INTRODUÇÃO
1
Graduanda em Direito na Universidade Católica do Salvador. E-mail: luizaqueiroz13@live.com
2
Doutora em Cultura e Sociedade (IHAC-UFBA). Professora da UCSAL. E-mail: veldatorres@uol.com.br
A celeuma envolvendo criança, cultura de consumo, publicidade e proteção
demanda atenção da sociedade, zelando pelo desenvolvimento saudável dos seus infantes,
cabendo à família, Estado e empresas atentarem para esse universo social. Nesse contexto
é preciso que se avalie as consequências das intervenções protetivas, considerando que o
direito à informação é inerente a todo cidadão. Com relação aos infantes é um direito
também previsto na alínea 1, do Artigo 13, do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de
1990, que promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança, ao salientar que
A criança terá direito à liberdade de expressão. Esse direito incluirá a liberdade
de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo,
independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio
das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança (BRASIL, 1990).
Desse modo, nas reflexões sobre essas intervenções protetivas é preciso que se
considere o direito de cidadania das crianças, refletindo a infância como processo
contínuo de construção social, afastando-se da ideia de criança como categoria universal
– isto é, como determinada por padrões biológicos e um padrão homogêneo de
desenvolvimento intelectual (BUCKINGHAM, 2012; TORRES, 2013). Outro aspecto
relevante sobre a relação da criança com a publicidade e o direito à informação é o fato
de vivermos na era das mídias e tecnologias e as crianças têm o direito de participar dessa
realidade ao invés de serem excluídas sob alegação de proteção, quando a publicidade é
apenas mais uma fonte de informação que participa do cotidiano dos infantes: “Protegê-
los é educá-los para que o crescimento moral, intelectual e emocional seja subsidiado por
informações que contribuam para o processo de socialização” (TORRES, 2013, p.116).
Dito isso, é mister que se avalie a proposta de regulamentação da publicidade
dirigida à criança, contida no PL 5.921/2001, a respeito da efetiva capacidade de proteção
contra a violação dos direitos da criança, considerando o que já prevê a Lei nº 8069, de
13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente Estatuto da
Criança e do Adolescente, e o Decreto nº 99.710 de 21 de Novembro de 1990 que
promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. É preciso ponderar os ganhos e
perdas reais com relação aos aspectos de proteção aos direitos que serviram de base para
a elaboração desse projeto de lei, comparando-o com o Código de Autorregulamentação
Publicitária e com as normas vigentes aplicáveis à regulação da publicidade infantil.
A discussão deste artigo tem sua relevância por abordar essa proteção e o modo
como os comandos legais e infralegais têm atuado nesse sentido, sendo estruturada em
quatro seções, sendo a primeira esta introdução; a segunda aborda os mecanismos em
vigor para regulamentação e controle da publicidade infantil; a terceira discute o PL
5921/2001, seus substitutivos, anexos e alterações, analisando a efetiva capacidade de
proteção à violação dos direitos da criança contida na proposta desse PL, comparando as
diferenças entre a legislação atual e os PLs em tramitação na Câmara dos Deputados sobre
essa regulamentação; e a quarta apresenta as considerações finais.
2. AS LEGISLAÇÕES VIGENTES
Por tais razões, infere-se que as divergências sobre a melhor maneira de educar as
crianças para o consumo necessitam de mediação e equilíbrio, sem extremismos, para que
o resultado dessa equação (proteção integral x autonomia dos infantes) não traga mais
danos do que benefícios a sociedade - visto que são indivíduos em formação e a solução
para o consumismo infantil permeia muito mais a informação e acompanhamento
supervisionado do que a proibição taxativa a exposição ao conteúdo midiático.
O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC) é um conjunto de normas
objetivas e princípios lógicos constitucionais que visam o equilíbrio nas relações jurídicas
de consumo entre fornecedores e consumidores. Em sua estrutura traz 119 artigos
contendo a definição dos entes envolvidos na relação e determina o consumidor com
hipossuficiente, carente de amparo e proteção. Define princípios harmonizadores das
relações de consumo, direitos básicos dos consumidores, da qualidade de produtos e
serviços, da prevenção e da reparação de danos, dispõe regras de responsabilização por
vício do produto e do serviço, dentre outros (BRASIL, 2017). Os artigos 30, 37, 38 e 39,
bem como o artigo 6º, inciso IV, legislam sobre a proteção contra a publicidade enganosa
ou abusiva e suas definições; a exigência de clareza e fácil identificação de um conteúdo
como publicidade; a vinculação do fornecedor ao que foi anunciado e a proibição dos
fornecedores em se aproveitarem das condições limitantes dos consumidores como idade,
saúde, conhecimento ou condição social, dentre outros (BRASIL, 2017).
