Belém-PA
2011
A U T O R E S
Governo do Estado do Pará
Alexandre Goulart (IEB)
Simão Robison Oliveira Jatene Almir Narayamoga Surui (METAREILA)
Governador Aloysio Guapyndaia (FUNAI)
Bepunu Kayapó (A. MOIKARAKÓ)
Teresa Mártires Cativo Rosa Claudia Maria Carneiro Kahwage (SEMA-PA)
Secretária de Estado de Meio Ambiente Cloude Correa (IEB)
Crisomar Lobato (SEMA-PA)
Crisomar Raimundo da Silva Lobato Ederson Lauri Leandro (KANINDE)
Diretor de Áreas Protegidas Gabriel Cardoso Carrero (IDESAM)
Hélcio Souza (TNC)
Jocilete de Almeida Ribeiro Henyo T. Barreto Filho (IEB)
Coordenadora de Ecossistemas Ivaneide Bandeira Cardozo (KANINDE)
Iza Maria de Castro dos Santos (SEJUDH-PA)
Claudia Maria Carneiro Kahwage João Tiryó (ACT-Brasil)
Gerência de Gestão Ambiental de Terras Indígenas Juventino Kaxuyana (APITIKATI)
Coordenação Técnica Projeto ConBio-Indígena Lúcio Flores (COIAB)
Mariana Nogueira Pavan (IDESAM)
Equipe Técnica Marta Azevedo (SEMA-AC)
Haydeé Márcia de Souza Marinho (GEMEC/SEMA- Nadja Havit Binda ((IEPÉ)
PA) Pascale de Roberto (IRD)
Anderson do Carmo (GE- Indígena/SEMA-PA) Roberto de Alcântara Tavares (SEMA-AC)
Ângela Kachuyana (CUC/SEMA-PA)
Genardo Oliveira (GE-Indígena/SEMA-PA) Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)
Diretoria de Áreas Protegidas – SEMA
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO
TERRITORIAL E AMBIENTAL / ORGANIZADORAS CLAUDIA KAHWAGE & HAYDEÉ MARINHO. BELÉM: SEMA/DIAP/CEC, 2011.
Produção Editorial/Fotografias
Claudia Kahwage,
Arte da Capa
Anderson Oliveira e Claudia Kahwage
Fotografias de Capa
Liderança indígena da etnia Wai Wai- Terra Indígena
Trombetas Mapuera/Município de Oriximiná-PA
Revisão Final
Marcelo Gadelha Machado
Revisão Técnica
João Marcelo Vieira Lima
Normalização Bibliográfica
Impressão
Gráfica GTR
L I S T A D E A B R E V I A T U R A S
E S I G L A S
Estamos publicando o presente livro com os resultados e algumas discussões alcançadas na oca-
sião da execução pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado (SEMA-PA) e seus parceiros
do Seminário Situação Socioambiental das Terras Indígenas do Pará: Desafios para Elabora-
ção de Políticas de Gestão Territorial e Ambiental realizado no período de 7 a 9 de junho de 2010
em Belém.
Existem vários motivos pelos quais a SEMA-PA, por meio de sua Diretoria de Áreas Protegi-
das (DIAP)/Coordenadoria de Ecossistemas (CEC) e mais recentemente sua Gerência de Gestão
Ambiental em Terras Indígenas visa consolidar sua atuação junto as Terras Indígenas do Pará. Um
deles está relacionado à grande dimensão territorial do conjunto das Terras Indígenas do estado, que
ocupam quase 25% do território paraense. Tendo em vista que a DIAP objetiva os estudos técnicos vi-
sando à organização do espaço territorial por meio do uso dos recursos naturais de forma sustentável
e a preservação de ecossistemas para a evolução de todas as espécies, assim como propostas e enca-
minhamentos para elaboração de políticas públicas e assistência às populações humanas, é de grande
interesse estarmos iniciando a discussão no âmbito estadual, sobre a gestão territorial e ambiental das
Terras Indígenas, haja vista também que estas possuem um rico e alto índice de diversidade biológica
e ecossistêmica. Falam os cientistas que as Terras Indígenas abrangem uma maior variedade de ecos-
sistemas do que todas as outras categorias de áreas protegidas combinadas (Peres & Terborgh, 1995;
Fearnside, 2003; Nepstad et al, 2005).
Não obstante todas as atribuições positivas das Terras Indígenas relacionadas ao ordenamento
territorial do estado, proteção e conservação do meio ambiente, elas estão na atualidade profunda-
mente ameaçadas e pressionadas e por uma diversidade de fatores, como veremos adiante nos artigos
deste livro. Ratificasse então a necessidade de estarmos pensando no apoio a melhoria de sua gestão
territorial e ambiental.
Para a atuação junto as Terras Indígenas do Estado também procuramos seguir as deliberações
das Políticas Públicas Ambientais no âmbito nacional e estadual. O Plano Nacional de Áreas Prote-
1
Bióloga-Antropóloga/Mestre em Agriculturas Familiares UFPA/NEAF- Doutoranda do Programa Ambiente e Sociedade NEPAM/UNICAMP- Coordenadora Técnica do
Projeto ConBio-Indígena/CEC /DIAP/SEMA-PA.
2
Engenheiro Florestal, especialista em Fotointerpretação Florestal, Ecologia Florestal, Ecologia Evolutiva, Solos e Manejo de Bacias Hidrográficas, Diretor de Áreas Protegi-
das/SEMA-PA e Coordenador Executivo do Projeto ConBio-Indigena/CEC/DIAP/SEMA-PA.
14 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
gidas (Decreto n°5.758,13/04/2006) estabelece inicialmente em seu princípio XIX a articulação das
ações de gestão de áreas protegidas, das terras indígenas e terras ocupadas por remanescentes das co-
munidades de quilombos como política pública dos três níveis de governo. Além de evidenciar como
sua IX diretriz que é necessário assegurar os direitos territoriais das comunidades quilombolas e dos
povos indígenas como instrumento para conservação da biodiversidade.
A lei 5.887 de 9/05/95 que dispõem sobre a Política Estadual do Meio Ambiente estabelece, em
seu Artigo 2°, princípio VIII que o respeito aos povos indígenas, às formas tradicionais de organiza-
ção social e às suas necessidades de reprodução física e cultural e melhoria de condições de vida, nos
termo da Constituição Federal e da legislação aplicável, em consonância com os interesses da comuni-
dade regional em geral são fatores indispensáveis na ordenação, proteção e defesa do meio ambiente.
A própria Constituição Estadual do Pará em seu artigo 300, define como responsabilidade do
Estado e dos Municípios a promoção e o incentivo à proteção aos índios e sua cultural organização
social, costumes, línguas, crenças, tradições, assim como reconhecimento de seus direitos originários
sobre a terra que tradicionalmente ocupam. Pensamos que cabe também ao Estado do Pará, através da
SEMA e de outros órgãos de sua administração direta, não obstante a importante e histórica existência
da Fundação Nacional do Índio, auxiliar os povos indígenas a viabilizarem um horizonte positivo de
gestão ambiental e promoção de desenvolvimento sustentável, no sentido de agenciar a melhoria de
suas condições de vida rumo ao incentivo das capacidades dos povos indígenas de protegerem, con-
servarem e ainda fomentarem a biodiversidade e os recursos naturais de seus territórios.
Ao começarmos a esboçar o projeto do seminário, tivemos a oportunidade de reunir uma sé-
rie de informações que nos auxiliaram no desenho da proposta do evento. Essas informações, que
desejamos compartilhar aqui com o leitor, nos permitiram visualizar a clara articulação da questão
ambiental com a questão indígena no Brasil, mas expressivamente na Amazônia. Fato que unificou
estrategicamente as agendas políticas dessas questões, possibilitando que as terras indígenas pudessem
figurar como elementos importantes das políticas nacionais de conservação da biodiversidade e dos
ecossistemas brasileiro.
***
O período que compreende o meado da década de 90 até a atualidade foi importante para me-
lhorar a execução dos direitos constitucionais incluindo os territoriais dos Povos Indígenas do Brasil.
Foi nesse período, que o Estado Brasileiro, através da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 15
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
apoio do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7 (Decreto nº
2.119, 13 de janeiro de 1997), em seu Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas
da Amazônia Legal – PPTAL, viabilizou efetivamente a demarcação e a regularização de grande parte
das Terras Indígenas da Amazônia. Essas ações possibilitaram em muito a desobstrução dos territó-
rios indígenas, resguardando-os, em parte, da forte pressão de invasores não indígenas. Nesse período
de demarcação e regularização das Terras Indígenas, iniciou-se no Brasil, por conta da ação política
dos movimentos ambientalistas globais, uma mudança expressiva no modo com que a sociedade e
seus setores representativos passaram a perceber e a se aliar aos povos indígenas. Concomitantemente
a isso, ocorreu também um fortalecimento significativo das organizações indígenas nacionais, que
acabaram por internalizar as questões relativas à conservação do meio ambiente em suas pautas rei-
vindicatórias.
Os povos indígenas, que durante muitos anos foram vistos como paradigmas de subdesenvolvi-
mento, passaram a ser considerados parceiros importantes na formulação de estratégias de conserva-
ção e desenvolvimento sustentável.
A ciência acabou por constatar e legitimar, a partir principalmente de seus estudos antropológi-
cos, etnocientíficos, de ecologia cultural, dentre outros, que, em função da convivência e dependência
milenar dos povos indígenas com os componentes do meio biótico, estes constituíram um corpo de
saberes ecológicos preciosos, cosmovisões e práticas de utilização dos recursos naturais que não só
conservam a biodiversidade como a enriquecem com seu uso contínuo (POSEY; BALLÉ, 1989; PO-
SEY, 1987; DIEGUES, 1993, 1996).
Estudos também comprovaram que as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação de Prote-
ção Integral (onde não é permitida a residência de populações humanas) são similares em suas capa-
cidades de inibirem o desmatamento (NEPSTAD et al., 2005). Nesse sentido, a existência de Terras
Indígenas é tão favorável para os efeitos de proteção da floresta tropical quanto são as áreas protegi-
das, onde não é permitida a presença de nenhum tipo de população humana.
Os cientistas conservacionistas acreditam cada vez mais que as Terras Indígenas, dado seu tama-
nho e estado de conservação, serão um fator decisivo no futuro do bioma amazônico (SCHWARZ-
MAN; ZIMMERMAN, 2005 apud PERES; ZIMMERMAN, 2001; PIMM et al., 2001; SCHWARZ-
MAN et al., 2002; FEARNSIDE, 2003), visto que essas e outros tipos de áreas protegidas agem como
a principal barreira contra a queima e o corte da floresta, no assim chamado “arco do desmatamento”
– a linha de frente da destruição florestal, que se estende de norte a sul e ao sudeste da Amazônia –
onde aproximadamente 80% do desmatamento se concentra (ALVES, 2002; NEPSTAD et al., 2001;
NEPSTAD et al., 2005).
16 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
No Brasil, a atuação política conjunta das organizações indígenas e dos povos da floresta merece
atenção, pois o principal foco de reivindicação da sociedade civil brasileira para a mitigação das mu-
danças climáticas é a questão do desmatamento. Este tópico está intimamente relacionado ao debate
sobre essa parcela da população, que com a mudança no uso do solo se torna bastante vulnerável aos
impactos das alterações climáticas.
A questão do desmatamento é hoje o assunto mais importante nas negociações internacionais
sobre mudanças climáticas. Cerca de 20% das emissões globais de CO2 são causadas pelo desmata-
mento. Essa descoberta colocou novamente as florestas tropicais e a Amazônia no foco das discussões
mundiais e a preservação das florestas foi apontada como talvez a maneira mais fácil e mais barata para
impedir que se atinja um nível perigoso de mudanças climáticas (FATHEUER, 2008).
Recentemente, as lideranças indígenas do Brasil e da Amazônia, através da publicação da “Carta
de Cuiabá”, exigiram que países e a ONU priorizassem urgentemente o desenvolvimento de mecanis-
mos para apoiar as estratégias indígenas de adaptação às mudanças climáticas, dando reconhecimento
e valorização aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas como referência fundamental às
novas estratégias da humanidade para adaptação às mudanças climáticas.
Exigiram também que todos os governos avaliem as consequências e reajustem os grandes proje-
tos de desenvolvimento e infraestrutura que ameaçam as florestas, os povos e os territórios indígenas e
que provocam grandes desmatamentos. Para eles, a humanidade não conseguirá conter o agravamento
das mudanças climáticas sem a prática dessas medidas.
As lideranças indígenas pedem aos governos e a toda a humanidade que reconheçam a impor-
tância dos serviços ambientais prestados pelos povos indígenas na proteção e conservação, evitando
o desmatamento da Floresta Amazônica e outros biomas. Assim, exigem que o novo regime da Con-
venção do Clima valorize e recompense os povos indígenas pelos serviços prestados a toda humani-
dade, na forma que desejam receber tais benefícios, priorizando o desenvolvimento e o implemento
de mecanismos para recompensar quem conserva as florestas.
Nessa carta, as lideranças indígenas também esclarecem que os povos indígenas e comunidades
locais estão sofrendo pressões diversas para desmatar seus territórios e que inexiste apoio para prote-
ger suas florestas. Desta forma, comunicam que estão apreensivos sobre suas condições limitadas de
resistência à pressão ao desmatamento por longo período.
Em relação ao REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), as lideranças
indígenas reforçam que seus mecanismos não podem desrespeitar a autonomia indígena sobre seus
territórios e que estão preocupados que os regimentos REDD pós-2012 – discutidos na COP – sejam
usados para compensar aqueles que sempre desmataram suas florestas: os grandes produtores de soja,
gado, biocombustível e outros. Dessa forma, comunicam e exigem que o REDD e qualquer outro
18 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
***
O seminário possibilitou aos participantes indígenas e não indígenas conhecerem alguns desses
vários eixos de discussões que articulam as questões ambientais e indígenas na Amazônia. No Pará,
os debates sobre a gestão ambiental dos territórios indígenas ainda são embrionários. Há poucas ini-
ciativas governamentais e não governamentais que tem o horizonte de viabilizar atividades que auxi-
liem a gestão, principalmente com vista à geração de renda, que hoje em dia é uma das demandas de
reivindicação do movimento indígena no Estado. Projetos de REDDs ou de pagamentos de serviços
ambientais aos indígenas ainda são pouco discutidos no Estado e tem-se a crescente necessidade de
provocar essas discussões com a realização do evento e a publicação deste livro.
O livro é então um marco fundamental na história da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, já
que a questão indígena é pela primeira vez abordada de maneira bem sucedida e oportunamente in-
ternalizada e aceita na práxis da entidade, como pauta importante das políticas ambientais no Estado.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 19
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Ele também constitui os resultados de um trabalho pioneiro e piloto que vem sendo desenvol-
vido desde 2008 no âmbito da Diretoria de Áreas Protegidas, através de sua Coordenadoria de Ecos-
sistemas (CEC) e seu Projeto Conservação da Biodiversidade em Terras Indígenas do Pará (Projeto
ConBio-Indígena), vinculado ao cumprimento dos objetivos e metas do programa maior de governo
“Ordenamento Territorial do Estado do Pará” (PEOT)4 em uma de suas ações de governo intitulada
“Preservação da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais”.
O Projeto ConBio-Indígena, vigente até 2011, possui o objetivo de promover o estabelecimento
de diretrizes, ações científicas, técnicas (metodológicas) e políticas para conservação da biodiversidade
e uso sustentável dos recursos naturais em Terras Indígenas do Estado do Pará, através de três sub-
projetos: I) Levantamento da Situação Socioambiental das Terras Indígenas do Pará; II) Etnoconheci-
mento da Biodiversidade das Terras Indígenas do Pará; III) Gestão Ambiental de Terras Indígenas do
Pará: etnomapeamento, etnozoneamento, plano de gestão ambiental e manejo dos recursos naturais5.
O projeto também busca elaborar ações capazes de responder, efetivamente, às demandas da
primeira reivindicação oficial dos povos indígenas do Pará enviada ao Governo e contida na Carta dos
Povos Indígenas do Estado do Pará (2007) e em cujo teor 35 povos indígenas apresentam propostas
para as áreas de etnodesenvolvimento, propriedade intelectual e proteção de seus patrimônios cultu-
rais. Propõe-se, da mesma maneira, abordar e cumprir algumas determinações expressas no documen-
to e plano de ação das “Diretrizes da Política Estadual para os Povos Indígenas do Pará”, elaborado
pelo Comitê Intersetorial de Política Indigenista do Estado do Pará, do qual a Secretaria de Estado de
Meio Ambiente (SEMA) é membro participante.
O seminário, foi uma ação do projeto ConBio-Indígena no intuito de garantir a realização de seu
Subprojeto I “Levantamento da Situação Socioambiental das Terras Indígenas do Pará” e teve como
meta inicial realizar um levantamento participativo das informações sobre as problemáticas e oportu-
nidades socioambientais das Terras Indígenas do Pará, levando em consideração as conjunturas atuais
nas quais elas estão inseridas.
Pretendíamos lançar um olhar investigativo, contando com a participação de vários indígenas
convidados, principalmente os representantes do Fórum dos Povos Indígenas do Pará - entidade
4
O PEOT foi instituído pelo Decreto nº 692, de 5 de dezembro de 2007 e tem por finalidade a promoção do ordenamento territorial em suas dimensões fundiária,
ambiental, produtiva e florestal, visando ao estabelecimento de princípios, diretrizes e estratégias que possibilitem a articulação institucional, bem como a viabilização
de instrumentos de ordenamento, uso e ocupação racional e sustentável do território do Estado do Pará.
5
O projeto viabilizou na ocasião da abertura do Seminário o convênio técnico financeiro com a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé , Equipe de Conservação
da Amazônia (ACT-Brasil) e Associação Indígena dos Povos do Mapuera para elaboração de Diagnóstico Etnoambiental e de etnozoneamento nas Terras Indígenas
Trombetas e Nhamundá Mapuera e áreas dos povos Kaxuyana, localizadas na Floresta Estadual do Trombetas, viabilizando mais de seis milhões de hectares zoneados
participativamente, visando ações de gestão integrada das Áreas Protegidas da Calha Norte do Estado do Pará, com vista à conservação da biodiversidade.
Estamos publicando a Carta dos Povos Indígenas (Anexo 1) no capítulo IV.
20 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
indicada e criada pelo Governo para dialogar com o Comitê Intersetorial de Políticas Indigenistas do
Estado, instituído através de Decreto (n° 2.358, de 24/06/2010) - sobre as problemáticas, potenciali-
dades e construção de cenários regionais aos quais as TIs estão inseridas na atualidade. Na realidade,
uma tentativa de visualizar o panorama e vislumbrar estratégias para promover a conservação dos
ecossistemas e da biodiversidade nesses territórios.
Ao elaborarmos o subprojeto I no ano de 2008, observamos que as informações, dados socioam-
bientais e experiências de gestão territorial e ambiental dessas Terras Indígenas do Pará, encontram-se
fragmentadas nos relatórios das instituições, organismos indigenistas governamentais e não-governa-
mentais, em trabalhos e publicações avulsas dos meios acadêmicos.
Haveria então o desafio de se reunir essa multiplicidade de informações e experiências de uso
sustentável dos recursos naturais dessas TIs, no sentido de nortear a elaboração de políticas públicas,
programas e projetos de governo voltados para gestão desses territórios.
Além da preocupação em realizar um levantamento participativo da situação socioambiental atual
das Terras Indígenas do Estado, possuíamos também a intenção de eleger áreas prioritárias para atua-
ção futura da DIAP-SEMA e quem sabe de outros órgãos de governo. Também pretendíamos levan-
tar subsídios para a elaboração futura de um Programa Estadual de Gestão Territorial e Ambiental em
Terras Indígenas do Pará (PEGTATI-PA).
Pensamos que a elaboração participativa desses insumos poderá servir como elemento nor-
teador de ações de governo junto as Terras Indígenas do Estado e para que o movimento indígena
do Pará possa se apropriar das ideias produzidas no seminário, viabilizando reivindicações, diálogos
interculturais e diretrizes políticas que contribuam para melhoria de sua qualidade de vida e a sua sus-
tentabilidade.
Estávamos também preocupados em consolidar ou traçar um esboço do PEGTATI-PA para
tentar sanar uma problemática que dificultou a sustentabilidade das ações de estado junto aos povos
indígenas do Pará.
Infelizmente, o pertinente processo desenvolvido pelo governo petista, a partir de 2007, para
garantir a elaboração e aprovação de uma Política Indigenista Estadual, que continha em sua estrutu-
ra elementos e ferramentas para apoiar significativamente a sustentabilidade das ações de estado no
auxílio à gestão territorial e ambiental das TIs, acabou por não ser finalizado. Isso ocorreu apesar dos
esforços pioneiros e louváveis de vários representantes de organismos governamentais (integrantes do
Comitê Intersetorial de Política Indigenista do Estado) e não governamentais que estiveram empenha-
dos nessa tarefa.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 21
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
que foram proferidas na ocasião do seminário. Iniciamos com o artigo de Marta Azevedo e Roberto
Tavares “Gestão de Terras Indígenas no Acre: estudo de caso dos Etnozoneamentos” que nos re-
mete as exitosas experiências do Estado do Acre em implementar ferramentas de gestão territorial
e ambiental das terras indígenas, expondo as coordenadas técnicas, políticas e metodológicas para o
sucesso da internalização da questão indígena no âmbito estadual. O artigo de Almir Surui, Ivaneide
Cardozo e Ederson Leandro “Mercado de Carbono: um estudo de caso do Projeto Carbono Surui”
nos remete também a outra experiência exitosa de implementação das ferramentas de gestão em ter-
ras indígenas, pois apresenta os passos dados pelo povo indígena Paiter (Surui de Rondônia), para a
implementação do Plano de Gestão de seu território e a inserção no mercado de carbono, através da
elaboração do “Projeto Carbono Surui” como mecanismo de subsídio para as atividades de educação,
saúde, valorização cultural, desenvolvimento econômico, proteção ambiental e segurança alimentar.
Tendo a organização indígena local como proponente e realizadora da maior parte das discussões/im-
plementações do projeto, destacando se a formulação/reformulação dos novos cenários de utilização
e ocupação do solo e legitimando a intenção das comunidades em práticas legais de utilização de pro-
dutos florestais, assim como a luta pela manutenção da cultura e cumprimento dos direitos indígenas,
viabilizando alternativa metodologia e passível de realização (com suas devidas adaptação) em outros
territórios indígenas do Brasil.
O artigo de Gabriel Carrero e Mariana Pavan “Mecanismos de Redução de Emissão de Desma-
tamento e Degradação” trata de revelar os conceitos básicos sobre mudanças climáticas e Redução
de Emissões do Desmatamento e Degradação (REDD+). Iniciando com a explicação do significado
das palavras que são usadas sempre em conversas e discussões sobre o tema, para depois apresentar o
potencial de REDD+ para a conservação florestal e como ele está ligado com as populações indígenas
e a gestão de suas terras.
Temos também o prazer de publicar o artigo escrito pela liderança indígena João Tiryó que trata
de expor todo o processo de formação dos guardas-parques indígena na TI Parque do Tumucumaque,
viabilizado pela organização não governamental Equipe de Conservação da Amazônia (ACT-Brasil),
tratando de nos dar o conhecimento da importância desta formação para gestão territorial e ambiental
do Parque do Tumucumaque, uma das maiores reservas indígenas do país.
A partir daí o livro apresenta em forma de artigos as transcrições das palestras que nos referimos
anteriormente. A primeira transcrição é a pertinente a fala de Lúcio Flores, indígena do povo Terena,
assessor técnico da COIAB, que trata de comunicar a história- incluindo as conquistas e dificuldades-
do engajamento político da COIAB na temática da gestão ambiental e territorial das terras indígenas
24 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
do país. Logo a seguir temos a transcrição da palestra de Juventino Kaxuyana, também liderança in-
dígena que atualmente preside a APITIKATI, organização indígena que tem realizado um expressivo
trabalho, cujo seu cerne é viabilizar a gestão territorial e ambiental das terras indígenas onde vivem os
povos Kaxuyana, Tiriyó,Txikuyana dentro de uma perspectiva transversal, voltada para melhoria da
qualidade de vida desses povos.
Publicamos também a transcrição da palestra de Nadja Binda, antropóloga consultora do
IEPÉ, organização não governamental que atua no extremo norte do Pará e oeste de Amapá implan-
tando o projeto de Mosaico de Áreas Protegidas. A pesquisadora nos esclarece sobre as problemáticas
jurídicas que perpassa a questão de criação de mosaicos e nos revela o processo participativo que
tem dado conta de implantar o mosaico de áreas protegidas nestas regiões, assim como expõem as
conquistas e problemáticas deste processo. O artigo seguinte é proveniente da transcrição das falas
de Bepunu Kayapó e a pesquisadora Pascale de Robert intitulado “Mapas do Diálogo: experiência de
mapeamento participativo em Moikarakô, terra indígena Kayapó, Pará”, trata de expor as várias eta-
pas das experiências de mapeamentos participativos realizados numa aldeia indígena Kayapó e como
os indígenas acabaram por se apropriar e utilizarem-se politicamente dos mapas produzidos por eles
com ajuda de pesquisadores para realizarem uma comunicação mais eficiente com a sociedade não
indígena. Finalmente temos o artigo da transcrição da fala do antropólogo Hélcio Souza que trata
de comunicar a as etapas metodológicas de viabilização da gestão territorial e ambiental em terras in-
dígenas que foram sistematizadas a partir de experiências que a organização não governamental The
Nature Conservancy (TNC) realizou junto a Terras Indígenas do Oiapoque e do Estado de Roraima.
O Capítulo III dedica a explorar o tema da Situação Socioambiental e os Desafios para Elabora-
ção de Políticas de Gestão Territorial das Terras Indígenas do Pará através de dois artigos. O escrito
por Claudia Kahwage que visa apresentar dados secundários atuais que retratam alguns aspectos da
situação fundiária e socioambiental das Terras Indígenas do Pará. O outro, artigo escrito pela equipe
de consultores do Instituto de Educação do Brasil (IEB), que tiveram a tarefa de realizar a mediação e
a relatoria dos dois Grupos de Trabalho formados na ocasião do seminário. O primeiro grupo de tra-
balho se organizou em diversos subgrupos representativos de 06 meso regiões do Estado, viabilizou,
através da implementação de metodologias participativas definidas pelos consultores o levantamento
da situação socioambiental das terras indígenas do Pará. O segundo grupo de trabalho que também se
subdividiu se encarregou de produzir as orientações para a elaboração futura de Programa de Gestão
Territorial e Ambiental das Terras Indígenas do Pará.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 25
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Esperamos que o livro possa representar uma memória positiva para nortear as futuras agendas
de governo. O leitor deve ter em mente que não se trata efetivamente de uma publicação acadêmica
em seu estilo rígido e normativo. Nós veiculamos e prometemos aos indígenas e aos representantes
organizacionais que a publicação deveria ser encaminhada aos mesmos para que pudessem, caso seja
de seu interesse, utilizá-lo como uma ferramenta política para o diálogo com os governos vindouros.
A SEMA deseja que os conteúdos aqui expostos possam auxiliar, de alguma forma, os processos
de constituição de uma agenda política unificada entre a questão indígena e ambiental no estado, em
prol da garantia da aplicabilidade dos direitos indígenas, da conservação dos ecossistemas, da socio-
biodiversidade presente nesses territórios, de sua proteção e salvaguarda, da melhoria da qualidade de
vida dos diversos povos indígenas que vivem no Estado Paraense. Tudo tendo em vista o alcance do
tão almejado desenvolvimento sustentável, aos moldes das ancestralidades e humanidades indígenas
milenares que já habitaram esta terra sem promover destruições perversas e irracionais, como as que
temos visto na contemporaneidade.
REFERÊNCIAS
POSEY, D. A. et al. Alternativas à destruição: ciência dos Mebengokre [Kayapó]. Belém, Brazil: Museu
Paraense Emílio Goeldi, 1987.
SECRETARIA DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS DO ESTADO DO PARÁ. Secretaria de Estado de
Governo. Câmera de Política Setorial de Defesa Social. Comitê Intersetorial de Política Indigenista do Estado
do Pará. Relatório de Respostas ás Demandas Recebidas Durante a Semana dos Povos Indígenas do
Pará. Mimio, 2007. 21 p.
SECRETARIA DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS. Coordenação de Proteção dos Povos Indígenas e
Populações Tradicionais. Diretrizes da Política Estadual para os Povos indígenas do Pará: Plano Prelimi-
nar de Ação. Mimio, mai. 2008. 13 p.
SCHWARTZMAN, Stephan; ZIMMERMAN, B. Alianças de conservação com povos indígenas da Ama-
zônia. Megadiversidade. v.1, n.1, jul. 2005.
VILLARES, Luiz Fernando. Terras Indígenas, Meio Ambiente e Sustentabilidade Econômica. Brasil
Indígena, Ano III, n.5, Fundação Nacional do Índio, dez. 2007.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 27
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
28
28 SI
SITUAÇÃO
SITU
TUAÇÃO
ÃO SOCIOAMBIENTAL
SOC
CIO
OAM
AMBI
BIIEN
BIEN
EN
NTA
TA
AL DAS
DAS TERRAS
TER
ER
RRASS INDÍGENAS
INDÍ
DÍÍGENA
N S DO
O PARÁ:
PAR
ARÁ:
Á:
DESAFIOS
DESA FI PAR
PARA
RA EL
ELABORAÇÃO
ABORAÇÃO
AÇÃO DE
D PO
POL
POLÍTICAS
OLÍTICA
OL AS DE GE
G
GESTÃO
ESTÃ
ÃO TER
ÃO TERRITORIAL
RRITOR
ORIALL E A
AM
AMBIENTAL
MBIEN
B TAL
ALL
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 29
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
7
Transcrição de palestra” ocorrida em 07/06/2010.
8
Diretor de Desenvolvimento Sustentável da FUNAI.
30 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A grande maioria das comunidades indígenas passa por fortes transformações socioeconômicas,
afetando o bem estar, a situação econômica e a sustentabilidade ecológica de suas terras. A gestão
ambiental e territorial é um tema transversal a essa realidade integrado a sustentabilidade econômica
das comunidades indígenas.
Existe um histórico dos projetos institucionais que o Governo Brasileiro vem realizando ao
longo do tempo que ajuda a refletir e estruturar a própria Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental. Em 1996, foi criado o programa piloto para Proteção das Florestas Tropicais no Brasil, o
conhecido PPG7, que teve o seu teto vencido em 2008.
As metodologias desenvolvidas por esse programa vêm sendo desenvolvidas e incorporadas
dentro da estrutura regular da FUNAI. Então o PPG7, através do PPTAL, trabalhou, criou e deu
oportunidades para instituições incorporarem uma série de metodologias, no sentido de trabalhar a
preservação e a proteção das TIs.
O PPTAL não ficou focado apenas, como ele é mais conhecido, na demarcação das terras indí-
genas, também teve um trabalho importante, no sentido de possibilitar a auto-sustentação das TIs,
realizando vários estudos e levantamentos etnoambientais. Nesse sentido, o PPTAL foi um programa
extremamente importante no sentido de fazer com que a FUNAI mudasse o seu foco de percepção.
A FUNAI era voltada para a demarcação das terras indígenas e de todo o processo de regularização
fundiária, mas não promovia o desenvolvimento sustentável dessas TIs. O momento hoje é de definição,
de uma orientação do Governo Federal no sentido das terras indígenas demarcadas. Muitas delas já estão
regularizadas em termos fundiários, mas não possuem uma política de gestão territorial ou ambiental que
ajude a promover o desenvolvimento sustentável. O Governo Federal, através da FUNAI e do Ministério
do Meio Ambiente, passa por um processo de incorporação das experiências do PPG7 com objetivo de
construir uma política com um olhar para o desenvolvimento sustentável das TIs.
O objetivo geral do PDPI é melhorar as perspectivas de sustentabilidade econômica e cultural da
Amazônia Legal nas suas terras e de conservação dos recursos naturais nelas existentes. Representa
um mecanismo que exige grande capacitação de gerenciamento de projetos por parte dos executores
e organizações indígenas, necessitando ainda de muito auxílio para melhorar sua eficácia. O projeto
é desenvolvido com a participação das organizações indígenas. É construída uma série de processos
participativos e de definições do desenvolvimento do próprio projeto. Isso empresta um instrumen-
tal importante para construção da política nacional de gestão, uma vez que um dos pressupostos é
justamente a participação efetiva das representações indígenas, através das suas organizações ou das
próprias comunidades.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 31
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
No cenário atual, tem-se a Comissão Nacional de Política Indigenista que foi criada pelo Pre-
sidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e implantada em 2007. Essa comissão tem efetivamente
participado dos processos de construção dessa política. As oficinas são realizadas em várias regiões e
a FUNAI e o MMA estão apoiando. Elas têm a participação efetiva da própria CNPI e também das
organizações indígenas. É uma comissão paritária composta pelo Governo, por representantes das
várias regiões do Brasil e por entidades não governamentais indígenas e indigenistas.
Elaborou então ao longo de 2009 o novo Estatuto dos Povos Indígenas. Esse Estatuto é um
Projeto de lei que está tramitando no Congresso Nacional e é o instrumental jurídico necessário para
que o Estado Brasileiro estabeleça uma nova relação com os povos indígenas.
O atual Estatuto é totalmente defasado. Ele não tem alinhamento com a Constituição de 1988. A
Constituição assegurou direitos diferenciados aos povos indígenas e o Estatuto, anterior a Lei Magna
do país de 88, apresenta muitos artigos que perderam a validade porque não foram contemplados pela
Constituição de 1988. Daí a necessidade da elaboração de um novo Estatuto já então tramitando no
Congresso Nacional. Se aprovado, vai estabelecer um novo instrumental jurídico que irá requalificar
efetivamente a relação do Estado Brasileiro para com as populações indígenas.
Aqui estão dois artigos da proposta do Estatuto. O artigo 50: “constitui encargo da União por in-
termédio dos órgãos de meio ambiente e indigenista, a manutenção do equilíbrio ecológico das Terras
Indígenas e de seu entorno”. E no artigo 51: “os povos e comunidades indígenas têm autonomia para
fazer a gestão territorial de suas terras, cabendo a União apoiar e promover essas atividades, respeita-
dos os usos, costumes tradições e formas de organização desses povos e comunidades”.
Esses dois artigos nos mostram o posicionamento dos órgãos de governo diante das comunida-
des e como é que as mesmas precisam ter assegurada a sua autonomia para que efetivamente sejam
donas dos seus próprios destinos, cabendo então aos órgãos de governo apoiar e desenvolver ativida-
des para que essas comunidades possam encontrar o seu caminho no desenvolvimento sustentável.
Criada em 2009, a política nacional possui um grupo de trabalho interministerial entre Ministério
da Justiça e Ministério do Meio Ambiente com representação indígena partidária para elaboração da
PNGATI.
Ao final de 2009 e início de 2010, foram realizadas quatro consultas regionais em Recife, Curitiba,
Campo Grande e Cuiabá e uma última que vai ser realizada brevemente em Manaus. Feita a última
oficina, essa Comissão se reúne, sistematiza todos os processos que foram discutidos para minutar um
decreto que irá instituir a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas. É
um decreto do Presidente da República que irá estabelecer as diretrizes dessa política. Espera-se que
32 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
esse documento esteja pronto em agosto de 2010 para que possa ser submetido à assinatura do atual
Presidente da República. Não será interessante deixar para o próximo ano, pois será outra gestão.
Essas são as diretrizes que estamos trabalhando para elaboração da política, algumas já referidas
aqui: participação e controle social dos indígenas no processo de elaboração da política nacional; for-
talecimento dos sistemas indígenas de conservação ambiental; proteção dos saberes e conhecimentos
tradicionais indígenas; desenvolvimento da gestão etnoambiental como instrumento de proteção dos
territórios e das condições ambientais necessárias à reprodução física e cultural e ao bem estar das
comunidades indígenas e, finalmente, valorização das identidades étnicas e suas organizações sociais.
O projeto da PNGATI foi submetido ao GEFI e aprovado, catalisando a contribuição das TIs
para a conservação dos ecossistemas florestais brasileiros, conhecido como GFI indígena. O objetivo
é consolidar a contribuição das terras indígenas como áreas essenciais à conservação da diversidade
biológica e cultural nos biomas florestais brasileiros, realizando e fortalecendo as formas étnicas de
manejo, uso sustentável e conservação dos recursos naturais nas TIs e realizando a inclusão desses
povos. Fomentando assim uma Política Nacional de Gestão Ambiental em território indígena.
O GEFI foi aprovado em 2009 e o comitê diretor vai ser instalado no mês de junho. O projeto
do Fundo Global é importante porque está trabalhando as diretrizes do desenvolvimento da Política
Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas.
O GEFI vai trabalhar em áreas de referência e com uma rede de experiências. Somam-se 32 TIs
em que o recurso do GEFI vai atuar.
Existe uma integração de objetivos entre o projeto do GEFI e a PNGATI. Esses objetivos pas-
sam pela criação de um Conselho Regional. Cada região irá possuir um Conselho Regional, além de
uma estrutura nacional que será implementada. Os conselhos regionais vão discutir o desenvolvimen-
to dos projetos e as próprias ações da PNGATI e, também, articular-se com as conferências regionais
futuras.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 33
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O Estado do Pará estabeleceu as bases para a construção e execução de políticas públicas dirigi-
das aos diversos segmentos sociais que integram a sociedade paraense, dos quais fazem parte, os povos
indígenas. Essas populações secularmente estão marginalizadas e invisíveis às ações governamentais,
um flagrante desrespeito aos seus direitos como povos originários, que contribuem para o enriqueci-
mento da cultura da sociedade brasileira, com a potencialidade inexplorada da sua rica sociobiodiver-
sidade, que integram 57(cinquenta e sete) povos, falantes de 03(três) dezenas de idiomas, que habitam
25% do território, presentes em 52 (cinquenta e duas) Terras Indígenas.
O executivo estadual valorizando a diversidade étnica e cultural das populações indígenas do Es-
tado do Pará, a partir de 2007, avançou na consolidação da política de fortalecimento dos direitos dos
Povos Indígenas e reestruturou a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH (Lei º. 7.026,
de 30 de julho de 2007), criando a Coordenadoria de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Po-
pulações Tradicionais. O Regimento Interno art. 19 da SEJUDH, assim define as atribuições: compete
à Coordenadoria de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e das Populações Tradicionais, como
unidade de atuação programática vinculada a Diretoria de Cidadania e Direitos Humanos: coordenar,
formular e executar as políticas públicas de proteção e reparação dos direitos humanos dos grupos
socialmente vulneráveis, como as populações tradicionais e os povos indígenas.
A criação da CPPITA determinou responsabilidades ao gestor público, baseadas no marco legal
nacional e internacional vigente, entre os quais: Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão; a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU; a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, a Convenção sobre Diversidade Biológica; a Convenção sobre Diversida-
de Cultural; no contexto nacional: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Artigos
231 e 232), em que expressa claramente o dever do Estado e da sociedade em respeitar a forma de
organização sociocultural, a sua sustentabilidade humana e territorial e os sistemas jurídicos próprios
de cada Povo Indígena.
A reestruturação da SEJUDH e a criação da CPPITA foi um passo decisivo, para dar visibilidade
à problemática indígena e demandou de igual maneira a estruturação em outros órgãos de espaços
específicos para tratar da questão indígena no âmbito estadual. Nesse contexto, a Secretaria de Estado
9
Antropóloga, Coordenadora de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais – CPPITA/SEJUDH-PA.
