulacros
de imaginadas redes de sentido 269
Referências
ADORNO, Theodor W.; BENJAMIN, Walter. Correspondance (1928-1940). Paris:
Éditions Gallimard, 2006.
BALPE, Jean-Pierre; BARROS, Manoela de. (Dir.). L’art a-t-il besoin du
numérique?: Colloque de Cerisy. Paris: Lavoisier, 2006.
BARBOSA, Pedro. A renovação do experimentalismo literário na literatura gerada
por computador. Disponível em: <http://po-ex.net/pdfs/pb-ren_exp.pdf>. Acesso
em: 19 out. 2014.
BARTHES, Roland. A morte do autor. In: BARTHES, Roland. O rumor da língua.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
271
A identidade da poesia
e as teorias do poético
3
O artigo baseou uma das conferências de Jakobson em setembro de 1968 em sua visita ao Brasil.
Os organizadores do volume, Boris Schnaiderman e Haroldo de Campos, não especificam o 279
local das conferências.
[...] conta com a possibilidade seja de armar seu ritmo sem recorrer
a consonâncias fônicas rigidamente regulares, seja de utilizá-las de
maneira a ampliar o campo semântico das palavras que, diferenciadas
do ponto de vista do sentido, são aproximadas por sua materialidade
sonora. (LIMA, 2012, p. 208).
não encontrar leitores. Por isso, Costa Lima (2012, p. 209) não o associa
à mimese da experiência, mas à meditação: “O poema meditativo é uma
espécie de ficcionalidade que opta pela solidão da palavra”, explorando “sua
dupla potencialidade de associação e verticalidade”.
Entre as diversas teorias da poesia hoje correntes, o que se constata
é um ineludível consórcio entre sonoridade e sentido, que vai tecendo o
poema pelo recurso da equivalência, como sugeriram Jakobson e Lotman.
Também a análise fenomenológica e a hermenêutica respondem bem aos
desafios sonoro-imagéticos do texto poético contemporâneo. Por outro
288 lado, se visto pela ótica das teorias de Benjamin e Adorno, o poema atual
4
“Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: em seu seio se resolvem todos
os conflitos objetivos e o homem adquire por fim a consciência de ser algo mais do que 289
trânsito”(PAZ, 2003, p. 13, tradução nossa).
291
Algumas questões
sobre corpo e literatura
Ce n’est pas à l’objet physique que le corps peut être comparé, mais
plutôt à l’oeuvre d’art.1
(Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception)
C’est en prêtant son corps au monde que le peintre change le monde
en peinture.2
(Merleau-Ponty, L’oeil et l’esprit)
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
(Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, poema IX d’O guardador de
rebanhos)
1
“Não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas, sobretudo, à obra de arte.”
(MERLEAU-PONTY, 1964). Tradução do autor deste capítulo, como todas as seguintes.
2
“É emprestando seu corpo ao mundo que o pinto transforma o mundo em pintura.” (MERLEAU-
PONTY, 1989).
***
O corpo, isto é, a experiência do ser-incarnado (segundo a concepção
de Merleau-Ponty (1989, p. 350)) é o fundamento da “ciência do Mundo que
me é dada com meu corpo”, uma invariância na multiplicidade das percepções,
dos gestos expressivos, das manifestações cognitivas. Ora, sem o suporte da
carne, o ser-no-Mundo seria apenas pensamento puro, puro espírito, o que
significaria forma de conhecimento solipsista e, portanto, irremediavelmente
vazia. Para cumular esse saber de sentidos, para que ele esteja ancorado em
um espaço empírico, não se pode fazer abstração da contribuição do corpo.
Todo pensamento tem, por assim dizer, uma primeira camada que reside
justamente em sua espessura corporal: maneira de o ser-no-Mundo fazer-
se presente e coparticipante numa realidade completa. Nossos primeiros
pensamentos estão já presentes nos gestos da criança que estica sua mão em
direção à doce pele da mãe, que dirige sua boca para o seio que o nutre. Daí
podermos dizer acertadamente que ele pensa com as mãos, seu cogito, mais
do que nunca, está ancorado em sua contingência, no espaço físico que seu
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
“Mas isso a que V. chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver.
Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é
infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?”
E eu, desnorteado. “Mas V. não concebe o espaço como infinito?
298 Você não pode conceber o espaço como infinito?”
5
Barthes (1981, p. 257, grifo do autor) diz que a “linguagem necessária é escolhida por cada crítico
em função de uma certa organização existencial, como o exercício de uma função intelectual
que lhe pertence propriamente, exercício no qual ele coloca toda a sua ‘profundidade’, quer
dizer, suas escolhas, seus prazeres, suas resistências, suas obsessões”.
6
Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, poema VIII, disponível em: <http://arquivopessoa.net/ 301
textos/1487>. Acesso em: 30 jul. 2014.]
Por isso, discutir a influência mútua entre leitor e texto implica abrir
a discussão literária aos problemas da recepção da obra, como já havia
indicado Jauss. Trata-se, no caso, de se perguntar como o texto pode produzir
modificações na perspectiva primeira com que o leitor abordou sua leitura.
