Correspondência / Correspondence
Edméia Campos Meira
UESB/DS
Rua Gonçalves da Costa, 128 - Jequiezinho
45200-000 – Jequié, BA, Brasil
E-mail: edmeiameira@yahoo.com.br
* Parte do projeto interinstitucional de pesquisa: Tecnologia Assistiva para Autonomia e Inclusão Social de Idoso Portador
da Doença de Parkinson – TAIP. Convênio UFSC-PEN/GESPI x UESB-DS/GREPE, Ref. 2183/05, subvencionado pela
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos, Ministério da Ciência e Tecnologia (Chamada Pública MCT/FINEP/AT
– Tecnologias Assistivas - 09/2005).
Abstract
The technology of musical experiences developed and tested aimed to evaluate its
effectiveness in terms of vocal recovery of senior Parkinsonians. Methodology
Key words: Music
was developed in Jequié, Bahia State, at the UESB campus. It involved a sample
Therapy. Self-help
of 12 seniors selected by convenience who underwent test procedures and
devices. Biomedical
evaluation of the technology for a period of two semesters in 2007. The technology
Enhancement. Voice.
has been evaluated through application, on pre and post musical experiences,
Frail elderly. Parkinson
instruments to evaluate vocal improvement. It consisted of voice testing and
Disease. Jequié city(BA)
included: corporal rhythmic activities, vocal techniques for vocal warm up,
diaphragmatic and intercostal breathing techniques, singing practice in groups.
Results: most seniors showed improvements in vocal emissions. Half of them
showed improvements in breathing dynamics, increased the number of singing
notes in an inspiration and vocalizes articulation. Others demonstrated
improvements in vocal performance, not only in postural development in voice
emission but also in their vocalizes articulation. Even those who did not obtain
any improvement kept their previous state without disease progression for one
year, while they practiced the experiences. The discoveries made us think about the
effectiveness of musical experiences technology in promoting social inclusion
from senior Parkinsonians.
Assim, as dificuldades decorrentes na co- usa”.8 Essa comunicação não-verbal pode ser
municação e expressão por alterações da fala, traduzida em emoções musicais que propor-
na deambulação e instabilidade de postura cos- cionam a integração social em determinada
tumam ocasionar aumento no nível de ansie- cultura, melhorando o bem-estar geral. A
dade do paciente e, reforçada pelo estigma do música, com seus efeitos fisiológicos, age em
envelhecimento, dificulta a manutenção de auto- determinadas áreas do cérebro, a exemplo do
estima satisfatória. Em vista disto, observa-se sistema límbico, que atua preferencialmente no
a necessidade de instrumentos como de tecno- controle das atividades emocionais e compor-
logia assistida em vivências musicais para a tamentais.8
manutenção e/ou aprimoramento da quali-
dade vocal dos parkinsonianos. A música tem sido utilizada como recurso
promotor de bem-estar e qualidade de vida,
As práticas musicais contribuem na gera- permeando diferentes culturas e gerações.
ção de atributos para a obtenção de uma auto- Associada à medicina, era uma das alternati-
estima satisfatória, despertando sentimentos vas de tratamento durante os rituais de cura,
de competência, confiança e de adequação à além de estar presente em outros rituais, como
vida, com o desenvolvimento de uma me- o de fecundidade, nascimento e até de morte.
lhor capacidade de compreensão, estimulan- Ela pode condicionar o indivíduo a um esta-
do a auto-aceitação, pelo paciente, do pro- do de prazer, saudosismo e introspecção, agin-
cesso natural do envelhecimento associado à do nas suas faculdades intelectuais e emocio-
DP. As vivências musicais realizadas em gru- nais. Isto pode ser decorrente das semelhan-
po proporcionam também o restabelecimen- ças existentes entre os sons emitidos pelo cor-
to do equilíbrio emocional do indivíduo, uma po humano, como aqueles produzidos por
vez que promovem ganhos na qualidade e rit- instrumentos musicais.9,10
mo da voz, melhoria da força motora e apri-
moramento da capacidade de concentração, Assim, a música se caracteriza como uma
possibilitando independência intelectual, além linguagem universal, ela tem importância te-
de reinserção no meio social.7 rapêutica e estimula a saúde mental do in-
divíduo, desviando sua atenção da proble-
No idoso portador de doença crônico- mática em que se encontra.11,12 Por meio de
progressiva, como a DP, a comunicação apre- atividades musicais, é possível evitar e/ou
senta instabilidade, que podem ser decorren- reduzir fatores estressantes, haja vista a efi-
te de ajuste ao medicamento, frustração, ansi- ciência da música não apenas no alívio da
edade, depressão, cansaço e situações estres- dor, como também de distúrbios psicos-
santes. Em vista disso, os indivíduos se utili- somáticos, físicos e espirituais, graças à li-
zam da comunicação não-verbal aprendida beração de substâncias químicas cerebrais
ao longo da vida, como “expressões faciais, do que podem atuar na regulação do humor,
corpo, da postura física, a distância mantida entre as redução da agressividade, depressão e me-
pessoas; a capacidade e o jeito de tocar; da roupa que lhora do sono.9,13,14
cala musical. Exercícios de dicção e impos- técnicas de respiração para sons curtos e lon-
tação vocal: utilização de trava-línguas e tex- gos. Conhecimento das figuras musicais: re-
tos rítmicos a partir de ditados populares. presentação da nota musical. Exercícios de
Exercícios cantados, utilizando a dinâmica coordenação motora para a emissão do som
da música: FF (forte), mF (meio forte), P no instrumento. Dinâmicas na execução dos
(piano), mP (meio piano), pp (pianíssimo). sons: FF (forte), mF (meio forte), P (piano),
Exercícios cantados para expansão dos li- mP (meio piano), pp (pianíssimo).