34 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
de Saúde do Pará (SESPA) criou a Coordenação de Saúde Indígena e das Populações Tradicionais;
a Secretaria de Educação (SEDUC) reestruturou a Coordenação de Educação Escolar Indígena; a
Fundação Curro Velho (FCV) e a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) contrataram Assessorias
Indígenas, na Empresa de Assistência Técnica (EMATER) e na Secretaria de Agricultura (SAGRI). A
temática indígena foi inserida nos debates da agricultura familiar, com outros segmentos sociais.
O tratamento da questão indígena ampliou-se no âmbito dos órgãos de governo graças à atuação
do Comitê Intersetorial de Política Indigenista, institucionalizado através do Decreto nº 2.358, de 24
de junho de 2010, com a finalidade de coordenar, acompanhar e avaliar as Políticas Públicas Indige-
nistas do Estado do Pará. Essa atuação colegiada garantiu as seguintes metas: a implantação de ensino
médio modular em escolas indígenas; a formação de professores indígenas em magistério; curso de
arte e ofícios; erradicação do sub-registro nos povos indígenas Waiwai, Tunayana, Kaxuyana, Txikana;
realização de casamento civil no povo Waiwai; implantação de casas de farinha e projetos produtivos
nos povos Munduruku e Tembé; apoio para a implantação das reservas de vagas para indígenas na
Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Oeste Paraense (UFOPA), a partir de
2010; execução do Projeto de Etnomapeamento e Etnozoneamento nas Terras Indígenas Trombeta
Mapuera e Nhamundá Mapuera e a estruturação do Fundo Kayapó de proteção ambiental.
Ao nível da relação democrática e definição das políticas e diretrizes estratégicas de ações para o
Governo Popular, realizou-se a I Conferência Estadual dos Povos Indígenas e a I Conferência Esta-
dual e Nacional de Educação Escolar Indígena, assim como o I e o II Seminário de Direitos Indígenas
e a I, II, III e IV Semana dos Povos Indígenas do Pará. Criou-se o Fórum dos Povos Indígenas do
Pará e fomentou-se a participação dos seus representantes nas Conferências de Direitos Humanos,
Juventude, Cultura e Mulheres, bem como no Conselho de Segurança Alimentar, Educação e de De-
senvolvimento Rural Sustentável, além da Comissão Estadual de Floresta. Com a participação ativa
das lideranças indígenas, elaborou-se de forma conjunta a minuta do Projeto de Lei para criar o Fun-
do Estadual dos Povos Indígenas do Pará que consolida esse processo de interação e integração das
Políticas Públicas Estaduais para a população indígena, a qual se encontra atualmente em processo de
conclusão.
Os povos indígenas possuem um legado de humanidade importante para contribuir na constru-
ção do Pará como uma Terra de Direitos e para superar os desafios, entre eles, os conflitos fundiários,
a violência física e contra o patrimônio material e imaterial, as invasões das terras, a exploração ilegal
de recursos naturais, os danos ambientais e biológicos, o descumprimento da legislação. Todos esses
problemas em maior ou menor proporção são vividos no cotidiano dos 50.000 mil indígenas do Estado.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 35
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Em síntese, a construção coletiva das políticas públicas e de atividades dirigidas aos povos indí-
genas é o que vamos tratar neste artigo, ou seja, os antecedentes da presença indígena no estado. Em
seguida, como se deu a constituição da CPPITA e a construção da I Conferência Estadual dos Povos
Indígenas, logo a definição dos instrumentos institucionais e a assinatura de acordos e parcerias para
a execução das ações definidas na Conferência e finalmente, as conclusões, sugerindo ao Estado do
Pará o caminho, para enfrentar e afrontar os desafios, que permita saudar a dívida história com essa
população milenar e ancestral, que estava e está neste território, antes da formação do Estado-Nação.
O Governo do Estado do Pará, seguindo as diretrizes éticas e políticas da transparência e demo-
cracia, procurando formular e executar políticas públicas para a construção de um Pará para Todos
(as), considerando a diversidade étnica e cultural da população do estado da qual fazem parte os povos
indígenas, propôs a construção coletiva da Política Indigenista do Estado do Pará, em que participam
atores sociais e políticos das esferas governamentais nos âmbitos municipal, estadual e federal, bem
como as organizações da sociedade civil indígena, em que se consolidam os espaços e as ações de
defesa, proteção e promoção dos direitos humanos e indígenas no Estado.
Desde o início deste governo, avanços significativos são vistos na relação entre Estado e a so-
ciedade civil indígena. A partir de abril de 2007, com a realização da Semana dos Povos Indígenas do
Pará, feita em parceria com o Governo Federal e organizações indígenas locais, em que participaram
representantes de 36 povos indígenas e foi possível elaborar a “Carta dos Povos Indígenas”10 , com 60
(sessenta) proposições relativas aos problemas nas áreas da educação, saúde, infraestrutura, proteção e
valorização do patrimônio cultural, sustentabilidade econômica e geração de renda, proteção e gestão
territorial. Assim como, criou-se o Fórum dos Povos Indígenas do Estado do Pará, composto por 14
(catorze) representações indígenas, das 08 (oito) regiões do estado, legitimadas a dialogar com o Go-
verno e definir as questões indígenas.
Frente a essa força política, o Governo do Estado comprometeu-se imediatamente em atender
as reivindicações apresentadas pelos povos indígenas. E mesmo considerando que a maior parte delas
era de competência do Governo Federal determinou que se constituísse um Comitê Intersetorial para
responder aos 60 pleitos suscitados na Carta Indígena. O comitê foi organizado na Câmara de Defesa
Social, a qual se responsabilizou pelo mapeamento dentro da esfera administrativa de governo, os ór-
gãos responsáveis para responder as demandas indígenas. A partir de reuniões, identificaram-se e defi-
10
A Carta dos Povos Indígenas é o subsídio principal para elaboração do Plano Pará Terra de Direitos Indígenas
36 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
niram-se os responsáveis e executores para cada uma das propostas. Quarenta e dois órgãos estaduais
participam desse esforço e assumiram responder com ações os problemas apresentados. O resultado
dessa ação foi entregue aos líderes indígenas na I reunião do Fórum Indígena em setembro de 2007.
O Governo consciente das responsabilidades e limitações quanto às atribuições legais do trato
com as questões indígenas, criou um espaço de interlocução com os povos indígenas, no âmbito da
Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a Coordenadoria de Proteção dos Direitos dos Povos Indí-
genas e Populações Tradicionais (CPPITA), com a responsabilidade de desenhar, coordenar, formular
e executar as políticas públicas de proteção e reparação dos direitos humanos dos grupos socialmente
vulneráveis, como os povos indígenas. Essa Coordenadoria está responsável em conjunto com os ou-
tros órgãos e a sociedade civil indígena pela construção dos instrumentos legais que formam a Política
Estadual dos Povos Indígenas.
Constituem-se partes integrantes do documento da Política Estadual dos Povos Indígenas os
seguintes pontos: Conferência Estadual dos Povos Indígenas, como espaço político, democrático e
popular de debate e definição das diretrizes que norteiam as Políticas do Estado dirigidas aos povos in-
dígenas; O Conselho Estadual dos Povos Indígenas, órgão de acompanhamento, orientação e controle
social das políticas de Estado; o Plano Estadual dos Povos Indígenas, desenho dos objetivos, metas
e ações prioritárias para atenção aos indígenas em suas aldeias e comunidades; e o Fundo Estadual
dos Povos Indígenas – definição de recursos financeiros alocados para atender diretamente as ações
dirigidas a essas populações.
O marco legal institucional apresentado é significativo e estratégico neste cenário de completa
ausência de lei que ampare os povos indígenas do nosso estado. Os instrumentos da Política de Esta-
do para os povos indígenas propostos respondem à necessidade de se garantir no âmbito do Estado
às condições institucionais para atender essas populações e tentar garantir dessa forma a reversão do
quadro de violação e desrespeito aos seus direitos: consuetudinários, imprescritível, inalienáveis e ine-
gociáveis como reza a Constituição Federal. Assim como, o Estado do Pará e a sociedade se colocam
a frente para saldar a dívida histórica com essa população.
Em 1982, essa secretaria passou a ser denominada de Secretaria de Estado e Justiça, por meio da
promulgação do Decreto nº. 996 de 16 de abril. E através da Lei nº. 6.178, de 30 de dezembro de 1998
passa a ser denominada de Secretaria Executiva de Justiça.
No contexto do governo popular e democrático, houve uma reformulação nas diretrizes e práti-
cas dessa secretaria, ou seja, o governo petista instituiu, em sua gestão, a promoção, proteção e repa-
ração dos direitos humanos no estado, atribuindo essa competência à Secretaria Executiva de Justiça,
passando então a denominar-se Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH),
através da Lei nº. 7.029, de 30 de julho de 2007.
Desde então, coube à Diretoria de Direitos Humanos a competência básica de fomentar o es-
tudo, o planejamento, a execução, o controle e a avaliação dos assuntos relativos às ações de Direitos
Humanos e Cidadania, sob responsabilidade da SEJUDH, atendidas as diretrizes da Política Nacional
de Direitos Humanos.
E a questão dos povos indígenas do Pará e das populações tradicionais foi direcionada para a
Coordenadoria de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais – CPPITA,
que tem realizado um trabalho voltado para a promoção da justiça social, da cidadania e das garantias
dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais do Pará.
Os povos indígenas do Pará estão localizados em vários municípios paraenses, sua presença
nem sempre se identifica com fronteiras municipais. Secularmente as populações indígenas do Pará
foram marginalizadas e inclusive invisibilizadas nas ações governamentais do Estado, consolidando
um flagrante desrespeito aos seus direitos como povos originários desta terra. Esses povos vivem em
diferentes contextos:
● comunidades e povos indígenas que nunca receberam benefício social do Estado, mesmo possuindo
identidade indígena;
● aldeias se tornando cidades, cidades adentrando nas aldeias, aproximando sociedade não indígena
dos povos indígenas, sobrepondo seus territórios, gerando conflitos envolvendo madeireiros, pos-
38 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
seiros e colonos, o que vem contribuindo para a perda da diversidade de produtos, dificultando a
continuidade das atividades básicas de agricultura e coleta dos indígenas;
● povos e comunidades não contactados (autônomos), que deveriam ser protegidos através das garan-
tias do acesso e conservação dos recursos naturais dos quais dependem suas vidas.
Para um detalhamento dos povos indígenas do Pará o quadro 1 mostra a listagem por represen-
tação regional e municípios de abrangência.
Nesse processo de mobilidade social e territorial, a mudança de ambiente gera novas situações,
entre as quais a de indígena “citadino” ou “urbano”. Essa presença no cotidiano urbano faz com que
o indígena deixe de ser atendido como tal e passe a ser visto como “não indígena” e ficando alijado
das garantias institucionais e de seus direitos.
A classificação oficial distintiva no que diz respeito ao local onde os grupos e/ou os indivíduos
habitam viola frontalmente as disposições legais constitucionais e de direitos humanos como o direito
à liberdade de ir e vir, bem como o de autodeterminação dos povos, presentes na CF 88 e na Con-
venção 169 da OIT, respectivamente, uma vez que ser indígena independe do local geográfico que o
mesmo esteja ocupando temporariamente, o que conta é a sua identidade e o povo.
Os índios não contactados como é o caso dos Zo’é, no oeste do Estado, representam uma parcela
importante da população indígena, pois necessitam de proteção especial por parte dos estados, em
virtude de sua fragilidade física e cultural.
Esses povos sempre existiram e, em outros tempos, não se permitiram autoidentificar como
indígena/povo e somente agora, com a abertura política, segurança jurídica, respeito à diversidade,
esses grupos se apresentam com suas danças, crenças, músicas, bebidas, comidas originárias e exigem
a atenção aos seus direitos, como o caso dos 13 povos do Oeste do Pará11.
11
A região Oeste do Pará ou Baixo Amazonas, em especial a região de confluência do Rio Amazonas e Tapajós, onde se situa a cidade de Santarém, foi estrategicamente utilizada como en-
treposto e controle, tanto pelos indígenas como pelos colonizadores. Da confluência do Tapajós e Amazonas, se pode ir até aos Andes ou ao Planalto central. Nessa região, se organizaram
12(doze) missões religiosas, locais de aprisionamento para onde foram conduzidos os indígenas “resgatados” nos “descimentos” vindos dos rios Solimões, Madeira, Negro, alto tapajós entre
outros. As missões foram o espaço de convivência interétnica e de miscigenação indígena. Com a expulsão dos religiosos Jesuítas e a desestruturação das missões, pelo Diretório de Pombal
e o resgate e a entrega das terras das missões para as juntas paroquiais (atuais municípios). As unidades familiares constituídas tiveram dois caminhos, ou vieram morar nas vilas e servi de
mão-de-obra para os colonos, ou foram viver nos morros (platô), onde fizeram suas colônias ou sítios como são conhecidos atualmente, Outros se embrenharam na mata e foram viver den-
tro da floresta. Essa população desestruturada socialmente, alijada do povo, e tiradas do seu território, viveram se escondendo do Estado, particularmente, depois da Cabanagem. Esse povo
foi registrado na literatura como Tapuia, ou seja, outro povo, quem não era Tupinambá, era Tapuia. Povo de origem desconhecida, contudo, Povo originário, indígena herdeiro da sabedoria
ancestral dos povos antigos. A Cabanagem é o colapso da identidade indígena, já que é sobre os indígenas de origem Tapuia que vai recair toda a repressão do Estado e estes povos caem
de vez no anonimato e se tornam para todos os efeitos “caboclos”. Contudo, jamais deixaram de realizar suas praticas culturais e até hoje seguem fazendo dos derivados da mandioca a dieta
alimentar, do Tauari sua espiritualidade e elevação ao sagrado, do puxirum sua coesão social e da putahua sua forma de estreitar relações sociais. Enfim são indígenas.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 39
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
As populações indígenas estão atualmente seguindo a tendência de outros grupos sociais e for-
mando organizações indígenas do tipo ocidental. O Estado conta com um número significativo de
organizações políticas, como associações e conselhos que representam os povos. A grande maioria é
de representação de um povo ou aldeia, como podemos observar no quadro abaixo:
AGITASE – Associação do Grupo Indígena Tembé da Aldeia Sede; ADATTARG – Conselho das
Aldeias Tembé do Triangulo do Alto Rio Guamá; AGITARGMA – Associação do Grupo Indígena Tembé
do Alto Rio Guamá; APIM - (KETAKRONOMACHO) Associação dos Povos Indígenas do Mapuera;
APITIKATXI – Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Kaxuyana E Txik’yana; APITU – Associação
dos Povos Indígenas do Tumucumaque; AIPAT – Associação dos Indígenas Asurini do Tocantins; AIPAS
- Associação Indígena do Povo Surui Aikewara da Aldeia Sororó; HITOTI – Associação das Mulheres
Indígenas Parkatêjê; CITA – Conselho Indígena Tapajós e Arapium; METINDJA – Associação do Povo
Kayapó de Redenção; PUSSURU – Associação Indígena do Povo Munduruku; ABEMOKÁ – Associa-
ção Indígena do Kayapó; AIJAKG – Associação Indígena Jaepya Aradu Kariwassu Guarany; APIKUX –
Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu Km 17; ACOJUPA – Associação da Comunidade Juruna
do Paquiçamba; AMJIP – Associação Indígena Parkatêjê Amjip Tar Kaxuwa; AIMA – Associação dos
Índios Moradores De Altamira; AIPC – Associação Indígena do Povo Kuruaya; INSTITUTO – União
Indígena Kayapó Xiprôtikre; TUTO POMBO – Associação Indígena Tuto Pombo; AIPAC – Associa-
ção Indígena do Povo Anambé do Cairari; AIPAC – Associação Indígena do Povo Anambé do Cairari;
ATESAMPA – Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará; APITEMBÉ – Associação do Povo
Indígena Tembé da Aldeia Tekohaw; ASSOCIAÇÃO INDÍGENA – Te Mempapytarkate Akratikatêjê da
Montanha; FORUM DOS POVOS INDÍGENAS DO ESTADO DO PARÁ
É importante observar que apesar de o Estado reconhecer a organização social dos Povos Indí-
genas, as mesmas não são reconhecidas juridicamente como tais, ou seja, para que sejam consideradas
como representantes legais e se registrem nos cartórios, precisam adotar a mesma estrutura sindical.
Em outras palavras, os estatutos, atas, assembleias indígenas são todas no estilo ocidental.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 41
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
c) Situação Territorial
Aos povos indígenas “são reconhecidos sua organização social, costumes, línguas, crenças e tra-
dições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. (CF. Art. 231). Sendo permitido o usufru-
to exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Os Direitos sobre as terras in-
dígenas são: inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis, de acordo ao que afirma
a Constituição Federal, Capítulo VII – “DOS ÍNDIOS” – Art. 231 e 232, “São terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as
necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
O Estado do Pará ocupa o segundo lugar como o estado da federação brasileira que mais con-
centra terras indígenas em seu território. De acordo com os dados da Fundação Nacional do Índio12
a situação fundiária das terras indígenas no Estado do Pará, aponta a seguinte realidade: 77 (setenta
e sete) terras oficialmente registradas. É importante ressaltar que a ausência de reconhecimento de
determinadas áreas indígenas ou ainda, a morosidade nos processos de identificação, demarcação
e homologação destas terras, torna as mesmas vulneráveis as ameaças de fazendeiros, invasores, de
grandes empreendimentos e interesses políticos. Uma vez que os territórios indígenas se encontram
em áreas de importante relevância biológica e recursos hídricos, faunísticos, florísticos e minerais,
cujo valor econômico tem gerado assédio, conflitos fundiários e violações aos direitos socioculturais
garantidos por lei.
Por outro lado, a exploração da riqueza existente nas Terras Indígenas não tem se revertido em
benefícios para esta população, ou seja, com a ausência de serviços públicos, chegamos a encontrar
situação de extrema pobreza, sem falar no aumento da violência e morte de lideranças que lutam por
seus direitos, como é o atentado sofrido pelo Cacique Odair Borari do CITA do Município de Santa-
rém.
As terras indígenas em área de fronteiras, também é uma situação preocupante, particularmente
com a construção das unidades de vigilância próximas as aldeias, exemplo disso é a base do exercito
nas proximidades da Missão Tiryó. Essas unidades devem se localizar distantes das aldeias indígenas,
inclusive coibir o envolvimento de militares com as mulheres indígenas.
12
Fonte: Diretoria de Assuntos Fundiários- Fundação Nacional do Índio- FUNAI/2007.
42 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
d) Situação Linguística
A realidade linguística vividas no país é extremamente diversa, o que se conhece é de que temos en-
torno de 180 idiomas indígenas, 41 famílias, dois troncos linguísticos e 10 línguas isoladas. Essa riqueza
sociolinguística e vista também no Estado do Pará, com 57 Povos indígenas, falantes de 27(vinte e sete)
línguas maternas, distribuídos nos seguintes troncos linguísticas: Karib, Jê e Tupi Guarani. Com raras ex-
ceções todos se comunicam também na língua portuguesa. A seguir podemos identificar os troncos e os
idiomas de cada povo.
O idioma é o diacrítico de fundamental diferença entre os povos. Portanto, é responsabilidade do
Estado organizar um estudo aprofundado sobre as línguas indígenas, juntamente com as instituições
científicas como o Museu Paraense Emílio Goeldi e apoiar em definitivo os indígenas na manutenção
desse patrimônio imaterial que servirá para essas e as futuras gerações.
Os povos indígenas do Pará são de origem milenar e sabedoria ancestral, detêm vasto e rico
patrimônio sociobiodiverso, os quais podem ser vistos nas línguas, cantos, danças, estórias, comidas,
bebidas, rituais, educação indígena, saberes, técnicas, esporte, lazer, inovações e as ciências de manejo
do universo material e espiritual de cada povo. Essa forma distinta de ser, é vista no cotidiano dos 57
(cinquenta e sete) povos existente no nosso estado. Esses saberes e ciências foram ensinados de forma
oral de geração a geração pelos filhos dos netos dos antepassados indígenas.
Passados quatro séculos de colonização e desocupação dessas terras pelos povos originários, os
estudos arqueológicos na região da Pedra do Ererê, em Monte Alegre, Taperinha, Vera Paz e Parahua,
em Santarém, comprovam a ocupação humana milenar deste estado e nos situa na categoria de “berço
da humanidade amazônica”, pois temos a maior concentração de sítios arqueológicos do país, um total
de 111(cento e onze) já catalogados em todo o território paraense.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 43
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Essa matriz de formação cultural é também étnica, as quais conectam os povos indígenas a natu-
reza e ao território nos milhares de invernos e verões em que se produziram: os sambaquis do Marajó,
as cerâmicas de Santarém, a domesticação da mandioca, a produção de alimentos, o uso racional do
fogo; a linguagem nas figuras rupestres desenhadas nas pedras nos diversos sítios arqueológicos a céu
aberto nas terras pretas de índio; a ciência de pintar cuias em Santarém; os trançados em palha do Ara-
pium e Lago Grande do Curuai; o manejo da seringa, da balata e a sabedoria do manejo do universo
espiritual com o uso do Tauari, empregado para descobrir e curar as doenças do espírito e do corpo.
Com uma história de contato comum os 57 povos indígenas paraenses possuem realidades dis-
tintas com relação ao seu patrimônio cultural o qual se vê ameaçado pela exploração comercial da bio-
diversidade, conflitos fundiários, utilização irracional dos recursos naturais, localização das terras indí-
genas junto às cidades, inserção de novos hábitos e valores diferentes nas comunidades indígenas, e a
falta de alternativas econômicas contribuem para o desequilíbrio cultural de vários povos no Estado.
Apesar da clareza da lei em conferir aos povos indígenas a titularidade sobre o seu patrimônio
cultural e a utilização por terceiros de seus bens culturais – imateriais ou materiais – mediante con-
sentimento prévio fundamentado e repartição justa e equitativa dos benefícios, os povos indígenas do
Pará vem sofrendo violações constantes em seu patrimônio cultural. As violações se dão principal-
mente através do ingresso de terceiros em suas terras sem autorização, a captura de imagens e som
feitos sem autorização prévia, a utilização dos grafismos, pinturas corporais e outros elementos de
forma desordenada para fins econômicos, sem que os donos dessas artes participem dos benefícios.
Estas agressões ferem na maioria dos casos, crenças e costumes indígenas.
Reconhecendo a importância dos valores, práticas e inovações indígenas, o marco legal da política
nacional e internacional busca proteger os conhecimentos coletivos indígenas, dessa forma obede-
cendo ao mandamus constitucional inseridos no artigo 231 da CF 88, o Brasil é hoje parte signatária
de tratados internacionais que exigem a proteção do patrimônio cultural/ambiental, entre os quais: a
Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção sobre Diversidade Cultural, o Convênio 169 da
OIT e a Declaração dos Povos Indígenas das Nações Unidas, dando ênfase ao registro para salvaguar-
dar os direitos, entre os quais o autoral.
Contudo, essa discussão sobre o que se deve ou não registrar é um debate que deve se dar direta-
mente com a participação dos principais interessados, os povos indígenas, pois as ciências e os conhe-
cimentos utilizados por essas gerações vieram sendo construídos e aprimorados pelas gerações passa-
das. Cada um colocando a sua contribuição, portanto são bens de produção coletiva, sem uma autoria
individual. Nesse sentido, quando a lei salvaguarda o direito ao registro, com forma de proteção de
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 45
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
um direito, com vista especialmente a repartição de benefícios ela está buscando principalmente dar
créditos sobre a autoria do bem cultural, ou da informação sobre o uso da biodiversidade, ou seja, ela
busca “o dono”. No caso dos povos indígenas esse dono não é um individuo e sim uma coletividade
que pode ser um Povo ou mais de um Povo. Outra questão que deve ser discutida é o caráter de “do-
mínio público”, passados os anos de exclusividade do conhecimento, o bem cultural registrado passa
a fazer parte dos bens da humanidade em que qualquer indivíduo pode lançar mão. Esse fetiche da lei
tem que ser entendida, discutida e se os povos quiseram lançar mão desses mecanismos de proteção
para os seus conhecimentos que tenham claro as implicações presentes e futuras.
Apesar de contarmos com a presença de 57 povos indígenas, o Estado do Pará ainda não ocupa po-
sição de destaque no que diz respeito à proteção e valorização do patrimônio cultural dos povos indígenas.
Os povos indígenas, ao longo do seu devir histórico, aprenderam a viver tendo a natureza como
sua principal aliada, em um processo que se denominou de “Sustentabilidade Humana”, a partir do
conceito de sustentabilidade, entendido como o conjunto de práticas sociais, políticas, culturais, eco-
nômicas e territoriais.
Os povos indígenas participam da economia há muitos séculos. Antes da chegada dos coloni-
zadores ocorriam os intercâmbios interétnicos em que se trocaram produtos da cultura material e os
saberes dos manejos da biodiversidade. Um exemplo desses intercâmbios é a difusão do uso da man-
dioca e seus derivados para todo o território da Amazônia Legal. Outro exemplo desse tipo de trocas
é o veneno das flechas conhecido como Curare, registrado na cultura Tupaiu, que pode ser vista tam-
bém sendo usado pelos indígenas Shuar do Equador. Com a chegada do colonizador e a destruição
das populações e povos diminuiu o comercio intertribal e os indígenas passaram a produzir manter o
projeto colonial.
Quando as Terras Indígenas não tinham limites, os povos se autossustentavam e a segurança ali-
mentar estava garantida na rede de reciprocidade. As roças, orgulho de alguns povos, atualmente têm
perdido em diversidade. Os quintais, ricos e diversos, abrigavam uma variedade de frutas, deixaram de
existir nas aldeias. Os canteiros de hortaliças desapareceram, a chegada dos incentivos do Governo e
a entrada dos projetos com fim social, prejudicaram o uso ancestral da produção coletiva e a segurança
alimentar foi sendo comprometida.
46 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A introdução de manufaturados exige a geração de renda para obtê-los. Dessa forma, nas terras
indígenas, onde não se tem mais a riqueza ambiental, os indígenas procuram alternativas a partir da-
quilo que eles produzem como os bens da sua cultura material, o artesanato em palha, fibra, semente,
barro, plumária. Esses são os mais utilizados para a geração de renda. Alguns grupos incentivados por
projetos econômicos de ONGs e até mesmo do estado iniciam a produção de Mel como é o caso dos
Surui, Munduruku, Tembé, outros licores e bombons de frutas tropicais com os Borari, a confecção
de adornos diversos, com penas e sementes pelos Waiwai.
Dentro desse processo de sustentabilidade humana e territorial, um ponto crucial é a eficácia nos
processos fiscalizatórios para vigilância e proteção dos territórios indígenas, já que a dificuldade em
realizá-los dar-se-á por muitos motivos, dentre os quais estão: a precariedade de recursos humanos
e materiais da FUNAI, a extensão territorial de algumas terras e equipes de fiscalização compostas
apenas pelos indígenas sem condições de coibir a invasão de terceiros. É necessário implantar equipa-
mentos de fiscalização e monitoramento via satélite e treinar os indígenas para sua utilização.
Em 2007, o Governo do Estado convocou através de Decreto a I Conferência Estadual dos Po-
vos Indígenas do Pará, com o objetivo de construir a Política Estadual para os Povos Indígenas com a
proposição de ações, entre as quais, a criação do Conselho e do Fundo Estadual dos Povos Indígenas.
Para tanto foi constituída uma Comissão Organizadora formada por representantes de órgãos de go-
verno e dos povos indígenas.
A I Conferência contou com a realização de 07 (sete) Encontros Indígenas Regionais, em que se
discutiram temas como Organização Social, Educação, Saúde, Gestão Territorial e Ambiental, Segu-
rança Alimentar, Produção e Proteção do Patrimônio Cultural e onde foram eleitos os delegados para
a Conferência Estadual. Na etapa estadual, na cidade de Belém, estiveram presentes 385 participantes,
sendo 258 delegados, dos quais 170 indígenas, 09 delegados de prefeituras, 59 delegados de órgãos do
Governo Estadual, 20 delegados de órgãos do Governo Federal e 126 convidados. Esforço coletivo
de autoridades do Governo e líderes dos povos indígenas, em que se pactuou entre outras questões o
pagamento da dívida histórica do Estado para com estes Povos.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 47
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A I Conferência Estadual dos Povos Indígenas do Pará, com o tema, “a diversidade que faz a dife-
rença”, realizada nos dias 07, 08 e 09 de Agosto de 2008, no Parque dos Igarapés, em Belém, marca o
encerramento do processo de mobilização dos povos indígenas do Pará e dos poderes públicos fede-
ral, estadual e municipal com a aprovação das Diretrizes da Política Estadual para os Povos Indígenas
deste estado, com as quais se inicia etapa de concretização e consolidação das mesmas em Lei, a partir
da criação do Grupo de Trabalho interinstitucional e intergovernamental para elaborar o Projeto de
Lei que instituiria a política indigenista do estado.
Portanto, a I Conferência Estadual aprovou as bases políticas para a efetivação dos instrumentos
de Políticas Indigenistas, tais como: Conferência, Conselho, Fundo, Plano e a Secretaria dos Povos
Indígenas, como órgão executor com maior autonomia programática e financeira, ou seja, se torna,
portanto, a contribuição fundamental deste governo para com estas populações que passam a ter pre-
sença como atores políticos, capazes de defender seus direitos e escrever per se sua história.
A realização da Conferência se deu de forma democrática e participativa através do diálogo
franco e aberto entre o Governo e os representantes e líderes indígenas, iniciando pelos encontros
regionais nas aldeias. Este diálogo se deu nos meses de maio a julho de 2008, em que se percorreram
as 07 regiões do estado definidas pelo movimento indígena como área de integração e se realizaram 10
encontros, assim organizados: Regional Santarém, Aldeia Borari de Alter do Chão; Regional Oriximi-
ná/Tumucumaque, aldeia central Mapuera, Aldeia Tiryó em Macapá; Regional Altamira, aldeia Juruna
do Km 17; Regional Marabá/Tucuruí, aldeia Kyikatêjê; Regional Redenção, cidade de Ourilândia do
Norte; Regional Belém, aldeia Sede do Povo Tembé; e Regional Itaituba, aldeia Sai-Cinza.
Nesses encontros, através de uma abordagem participativa, oportunizou-se a discussão dos pro-
blemas que afetaram de forma distinta cada povo e aldeias, assim como se discutiu problemas com
abrangência estadual, como aqueles que originaram a propositura das Diretrizes gerais da Política
Estadual para os povos indígenas e o fortalecimento do movimento indígena do Pará.
Os encontros nas regiões ampliaram o nível de participação, ou seja, fizeram com que um núme-
ro maior de indígenas pudesse participar, pois, quando os eventos são realizados na capital, por ques-
tões financeiras, a participação se limita às principais lideranças, o que não acontece quando o evento é
na sede do município ou mesmo nas aldeias, em que o número de participantes é expressivo e se pode
contar com a presença de homens, mulheres, jovens, idosos, pajés, parteiras, caciques, capitães, lide-
ranças, agentes indígenas de saúde, professores indígenas, membros de associações indígenas, chefes
de postos da Fundação Nacional do Índio e membros das equipes da Fundação Nacional de Saúde.
48 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
13
Representantes dos Povos Indígenas: Akratikatêjê, Amanayé, Anambé, Apalai, Arapium, Araweté, Asurini do Koatinemo, Atikum, Arara, Borari, Cara Preta, Kumaruara,
Farur’woto, Gavião, Guajajara, Guarani, Hixkaryana, Juruna, Katwena, Kaxuyana, Kayapó, Kayapó Kararaô, Kyikatêjê, Kuruaya, Maytapu, Mawayana, Munduruku, Par-
katêjê, Parakanã do Xingu, Surui Aikewara, Txaruma,Tapuia, Tembé, Txik’yana, Timbira, Tiriyó, Tunayana, Tupinambá, Waiwai, Wapyxana, Wayana, Wayãpy, Xowyana,
Xerew, Xikrin do Djudjekó e Kateté e Xipaya; 20 delegados do Governo Federal: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diver-
sidade - SECAD, Ministério Público Federal, Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio de Brasília e Pará, UBM; 59 delegados do Governo Estadual: Casa Civil,
Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos - SEJUDH, Secretaria de Estado de Saúde – SESPA, Escola Técnica do SUS - ETSUS, Secretaria de Estado de Agricultura
- SAGRI, Secretaria de Estado de Educação - SEDUC, Secretaria de Estado de Meio Ambiente - SEMA, Secretaria do Estado de Cultura - SECULT, Secretaria de Estado
de Assistência e Desenvolvimento Social - SEDES, Secretaria de Estado de Pesca e Aquicultura - SEPAQ, Universidade Estadual do Pará - UEPA, Companhia Paraense de
Turismo - PARATUR, Central de Abastecimento do Pará - CEASA, Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves - FCPTN, Fundação Curro Velho - FCV, Instituto de Artes do
Pará - IAP, Escola de Governo - EGPA, Companhia de Saneamento do Pará – COSANPA, Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará - IDEFLOR, Conselho Estadual
de Educação, Polícia Civil – Relação Sociedade e Delegacia do Meio Ambiente; 9 delegados do Governo Municipal: prefeituras Municipais de Breves, Belém, Colares,
Itaituba, Jacareacanga, Marabá, Ourilândia do Norte, Paragominas, Redenção e Santarém. Foi registrada a participação de 126 convidados, representando organizações
da sociedade civil: Conselho Condição Feminina, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas – SEPI/AP, União Evangélica
Sul Americana – UESA- Ananindeua, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB, Associação das Mulheres - Ananindeua, União de
Negros Pela Igualdade - UNEGRO - Belém, Universidade Federal do Pará – UFPA – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA, Missão de Observadores Militares -
MOMEP, Cooperação Técnica Alemã - GTZ, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA, AMIBEV, Cia Tribos Ballet Teatro, Movimento Peconheira do
Acará, ASBEMA, Associação dos Amigos da Ilha de Colares - AAICO, BPA, Associação Poré Kayapó, Museu Emílio Goeldi, SBT, GCI, Instituto Vitória Régia e Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB/PA.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 49
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Ações realizadas
z No período de 16 a 21 de abril de 2007 foi realizada a Semana dos Povos Indígenas, com o tema
“Nós Indígenas” (em parceria com o Governo Federal). Encontro possibilitou que os povos indí-
genas tiveram a oportunidade de se conhecer e o Governo de dialogar com cada uma das etnias
presentes no Parque dos Igarapés, sede do evento;
z Após a Semana dos Povos Indígenas foi construída e apresentada ao Governo do Estado do Pará, a
“Carta dos Povos Indígenas” contendo 60 (sessenta) demandas nas diversas áreas – território, saúde,
educação, proteção do patrimônio cultural;
z Constituição do Fórum dos Povos Indígenas do Estado do Pará;
z Formação do Comitê Intersetorial de Políticas Públicas Indigenista do Estado do Pará;
z Criação da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos – SEJUDH em 2007;
z Realização da I Conferência Estadual dos Povos Indígenas;
z Criação da Coordenadoria de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas – CPPITA – Objetivos:
coordenar, formular e executar as políticas públicas de proteção e reparação dos direitos humanos
dos grupos socialmente vulneráveis, como os povos indígenas e as populações tradicionais. Através
de programas, entre outros o Plano Pará Indígena;
50 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
z No Plano Pará Indígena estão traçadas as seguintes ações: a) Construir a Política Estadual dos Povos
Indígenas; b) Realizar a Conferencia Estadual dos Povos Indígenas; c) Elaborar o Plano Estadual de
sustentabilidade humana e territorial dos Povos Indígenas; d) Constituir o Conselho Estadual dos
Povos Indígenas; e) Constituir o Fundo Indigenista Estadual dos Povos Indígenas;
z Fundo Estadual dos Povos Indígenas - Elaboração da Minuta do Projeto de Lei;
z Termo de Cooperação Técnica – Celebrado em abril de 2009 entre o Governo do Estado do Pará e a
Fundação Nacional do Índio – objetivo de estabelecer cooperação técnica, visando à implementação
de ações no âmbito de educação, saúde, meio ambiente, cultura e fomento ao etnodesenvolvimento
previsto no âmbito do Programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas 2008-2011, nas áreas
de: articulação de políticas de proteção e promoção dos Povos Indígenas; fomento e valorização dos
Processos Educativos dos Povos Indígenas; Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas;
Gestão e Disseminação das informações acerca da Temática Indígena; Preservação do Conhecimen-
to dos Povos Indígenas; Promoção do Etnodesenvolvimento; Promoção do Patrimônio Cultural
dos Povos Indígenas e Proteção Social dos Povos Indígenas.
l Memorando de Entendimento – Celebrado em novembro de 2009, entre a República Bolivariana
da Venezuela e o Estado do Pará, para o intercâmbio de saberes e conhecimentos da cultura da
mandioca entre os Povos Indígenas. Objetivando estabelecer a cooperação entre o Ministério do
Poder Popular para os Povos Indígenas e o Estado do Pará sobre a troca de saberes e conhecimen-
tos no processamento da mandioca e seus derivados. A partir das seguintes ações: realizar a rota da
mandioca; trocar conhecimentos e experiência sobre a plantação e processamento da mandioca;
promover o intercambio dos conhecimentos ancestrais dos alimentos e derivados do processamento
da mandioca.
É possível afirmar que os povos indígenas deste estado foram abandonados a sua própria sorte.
O que existe de assistência é o mínimo que a FUNAI pode oferecer na área previdenciária e produtiva.
A saúde, que poderia ser o ponto forte, já que existe o subsistema de saúde indígena, está fortemente
prejudicada pela assistência terceirizada (ONGs sem capacidade técnica instalada) que não garante os
direitos indígenas à saúde diferenciada e de qualidade.
No geral, a presença do poder público é inexistente nas aldeias. Não foi possível presenciar, na
ocasião, nenhum órgão público cumprindo sua obrigação como determina a Constituição Federal.
Estamos preconizando uma crise de competências entre as esferas de governo, que leva à ineficiência
da ação estatal quanto à oferta de políticas públicas adequadas aos padrões culturais dos povos indí-
genas. O resultado disso é a violação dos direitos, a desestruturação sociocultural e a exclusão social
dessa população.
No caso especifico dos órgãos do Governo do Estado do Pará, em que pese terem assumido
compromissos estabelecidos na carta dos povos indígenas de 2007, a constatação é de que nenhuma
ação tem sido desenvolvida nas aldeias. A ausência do poder público, seja municipal, estadual ou fe-
deral, faz com que os problemas se agravem assustadoramente, em particular na área de proteção das
Terras Indígenas, que estão demarcadas, em sua maioria, e seguem sistematicamente sendo invadidas
por terceiros, entre os quais: madeireiros, garimpeiros e, atualmente, colonos sem terra.
O que vimos e ouvimos durante os encontros regionais, indica que é fundamental a organização
de uma força tarefa, envolvendo os órgãos das esferas federal, estadual e municipal para que de ma-
neira urgente se inicie um trabalho de atenção aos direitos dos povos indígenas. Essa atitude deveria
oferecer garantias de segurança, proteção e sustentabilidade a essa população, evitando, sobretudo,
entre outros problemas o êxodo dos jovens para as cidades e o envolvimento desses com o alcoolismo
e outros males, assim como o afastamento dos mesmos do convívio sadio de suas aldeias.
A situação exige que se empreendam medidas duradouras, a fim de que estes povos tenham as
condições sociais e econômicas para determinar sua reprodução física e cultural de acordo aos seus
processos societários. Dessa forma somente de maneira coordenada, poderemos garantir a sobrevi-
vência física e cultural destes povos, herdeiros das culturas ancestrais deste estado que guardam na sua
historia a memória dos primeiros habitantes desta Nação.