No que se refere as crianças, essa condição limitante da idade tem sido associada
pelos defensores do PL 5921/2001 a hipossuficiência e hipovulnerabilidade em referência
a condição de pessoa em desenvolvimento, sob o argumento de que o CDC determina que
toda publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência de pessoas
em condições limitantes seja considerada abusiva. Schwartz (2016, p. 1) define a
hipervulnerabilidade como “uma situação social fática e objetiva de agravamento da
vulnerabilidade da pessoa física consumidora, em razão de características pessoais
aparentes ou conhecidas pelo fornecedor”. Para Carvalho e Oliveira (2015, p.223), a
hipervulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor-criança é evidenciada “quando
observados os processos de desenvolvimento físico-motor, intelectual, afetivo-emocional
e social”. Para os autores, essas características concedem às crianças grau de prioridade e
excepcionalidade, posto que as condições de vulnerabilidade e insuficiência de recursos
ou conhecimentos são maximizadas dadas às necessidades dos mesmos. Este atendimento
é garantido na análise conjunta dos dispositivos contidos na Constituição Federal de 1988
e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 13 de julho de
1990, acompanha a revolução social vivida nos anos 80 com os direitos humanos
incorporados na Constituição Federal, influenciado pela Convenção sobre os Direitos da
Criança, adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989
(LORENZI, 2016). O Estatuto surge com o papel de reconhecer legalmente às crianças e
adolescentes como cidadãos, proporcionando direitos, estabelecendo condições para
exercício e exigibilidade das garantias constitucionais conquistadas. Em sua estrutura
define o público-alvo de sua proteção como crianças (menores de 12 anos) e adolescentes
(com idade entre 12 e 18) e prevê os direitos e deveres destes entes distribuídos em dois
livros e 267 artigos (BRASIL, 2017).
O artigo 76 prevê que “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no
horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades
educativas, artísticas, culturais e informativas”, ressaltando no Parágrafo único que
“Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes
de sua transmissão, apresentação ou exibição”, o que demonstra a preocupação do ECA
com o conteúdo exigido para as crianças (BRASIL, 2017). Nesse artigo não se identifica
recomendações e/ou proibições para exibição publicitária, mas possui os mesmos
preceitos que as recomendações do CONAR para a publicidade infantil. Assim, a inserção
da publicidade nestas programações não implica em descumprimento dos preceitos
definidos no Eca e no Código de Autorregulamentação Publicitária. Essa interpretação
garante exercício do direito à informação dentro dos padrões éticos estabelecidos.
O Art. 78 prevê que revistas e publicações com material impróprio/ inadequado
as crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a
advertência de seu conteúdo (BRASIL, 2017). O Art. 79 proíbe anúncios em revistas e
publicações para o público infanto-juvenil com ilustrações, fotografias, legendas,
crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, ressaltando que os
anúncios nesses suportes midiáticos deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa
e da família (BRASIL, 2017) - assim, limita o exercício da publicidade, excluindo temas
que trazem situações prejudiciais ao desenvolvimento saudável dos protegidos. Esses
artigos são mecanismos de reforço das normas previstas na autorregulação do CONAR
sobre a publicidade infantil e são utilizados como base para reclamações judiciais.
Esses dois artigos envolvem discussões divergentes sustentadas na interpretação
do que está disposto. Por um lado, a interpretação literal, taxativa para a proibição apenas
do expressamente definido. Do outro lado, a defesa da abrangência interpretativa
exemplificativa - isto é, não sendo rol taxativo cabendo acréscimos. Essa divergência
pode ser dirimida por meio da análise do conteúdo do Código, uma vez que foi baseado
na garantia constitucional da proteção integral e na prioridade absoluta do melhor
interesse da criança e do adolescente - esse deve ser o direcionamento para qualquer
interpretação legal, sendo acolhida aquela com mais ganhos para os infantes.
3. O PROJETO DE LEI 5921/2001
REFERÊNCIAS
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