mites vocais: entoação de diversas frases
musicais em diferentes tonalidades. A fona-
Implementação da tecnologia de
ção no canto: vibração (cordas vocais: ata-
Vivências Musicais
que e finalização), articulação (emprego ideal
dos fonemas), ressonância (variedades de Considerando os passos adotados, a im-
ressonâncias da voz), saúde vocal. plementação da tecnologia propriamente dita
se deu no campo, junto dos idosos portado-
• Atividades técnicas de respiração:
res de DP, somente quando as etapas anterio-
exercícios respiratórios para emissão vocal,
res haviam sido cumpridas – ou seja, a tecno-
utilizando a respiração diafragmática e inter-
logia desenhada testada e revista, e a definição
costal. Exercícios para aumentar o controle
da amostra, composta de 12 participantes, a
da respiração: inspiração e retenção do ar,
ser acompanhada no decorrer da implementa-
contando mentalmente, seguido de expiração
ção. Assim, as vivências musicais se realizaram
gradativa. Entoação de sons e notas musicais
por dois semestres do ano de 2007, com fre-
a uma só inspiração.
qüência de duas horas semanais, sempre em
• Práticas de canto em grupo: execu- um mesmo local planejado para a prática das
ção de canções simples predeterminadas e vivências no campus da UESB/DS.
de livre escolha pelo grupo. Estimulação da
memória por meio de canções. Escuta de Procedimentos de avaliação de
trechos musicais para identificação de vari- vivências musicais
antes rítmicas e suas implicações no com-
portamento humano. Exercícios melódicos Cada idoso participante da amostra foi
de concentração, sensibilidade auditiva, ma- submetido individualmente à aplicação do
nutenção do volume e operacionalização da instrumento de avaliação da voz falada e
voz falada/cantada. da voz cantada, antes e depois da imple-
mentação da tecnologia de vivências musi-
• Práticas do instrumento de sopro - cais. Os dados foram pareados em antes e
flauta doce: conhecimento do instrumento e depois, para a avaliação comparativa do de-
suas possibilidades. Exercícios de posturas para sempenho de cada um, diante da prática de
emissão do som. Exercícios rítmicos associa- vivências musicais desenvolvidas ao longo
dos a exercícios respiratórios. Aplicação de dos dois semestres.
A avaliação da qualidade vocal foi obtida O teste foi aplicado sempre por um pro-
por meio de um teclado Yamaha. Para verificar fissional licenciado em música, considerando o
a articulação nos vocalizes, foram utilizadas se- aspecto subjetivo e específico dessa avaliação e
qüências de notas compondo intervalos de se- utilizando como recursos o teclado, o micro-
gundas e terças (a exemplo de dó-ré e dó-mi) e system e os instrumentos de percussão.
quartas e quintas (a exemplo de dó-fá e dó-sol).
corpo é único e com características próprias, cular) justificáveis, de uma parte, por possível
podendo ou não se encaixar em um padrão timidez, e de outra, por corresponder às alte-
estereotipado. Corroborando os princípios da rações de posturas características do porta-
técnica, foram considerados aspectos subjeti- dor de DP. O desenvolvimento de uma fixa-
vos para utilização do padrão regular, tenso e ção de postura anormal caracterizada tipica-
muito tenso, considerando tempo de evolução mente numa postura flexionada ou recurva-
da DP, a maneira de andar, sentar, levantar e a da (cifótica) está relacionado com os múscu-
performance durante a emissão da voz cantada/ los flexores e adutores que se tornam seleti-
falada. Portanto, a performance torna visíveis os vamente mais contraídos tanto nos membros
atores, definem-se identidades e ajuda na cons- superiores quanto nos inferiores, associado
trução de auto-imagem. ainda à rigidez do tronco,2 interferindo assim
na performance vocal do indivíduo.