52 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
1.2.6 Conclusão
14
Engenheiro Florestal, Diretor de Áreas Protegidas da Secretaria de Estado de Meio Ambiente-PA, e-mail: crisomar.lobato@sema.pa.gov.br.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 55
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
distribuída em quatro grandes zonas, definidas a partir de dados atuais relativos ao grau de degradação
ou preservação da qualidade ambiental e à intensidade do uso e exploração de recursos naturais, sen-
do 65%, no mínimo, destinados a áreas especialmente protegidas, distribuídos em 28%, no mínimo,
para Terras Indígenas e Terras de Quilombos; 27%, no mínimo, para as unidades de conservação de
uso sustentável e 10%, no mínimo, para as unidades de conservação de proteção integral. Destinando
35%, no máximo, para consolidação e expansão de atividades produtivas, e áreas para recuperação.
A zona de consolidação é formada pelos povoados, vilas, cidades, rodovias, ferrovias, portos,
manejo florestal e de produtos florestais, agricultura, pecuária, mineração, etc. A zona de expansão
pode ser usada tanto para consolidação como para conservação. A zona de recuperação apresenta
diversos estágios de alteração do meio ambiente. Finalmente, a zona de conservação envolve as terras
indígenas, as terras de quilombos, as unidades de conservação da natureza e áreas das forças armadas.
Em função da necessidade de obter informações mais precisas para subsidiar as políticas públi-
cas, em particular sobre a questão da reserva legal, o Governo do Estado coordenou 02 (dois) Zone-
amentos Ecológico-Econômicos detalhados, ambos na escala de 1:250.000. O primeiro dispõe sobre
o Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Influência das Rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém)
e BR-230 (Transamazônica) no Estado do Pará - Zona Oeste (Lei nº 7.243, de 9 de janeiro de 2009 -
“ZEE - Zona Oeste”).
No ZEE - Zona Oeste, a “Zona de Conservação”, é composta pelas diversas categorias de áreas
protegidas, existentes ou propostas, de uso sustentável ou de proteção integral, terras indígenas, ter-
ritórios quilombolas e áreas militares, submetidas juridicamente a regime especial de proteção, assim
como aquelas que por apresentarem elevada fragilidade natural, baixa potencialidade socioeconômica
ou um alto valor ecológico, necessitando ser adequadamente protegidas. E, as florestas em áreas prote-
gidas poderão ser consideradas em iniciativas do Estado, visando captação de doações ou de créditos,
públicos ou privados, destinados à compensação pela redução de emissões de carbono por desmata-
mento e degradação florestal e demais serviços ambientais nos termos do regulamento desta Lei.
O segundo zoneamento foi instituído por meio da Lei nº 7.398, de 16 de abril de 2010, denomi-
nado “Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Leste e Calha Norte do Estado do Pará”. Deter-
mina que as áreas de usos especiais sejam legalmente protegidas, relativas às terras indígenas, de do-
mínio das forças armadas, territórios quilombolas e unidades de conservação existentes e propostas.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 57
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Cada categoria das áreas de usos especiais representa uma zona de gestão submetida juridicamen-
te a um regime especial de proteção. Com base nos dados, informações e diretrizes deste ZEE e em
cenários de planejamento da paisagem, o órgão ambiental poderá, mediante resolução do COEMA
estabelece critérios específicos para a regularização dos passivos florestais de imóveis rurais para cada
unidade de gestão territorial ou sub-bacia hidrográfica considerando entre outros, os elementos de
produtividade e capacidade de suporte do solo e contiguidade com unidades de conservação, terras
indígenas ou outras áreas protegidas.
Finalmente, pode-se afirmar que Zoneamento Ecológico-Econômico é um dos melhores instru-
mentos de política pública para organizar o espaço territorial, estabelecendo direitos e deveres, assim
como delimita espacialmente as atribuições sobre a questão fundiária. Ordena o território de acordo
com os conhecimentos técnicos científico das ciências ecológicas, sociais e econômicas com a partici-
pação dos poderes públicos e da sociedade civil organizada.
Então, o Estado do Pará está legalmente distribuído em 10,2% de sua área territorial como uni-
dades de conservação da natureza de proteção integral; 22,7% são unidades de conservação de uso
sustentável, onde destacamos que a Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó está inse-
rida neste percentual com 4,7% e que, devido suas particularidades, deve ser objeto de ordenamento
detalhado. As terras de Quilombos alcançam aproximadamente 0,5% e as terras das Forças Armadas
1,8% (existem dados que vão de 2,8% a 5,5%). Assentamentos de reforma agrária alcançam aproxi-
madamente 5,1%. Podemos inferir percentuais de 18% de terras privadas e 16,8% de terras devolutas
ou em disputas. Os dados sobre Terras Indígenas no Estado do Pará (2007) declaram 67 (sessenta e
sete) unidades, das quais 25 (vinte e cinco) encontram-se em estudos e 42 (quarenta e duas) Terras
Indígenas estão declaradas (05), regularizadas (30), delimitadas (03) e encaminhadas como RI (04),
alcançando 24,8% do espaço territorial paraense.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 59
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O Estado do Acre conta com alta diversidade biológica e étnica (SOUZA et. al 2003; CUNHA,
2003). No território acriano vivem pouco mais de 15 mil indígenas (ACRE EM NÚMERO, 2009)
pertencentes a 15 povos e falantes de idiomas de três famílias linguísticas. 1) Família Pano: Jaminawá,
Jaminawa-Arara, Katukina, Kaxinawa, Poyanawa, Yawanawá, Nawa, Shawãdawa, Nukini, Shanenawa,
Apolima-Arara e Kuntanawa; 2) Família Aruák: Ashaninka/Kampa e Manchineri; 3) Família Arawá:
Madija/Kukina. (CUNHA, 2009).
São 37 Terras Indígenas reconhecidas pelo Governo Federal, das quais 28 são regularizadas com
extensão agregada de 2.390.112 hectares, distribuídos em 11 municípios, correspondendo a 14,6% da
extensão do Acre (ZEE/AC, 2006). Outros povos indígenas considerados “isolados” habitam e têm
uso garantido em três TIs, localizadas principalmente nas fronteiras internacionais com o Peru.
Junto com as unidades de conservação de uso direto e de proteção integral de jurisdição federal e
estadual, as Terras Indígenas integram o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas (SEANP), criado
em 2001, através da Lei n° 1.426, e que se constitui em um mosaico contínuo de 7,4 milhões de hectares,
distribuído sobre 45,7% da superfície total do Acre (ZEE/AC, 2006).
Desde 1999, o Governo Estadual tem procurado incorporar as demandas dos povos indígenas ao
planejamento e execução de programas que conciliem o desenvolvimento sustentável do estado com
a melhoria das condições de vida nas TIs, resguardando a diversidade cultural dos povos que nelas
vivem.
Os estudos do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE I Fase) resultaram em indicativos e
prioridades do Governo Estadual para com os povos indígenas, dentre elas é válido destacar: a ne-
cessidade de propiciar o mapeamento e a construção participativa do ordenamento sustentável de
seus territórios, centrado na formação de atores indígenas e no apoio às demandas dessas populações
(SOUZA et. al., 2009, não paginado).
15
Historiadora, Chefe da Divisão de Etnozoneamento-SEMA/AC,e-mail: marta.azevedo@ac.gov.br
16
Engenheiro Florestal, Técnico da Divisão de Etnozoneamento-SEMA/AC. Email: Roberto.tavares@ac.gov.br
62 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Com isso, desde o ano de 2004 até o presente, o Governo Estadual tem promovido ações de “et-
nozoneamento” em oito Terras Indígenas impactadas pela pavimentação das BRs 364 e 317, a saber:
(i) Mamoadate, (ii) Kaxinawá do Igarapé do Caucho, (iii) Katukina/Kaxinawá, (iv) Rio Gregório, (v)
Cabeceira do Rio Acre (vi), Kaxinawá da Colônia 27 (vii), Katukina/Campinas e (viii) Jaminawa do
Rio Caeté, iniciativa que contou com ativa participação das organizações indígenas, lideranças e dos
chefes de família.
O etnozoneamento é um instrumento de diagnóstico e planejamento dos povos indígenas para
a gestão dos seus territórios, elaborado de forma participativa com o intuito de contribuir para a
autonomia indígena (LITLLE, 2006). Esse instrumento procura respeitar a diversidade cultural e as
especificidades de cada povo, desde a coleta e sistematização de informações, consideradas relevantes
pelos próprios indígenas para o processo de gestão dos seus territórios.
Na fase I do Etnozoneamento, realizada no período de 2004 a 2007, dentre os principais produ-
tos, foram elaborados, de cada terra trabalhada, mapas temáticos, relatórios sínteses e indicativos do
plano de gestão.
Todas as TIs elaboraram oito mapas temáticos: recursos hídricos, ocupação humana, histórico,
caça, pesca, vegetação, extrativismo e ameaças, demonstrando a situação dos recursos naturais exis-
tentes nas terras e em seu entorno. Os mapas foram gerados a partir de informações coletadas pelos
indígenas sobre as bases cartográficas e imagens de satélites durante as oficinas de etnozoneamento.
Para a coleta das informações e geração desses mapas, foram realizadas oficinas específicas nas comu-
nidades, segundo roteiro metodológico proposto, que prevê desde a fase preparatória à sistematização final
dos produtos. Inicialmente são realizadas pesquisas bibliográficas e estudos sobre cada etnia a ser trabalha-
da, além da confecção das bases cartográfica em escalas de 1:50.000 e 1:80.000, dependendo da extensão do
território indígena e cartas imagens de satélites. Com esses materiais, são realizadas oficinas nas aldeias. A
primeira tem sempre o objetivo de disponibilizar informações, debater a importância do etnozoneamento
e obter a anuência prévia das comunidades para realização dos etnozoneamentos. Em uma segunda oficina
são realizada coleta de informações e elaborados os mapas.
O primeiro mapa a ser elaborado é o de recursos hídricos, por conter informações que servem
de referenciais geográficos para os povos e TIs. A partir desse mapa são elaborados os demais: caça,
pesca, extrativismo, ocupação histórica, vegetação, ocupação humana e ameaça ou vulnerabilidade da
terra indígena. (CORREIA et. al., 2006, em fase de elaboração)17.
17
Etnozoneamento das Terras Indígenas Katukina/Kaxinawá, Rio Gregório, Igarapé do Caucho, Katukina/Kaxinawá, Rio Gregório, Igarapé do Caucho, Kaxinawá da Colô-
nia 27 e Jaminawa do Rio Caeté. De autoria de CORREIA, C. S.; PIMENTA, José; MACIEL Ney; AQUINO, Terri; PEREIRA, Valéria, a ser editado pela SEMA/AC, 2006.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 63
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Lideranças Indígenas elaborando mapa do Etnozonea- Entrega do Plano de Gestão da TI Igarapé do Caucho ao
mento da TI Governo do Acre
Fonte: Divisão de Etnozoneamento da SEMA/AC, 2006-07 e 2009.
64 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Com o final da primeira oficina e a coleta de informações são elaboradas as versões prelimina-
res dos mapas e relatórios, com digitalização das informações levantadas pelos indígenas nos mapas
temáticos. Concluída essa fase de escritório, é organizada uma segunda oficina nas aldeias como ativi-
dade complementar e corretiva, para sanar quaisquer equívocos na digitalização e sistematização das
informações.
É nessa ocasião que são realizadas as primeiras discussões sobre os Planos de Gestão Territorial
e Ambiental das terras com debates conceituais e construção participativa dos indicativos do Plano.
Vale ressaltar que as atividades são permeadas de apresentações e debates entre as comunidades que
possibilitam o aprofundamento das questões relacionadas à gestão territorial.
Na segunda fase, ocorre o Etnozoneamento, que consiste em um aprofundamento dessas discus-
sões de gestão territorial e ambiental, tendo como objetivo a elaboração do Plano de Gestão Territo-
rial e Ambiental, a partir dos produtos da primeira fase.
No contexto do Acre, no ano de 2008, foram devolvidos as 8 (oito) terras indígenas aos produ-
tos da I Fase do Etnozoneamento, quando cada aldeia recebeu um kit, contendo os mapas temáticos
impressos em formato banner, relatórios e sínteses e CDs com imagens e depoimentos das oficinas.
Essa etapa permitiu que as comunidades se apropriassem dessas ferramentas, tanto para mobilização
interna como para as articulações com parceiros.
Em 2008, com a devolução dos mapas do etnozoneamento das Terras Indígenas, Campina/Ka-
tukina, Katukina/Kaxinawa e Cabeceira do Rio Acre foram elaborados os Planos de Gestão dessas
terras por uma equipe interinstitucional, composta por representantes de várias secretarias de Estado.
Em 2009, com apoio de uma consultoria da GTZ, foram elaboradas diretrizes e um roteiro metodoló-
gico para construção de Plano de Gestão de Terras Indígena no Acre, em uma experiência particular
com ampla participação de representantes da Terra Indígena Igarapé do Caucho.
A metodologia tornou o processo mais participativo e autônomo possibilitando a inclusão de
atores locais (velhos, mulheres e outros) que antes estavam de fora das grandes reuniões nas Terras
Indígenas.
A nova estratégia conta com 03 (três) etapas para a conclusão do processo. Na primeira etapa,
são realizadas pequenas reuniões individuais por aldeias e com a organização de representação da
Terra Indígena para: debates e esclarecimentos sobre os conceitos de plano, Gestão de Territorial e de
meio ambiente; esclarecimento do processo de construção do plano e definição de agenda, das ativi-
dades; escolha dos monitores indígenas (orientadores e relatores para as atividades).
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 65
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Na segunda etapa, são realizadas reuniões internas das aldeias conforme calendário construído e
sem participação de terceiros (técnicos da SEMA ou consultores). Ocorre somente o apoio da própria
organização da Terra Indígena. O andamento dessas reuniões é acompanhado pela SEMA, por meio
de e-mail, telefone e visitas esporádicas na TI para esclarecimentos e motivação. A terceira etapa con-
siste na sistematização dos resultados das reuniões individuais das aldeias e realização de uma plenária
geral da Terra Indígena para debate das propostas construídas pelas aldeias, consolidando na pactua-
ção dos acordos e atividades dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental.
Os planos de gestão resultam em documentos de registro dos acordos coletivos sobre o uso e ex-
ploração econômica dos recursos naturais, do conjunto de demandas básicas de cidadania, visando o
planejamento e a normatização do uso do território, para alcançar os objetivos de sustentabilidade do
povo ou comunidade (MACIEL, 2010). Os Planos têm servido como instrumento para que as comu-
nidades indígenas organizem suas ações de manejo e de conservação de recursos naturais, de vigilância
e fiscalização dos limites e construção de diálogos com instituições de governo e outros atores sociais
do entorno. Como afirmam as lideranças indígenas:
O plano de gestão é um pensamento nosso para cuidar da nossa terra. E dos nossos recursos na-
turais. É uma forma de assegurar os nossos recursos naturais para não acabar e para cuidar do espaço
onde vivemos.
Também ele (Plano de Gestão) vai servir para planejarmos e encimarmos a fazer a criação e o ma-
nejo dos animais silvestres. Para isso acontecer, precisa da união de nós índio e dos governos federais,
estaduais e municipais e instituições não governamentais que trabalham com técnica e conhecimento
na produção de alimento, apoio financeiro e humano, porque acreditamos sempre se trabalha melhor
com mais parceria.18
Dentre os temas tratados nos Planos constam os recursos florestais/florísticos, caça, pesca, cria-
ção e manejo de animais domésticos, silvestres e piscicultura, roçados, sistemas agroflorestais, ex-
trativismo, inseridas em propósitos de conservação e geração de renda para sustentabilidade bem
como ações prioritárias nas áreas de saúde, educação, transporte, formação de recursos humanos e
de fortalecimento institucional das organizações de representação indígena, tendo diferentes ênfases
(MACIEL, 2010).
A partir dessas iniciativas, o Governo tem estruturado a política de gestão territorial e ambiental
para as TIs, baseada no fortalecimento da autonomia dessas populações. Vale salientar que a referida
política incorpora uma mudança de paradigma nas relações do Estado com os povos indígenas. Na
18
Reprodução da fala de Manoel Gomes Kaxinawa, liderança da T.I. Kaxinawa da Colônia 27.
66 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
elaboração e implementação dos projetos de gestão das comunidades, o Estado se constitui enquanto
parceiro. As ações nas Terras Indígenas passam pelo princípio da gestão territorial e ambiental, arti-
culadas entre si e trabalhadas em suas interfaces. Assim, quando são pensadas ações de educação, esta
atua em interface com a saúde, a formação de recursos humanos, a conservação e o uso sustentável
dos recursos, a fiscalização, a vigilância dos limites e o fortalecimento cultural das comunidades inse-
ridas em um projeto maior das comunidades, de gestão do seu território.
Toda esta política de gestão está envolvida numa dinâmica de formação e fortalecimento de ca-
pacidades para implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental, que compreende desde
a contínua formação dos Agentes Agroflorestais, principais animadores e mediadores do processo de
gestão territorial, à criação de cursos para lideranças indígenas e técnicos do quadro governamental
(gestão ambiental, territorial, antropologia, etc.), capacitações, seminários, intercâmbio com outras
experiências de gestão territorial ambiental e estruturação de um processo didático pedagógico para
formação das futuras gerações.
Atualmente as TIs, que passaram pelos processos de etnozoneamento e etnomapeamento, e que
já tem seus planos de gestão elaborados vêm recebendo apoio do Programa de Integrado de Desen-
volvimento Sustentável do Acre (ProAcre). Para tanto, as comunidades elaboram subprojetos dentro
das diretrizes do plano de gestão que são apoiadas pelo Governo do Estado do Acre. Essas Terras
Indígenas já apresentam diversos encaminhamentos para implementação dos seus planos.
Somadas às ações de “etnomapeamento19’’, promovidas pela ONG Comissão Pró-Índio do Acre
(CPI-Ac), nos anos de 2004 -2006 até o presente temos ações de etnozoneamento e etnomapeamento
desenvolvidas em 16 TIs. E a perspectiva futura é ampliar este número, chegando à totalidade das TIs
no Estado do Acre, com os processos de mapeamentos e planos de gestão elaborados.
Entretanto, tais experiências de gestão têm enfrentado obstáculos em relação à sua transfor-
mação em mecanismos efetivos de autogestão. Uma vez que para se tornarem efetivos precisam
ser internalizados pelas comunidades, suas estruturas de poder e demais atores externos às aldeias,
alicerçados em relações sólidas de articulação entre os atores protagonistas (Governo e povos indí-
genas), investindo para que os etnozoneamentos e planos de gestão venham a constituir não apenas
levantamentos, mas instrumentos efetivos de planejamento e definição de propostas de gestão dentro
das perspectivas indígenas.
19
Paralelamente as experiências desenvolvidas pelo Estado do Acre, foram realizadas pela Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC, 08 (oito) experiências de etnoma-
peamento, associadas à formação dos Agentes Agroflorestais Indígenas, nas Terras Indígenas situadas nas áreas de fronteira Brasil-Peru, com metodologias similares.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 67
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
REFERÊNCIAS
Por diferentes razões, a Amazônia tornou-se uma questão global, mesmo permanecendo periféri-
ca dentro dos próprios países que a compartilham. Governos, empresas, cientistas e pessoas demons-
tram com mais intensidade suas intenções para a região, para as comunidades e principalmente para os
recursos que ali estão (Aragon, 2009).
A Amazônia palco trágico de inúmeras intervenções geopolíticas integracionistas vislumbra hoje
novas características, norteadas principalmente pela evolução do entendimento individual e pela gran-
de pressão dos movimentos sociais, ambientais e científicos na busca por condições mais humanas e
conscientes de desenvolvimento.
Em nome dessas preocupações conciliadoras para o desenvolvimento, o que se projeta nos cená-
rios amazônicos é a discussão/criação de novas metodologias e alternativas que possibilitem a preser-
vação e a melhor utilização da floresta com o desenvolvimento econômico e social.
A criação de Áreas Protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) é uma das estraté-
gias mais efetivas e recomendadas para conservar a floresta amazônica. Cerca de 33% da Amazô-
nia Legal são Áreas Protegidas. Em sua maioria, essas áreas têm funcionado como uma barreira
contra o avanço do desmatamento. Entretanto, em Rondônia, as Áreas Protegidas estão ameaça-
das pelo desmatamento ilegal. Até 2004, o desmatamento havia atingido cerca de 6,3% do terri-
tório das Áreas Protegidas, enquanto a média para a Amazônia é de apenas 1,7%. (RIBEIRO et
al., 2004, não paginado).
Esses elementos são factíveis de constatação através de uma breve observação do mapa do Es-
tado do Pará. A figura 01 demonstra claramente as unidades de conservação e Terras Indígenas pra-
ticamente delineadas por áreas de desmatamento, representando com algumas exceções os únicos
fragmentos de floresta, fato que, exemplificando o agravado problema de pressão sobre esses espaços,
Alencar (2004) destaca que o grande desafio imposto pela Amazônia relaciona-se diretamente no
embate de práticas que repliquem na região os modelos de outras florestas tropicais, a “destruição
florestal e a pobreza social”. Os 80% das florestas que ainda cobrem a região, nos dão, segundo ele, a
oportunidade de promover o tão sonhado desenvolvimento sustentável.
Por isso, para combater o problema do desmatamento, é necessário ir além das manchetes catas-
tróficas. É preciso lidar com a complexidade dos processos de expansão da fronteira agrícola na Ama-
zônia e reconhecer que não basta somente um aprimoramento técnico-científico sobre o assunto para
solucionar o problema. É fundamental a definição de uma política coesa e, particularmente, articulada
com os governos e a sociedade civil dos Estados Amazônicos. O desmatamento deve ser, portanto,
combatido de uma forma inovadora. (ALENCAR, 2004, não paginado).
Nesse sentido, no caso de Rondônia, nosso estudo destaca a contribuição inovadora e de grande
relevância do povo indígena Surui, que representados pela sua organização (Metareilá), desenvolvem/
discutem e buscam alternativas de geração de renda e manutenção das floretas através do projeto de-
nominado “Carbono Surui”.
70 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Prancha 2 - Mapas sobre pressão antrópica e reflorestamento no entorno das aldeias indígenas.
Figura 3 - Desmatamento e
pressão antrópica no entorno e
na TI Sete de Setembro.
Fonte: GTA (2009).
Os Suruis se autodenominam paiter, que quer dizer “gente de verdade, nós mesmos”. Falam uma
língua do grupo Tupi e família Mondé (Cardozo, 2000) e são conhecidos como Surui de Rondônia,
com uma população de aproximadamente 1.350 pessoas. Habitam a Terra Indígena Sete de Setembro
que possui 247.880 hectares demarcados e homologados conforme o Decreto 88.867 de 18 de ou-
tubro de 1983, distribuídos nos seguintes municípios: Cacoal, Espigão d´Oeste (RO) e Rondolândia
(MT), ver localização dessas aldeias na figura 02 da prancha 01.
Estão organizados em 04 (quatro) clãs, Gameb (marimbondos pretos), Gamir (marimbondos
amarelos), Makor (taboca) e Kaban (mirindiba, uma fruta regional azeda). São patrilinear e praticam
a poligamia.
Os primeiros contatos com a FUNAI – Fundação Nacional do Índio – ocorreram no dia 7 de
Setembro de 1969. Com a demarcação em 1976, grande parte do território indígena ficou de fora,
incluindo a região onde existia a matéria prima de suas artes.
Logo após o contato, funcionários corruptos da FUNAI iniciaram a venda ilegal de madeira no
território indígena, envolvendo alguns líderes nesta atividade. Como os Paiter não entendiam a língua
portuguesa e desconheciam os códigos legais da sociedade brasileira, consideravam ser esta atividade
algo normal para os “brancos” (CARDOZO, 2000).
Com o passar dos anos, aprendendo a língua portuguesa e alguns códigos da sociedade brasileira,
alguns líderes compreenderam que esta atividade era ilegal e que estava destruindo o seu território.
A pressão antrópica nos limites da Terra Indígena Sete de Setembro é, assim como citado ante-
riormente, visível (ver figura 3 na prancha 2). Há um número considerável de madeireiras situadas a
poucos quilômetros dos limites. No interior da área são constantes os roubos de madeira e casos de
aliciamento de indígenas para venda de madeira.
A ação sistemática de roubo de madeira no interior da TI por grandes grupos madeireiros, que resultou
no desmatamento de cerca de 7 mil hectares nos últimos anos, ainda é um dos principais problemas
enfrentados pelo povo Paiter/ Surui ao longo dos últimos anos. De acordo com os indígenas, durante
o natal de 2007, saíam caminhões abarrotados de madeira de todos os pontos da terra indígena. (GTA,
2009, não paginado).
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 73
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Esses crimes ambientais ocorridos na terra indígena foram por diversas vezes denunciados no
Ministério Público e em outros órgãos competentes, fato que incide sobre as lideranças que tomam
tais providencias.
A impossibilidade de decisão nos direcionamentos de trato com a floresta (vezes impedidas pelo
aliciamento e ameaças dos madeireiros), os problemas ambientais visíveis e a relação nada amistosa
com os infratores locais despertou nas lideranças indígenas a necessidade de reverter essa situação e
apropriar-se com total autonomia das questões relacionadas a seu território.
A forte relação com o território, a busca por alternativas de desenvolvimento sustentável e a pro-
teção de seus recursos naturais incitaram a criação da Associação Metareilá do Povo Indígena Surui.
Voltada para a proteção dos direitos indígenas, a associação desenvolve trabalhos/projetos há mais de
20 anos no estado.
A associação que dentre tantas atividades e projetos realizados tem hoje suas principais forças/
ações voltadas para a contribuição da elaboração metodológica e implementação adequada do trato
como carbono e metodologias como as Emissões por Desmatamento e Degradação - REDD para
Terras Indígenas no Brasil, com enfoque pioneiro na TI Sete de Setembro.
A idéia básica por trás de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) é
simples: os países que estão dispostos e em condições de reduzir as emissões por desmatamento
deveriam ser recompensados financeiramente por fazê-lo. As abordagens anteriores para conter
o desmatamento global até agora não tiveram sucesso e o REDD oferece um novo marco refe-
rencial para permitir que os países com altos índices de desmatamento rompam esta tendência
histórica. (PARKER et al., 2008, não paginado).
74 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Esse mercado pode de acordo com o ISA, ser divido em dois tipos: o “oficial” e o “voluntário”,
diferenciados basicamente pelo tipo dos créditos do Carbono demandados. 1) empresas que têm a
obrigação legal de diminuir emissões 2) e outras que não tem essa obrigação, mas voluntariamente
assumiram essa meta.
Créditos de carbono ou Redução Certificada de Emissões (RCE) são certificados emitidos quando
ocorre a redução de emissão de gases do efeito estufa (GEE). Por convenção, uma tonelada de
dióxido de carbono (CO2) equivalente corresponde a um crédito de carbono. Este crédito pode
ser negociado no mercado internacional. A redução da emissão de outros gases que também
contribuem para o efeito estufa também pode ser convertida em créditos de carbono, utilizando o
conceito de Carbono Equivalente. (INSTITUTO EDP, 2009, não paginado)
Segundo o The Little REDD+Book, as comunidades locais têm nas floretas fontes de combus-
tível, alimento, medicamento e abrigo; tendo, portanto, nos povos da floresta, (indígenas, ribeirinhos,
seringueiros, etc.) os prestadores de serviços ambientais (SA) ao restante da humanidade. As mudan-
ças climáticas que certamente atingirão mais intensamente os pobres e o REDD como ferramenta
“compensatória” ajudarão a construir a sua resistência aos impactos climáticos.
Sendo essas comunidades locais as principais afetadas pelos crescentes efeitos das mudanças
climáticas e, ao mesmo tempo, as grandes mantenedoras das condições de reprodução e proteção dos
ciclos ecológicos, nada mais adequado e justo que os beneficiários prioritariamente no mercado de
carbono sejam esses povos.
Em 1998, o líder indígena Almir Narayamoga Surui reuniu seu povo para tratar dos problemas
ambientais que afetam a Terra Indígena e a busca de soluções. Decidiram realizar um diagnóstico e um
Plano de Gestão dos 50 anos da TI Sete de Setembro.
Buscam o apoio da KANINDE – Associação de Defesa Etnoambiental – para a realização das
pesquisas e do Plano de Gestão e conseguem recursos financeiros junto ao Ministério do Meio Am-
biente. Os trabalhos são realizados em 2000 e o Plano de Gestão traz uma série de programas voltados
para a gestão do território indígena.
O Programa de Desenvolvimento Sustentável traz como proposta o desenvolvimento de ações
voltadas para a manutenção do clima do planeta e a geração de renda para os paiter. Nesse, está inserido
o Projeto Carbono Surui.
Para a realização do Projeto Carbono Surui, os paiter buscam diversas parcerias que formam uma
espécie de consórcio de organizações voltadas ao desenvolvimento e a implementação do Projeto. As
instituições que fazem parte são: Associação Metareilá do Povo Indígena Surui que é a proponente do
projeto e responsável pela pesquisa socioeconômica, a kanindé – associação de defesa etnoambiental
responsável pelo reflorestamento, diagnóstico e etnozoneamento, IDESAM – Instituto de Conserva-
ção e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, Forest Trends que busca compradores para o carbo-
no, FUNBIO – Fundo da Biodiversidade que é responsável pela gestão do fundo do carbono Surui,
ACT Brasil com responsabilidade do mapeamento cultural e o consentimento prévio informado.
São realizados vários estudos para subsidiar o Projeto de Carbono Surui, principalmente estudos
voltados para averiguar os impactos comunitários e como a vida das famílias seriam melhoradas. Vale
salientar que a metodologia adotada utilizou uma interface multidisciplinar quali-quantitativa para
estimar as condições sociais, culturais e econômicas atuais, em que foram realizados levantamentos
antropológicos e etnográficos minuciosos, com pesquisa de campo intensiva, observação participan-
te, entrevistas semi-estruturadas e livres, reuniões comunitárias, registros audiovisuais e aplicação de
questionários.
Com relação à conservação dos recursos naturais e a utilização sustentável do território indígena,
Thiago Ávila diz:
com esse povo indígena. Ao adotar um olhar da conservação biocultural, entende-se que os es-
forços despendidos em prol da continuidade da diversidade biológica de uma região estão intrin-
secamente conectados aos processos de continuidade cultural dos povos tradicionais que vivem
diretamente da floresta.
A floresta, nessas situações, é muito mais do que um local econômico na natureza, com produtos
comercializáveis e geração de renda. Apropriar-se dos recursos naturais da terra e ali estabelecer
regimes sociais de uso e propriedade é algo muito mais complexo e, no caso dos paiter - Surui, ga-
nha contornos diferenciados pela relação tradicionalmente construída por pessoas que vivenciam
naquela região – e com aquela biodiversidade e suas variações ao longo do tempo – que enxergam
vida na biodiversidade e, em grande medida, um olhar cuja perspectiva aponta para uma compre-
ensão de um ciclo de relações – às vezes sociais e com humanidade - entre seres humanos e seres
da natureza. Os mitos, os resguardos, a cosmologia e as práticas e formas sociais de criatividade
- onde aparecem os conhecimentos tradicionais – são alguns exemplos dessas relações diferencia-
das (ÁVILA, [20--?], não paginado.)
O Projeto Carbono Surui busca desenvolver linhas básicas voltadas à conservação de:
1 - Área de significativo valor para a conservação (endemismo, espécies ameaçadas e risco de extinção,
refúgios, áreas sagradas);
2 - Áreas onde a paisagem natural não foi alterada e possui espécies importantes para a conservação
tanto do ponto de vista ambiental quanto cultural;
3 - Áreas de ecossistemas onde ocorrem espécies raras, ameaçadas ou em risco de extinção;
4 - Áreas onde sejam garantidos os serviços ambientais (proteção das nascentes, lagos, etc.);
5 - Áreas de uso da comunidade (roças, aldeias, saúde, educação, etc.);
6 - Áreas culturais, ecológicas e onde podem ser desenvolvidas ações voltadas ao desenvolvimento
econômico.
A valorização da cultura Paiter é uma das linhas básicas mais importantes. Está inserida no Plano
de Gestão que está sendo desenvolvido no território indígena buscando a valorização e o fortaleci-
mento da cultura.
O monitoramento do Projeto será realizado a partir da estruturação e desenvolvimento do Pro-
grama de Fiscalização Territorial e Ambiental inserido no Plano de Gestão. O Programa prevê atuação
nos limites da Terra Indígena com fiscalização preventiva e ostensiva, envolvendo os indígenas e os
órgãos federais responsáveis pela proteção dos recursos naturais dos órgãos federais como FUNAI e
IBAMA.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 77
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
As áreas das aldeias foram excluídas dos estoques totais de carbono a serem comercializados e
funcionam como área de amortização, garantindo a proteção da floresta.
As regiões de reflorestamento serão monitoradas, garantindo a manutenção e o desenvolvimento
das mudas de árvores nativas plantadas.
O monitoramento da fauna terá um programa específico voltado para garantir a preservação das
espécies endêmicas, raras e em vias de extinção.
Passos dados pelos Paiter até se chegar ao Projeto Carbono Surui:
1998 - Realizado o Programa Payterei em que se discutiu as necessidades e as prioridades a serem
tratadas na Terra Indígena Sete de Setembro.
1999/2000 - A Kanindé com a Metareilá realizam o Diagnóstico Agroambiental da TI com o
apoio do Ministério do Meio Ambiente e Amigos da Terra da Suécia;
2001 - A Kanindé e Metareilá realizam o Plano de Gestão de 50 anos, para o desenvolvimento
sustentável na Terra Indígena Sete de Setembro.
2002 - São realizadas diversas reuniões para planejamento das ações e a busca de outras institui-
ções que estivessem interessadas em apoiar a implantação do Plano de Gestão.
2003 - Inicia o reflorestamento nas áreas onde o diagnóstico apontava como desmatadas. Ver fi-
gura 4 na prancha 2, o mapa já atualizado. Para esta atividade a Kanindé conseguiu o apoio da USAID
e a Metareila conseguiu o apoio da Aquaverde.
2004 - Já haviam sido plantadas mais de 40 mil mudas de árvores de 17 espécies nativas.
2005/2006 - É realizado o mapeamento cultural numa parceria Metareilá, Kanindé, ACT Brasil,
com o apoio da USAID.
2007 - O reflorestamento prossegue e em viagem a São Francisco o Presidente da Metareilá Che-
fe indígena Almir Surui faz contato com o Google e inicia os primeiros contatos para que o gigante da
informática pudesse colaborar na proteção da Terra Indígena.
– O chefe indígena Almir Surui entra em contato com a ONG americana Forest Trends e inicia
as primeiras conversas para apoio ao REDD dos Surui.
2008 – Juntam-se a Metareilá e a Kanindé, as seguintes organizações: Forest Trends, USAID,
Google, ACT Brasil, IDESAM, Katoomba, todas voltadas para apoiar o desenvolvimento do Progra-
ma Carbono Surui.
78 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Durante o ano, vários estudos são feitos, vários seminários para esclarecimento sobre o que
é REDD e mudanças climáticas e inicia-se o desenvolvimento do PDD - Project Design Document,
finalizando vários estudos. No mesmo período, os indígenas elaboram o documento com o Consen-
timento Prévio Informado.
2009 - É todo dedicado a construção do PDD. Várias reuniões são realizadas para esclarecimen-
tos, acertos e finalização dos estudos.
Neste período, discuti-se o Fundo de Gestão e é convidado o FUNBIO para integrar o grupo,
elaborar e administrar o Fundo.
No dia 12 de dezembro, é lançado na Conferência do Clima – COP 15 em Copenhagen o Projeto
Carbono Surui, que agrega ao carbono toda a questão cultural e traz ainda a preocupação com os mu-
nicípios de entorno, já que a proposta do povo Surui é, além de manter a floresta em pé, gerar renda e
emprego para os indígenas e os “brancos”, ou seja, os não indígenas que vivem nas adjacências da TI.
Nesta proposta, os Paiter querem realizar junto aos fazendeiros, colonos, pequenos trabalhadores
rurais o reflorestamento das áreas desmatadas nas propriedades particulares que estão no entorno da
Terra Indígena.
Assim, além de gerar emprego, os fazendeiros e colonos terão a oportunidade de cumprir o que
diz o Código Florestal que é a recomposição da reserva legal e APPs.
O projeto ganha o prêmio Maya Lin em Copenhague no dia 16 de dezembro, reconhecendo
como diz o próprio Almir Surui “nossa luta para manter a floresta em pé”.
É importante ressaltar ainda que a luta da Associação Metareilá e das demais organizações envol-
vidas nesse processo de discussão e planos para a implementação perpassam em significativas vezes
o exposto acima.
Participar da elaboração de uma metodologia tão complexa, atual e inovadora no trato de gestão
de TIs demanda muito tempo e dedicação, além da necessidade de compreender os aparatos legais e
as possibilidades de seguir com os trabalhos para que não incorra em uma expectativa frustrada prin-
cipalmente por parte das comunidades que estiveram presentes e contribuíram constantemente.
2.2.4 Considerações Finais
Ao formular o Projeto Carbono Surui, foi discutido pelos Paiter, em especial os 4 clãs, os indi-
cadores de desempenho do processo e a construção de um Plano de Monitoramento que avalie os
resultados do Projeto.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 79
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Os Paiter sobre a liderança da Associação Metareilá do Povo Indígena Surui são responsáveis por
articular e implementar o Projeto Carbono Surui. As demais instituições envolvidas ou que venham
a se envolver tem e terão papel de assessorar ou de desenvolver atividades propostas pelos indígenas,
que venham a fortalecer o Plano de Gestão de 50 anos do povo paiter - Surui de Rondônia.
As ações voltadas ao desenvolvimento sustentado estão inseridas no Plano de Gestão Etnoam-
biental da Terra Indígena Sete de Setembro. O Projeto Carbono Surui é dentro dessa ferramenta um
dos mecanismos buscados para a implementação do Plano, que prevê ações de educação, saúde, valo-
rização cultural, desenvolvimento econômico, proteção ambiental e segurança alimentar.
A organização indígena, como proponente e realizadora da maior parte das discussões/imple-
mentações, destaca a formulação/reformulação dos novos cenários de utilização e ocupação do solo
e legitimam a intenção das comunidades em práticas legais de utilização dos produtos florestais, assim
como a luta pela manutenção da cultura e o cumprimento pelos direitos indígenas.
Essas discussões/conquistas realizadas pelos Surui referentes ao mercado de carbono – como
alternativa para aplicabilidade do Plano de Gestão das Terras Indígenas – representam uma excelente
metodologia a ser desenvolvida (com suas devidas adaptações) em outros territórios indígenas do
Brasil, na busca de melhores condições para o desenvolvimento sustentável.
REFERÊNCIAS
Aquecimento global, como o próprio termo diz, é o aumento da temperatura do Planeta Terra,
especialmente a superfície terrestre, as florestas, as montanhas e as cidades onde vivemos. Esse aque-
cimento global é causado pelo aumento do efeito estufa. O efeito estufa é um fenômeno da natureza
que conserva a temperatura da Terra de modo agradável e adequada para a vida de todos os seres, nem
muito quente nem muito fria. Esse efeito estufa é gerado quando os raios do sol que chegam e aque-
cem a superfície do Planeta voltam em direção ao espaço, porém são aprisionados em uma camada de
gases do efeito estufa, que estão dispersos na atmosfera da Terra. Esse fato é semelhante à seguinte
situação: quando colocamos um cobertor, ele não deixa que o calor do nosso corpo se dissipe, o calor
gerado, portanto, é aprisionado.