De toda maneira, avançar por esse caminho de discussão nos tiraria do trajeto
que pretendemos mapear com este trabalho. Fica isso para outra ocasião. O
que parece mais fértil, nesta altura das reflexões, é voltar nossa observação
para as relações entre diferentes leitores e a maneira como o texto se amolda
a isso. Em outras palavras, parece ser fundamental agora abordar o problema
da intersubjetividade, no que diz respeito à realização do texto.
8
Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, poema VIII, disponível em: <http://arquivopessoa.net/ 305
textos/1487>. Acesso em: 30 jul. 2014.
306 9
É o que se propõe ao menos desde Husserl. A respeito disso, ver Zeljko Loparic (1988, cap. 14).
10
No sentido próximo ao da física das ondas.
11
A esse respeito, ver o precioso estudo de Adorno (1984).
12
“Em vista da concretização [...], o texto organiza uma espécie de estratégia. [...] associar os
elementos do repertório [...] estabelecer igualmente a ligação entre o contexto referencial 307
do repertório e o leitor, [...] a inscrição do sujeito no texto, assim como das condições de
308 comunicação. É por isso que elas não podem ser vistas apenas como simples efeito do texto; elas
precedem todas essas divisões” (ISER, 1985, p. 161-162).
literária). É por isso que Jauss (1978) dizia que “a atitude de fruição [...] é o
próprio fundamento da experiência estética [...]”. Ou ainda: “Essa exigência
clássica de uma distinção absoluta entre a simples fruição receptiva e a
reflexão científica a respeito da arte não é, no que me concerne, mais do que
um argumento ditado por uma consciência culpada [...]” (JAUSS, 1978,
p. 125).15 Isso pode explicar o fato de termos uma diversidade de pontos de
14
“Aliás, é semelhante à ideia de ‘visão de Deus’ proposta por Malebranche.”
310 15
Starobinski tinha razão em dizer, no prefácio a essa obra, que Jauss (1978) havia proposto isso
antes de Barthes.
do que a maneira como ele se lança ao texto, buscando nesse ato as marcas
do Mundo, através das precariedades de suas operações que ele oferece à
visão e ao juízo de outros. É muito semelhante ao corpo quando se percebe
inteiramente inscrito no Mundo:
Referências
ADORNO, Theodor. Notes sur la Littérature. Trad. Sibylle Muller. Paris:
Flammarion, 1984.
BARTHES, Roland. Essais Critiques. Paris: Editions du Seuil, 1981. (coleção
Points)
BARTHES, Roland. Essais Critiques IV. Paris: Editions du Seuil, 1984.
BARTHES, Roland. Le Plaisir du Texte. Paris: Éditions du Seuil, 1973. (Coleção
Tel Quel) 315
317
1
O termo escrita fixa a ser utilizado no decorrer dessa pesquisa se fundamenta no conceito de
Zumthor, que estabeleceu a diferenciação entre essa e a voz. Para ele, “a escrita permanece,
estagna, a voz multiplica. Uma se pertence e se conserva; a outra se expande e destrói.
A primeira convence; a segunda apela. A escrita capitaliza aquilo que a voz dissipa; ela ergue
muralhas contra a movência da outra” (ZUMTHOR, 2010, p. 320).
***
A capacidade de o homem aprender com os antepassados levou-o a
compreender os fenômenos da natureza e da própria existência através dos
mitos e ritos, cujos ensinamentos, desde as épocas mais remotas, aplacaram
a angústia da efemeridade humana, ao mesmo tempo que nortearam,
mediante a transmissão dos valores, tradições, costumes, experiências e
saberes acumulados, as culturas e os sistemas sociais nos quais o homem se
insere. Dentre as formas de comunicação utilizadas para disseminar seus
conhecimentos, uma das mais significativas foi a oralidade, cuja prerrogativa
é a presença da voz e do corpo tanto no sentido de sua fisicalidade, isto é,
impostação, ritmo, postura, etc., quanto no sentido social e cultural que
norteia as relações humanas.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
4
Segundo Charles Sanders Peirce, a categoria de presentidade remete ao Índice, oriundo da
segunda tricotomia dos signos, ou seja, à divisão sígnica. O Índice é “um signo ou representação
que se refere a seu objeto não tanto em virtude de uma similaridade ou analogia qualquer com
ele, nem pelo fato de estar associado a caracteres gerais que esse objeto acontece ter, mas sim
por estar numa conexão dinâmica (espacial, inclusive) tanto com o objeto individual, por
um lado, quanto, por outro lado, com os sentidos ou a memória da pessoa a quem serve de
signo” (PEIRCE, 2010, p.74). Em nossos estudos, o conceito é apresentado em função de sua
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
relação com a integração entre voz e memória discutida neste capítulo e que aponta para o
aspecto indicial peirciano, na medida em que tal integração envolve a reação emotivo-volitiva
decorrente da dinâmica entre ambas, voz e memória, em virtude de seu aspecto de atualização.