Considerando todos os aspectos formais e
subjetivos da avaliação, no que tange à convi- As melhoras, por menores que pareces-
vência e história musical e a condição física e de sem, observadas durante as práticas de vivên-
postura de cada idoso participante, observou- cias musicais junto aos idosos com DP, se
se, conforme o quadro 3, que a condição da deveram ao desvio da tensão, quando o foco
postura na emissão da voz cantada foi qualifica- da tarefa era a expressão artística, afastando
da como tensa na maioria dos idosos. Apenas padrões e normas predeterminadas de co-
um apresentou padrão de normalidade. Con- municação. O desafio de cantar uma canção/
tudo, na medida pós-experiência de vivências vocalise afastava a insegurança, tensão e alte-
musicais, observou-se uma evolução positiva de ração no comportamento motor, e fazia com
tensa para normal em três pacientes. Os demais, que o paciente desviasse a atenção de sua li-
em sua maioria, mantiveram seu estado anteri- mitação, ao se concentrar sobre o que ouvia e
or. Já na articulação dos vocalises, observou-se cantava, e não sobre a maneira como se pro-
que dois pacientes apresentaram articulação nor- cessava a emissão do som. Tal fato corrobo-
mal, considerando os movimentos necessários ra o estudo anteriormente realizado.20
a hábitos motores corretos de emissão da voz
cantada, partindo de movimentos primários pos- A DP desencadeia uma série de crises
teriormente reorganizados de acordo com as emocionais a seu portador, devido às perdas
condições físicas de cada um. Cinco idosos de- que nunca sofreram antes e que estão associa-
monstraram avanço na segunda etapa da avalia- das à patologia, além do processo de enve-
ção, presumivelmente beneficiados pela prática lhecimento acompanhado de cronicidade.
da tecnologia aplicada. Afeta sobremaneira o paciente, ocasionando
desvios na auto-imagem e auto-estima, pela
Ao avaliar a postura dos idosos no mo- falta da manutenção de atitude positiva acer-
mento da emissão da voz, constatou-se mai- ca de si mesmo e de aceitar-se, o que exige
or tendência de postura tensa (postura des- esforço orientado para a reestruturação da
confortável, com certa rigidez e tensão mus- vida. Por isso estudos continuados são ainda
demandados, tendo em vista encontrar tec- recendo a projeção tanto na voz cantada
nologias leves, assistivas/cuidadas e outros como na voz falada.
recursos que beneficiem o viver cotidiano em
Dos resultados obtidos, pôde-se inferir que
condição de cronicidade dos idosos porta-
os idosos participantes da tecnologia assistiva
dores de DP.
de vivências musicais se beneficiaram no sen-
tido de se manterem incluídos socialmente
CONSIDERAÇÕES FINAIS com seus familiares acompanhantes, ao se
descobrirem com capacidades e possibilida-
A implementação de tecnologia assistiva des dentro dos limites que sua doença impu-
nha, participando dessas atividades musicais.
pelas vivências musicais durante dois semes-
Os resultados positivos obtidos no presente
tres se mostrou eficiente pelos resultados ob-
estudo estão delimitados a uma casuística de
tidos nos parâmetros avaliados:
12 participantes acompanhados por apenas
a) a maioria dos portadores de DP apre- um ano, levando-nos a admitir a necessidade
sentou melhorias na emissão vocal, tanto e importância de testes, em larga escala, de
em volume quanto em ritmo; e outros aplicação da dita tecnologia na assistência aos
conservaram o estado anterior, significan- portadores de Doença de Parkinson, tendo
do que não perderam esse atributo, ape- em vista a manutenção da melhor qualidade
sar de terem passado pela evolução de
de vida e inserção social dos envolvidos. A
um ano da doença;
verificação de sua viabilidade técnica e finan-
b) alguns portadores demonstraram melho-
ceira nos programas sociais e de saúde é tam-
rias na dinâmica respiratória, principalmen-
te no aumento do número de notas can- bém de fundamental importância.
tadas em uma só inspiração e articulação
nos vocalises. Contudo, muitos se manti-
veram no seu estado anterior, não só nas NOTAS
duas categorias citadas anteriormente,
como também no desenvolvimento de a
Docente do Curso de Enfermagem da UESB/
DS.Coordenadora do subprojeto do TAIP: Tecnologia
exercícios associados aos vocalises, consi- assistiva por meio de vivencias musicais na recupera-
derando a não-progressão do quadro, ção vocal de idosos portadores de Doença de Parkinson.
passado o tempo de um ano da doença; b,c
Docentes de Enfermagem da UESB/DS. Membros da
equipe de pesquisadores.