Gases de efeito estufa podem ser gerados por fenômenos da natureza ou por atividades humanas.
O gás de efeito estufa mais abundante é o vapor d’água, que representa de 36 a 70% da quantidade
total desses gases na atmosfera (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁ-
TICAS, 2007). As nuvens cheias de vapor d’água retêm o calor que sai da superfície da Terra quando
esquentada pelo sol e, assim, não permitem que o planeta esfrie muito. Existem outros gases de efeito
estufa que são lançados no ar desde que a humanidade começou a usar petróleo e derrubar florestas
para explorar minério, construir cidades e produzir alimentos. O que mais contribui é o chamado gás
carbônico, o tão falado carbono, que representa até 26% dos gases de efeito estufa (PAINEL INTER-
GOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, 2007).
O carbono é um elemento que está presente em todos os seres vivos e não vivos, animais, plan-
tas, peixes, solo, árvores, combustível e também no ser humano. Assim, a fumaça liberada com
a queima de combustíveis e a queimada de florestas aumenta a poluição no ar, formando uma camada
maior de gases de efeito estufa.
23
Pesquisador do Programa de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais - Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – IDESAM.
Manaus, AM. Tel: (92) 3642-5698. Contato para correspondência (gabriel.carrero@idesam.org.br).
24
Coordenadora do Programa de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais – IDESAM.
82 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O aumento do aquecimento global pode ter efeitos perigosos para os seres vivos e para o clima
do Planeta Terra. É ele o desencadeador dos acontecimentos catastróficos que estão acontecendo com
mais frequência e com maior intensidade ao redor do mundo, ocasionando o que chamamos de efeitos
das mudanças climáticas.
2.3.2 Quais são os impactos das mudanças climáticas para o mundo e para a Amazônia?
O planeta já vem enfrentando os impactos da mudança climática, considerada hoje o maior pro-
blema ambiental de todos os tempos. As consequências dessas mudanças são temidas e ainda não são
totalmente conhecidas. A ocorrência cada vez mais frequente de eventos naturais extremos como fu-
racões, ciclones, chuvas torrenciais e secas acentuadas já afetam o modo de vida de milhões de pessoas
ao redor do mundo.
A mudança climática aumenta a incidência de doenças tropicais transmissíveis e infecciosas (como
cólera, malária, dengue, leptospirose e doenças parasitárias) e pode incentivar o surgimento de males
que atacam o gado, as aves e as plantações podendo ameaçar também a saúde humana (Mendonça,
2003). Milhões de pessoas estariam sujeitas às ondas de calor, enchentes, secas, tempestades e incên-
dios (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, 2007). O número
de desabrigados em virtude das mudanças climáticas representaria um bilhão de pessoas daqui a 40
anos (CRISTIAN AID, 2007).
Na Amazônia não é diferente. Em 2005, a região passou por uma seca que marcou profundamente a
memória de todos, trazendo enormes prejuízos econômicos, sociais e ambientais. Segundo cientistas, com
as mudanças climáticas, a previsão é que as secas se tornem cada vez mais frequentes, ocorrendo em inter-
valos de 3 a 6 anos (COX et al., 2003). As chuvas torrenciais que elevam o nível das águas além do normal,
como a cheia de 2009, a maior já registrada, provavelmente também serão mais frequentes nos próximos
anos. Esses efeitos certamente afetam o ciclo das chuvas, o período de floração e frutificação das plantas e
a reprodução e migração de alguns animais. (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS
CLIMÁTICAS, 2007).
No Planeta Terra, a liberação de gases de efeito estufa do desmatamento e queimadas das flo-
restas representa cerca de 15% de todas as emissões produzidas pelo ser humano, mais que toda a
emissão de carros, caminhões, trens, aviões, barcos e navios de todo o mundo (VAN DER WERF et
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 83
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
al. 2009). O Brasil abriga quase a metade de todas as florestas tropicais que restam no mundo. Infeliz-
mente, nosso país também é o que mais desmata. Isso faz com que 59% das emissões de carbono do
Brasil seja resultado da derrubada e queima das florestas e cerrados (MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E
TECNOLOGIA, 2009)., colocando o país como o quinto maior emissor mundial de gases de efeito
estufa (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2010).
As florestas são importantíssimas para o ciclo do carbono e para reduzir o avanço do aqueci-
mento global. As árvores absorvem o gás carbônico do ar e junto com a água armazenada guardam
e transformam o carbono em glicose (açúcar), que depois é utilizada para fazer crescer os troncos,
cascas, raízes, galho e folhas, e liberam o oxigênio (Figura 1).
Quando a floresta é desmatada, todo esse carbono é liberado junto com a fumaça na forma de gás
carbônico. A floresta então pode ajudar a manter o carbono em suas árvores e até limpar o ar absorvendo
gás carbônico e assim diminuir a liberação de gases que contribuem para a o aumentar o aquecimento global
e a mudança climática.
Além do carbono, a floresta nos reserva muitas riquezas, um grande número de animais, plantas e
fungos diversos que servem para alimentação, como materiais para construção de diferentes objetos e
utensílios, casas e barcos, para remédios e para fins espirituais, entre outros. Ninguém melhor do que
os indígenas para falar sobre a riqueza, a beleza e a dádiva que a floresta é para o ser humano, dos seus
poderes e maravilhas e do quanto precisamos mantê-la conservada.
Um papel importante das florestas da Amazônia está na sua capacidade de manter o ciclo das
chuvas. As florestas também funcionam como uma bomba de água que, ao transpirar, evaporam água
para formar as nuvens e depois cair na forma de chuva. Até um terço (1/3) das chuvas é produzida na
Amazônia pela evaporação e transpiração das florestas. Essas chuvas seriam certamente comprometi-
das se as florestas fossem derrubadas (BRUBAKER; ENTEKHABI; EAGLESON, 1993). A floresta
também joga no ar um componente que ajuda a formar as nuvens. O acúmulo de poluição, como as
queimadas, por exemplo, atrapalha a formação das nuvens e as chuvas ficam mais difíceis de acontecer
(OZANNE et al., 2003). É importante também dizer que a Floresta Amazônica transporta umidade
para outras regiões, como o sul do Brasil, e desse modo contribui para uma boa parte das chuvas que
acontecem por lá (FEARNSIDE, 2004). Assim como a capacidade de guardar carbono, esse fato re-
presenta outro serviço ambiental que a floresta amazônica tem de regular o ciclo das chuvas.
84 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Frente a todo esse problema do aquecimento global e das mudanças climáticas, diversos países do
mundo se reuniram no Rio de Janeiro, em 1992, em uma convenção chamada Rio-92 e criaram a Con-
venção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em inglês) para lidar com
essa questão. O objetivo principal dessa Convenção é fazer com que os gases do efeito estufa na
atmosfera sejam mantidos em um limite capaz de prevenir as mudanças drásticas do clima. Isso tam-
bém deve ser feito em um período de tempo que permita que os ecossistemas do mundo consigam se
adaptar a essas mudanças, sem que isso prejudique a produção de alimentos no mundo e nem impeça
que os países possam se desenvolver sustentavelmente.
No ano de 1997, a criação do “Protocolo de Quioto” (PQ) foi um marco muito importante. O
PQ é um acordo que obriga os países industrializados a diminuírem suas emissões de gases do efeito
estufa em cerca de 5% a menos do que emitiam na década de 1990. Neste acordo, apenas os países
industrializados (chamados também de desenvolvidos) têm obrigação de reduzir suas emissões, en-
quanto os países em desenvolvimento (como o Brasil) não precisam reduzir suas emissões. Isso acon-
tece porque o PQ é baseado no princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Isto
quer dizer que quando falamos do problema das mudanças climáticas todos os países têm um pouco
de culpa, tendo consciência de que uns têm mais e outros menos.
É mais ou menos assim: imagine que você é convidado pra ir jantar com um grupo de muitos
amigos, vamos dizer uns 20. O pessoal todo chega ao restaurante às sete horas da noite, mas você só
conseguiu chegar lá às dez horas. Quando chega lá todo mundo já comeu bastante e bebeu muito e
já está tomando o cafezinho pra ir embora. Você se senta à mesa, pede um cafezinho também e não
come nem bebe mais nada. Aí, um deles chama a conta e diz pra dividir igualmente entre todo mundo,
inclusive você.
O protocolo segue a mesma lógica, por isso só os países industrializados, que vêm emitindo há
muito tempo uma quantidade grande de gases, têm uma responsabilidade maior sobre as mudanças
climáticas e, por isso, devem começar a emitir menos. Também, eles conseguiram crescer e desenvol-
ver suas economias às custas destas emissões. Já os países em desenvolvimento, que estão começando
a emitir mais gases de efeito estufa não devem ter obrigação de reduzir, pois têm uma parcela de con-
tribuição muito menor do problema e não é justo que esses países sejam impedidos de se desenvolver.
86 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Assim, para ajudar os países industrializados a atingir essas metas de redução, foram criados
alguns mecanismos de flexibilização como, por exemplo, o Mecanismo de Desenvolvimento Lim-
po (MDL). O MDL contribui para o desenvolvimento sustentável dos países que se encontram em
crescimento, ajudando assim a reduzir suas emissões. Essas iniciativas visam à geração de créditos de
redução de emissões para os países desenvolvidos, que podem ser utilizadas para amortecer suas obri-
gações. O MDL permite que muitas categorias de projetos sejam consideradas, incluindo as atividades
de reflorestamento. No entanto, mesmo que as florestas tenham um papel muito importante para o
clima, elas ficaram de fora do Protocolo, pois os países notaram a existência de muitas incertezas téc-
nicas em torno deste tema.
Com a conservação de florestas tropicais fora do PQ, muitos estudos e propostas começaram a
ser produzidos, buscando formas voluntárias para a redução das emissões causadas pelo desmatamen-
to. Essas discussões ganharam força em 2005, quando foi apresentada a proposta para a criação de
um “Mecanismo de Redução Compensada do Desmatamento” (SANTILLI et al., 2005). A proposta
ganhou força quando um grupo de nações apresentou proposta também nesse sentido e nos anos
seguintes outros países também.
Desde então, muitas reuniões aconteceram, até que em 2007, na COP13, o tema do REDD en-
trou na lista de assuntos que seriam analisados num prazo de dois anos entre as conferências de Bali
e Copenhagen (COP 13 e COP15). Nesse referido tempo, aconteceram muitas discussões a fim de
construir uma proposta que seria definida em dezembro de 2009, na COP15. No entanto, a COP15
não trouxe resultados nem decisões concretas e muitos pontos sobre como o REDD iria funcionar
foram adiados para serem decididos no final de 2010. Mas ainda assim algumas definições impor-
tantes aconteceram. Uma delas é que o REDD agora fica sendo chamado de REDD+, que significa
“redução de emissões do desmatamento e degradação florestal, o papel da conservação florestal, o
manejo florestal sustentável e o incremento dos estoques de carbono”. Outra decisão importante foi
o reconhecimento formal do papel das comunidades tradicionais e povos indígenas no mecanismo. O
documento cita que as atividades de REDD+ devem respeitar o direito dos povos indígenas e popu-
lações tradicionais e garantir sua participação efetiva nas atividades.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 87
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Embora muitas vezes as negociações dentro da Convenção sejam longas, complexas e a estru-
tura final do REDD+ ainda esteja em construção, alguns sinais positivos dados pela convenção têm
gerado uma boa resposta dos diversos atores do setor privado e inclusive de governos, que buscam se
antecipar ao estabelecimento de um possível mercado em estruturação para REDD+, através da im-
plantação de iniciativas-piloto. Esse mercado é chamado de voluntário, justamente por não estar ligado
a nenhuma meta obrigatória de redução de emissões dos países. Ele é constituído de negociações bila-
terais (entre o comprador e o vendedor dos créditos) e não serve para ajudar os países ou as indústrias
a atingirem suas metas de redução, apenas para usos de imagem ou carboneutralização, entre outros.
É um tipo de comércio que cresceu muito nos últimos três anos, em que os créditos de REDD+ têm
tido bastante destaque, visto que esta é hoje a principal possibilidade de acesso a recursos de mercado
para REDD+.
Terras indígenas (TIs) e outras Áreas Protegidas (APs) foram criadas para assegurar direito so-
bre a terra, o sustento de populações indígenas e tradicionais, a biodiversidade e outros valores. Elas
guardam 56% de todo o carbono estocado e correspondem a 54% de todas as florestas da Amazônia
brasileira (SOARES-FILHO et al., 2010). Contudo, o papel que as TIs e APs têm tido na redução das
emissões de carbono do desmatamento e seus custos para o planeta ainda é incerto. Na verdade, as
TIs contribuem muito mais para reduzir o desmatamento do que outras áreas protegidas porque elas
somam uma área três vezes maior e estão geralmente no caminho imediato das fronteiras de expansão
do desmatamento (NEPSTAD et al. 2006). TIs e APs criadas a partir de 1999 foram responsáveis
pela redução de aproximadamente 37% do desmatamento entre 2004 e 2006. (SANTILLI et al., 2005).
Contudo, embora elas contribuam para a conservação das florestas, ainda 8% de todo o desmatamen-
to entre 2002 e 2007 aconteceu dentro de TIs e APs (SOARES-FILHO et al., 2009).
As TIs que estão circundadas por áreas desmatadas têm um potencial para REDD+ maior que
aquelas que se encontram em áreas remotas, como mostra a figura 2. Entretanto, com a inclusão da
conservação florestal fazendo parte de REDD+, áreas remotas também devem ser remuneradas por
88 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
seus estoques de carbono. Para uma estratégia nacional de REDD+, as áreas onde as florestas sofrem maior
pressão de desmatamento devem ser aquelas em que o dinheiro deve ser primeiro investido. Contudo, esse
fato pode tirar os recursos das áreas remotas que possuem alta diversidade biológica (GRAINGER et al.,
2009). Com o avanço do desmatamento, essas áreas também passariam a ser destruídas e devem contar
com outros mecanismos para estruturar um sistema eficiente de gestão do território.
Outro problema, é que se o dinheiro for apenas investido em áreas de grande pressão existe a
possibilidade de migração dos agentes do desmatamento para áreas mais remotas onde não existe ges-
tão nem monitoramento. Esse processo é chamado de ‘vazamento’ e deve ser contido (RICKETTS
et al., 2010). Assim, o REDD+ incluiu como uma de suas preocupações a redução do ‘vazamento’ do
desmatamento e passará também a canalizar recursos para ser investido em áreas remotas que possu-
am florestas com grandes estoques de carbono.
Em resumo, TIs e APs geralmente reduzem as taxas de desmatamento se comparadas com as
áreas circundantes, mas o desmatamento pode continuar acontecendo dentro delas, principalmente
daquelas que não contam com recursos, capacidade de gestão e estrutura política suficientes. Os go-
vernos e outras instituições devem fornecer aos grupos indígenas informação e capacitação necessária
para a efetiva participação. E, ainda, os pagamentos ou investimentos devem premiar aqueles respon-
sáveis pela redução das emissões.
REDD+ é apenas um dos mecanismos para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Contudo,
é o mecanismo que primeiro pode gerar um efeito positivo por ser mais barato se comparado com o
setor de energia e construção, por exemplo, reduzindo grande quantidade das emissões com pratica-
mente pouco dinheiro. Esse dinheiro deve ser investido na gestão e monitoramento das TIs e APs,
para melhorar a qualidade de vida e gerar renda de forma sustentável para as comunidades indígenas
e tradicionais que habitam as florestas. Assim, REDD+ tem potencial de ser um mecanismo determi-
nante para assegurar a conservação florestal e a herança cultural dos povos indígenas.
O Brasil é um dos países da América Latina que mais avançou em termos de preparação para um
mecanismo de REDD+. Atualmente, existem diversas iniciativas subnacionais acontecendo, tanto as
governamentais como os processos de discussão e construção de políticas estaduais que se relacionam
com REDD+. Ainda há projetos subnacionais em estágio bastante desenvolvido, além das iniciati-
vas em escala nacional. Em escala nacional, tem-se o Fundo Amazônia, que é um fundo voluntário
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 89
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
criado pelo Governo Brasileiro para receber doações de países, empresas, indivíduos e para investir o
dinheiro em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, bem como a promo-
ção da conservação e do uso sustentável das florestas na Amazônia. O Fundo Amazônia apóia ações
divididas em quatro linhas principais: (i)-Florestas Públicas e Áreas Protegidas (Gestão e Serviços
Ambientais); (ii)- Atividades Produtivas Sustentáveis; (iii)- Desenvolvimento Científico e Tecnológico
e (iv)-Desenvolvimento Institucional e Aperfeiçoamento de Mecanismos de Controle.
Até julho de 2010, haviam sido submetidos 70 projetos, sendo que seis estão aprovados para rece-
bimento dos recursos25. Os projetos que compõem esta primeira etapa de aprovação incluem ativida-
des de combate e prevenção ao desmatamento, regularização fundiária, gestão ambiental e territorial,
recuperação de áreas degradadas, geração de renda em comunidades, entre outros.
Em termos de legislação nacional, está em tramitação na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei
(PL 5.586/2009) que prevê a regulamentação das atividades de REDD+ no Brasil. Ela também prevê a
possibilidade de desenvolvimento de atividades subnacionais (municipais, estaduais e outras) integradas a
um sistema nacional de REDD+, ou seja, as atividades de REDD+ poderiam ser desenvolvidas pelo Es-
tado ou outros, desde que estejam integrados a uma estratégia nacional. No entanto, esse PL ainda está em
discussão e ainda deve passar por outras etapas de construção até sua aprovação final26.
Enquanto isso, alguns estados da Amazônia também estão trabalhando na construção de suas
políticas sobre mudanças climáticas, que incluam atividades de REDD+. O Estado do Amazonas foi
pioneiro na construção de sua Política Estadual de Mudanças Climáticas, que regulamenta a questão
do REDD+ e serviços ambientais em Unidades de Conservação. O Pará e o Mato Grosso também
estão adiantados nesta discussão. Ainda, existem muitos projetos de REDD+, desenvolvidos por
proprietários privados, ONGs e governos estaduais ou municipais. Um estudo recente mapeou sete
projetos em situação avançada no Brasil e ainda cinco em estágio preliminar de desenvolvimento (CE-
NAMO et al., 2010). Muitos deles são desenvolvidos em áreas protegidas, como é o caso do Projeto
de REDD da RDS do Juma ou em terras indígenas, como é o caso do Projeto Carbono Surui.
Segundo a FUNAI, cerca de cinco povos indígenas já fizeram contato e demonstraram interesse
para iniciar a preparação para um projeto de REDD+. No entanto, deve-se ter muita cautela no pro-
cesso, contar com parcerias conhecidas e de confiança, pois o crédito de carbono, sendo um produto
que tem valor de mercado, tem atraído pessoas ou entidades privadas que não tem o objetivo de ajudar
os indígenas na melhoria de gestão e geração de renda, mas apenas de lucrar economicamente com as
florestas conservadas das TIs.
25
Disponível em: <www.fundoamazonia.gov.br/>. Acesso em: 10. dez. 2010.
26
O projeto de lei. Disponível em: <http :// www. camara. gov. br/ sileg/ integras/ 791239. pdf>. Acesso em: 10. dez. 2010.
90 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
2.3.9 Conclusão
Os efeitos das mudanças climáticas têm aumentado a ocorrência de eventos extremos, como
tempestades, secas e furacões. Nesse cenário, os governantes dos países se uniram para tentar mitigar
o efeito do aquecimento global através da redução de emissões de gases de efeito estufa das ativida-
des humanas. As florestas têm um importante papel e podem contribuir significativamente para essa
redução se forem conservadas em pé. Assim, o REDD+ é um mecanismo que propõe disponibilizar
recursos para evitar o desmatamento e conservar as florestas.
Na Amazônia, as Terras Indígenas ocupam uma porção significativa de áreas florestadas que vêm
sendo conservadas enquanto que as regiões de entorno estão sendo desmatadas. Assim, fundos volun-
tários ou projetos que são negociados no mercado voluntário podem contribuir para trazer recursos
financeiros e implementar sistemas de gestão e geração de renda sustentável em Terras Indígenas. O
Brasil tem várias iniciativas e projetos de REDD+ em desenvolvimento e também tem desenvolvido
políticas para isso. A importância de incluir povos indígenas e populações tradicionais na repartição
dos benefícios é reconhecida mundialmente. Contudo, é preciso ter cautela para adentrar em projetos
de REDD+ e contar sempre com a ajuda de parceiros em que se confia.
REFERÊNCIAS
FEARNSIDE, P. M. A água de São Paulo e a floresta amazônica. Ciência Hoje. 34(203): 63-65, 2004.
GRAINGER A. et al. Biodiversity and REDD at Copenhagen. Current Biology 19:974–976, 2009.
MENDONÇA, F. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica – notas introdutórias.
Terra Livre 1(20): 205-221, 2003.
NEPSTAD, D. et al. Inhibition of Amazon deforestation and fire by parks and indigenous lands. Con-
servation Biology 20: 65–73, 2006.
PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS. Intergovernmental Pa-
nel on Climate Change. Climate Change 2007: Synthesis Report. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 2007.
RICKETTS, T. H. et al. Indigenous Lands, Protected Areas and Slowing Climate Change. PloS Bio-
logy 8(3):1-4, 2010.
SANTILLI, M et al. Tropical Deforestation and The Kyoto Protocol: an Editorial Essay (Pp 47-52)
In: Moutinho, P.; Schwartzman, S. (Eds.). Tropical Deforestation and Climate Change. Ipam and
Whrc. Belém, Brasil- Washington D.C., USA, 2005.
SOARES-FILHO, B et al. Role of Brazilian Amazon protected areas in climate change mitigation.
PNAS 107(24):10821-10826. Disponível em: <www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0913048107>
Acesso em: 10. dez. 2010.
SOARES-FILHO, B et al. Redução das emissões de carbono do desmatamento no Brasil: O
papel do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA). Brasília, Brasil: UFMG, IPAM, WHRC,
WWF, 2009.
OZANNE, C. M. P. D; ANHUF, S. L.; BOUTTER, M. Keller et al. Biodiversity Meets the Atmosphe-
re: a Global Review of Forest Canopies. Science 301: 183-186, 2003.
VAN DER WERF, G. R. et al. CO2 emissions from forest loss. Nat Geosci 2: 737-738, 2009.
WORLD RESOURCES INSTITUTE. Disponível em: <http://www.wri.org> Acesso em: 10. dez.
2010.
92 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A idéia de formar capacidades de proteção surgiu em 2003, no Estado do Amapá. A iniciativa partiu
do IBAMA e de organizações parceiras que apresentaram, anteriormente, uma proposta para a criação do
Curso de Guardas-Parques. A proposta foi apresentada durante o IV Congresso Brasileiro de Unidades de
Conservação, sediado em Curitiba.
27
Liderança Indígena Tiriyó, Assessor Técnico da Equipe de Conservação da Amazônia-Macapá, e-mail: joaodiakui@gmail.com
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 93
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A idéia originou-se de uma antiga demanda das comunidades indígenas em proteger os recursos na-
turais e culturais de suas terras para trazer harmonia e bem-estar aos seus povos. No começo, a formação
de Guardas-Parques tinha como meta apenas o fortalecimento do programa de vigilância nas Terras Indí-
genas. Hoje, entretanto, ele é visto como uma ferramenta muito importante para a capacitação, gestão e a
sustentabilidade local.
O projeto se estendeu pelas demais Unidades de Conservação no Estado do Amapá e, atualmen-
te, está sendo realizado em outros estados do país. O programa de capacitação de Guardas-Parques
já treinou mais de 400 pessoas entre indígenas, não-indígenas e até representantes de outros estados
e países. A ACT-Brasil vem trabalhando durante inúmeras conferências nacionais e internacionais
para divulgar esse trabalho. O objetivo dessas reuniões é alavancar o desenvolvimento econômico
ambientalmente sustentável que abrange, hoje, grande parte do Estado Amapaense e outros estados
brasileiros.
Os cursos são elaborados com base nas necessidades locais levam em conta os conceitos e mode-
los nacionais e internacionais de capacitação de pessoas para atuarem na conservação das áreas prote-
gidas. Esses cursos contam com o reconhecimento da Federação Internacional dos Guardas-Parques
(IRF). Com uma grade curricular diversificada, os alunos têm a oportunidade de entrar em contato
com as diferentes disciplinas aplicadas à conservação e à preservação do meio ambiente.
Entre os módulos, estão disciplinas como: Valores Culturais, Ecologia, Fauna, Flora, Biodiversi-
dade, Legislação Indígena e Ambiental, Combate e Manejo do Fogo, Primeiros Socorros, Ecoturismo,
Cartografia, Radiocomunicação, GPS, Relacionamento Público, Manutenção de Trilhas, Educação
Ambiental e outras. Os cursos oferecem elementos técnicos e práticos que preparam os indígenas
para atuarem na proteção efetiva dos valores naturais e culturais.
Com dez módulos, o curso possui carga de 160 horas divididas em conteúdo teórico e prático.
Ajustada para atender a realidade dos indígenas, a capacitação apresenta uma estrutura flexível, dinâ-
mica e introdutória com grande ênfase nas atividades práticas e didáticas. Essas atividades são alter-
nadas nas instruções teóricas em grande proporção, procurando sempre aproximar os participantes
94 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
da realidade através das simulações de situações corriqueiras no seu cotidiano profissional. Dinâmicas
grupais, interação entre os alunos, reflexão, iniciativa individual, trabalho em equipe e segurança são
alguns dos itens característicos deste curso.
Desta forma, os alunos são preparados para enfrentar as situações em campo da melhor forma
possível. Eles passam a conhecer os caminhos para superar as dificuldades tanto sozinhos quanto em
equipe, utilizando os meios operativos, institucionais e legais para sua pronta solução.
Durante o treinamento, também são oferecidas uma série de atividades de campo como: expedi-
ções diurnas e noturnas de monitoramento, vigilância de setores, desenhos e limpezas de trilha, ma-
nutenção de equipamentos e estrutura do local onde é realizado o curso e as atividades de educação
ambiental. Toda a capacitação é realizada em um período de 20 dias de forma intensiva e em regime
de internato. Ao todo, são mais de oito horas diárias de atividades.
Público-Alvo:
A atividade é voltada para todas as pessoas que se sentem sensibilizadas pela proteção e con-
servação ambiental, amam a fauna e a flora e reconhecem sua importância para o bem-estar de sua
comunidade. Os participantes são selecionados pelas lideranças indígenas.
O curso pretende incorporar os indígenas que atuam na área da conservação e preservação am-
biental reconhecendo o saber empírico, valorizando e validando o conhecimento tradicional. Desta
forma, o curso persegue um fim altamente ambiental e social, preparando os indígenas de diversas
localidades, promovendo a conservação da natureza e gerando renda e condições de sobrevivência às
comunidades indígenas.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 95
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
● Park Rangers, Rangers ou Park Wardens (Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, África do Sul, etc.).
96 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Para atuarem de forma ética e eficiente em áreas protegidas públicas ou privadas, desenvolvendo
ações de proteção e conservação dos valores naturais, culturais e patrimoniais. O treinamento forma e
instrumentaliza indígenas do Parque Indígena do Tumucumaque e outros para:
● Combate a pequenos incêndios;
● Vigilância da área;
● Realizar palestras sobre educação ambiental nas comunidades, nas escolas, postos de saúde, etc.
● Marcar pontos de áreas de invasões, pistas de pousos ou garimpos;
● Prestar atendimento de primeiros-socorros;
2.4.3 Resultados
As Terras Indígenas possuem um imenso território, mas como são de difícil acesso e possuem
muitas riquezas, tornam-se vulneráveis para os garimpeiros, caçadores, madeireiros e outros explora-
dores. Os Guardas-Parques Indígenas querem apenas sua terra para sobreviver. No entanto, com tan-
tos problemas afetando o meio ambiente, eles decidiram buscar alternativas para combater e prevenir
as ações do branco (karaiwa). Esses exploradores não pensam nas vidas dos que dependem da floresta
ou das pessoas que estão na floresta. Simplesmente pensam no lucro, no dinheiro e na sua vida. Para
esses infratores, a natureza é nada. Para os indígenas, é tudo.
Atualmente, os Guardas-Parques Indígenas fazem a própria proteção da sua terra, em virtude dos
conhecimentos adquiridos e aperfeiçoados no Curso de Guarda-Parque Indígena. Eles aplicam todas
as técnicas e habilidades para desenvolver atividades tanto no programa de vigilância de seus territó-
rios, quanto na proteção e na permanência de seus valores naturais e culturais. Os Guardas-Parques
Indígenas desenvolvem suas atividades com os equipamentos que têm disponíveis. Muitos utilizam os
recursos da própria natureza, outros aguardam por doações para desenvolver essas atividades.
O Guarda-Parque Indígena, Reginaldo Kaxuyana conhece a importância deste trabalho. Em suas
palavras: “Nós sabemos fazer do nosso jeito e sempre usamos como os nossos pais têm nos ensinado.
Só que a capacitação me deu mais força para proteger nossa terra, utilizando apenas meus conheci-
mentos e adaptando-o a realidade atual”.
98 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Hoje existem 112 indígenas capacitados em diversas áreas protegidas, aplicando os conhe-
cimentos adquiridos e utilizando seu conhecimento tradicional. Eles agem de acordo com suas
experiências para monitorar, educar e transmitir o conhecimento cultural dos mais velhos para os
mais novos. Dessa forma, é possível manter um ambiente cuidado para sua existência.
No início, o curso atendeu a demanda de algumas TIs. No ano seguinte, vários caciques e
líderes indígenas enviaram seus representantes para participar do referido curso, sendo que, hoje,
ele é visto como uma alternativa para sua existência e uma forma de prevenir e preservar o seu
recurso natural e cultural.
No Brasil, as áreas protegidas estão sendo afetadas por desmatamentos, queimadas, caça,
pesca, exploração ilegal da fauna, flora e recursos minerais. Gerar capacidade nas comunidades
locais, favorecendo a autogestão e possibilitando o manejo sustentável de territórios e recursos
significam em grande parte, garantir a conservação do meio ambiente. O curso visa capacitar
pessoas que trabalham/moram dentro ou no entorno das áreas protegidas, contribuindo com a
própria existência, permanência e valor desses territórios.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 99
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Nas palavras do Guarda-Parque Indígena Kaxuyana é possível perceber a importância desse tipo
de serviço para as TIs: “Os Guardas-Parques Indígenas têm uma grande importância, que nem as
abelhas para sua colmeia, pois nós somos vistos pelas comunidades como protetor do território e que
temos que zelar pelo patrimônio maior que é seus valores naturais e culturais, independentemente de
sua região e localidade. Dessa forma, preservamos a floresta em pé, só quem deve aprender e cuidar
do meio ambiente, seriam os não índios, não ao contrário, mas precisamos também aprender certas
técnicas como usar as ferramentas do homem branco, pois não devemos ficar fora dessa tecnologia
que está causando tantas mudanças na nossa terra.” Guarda-Parque Indígena do Apalai.
Disse um Guarda-Parque Indígena Tiriyó: “Temos estilo de vida próprio, na nossa experiência
na pintura, dança e língua, e preservamos tudo isso, pois é nossa cultura, portanto devemos preservar
para que permaneça intacta na veia dos indígenas. Nós garantimos essa belíssima cultura e mostramos
que temos persistência em preservar essa herança dentro dos povos Tiriyó, até então, para espantar
os espíritos maus.”
100 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
-Parques da minha aldeia têm a responsabilidade de repassar todos os conhecimentos que eles apren-
deram no curso para seus filhos e seus netos, mas pra eles desenvolverem melhor seus trabalhos tem
que ter equipamentos, porque muita vontade eles têm, mas não têm equipamentos”.
Discutir e debater temas relacionados ao meio ambiente e proteção de animais silvestres, ficou
mais frequente dentro das aldeias. Graças ao curso, os alunos participantes, adquirem outra visão, uma
sensibilidade maior sobre o assunto. Hoje em dia, já podemos encontrar lixo mais tratado nas aldeias,
alguns até reciclados como: garrafas pet, pilhas e baterias usadas, descartadas e armazenadas em ca-
rotes de 50 litros. Todas essas instruções são repassadas durante aulas do curso de Guardas-Parques.
Com mais sensibilidade, esses guardas também desenvolvem pequenas ações junto comunidade, entre
elas os “mutirões”, contando com a participação de todos na limpeza das aldeias.
Com quase quatro milhões de hectares, os indígenas sempre tiveram uma perspectiva de fartura.
Em todos os comentários e observações, eles mencionam que a natureza sempre se encarrega de re-
por aquilo que foi tirado. De fato, a natureza faz sua parte, mas é preciso lembrar que tudo o que se
retira e não se repõe, um dia pode acabar. Essa frase foi repassada aos alunos por um instrutor durante
o Curso de Guardas-Parques. Notou-se, o afloramento da sensibilidade, mudando totalmente os seus
conceitos.
Nas palavras de João Evangelista, Guarda Parque Indígena atuante: “Antigamente eu não me
preocupava com a minha terra, achava que toda essa fartura nunca iria acabar, porque era muito gran-
de e tinha muito animais, mas depois do curso eu tive outra visão e agora eu sei. Se eu não proteger
minha terra, um dia isso tudo vai acabar e meus filhos não terão a oportunidades de presenciar o que
presenciei”.
Durante a expedição, os Guardas-Parques e lideranças se reúnem por vários dias em reuniões
dentro das aldeias. Lá eles discutem formas e alternativas de melhoria da proteção e do bem-estar dos
povos indígenas daquela região. “Hoje sabemos que muitos dos nossos jovens são guardas-parques
capacitados e sempre se reunimos e os ensinamos a importância de proteger nossas florestas, para que
eles possam repassar para seus filhos”, diz Pedro Ashefo – Cacique Pedra da Onça.
Pedro sempre se preocupa com a proteção do meio ambiente e garante que faz o controle da
caça e pesca de sua aldeia. Ele continuou: “Sempre ensino o povo da minha aldeia a matar somente
o necessário pra sua família e hoje esses ensinamento já faz parte da rotina dos Guardas-Parques que
sempre estão passando isso para minha comunidade”.
O controle da caça de animais silvestres se tornou um meio de proteção e controle da matança.
Hoje em dia, os indígenas já sabem que se eles não cuidarem de suas terras e não evitarem a mortan-
102 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
dade exagerada de animais, esses recursos ficarão escassos e a comunidade ficará com fome. Hoje,
pode-se dizer que o Parque Indígena do Tumucumaque Paru de Leste e Oeste está bem preservado.
Áreas muito densas e intocadas pelo homem, animais que, em outros locais, estão ameaçados de ex-
tinção, rios limpos, madeiras de lei e árvores centenárias ainda fazem parte do cenário daquela região.
Disse Makwapoty Apalai, Guarda-Parque Indígena atuante: “Sempre penso no futuro dos meus filhos
e dos filhos dos meus filhos. Quero morrer e deixar uma natureza preservada, onde futuramente eles
possam usufruir do que hoje eu usufruo hoje”.
A Equipe de Conservação da Amazônia (ACT Brasil) foi uma das instituições pioneiras no País
a desenvolver cursos de treinamento de Guardas-Parques, capacitando profissionais para atuarem em
uma atividade tão específica e importante como esta. Para a Equipe de Conservação da Amazônia,
o fortalecimento das comunidades tradicionais dentro e no entorno das Áreas Protegidas é uma das
principais formas de perpetuar os valores ambientais e culturais.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 103
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Primeiro quero cumprimentar a todos que estão promovendo este evento. O pessoal daqui do
Governo do Estado, as associações, as lideranças indígenas. Eu sou Lúcio Flores, sou do povo Terena,
sou assessor técnico da COIAB, não estar nenhum dos coordenadores aqui devido às suas agendas,
mas eu estou assessorando constantemente a COIAB ali em Manaus, a partir do Centro de Informa-
ção e também nesse tema ambiental.
Quero em nome da COIAB agradecer ao convite que foi direcionado a nós, e também aqui estra-
nhando um pouco a pequena participação indígena. Isso a gente sente muito por causa da situação das
agendas do Estado, mas, seria legal que tivesse mais parentes aqui, não? Bastante, para gente conversar
muito. Um estado que tem muitos povos indígenas, talvez um número maior seria bastante interessan-
te, mas esta é um constatação a partir, como eu disse, do meu desconhecimento da situação no Estado.
Nós estamos atuando há algum tempo dentro dessa questão ambiental e também como a FUNAI
fez eu vou fazer um pequeno resgate histórico para que a gente tenha compreensão de por que nós
estamos bastante envolvidos neste tema de meio ambiente hoje.
Ela fica em Manaus em termo de informação para todos e gostaria em nome da COIAB agra-
decer o convite feito para nós podermos explanar as condições indígenas e gostaria que pudessem
ter números maiores de parentes para participar e seria melhor para nós a sua presença. Nós estamos
atuando por um tempo na questão ambiental.
Estamos tão envolvidos no meio ambiente e nas questões relacionadas sobre o tema ambiental
e agora territorial também. Primeiro aqui tem um mapa, que mostra como foi discutido a reunião no
Maranhão e em Imperatriz inicialmente. Tratamos de assuntos ambientais e constatações conhecidas
no estado e em outras federações. Farei agora um apanhado histórico sobre a atuação da COIAB.
Aqui está o mapa das regiões de atuação da COIAB que vocês podem ver as áreas onde tem as
Terras Indígenas, e onde estão as regiões. Desde a última assembléia da COIAB que ocorreu lá no
Maranhão, em Imperatriz, nós já temos uma configuração nova com outras regiões que ainda não es-
tão nesse mapa, mas é um número bastante elevado de regiões ou de organizações indígenas que estão
ligadas à COIAB e onde a COIAB tem atuação mais forte com as organizações.
28
Transcrição da palestra ocorrida durante o Seminário em 07/06/2010.
29
Assessor Técnico da COIAB no escritório de Manaus, e-mail: lflores@TNC.ORG
104 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
E aqui alguns fatos que foram marcantes nessa fase. Dois fatos que foram importantes na COIAB
especificamente: o Departamento Etnoambiental criado em 2004 com apoio de alguns parceiros. A
COIAB finalmente criou seu Departamento Ambiental e nós estávamos no começo pela necessidade
do começo para o estudo e alguns fatos marcantes nesta fase, onde nós éramos três 3 pessoas que
trabalhavam nesta proposta, eu e um outro parente já falecido chamado Jorge Terena e também um
outro assessor Manoel que estávamos tentando montar uma proposta de gestão ambiental em Terras
Indígenas e como funcionaria um Departamento Ambiental na COIAB, numa época em que a gente
não discutia ainda isso tecnicamente, então foi um período assim porque também, nós não estávamos
diretamente indo para as áreas técnicas do meio ambiente.
E, também, no ano de 2006, foi criado no caso o Centro Amazônico de Formação Indígena a
que tem um representante nosso lá. Já temos formado algumas turmas pra toda a Amazônia, onde
o foco é a questão ambiental, é a gestão dos territórios e são os projetos de sustentabilidade para as
Terras Indígenas. E aí no nível do governo nós vemos questões agora a pouco que as coisas também
estavam caminhando paralelamente, nós temos o trabalho entre o Governo e as lideranças indígenas e
parceiros e organizações indígenas, como já vimos anteriormente, PPTAL, PDPI e Carteira Indígena
mais recentemente.