5
Os conceitos dos filósofos Deleuze e Guattari (1995, p. 8) são desenvolvidos com base na “teoria
das multiplicidades por elas mesmas [...] cujos princípios são singularidades e devires a partir
de um rizoma”.
6
Bricolage: conceito ligado ao pensamento mítico que, para Lévi-Strauss (2005 p. 37), “assim
como a bricolage, no plano prático, é a elaboração de conjuntos estruturados não diretamente
com outros conjuntos estruturados, mas utilizando resíduos e fragmentos de fatos –
testemunhos fósseis da história de um indivíduo ou de uma sociedade”.
7
De acordo com Lévi-Strauss (2005, p. 32), “assim como a bricolage, no plano técnico, a reflexão
322 mítica pode alcançar, no plano intelectual, resultados brilhantes e imprevistos”. Nesse sentido,
sua aplicação remete à estética presente na poiesis de Catatau.
Voz implica ouvido. Mas há dois ouvidos, simultâneos, uma vez que
dois pares de ouvidos estão em presença um do outro, o daquele que
fala e o do ouvinte. Ora, a audição (mais que a visão) é um sentido
privilegiado, o primeiro a despertar no feto [...]. O ouvido, com
324 8
Florivaldo (Flo) Menezes Filho é compositor, autor e pesquisador da linguagem musical e da
música eletroacústica.
9
O conceito de performance, extremamente significativo para este estudo, remete à
interdisciplinaridade como linguagem de soma entre música, dança, teatro, vanguarda, rituais
que vão desde espetáculos de grande espontaneidade até espetáculos altamente formalizados
e deliberados. É basicamente uma arte de intervenção modificadora, que visa a causar uma
transformação no receptor.
10
Jetzeit: do alemão: conceito de “tempo de agora”, cf. Jeanne Marie Gagnebin no prefácio de
Obras escolhidas, de Walter Banjamin (1994). O conceito se aplica nesta pesquisa por tratar da
importância da ação do artista no efêmero exercitado pela performance e pelo quão dinâmico é 327
o diálogo entre o público e o artista.
11
A performance da voz para Zumthor é compreendia como diálogo entre voz, texto e corpo, e
sua estreita relação com a memória e a recepção, sendo, pois, um fenômeno interdisciplinar.
Conforme explica Zumthor (2007, p. 34; 67): “único modo vivo de comunicação poética [...] e
um ato de presença no mundo e em si mesma”.
328 12
O termo nomadismo remete ao povo nômade. Segundo Deleuze e Guattari (1997, p. 51, grifo do
autor), consiste numa forma de existência, pois “a vida do nômade é o intermezzo. O nômade
não é de modo algum o migrante, pois o migrante vai principalmente de um ponto a outro,
ainda que este outro ponto seja incerto, imprevisto ou mal localizado. Mas o nômade só vai de
um ponto a outro por consequência e necessidade de um fato; em princípio os pontos são para
ele alternâncias de um trajeto. O nomos é a consistência de um conjunto fluido: é nesse sentido
que ele se opõe à lei ou à polis”.
13
Publicado na internet em 24 ago. 2010. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=
X5u94vmRBYU>. 329
14
Disponível em: <https://youtu.be/hdRhOu_Nb6s>.
signo nos escapa à atenção, devido à enunciação nem sempre prevista pela
taxonomia linguística, a exemplo dos grunhidos, dos gritos de diversas
ordens, de sons gerados pelo corpo e emitidos pela voz.
***
No mesmo esteio da memória, segue a voz. Signo do dizer social,
histórico e cultural dos povos, ela é responsável pelo registro, pela atualização
das antigas tradições no tempo e no espaço e pela preservação dos costumes
ancestrais. De acordo com Bergson, essas tradições são suscitadas pela
lembrança de um passado profundamente enraizado em relação ao qual
devemos nos colocar como atualizadores, pois, “essencialmente virtual,
o passado não pode ser apreendido por nós como passado, a menos que
sigamos e adotemos o movimento pelo qual ele se manifesta em imagem
presente” (BERGSON, 2006, p. 49). O passado só pode ser atingido quando
manifestado pela memória, porque nesta se assenta o dizer social e cultural
dos povos.
Coextensiva à vida, a memória se acumula em nossa consciência,
e, juntamente com os sentidos e as sensações do corpo, a presentidade
atualiza a virtualidade do passado por meio das lembranças. Do latim 331
15
O conceito de cronotopos foi criado por Mikhail Bakhtin, que estudou a linguagem no contexto
social e dialógico. Tomando emprestado o termo da matemática e da teoria da relatividade
para aplicá-lo na crítica literária, Bakhtin (2002, p. 211) entendeu que “no cronotopo artístico-
literário ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensivo e concreto.