c) alguns idosos demonstraram melhorias d
Analista Universitária da UESB – Coordenadora Técni-
na performance vocal, seja do desenvolvi- ca de Música. Mestranda em Ciências Sociais – PUC/SP
mento de postura na emissão da voz, seja e
Docente de Enfermagem da UFSC/PEN – Florianópolis,
SC. Coordenadora do projeto TAIP, convenio: UFSC/
na articulação dos vocalises. Já a maioria PEN/ GESPI x UESB/DS/ GREPE, Ref. 2183/05, sub-
se conservou no seu estado anterior, sig- vencionado pela FINEP – Financiadora de Estudos e Pro-
nificando a não-progressão da doença jetos, Ministério da Ciência e Tecnologia (Chamada Públi-
ca MCT/FINEP/AT – Tecnologias Assistivas – 09/2005).
durante o período de um ano. O prepa- f
Licenciada em Música. Bolsista ATP/CNPq, 2006-2008.
ro técnico vocal realizado nessas vivênci- g,h
Bolsistas de Iniciação científica da UESB. Financiada
as certamente influiu nas emissões, favo- pela FAPESB-BAHIA
REFERÊNCIAS
1. Reis T. Doença de Parkinson: pacientes, familiares 12. Kim Y. The effect of improvisation-assisted
e cuidadores. Santa Maria: Pallotti; 2004. desensitization, and music-assisted progressive
muscle relaxation and imagery on reducing
2. O’ Sullivan SOB. Doença de Parkinson. In: O’
pianists’ music performance anxiety. Journal
Sullivan SOB, Schimitz. Fisioterapia: avaliação
Music Therapy 2008 June.; 45(2): 165–91.
e tratamento. São Paulo: Manole; 2006.
p.747-75. 13. Zimmerman L, et al. Effects of music in
patients who had chronic cancer pain. J Nurs
3. Limongi JCP. Conhecendo melhor a Doença
Res 1989: 11(3): 298-309.
de Parkinson. São Paulo: Plexus; 2001.
14. Fonseca KC, et al. Credibilidade e efeitos da
4. Bhatia S, Gupta A. Impairments in activities
música como modalidade terapêutica em saúde.
of daily living in Parkinson’s disease:
Revista eletrônica de Enfermagem. 2006; 08(03):
implications for management. Archive
398-403. Disponível em: URL: htpp://
NeuroRehabilitation 2003; 18(3): 209-14.
www.fen.ufg.br/revista/revista83/v8n3a10.htm
5. Azevedo LL, Cardoso F, Reis C. Analise
15. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho
acústica da prosódia em mulheres com
vivo. 3. ed São Paulo: Hucitec; 2002.
doença de Parkinson: comparação com
controles normais. Arq Neuropsiquiatr 2003 16. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
dez; 61(4): 999-1003. Estatística – IBGE. Brasil em números,
2004. Disponível em: URL: http://
6. Dias AE, João CPL. Tratamento dos
www.ibge.gov.br.
distúrbios da voz na doença de Parkinson: o
método Lee Silverman. Arq Neuropsiquiatr 17. Rocha TF, Amaral FP, Hanayama EM.
2003 mar; 61(1): 61-6. Extensão vocal de idosos coralistas e não
coralistas. Revista CEFAC : actualizac’aÞo
7. Mosquera JJM, Stobaus CD, Jesus SN. Auto-
cientiìfica em fonoaudiologia 2007 abr./jun.;
imagem, auto-estima e auto-realização na
9(2): 248-54.
universidade. Revista Electrónica de la
Federación española de Asociaciones de 18. Resolução nº. 196 Conselho Nacional de
Psicologia 2005;10(3): 1-12 Saúde 1996 out 10. Estabelece normas sobre
pesquisas envolvendo seres humanos. Diário
8. Vieillard S. Emoções musicais. Revista Viver
Oficial da União, [1996 out. 10].
Mente & Cérebro 2005 jun; ano XIII(149): 52-7.
19. Silveira DN, Brasolloto AG. Reabilitação
9. Good M. A comparison of the effects of jaw
vocal em pacientes com Doença de
relaxation and music on postoperative pain. J
Parkinson: fatores interferentes. Pro Fono
Nurs Res 1995 Jan./Feb.; 44(1): 52-7.
2005 maio/ago;17(2): 241-50.
10. Leinig CE. Tratado de Musicoterapia. São
20. Corte B, Ludovici NP. A musicoterapia como
Paulo: Sobral; 1997. 259 p.
tratamento coadjuvante à Doença de
11. Schaller K. Acordes Curativos. Revista Viver Parkinson. Revista de Psicogerontologia
Mente&Cérebro 2005 jun; (149): 64-9. Tiempo 2007; 20:9.