A atuação política da COIAB a partir de 2003, numa primeira reunião com o Governo, nesse
período a COIAB naquela época, ainda com a política com o horizonte do PNGATI, com os planos
indígenas do PNGATI e algumas lideranças de outras regiões do país, buscou uma reunião com o
Governo para discutir a questão da gestão ambiental. Uma vez que ainda não havia nada de muito
concreto nessa área.
Então a demanda levada foi exatamente isso a gestão ambiental nas terras indígenas. Uma vez que
se começava ou se intensificava a questão das mudanças climáticas e havia os primeiros sinais dos me-
canismos de REEDs que a gente provavelmente vai ver aqui alguma coisa e, também onde se procurava
entender mais algumas propostas de grandes projetos e também uma análise de como esses projetos
impactaram as Terras Indígenas, como hidrelétricas, rodovias. Então, havia essa preocupação muito forte
e essa primeira equipe se reuniu com, setores do Governo para discutir a questão da gestão ambiental.
Aí foi criado então um GT, um Grupo de Trabalho, o GEF Indígena e houve a construção da
primeira proposta do projeto. E nesse momento estavam a COIAB, a APOINME (Articulação dos
Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e espírito Santo) e as lideranças indígenas
de todo o Brasil. A princípio era uma proposta para a Amazônia depois se estendeu para uma proposta
para o Brasil todo e, esse foi um projeto que foi construído em conjunto, as lideranças indígenas, esse
GT e os setores do Governo, parceiros que tiveram sempre apoiando a construção dessa proposta.
106 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Vejam que neste período tem o surgimento de outras organizações indígenas que na época inicial
era apenas COIAB e APOINME aqui surge já a ARPINSUL (Articulação dos Povos Indígenas do Sul),
ARPIPAN (Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal) e ARPINSUDESTE (Articulação dos Po-
vos Indígenas do Sudeste) são organizações de outras regiões, a ARPINSUL é uma organização dos
estados do Sul, ARPIPAN é do Pantanal e região e a ARPINSUDESTE é da região sudeste do Brasil
mesmo.
O nascimento destas organizações nasce no contexto da gestão ambiental, isso é interessante,
porque elas entram para fortalecer exatamente a luta política, mas a partir desse tema do meio am-
biente. E isso foi importante porque as organizações começaram a se fortalecer não apenas na questão
ambiental, mas politicamente nas regiões elas começaram a se fortalecer.
Daí se criou o “Abril Indígena” que muitos parentes aqui devem ter participado já, que é o acam-
pamento Terra Verde que acontece anualmente lá em Brasília com 800 lideranças a 1000 lideranças,
quase um grande Fórum Indígena, e a COIAB sempre esteve à frente dessas discussões, por quê?
Porque a COIAB desde o início era a organizações indígenas com mais força política a nível nacional
e, quem conseguia de fato envolver essas instituições assim como os setores do Governo para fazer
essa discussão.
E hoje nós temos a APIBI que é uma articulação dos povos de todo o Brasil e algumas possibilidades
de criação de outras organizações regionais que foi aqui, lá no Mato Grosso, em Cuiabá na reunião da PN-
GATI nacional alguns dias atrás, temos acompanhado a discussão dos povos da região que estão também
criando uma grande organização indígena no estado, e acho que esta aqui é a camiseta deles.
E isso é muito simbólico porque o Megaron o Tukaramon fez, né? Ele tava com essa camisa e ele
amostrou assim e disse: “leiam nas minhas costas aqui os nomes. Aqui. Aí tem a APOINME, a AR-
PIPAN, a ARPINSUL, a COIAB, a ARPINSUDESTE, aí Megaron disse assim: “onde nós estamos
aqui, cadê o nosso nome?”Nós já somos uma organização para estar nessa camiseta também. Nossas
organizações eram para estar nessa camiseta aqui também.
Então isso é uma tendência de fortalecimento e crescimento do potencial do movimento indíge-
na através das organizações. E ai dentro desse processo todo: Governo, organizações indígena há essa
aprovação do projeto GEF em 2008, que semana que vem vamos estar lá em Brasília, já instalando o
conselho diretor e levando já uma proposta porque sempre é importante entender isso as organizações
indígenas sempre fizeram o papel de trazer o Governo para discussão e nesse momento o Governo
estava desarticulado, sem muitos ministérios vários pensamentos, então os indígenas sempre que iam
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 107
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
se reunir com o Governo tinha uma reunião antes para se preparar levar uma proposta e apresentar
ao Governo. Semana que vem nós vamos nós fazer isso de novo, lá em Brasília. A gente se reúne só
movimento indígena faz uma proposta e vamos apresentar quinta e sexta ao Governo. Então esse é
um processo que vai ter continuidade.
Ocorre então a criação da GTI da PNGAT através da portaria 278/2008. Aqui é as fotos das
reuniões preparatórias com o Governo que nós vamos ter de novo ano que vem e esse grupo, esse
GT é que fez a construção do documento base, e ai esse documento base vem inserido o termo gestão
territorial, que não havia antes era só gestão ambiental, tanto que PNGATI não tem o T de territorial.
Então foi uma luta muito grande que as lideranças discutiram muito e conseguiram colocar dentro
do tema agora de gestão territorial, porque as lideranças diziam assim também: “pra nós não é só o
meio ambiente, a questão é territorial também” então foi muito importante essa discussão que ocorreu
durante esse longo período.
E aí as consultas regionais que já fizemos em Recife, Curitiba, Campo grande, Cuiabá, além de
reuniões prévias. Nós teremos ainda nesse mês, antes da reunião em Manaus vamos ter uma em Ma-
capá, uma em Boa Vista e outra em Porto Velho. São reuniões prévias antes de irem para uma reunião
grande. As lideranças se reúnem discutem e conhecem o documento já analisam o documento e já
chegam um pouco mais preparadas para a grande reunião.
E aí o compromisso político da COIAB com a gestão ambiental e territorial das terras indígenas
da Amazônia. A COIAB fez historicamente isso e deve continuar fazendo a defesa dos direitos. Esta-
vam recentemente os coordenadores nesta reunião de Altamira no final de semana na questão de Belo
Monte que é um tema bastante quente que deve ser feita em alguns momentos a discussão aqui. Mas
a COIAB tem feito a defesa dos territórios através da sua força política que está sempre em diálogo
com o Governo, através de reuniões diretas ou através de documentos, mas a COIAB tem uma parti-
cipação muito forte neste momento e deve continuar o seu compromisso.
Os instrumentos que a COIAB tem: primeiro é o Departamento Etnoambiental que tem um
volume de informações já acumuladas que podem ser utilizadas e também o Centro Amazônico de
Formação Indígena que é um centro que está na cidade de Manaus, a gente recebe anualmente 15 a 20
estudantes indígenas de todo Amazônia. Daqui do Pará já foram vários pra lá, e nós trabalhamos ali
dois cursos: um de Gestão de projetos e outros de gestão etnoambiental e uma das coisas que estão
inseridas neste curso, a partir do ano passado de 2009 é a questão do carbono.
108 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Nossos alunos foram para a floresta medir árvores e calcular para saber quanto de carbono tem
de estoque em suas florestas. Essa foi uma das atividades muito interessante que nós começamos a
partir do ano passado e devemos continuar, mas exatamente para que os alunos saiam do centro de
formação da COIAB, possam ter esse nível de informação também para discutir em suas comunida-
des. Além do curso de projetos que ajuda no gerenciamento das instituições e também gerenciamento
dos projetos, mas sempre direcionados para área ambiental.
Eu também coloco os membros da GTI que são o Paulo Manchineri que é lá do Acre e o Lau-
reço Kricati do Maranhão e também eu, Lúcio e Chico Apurinã que estamos na assessoria. O Chico
Apurinã é representante da COIAB em Brasília, tem um escritório de representação lá e eu que faço a
assessoria da COIAB para apoiar em Manaus e também através do conselho diretor do GEF que será
instalado e o Chico Apurinã e a Sonia Guajajara que é a vice-coordenadora da COIAB que estarão
trabalhando diretamente na implementação do GEF Indígena que esse ano deve ser iniciado.
A COIAB busca a criação de uma política de Estado para a gestão territorial e ambiental em ter-
ras indígenas e depois os projetos bem sucedidos até como nós vimos o PPTAL o PDPI e o próprio
GEF que ainda não está concluído, mas tem um tempo de início e finalização.
A discussão do movimento indígena como um todo e sempre a COIAB esteve a frente dessa dis-
cussão é de como se criar uma política permanente de Estado para gestão de terras indígenas. Nesse
sentido, eu vejo que há uma aproximação com o Governo do Pará e com as instituições parceiras aqui
que é exatamente a criação de um mecanismo permanente e nós entendemos que a PNGATI deve
fazer já esse primeiro documento que uma vez assinado vai se tornar essa política permanente, então
esse é o papel que a COIAB tem feito neste período.
Aí estão os Coordenadores da COIAB: Marcos Apurinã (Coordenador Geral), Sônia Guajajara
do Maranhão (Vice Coordenadora), Cleyton Javaé que é o secretário que vêm do Estado do Tocantins
e o Cleber Karipuna que é tesoureiro que vem do Estado do Amapá.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 109
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Bom dia minha gente. Sou Juventino da etnia Kaxuyana do Parque Indígena do Tumucumaque
no norte do Pará, só que a jurisdição dos povos do Tumucumaque é na cidade de Macapá. Como o
nosso tempo é muito curto, vou fazer uma breve apresentação do que estamos fazendo hoje para me-
lhoria do nosso meio ambiente.
A associação dos povos indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana tem como sigla a APITIKATI.
Na foto, podemos ver Marapi e a pedrinha que vocês estão vendo no meio do rio ali, tem uma história.
As associações dos povos indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana é uma entidade civil de direito
civil, privados sem fins lucrativos, sem vínculos políticos partidários com sede na cidade de Maca-
pá, com prazo de duração indeterminado tendo representação situada na Avenida Mão Luzia 1083,
Macapá-AP.
A APITIKATI foi criada em outubro de 2004 com finalidade de congregar pessoas, profissionais
indígenas para desenvolver, elaborar e executar projetos que visem melhorar a qualidade de vida das
etnias Tiriyós, Kaxuyanas e Txikuyanas, as quais habitam a Terra Indígena - Parque Indígena do Tu-
mucumaque, lado oeste.
A contextualização geográfica na terra indígena compreende em uma área de 3.71 milhões de
hectares. Possui uma pequena parte da sua área na região noroeste do Estado do Amapá. As etnias
Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana concentram se na parte ocidental da terra indígena parque do Tumu-
cumaque ao longo do rio Tucharé e Farol do Oeste. A referida região é a principal área de atuação da
APITIKATI.
A figura 01, onde vocês estão vendo, a seguir, temos o mapa, essa faixa vermelha temos duas
áreas: uma é representada pela APITU, que é essa região lá do oeste e o lado leste que é representado
pela APITIKATI, nessa faixa a qual eu citei nesse momento.
30
Transcrição da palestra ocorrida durante o Seminário em 07/06/2010.
31
Liderança Indígena Kaxuyana, presidente da APITIKATI, e-mail: apitikatxi@gmail.com
110 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Temos realizado as seguintes ações ambientais: curso de guardas-parques indígenas e tendo como
parceiro a ACT Brasil.
Temos realizado as seguintes ações ambientais: curso de guarda parques indígenas e tendo como
parceiro a ACT Brasil.
A APITIKATI realizou, em março de 2010, o Seminário Pagamento de Serviços ambientais
(PSA), uma proposta para Terra Indígena parque do Tumucumaque tendo como resultando a pactua-
ção com uma parceria a METARELA e também a realização do curso específico para indígena sobre
REDDS e PSA, que será realizado agora a partir de sexta-feira dia 11 de junho em Macapá. Também
estamos procurando possibilidade de novas parcerias. Também promovemos o intercâmbio com indí-
genas do Tumucumaque do lado oeste e indígenas do Xingu através da parceria com o IEPÉ.
Temos como principal dificuldade à falta de implementação do plano de fiscalização e gestão por
parte dos órgãos competentes. O acesso ao parque indígena do Tumucumaque, somente é possível via
aérea o que onera qualquer ação. Outras questões importantes de serem comentadas aqui são o for-
talecimento dos conselhos; o apoio técnico dos projetos implementados por órgãos governamentais;
a regulamentação das pistas de pousos do Parque Indígena do Tumucumaque, porque o único acesso
que nós temos para o parque é via aérea.
Tem aqui algumas fotos (Prancha 01) para mostrar a vocês. A primeira é uma escola. Infelizmente
como foi colocado quando falam em ações urgentes, em construção e ação do Governo infelizmente
aqui no parque não funciona. Nesta outra foto aqui é uma escola dentro do parque. Nesta outra é uma
pista de pouso e todas elas são irregulares, bem aqui perto é a aldeia, é aqui estão pousando e, aqui os
indígenas estão embarcando para daqui a pouco sair. A única pista que hoje está homologada é a pista
de Tiriyós, porque lá o exército e a Aeronáutica usam a pista e é usado somente por eles.
Os projetos a serem desenvolvidos pela APITIKATI são: projeto fortalecendo novas aldeias
do Tumucumaque lado leste, financiadas pelo recurso do PDPI, o segundo é curso de formação de
gestores indígenas e projetos indígenas do Amapá e norte do Pará, também financiado pelo PDPI,
complementam o projeto curso de gestores também a parceria financiada também pela ACT Brasil e
Banco do Brasil. Projeto fortalecendo novas aldeias do parque do Tumucumaque lado oeste financia-
dos pelo PDPI e projetos demonstrativos dos povos indígenas MMA, KFW-Alemanha.
112 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Principais atividades do projeto: curso de construção de canoas que foi o primeiro projeto pelo
PDPI, criação de abelhas, expedição do parque do Tumucumaque para ver a viabilidade de escoamen-
to de produtos e também o curso de noções de administração de projetos. E a gente ia lá na aldeia e
fazia a prestação de conta. O saldo e tudo isso a gente mostrava pra eles neste projeto.
Na foto, já estão fazendo a expedição do parque em destino da cidade de Oriximiná. Aqui na
outra foto é a criação de abelhas, aqui é a administração, esse aqui (foto) é a cachoeira saindo do par-
que e já começa muita cachoeira aqui estão descendo e puxando a canoa para seguir a viajem e aqui a
prestação de contas que a gente está fazendo. Tem o curso de gestores indígenas de projetos indígenas
do Amazonas e do Pará também financiado pelo PDPI, MMA e GTZ da Alemanha com comple-
mentação desse recurso também a Fundação Banco do Brasil, APIUWATÁ e parceiros que são uma
organização integrada de ação social da Amazônia Oriental, com objetivos de formar um quadro de
recursos humanos indígenas para atuarem junto a suas respectivas comunidades no sentido de elabo-
rarem, executarem ou gerenciarem projetos que ajudem as referidas comunidades em suas demandas
locais, diminuindo assim as suas dependências aos não índios.
Bem, aqui na foto (na Prancha 01 acima) já são os alunos do projeto indígena do Amapá e do Pará
que estão fazendo uma apresentação. Também temos a foto (Prancha 01) do curso de guarda parques
indígenas que são cursos que são financiados pela Fundação Moore execução de Coordenação da
Rosane que é da ACT Brasil em parceria com a APITIKATI.
Objetivo do curso é formar, instrumentalizar indígenas do parque e indígenas do Tumucuma-
que para atuarem em combate de pequenos incêndios da área, vigilância da área, marcar pontos de
invasões ou garimpos, prestar atendimento de primeiros socorros, realizar palestra sobre educação
ambiental, enfim. Aqui nesta outra foto são cursos que foram realizados em Macapá. Nessa outra foto
aqui, eu estou dando palestras para os alunos. Aqui o procurador do Estado. Aqui já estão os alunos
indígenas e aqui um dos instrutores de jovens indigenistas. Temos também a estação digital financiada
pela Fundação Banco do Brasil execução do APITIKATI, apoio do IEPÉ parceiro ACT Brasil.
O objetivo é promover a inclusão digital para as populações indígenas, principalmente as quais
APITIKATI representa. O projeto foi conseguido com a parceria com a Fundação Banco do Brasil
através Deputada Janete e aqui a convidamos no dia da inauguração que estava aberta ao público de
Macapá. Aqui são os primeiros alunos no dia da inauguração.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 113
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A perspectiva da APITIKATI para o futura é continuar defendendo os direitos dos povos indí-
genas, os quais representam e desenvolvem projetos sociais ou econômicos sustentáveis para as comu-
nidades indígenas do Parque do Tumucumaque, fortalecendo a cultura, resgatando e aprimorando o
artesanato, a arte indígena Tiriyó e Kaxuyana. Fortalecer as atividades dos guardas parques indígenas
na área do Tumucumaque e formalizar uma proposta de PSA (Pagamento de Serviços Ambientais).
Obrigado, aqui está o nosso contato!
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 115
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O Art. 26 da Lei Nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), prevê:
“Art. 26. Quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou
sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita
de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a
presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional.
Parágrafo único. O regulamento desta Lei disporá sobre a forma de gestão integrada do conjunto das unidades.”
“Capítulo III - Do Mosaico de Unidades de Conservação Art. 8o O mosaico de unidades de conservação será reconhecido
em ato do Ministério do Meio Ambiente, a pedido dos órgãos gestores das unidades de conservação.
30
Transcrição da palestra ocorrida durante o Seminário em 07/06/2010.
31
Liderança Indígena Kaxuyana, presidente da APITIKATI, e-mail: apitikatxi@gmail.com
116 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Art.9o O mosaico deverá dispor de um conselho de mosaico com caráter consultivo e a função de atuar como instância de
gestão integrada das unidades de conservação que o compõem.”
De modo geral, o que a legislação prevê é: ocorrendo uma certa configuração espacial – isto é,
unidades de conservação e outras áreas protegidas próximas, vizinhas ou sobrepostas – fica indicado
que se faça a gestão dessa dada configuração de forma integrada e participativa, com cada parte pre-
servando seus objetivos de conservação ambiental e da biodiversidade.
Com base na legislação acima citada, em 2005, o Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), em
cooperação com a Diretoria de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, lançou o Edital
“Mosaicos de Áreas Protegidas: Uma Estratégia de Desenvolvimento Territorial com Base Conser-
vacionista” (Edital Nº 01/2005), no qual abriu processo de seleção pública de projetos voltados à
“formação de mosaicos de unidades de conservação e outras áreas legalmente protegidas”. No pró-
prio Edital, o FNMA esclarece que, em consonância com a Lei do SNUC, para fins daquele processo
seletivo, estavam sendo consideradas áreas legalmente protegidas:
• aquelas previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC);
• aquelas previstas no Código Florestal Brasileiro;
• Terras Indígenas e;
• Terras de Quilombo reconhecidas pelo poder público.
A proposta do FNMA para processo público de seleção dos projetos de mosaico contemplou
diferencial relevante: uma concepção de proteção que valoriza as terras indígenas e o modo de vida
indígena como importantes (e exemplares) para a preservação ambiental e alternativa de vida sustentável.
Por extensão, a proposta leva à integração dos grupos indígenas no processo regional de gestão das unida-
des de conservação ao tratar claramente as terras indígenas e quilombolas como “áreas protegidas”. Assim, as
terras indígenas compõem mosaicos como cooperantes na preservação, respeitadas suas especificidades.
Do ponto de vista dos grupos indígenas, esse diferencial não passou despercebido, uma vez que
lideranças Tiriyó, Kaxuyana, Wayana e Aparai afirmaram que não aceitariam aderir ao Mosaico de
Áreas Protegidas do Oeste do Amapá e Norte do Pará se as terras indígenas que ocupam passassem
a ser tratadas como unidades de conservação ou se o Mosaico fosse uma nova área, englobando e
subordinando suas áreas de composição a uma gestão central.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 117
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Além de prever a formação de mosaicos não compostos exclusivamente por unidades de con-
servação, o Edital FNMA Nº 01/2005 trouxe outro elemento diferencial, quando incorporou ao
processo a abordagem do Desenvolvimento Territorial em Base Conservacionista (DTBC). Por essa
via, a garantia da sustentabilidade e qualidade de vida das populações envolvidas se vincula a ações de
proteção e conservação por essas mesmas populações. Formalmente, a obtenção desse resultado ficou
definida na obrigatoriedade de elaboração e apresentação de um plano de DTBC como produto do
projeto aprovado. De acordo com o FNMA, o objetivo da iniciativa foi:
“(...) integrar e fortalecer os diversos programas e projetos inseridos no SNUC, internos e externos ao
MMA, orientados à articulação de iniciativas promotoras da gestão ecossistêmica do território, com intui-
to de compatibilizar a conservação da biodiversidade, o desenvolvimento de atividades econômicas e a melho-
ria da qualidade de vida das populações dos diferentes biomas brasileiros.” (Edital FNMA Nº 01/2005,
pg 07)
“(...) estabelecer formas de associação entre desenvolvimento e conservação, estabelecendo e fortalecendo cadeias produtivas/
econômicas que têm como base, os produtos e serviços gerados pelas atividades conservacionistas.” (pg. 06)
34
Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que assumiu a gestão do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque
(PNMT), a parceria no Projeto Mosaico foi conduzida pelo ICMBio, por meio da equipe gestora do Parque.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 119
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
• Criar canais de comunicação e articulação entre as diferentes populações e as condições para que
emergisse daí uma identidade territorial referida ao Mosaico e ao desenvolvimento em base conser-
vacionista;
• Disseminação de informações sobre legislação ambiental e indigenista.
As atividades iniciais de mobilização encontraram muita abertura nas comunidades procuradas.
A região em que se localiza o Mosaico apresenta alto grau de conservação dos ambientes naturais,
mas também falta de estrutura. Toda e qualquer proposta potencialmente capaz de operar como canal
entre as populações e as instâncias de tomada de decisão são imediatamente acolhidas pelas comuni-
dades, suas lideranças e representantes.
Os trabalhos da segunda etapa também foram realizados por meio de oficinas, seminários e
reuniões. Os objetivos, tal como mencionado acima eram: a definição da composição do Conselho
Consultivo, a elaboração de seu Regimento Interno e a elaboração do Plano de DTBC.
Confirmando o entendimento sobre o forte engajamento dos representantes comunitários no
processo de formação do Mosaico, o seminário que resultou na definição da composição do Conselho
Consultivo foi marcado por debates intensos e disputa em torno dos assentos definidos. O empenho
de algumas lideranças e representantes sinaliza também para um desafio permanente do Conselho e
de todos os envolvidos na implementação do Mosaico: fortalecer os mecanismos de representação
e participação, de modo a constituir e consolidar canais de comunicação e informação entre as co-
munidades e o Conselho. As grandes distâncias envolvidas, as dificuldades de comunicação e outros
problemas de infraestrutura são fatores que contribuem para a perda de legitimidade de lideranças
comunitárias, associações e organizações que se veem obrigadas a convergir para os centros de tomada
de decisão e acabam por se afastar de suas bases. Ao mesmo tempo, esses fatores também impõem
obstáculos à articulação intercomunitária, o que favorece a pulverização da representação.
Para a elaboração do Regimento Interno, o empenho dos representantes comunitários somou-se
à maior participação institucional, no geral bastante precária ao longo de toda a execução do Projeto
Mosaico. Durante os debates ficou evidente a importância de um instrumento como o mosaico para
a gestão de conflitos intercomunitários. No caso do Amapá, o acesso à terra por parte de pequenos
produtores ainda não se faz livre de conflitos, sendo também frequentes os entraves à regularização
fundiária. Como consequência, registram-se muitas situações de conflitos localizados envolvendo o
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 123
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
acesso não autorizado a terras e recursos nas terras indígenas e unidades de conservação, bem como
dificuldades para implementação de regras de uso nas zonas de amortecimento.
Na elaboração do Plano de Desenvolvimento Territorial em Base Conservacionista (Plano de
DTBC), a estratégia adotada envolveu dois momentos – um de dispersão, realizado localmente; e ou-
tro de concentração, reunindo representantes para deliberações finais.
Para as oficinas realizadas nas comunidades, a elaboração do Plano de DTBC mostrou-se impor-
tante em dois sentidos:
• trouxe novas oportunidades de divulgação do Mosaico e suas diretrizes, inclusive a identidade terri-
torial referida ao Mosaico;
• permitiu o exercício da representação e a cobrança direta, pelas lideranças locais, quanto ao papel
de seus representantes externos no Mosaico e outras situações em que é fundamental a manutenção
do fluxo de informação.
Nessas oficinas foram trabalhadas pautas coletivas direcionadas para o desenvolvimento e a sus-
tentabilidade como elementos indissociáveis para a proteção e a conservação dos territórios, do am-
biente e da biodiversidade. Ao longo dos trabalhos foi possível verificar como as comunidades vin-
culam a geração de renda – tema central na proposta do FNMA para o Plano de DTBC – ao acesso
a novas tecnologias em comunicação, à energia renovável e a mecanismos de controle de resíduos
sólidos nas áreas protegidas e áreas de assentamento rural.
As propostas para o Plano de DTBC elaboradas nas oficinas locais foram apresentadas e deba-
tidas em reunião de representantes definidos para o Conselho Consultivo. Conforme acordado com
as comunidades, as propostas elaboradas localmente poderiam sofrer adequações na etapa de conso-
lidação do documento.
Com base nos resultados obtidos nas oficinas e na reunião de consolidação, o Plano de DTBC
para o Mosaico de Áreas Protegidas do Oeste do Amapá e Norte do Pará está composto por sete ei-
xos temáticos: meio ambiente; atividades econômicas sustentáveis; território, fiscalização e vigilância;
organização e articulação; comunicação e divulgação; infraestrutura; formação e capacitação.
Para cada um desses eixos foram definidas linhas de ação prioritárias comuns a todo o Mosaico.
O Plano detalhado para cada área que compõe o Mosaico parte dessa estrutura básica definindo den-
tro de cada linha de ação os projetos e atividades, de modo que a estrutura básica se multiplica em de-
zenas de propostas por área (unidade de conservação ou terra indígena), contemplando as populações
que ocupam o entorno a as zonas de amortecimento das diferentes unidades territoriais.
124 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Durante vários anos, os indígenas Mebêngôkre-Kayapó da aldeia Moikarakô na TIK (Terra Indí-
gena Kayapó, Estado do Pará) fizeram trabalhos de cartografia em colaboração com antropólogos e
geógrafos do IRD (um instituto de pesquisa científica Francês) e do MPEG (Museu Paraense Emílio
Goeldi, de Belém)37.
Portanto, apresentaremos neste artigo alguns resultados de uma experiência bastante extensa, em
que realizamos atividades de mapeamento participativo a partir de imagens de satélite, com objetivos
que foram evoluindo ao passar do tempo em função das demandas da comunidade, das possibilidades
dos pesquisadores e dos objetivos de ambos.
É importante especificar que apresentamos aqui o resultado de um trabalho coletivo para o qual
participaram muitas pessoas que estiveram dentro ou fora da aldeia e também em um trabalho que está
ainda inacabado, em virtude de continuarmos a melhorar ainda hoje os nossos mapas.
Atualmente, velhos e jovens concordam com a ideia de que é muito importante fazer mapas, pois,
no começo da experiência, nós observamos que não sabíamos ler no papel, nem ler os mapas que já
existiam, nem fazer os mapas que precisávamos. Foi possível perceber o poder dos mapas, também
para apoiar as lutas do povo Mebêngôkre. Agora, nós jovens, já começamos a fazer, ou seja, a apren-
der e utilizar sozinhos esse instrumento que antes era exclusivo dos kuben, “brancos” ou não índios.
A aldeia Moikarakô é habitada pelo povo indígena Mebêngôkre, também chamado Kayapó, e
conta com cerca de 300 habitantes (figura 1). Faz dez anos, que a aldeia se encontra na beira do Riozi-
nho, um afluente do rio Xingu que atravessa a Terra Indígena Kayapó (TIK). Este importante territó-
rio indígena homologado em 1991 depois de muita luta se estende sobre 32.840 km2, essencialmente
cobertos de floresta. Moikarakô pertence ao Distrito de São Félix do Xingu, no sul do Estado do Pará.
35
Pesquisador Indígena Kayapó, Aldeia Moikarakô.
36
Antropóloga, Pesquisadora do IRD-Francês, e-mail: kokopieti@yahoo.com
37
As nossas pesquisas com mapeamento participativo como ferramenta metodológica foram realizadas nos programas “As Cidades como Lócus do Desenvolvim-
ento Sustentável do Território na Amazônia” do CNPq-UFRJ/IRD, “Manejo Atual da Agrobiodiversidade Mebengokre (Pará)” do CNPq-MPEG/IRD, “Aprimoramento das
estratégias de vigilância para a fronteira norte da Terra Indígena Kayapó” do PDPI-AFP/IRD e “Outil d’aide à la gestion d’Aires Protégées amazoniennes par les populations
locales” do SEAS/IRD. Agradecemos as instituições aqui citadas, os colegas que participaram dos trabalhos e sobre todo a comunidade de Moikarakô.
126 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Tivemos a ideia de trabalhar com mapeamento nesta aldeia a partir de desenhos feitos no chão,
quando os idosos de Moikarakô explicavam para os pesquisadores a história dos Mebêngôkre, dese-
nhando as localizações das aldeias antigas e novas, contando as guerras, as cisões e as fundações de
aldeias, traçando na terra os caminhos e os rios da “nossa terra”. Dessa maneira, eles faziam compre-
ender as dinâmicas sociais e os usos tradicionais do território revelando “os mapas que temos na cabe-
ça” que também são os mapas que os permitem andar no mato sem se perder nunca. Finalmente, nos
entendemos que mapas podem ser muitas coisas, podem ser, por exemplo, desenhos no chão, podem
ser também aqueles que nós já estamos mais acostumados a ver no papel.
Desde então, realizamos vários trabalhos de cartografia participativa. Para este apresentação, de-
cidimos mostrar três tipos de resultados, relativos às três etapas principais da nossa experiência na
aldeia Moikarakô e que correspondem também, na verdade, aos diferentes objetivos - e portando
diferentes métodos - que executamos ao longo dos anos. Assim, nosso primeiro objetivo geral foi de
mostrar o nosso território. Depois ficamos preocupados em registrar os nossos conhecimentos
e agora queremos mais resultados para proteger a nossa floresta.
Na hora de começar um trabalho, sempre nos perguntamos para quê? E para quem queremos
fazer o mapa? Pois, como foi possível constatar durante essas experiências de mapeamento participa-
tivo na aldeia, os mapas podem servir para vários objetivos. Podem ser utilizados para mostrar alguma
coisa, mas também podem esconder objetos e informações. Dessa maneira, os mapas são um instru-
mento de comunicação que é possível utilizar para melhorar o diálogo entre as pessoas, as gerações, as
aldeias, as instituições e entre os povos.
Porque e como começamos a trabalhar com mapas? Nós começamos observando os mapas que
foram comprados nas livrarias e bancas de jornal das cidades vizinhas. Ficamos muito surpreendidos
de constatar que no mapa do Estado do Pará não apareciam os territórios dos indígenas. No lugar da
TIK (Terra Indígena Kayapó), nós vimos um espaço que parecia vazio com pouquíssima informação.
Constatamos também que não se podiam visualizar corretamente os nomes das aldeias e que as suas
localizações eram muito aproximativas ou errôneas, nem os nomes dos rios estavam sempre certos.
Então a primeira demanda da Comunidade Kayapó de Moikarakô foi de fazer um mapa que não
possuísse as informações erradas. Contudo, quando os Kayapó perceberam o poder dos mapas, eles
quiseram construir outros tipos de documentos que representassem todo o território indígena. “Eles
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 127
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
dizem que a nossa terra é vazia? Vamos, então, fazer o nosso mapa”. Os primeiros mapas tinham o
objetivo de mostrar o nosso território aos que pareciam desconhecê-lo, de fazer reconhecer a sua exis-
tência e, sobretudo, os seus limites legais.
Trabalhamos a partir de imagens de satélite Lansat, que são mais facilmente acessíveis. Foi elabo-
rado um mosaico de quatro imagens que permite contemplar uma parte significativa da TIK e seu en-
torno imediato e iniciar dessa maneira um trabalho de reconhecimento do território de forma global.
Todo mundo na aldeia ficou impressionado de constatar, nas imagens, o contraste entre a parte
de cor verde que é de floresta que está na Terra Indígena e a parte rosa que são as áreas das fazendas
e áreas desmatadas no entorno da TIK.
Os conflitos relativos à apropriação de terras são extremamente violentos no noroeste da terra
Kayapó e se intensificaram numa frente de desmatamento recente. Através dessas imagens de satélite,
podemos observar facilmente o avanço do desmatamento ao redor da TI dos Kayapó. Ao norte e a
leste, a TIK está completamente rodeada por áreas de pastagens que pertencem a grandes fazendas
e áreas de pastagens menores, plantadas por pequenos produtores migrantes. No sul e no oeste, se
expandem progressivamente as frentes da soja. Finalmente, a TIK se parece com uma ilha de floresta
verde num mar rosa de pastagens e estradas.
Dessa maneira, as imagens permitiram visualizar na aldeia as ameaças atuais sobre o território
indígena. Por tudo isso, foi decidido que era importante marcar as fronteiras territoriais que não
constavam nos mapas comprados na cidade, desenhando os limites da TIK (com base no mapa e
documentos da FUNAI) em cima do mosaico de imagens e afirmando o contraste entre florestas e
áreas desmatadas.
Nesse processo e durante uma festa tradicional, quando pessoas de muitas aldeias foram a Moi-
karakô 2, os Kayapó decidiram que deveriam deixar de marcar os limites territoriais internos (que
mostram as separações entre aldeias) e as diferentes categorias de florestas (para evitar a facilitação da
exploração ilegal de madeira).
O primeiro resultado cartográfico teve finalmente uma orientação política marcante; o mapa
devia representar todo o território, com as aldeias, os rios e os limites corretos da TIK, mas não os
conhecimentos botânicos e também não as divisões internas do povo Kayapó.
Trabalhamos muito as legendas: inventamos uma bandeira para nossa aldeia e também quisemos
afirmar que nós mesmos, junto com o nosso território, éramos também parte do Estado do Pará, do
Brasil, da América Latina e do mundo.
128 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Reunião sobre mapas em Moikarakô O Jovem Bepunu Kayapó e seu tio Pàt’hi, trabalham
Figura 1: Mapa Mebengokre nhõ pyka,. A Terra Indígena Kayapó e o seu entorno.
As imagens de satélite permitem perceber as ameaças territoriais. Fonte: IRD
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 129
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O mapa resultante (mapa 1) pode então ser um instrumento de diálogo com os “outros”, os
kuben (não índios),, e foi utilizado durante reuniões fora da aldeia para mostrar os limites da TIK, a
conservação da floresta e a união do povo Mebengôkrê.
Numa segunda etapa, ficou evidente que o mapeamento participativo podia também ser utilizado
numa perspectiva mais local. Assim como os mapas podem apoiar o reconhecimento do nosso territó-
rio pelos outros (não índios), eles também podem constituir um suporte interessante para informações
que interessam, em primeiro lugar, aos Mebêngôkre.
Nessa fase, foram fortalecidos os processos de apropriação das técnicas de mapeamento. Na
aldeia, às pessoas que desejavam participar tinham a possibilidade de desenhar (objetos, caminhos,
lugares,) em cima da base cartográfica “vazia” que foi elaborada na primeira fase.
Os jovens mais interessados, como Bepunu Kayapó, organizaram o trabalho em parceria com
seus tios mestres (Figura 3). Juntos, fizemos um registro dos nomes de lugares (toponímia) e dos
caminhos, no transcurso da história de uma vida que conta também parte da história do nosso povo.
Porque normalmente são os velhos que sabem andar no mato, que conhecem o lugar onde acampar, o
lugar para pescar, o lugar para tirar a castanha, o lugar para caçar. Dessa maneira, fizemos mapas para
registrar o conhecimento dos mebenguet (anciões) que são os que sabem muito: os mebenguet conhecem
todos os lugares e contam as histórias de nossa terra e as andanças do grupo. Ao mesmo tempo, os
jovens procuram os lugares e os caminhos de antigamente nas imagens de satélite e escrevem os no-
mes na língua Mebêngôkre.
Essa atividade promoveu o diálogo e transmissão de conhecimento entre gerações. Para fazer
esse mapa (Mapa 2), pegamos todos os nomes dos lugares com os velhos Apex Kayapó, Mote Kaya-
pó, Pan-i Kayapó, Kapotkamiure Kayapó e colocamos no mapa. Porém, isso foi um resultado que será
melhorado futuramente, pois a nossa ideia é de levar o mapa base nas outras aldeias para encher todo
o mapa da TIK com nomes de lugares.
A metodologia escolhida para esse próximo trabalho de mapeamento será de distribuir em cada
aldeia um ou vários exemplares de mapas “vazios” que serão preenchidos e coloridos com nomes de
lugares para depois criar outro mapa juntando todas as informações recolhidas em todas as aldeias.
O nosso objetivo é de mostrar que todo lugar tem um nome e que também pode ter uma história
particular. Isso é importante porque os anciãos sabem muitas coisas que os jovens não sabem e que
precisaremos ensinar as novas gerações. Nós temos menos oportunidades de andar no mato e de co-
130 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
nhecer o território que no passado, pois a vida dos indígenas na atualidade é mais sedentária. Também
é importante registrar a toponímia porque alguns não índios que veem o mato como se fosse tudo
fechado podem pensar que aqui não tem índios.
Nós, indígenas, conhecemos os lugares, incluindo os lugares que estão fora da Terra Indígena,
pois os lugares chamados hoje São Félix do Xingu, Redenção, Ourilândia tinham outros nomes e eram
habitados por indígenas que tiveram que deixar seus territórios para mudar para aldeias como, por
exemplo, Gorotire.
Outro trabalho de mapa que fizemos para registrar conhecimentos tradicionais, foi realizado
mais especificamente com as mulheres de Moikarakô. Os mapas das roças (mapa 3) foram elaborados
numa pesquisa sobre agricultura Mebêngôkre, com o objetivo de registrar e valorizar a diversidade
das plantas cultivadas a nível de espécies e também de variedades. Para trabalhar na escala da roça
cultivada por cada família, fizemos croquis in situ (no lugar) com ajuda de GPS conjuntamente com
as mulheres, para representar a diversidade dos cultivos e a sua distribuição no espaço da roça e do
território da aldeia.
Como aconteceu com os mapas dos caminhos, os pesquisadores são solicitados para acompanhar
os jovens que querem continuar o trabalho de mapeamento participativo das roças em outras aldeias,
onde se registrou as principais variedades de plantas cultivadas (batata doce, inhame, mandioca e, mi-
lho), que são muito importantes para a alimentação dos Mebêngôkre.
Como podemos constatar, os mapas foram rapidamente apropriados pelos Mebêngôkre como
uma nova ferramenta para a realização dos seus objetivos próprios. Hoje, para muitas pessoas no Bra-
sil, os Kayapó ainda são famosos pelo seu caráter guerreiro igualmente como eram considerados no
passado. E de fato, os mapas podem constituir uma arma suplementar nas lutas para o reconhecimen-
to dos direitos indígenas, para a valorização e a proteção dos conhecimentos tradicionais e também
para a proteção da floresta e do território.