Aqui o tempo condensa-se, comprime-se, torna-se artisticamente visível; o próprio espaço
intensifica-se, penetra no movimento do tempo”. A aplicação do termo na pesquisa refere-
se não somente ao texto grafado, mas ao quanto a performance torna indissociável a relação
espaço-tempo, na medida em que cada evento é marcado por um tempo que transparece no
espaço ao mesmo tempo que este é percebido e atualizado como um sentido produzido no 333
tempo. Nesse sentido, ocorre a relativização cronotópica.
16
A expressão se baseia no teorema da temperatura informacional formulada pelo matemático
Benoit B. Mandelbrot, segundo o qual: a expressão entropia tem relação com o montante da
liberdade de escolha que temos ao construir mensagens, assim como, nas ciências físicas, a
entropia associada com uma situação é uma medida do grau de acaso ou de barahamento, por
assim dizer, na situação (MANDELBROT apud CAMPOS; PIGNATARI; 2006).
17
Ressaltamos que, para efeitos de análise e compreensão do objeto deste trabalho, o sentido
atribuído a ruído segue em duas direções: num primeiro momento, é apontado como
interferência ou entropia negativa no que concerne à necessidade de redundância para
assegurar a inteligibilidade na comunicação compreendida pela combinação de signos
linguísticos. Num segundo momento, aponta para a entropia positiva na qual se inserem as
linguagens poéticas, visto serem elas da ordem da potencialização de signos para além da mera
combinação linguística. A respeito desse sentido de entropia, será discutido no decorrer deste
capítulo, sobretudo em relação à voz enquanto signo no qual se atam som, silêncio e ruído,
sendo este um importante viés na análise da narrativa de Catatau.
18
O conceito de ambiência foi criado por Wilton Azevedo para designar um ambiente no
qual a escritura poética se expande em função das inúmeras articulações advindas das
experimentações e mutações dos códigos em constante migração, sem necessidade de uma
matriz para seu registro, já que transitam num espaço em que a relação tempo e espaço se
faz parataticamente. Segundo Azevedo, a ambiência é a soma dos ambientes, ou seja, uma
somatória que, no sentido semiótico, especialmente em relação á poesia digital, “o fazer sígnico
da poesia digital se torna visível de maneira indicial em relação ao modelo matemático adotado
[...] Fazer poesia digital é construir ambientes – ambiência – em mutação constante, uma 335
experiência que não se preocupa em criar fórmulas” (AZEVEDO, 2009, p. 103-105).
338 19
Cluster: número de terminais, estações, dispositivos ou de posições de memória agrupadas em
um local.
20
Hipercodificação: dadas certas unidades codificadas, elas são analisadas em unidades menores
às quais se atribuem novas funções sígnicas, tal como sucede quando, de uma palavra, a
paralinguística hipercodifica os diversos modos de pronunciá-la atribuindo-lhe diversos
340 matizes de significado. Com mais frequência, as entidades hipercodificadas flutuam, por assim
dizer, entre os códigos, no limiar entre convenção e inovação (ECO, 2007, p. 121-122).
21
O Zaum, denominação do setor mais radical do futurismo russo, trabalha contemporaneamente
ao Dadá a mesma proposta de linguagem sem sentido, de palavras destituídas de significado
(KRUTCHENIK apud MENEZES, 1992, p. 12).
22
De acordo com a tradução de Tezza (2003, p. 114).
23
A língua transmental ou Zaum, segundo a Declaração da Língua Transmental, do poeta
futurista Alexei Krutchenik, é “uma forma poética primigênia (no sentido histórico e no
342 indivíduo). Na origem há um movimento rítmico-musical, um protossom (que o poeta deveria
registrar, pois que pode ser esquecido no desenvolvimento do trabalho. O pensamento e a
linguagem não podem estar atrás da emoção do artista inspirado, que é, por isso, livre para
exprimir-se recorrendo não somente à língua comum (ou dos conceitos), mas também a uma
língua pessoal (o criador é o indivíduo) e a uma língua privada de significado (ainda não 343
cristalizado), transmental” (KRUTCHENIK apud MENEZES, 1992, p. 30, grifo do autor).
da explosão de granadas e aos tiros das armas, além dos vários barulhos
produzidos pela batalha. Do ponto de vista da linguagem poética, a
construção do Zang Tumb Tumb denotava ruptura com a tradição clássica de
escrita através da ausência de linearidade sintática e, nesse sentido, conferia
liberdade e força às palavras mediante os diferentes ritmos encenados pela
voz e pelo corpo do poeta.
24
Transracional: combinação mecânica de palavras: o alógico, o casual, a instabilidade, a
combinação mecânica das palavras: erros, pastel, lapsos; retornam dessa forma, ainda
344 que parcialmente, os deslizes sonoros e semânticos, sotaques nacionais, balbucio, etc.
(KRUTCHENIK apud MENEZES, 1992; MENEZES, 2003, p. 31).
O som só pode ser arte se ele renuncia a ser uma expressão para
tornar-se uma energia. Nós devemos obter com ele uma arquitetura
colocada sobre as forças cujo dinamismo será a beleza. Não se
precisa de nada além de ouvidos para buscar discernir velhos
conhecimentos, sonoridades carregadas de sentidos, antigos gritos
instintivos. (GARNIER apud MENEZES, 2009, p. 259).