A fronteira norte da nossa Terra Indígena Kayapó é chamada “linha seca” porque não segue o
traçado de um rio, sendo marcada de forma pouca visível na floresta e situada ao sul do Município
de São Félix do Xingu, onde existem grandes fazendas. A “linha seca” é regularmente atravessada de
forma ilegal pelos não índios. Alguns anos atrás, nós ficamos muito preocupados de constatar uma
invasão onde existia a presença de grandes áreas desmatadas perto da “linha seca”. Mais tarde, foi pos-
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 131
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
sível constatar o estrago feito pelos invasores na imagem de satélite. Essa invasão mobilizou as pessoas
da comunidade que estavam preocupadas que acabaram por solicitar aos pesquisadores para terem
formações em curso de GPS e cartografia. Nós entendemos que os mapas também poderiam ser uma
arma para vigilância e fiscalização e também para planificar a proteção e o manejo dos nossos recursos.
A partir deste momento que se constatou a invasão e houve a mobilização dos Kayapó para
terem formações específicas em instrumentos cartográficos, a gente começou a trabalhar uma escala
melhor, com imagens Spot com melhor definição que foi adquirida para um dos projetos de pesquisa
com o IRD.
Com a Associação Floresta Protegida, associação indígena dos Mebêngôkre do Pará, montamos
junto com as outras aldeias da TIK um projeto voltado para vigilância participativa nas áreas protegi-
das, onde a gente trabalha com o PDPI, a FUNAI e os pesquisadores. Dessa maneira, foi possível par-
ticipar de um curso de agente ambiental em Tucumã e depois na aldeia Pykararãkre, onde nós jovens
também aprendemos como reconhecer uma invasão realizada por pescadores ou fazendeiros e como
trabalhar como agentes ambientais.
Finalmente, vemos que os mapas podem ajudar na vigilância territorial e também foi nessa oportuni-
dade de encontro com as outras aldeias que surgiu a idéia de ampliar o trabalho de mapeamento dos nomes
de lugares começado em Moikarakô.
Desde o momento que estamos aprendendo a utilizar o GPS e imagens em definição maior, foi
possível realizar outros tipos de mapas pensando também no manejo dos recursos para a subsistência
e para a geração de rendas no futuro. Por exemplo, os jovens mapearam alguns dos castanhais que se
encontram perto da aldeia, com seus caminhos principais (mapa 4). Nesse caso, fomos andando no
mato marcando os pontos com GPS e depois colocamos no computador para fazer o mapa do cami-
nho em cima da imagem. Esse trabalho foi iniciado com os castanhais. Em conjunto com a nossa As-
sociação AFP e as aldeias vizinhas de A’Ukre e Kikretum, trabalhamos recentemente para obter uma
certificação da castanha, pois hoje ela é a nossa principal fonte de renda que necessitamos comercia-
lizar melhor. Nessa perspectiva, a cartografia dos castanhais (atualmente em processo de elaboração)
é um passo determinante. Também realizamos os mapas individuais como, por exemplo, o mapa do
Bari’y Kayapó que quis fazer o seu próprio mapa de caça com GPS (Mapa 5).
Agora queríamos falar do mapa das florestas feito pelos jovens durante uma formação de car-
tografia em Moikarakô (Figura 4). A primeira atividade que nós fizemos foi escolher quatro grupos,
quatro turmas para cada uma delas trabalhar numa parte do mapa de Moikarakô. Começamos traba-
lhando no ngobe, ou seja, a casa dos homens no centro da aldeia, para desenhar na imagem de satélite,
132 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
escolhendo uma cor diferente para cada tipo de coisa que podíamos ver na imagem e que queríamos
mostrar no mapa. Por exemplo, podemos fazer de azul o mato fechado e a lagoa de vermelho. Pode-
mos ver uma roça que chamamos de puru tum, quer dizer roça velha e pintar ela de uma cor diferente
do que a puru ny que é uma roça nova e assim por diante. É importante fazer a legenda juntos para
decidir o que queremos mostrar com o mapa, que cores e desenhos vamos utilizar, pois essas coisas
que colocamos aqui são as informações que irão aparecer no mapa final. Aí ficamos curiosos para
irmos aos lugares que estão desenhados no mapa.
Então, os quatro grupos andaram no mato para tirar os pontos do GPS de tudo o que está na
legenda: da floresta batuk, da floresta vermelha, das roças, das aldeias, de uma serra e um rio que se
chama rio teporen, o Riozinho onde nos moramos. Depois colocamos os resultados no computador
e com os pesquisadores, conseguimos fazer um mapa, juntando o trabalho das 4 turmas (Mapa 6).
Figura 2: Mapa dos caminhos e dos lugares de Apex, Pat-i, Kapotkamjure e Mote.
Fonte: IRD
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 133
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Nesse mapa final, essas partes coloridas que vocês agora também podem ver foram as coisas
que nós jovens conhecemos um pouco. O mapa das turmas é um mapa sobre a variedade das coisas.
Nós temos vários tipos de mato/vegetação. Aí no mapa podemos ver uma lagoa (imo), uma roça
velha, uma fazenda (mry nhõ kapót), um tipo de cerrado pintado de amarelo, um açaizal, uma pedra
de montanha. Mas, os velhos têm ensinado todos os lugares e falam que ainda tem muita coisa para
colocarmos no mapa.
Tem muitos lugares que nós não sabemos. Nós jovens agora ficamos curiosos para conhecer mais
outros lugares e andar na nossa terra, marcando o ponto com o GPS. Faremos outros mapas, juntos.
Achamos importante, para terminar, lembrar o que aprendemos no transcurso dessas nossas ex-
periências em Moikarakô, que é importante lembrar para todo mundo que trabalha com mapeamento
participativo.
Um mapa pode servir para mostrar ou para esconder algum objeto ou informação. O mapa
pode legitimar valorizar, servir para reivindicar território, afirmar identidade étnica, registrar história e
conhecimentos, planificar o manejo sustentável dos recursos e marcar as fronteiras. Na verdade, é uma
ferramenta de luta. O mapa também revela diversas representações do mundo.
Então queremos comunicar que nesta experiência em Moikarakô, junto aos Kayapó, os mapas
foram e ainda são instrumentos de diálogo entre os kuben (os não indíos) e os indígenas, isto é, entre
quem conhece e quem não conhece um lugar, entre quem sabe ler e quem não sabe. Também vimos
que podem ser instrumentos de diálogo entre velhos e jovens, entre os Kayapó a sociedade civil e até
mesmo com os poderes públicos.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 135
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Boa tarde pessoal. Eu vou falar um pouco da experiência da TNC. Não foi a TNC que fez sozi-
nha todas essas coisas que eu vou contar. Foi a TNC junto com vários povos indígenas e várias outras
organizações.
Primeiro quero falar sobre a TNC. Não sei se todo mundo conhece. TNC é a abreviação de
um nome em inglês, The Nature Conservancy, que é uma organização não governamental ambientalista
fundada em 1950 nos Estados Unidos que atua em mais de trinta e dois países, mas sendo aqui na
Amazônia que a TNC aprendeu a importância dos povos indígenas para a conservação das florestas.
Até pouco tempo atrás, a TNC trabalhava muito com a parte de conservação das florestas, dos
rios, dos lagos; não entendia muito o papel das pessoas. Foi aqui na Amazônia que a TNC entendeu
como é importante a participação das pessoas, dos povos tradicionais, dos povos indígenas, para fazer
a proteção da floresta. Foi uma lição que a gente aprendeu com os povos indígenas, e por isso, a gente
começou a trabalhar com povos indígenas, porque antes não trabalhava. Isso foi de 2003/2004 para
cá que a TNC começou a fazer isso.
É bom saber também que a TNC não trabalha somente com Terras Indígenas, mas também
trabalha com terras privadas. No Pará mesmo, a gente tem alguns projetos na região de São Félix do
Xingu; e em Paragominas temos trabalho com produtores rurais para ajudá-los a fazer o cadastro am-
biental, para que eles aprendam a cumprir a lei ambiental e também ajudar a identificar financiamentos
para REDD.
A experiência com Terras Indígenas que eu vou contar aqui, a gente aprendeu em dois lugares,
principalmente com os povos indígenas do Oiapoque, e também, em Roraima, com a região da Terra
Indígena Raposa Terra do Sol. É onde a TNC tem projeto junto com as comunidades, nesses dois
lugares. É ali que temos nossa experiência. Também temos projetos com a COIAB. Apoiamos tanto
a parte de formação, o CAFI - Centro Amazônico de Formação Indígena, e também o escritório de
representação da COIAB que trabalha em Brasília com política pública. De todos esses projetos é que
vem nossa experiência com os povos indígenas em parceria com órgãos de governo e outras ONGs
que trabalham nessas regiões.
38
Agrônomo e antropólogo, Coordenador da Estratégia indígena da TNC/ e-mail: souza@tnc.org
136 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Quando a TNC começou a trabalhar com os povos indígenas, ela descobriu três coisas que
orientam o jeito da TNC trabalhar; a primeira é fortalecer a gestão territorial e ambiental das Terras
Indígenas. Eu vou falar em cada uma dessas três coisas, mas é bom vocês entenderem que essas três
coisas foram lições que a gente aprendeu com a implementação de nossas experiências. As três coisas
têm que andar juntas e se essas três coisas não andam juntas uma fica fraca e não dá resultado.
Construir: i) processos locais de promoção da gestão territorial e ambiental das terras indígenas
é uma coisa fundamental; a segunda coisa, além da gestão da Terra Indígena que aprendemos, é sobre
a necessidade de ii) apoiar as capacidades dos povos e das organizações indígenas, porque eles de fato
são os responsáveis, os sujeitos que têm que fazer acontecer. Então a gente tem que apoiar este for-
talecimento deles; e a terceira coisa é que também iii) o Governo tem que ser fortalecido. Tem muita
coisa da gestão ambiental que é obrigação do Governo, e se o Governo não faz fica fraco o outro lado.
Então tem que trabalhar com as três pernas. Esta três linhas têm que andar juntas porque é isso que
permite fortalecer a própria Terra Indígena.
A primeira linha que é a promoção da gestão ambiental na TI, que eu vou falar mais, porque este
seminário aqui é sobre gestão ambiental de terra indígena. Então eu vou falar um pouco mais sobre
o que a gente está aprendendo sobre gestão ambiental em Terra Indígena, nestes dois lugares que a
gente atua principalmente: Oiapoque e Roraima.
A primeira coisa que a gente aprendeu lá é que tem que desenvolver ferramentas. Assim como
para fazer uma roça tem que ter enxada, tem que ter o machado, tem que ter a foice, então para fazer
gestão ambiental tem que ter a ferramenta certa. Se você usa a ferramenta certa fica mais fácil. Se a
ferramenta não é boa é mais difícil fazer o trabalho. Então a primeira coisa é justamente desenvolver e
usar uma boa ferramenta para fazer a gestão da Terra Indígena. Também aprendemos que não adianta
só trabalhar dentro da Terra Indígena. Tem que fazer a gestão da Terra Indígena, mas se os vizinhos
estão destruindo tudo, ou se não tem uma conversa bem feita com os vizinhos, às vezes, o vizinho de
fora, seja um fazendeiro, seja uma cidade, atrapalha a gestão da Terra Indígena. Então se precisa ter
também uma estratégia para reduzir as ameaças que estão no entorno da Terra Indígena.
Agora eu vou mostrar aqui as ferramentas principais que a gente desenvolveu para fazer a gestão
da Terra Indígena. Isso aqui, a gente está fazendo junto com os povos indígenas do Oiapoque, tam-
bém junto com a FUNAI. Todo esse processo que a gente está vendo aqui também tem a participação
da antiga administração regional do Oiapoque, e também a FUNAI-Brasília tem acompanhado esse
processo que a gente está desenvolvendo aqui.
A primeira ferramenta é o Etnomapeamento. Para planejar a gestão tem que conhecer o territó-
rio. É por isso que o pessoal já mostrou como o Kayapó está fazendo. Já falou antes que tem que ter o
etnomapeamento. É olhar o território com o mapa para poder identificar o que tem nele. Com o mapa,
identificando os recursos que têm na terra, identificando onde é que está mais destruído. Onde é que
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 137
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
fica a caça. Onde é que tem a madeira boa. Onde é que está o invasor que está entrando. Se fizermos
isso no mapeamento, dá para fazer o etnozoneamento.
E o que é o Etnozoneamento? É planejar. Se você já sabe o que tem de bom, o que tem de ruim,
o que tem que ser enfrentado, aí o povo tem que planejar para ver como vai atuar naquilo. Aí o ma-
peamento e o etnozoneamento andam juntos. Atrás do etnomapeamento, usando o mapa que já foi
feito, permite identificar e mostrar onde é que estão as áreas de uso, onde é que são as áreas de ameaça.
Uma coisa vem depois da outra. Com isso, aí sim, já dá para começar a planejar a gestão territorial e
ambiental.
O planejamento é definir como que vai ser a administração da sua terra, porque gestão territorial
e administração do próprio território é quase a mesma coisa. Então tem uma discussão de como a
Terra Indígena é coletiva, todos têm que fazer juntos. Não é o indivíduo que faz, não é só uma aldeia
sozinha que faz, mas tem que discutir com o conjunto, porque a terra é de todos e a decisão sobre o
uso dos recursos é de todos também.
E você começa a fazer a gestão territorial. Depois que você começar a fazer a gestão territorial
você tem que avaliar para ver se está dando certo. Se você planejou trabalhar naquela região e que nela
não podia caçar mais, porque tinha que deixar a caça recuperar, mas vai que entra um branco naquela
área?! Então, tem que ter um monitoramento. Você tem que acompanhar o território, passo a passo,
para ver se aquele plano de gestão que você fez está dando certo, para ver se a gestão está funcionando.
Então faz parte do plano de gestão saber se a comunidade está fiscalizando, monitorando para ver se
aquela decisão que ela fez está certa ou se ela tem que mudar um pouco.
Com isso tudo, a própria comunidade vai ter que discutir isso com o Governo Federal, estadu-
al, municipal. Cada um tem alguma responsabilidade aí e, por isso, que é importante as lideranças das
comunidades participarem da política pública. A política pública faz parte do plano de gestão.
E tudo isso é permanente. Depois que você faz o plano de gestão, você tem que refazer ele,
reavaliar ele, mas isso é o assunto que está se falando o tempo todo aqui, mas a outra coisa que eu
vou falar agora, é que a gente aprendeu também com os povos indígenas do Oiapoque, e também de
Roraima outra coisa. Não dá para olhar só a gestão ambiental e a gestão territorial, tem outras coisas
que influenciam na vida da comunidade. A parte econômica, o desenvolvimento influencia. A parte da
saúde influencia a vida da comunidade. A parte da educação, se não está andando bem, se tem muito
invasor; a gente não pode só olhar a parte ambiental porque tem outros problemas que estão influen-
ciando a vida da comunidade. Tem outras coisas que ela precisa, que ela tem necessidade.
Foi aí que começou uma discussão lá no Oiapoque, pois percebemos que para trabalhar a ges-
tão territorial, o povo tem que definir o que ele quer da vida dele. O que o povo está pensando que ele
quer fazer daqui a vinte, trinta anos. Quais são os problemas que o povo está enfrentando e que não
138 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
adianta esconder, não adianta olhar só o ambiental, porque se aquele problema está acontecendo na
comunidade, a própria gestão ambiental vai ficar atrapalhando.
Aconteceu uma discussão lá no Oiapoque que a gente quer passar para vocês. Isso que a gente
quer passar para vocês da experiência da TNC. Esse assunto do Plano de Vida que para poder fazer
gestão territorial, o povo daquela terra tem que pensar o que ele vai fazer do futuro dele, porque isso
vai influenciar no plano de vida. Então o plano de vida é uma outra ferramenta importante. É uma
forma do povo discutir entre ele, e definir o que ele acha que tem que ser enfrentado. Às vezes não é
nem plano de gestão territorial que é o mais importante, pode ser que o povo decida que tem outra
coisa mais importante para fazer. Então tem que ter essa discussão do plano de vida.
Os povos do Oiapoque fizeram o plano de vida deles para eles mesmos. Não é uma coisa para o
branco ver. É uma coisa para eles discutirem nas comunidades. É uma coisa para eles discutirem com
os governos. Então, é um documento deles, em que fizeram várias reuniões para fechá-lo. Primeira
coisa que eles fizeram para elaborar o plano de vida; eles chamaram todo mundo para ajudar eles.
Falaram: “Olha pessoal! Vocês têm o plano de vocês. A FUNAI tem um plano, o Governo do Estado
tem um plano. De vez em quando, ele quer discutir o plano dele, mas nós queremos que vocês apoiem
o nosso plano agora. Se vocês querem nos ajudar, então ajudem o nosso plano de vida. Nós vamos
construir um plano. Vamos convidar vocês. Vocês vêm aqui acompanhar nossa discussão, mas nós
queremos que o plano federal e o plano estadual se articulem para apoiar nosso plano de vida, e nós
vamos fazer uma discussão do nosso plano de vida e queremos que vocês venham!”
E aconteceu isso. O pessoal, ao mesmo tempo em que eles discutiram para fora com o Governo,
com as ONGs para fora, eles discutiram para dentro. Fizeram um acordo entre eles. Disseram: “Olha!
Nós vamos fazer uma discussão para decidir o que é importante para nós e nós vamos fazer um acor-
do, e os projetos nossos, daqui para frente, vão procurar seguir esse plano que a gente está fazendo de
futuro. Este plano de vida!”.
Então rapidamente como eles fizeram, depois que eles fizeram este acordo com os parceiros e
fizeram este acordo para dentro entre eles, houve uma série de reuniões, e aí teve um apoio que foi de
metodologia de ferramenta. A TNC colaborou com isso, a FUNAI participou, outras ONGs partici-
param, numa série de reuniões para ajudar eles a fazerem este acordo.
Primeira coisa que eles tiveram que fazer foi identificar os problemas; a situação que eles estavam
vivendo hoje; identificar os problemas não só ambientais, mas da saúde, da educação, de atividade
produtiva, de várias coisas. Depois que eles identificaram os problemas, eles viram que não dava para
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 139
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
atacar todos os problemas de uma vez só, tinha muita coisa para ser resolvida. Então eles tinham que
priorizar qual era o problema mais importante que eles tinham que enfrentar. Aí eles fizeram uma
discussão, realizaram reuniões em várias aldeias para priorizar o problema. Aí depois que eles identi-
ficaram o problema, eles fizeram uma discussão aonde eles queriam chegar para resolver o problema,
que é a discussão da situação futura, porque o plano de vida é um plano para o futuro.
Depois que eles identificaram e viram qual eram os problemas mais importantes para serem en-
frentados, rolou a discussão do que eles queriam para o futuro. “Nós queremos que todos se tornem
médicos? Nós queremos que tenha uma universidade na terra indígena? Queremos todos ficar ricos?
Ou tem muita ameaça e a gente vai fazer um acordo com os invasores?” Aí rolou a discussão que era
para buscar ver a situação que eles estavam vivendo e tentar enfrentar os problemas. Então eles olha-
ram para frente. Não olharam um ano, dois anos; olharam vinte, trinta anos. Eles começaram a pensar
longe. E aí, isso é a visão de futuro deles. Aí que começou a discussão de projetos; eles viram a situação
atual; viram o futuro, e aí foi a discussão do que precisava ser feito para resolver estes problemas, que
foi a própria discussão que vai orientar o próprio plano de gestão.
Depois que o pessoal fez essa discussão toda, o que aconteceu? Teve uma assembleia para tomar
a decisão se era aquilo mesmo. Então tem um momento que tem que ter um pacto mesmo, um acordo,
onde foram identificadas as questões principais. Teve uma assembleia que foi um momento que eles
acabaram de fechar o plano e chamaram também as autoridades para discutir, falando: “Olha! Vocês
têm o plano de vocês; nós também temos o nosso; vocês querem ajudar? Vamos ajudar nosso plano
de forma articulada?!”
Agora o pessoal do Oiapoque está preparando o programa de gestão territorial deles, mas eles
não estão usando só a ferramenta do etnozoneamento, eles também estão usando o plano de vida
como uma ferramenta que está ajudando eles no Plano de Gestão. Então isso foi interessante, porque
ajuda a fazer os acordos.
Aqui são fotos (Prancha 1: Fotos 1 e 2) do mapeamento participativo parecido com o dos Kayapó. O
pessoal usa fotos de satélite, vai desenhando e chega na discussão do mapa final. Este é o mapa das Terras
Indígenas lá do Oiapoque, que também é fruto do mapeamento. Onde eles definiram: áreas de caça e pesca;
áreas para extração de madeira; e as áreas de invasão, que é perto da estrada onde está passando.
Então isto tudo são as ferramentas que a gente viu, daquela estratégia que a gente viu no início da
TNC. Das três estratégias, uma é apoiar o Plano de Gestão Territorial, e a segunda?
Não dá para falar de gestão territorial sem falar no fortalecimento dos povos indígenas e suas or-
ganizações. Então isso é uma coisa que a gente aprendeu. Se a comunidade está discutindo sua forma
de se organizar, ter já uma organização que está fortalecendo o trabalho facilita porque eles que vão
ser os responsáveis. Esta foto (Prancha 1: Foto 3) aqui já tem uns três anos. É o pessoal que tava
construindo o projeto GEF indígena. É o mesmo grupo que o Aluísio disse, hoje de manhã, que faz
140 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
parte do Comitê Gestor da PNGATI. Aqui nesta foto tem indígena de todo Brasil, da Amazônia, do
Nordeste, tem Guarani do Sul, tem do Pantanal. Está todo mundo aqui reunido.
A gente aprendeu que organização indígena, associação ou a própria articulação, não precisa ter
nem uma organização, mas ter uma articulação entre as comunidades, isto também é organização. Não
precisa ter registrado; esta articulação tem que ser fortalecida. Não é só fortalecimento da boca para
fora não, tem que ter fortalecimento técnico. Vai ter que identificar alguns técnicos indígenas que vão
se preparar para implementar o plano, para poder discutir esse plano, e também tem que ter fortaleci-
mento institucional.
O próprio povo indígena vai ter que ter organização para poder gerenciar seus projetos. Então
junto com o plano de vida, junto com o plano de gestão territorial, tem que caminhar junto o for-
talecimento técnico e institucional da organização indígena, seja organização local, seja organização
estadual, seja organização nacional ou regional. Por exemplo, um trabalho que a TNC tem feito desde
o início: apoiar a COIAB; porque tem algumas negociações em Brasília que envolvem uma discussão
muito grande, não é assunto de uma terra ou um estado. É um assunto que envolve a Amazônia toda,
então tem que ter articulação indígena para discutir assunto grande, tem que ter articulação para dis-
cutir assunto do Estado, e tem que ter articulação para discutir assunto do Município.
Para a gente que trabalha com política pública, as ONGs ou Governo; quando a organização
indígena está fortalecida para sentar na mesa para negociação junto com as autoridades, a coisa anda
mais rápido. Então, junto com o plano de gestão, tem que andar o fortalecimento, e para isso, precisa
de apoio a capacitação indígena, tanto dos gestores que estão atuando na Terra Indígena como pelos
gestores de projeto.
Isso que a gente aprendeu também; não dá para construir política pública nacional de Terra
Indígena se não der as condições para os índios se reunirem para discutir entre eles. Então antes que
tenha reunião grande, tem que dar condições. Isto custa recurso, então o pessoal que vai fazer política
estadual, política nacional tem que se organizar para garantir que os indígenas tenham condições de
ter uma qualificação prévia antes. Antes de chegar na reunião grande com o Governo, tem que ter a
preparação dele, entre eles. Tem que estar informado para poder negociar com o Governo. Fazer isso
não é um desperdício, um prejuízo, pelo contrário, quando o Governo Estadual, federal investe nisso,
a coisa anda mais rápido porque os índios chegam mais fortes e preparados para conversar.
Outro assunto que aos poucos a gente está descobrindo é que o plano de gestão, muitas vezes,
na maioria das terras, vai significar um projeto econômico, e às vezes, não é a associação indígena que
defende os direitos, que vai também ajudar na parte econômica. Aí tem uma discussão começando
em algumas regiões da Amazônia sobre empresas indígenas, ou cooperativas indígenas. Como que os
povos indígenas vão se organizar economicamente para fazer a gestão do seu recurso? Isso faz parte
da construção do plano de gestão.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 141
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Lembra que eu falei das três prioridades? Já falamos da gestão ambiental, já falamos do fortale-
cimento dos povos e das organizações, e agora o fortalecimento das capacidades governamentais que
é fundamental.
Fortalecimento das capacidades governamentais, que é fundamental e algumas coisas estão co-
meçando a andar nesse rumo. A própria construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Am-
biental de Terra Indígena - PNGATI vai nesse rumo, também a própria discussão da Política Estadual
de Gestão de Terra Indígena. Então isso são avanços que estão andando; vai depender disso para
poder fazer a gestão da Terra Indígena; depende da fiscalização, depende da proteção do entorno. O
Governo tem responsabilidades disso, então ele tem que andar junto e se preparar para cumprir a sua
parte no apoio à implementação dos programas indígenas.
Então é muito bom que esteja surgindo o PNGATI. Agora uma coisa importante aqui que a
gente aprendeu que é o Sistema Integrado de Gestão de Terras Indígenas. Sistema integrado é assim:
o Governo Federal tem que dialogar com Governo Estadual e tem que dialogar com o Governo Mu-
nicipal. Eles têm responsabilidades diferentes, mas na hora da construção e apoiar a implementação
de um plano de gestão das Terras Indígenas e de uma política eles têm que dialogar, porque têm coisas
que dependem dos governos federal, estadual e municipal trabalharem juntos. Exemplo: proteção do
entorno de Terras Indígenas, se o Governo do Estado faz um licenciamento de uma hidroelétrica es-
tadual sem discutir com a FUNAI o impacto deste projeto, atrapalha a gestão da Terra Indígena. Se a
prefeitura resolve fazer uma estrada rasgando o limite da terra indígena, dá problema. Então tem que
ter uma responsabilidade que é compartilhada entre os governos federal, estadual e municipal para
poder promover a gestão das Terras Indígenas.
O último assunto que eu quero puxar é justamente a questão da sustentabilidade financeira. Por-
que tudo bem falar que tem que fazer plano de gestão, que tem que fazer política, mas tem que ter o
recurso, porque são necessários recursos para implementar as ações.
Então quando vai discutir o plano de gestão da Terra Indígena de vocês, tem que pensar de onde vem
o recurso para implementar esse plano de gestão. O Governo Federal quando vai discutir o PNGATI, ele
também tem que identificar as fontes de recursos, que é responsabilidade dele. Então quanto custa a gestão
da Terra Indígena? De onde vai vir os recursos para implementar os projetos que vão ser discutidos? Isto
faz parte do próprio plano.
Tendo o recurso, é preciso ter mecanismos financeiros que façam os recursos chegarem de fato nas
terras indígenas. Uma dificuldade que a gente viu é que hoje existem alguns recursos, mas não tem como o
recurso chegar à terra indígena. Então será que a solução é a criação de um fundo? Algumas regiões estão
discutindo; o PNGATI está discutindo o Fundo Nacional dos Povos Indígenas; o Pessoal do Estado falou
do Fundo Kayapó.
142 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Mapeamento Participativo
Então essa coisa do mecanismo financeiro é outra ferramenta. A ferramenta que faz o dinheiro
que vai apoiar o plano de gestão para chegar à ponta. A gente já ouviu falar que têm os recursos dos
serviços ambientais; têm os recursos de REDD; têm as compensações ambientais; têm a questão das
grandes obras que estão gerando a compensação. A gente já aprendeu que a compensação, se não
entrar no plano de vida, se não entrar no plano de gestão da Terra Indígena, às vezes é um dinheiro
jogado fora que dá mais trabalho do que ajuda. Então, os recursos orçamentários e o próprio recurso
da FUNAI e do MMA vão entrar no plano de gestão territorial? Devem entrar! Porque aí fortalece o
plano. Não é uma decisão de alguém separado. Todo recurso tem que entrar junto, de forma articulada
para fortalecer e apoiar os planos de gestão das Terras Indígenas. Ok gente. Obrigado! Muitas lições...
3.1.1 Introdução
Frente aos diversificados fatores de ameaças e pressões que historicamente afligem os territórios
indígenas, a demarcação em si, assegura que os indígenas tenham força política para fazer valer seus
direitos constitucionalmente estabelecidos de usufruto exclusivo dos recursos naturais que garantem
sua sobrevivência, mas ela não é a segurança total da inesgotabilidade desses recursos. É necessário
partir para promoção de atividade de gestão sustentável desses recursos. A gestão territorial e ambien-
tal das Terras Indígenas é atualmente uma atividade eminentemente necessária para garantir o futuro
dos povos indígenas e da biodiversidade que se encontra em seus territórios.
São vários os procedimentos administrativos necessários para demarcação das TIs. O processo é
em geral lento e depende da disponibilidade de recursos da União para ser completado até o final. O
Decreto nº 1.775, de 8/01/1996 institui as setes fases necessárias para homologação da demarcação
de Terras Indígenas no Brasil. A sucessão dessas fases resulta normalmente em diferentes graus de classifi-
cação das TIs que são: em estudo, identificada/delimitada, demarcada/declarada, e homologada.
Nos últimos 15 anos, no Pará como em todo o Brasil, houve avanços significativos nos proces-
sos de regularização fundiária das Terras Indígenas, ao mesmo tempo em que houve um expressivo e
positivo crescimento demográfico da população indígena no estado.
Em 1989, 14% da superfície territorial paraense (17.278.573,0471 ha) achavam-se oficialmente
destinada aos 14 mil indígenas (IDESP, 1989) sobreviventes dos lamentáveis e vergonhosos conflitos
provocados pela chegada das várias frentes de expansão agropecuárias que se instalaram em diversas
regiões do estado, a partir principalmente dos anos 60, com a construção pelo Governo Militar, das
principais rodovias que conectaram a Amazônia ao restante do país.
Já no ano presente de 2010, temos 24,6% do território paraense oficialmente demarcado como
Terras Indígenas, distribuídas em 52 municípios e sendo ocupadas por uma população já ascendente
de aproximadamente 32.840 indígenas40. Temos ainda a possibilidade de aumentar a extensão dos
territórios indígenas do estado, pois vinte novas áreas indígenas estão em estudo para sua futura de-
marcação (Gráfico 1).
As Terras Indígenas do Pará acham-se distribuídas em seis mesoetnorregiões41 (Belém, Altamira,
Itaituba/Santarém, Marabá/Tucuruí, Redenção, Tumucumaque/ Oriximiná). Cada mesorregião apre-
senta um cenário socioambiental específico no qual as terras e povos indígenas estão inseridos.
40
Os dados populacionais aqui expostos foram coletados de sites do Instituto Socioambiental que contêm informações de cada terra indígena (Caracterização das Ter-
ras Indígenas) de cada povo indígena do país (Povos Indígenas no Brasil). No entanto, os dados populacionais desses sites incluem informações atualizadas de 2010 e
outras informações menos atualizadas como de 1996, por exemplo. Aqui não consideramos a população indígena urbana do Pará. O censo demográfico do IBGE de
2000 contabiliza a população indígena do Pará em 37.681 indivíduos, e a Secretaria de Justiça e Diretos Humanos do Estado/Coordenadoria de Proteção aos direitos
dos povos indígenas e populações tradicionais contabiliza, em 2008, uma população de 50.000 indígenas, ambos incluíram os indígenas que habitam áreas urbanas.
41
Neste artigo trabalhamos com a classificação das mesorregiões que foram estabelecidas pelo Fórum dos Povos Indígenas do Pará. Achamos prudente, para fins de
análise, reunir as etnorregiões de Oriximiná, Tumucumaque, Santarém e Tucuruí.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 149
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Neste artigo, procuramos enfocar alguns aspectos e características de cada etnomesorregião, jus-
tamente com vista a dar um panorama global desses cenários, incluindo suas problemáticas e poten-
cialidades relativas às terras e aos povos indígenas que aí vivem.
Os dados e informações aqui apresentados sobre as Terras Indígenas do Pará foram extraídos
em, sua grande maioria, de fontes secundárias. Os dados e informações sobre a situação fundiária das
Terras Indígenas do Pará foram cedidos pela administração regional da FUNAI-Belém e reorganiza-
dos de acordo com a perspectiva das etnomesorregiões que aqui serão exploradas. A grande maioria
dos dados e informações sobre a situação socioambiental das Terras Indígenas do Pará foi compilada
de dois sites mantidos pelo Instituto Socioambiental (ISA) que expõem as características de todas as
terras e povos indígenas do Brasil42. De outro lado, também realizamos pesquisa bibliográfica em livros e
em artigos da internet que estão citados oportunamente no texto.
3.1.2. Situação das Terras Indígenas do Pará segundo fases do processo demarcatório
Até novembro de 2010, a FUNAI registrou sessenta e nove (69) Terras Indígenas reconhecidas
oficialmente no Pará (Tabela 1), ocupando uma extensão total de 29.572.982 hectares. Do total das 69
TIs reconhecidas pela FUNAI, 47% (33) estão homologadas, 12% (8) estão identificadas e delimitadas;
29% (20) estão em estudo para demarcação; 6% (4) estão somente demarcadas; o restante 6% (4) está em
situação especial (Gráfico 2), das quais, a TI Arara da Volta Grande do Xingu localizada no Município
de Senador José Porfírio que se encontra declarada por portaria ministerial como posse permanente dos
índios Arara; a TI Amanayé localizada nos municípios de Goianésia e Paragominas, criada por decreto
em 1945 e que se encontra atualmente em situação de realização de novos estudos para nova demarca-
ção definitiva; a TI Turé Mariquita II no município
de Tomé-Açu é uma área adquirida pelos índios
Tembé se encontra em processo de regularização
Fundiária. Finalmente a TI Nova Jacundá, localiza-
da no Município de Rondon do Pará que foi regula-
rizada como área dominial da etnia Guarani M’byá,
grupo migrante do Estado do Mato Grosso do Sul,
que comprou uma área de 425 hectares de terra no
município, tendo o reconhecimento dominial desta
área pela FUNAI (Gráfico 1). Gráfico 1 - Situação Fundiária das Terras Indígenas do Pará.
Fonte: FUNAI (2010).
42
Características das Terras Indígenas. Disponível em: <http:// pib.socioambiental. org/ caracterizacao.php> e Povos Indígenas do Brasil. Disponível em: <http://pib.
socioambiental.org/pt>. Acesso em: 10 dez. 2010.
150 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
a) Mesorregião Belém
A região denominada Belém, localizada no nordeste paraense, possui cinco Terras Indígenas
(Alto Rio Guamá, Turé-Mariquitá I e II, Tembé e Maracaxi) oficialmente reconhecidas pela FUNAI.
A somatória de suas extensões é da ordem de 282.426 hectares (duzentos e oitenta e dois mil, quatro-
centos e vinte seis), representando apenas 1% do total territorial de Terras Indígenas do Pará. As TIs
desta mesorregião ocupam os municípios paraenses de Nova Esperança do Piriá, Paragominas, Santa
Luzia do Pará, Aurora do Pará e Tomé-Açu.
Essa região é habitada, em sua maioria, pelos índios da etnia Tembé, e também por poucas fa-
mílias das etnias Ka’apor e Guajá (grupo seminômade), num total populacional de 1.425 indígenas
que em sua maioria falam português. O Tenetehara, da família linguística Tupi-Guarani era a língua
indígena falada pelos índios Tembé. No entanto, atualmente, somente as famílias Tembé que ocupam
a margem direita do Rio Gurupi falam sua língua materna e também conhecem a língua dos Ka’apor
(VALADÃO, 2001)43 . Ka’apor também é uma língua da família Tupi-Guarani, e não é falada por ne-
nhum outro grupo conhecido. E mais, esta língua não se aproxima às da família Tupi-Guarani faladas
pelos grupos mais próximos geograficamente, Tembé (Tenetehara) e Guajá, apesar de que a língua
deste último seja ligeiramente mais parecida, léxica e foneticamente (ibidem).
O bioma presente nas Terras Indígenas dessa mesorregião é o amazônico, constituído em maio-
ria de floresta ombrófila densa (74,1%) e com média de 25,9% de formação pioneira44. Essas Terras
Indígenas são banhadas por três bacias hidrográficas do Pará: a do Gurupi e Litoral Paraense banham
somente TI Alto Rio Guamá; e a do Marajó que banha o restante das TIs dessa região.
Atualmente, é região de fronteira agrícola consolidada, mas no passado foi uma das primeiras
portas de abertura da Região Amazônica para atividades produtivas do grande capital comercial. Nela,
foram construídas bem próximo às Terras Indígenas, várias importantes rodovias federais e estaduais,
tais como a BR-010 (rodovia Belém-Brasília) e a BR-316 (rodovia Pará-Maranhão), PA-124, PA-253,
PA-140, PA-252, dentre outras, que impactaram de forma intensa a vida dos povos que aí viviam
ancestralmente. Talvez seja por isso que as Terras Indígenas da região sejam historicamente as mais
ameaçadas e as que mais sofrem pressões dentre as TIs do estado.
43
Disponível em <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/Tembé/1022>. Acesso em: 10 dez. 2010.
44
É um tipo de vegetação que ocorre nas áreas de acumulação dos cursos dos rios, lagoas ou assemelhados; a fisionomia vegetal pode ser arbórea, arbustiva ou herbá-
cea, formando ao longo dos cursos dos rios as Matas-Galerias. A vegetação que se instala varia de acordo com a intensidade e duração da inundação.
152 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A Terra Indígena Alto Rio Guamá se caracteriza por possuir esse histórico variado, sucessivo e
ininterrupto de conflitos fundiários e socioambientais que se intensificaram na década de 70, quando
houve a invasão da reserva. Houve a abertura de uma estrada dentro da TI que ligava a BR-316 ao
povoado Garrafão, e da estrada que liga a fazenda de Meyer Karaczinick à Vila de Pau do Remo, atual
Município de Nova Esperança do Piriá (IDESP, 1989).
A construção dessas estradas dentro dessa TI, realizada pelo proprietário da gigantesca Fazen-
da Meyer, foi embargada em 1988 pela 2ª delegacia da FUNAI. Entretanto, uma ordem de Brasília
permitiu sua conclusão no mesmo ano, desde que o proprietário se responsabilizasse por fiscalizar a
entrada de pessoas estranhas à área. A fiscalização não ocorreu, e desde então, as invasões continu-
aram a acontecer em proporções maiores, facilitadas pelos acessos criados. A área citada sofreu acesso
durante anos pelos limites norte, leste e oeste, estando resguardada apenas no limite Sul, onde passa
o Rio Guamá. Ao norte, encontrava-se invadida por posseiros que formaram povoados, e a leste por
fazendas, destacando-se a do Sr. Meyer Kabaznick, que avançou seus domínios para o território indí-
gena em cerca de 4.000 hectares.
A disputa judicial de mais de 20 anos - nove deles apenas no âmbito da Justiça Federal, entre os
índios da tribo Tembé, as mais de mil famílias de invasores e o empresário Samuel Meyer Kabacsnik -,
felizmente chegou ao fim neste ano de 2010. Um juiz federal da 9ª Vara, especializada no julgamento
de ações de natureza ambiental, proferiu sentença condenando a empresa Indústria de Sabões e Óleos
Santa Izabel do Pará Ltda., de propriedade dos Meyers, a indenizar por danos morais e materiais a
comunidade indígena Tembé. A decisão judicial também atribuiu aos réus a obrigação de recomporem
a área da estrada que corta boa parte da TI Alto Rio Guamá (Diário do Pará 02/09/2010).