Referências
AZEVEDO, Wilton. Interpoesia: o início da escritura expandida. Tese (Doutorado
em Letras). Paris: Université Paris 8 – Sorbonne – Laboratoire de Paragraphe,
2009.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São
Paulo: Anablume, 2002.
351
Literatura e psicanálise:
escrita e teoria como
práticas da destituição
Flavia Trocoli
1
Essa foi a proposta do número da Revista Terceira Margem, n. 26, 2012, organizado por mim e
354 por Suely Aires. Disponível em: <http://www.revistaterceiramargem.letras.ufrj.br/index.php/
revistaterceiramargem>.
17 – Literatura e psicanálise
em tempos melhores, chamávamos literatura de imaginação, e a
grandeza de Freud como escritor é sua verdadeira realização. Como
terapia, a psicanálise está morrendo, talvez já esteja morta: sua
sobrevivência canônica deve estar no que Freud escreveu. (BLOOM,
2001, p. 361).
2
No artigo para a Revista Literal (v. 13, 2010), intitulado Literatura, Teoria Literária e Psicanálise:
dissonâncias entre Harold Bloom e Shoshana Felman, apresentei também uma crítica à leitura
356 de Virginia Woolf feita por Harold Bloom.
3
Cf. Durão (2008).
17 – Literatura e psicanálise
em Combray, o pequeno Marcel é privado do beijo da mãe, devido à visita
de Swann. O que é o belíssimo episódio da cena da xícara de chá, se não o
sujeito esquecido de si, tomado pelo objeto e pela memória involuntária?
Tomar Albertine como mentirosa e ler às avessas os seus enunciados é não
só atribuir a ela uma identidade estável – a daquela que mente – como
também é assegurar-se do sentido e da intencionalidade do outro. É torná-
lo conhecido. É fazer do eu ciumento que interpreta produtor e detentor de
conhecimento.
Mas, se Gérard Genette (1972) está certo, “a estrutura [da escrita,
do tempo e da memória] devora a substância” e, de uma cena de ciúme 357
17 – Literatura e psicanálise
limites do encontro entre literatura e psicanálise.4 A história de fantasmas
de Henry James pode ser considerada uma tragédia da interpretação, nos
termos da própria Shoshana Felman ao falar de Édipo Rei (de Sófocles) e
de Hamlet (de Shakespeare), e uma tragédia da destinação, nos termos de
Jacques Derrida (2007) em O cartão-postal: de Sócrates a Freud e além.
Os fantasmas de Henry James não são um saber ou uma referência.
Cabe aqui aquilo que Derrida diz lá em Espectros de Marx, a saber:
4
A leitura do ensaio de Shoshana Felman produziu consequências na minha leitura de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, de São Bernado, de Graciliano Ramos e de Minha fantasma, 359
de Nuno Ramos. Cf. Trocoli (2010a).
não envia ao patrão (the master!), carta da governanta para o patrão, que é
interceptada e destruída por Miles.
O fogo que destrói as cartas elimina o centro. As cartas são ilegíveis,
como o inconsciente, mas determinam um destino sem se deixarem ser
compreendidas ou penetradas. Como as cartas, os fantasmas são figuras
do silêncio. Fantasmas e cartas são significados barrados. E a barra não
incidirá apenas através dos fantasmas e das cartas obliteradas, queimadas.
A barra incide nos lugares do autor e do narrador, impedindo a onisciência.
Em outras palavras, é a barra que impede a coincidência entre significante
360 e significado, entre enunciação e enunciado. É ela também que impede a
17 – Literatura e psicanálise
Fracasso da destinação. Deriva.
Ao delegar sua mestria para a própria governanta, que não tardará
a perder a sua, Shoshana Felman conclui que Henry James denega e
desconstrói a sua própria mestria. O mestre sai de cena e torna-se um
fantasma. Nas palavras de Shoshana Felman:
17 – Literatura e psicanálise
P.S. Não respondo ao que você diz sobre uma suposta interferência
de Saint-Loup (de resto não creio absolutamente que ele esteja em
Touraine) junto a sua tia. Isto é puro Sherlock Holmes. Que ideia
você faz de mim? (PROUST, [1925] 2003, p. 42).
17 – Literatura e psicanálise
engano sobre as premissas. (PROUST, [1925] 2003, p. 217).
Tal lei sobre o engano das premissas bastaria para que, rasurando
o dito até então, fôssemos forçados a reler sob outro ângulo a Recherche.
Como diz o próprio narrador, Albertine era apenas o centro gerador de
uma construção imensa, como a morte nada põe no lugar, é a partir desse
nada, em que não há mais ninguém para dizer eu, objeto entre objetos, que
isso escreve em busca do tempo perdido. Sobre essa pura perda, diria ainda
Proust: “um livro é um vasto cemitério onde na maioria dos túmulos já não
se leem as inscrições apagadas. Por vezes, ao contrário...” (PROUST, 2004, 365
Talvez não seja possível afirmar com toda a certeza, pois é preciso
destacar que Adorno, ao formular a questão da universalidade, torna-a
problemática tanto quando diz que ela é oblíqua e, principalmente, quando
seu procedimento de leitura se faz através da imersão em fragmentos.
Leitura crítica que se faz ao modo de Proust que, ao mesmo tempo que faz
Combray sair de sua xícara de chá, reduz/rasura o gosto da madeleine na
boca à/com a imagem surrealista da gota sobre a qual se ergue o edifício
imenso da recordação: formalização e perda. A construção transitória
366 desse edifício no tempo resiste à fixação, inscreve-se no impossível, entre
17 – Literatura e psicanálise
do dizer (Cf. LACAN, 2003b). A transitoriedade da leitura, a imersão
provisória em fragmentos, é prova tanto da resistência e da singularidade
do objeto quanto do desamparo do escritor e da crítica.
Depois de rugas e rasuras sulcadas em 2.400 páginas, o narrador diz
ainda
Referências
ADORNO, Theodor W. Pequenos comentários sobre Proust. Trad. Fabio Akcelrud
Durão. Tradução inédita.
ADORNO, Theodor W. Palestra sobre lírica e sociedade. In: ADORNO. Notas
de literatura I. Tradução e Apresentação: Jorge de Almeida. São Paulo: Duas
Cidades, Editora 34, 2003.
AUERBACH, Erich. A meia marrom. In: AUERBACH. Mímesis. 2. ed. rev. São
Paulo: Perspectiva, 1987.
BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. In: BENJAMIN, Magia e técnica, arte e
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sergio Paulo Rouanet;
prefácio Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BLOOM, Harold. A angústia da influência: uma teoria da poesia. Trad. Macos
Santarrita. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
BLOOM, Harold. Poesia e repressão: o revisionismo de Blake a Stevens. Trad.
Cillu Maia. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
BLOOM, Harold. The breaking of the vessels. Chicago: University of Chicago
Press, 1982.
368 BLOOM, Harold. O cânone ocidental: os livros e a escola do tempo. Trad. Marcos
Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
17 – Literatura e psicanálise
2003a.
LACAN, Jacques. Lituraterra. In: LACAN. Outros escritos. Trad. Vera Ribeiro.
Rio de Janeiro: Zahar, 2003b.
LACAN, Jacques. O seminário sobre “A carta roubada”. In: Escritos. Trad. Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
PICON, Gäetan. Lecture de Proust. Paris: Gallimard, 1995.
PROUST, Marcel. A fugitiva. Trad. Carlos Drummond de Andrade. São Paulo:
Globo, 2003.
PROUST, Marcel. A prisioneira. Trad. Manuel Bandeira e Lourdes Sousa de
Alencar. 13. ed. São Paulo: Globo, 2002. 369
370
[...] se nos anos de 1960 ainda não estava muito claro o papel que
poderia ser concedido nos cursos de letras à recém-introduzida
teoria da literatura, considerando que a história literária nacional
parecia sozinha dar conta do recado, nas décadas de 1970 e 1980
já não se podia mais conceber a formação literária sem aquela
378 disciplina. (SOUZA, 2011, p. 35).
1
Nota bene: as obras são listadas em conformidade com suas edições em língua portuguesa. 379
2
Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/dlcv/images/pdf/programas/teoria1781a982.pdf>.
New Criticism [...] has left a lasting imprint on the way we read and
write about literature. Some of its most important concepts concerning
the nature and importance of textual evidence – the use of concrete,
specific examples from the text itself to validate our interpretations
– have been incorporated into the way most literary critics today,
regardless of their theoretical persuasion, support their readings of
literature. In fact, [...] this practice, which the New Critics introduced
to America and called “close reading,” has been a standard method
of high school and college instruction in literary studies for the past
several decades. (TYSON, 2006, p. 135, grifo do autor).
3
Disponível em <http://www.editoraperspectiva.com.br/index.php?apg=cat&c_colecao=10>. 381
4
Ver Proença Filho (1988).
uma leitura mais variada e por outro a noção de que existe tradição mesmo
na produção nova. Em outro viés, a exegese textual sem contextualização
ideológica permite ao aluno compreender a potencialidade de construção
de significados no texto literário.
5
Disponível em: <http://anpoll.org.br/portal-novo/wp-content/uploads/2012/10/ata_21.05.1984.
384 pdf>.
6
Disponível em: <http://www.eventosabralic.com.br/evento.php>.
7
Disponível em: <http://anpoll.org.br/portal/wp-content/uploads/2014/08/Anpoll-Estatuto- 385
Atual.pdf>.
8
Ver D’Avila Neto; Pires (1998).
9
Ver Albersmeier (1992). Ver também Rajewsky (2005). 389
10
Disponível em: <http://www.fondation-langlois.org/html/e/page.php?NumPage=125>.