A indenização, a título de danos morais coletivos praticados em detrimento dos índios e da coleti-
vidade em geral, foi fixada na sentença no valor de R$ 70 mil. Mas o valor total da indenização a título
de danos materiais pode chegar a milhões de reais, uma vez que deverá corresponder, durante mais de
uma década, o total de 2 mil toras de madeiras extraídas ilegalmente da TI, além de mais de 20 (vinte)
quilômetros de desmatamento que foram realizados para construir estradas. Segundo a sentença, o
valor será apurado de acordo com cada espécie de madeira e sobre ele deverão incidir juros de 0,5%
ao mês, além de correção monetária (Diário do Pará 02/09/2010).
Na ocasião, a Justiça Federal chegou também a conceder liminar que suspendeu todas as ativida-
des madeireiras e as demais de natureza econômica desenvolvidas na área indígena. A mesma decisão
mandou apreender todos os equipamentos dos réus empregados na exploração ilícita, lacrar serrarias
e proibir o acesso à reserva.
154 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O problema das invasões por não indígenas da TI Alto Rio Guamá promove uma avalanche de
outros problemas relacionais que trazem ameaças e pressionam os recursos naturais que constitucio-
nalmente devem ser de uso exclusivo dos índios Tembé.
Constantemente, a área da reserva é utilizada por bandidos e traficantes de drogas para o plantio
de maconha e desmanche de carros roubados (O Liberal, 17/09/2010). No dia 13/12/2010 uma
reportagem do Jornal “O Liberal” intitulada “Tensão Ronda a Aldeia Tembé” publicou a situação de
revolta dos índios pelo descaso dos órgãos de fiscalização em resolver a questão das invasões provoca-
das pelos traficantes e bandidos ao território demarcado. Os índios acabam por comunicar que estarão
realizando, com ajuda da FUNAI, a fiscalização das fronteiras invadidas da Terra Indígena.
De outro lado, as pressões sobre os recursos naturais, principalmente o madeireiro, da TI Alto
Rio Guamá, continuam com toda força, apesar da recente decisão da Vara de Justiça Ambiental em
favor dos índios Tembé. Estudos do IMAZON, divulgados em agosto de 2010, identificaram que,
entre agosto de 2008 e julho de 2009, a exploração ilegal de madeira no Pará atingiu 5.286 hectares de
floresta em TIs (Terras Indígenas). A grande maioria (90%) dessa exploração em TIs ocorreu na TI
do Alto Rio Guamá.
Entre março de 1998 e março de 2008, o Pará foi responsável por 28% das multas emitidas pelo
IBAMA em Áreas Protegidas na Amazônia Legal. Das 46 ocorrências de crimes ambientais analisados
pela equipe do IMAZON, 41% ocorreram em onze TIs. A Terra Indígena que apresentou maior inci-
dência de crimes ambientais foi a Alto Rio Guamá, com 11% das incidências totalizando 15 processos
de crimes ambientais (BARRETO; ARAÚJO; BRITO, 2009).
De maneira geral, o cenário no qual estão inseridas as Terras Indígenas da mesorregião Belém
não é um cenário propício para conservação, já que não há a presença das UCs, apesar deste ser um
centro considerável de endemismo de espécies e ser reconhecido como região prioritária para conser-
vação da natureza. A região é zona de consolidação de atividades produtivas e historicamente tem
passado por diversificados conflitos fundiários de grande magnitude, relacionados à problemática da
grilagem de terra por grandes empresas e fazendeiros.
As oito Terras Indígenas oficialmente reconhecidas e delimitadas pela FUNAI (Praia do Man-
gue, Praia do Índio, Munduruku, Sai Cinza, Andirá-Marau, Kaybi, Bragança-Marituba e Munduruku-
-Taquara) da mesorregião Santarém/Itaituba não possuem grandes extensões territoriais quando
comparadas a outras TIs das mesorregiões Redenção e Oriximiná/Tumucumaque. Sua área totaliza
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 155
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
2.386.443 (dois milhões, trezentos e oitenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e três) hectares, repre-
sentando 8% da extensão territorial das TIs do Pará.
Essas Terras Indígenas estão localizadas nos municípios de Aveiro, Barreirinha (AM), Itaituba,
Jacareacanga, Santarém, Distrito de Alter do Chão, Belterra e Trairão. A população das oito TIs perfaz
um total de 14.327 indígenas, o maior agregado populacional indígena do estado (Gráfico 4).
A microrregião de Itaituba é habitada por índios das etnias Sateré Mawé, Kayabi, Apiaká e Mun-
duruku; e a de Santarém habitada pelas etnias Arara Vermelha, Arapium Borari, Tapajó, Tupaiu, Ta-
puia, Kumaruara, Munduruku-Taquara, Apiaká, Jaraqui e Tupinambá.
O bioma presente em todas as Terras Indígenas desta mesorregião é o amazônico, constituído em
sua maioria por floresta ombrófila densa (74,2%). As TIs Munduruku e Kaybi, situadas na fronteira
dos estados do Pará e Mato Grosso são as únicas que abrigam uma considerável diversidade de tipos
de vegetação, tais como: floresta ombrófila aberta (24%), floresta estacional decidual (5,2%), áreas de
savana (2,5%), e áreas de contato entre floresta, cerrado e outros tipos de floresta, a saber: contato
savana-floresta estacional (32,7%), contato floresta ombrófila-floresta estacional, contato savana-for-
mações pioneiras.
Todas as Terras Indígenas aí localizadas são banhadas integralmente pela grande Bacia do Rio
Tapajós, de valioso potencial energético e de memorável beleza cênica, portanto possuindo potencial
imenso para o ecoturismo.
A distribuição espacial das TIs dessa região é diversificada. Podemos encontrar terras indígenas
de diminuta e mediana extensão territorial onde a maioria se encontra dispersa em forma de fragmen-
tos territoriais, como na microrregião de Santarém. Além de outras poucas contíguas, tais quais às da
microrregião de Itaituba na fronteira Pará/Mato Grosso. Já as TIs Praia do Mangue e Praia do Índio
( Ver Prancha de Imagens 1: figura 2) possuem pequenas dimensões territoriais e estão situadas no
perímetro urbano da cidade de Itaituba, sendo que os indígenas aí se fixaram após terem se afastado
do seu hábitat natural, distante 400 km do Rio Tapajós, estando sob influência direta dos impactos e
pressões da Rodovia Federal BR-163.
Todas TIs desta região estão cercadas por diversificados tipos de Unidades de Conservação da
Natureza, de responsabilidade administrativa federal,45 configurando um mosaico significativo de áre-
as protegidas, onde as Terras Indígenas, neste caso, são componentes importantes, contudo, não sen-
do os elementos centrais, já que sua extensão territorial é bem diminuta em comparação a outros tipos
de áreas protegidas aí presentes.
A criação deste mosaico de áreas protegidas nesta mesorregião acabou por propiciar várias situ-
ações de sobreposição das TIs às áreas das UCs federais. Este fato não deixa de gerar circunstâncias
156 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
conflitantes e até inusitadas, necessitando de resolução para que os indígenas possam ter acesso aos
seus direitos constitucionais que garantam o usufruto exclusivo das riquezas da superfície da terra que
habitam ancestralmente.
As Terras Indígenas Bragança-Marituba e Munduruku-Takaquara possuem 100% de seus territó-
rios sobrepostos à FLONA-Tapajós46. A Terra Indígena Andirau-Maurau tem 12% de sua área sobre-
posta à área do Parque Nacional47 da Amazônia, UC de uso integral, onde não é permitida a habitação
de populações humanas, e 3% sobreposta à FLONA Pau-Rosa.
A implantação das Unidades de Conservação, e suas consequentes sobreposições às Tis, também
acarretou outros processos inusitados, tais como o de reafirmação étnica/identitária dos povos indí-
genas habitantes das comunidades Munduruku de Taquara, Marituba e Bragança, que se localizam na
região do Baixo Tapajós, e cujos territórios, ainda não demarcados, também foram sobrepostos pelos
da FLONA-Tapajós, criada em 1974.
Segundo Loris (2006), esse movimento de reafirmação étnica teve início em fins da década de
1990, surpreendendo a história oficial que afirmava a extinção de grupos etnicamente organizados
na região desde meados do século XIX. O movimento foi desencadeado, como forma de reação dos
indígenas à categoria de “população tradicional”, que lhes passou a ser oficialmente atribuída a partir
da década de 1990 com a criação das UCs na região. Esta categoria foi incorporada na nova legislação
do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), sancionada em 2000, para identificar as
populações residentes em reservas ambientais, como as Reservas Extrativistas (RESEXs), Reservas de
Desenvolvimento Sustentável (RDSs) e Florestas Nacionais (FLONAS) (LORIS, 2006).
As comunidades indígenas citadas realizaram então, o requerimento formal da demarcação física
de seus territórios e o resgate propício de suas tradições indígenas. Atualmente, somente nesta região,
existem 14 Terras Indígenas reconhecidas pela FUNAI que estão em estudo, esperando um encami-
nhamento para serem finalmente demarcadas.
As Terras Indígenas de Kaybi e Munduruku estão ameaçadas pela possível implantação de pro-
jeto de um grande complexo hidrelétrico (Teles Pires), a ser implementado na divisa dos estados do
Pará e Mato Grosso, afetando diretamente os municípios de Paranaíta, Jacareacanga e Alta Floresta.
A área alagada de Teles Pires será de 333 (trezentos e trinta e três) quilômetros quadrados (influência
45
Parque Nacional da Amazônia, Parque Nacional do Jamanxim, Parque Nacional do Rio Novo, Reserva Biológica do Tapirapé, Reserva Biológica Nascente da Serra
do Cachimbo, Estação Ecológica do Jari, Floresta Nacional do Tapajós, Floresta Nacional de Itaituba I e II, Floresta Nacional de Altamira, Floresta Nacional do Crepori,
Floresta Nacional do Jamanxim, Floresta Nacional do Trairão, Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, Área Protegida do Tapajós.
46
Floresta Nacional é estabelecida com objetivos de promover o uso múltiplo sustentável recursos naturais, garantir a proteção das belezas cênicas e dos sítios históri-
cos e arqueológicos, assim como fomentar o desenvolvimento da pesquisa científica básica e aplicada, da educação ambiental e das atividades de recreação, lazer e
turismo. As populações tradicionais que habitavam uma FLONA à época de sua criação podem permanecer nela e suas situações fundiárias podem ser regularizadas
através de contratos de concessão de uso. A visitação pública é permitida, condicionada ao Plano de Manejo da área.
47
Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de
pesquisa científica e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 157
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
indireta em 3.149 quilômetros quadrados nas duas TIs) para produzir 1.820 MW (mil oitocentos e
vinte megawatts de potência) instalada e 911 (novecentos e onze) de energia fixa. A região de imple-
mentação do projeto, muito pouco povoada, abrange grande parte de floresta amazônica intocada,
povos tradicionais e rica biodiversidade, pontos pouco enfatizados nos estudos de impacto ambiental.
Os primeiros estudos de inventário da bacia hidrográfica de Teles Pires foram iniciados em 1980,
nos quais foram planejados seis projetos hidrelétricos, depois abandonados até 2001. Em 2005, os pla-
nos para seis hidrelétricas (cinco no rio Teles Pires e uma na foz do rio Apiakás, um de seus afluentes)
foram retomados pelas empresas Eletrobrás, Furnas e Eletronorte. Já em outubro de 2010, o IBAMA
aceitou o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
da hidrelétrica Teles Pires, legitimando o processo de licenciamento ambiental do empreendimento.
Felizmente o Ministério Público Federal, logo após a publicação da Licença Prévia dada pelo
IBAMA para participação do projeto no Leilão de Energia Nova A-5/2010, a ser realizado pelo Go-
verno Federal no dia 17 dezembro de 2010, obteve decisão liminar que impediu, pelo menos momen-
taneamente, a participação do empreendimento no leilão48.
Figura 1a - Terras Indígenas da Mesorregião Belém impactadas por rodovias e cercadas por áreas desmatadas. Figura
1b e 1c - TI Turé- Mariquita I (1a) e TI Tembé, pequena extensão territorial, cercada de fazendas. Fonte: ISA (2010).
Figura 2 – MESO
REGIAO SANTARÈM
ITAITUBA - TIs Praia
do Índio e Praia do
Mangue (marcadas em
seta laranja), situadas
na cidade de Itaituba,
sobre influencia da BR-
163. Fonte:
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 159
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A população indígena da mesorregião de Altamira é de 2.666 (dois mil seiscentos e sessenta e seis)
indígenas de diversificados povos tais quais: Kayapó Kararaô, Kayapó, Xikrin Kayapó (Bacajá), Xikrin
Kayapó, Arara, Yudjá, Parakanã, Asurini do Xingu, Araweté, Kuruaya, Xipaya, falantes de línguas de famí-
lias linguísticas também diversificadas como Tupi, Tupi-Guarani, Jê e Karib.
O bioma que compõe o conjunto dessas Terras Indígenas também é o Amazônico, com 68,7%
de sua vegetação composta de floresta ombrófila aberta e o restante, de floresta ombrófila densa
(31,3%). Quanto à hidrografia: cerca de 96% das Terras Indígenas desta mesorregião são banhadas
pela Bacia do Rio Xingu; 3,7% das TIs pela Bacia do Rio Tapajós; e apenas 0,3% é banhada pela Bacia
do Rio Pará.
A colonização desta região é bastante antiga, estabelecendo-se primeiramente pelos ciclos econô-
micos de exploração da borracha, peles de animais e outros produtos florestais, e posteriormente pela
construção de importantes rodovias federais no período do Governo Militar, tendo como exemplo a
Transamazônica.
A construção da Transamazônica impactou terminantemente a face socioambiental da região
e consequentemente a vida dos povos indígenas que aí viviam em contato já conflituoso com po-
pulações não indígenas pioneiras que estavam ali atraídas pelos ciclos econômicos da borracha e da
exploração de peles de animais.
A rodovia trouxe consigo os principais vetores de impactos socioambientais que põem em ris-
co a vida das populações indígenas. Foi pernicioso o impacto do próprio processo de construção
da rodovia. Depois vieram com ela primeiramente os grandes empreendimentos agropecuários e de
mineração, incentivados financeiramente pelo Governo Militar a desbravar a floresta em nome do
progresso. O governo inclusive desconsiderava a presença dos povos indígenas na região, pois o lema
da campanha para colonização da região empreendida pelos militares era “terra sem homens para
homens sem terra”. De modo que os diversificados povos indígenas que tinham a ocupação ancestral
da área permaneceram então a mercê deste projeto de colonização mal conduzido, que poucos anos
depois da inauguração foi abandonado pelos militares, e tanto as populações camponesas migrantes
que foram atraídas por ele, quanto os indígenas que tiveram a chance de sobreviver a ele, foram forte-
mente abalados e desrespeitados em seus direitos.
Atualmente, a área da maioria das Terras Indígenas desta região é paralela à própria rodovia Tran-
samazônica, a outras rodovias federais e estaduais, ou a centenas de estradas vicinais que foram pos-
teriormente sendo construídas paralelamente à área demarcada dessas TIs, todas constituindo portas
de acesso aos seus recursos naturais e ameaças aos direitos indígenas.
160 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
As Terras Indígenas da mesorregião de Altamira são as mais ameaçadas de todas as terras indí-
genas por projetos de mineração e garimpo (Ver gráfico 2). Das onze TIs demarcadas, dez possuem
projetos de pretensão minerária e cinco possuem atividades de garimpo sendo executadas em seus
territórios. A mineração e o garimpo provocam impactos socioambientais profundos e irreversíveis
às terras indígenas, além de trazerem consequências desastrosas para as integridades física e cultural
dos povos indígenas.
Também por serem banhadas pela preciosa Bacia do Rio Xingu, todas as Terras Indígenas desta
região estão ameaçadas por empreendimentos hidroelétricos. Oito delas, as Terras Indígenas: Trin-
cheira-Bacajá, Cachoeira Seca, Kararaô, Arara, Arara da Volta Grande do Xingu, Apytereua, Koati-
nemo, Araweté, vão sofrer diretamente ou indiretamente impactos socioambientais perversos pela
construção quase irreversível da polêmica hidrelétrica de Belo Monte, considerada a maior obra do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal. O lago da usina terá uma área
de 516 km² pertencente a terras dos municípios de Vitória do Xingu (248 km²), Brasil Novo (0,5 km²)
e Altamira (267 km²).
Apesar de pretensamente ser um projeto voltado para o desenvolvimento energético do país,
propiciando a geração inicial de 11.233 MW (megawatts) com a geração média anual de 4.796 MW, o
projeto de acordo com estudos, terá consequências socioambientais desastrosas que nenhum recurso
de compensação poderá dar conta de sanar tais como: as Terras Indígenas Paquiçamba e Arara da
Volta Grande serão diretamen-
te afetadas pela diminuição da
vazão do Rio Xingu; a Área In-
dígena Juruna do km-17 da PA-
415 será afetada pelo aumento
do tráfego na estrada; 1982 in-
dígenas de 7 TIs serão afetados
indiretamente pela provável di-
minuição da pesca e impactos
sobre a caça; o desmatamento
da região também aumentará; e
as populações migrantes, ribei-
rinhas e quilombolas também
serão afetadas pelos impactos
da obra. Gráfico: Pretensão de Mineração e Garimpos em Terras Indígenas do Pará
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 161
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Os conflitos protagonizados pelo indígenas que serão afetados pela construção da hidrelétrica
acabaram por criar um foco poderoso e positivo de organização indígena voltado para proteção so-
cioambiental, nunca antes visto no estado. Os povos indígenas que serão afetados pela construção
de Belo Monte também se unificaram com outros setores, que em muitos casos historicamente eram
antagônicos aos indígenas e que também serão prejudicados, criando o momento “Xingu Vivo para
Sempre”. Do ponto de vista político, a reação dos indígenas à construção da Hidroelétrica de Belo
Monte é positiva justamente porque há a convergência e articulação positiva de seus movimentos so-
ciais, que antes eram enfraquecidos por movimentos sociais diversificados. Uma práxis política salutar
que prepara e dá aos indígenas experiência política nunca antes experimentada por estes ao longo de
suas histórias.
A mesorregião Redenção, localizada no Sul do Pará, possui sete Terras Indígenas (Kayapó, Baú,
Xikrin do Kateté, Las Casas, Menkragnoti, Panará, Badjônkôre) oficialmente reconhecidas pela FU-
NAI. A somatória de suas extensões territoriais é de 10.693.457 (dez milhões, seiscentos e noventa
três mil, quatrocentos e cinquenta e sete) hectares, o que equivale a 35% da extensão territorial das TIs
do Pará, compreendendo o maior complexo territorial indígena do estado. Além das TIs reconhecidas
existe ainda uma em estudo, Kapotnhinore.
Essas Terras Indígenas ocupam, em sua grande maioria, os municípios paraenses de Ourilândia
do Norte, São Félix do Xingu, Cumaru do Norte, Bannach, Altamira, Água Azul do Norte, Paraua-
pebas, Floresta do Araguaia, Redenção, Pau d’Arco e em minoria os municípios do Estado de Mato
Grosso: Matupá, Peixoto de Azevedo, Guarantã do Norte e Vila Rica.
Todas as sete Terras Indígenas oficialmente reconhecidas são ocupadas por 5.620 (cinco mil
seiscentos e vinte) indígenas de variados grupos da etnia Kayapó49, falantes de língua pertencente à
família linguística Jê, do tronco Jê e ainda há presença de índios isolados nas TIs Kayapó, Xikrin do
Cateté e Menkragnoti. Segundo Verswijver (2002), existem diferenças dialetais entre os vários grupos
Kayapó, decorrentes das cisões que os originam, mas em todos eles a língua é uma característica de
maior abrangência étnica, levando ao reconhecimento de que participam de uma cultura comum.
49
Kayapó Gorotire, Kayapó Kuben Kran Ken, Kayapó Kokraimoro, Kayapó Mekragnoti, Xikrin e Kayapó (Kateté).
162 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
O vasto território dos Kayapó está situado sobre o Planalto do Brasil Central, aproximadamente
a 300 ou 400 metros acima do nível do mar. É banhado principalmente pela Bacia do Rio Xingu, e
somente o território da TI Las Casas é banhado integralmente pela Bacia do Rio Araguaia. Trata-se
de uma região preenchida por vales. Pequenas colinas com altitude máxima de 400 metros, frequen-
temente isoladas e dispersas sobre todo o território, espalham-se pelo planalto. Os grandes rios são
alimentados por inúmeras calhetas e igarapés que, de tão pequenos, alguns sequer foram descobertos
pelos brasileiros e tampouco receberam nomes (VERSWIJVER, ISA, 200250).
O bioma imperante em 100% nesta mesorregião é o Amazônico, com predominância vege-
tacional de 44,9% de floresta ombrófila aberta, apresentando 23,1% de áreas de savana, 14,9% de
vegetação de contato entre savana e floresta ombrófila, e 6,5% de vegetação de contato entre savana
e formação pioneira.
O território Kayapó também está localizado no meio do chamado “Arco do Desmatamento”,
dentro da fronteira sudeste amazônica (Prancha de Imagens 2: Figura 4). Região caracterizada pelos
mais elevados índices de desmatamento no Brasil e pelos violentos conflitos de terra. Desde que
a fronteira de colonização alcançou os territórios Kayapó no início dos anos 80, os governos têm
se mostrado pouco eficazes na proteção destes contra invasões, perda e exploração predatória de
recursos naturais por terceiros. Fazendeiros, colonos, madeireiros, garimpeiros e grileiros violam no-
toriamente os direitos sobre os territórios indígenas nos estados do Pará e do Mato Grosso. Hoje os
Kayapó enfrentam uma segunda frente de desmatamento e invasões, tanto nas regiões nordeste como
ao longo da sua fronteira ocidental, próxima à rodovia que liga Santarém a Cuiabá (BR-163) (CON-
SERVAÇÃO INTERNACIONAL, 2010).
Apesar da maior parte da vegetação nativa entre as bacias dos rios Xingu e Araguaia ter sido
desmatada, como resultado da ocupação humana desta região e estimulada pela abertura de rodovias
nas décadas de 60 e 70 (GASCON ET AL., 2001), os Kayapó conseguiram proteger suas florestas e
cerrados através da defesa ativa de seus territórios e de uma forte liderança e atividade política. Porém,
com o esgotamento dos estoques de mogno nas áreas do sul do Pará localizadas fora das TIs (RO-
DAN ET AL., 1992; VERÍSSIMO ET AL., 1995), a pressão de madeireiras sobre os territórios Kaya-
pó aumentou. Como resultado, na década de 90 e nos primeiros anos do novo milênio, a maioria das
comunidades Kayapó se envolveu com a venda ilegal de mogno de seus territórios (ISA, 2000), que foi
interrompida apenas em 2002. Entretanto, enquanto dentro da maioria dos territórios Kayapó apenas
uma espécie de árvore foi explorada comercialmente com a estrutura da floresta permanecendo pouco
50
Disponível em <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/Kayapó/179>. Acesso em: 10 dez. 2010.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 163
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
alterada, nas áreas do sul e do leste do Pará, fora das TIs, a maioria das florestas foi completamente
destruída, o que criou um acentuado contraste na paisagem (ZIMMERMAN et al., 2001; SCHWART-
ZMAN, ZIMMERMAN, 2005).
Segundo Araújo e Barreto (2010) do IMAZON, a Terra Indígena Baú sofreu redução. O Mi-
nistério da Justiça cedeu às pressões de ocupantes e utilizou portarias para reduzir a TI Baú e a TI
Apyterewa da Mesorregião de Altamira, cujos limites legais deveriam ser definidos tão somente por es-
tudos antropológicos. Essas reduções foram ratificadas pelos decretos presidenciais de homologação.
A redução da TI Baú desrespeitou a regra constitucional de que TIs são inegociáveis. Houve acordo
firmado entre o MPF (Ministério Público Federal) de Santarém (PA), Prefeitura de Novo Progresso
(PA), FUNAI, Polícia Federal e associação de fazendeiros, posseiros e mineradores, para excluir 3.470
km2 da área indígena. Em troca, a Prefeitura de Novo Progresso (PA) receberia R$ 120 mil anuais, por
um período de dez anos, para investir em benefícios para a aldeia.
As Terras Indígenas Paraná, Menkragnoti e Baú são impactadas pela construção da Rodovida
BR-163 e são assistidas pelas atividades e recursos do Plano BR-163 sustentável. A Terra Indígena
Kayapó também será afetada pela construção da Hidroelétrica de Belo Monte, estando os kayapó
engajados politicamente na luta pela reversão do processo, sendo que esta TI também está ameaçada
pela construção planejada da BR-158 que ligará a cidade de Redenção no sul do Pará à cidade de Al-
tamira no noroeste.
A Terra Indígena Xikrin do Cateté sofre impactos pela construção da Estrada de Ferro de Carajás
e está ameaçada pela construção planejada da Hidroelétrica Itacaiúnas I e a construção da Rodovia
BR-158.
Por apresentar um cenário de devastação e de sérios conflitos ambientais e fundiários, esta região
onde estão localizadas as Terras Indígenas Kayapó, necessitou de projetos voltados para sua proteção.
A partir de 2005, os governos federal e estadual pressionados pelos movimentos sociais, iniciaram a
demarcação de várias categorias de unidades de conservação da natureza, para implementação de um
mosaico de áreas protegidas na região chamado Terra do Meio, tendo também as TIs Kayapó como
componentes importantes deste projeto.
Atualmente, as Unidades de Conservação que compõem o mosaico de áreas protegidas da Terra
do Meio são: Reserva Extrativista do Rio Iriri, Estação Ecológica da Terra do Meio, Parque Nacional
da Serra do Pardo, Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, Floresta Estadual do Iriri, Reserva Ex-
trativista do Rio Xingu, Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu, Floresta Nacional de Altamira,
Floresta Nacional do Trairão e Parque Nacional do Jamanxim.
164 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A criação deste mosaico de áreas protegidas da terra do meio, também considerada uma área cha-
ve de biodiversidade (Key Biodiversity Area - KBA), tem em vista a consolidação de um corredor de
biodiversidade da Amazônia Meridional (Corredor de Biodiversidade dos Ecótonos Sul-Amazônicos).
Trata-se de um dos maiores corredores de biodiversidade do mundo e o segundo maior do Brasil,
ainda mais importante para a conservação por se tratar de uma via de ligação entre os dois maiores
biomas nacionais - o Amazônico e o Cerrado - fundamental para a manutenção das populações de
várias espécies, algumas endêmicas (SOUZA, 2005).
Esse corredor formará um grande conjunto de 19 (dezenove) TIs e dez UCs contíguas, ao longo
da Bacia do Rio Xingu, desde o nordeste do Mato Grosso até o centro do Pará totalizando 28 milhões
de hectares - o equivalente ao território do Equador - com uma população de mais de 12 mil pessoas,
entre não indígenas e 25 etnias indígenas (ibidem).
Essas Terras Indígenas são banhadas em suas extensões pelas Bacias do Marajó, do Rio Pará, Rio
Tocantins e Rio Araguaia. Alojando em sua superfície o Bioma Amazônico, composto por floresta
ombrófila densa (82,3%), vegetação de contato entre floresta ombrófila densa e savana (16,7%), e por
floresta ombrófila aberta (1,0%).
Essas 13 Terras Indígenas não possuem grandes extensões territoriais e também não são con-
tíguas. Como na mesorregião Belém, elas formam fragmentos absolutamente dispersos de floresta,
localizados entre áreas já desmatadas e ocupadas por pastagens. Desta forma, não há conectividade
entre as três poucas unidades de conservação estaduais51 que existem na região e essas Terras Indíge-
nas, não configurando um cenário adequado de conservação socioambiental, tanto pela falta da insti-
tuição de Unidades de Conservação na região, quanto pela própria dinâmica histórica e econômica que
esta apresenta ao longo do tempo.
A região é também uma área de colonização antiga, cuja história do contato entre índios e não
índios data dos tempos das missões jesuítas, onde posteriormente estes contatos se intensificaram em
vultosos e violentos conflitos com o desenvolvimento das atividades econômicas relacionadas aos
ciclos de exploração do extrativismo vegetal.
No início do século XX, a exploração da castanha-do-pará, modificou a estrutura econômica da
região e terminantemente a vida dos indígenas que ali viviam. Nesta ocasião, as populações indígenas
da região foram sujeitas a se integrarem nestes processos econômicos, principalmente na extração e
comércio da castanha, já que a área ocupada pelos indígenas era rica em preciosos castanhais.
Posteriormente, as Terras Indígenas dessa região foram profunda e irreversivelmente impactadas
do ponto de vista ambiental e social pelos grandes projetos do Governo Militar para colonização da
Amazônia, tais como construções de rodovias federais e estaduais, mais tarde a construção da Usina
Hidrelétrica de Tucuruí inundando uma área de 11 (onze) quilômetros, para gerar atualmente cerca de
8.000 MW de energia. Ainda em 1980, a Companhia Vale do Rio Doce implantou na região o Projeto
Grande Carajás para construção da maior mina de exploração de ferro a céu aberto do mundo, loca-
lizada no Município de Parauapebas, necessitando da construção da ferrovia que liga Serra de Carajás
ao Porto de Itaqui no Maranhão para escoar o minério.
Em 1967, uma extensão de 22 (vinte e dois) quilômetros, no sentido norte-sul, de um castanhal
da TI Mãe Maria habitada pelos índios Gaviões, foi cortada para dar lugar à rodovia PA-70 que faz a
ligação do Município de Marabá com a Rodovia Belém-Brasília. Segundo Ferraz (2000) em 1977, o
limite sudoeste desta mesma TI foi tocado pela construção de outra rodovia, a PA-150, que parte de
51
Área de Proteção Ambiental (APA) do Triunfo APA do Lago de Tucuruí, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaca, APA de São Geraldo do Araguaia.
166 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Morada Nova - km-12 da PA-70 - em direção a Castanhal, município já próximo a Belém (Ver Pran-
cha de Imagens 2: Figura 5). Ferraz (ibidem) também comenta que a construção destas duas rodovias
acelerou a ocupação efetiva e desordenada daquela porção oriental do estado, favorecendo a invasão
sistemática e crescente da terra dos Gaviões, tanto por posseiros como por obras estatais de infraes-
trutura dos projetos que viriam a se instalar na região. Mais tarde, a Terra Indígena foi ainda cortada
pela linha de transmissão da Eletronorte, originada na Usina Hidroelétrica de Tucuruí, e pela Estrada
de Ferro Carajás, em 1982.
Em novembro de 1998, a BR-222 que corta integralmente a Terra Indígena Mãe Maria foi pavi-
mentada. Sua própria construção produziu grande degradação à TI com o corte de 22 km na floresta
nativa dos Gaviões, o que se estendeu por mais 100 m de largura. Apesar da recente retomada da pro-
dução de castanha-do-pará, ela foi reduzida em mais de 70% nestes últimos 30 anos, o que significa
que os Gaviões deixaram de ganhar anualmente o correspondente a 2.000 hectolitros de castanha.
A TI Parakanã tem seus limites perpassados pela Rodovia Transamazônica (BR-230), situação
que gera impactos profundos sobre o modo de vida dos Parakãnã. Desde 1980, esta TI também recebe
a assistência do “Programa Parakanã”, fruto de um convênio, entre a Fundação Nacional do Índio
(Funai) e a Eletronorte, que estabelece compensação pelo impactos gerados pela construção da Usina
de Tucuruí e seus linhões.
A TI Sororó tem também seu território cortado pela BR-153. A TI Trocará tem também seu
território cortado pela PA-156. Segundo reportagem do jornal “Diário do Pará” de 2/12/2010, o
Ministério Público Federal abriu processo contra a Eletronorte para obrigar a empresa a compensar
e mitigar os danos causados aos índios Asurini pela construção da hidrelétrica de Tucuruí. A Terra
Indígena Trocará vem sofrendo desde então inúmeras invasões e outros impactos diretamente rela-
cionados com a usina e com o aumento populacional decorrente do empreendimento. Em relatório
de impacto ambiental, elaborado pela própria Eletronorte e enviado ao Ministério Público Federal,
foram listados 51 impactos socioambientais, mas nenhuma medida de compensação foi tomada pela
Eletronorte52 (Diário do Pará, 2/12/2010).
Os índios Gaviões, chefiados pelo líder do grupo Krohokrenhum, por diversas vezes ao longo de
seu contato com as frentes de expansão da sociedade nacional, conduziram fortes embates políticos
com a FUNAI, Eletronorte e Companhia Vale do Rio Doce para serem compensados pelos danos
causados pelos empreendimentos que impactaram seu povo e os recursos ambientais que garantem
sua subsistência.
52
Disponível em <http://diariodopara.diarioonline.com.br/n-121031-pf + processa +eletronorte+ por+ danos + aos + indios. html >. Acesso em: 10 dez. 2010.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 167
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Fonte: TerraMetrics
Fonte: TerraMetrics
(2010).
168 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
que, Zo’é e Paru de Este) com grandes dimensões territoriais, perfazendo um total 9.961,269 (nove
milhões, novecentos e sessenta e um mil, duzentos e sessenta e nove) hectares, representando aproxi-
madamente 34% do total dos territórios indígenas do Estado do Pará.
A população compreende 4.924 indígenas, sendo formada por diversificados povos, tais quais:
Aparai, Akuriyó, Kaxuyana, Tiriyó, Wayana, Hixkaryana, Waiwai, Katuena, Zo’e, Mawayana e Xerew
Wapyxana, os Tiriyó, Tunayana e índios isolados, em sua grande maioria falantes de línguas e dialetos
pertencentes à família linguística Karib, com exceção dos Zo’é, falantes de uma língua da família Tupi-
-Guarani do tronco Tupi.
A maior porção dessas Terras Indígenas está localizada nos municípios paraenses de Oriximiná,
Almeirim, Óbidos, Monte Alegre, Alenquer, Faro, e uma pequena porção em municípios de outros
estados, tais como: Caroebe (RR), São João da Baliza (RR) Urucará (AM), Nhamundá (AM).
O bioma Amazônico reina também nas Terras Indígenas desta região do Pará, banhadas em
suas extensões pelas bacias dos rios Jari, Paru, Trombetas, Jatapú e Negro. As aldeias indígenas que
aí se localizam são de difícil acesso, pois estão instaladas em locais onde o relevo é acidentado, e por
isso os rios, em sua maioria, são encachoeirados e, portanto de difícil navegação. Há predominância
vegetacional de floresta ombrófila densa (91,6%) na maioria das terras Indígenas, com exceção da TI
Tumucumaque que apresenta em sua extensão: 1,2% de savana, 20,3%, de vegetação de contato flo-
resta ombrófila-savana e 17,8% de áreas de vegetação de contato entre savana e formações pioneiras.
A Terra Indígena Zo’é apresenta 0,5% de áreas de contato entre savana e formações pioneiras.
As TIs dessa região também formam um grande mosaico de áreas protegidas (Mosaico da Ca-
lha Norte) estando articuladas a Terras de Quilombos e Unidades de Conservação de diversificadas
categorias, e sendo administradas em sua maioria pelo Governo Estadual (Ver Prancha de Imagens 3:
Figura 7).
As UCs estaduais: Florestas Estaduais de Faro, Trombetas e Paru, Estação Ecológica (ESEC) do
Grão Pará e Reserva Biológica (REBIO) Maicuru totalizam mais de 12 milhões de hectares de áreas
protegidas no bioma amazônico (Quadro 1). Estas UCs estaduais somadas às UCs federais e às Terras
Indígenas existentes nessa região, formam o maior bloco de florestas protegidas do mundo, área que
corresponde a 22 milhões de hectares.
Esse mosaico de áreas protegidas da Calha Norte liga o Corredor Central da Amazônia ao Cor-
redor de Biodiversidade do Amapá, formando o maior corredor de biodiversidade do planeta. Desta
forma, estas Terras Indígenas estão inseridas num vasto projeto político de conservação, que incluem
a interface e os relacionamentos entre diferentes corredores ecológicos, proporcionando o intercâm-
bio ecossistêmico e possibilitando o fluxo gênico entre espécies animais e vegetais.
170 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A criação de UCs nessa região também criou a problemática de sobreposição de unidade de con-
servação a áreas indígenas. Povos indígenas, como os Kaxuyana e Tunayana, que têm suas histórias
ligadas a migrações provocadas pelo processo de evangelização ao qual foram submetidos a partir da
década de 60, requerem atualmente o direito de demarcação de suas terras, pois hoje se encontram ha-
bitando a Floresta Estadual do Trombetas. Para eles, esta situação de viverem habitando uma FLOTA,
representa ameaça aos seus direitos exclusivos de uso dos recursos naturais existentes neste território.
Desta forma, houve implantação de um Grupo de Trabalho para demarcação da Terra Indígena dos
Kaxuyanas. Também 1,0% da terra indígena Zo’é está sobreposta à área da FLOTA Trombetas.
Não obstante o cenário bastante positivo para conservação dos recursos naturais da região, estas
terras indígenas também sofrem pressões e ameaças provindas de grandes empreendimentos, prin-
cipalmente relacionados à implantação de projetos hidroelétricos, tais como as construções já pla-
nejadas pelo Governo Federal das hidrelétricas de Cachoeira/Porteira, Carona e Nhamundá na TI
Nhamundá-Mapuera e Hidrelétricas do Armazém, Paciência, Carapanã, e do Mel na TI Zo’é.
Caso haja a construção futura da hidroelétrica de Cachoeira Porteira pela Eletronorte, ela afetará
direta e indiretamente um contingente expressivo de indígenas de diferentes grupos tribais e em di-
versas situações de contato.
Sua construção faz parte do programa energético da Eletronorte e sua localização está prevista no
Médio Trombetas, próximo à foz do Mapuera. A área do reservatório está avaliada em 1.079 km2 e
terá uma potência instalada de 700 MW.
De acordo com Santos e Nacke (1998), serão atingidos diretamente os índios localizados na al-
deia Mapuera, e também os indígenas localizados na aldeia denominada Cassauá.
Uma terceira aldeia denominada Porteira é composta por população Kaxuyana. De acordo com
Almeida (1981a, 1981b), em 1981 apresentava uma população de 24 indivíduos. Além disso, duas ou-
tras aldeias localizadas na parte norte do Parque Indígena do Tumucumaque também são formadas
por população Kaxuyana.
Diferentes fontes (CEDI, 1983, p. 226-228) indicam ainda, a existência na região de grupos
“isolados”. Dentre estes, existem registros de cinco aldeias Karafawyána (denominadas Yowa, Tiwyní-
ru, Sua-Suarú, Awanãma e Kakayoniru), dos Tumotayana e dos Parukwotho. Finalmente, há indícios
de grupos “isolados” nos rios Tutumo, Aracoo, Tauriní, Urucurina, cabeceiras do Mapuera, no rio
Novo, no Curapati (afluentes do Jatapu), Cachorro e Erepecuru. Sobre estes contingentes não existem
dados populacionais.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 171
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Figura 6: Desmatamento no entorno nas TI Sororó e Sarauá que continuam com seus estoques florestas conservados.
Fonte: COIAB (2010).
Fonte: SEMA-PA
172 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Várias empresas já obtiveram concessões de pesquisas na área. Entre elas: a Docegeo (subsidiária
da Companhia Vale do Rio Doce) no Mapuera, autorizada pela 2.ª DR/FUNAI; Mineração e Comér-
cio Anauá Ltda. no Rio Mapuera; e Jatapu Mineração Indústria e Comércio Ltda. no Rio Mapuera
(CEDI, 1983a, p. 247, 249). Há ainda informações sobre a existência de garimpeiros e castanheiros nas
proximidades da aldeia Kaxuyana.