Referências
ALBERSMEIER, Franz-Josef. Theater, Film und Literatur in Frankreich:
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
394
A Teoria da Literatura
nos bancos escolares 1
Regina Zilberman
1
Versão preliminar deste capítulo foi apresentada, na qualidade de conferência de abertura, no
XIV Encontro da ABRALIC, realizado entre 24 e 26 de setembro de 2014, na Universidade
Federal do Pará.
2
As questões foram extraídas da “Prova de redação e de linguagens, códigos e suas tecnologias”.
Disponível em: <http://blogdoenem.com.br/prova-do-enem-2013-download/>. Acesso em: 6
set. 2014.
Lépida e leve
Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convence de que sou frase.
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
os surtos de ave estranha.
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...
[...]
Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à ideia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...
MACHADO, G. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores poemas
do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 (fragmento)
3
Questão extraída do Caderno Azul 2o dia, p. 13, 2011. Disponível em: <http://inep.gov.br/web/ 399
enem/edicoes-anteriores/provas-e-gabaritos>. Acesso em: 19 nov. 2014.
Logo,
404 4
Cf. Jean (2002); Maciá (2000); Martin (1996).
5
Cf. Matsen; Rollinson; Sousa (1990. p. 30).
7
O Curso de literatura brasileira e portuguesa, de Francisco Sotero dos Reis, foi publicado entre
1866 e 1873; o Curso elementar de literatura nacional, de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro,
408 data de 1862, e seu Resumo de história literária, de 1873; Silvio Romero lançou a primeira edição
de História da literatura brasileira em 1888.
Referências
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. Trad. Lólio Lourenço de
Oliveira. São Paulo: Ática, 1989.
BLOOM, Harold. The Western Canon: The Books and School of the Ages. New
York: Harcourt Brace and Company, 1994.
BRASIL. Ministério da Educação. PCN+. Ensino Médio. Orientações
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, DF, 2007. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf>. Acesso em:
19 nov. 2014.
Carpeaux, Otto Maria. História da literatura ocidental. Rio de Janeiro:
O Cruzeiro, 1959.
CASSON, Lionel. Libraries in the Ancient World. London: Yale University Press,
2002.
CEREJA, William; COCHAR, Thereza. Gramática reflexiva: texto, semântica e
interação. 4. ed. reform. São Paulo: Atual, 2013.
COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Trad. Laura Taddei Brandini. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2009.
EVEN-ZOHAR, Itamar. La literatura como bienes y como herramientas. In:
VILLANUEVA, Dario; MONEGAL, Antonio; BOU, Enric (Org.). Sin fronteras:
ensayos de literatura comparada em homenaje a Claudio Guillen. Madri: Castalia,
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
1999.
FISCHER, Luís Augusto et al. A Literatura no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). Nonada Letras em Revista. Porto Alegre, ano 15, n. 18, p. 111-126,
2012.
GREENBLATT, Stephen. A virada: o nascimento do mundo moderno. Trad.
Caetano W. Galindo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
JEAN, Georges. A escrita: memória dos homens. Trad. Lídia da Mota Amaral. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2002.
JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? Trad. Marcos Bagno e Marcos
416 Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012.
417
Paulo Franchetti
Do meu ponto de vista, uma resposta possível é que esse público era
constituído basicamente por professores e estudantes de literatura. De fato,
é nesse momento que vivemos, no Brasil, uma enorme expansão do ensino
universitário.
Como se sabe, a instituição universitária é muito tardia no Brasil.
Diferentemente de outros países americanos, que têm universidades desde os
anos de 1500, a primeira universidade brasileira, a Universidade de São Paulo
(USP), foi criada em 1936 – tendo como núcleo a Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas. Mas já em 1953 havia no Brasil 15 universidades.1
420
1
Ver Azevedo (1963) e Havighurst; Moreira (1965).
analista não algo como “veja como eu sou e o que significo”, e sim algo
como “eis o enigma – você trouxe a chave?”
No que toca a Candido e Schwarz (e os que se guiam por um ou por
outro), o que há em comum é o fato de que a literatura é tomada como
algo de grande importância para a compreensão do processo de formação
nacional.
Daí que ambas as obras – principalmente a primeira – vão sofrer a
crítica desconstrucionista, que se encarregará de mostrar a teleologia da
428 construção histórica e da própria escolha dos temas, obras e autores.
Referências
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 4. ed. Brasília: Ed. da UnB, 1963.
BOSI, Alfredo (Org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
BOSI, Alfredo. Sobre alguns modos de ler poesia: memórias e reflexões. In: BOSI
(Org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
CANDIDO, Antonio. A passagem do dois ao três. Revista de História da
Universidade de São Paulo, n. 100, v. L, ano XXV, São Paulo, 1974.
CANDIDO, Antonio. Entrevista concedida ao Brasil de Fato. Disponível em:
<http://www.brasildefato.com.br/node/6819>. Acesso em: jul. 2011.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 12.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
433
Cristiano de Sales
Licenciado em Letras-Português, mestre e doutor em Literatura pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Estágio doutoral na Université Paris III – Sorbonne Nouvelle.
Professor de literatura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atua nas
seguintes linhas de pesquisa: Literatura vernácula, teoria literária e literaturas digitais.
Eduardo Subirats
Nasceu em Barcelona em 1947, estudou em Paris e Berlim nos anos 1970, foi professor de
filosofia, arquitetura, literatura e teoria da cultura em São Paulo e Caracas, além de Madrid,
México e Princeton. É autor de mais de quarenta títulos, entre obras individuais e edições
coletivas. Seus livros de maior destaque são La existencia sitiada (2006); Filosofía y tiempo
final (2010) e Mito y literatura (2014). Atualmente é professor da New York University
(NYU).
Flavia Trocoli
Graduada em Letras s (1997), mestre (2000) e doutora em Teoria e História Literária (2004)
e pós-doutora em Linguística (2004-2007) todos os cursos pela Universidade Estadual de
Campinas. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É
membro fundadora do Centro de Pesquisas Outrarte – psicanálise entre ciência e arte, do
IEL/Unicamp. É autora de A inútil paixão do ser: figurações do narrador moderno (2015).
Organizou com Nina Leite duas coletâneas intituladas: Um retorno a Freud (2008) e Giros
da interpretação: o enigma na literatura e na psicanálise (2015).
Ivete Walty
Graduada em Letras, mestre em Estudos Literários, ambos pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), doutora em Literatura Comparada e Teoria Literária pela
Universidade de São Paulo, com pós-doutoura pela Universidade de Ottawa, Canadá. É
professora do Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais e professora emérita da UFMG. Pesquisadora nível 1 D do CNPq, desenvolve,
no momento, o projeto “A prisão escrita na literatura brasileira”. É autora de diversos livros,
entre eles: Corpus rasurado: exclusão e resistência na narrativa urbana (2005) e A rua da
literatura e a literatura da rua (2014).
Jonathan Culler
Professor de Inglês da Cornell University. Suas publicações incluem estudos sobre o
estruturalismo, a crítica literária e a teoria literária. Suas principais obras são: Structuralist
Poetics: Structuralism, Linguistics and the Study of Literature (1975); Literary Theory: A
Very Short Introduction (1997) e The Literary in Theory (2007).
discursos. Autor de diversos livros, entre eles: História. Ficção. Literatura (2006); Trilogia
do controle (2007) e Mimesis: desafio ao pensamento (2. ed., 2014), alguns deles traduzidos
para o inglês e o alemão.
Márcio Seligmann-Silva
Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1986), mestre
em Letras (Língua e Literatura Alemã) pela Universidade de São Paulo (1991), doutor em
Teoria Literária e Literatura Comparada pela Freie Universität Berlin (1996), pós-doutor 437
pelo Zentrum Für Literaturforschung Berlim (2002) e por Yale (2006). É professor titular de
Nabil Araújo
Graduado em Letras, mestre e doutor em Estudos Literários, todos os cursos pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na qual lecionou disciplinas nas áreas de
Teoria da Literatura e de Literatura Comparada. Atualmente é professor adjunto de Teoria
da Literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas publicações no
campo dos Estudos Literários incluem capítulos de livros e diversos artigos em periódicos
acadêmicos de destaque. Organizou o volume A crítica literária e a função da teoria: uma
reflexão em quatro tempos (2015). Seu projeto “Ensino de literatura e desenvolvimento da
competência crítica: uma ‘terceira via’ didático-pedagógica” foi premiado pela Fundação
Carlos Chagas como a melhor experiência educativa inovadora realizada por docente de
Licenciatura em 2014. Atua nas seguintes linhas de pesquisa: Teoria da Literatura, História
da Crítica, Ensino de Literatura.
O LUGAR DA TEORIA LITERÁRIA
Paulo Franchetti
Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (1992) e livre-docente pela Unicamp
(1999). Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atua na
área de Letras, com ênfase em Teoria Literária, Literatura Brasileira dos séculos XIX e
XX e Literatura Portuguesa do século XIX. Seus trabalhos principais versam sobre Poesia
Concreta, Camilo Pessanha (de cuja poesia fez a edição crítica) e Machado de Assis. De 2002
a 2013, dirigiu a Editora da Unicamp, presidindo seu Conselho Editorial.
Peter Barry
Professor de Inglês da Aberystwyth University, UK. Publicou artigos sobre a literatura dos
438 séculos XX e XXI (especialmente poesia moderna e contemporânea) e teoria literária. Suas
áreas de interesse são também o Romantismo e o conto, bem como a teoria e prática do ensino
Regina Zilberman
Graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1970), doutora
em Romanística – Universidade de Heidelberg (Ruprecht-Karls) (1976), e pós-doutora
no University College (Inglaterra) (1980-1981) e Brown University (EUA) (1986-1987).
Atualmente é professora adjunta do Instituto de Letras da UFRGS, com atuação no
Programa de Pós-Graduação em Letras. Atua na linha de pesquisa: História da Literatura,
principalmente nos seguintes temas: leitura, história da literatura, literatura do Rio Grande
do Sul, formação do leitor e literatura infantil.
Sobre os autores
439