Neste artigo, fizemos uma tentativa de esboçar seis cenários correspondentes às seis etnorregiões
no âmbito do território paraense, onde estão inseridas as Terras Indígenas. Procuramos ao longo do
texto fazer uma descrição que contenha: os atores, informação por trás deles, informações sobre o
seu ambiente, seus objetivos e as sequências de ações e eventos que criem obstáculos, contingências e
êxitos desses atores, principalmente no que diz respeito aos processos de gestão territorial e ambiental
das Terras Indígenas.
Ao nos propor em realizar este exercício de construção de cenários socioambientais, tínhamos
a intenção de viabilizar aos gestores e ao próprio movimento indígena paraense um conhecimento
sistematizado da diversidade de situação, incluindo as problemáticas que dizem respeito às questões
social e ambiental pelas quais passam as terras indígenas do Pará.
Acabamos por visualizar que nesses cenários, os conjuntos de terras indígenas do Pará possuem
uma configuração diferenciada em relação à conservação socioambiental para cada região.
O horizonte promissor de efetivação da gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas que
possuímos e acreditamos, atualmente, é o da gestão integrada de áreas protegidas. Defendemos que a
gestão integrada pode propiciar o fluxo aumentado de recursos financeiros, técnicos e humanos em
nível governamental e em não governamental entre as diferentes categorias de áreas protegidas exis-
tentes no estado. Neste sentido nós fundamentamos nossas considerações finais, principalmente na
análise dos potenciais das cinco mesorregiões aqui exploradas, para implementação de atividades de
gestão integrada das áreas protegidas do Estado do Pará.
As mesorregiões de Redenção e Tumucumaque/Oriximiná apresentam as maiores extensões
territoriais de Terras Indígenas demarcadas e contíguas (ver gráfico 2), também possuem incidência
de povos isolados que requerem segundo a legislação, um regime de proteção especial por parte dos
governos (ver gráfico 3). Essas terras estão fundamentalmente inseridas em projetos de conservação,
tais como a implementação dos Mosaicos de UCs (Calha Norte e Terra do Meio), e Corredores de Biodi-
versidade viabilizados pelo Governo Federal e apoiados pelo Governo Estadual, tendo no atual momento,
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 173
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
um horizonte positivo para o apoio à gestão territorial e ambiental integrada destas Terras Indígenas. Este
horizonte somente se consolidará no futuro com a real e efetiva implantação deste mosaico e do grande
corredor de biodiversidade projetados para esta região, fato que depende da capacidade política de viabilizar
infraestrutura, recursos humanos e implementação de plano de manejos para UCs, e da implantação de
sistemas de proteção e vigilância nas UCs e Terras Indígenas, dentre outros.
As TIs Kayapó, pela grande pressão que sofrem proveniente de atividades produtivas, como extração
ilegal de madeira e pecuária extensiva, merecem um programa ou plano integrado de proteção e vigilância,
pois esta pressão é realmente muito intensa e os índios Kayapó não possuem estruturas de governança e
institucionais propícias para segurá-la por muito tempo sobre seus territórios florestados.
As mesorregiões que apresentam maior contingente populacional indígena: Santarém/Itaituba e
Altamira (gráfico 4), ainda que sofrendo ameaças pela implementação de grandes projetos, tais como
a construção da hidroelétrica de Belo Monte, também estão inseridas num contexto de conservação, já
que suas Terras Indígenas, mesmo não tendo grandes dimensões territoriais e nem formando corredores
de sociobiodiversidade extensos, são acopladas a um mosaico de UCs presente na região e também estão,
em parte, dentro do projeto de implementação do grande corredor de biodiversidade que tem a intenção de
conectar os biomas Amazônico e do Cerrado.
Neste sentido, a gestão territorial e ambiental dessas terras indígenas também enfrenta os mes-
mos desafios para implementação de sua gestão integrada. As TIs destas mesorregiões são adjacentes
à zona de consolidação de atividades produtivas proposta pelo ZEE do estado, assim seria interessante
realizar um planejamento de atividades de mitigação dos impactos provocados pelos projetos que irão
ser implantados no futuro para desenvolver esta zona.
A articulação das dife-
rentes instituições envolvidas
nos projetos de conservação
das regiões em pauta, deve
também tentar consolidar o
apoio as atividades produtivas
que já são desenvolvidas pe-
los indígenas das regiões, com
vista a elaborar estratégias de
comercialização dos produ-
tos da sociobiodiversidade
Gráfico 3 - Superfície territorial das terras indígenas do Pará por Etnorregiões.
indígenas, através de suas va-
Fonte: FUNAI (2010).
174 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
lorizações via diferencial mercadológico, como criação de selos para comercialização dos produtos
indígenas, dentre outras estratégias criativas que podem ser viabilizadas para venda destes produtos.
As regiões Belém e Marabá/Tucuruí apresentam um cenário de grande redução e fragmentação
dos territórios indígenas, viabilizado pelos processos históricos de avanço das frentes de expansão da
sociedade nacional. Este processo colocou os territórios indígenas em cheque para os grandes empre-
endimentos viabilizados, em parte, pelos governos militares.
Estas Terras Indígenas estão no âmbito da zona de consolidação de atividades produtivas do Macro Zone-
amento Ecológico-Econômico realizado pelo Estado. Sendo que o estoque florestal e consequentemente o esto-
que de carbono destas regiões estão realmente concentrados nas terras indígenas, pois os territórios não indígenas
foram desmatados principalmente para exploração de madeira e implementação de pastagens, e estão em parte
degradados pelas pressões das atividades produtivas que se desenvolvem nessas áreas.
Não existindo alternativas para promover a criação de Unidades de Conservação nestas mesor-
regiões, e tendo o intuito de provocar atividades de gestão integrada, seria interessante incentivar os
povos indígenas a viabilizarem projetos de REDDs, com a finalidade de facilitar a geração de recursos
financeiros (geração de renda) para benefício das comunidades. A geração de renda atualmente é um
das reivindicações de todos os povos indígenas do Pará, e a inserção dos créditos de carbono indígenas
nas negociações do talvez promissor mercado internacional de carbono possa ser uma iniciativa viável,
já que estas regiões possuem perfil adequado para realização de projetos de REDDs. De outro lado, é
importante realizar uma tentativa de articulação institucional dos governos nas esferas federal, estadual
e municipal, para também apoiar as atividades produtivas e ecologicamente sustentáveis que inclusive
já são realizadas, mes-
mo sem muito apoio
institucional pelos po-
vos dessas mesorre-
giões, além da viabili-
zação dos sistemas de
vigilância e proteção
dessas terras indígenas
a serem realizados pelos
próprios indígenas que
deverão ser formados
para tais tarefas.
Gráfico 4 - Contingente populacional indígena do Estado do Pará por Mesoetnorregião.
Fonte: ISA (2010).
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 175
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
176 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 177
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
178 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
REFERÊNCIAS
ALBERNAZ, T.; ÁVILA-PIRES (org). Espécies Ameaçadas de Extinção e Áreas Críticas para a
Biodiversidade no Pará-Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Conservation Internacional, 2009.
CARNEIRO FILHO, A.; SOUZA, O. Atlas de pressões e ameaças ás terras indígenas na Ama-
zônia brasileira. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2009.
COIAB. Cartilha Povos e terras indígenas e seu papel na proteção da floresta Amazônica.
Manaus, COIAB, 2010.
GASCON, C. et al. Deforestation and Forest Fragmentation in the Amazon. Páginas 22-30 in R.
O. Bierregaard, C. Gascon, T. E. Lovejoy, & R. Mesquita, editors. Lessons from Amazonia: The Eco-
logy and Conservation of a Fragmented Forest. Yale University Press, New Haven, 2001
IDESP. Pará Agrário: informativo da situação fundiária. Ocupação do solo e subsolo; Terras Indíge-
nas. Belém, IDESP, 1989.
IORIS, Edviges. Reafirmação Étnica e Territorial no Baixo Rio Tapajós. Papo de Índio. Rio Branco
- Acre, domingo, 2, e segunda-feira, 3 de abril de 2006. Disponível em: <http:// www. bibliotecada-
floresta. ac.gov .br /biblioteca/ papo_de_ indio/36 Edviges .pdf Acesso em 22/12/2010>. Acesso
em 10 dez. 2010.
ISA, dos Santos. Povos Indígenas no Brasil 2001/2005. Beto Ricardo e Fany Ricardo (Ed.). Institu-
to Socioambiental, São Paulo, 2006.
RODAN, B. D., NEWTON A. C.; Verissimo. A. Mahogany Conservation: Status and Policy Initiatives.
Environmental Conservation 19:331-342, 1992.
SCHWARTZMAN S.; B. ZIMMERMAN. Conservation Alliances with Indigenous Peoples of the Amazon.
Conservation Biology 19 (3): 721-727, 2005.
VERSWIJVER, G. Língua. Kayapó. ISA, 2002. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/povo/
Kayapó/178>. Acesso em: 20 dez. 2010.
ZIMMERMAN, B. et al. Conservation and development alliances with the Kayapó of south-eastern Ama-
zonia, a tropical forest indigenous people. Environmental Conservation 28: 10-22, 2001.
SANTOS, S. C.; NACKE, A. Povos indígenas e desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, 8:71-84, 1988.
ARAUJO, Barreto. Ameaças formais contra áreas protegidas na Amazônia. O Estado da Ama-
zônia. IMAZON.
180 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Com uma maior visibilidade das questões relacionadas à gestão ambiental e territorial das TIs,
proliferaram-se pelo país ações dessa natureza estimuladas por organizações não governamentais,
associações indígenas, governos estadual e federal, cooperação internacional e agências bilaterais e
multilaterais. Em levantamento realizado no ano de 2006, identificou-se um vasto conjunto de expe-
riências desenvolvidas em vários estados da federação: Acre, Pará, Roraima, Rondônia, Amazonas,
Maranhão, Tocantins, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Minas Gerais, Bahia, Rio
de Janeiro, São Paulo e Paraná (LITTLE, 2006). Mais recentemente, o Governo Federal por meio
da Portaria Interministerial nº 276, de 12 de setembro de 2008, instituiu Grupo de Trabalho Inter-
ministerial (GTI) com a finalidade de elaborar proposta de Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI), o que mostra a relevância da questão como foco de uma
política pública, elaborada participativamente. Entre 2009 e 2010, foram realizadas consultas regionais
junto aos povos indígenas em todo o país com o intuito de construir a política, estando ela agora em
sua fase final de consolidação56.
Nesse contexto de discussões e ações crescentes em torno da gestão ambiental e territorial das
TIS, o Governo do Estado do Pará teve a iniciativa de realizar o Seminário “Situação Socioambiental
das Terras Indígenas do Pará: Desafios para Elaboração de Políticas de Gestão Ambiental”, em Belém,
de 07 a 09 de junho de 2010, como atividade do Subprojeto 1 (“Levantamento da Situação Socioam-
biental das Terras Indígenas do Pará”), do Projeto Piloto “Conservação da Biodiversidade em Terras
Indígenas do Pará” (ConBio Indígena), executado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do
Pará (SEMA/PA), por meio de sua Diretoria de Áreas Protegidas (DIAP), em especial a sua Coorde-
nadoria de Ecossistemas (CEC) e a sua Assessoria dos Povos Indígenas. O princípio fundamental que
orienta o alcance dos objetivos do ConBio Indígena é “a valorização da cultura e do modo de vida dos
povos indígenas como elementos fundamentais para a conservação do meio ambiente”. Já o objetivo
do Subprojeto 1 é caracterizar e diagnosticar os cenários de conflitos e potencialidades socioambien-
tais das TIs e as áreas prioritárias de atuação junto aos povos indígenas do estado.
Este texto integra o conjunto de atribuições assumidas pelo Instituto Internacional de Educação
do Brasil (IEB) ao aceitar o convite da SEMA para facilitar a condução e a comunicação dialógica du-
rante o Seminário, que incluiu também as seguintes atividades: (i) planejar e definir a metodologia do
Seminário com técnicas e estratégias de trabalho de condução, considerando o objetivo/produto do
seminário; (ii) estruturar os materiais necessários ao Seminário e (iii) elaborar o relatório com registros
da produção do Seminário, enquanto texto base de divulgação.
56
PNGATI. Disponível em: <http://sites.google.com/site/pngati>. Acesso em: 10 dez. 2010
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 183
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Após esta breve introdução, este artigo encontra-se dividido em quatro partes. A primeira apre-
senta o histórico e os antecedentes que justificam e explicam a convocação e a realização do referido
Seminário da perspectiva da SEMA, tendo como fonte os documentos que nos foram fornecidos por
esta secretaria e as conversas mantidas com a equipe técnica do projeto ConBio Indígena. Nessa parte,
tentamos recuperar e fazer sentido os investimentos anteriores do Governo e do movimento indígena
do Estado do Pará. A segunda parte apresenta os objetivos, os resultados e a metodologia propostos
para a realização do Seminário. A terceira descreve, em linhas gerais, o que ocorreu, com destaque para
a sistematização dos principais pontos trazidos pelas apresentações e os resultados dos “trabalhos de
grupos”. Esses constituem a contribuição substantiva do Seminário para a formulação do Programa
de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas do Pará (doravante Programa), visto que abor-
daram as seguintes dimensões ao longo de dois dias: (1) a situação socioambiental das TIs do Pará e
(2) os insumos para o referido Programa. A quarta e última parte apresenta as considerações finais, nas
quais propomos alguns encaminhamentos.
Esse tem como ponto de inflexão inicial a I Semana dos Povos Indígenas, por ocasião da qual
representantes de cerca de 36 povos indígenas58 se reuniram no Fórum das Questões Indígenas, nos
dias 16 e 17 de abril de 2007, no Parque dos Igarapés, em Belém e como ponto culminante a própria
Conferência, convocada com o objetivo de construir a Política Estadual para os Povos Indígenas. A
Conferência foi precedida por sete Encontros Indígenas Regionais, nos quais se discutiram temas
como Organização Social, Educação, Saúde, Gestão Territorial e Ambiental, Segurança Alimentar,
Produção e Proteção do Patrimônio. Ela ocorreu de 07 a 09 de agosto de 2008, em Belém, no mesmo
Parque dos Igarapés, contando com 385 participantes, sendo 258 delegados - dos quais 170 indígenas,
9 delegados de prefeituras, 59 de órgãos do Governo Estadual, 20 de órgãos do Governo Federal e
126 convidados.
Por ocasião da I Semana dos Povos Indígenas, 91 lideranças indígenas firmaram um documento
denominado “Carta dos Povos Indígenas”, dirigido “aos órgãos federais, estaduais e municipais que
trabalham nas terras e aldeias indígenas”, no qual observavam que “os governos [estaduais] anteriores
sequer trataram com dignidade os 36 povos e mais de 40 mil indígenas do Estado do Pará” (CARTA
DOS POVOS INDÍGENAS DO PARÁ, 2007). Sensibilizado, o Governo se viu na obrigação de
responder as “demandas, necessidades e interesses” (idem) explicitados na Carta. A Coordenação
da Câmara da Política Setorial de Defesa Social do Estado do Pará, considerando suas atribuições
relacionadas aos direitos humanos e à justiça e em acordo com outros entes da administração pública
estadual e federal presentes, articulou a instalação do Comitê Intersetorial de Política Indigenista do
Estado do Pará. Este envolveu cerca de 42 órgãos e secretarias de toda a estrutura administrativa do
Estado, os quais estudaram e procuraram responder aos 60 pleitos da referida Carta, organizando-as
em cinco eixos. Nessa Carta, a sexta demanda para a Casa Civil pleiteava o apoio – com recursos – para
a realização do primeiro encontro dos povos indígenas do Pará, ainda em agosto daquele ano de 2007.
Tal encontro, na forma da 1ª Conferência Estadual dos Povos Indígenas ocorreu em agosto
do ano subsequente, em Belém. Definida como um “esforço coletivo de autoridades do Governo e
líderes dos povos indígenas” nela se “pactuou entre outras questões o pagamento da dívida histórica
do Estado” para com os povos indígenas (SEJUDH/PA, 2008). A 1ª Conferência se constituiu “num
momento importante de trabalho coletivo, envolvendo diversos segmentos representativos de organi-
zações governamentais das esferas federal, estadual e municipal e dos povos indígenas do Pará”, com
“o objetivo de garantir um diálogo e um acordo entre os entes federativos que tem responsabilidade
em lei de cuidar dos problemas que afligem os Povos Indígenas” do estado. As proposições aprovadas
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 185
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
em plenária durante a I Conferência configuraram as Diretrizes da Política Estadual para os Povos Indígenas
do Pará e um conjunto de instrumentos de políticas públicas que se esperava poder implementar desde
então:
– A Conferência Estadual dos Povos Indígenas do Pará, a realizar-se a cada dois anos;
– O Plano Estadual de Sustentabilidade Humana e Territorial dos Povos Indígenas do Pará;
– O Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Pará, como instância deliberativa;
– O Fundo Estadual dos Povos Indígenas e a Secretaria Estadual dos Povos Indígenas, como
órgão executor com maior autonomia programática e financeira.
Ao final da Conferência, encaminhou-se a criação pelo Governo do Estado, mediante Decreto,
de um grupo de trabalho com a participação dos povos indígenas para elaborar, no prazo de 60 dias,
um Projeto de Lei que instituísse as referidas Diretrizes e os seus instrumentos.
Essas ocorreram ao tempo da I Conferência (08 de agosto) e pouco tempo depois (1º de setem-
bro de 2008). A primeira contou com a participação da FUNAI (incluindo o Presidente, coordenado-
res da CGPIMA e da CGDC e Administradores Regionais de Redenção/Gorotire, Belém e Altamira),
de representantes indígenas do Pará no CNPI (Akiaboro Kayapó), de ONGs (CI e TNC) e da GTZ,
além do então Secretário de Estado de Meio Ambiente e tratou de inúmeros assuntos entre os quais
a participação dos povos indígenas no “Programa de 1 Bilhão de Árvores” do Governo do Estado
do Pará, cujo objetivo é viabilizar a recuperação de áreas degradadas. Nessa reunião, enfatizou-se que
a agenda pós-demarcação consiste em trabalhar uma política de gestão ambiental para as TIs no Pará
(por meio da gestão territorial, do fortalecimento institucional e do etnodesenvolvimento) e destacou-
-se a importância da 1a Conferência a partir das múltiplas perspectivas dos povos indígenas, pensando
de baixo para cima a condução de agendas de conservação. A segunda foi uma reunião interna que es-
boçou a visão programática da Política de Gestão Territorial e Ambiental em TIs nos marcos do Pro-
jeto ConBio Indígena. As três diretrizes então levantadas e que vieram a constituir os três subprojetos
do ConBio Indígena foram: macro-diagnóstico das TIs, com base em fontes secundárias; etnoconhe-
cimento associado à biodiversidade, visando a elaboração de material didático para ações de educação
ambiental, por meio da Secretaria da Educação e uso sustentável dos recursos naturais, que incluía os
componentes de fortalecimento das organizações indígenas e de etnozoneamento e etnomapeamento,
por meio das Secretarias de Produção e Assistência Técnica/Extensão Rural.
186 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Realizada em 20 de maio de 2009, na Sala de Conselho da SEMA, teve o intuito de (i) nivelar as
informações sobre o processo de implementação do Projeto ConBio Indígena, em especial o Sub-
projeto 3 (Gestão ambiental em Terras Indígenas: etnomapeamento, etnozoneamento e manejo sustentável dos recursos
naturais)59 e as informações sobre o processo de elaboração da política indigenista do Estado do Pará;
(ii) apresentar os termos de referência da contratação pela GTZ da consultoria e gerenciamento de
serviços para apoiar os processos de articulação institucional na temática indígena na atuação da
Cooperação Alemã no Pará; e (iii) definir o desenho metodológico para a realização da “Oficina de
Trabalho para o Etnozoneamento e Etnomapeamento em Terras Indígenas do Pará: Ferramentas de
Gestão Ambiental”. Desde abril de 2008 a GTZ vinha apoiando o processo de elaboração da Política
Indigenista do Estado do Pará, coordenado pela Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos
(SEJUDH), por meio da Coordenadoria de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Populações
Tradicionais. No momento dessa reunião de trabalho, o Grupo de Trabalho instituído pelo Governo
do Estado havia concluído os trabalhos de elaboração da minuta do projeto de lei, que instituiria a
Política Indigenista do Estado do Pará, integrada pelos já referidos instrumentos básicos (ver página
anterior).
59
O Subprojeto 3 tinha três objetivos: (1) executar o etnozoneamento e o etnomapeamento em três TIs do estado, no intuito de promover ações e projetos inovadores de
gestão e manejo sustentável dos recursos naturais que melhorem a qualidade de vida dos povos indígenas; (2) promover o fortalecimento das organizações indígenas
e indigenistas para atuarem ativamente na conservação da biodiversidade e uso dos recursos naturais em TIs do Pará; e (3) implementar metodologias para conheci-
mento do potencial de manejo dos recursos naturais em TIs e para a execução de ações e projetos para uso sustentável desses recursos, no intuito de contribuir para a
melhoria da qualidade de vida das populações indígenas em questão.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 187
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
como ferramentas para a gestão ambiental em TIs; (ii) definir o arranjo institucional de entidades governa-
mentais, não governamentais indígenas e indigenistas para viabilizar a execução do etnozoneamento e etno-
mapeamento nas TIs onde a SEMA/PA irá atuar; e (iii) definir a metodologia apropriada de mapeamentos
e zoneamento participativos na TI Trombetas/Mapuera.
Esperavam-se os seguintes resultados: formar o grupo de trabalho para o etnozoneamento e
etnomapeamento nas TIs do Pará; desenhar a metodologia apropriada para o etnozoneamento e etno-
mapeamento da TI Trombetas/ Mapuera; e articular mais os órgãos de governo com ONGs indíge-
nas e indigenistas que atuam na referida TI. Ao final, logrou-se elaborar o desenho metodológico do
etnozoneamento da TI Trombetas/Mapuera em uma matriz de planejamento e definir (a) o arranjo
institucional para o desenvolvimento das atividades previstas (com as instituições, suas atribuições e
os recursos a serem disponibilizados), (b) os mecanismos de acompanhamento das atividades e (c) os
próximos passos para a implementação destas.
* * *
Assim caminhavam a formulação da política indigenista do Estado do Pará e a execução dos
subprojetos do ConBio-Indígena, quando a SEMA convocou o Seminário, com o objetivo de iniciar a
sistematização de informações dispersas e nunca antes publicadas sobre a situação socioambiental das
TIs do Pará, impulsionando, desse modo, o Subprojeto 1 do ConBio Indígena. Para tanto, convidou
lideranças indígenas, representantes de organismos governamentais e não governamentais, e pesquisa-
dores acadêmicos da esfera regional, nacional e internacional, que atuam junto aos povos indígenas do
estado, para trazerem informações preliminares sobre as TIs nas quais atuam. Por meio do seminário,
portanto, foi dado mais um passo no trabalho de parceria que vem sendo paulatinamente construído
pelo Governo do Estado com os povos indígenas, neste caso específico, visando produzir insumos
para se estabelecer diretrizes e um conjunto de ações para a conservação e o uso sustentável da biodi-
versidade nas TIs no Estado do Pará.
60
Para alcançar o primeiro objetivo do Subprojeto 3 (ver nota de rodapé anterior), uma das atividades seria a realização de três experiências piloto de mapeamento partici-
pativo, denominadas de etnozoneamento e etnomapeamento, em três TIs do Estado, na expectativa de que o etnozoneamento e o etnomapeamento se constituíssem
em importantes instrumentos de gestão ambiental em TIs.
188 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Partindo de uma proposta preliminar elaborada pela SEMA e após intensas trocas entre as equipe
desta e do IEB, definimos conjuntamente os objetivos e os resultados esperados do Seminário, e o
conteúdo programático, cronograma e metodologia. Assim sendo, o Seminário foi convocado com os
seguintes objetivos explícitos.
Levantar de modo participativo informações preliminares sobre a situação socioambiental das
TIs do Pará; identificar os principais problemas e potencialidades socioambientais das TIs do Pará,
dentre outros; produzir insumos para a estruturação de um “Programa de Gestão Territorial e Am-
biental em Terras Indígenas do Pará” (ProGATI); e fortalecer lideranças indígenas do Pará no trato
das questões relativas à gestão territorial e ambiental.
Entre os produtos específicos que contávamos gerar, estavam: a sistematização, de forma geral,
das informações produzidas sobre os recursos naturais e as potencialidades econômicas e ecológicas
das TIs do Pará, que constituam reais oportunidades de conservação da biodiversidade e desenvolvi-
mento sustentável dos povos indígenas do estado; e a publicação de um livro com os artigos e/ou as
comunicações transcritas dos palestrantes e os painéis elaboradas nos grupos de trabalho, sobre: (a)
situação socioambiental das TIs do Pará e os (b) insumos norteadores do ProGATI.
Para lograr isso, estruturamos o Seminário em torno de dois eixos: uma série de painéis temáticos
visando dar a conhecer e socializar distintas experiências de gestão ambiental e territorial indígena
capitaneadas por organizações de diferentes setores (academia, Governo, movimento indígena e so-
ciedade civil) por meio de comunicações orais de especialistas e representantes de ONGs indígenas e
indigenistas; e grupos de trabalho (GTs) que teriam a atribuição de dar conta das duas principais di-
mensões pré definidas do Seminário, quais sejam – levantar a situação socioambiental atual das TIs do
Pará, identificando seus principais problemas e potencialidades, e gerar insumos para a estruturação de
um futuro “Programa de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas do Pará”.
No primeiro dia, com as dez apresentações orais nos painéis temáticos, visamos ampliar o conhe-
cimento dos participantes sobre o tema do Seminário e oferecer insumos - na forma de experiências,
idéias e propostas - para os trabalhos dos GTs. Para filtrar e sistematizar as principais contribuições das
apresentações, iniciarmos a reflexão sobre os objetivos do próprio Seminário, propondo a construção
– tendo como insumos os debates com a plenária – de dois painéis intitulados, respectivamente: “Princi-
pais Idéias e Propostas” e “Dúvidas e Questões”. A idéia foi sistematizar os registros feitos nesses painéis
ao final do primeiro dia de trabalho do seminário e pôr esse material à disposição dos GTs.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 189
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Os dois dias seguintes foram reservados ao trabalho dos GTs, cada qual sobre uma das dimen-
sões do Seminário, seguindo uma metodologia e uma divisão em grupos distintos. Ambos iniciaram
com exposições informativas e motivadoras com objetivo de enquadrar, oferecer subsídios e preparar
os participantes para os trabalhos dos GTs.
Assim sendo, começamos o primeiro dia de trabalho dos GTs assistindo à apresentação do Coor-
denador de Ecossistemas da SEMA sobre as TIs no contexto do Zoneamento Ecológico-Econômico
do Estado do Pará. Após o debate em torno da apresentação, a plenária foi dividida em sete grupos
correspondentes às sub-regiões / etnozonas / regionais nas quais se articula a representação do Fórum
dos Povos Indígenas: Altamira, Belém, Oriximiná/Tumucumaque, Marabá/Tucuruí, Redenção/Sul e
Sudeste do Pará, Itaituba e Santarém61. Cada grupo foi instruído a elaborar uma matriz FOFA (ou seja,
de fortalezas e oportunidades, fraquezas e ameaças) sobre a situação socioambiental dos povos e terras
indígenas daquela região. Foram enfatizados os dois passos principais na elaboração da matriz: (1º) ter
claro qual a situação que está sendo analisada e quem está analisando essa situação, no caso a situação
socioambiental das TIs do Pará e o conjunto variado de atores que está na e/ou conhece as TIs e as
regiões onde elas se encontram, e que estavam presentes no Seminário; e (2º) identificar os fatores
positivos e negativos que interferem nas terras indígenas das respectivas regiões, classificando esses
fatores em internos e externos – tendo se explicado e exemplificado o que seriam fatores internos e
externos, bem como positivos e negativos. Tais matrizes foram socializadas pelos respectivos grupos
na plenária ao final do dia, finda a qual foi distribuído um questionário para as lideranças indígenas
presentes preencherem com o apoio da equipe da SEMA. O objetivo do questionário era detalhar ao
nível das terras e aldeias indígenas as informações reunidas nas matrizes para cada região.
É importante observar que desde o início havíamos proposto empregar a metodologia da matriz
FOFA não em sua integralidade, dada a expectativa de um público bastante diverso. Ou seja, a ela-
boração das matrizes FOFA não levou os grupos a realizar um posterior exercício de priorização dos
elementos a serem enfrentados mais urgentemente, como seria o caso na aplicação padrão da metodo-
logia. Assim sendo, os grupos se limitaram a elaborar amplos painéis sobre a situação socioambiental
61
A composição do Fórum dos Povos Indígenas com esse desenho e a representação de duas lideranças por cada região, totalizando 14 representantes, foi articulada na I
Semana dos Povos Indígenas em 2007. Não obstante, os encontros regionais preparatórios para a 1ª Conferência se deram em nove regiões. Nesse contexto, ocorreram
encontros distintos em Tumucumaque e Oriximiná, tendo ocorrido também uma consulta em Macapá. Os encontros regionais de Ourilândia do Norte e Capitão Poço,
por sua vez, equivaleriam, respectivamente, às regionais de Redenção/Sul e Sudeste do Pará e de Belém no Fórum. Por sua vez, as regionais do Fórum também não
coincidem integralmente com os sete espaços geoeconômicos definidos por região hidrográfica no ZEE do estado: Calha Norte, Tapajós, Baixo Amazonas, Portel-Marajó,
Xingu, Tocantins-Araguaia e Costa Atlântica-Nordeste. Por fim, importa informar que no Seminário o grupo de Altamira não se viabilizou devido a ausência de represent-
antes indígenas daquela região, que não puderam participar por estarem envolvidos com outro evento relacionado a Belo Monte. Já o grupo de Belém incorporou um
contingente expressivo de indígenas Ka’apor do Maranhão, que se encontravam na cidade e decidiram acompanhar o Seminário.
190 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
de cada região tal como a percebiam a partir de seus pontos de vista idiossincráticos e plurais. Como se
sabe, a principal vantagem dessa ferramenta é sua simplicidade para gerar informações e critérios que
guiam a tomada de decisões e sistematizam o planejamento de ações. Tal simplicidade também é sua
principal desvantagem, pois não permite uma análise profunda dos problemas identificados por quem
planeja, gerando uma matriz superficial. De todo modo, como veremos na próxima parte, logramos
produzir uma contribuição preliminar para um futuro processo de planejamento à escala regional a
partir das perspectivas dos múltiplos atores presentes.
No segundo dia de trabalho dos GTs, para gerar os insumos desejáveis para o ProGATI, come-
çamos o dia assistindo: o vídeo documentário sobre processo da 1ª Conferência Estadual dos Povos
Indígenas; uma apresentação da Coordenadora de Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Po-
pulações Tradicionais da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), historiando o processo de
formulação da política indigenista do Estado desde então; e uma exposição do facilitador sobre conceitos
importantes para gerar os referidos insumos (políticas, planos, programas e projetos; princípios, diretrizes
e objetivos).
Após o debate em torno das apresentações, a plenária foi dividida em três grupos amplamente
definidos conforme os diferentes setores presentes ao Seminário: indígenas, Governo e academia/
pesquisadores62. Partindo do entendimento de que o movimento indígena já tinha formulado insu-
mos que poderiam compor o ProGATI, tanto na Carta dos Povos Indígenas quanto nas deliberações
aprovadas na I Conferência (agosto de 2008), e de que era importante valorizar essas formulações,
distribuímos um documento com uma síntese dessas propostas e deliberações no eixo gestão ambien-
tal e territorial, e demos as seguintes orientações para os GTs: (i) ler coletivamente esse documento
síntese e (ii) responder as seguintes perguntas, registrando as respostas em painéis: (a) se todas ou a
maioria daquelas propostas fossem implementadas, que objetivos seriam alcançados? (b) há propostas
parecidas umas com as outras? Em caso afirmativo, que grandes conjuntos ou linhas de ação é possível
reconhecer? e (c) as propostas de atividades listadas no documento síntese são suficientes para o Pro-
GATI? Em caso negativo, que outras propostas de atividades são importantes de acrescentar? Cada
grupo deveria, assim, com base nos subsídios sistematizados pela facilitação e seguindo as perguntas
orientadoras, elaborar um painel tríptico propondo objetivos, linhas de ação e propostas de atividades
62
A proposta era dividir em um conjunto maior de grupos por setores, incluindo “ONGs e sociedade civil” e “cooperação internacional”. Devido, contudo, às vicissitudes
inerentes a eventos dessa natureza, nos vimos obrigados a enxugar o número de GTs nesse dia.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 191
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
do referido Programa. Esperava-se, ao final do dia, socializar os resultados dos GTs e elaborar um
painel sintetizando as contribuições de todos o GTs63 .
Desse modo, desenhamos uma abordagem relativamente simples, considerando tanto o público
multisetorial que teríamos, quanto à necessidade de estimular o interesse e a ativa participação dos
representantes indígenas, e valorizando formulações indígenas anteriores. Por meio da visualização
em painéis, como forma de permitir o registro visual e a sistematização paulatina do processo de
discussão, e da problematização, como modo de estimular as discussões entre os participantes e per-
mitir registrar e filtrar as ideias e os conhecimentos necessários para pensar soluções, buscávamos um
enfoque participativo, propiciando o debate e a troca de experiências entre as diferentes categorias de
participantes no Seminário.Foi assim que a facilitação tentou conduzir a programação e o processo
metodológico, desde os momentos de apresentação de conteúdos e insumos (experiências, idéias e
propostas), até as plenárias dialogadas. Com essa metodologia e programação, obtivemos ao final do
Seminário uma análise muito preliminar da situação socioambiental das TIs em seis das sete regiões do
estado e um conjunto de subsídios para nortear discussões futuras sobre como pode vir a se estruturar
o ProGATI, fruto de uma construção coletiva participativa e mais ampla.
Os resultados obtidos com o Seminário podem ser considerados satisfatórios, dado o estágio relativa-
mente inicial do processo de discussão sobre gestão ambiental e territorial no Estado do Pará. Obviamente,
há ainda um caminho longo a ser percorrido para se ter um levantamento completo da situação socioam-
biental das TIs no estado, bem como um ProGATI consolidado e implementado. Diversos outros mo-
mentos de reflexão, discussão e produção de informações podem ser desenvolvidos de modo participativo,
contando inclusive com consultas regionais para se chegar a um estágio mais avançado do processo.
63
Devido a diversos fatores, entre eles tempo limitado e participação oscilante dos presentes não foi possível fazer a integração dos painéis produzidos pelos três GTs no
segundo dia, sintetizando as contribuições em um grande esboço do que poderia vir a ser o desenho inicial do ProGATI.
192 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
64
Os textos com as apresentações feitas nos painéis temáticos, elaborados pelos próprios expositores, serão editados em publicação específica, recuperando, assim,
as contribuições que deram e as experiências que relataram. No limitamos aqui a pontuar os elementos mais evidentes que surgiram e foram registrados durante os
debates.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 193
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
c) Dúvidas e Questões65
65
É importante sinalizar que algumas dessas questões, as mais específicas, diretas e dirigidas, foram respondidas pelos próprios expositores dos painéis temáticos. Decidi-
mos, contudo, deixá-las aqui, a título de registro das dúvidas que emergiram durantes as sessões de debates.
194 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
– Destaque especial pode ser dado à preocupação dos presentes com a efetiva participação dos povos
indígenas na elaboração das políticas públicas. Diversas iniciativas de gestão ambiental e territorial
no país estão fundamentadas em uma base dita participativa, mas assegurar o pleno envolvimento
dos povos indígenas na discussão, elaboração e implementação de políticas e ações dessa natureza
configura-se como um desafio a ser superado. Como sugerido por Paul Little, a participação não
implica que os povos indígenas fizeram parte do processo como um todo. Em geral, eles são con-
vidados para participar na elaboração de instrumentos previamente definidos. Eles tomam parte no
processo, mas não são os seus idealizadores. A noção de “agência étnica” seria muito mais significa-
tiva (LITTLE, 2006). Por meio dela, entende-se que os povos indígenas estiveram presentes desde o
momento da concepção das políticas ou da própria gestão ambiental e territorial das TIs.
Outro ponto significativo diz respeito à autonomia dos povos indígenas para gerirem suas terras.
Como dito por uma expressiva liderança indígena, Gersem Baniwa: um dos elementos centrais nessa
direção “é o início de vários projetos coletivos de autogestão territorial em curso, que deverão im-
pulsionar e subsidiar o processo de reconstrução da autonomia desejada” (LUCIANO, 2006). Esses
projetos coletivos estão fundamentados em grande medida no conhecimento tradicional dos povos
indígenas, que tem permitido a eles gerirem secularmente seus territórios. Cada vez mais, contudo,
frente ao processo de contato interétnico, apoios externos têm sido apontados como necessários. Por
este motivo, um programa da gestão ambiental e territorial das TIs deve minimamente contemplar
aspectos inerentes ao conhecimento indígena e vislumbrar apoios governamentais conforme as neces-
sidades específicas de cada povo.
Exemplos de apoios externos, especialmente governamentais, podem ser pensados a partir de al-
gumas idéias e propostas apresentadas no Seminário, como a necessidade de sistemas de comunicação,
monitoramento, vigilância e fiscalização das TIs. A formação/capacitação de agentes indígenas tam-
bém pode ser incluída aqui, juntamente com levantamentos do potencial de etnodesenvolvimento e da
pressão sobre as TIs. Ações dessa natureza apontam para uma maior interação entre o conhecimento
tradicional indígena e o conhecimento científico não indígena, ambos extremamente importantes para
a gestão ambiental e territorial das TIs. Na perspectiva de algumas lideranças indígenas: “o processo
de apropriação das tecnologias e de outros conhecimentos próprios da modernidade está possibilitan-
do que esses povos reorientem e planejem seus futuros, reafirmando e fortalecendo os seus próprios
conhecimentos” (LUCIANO, 2006).
Essa interação entre conhecimentos, quando bem dosada, pode contribuir enormemente para
a formulação de planos de gestão das terras indígenas, ressaltados pelos participantes como uma
normatização do uso do território com diversas dimensões, devendo ser entendidos a partir de uma
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 195
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
visão global e não fragmentada. Estes planos foram sinalizados como ferramentas importantes para se
pensar o futuro dos povos e terras indígenas nas próximas décadas, sendo seu processo de elaboração
considerado longo e demorado, devendo ser desenvolvido com cautela e cuidado.
Para a eficácia desses planos – considerados como processos longos, cautelosos e globais – é
preciso contar com ações integradas por parte dos órgãos governamentais, sejam eles federais, esta-
duais ou municipais. Nessa direção, políticas que possuem interface com a gestão do território, como
educação e saúde, e questões polêmicas, como a sobreposição de TIs e UCs e a política para povos
isolados e semicontatados, poderiam ser mais efetivas.
Não se pode perder de vista, ainda, outra questão sinalizada pelos participantes do Seminário, a
necessidade de propiciar o fortalecimento das associações indígenas, inclusive com um maior apoio
para pequenos projetos. Por meio das associações e com os devidos apoios, inúmeras ações de gestão
ambiental e territorial podem ser desenvolvidas. Não se deve esquecer, entretanto, que o associativis-
mo indígena, estimulado consideravelmente após a Constituição Federal de 1988, possui “amplitudes
de ações muito distintas – desde as que representam aldeias ou de corte étnico, representando um
povo, até as de âmbito regional, passando por grandes redes de organizações” (LIMA, 2010).
As matrizes a seguir resultam do trabalho realizado pelos GTs no segundo dia do seminário.
Como já relatamos, a proposta era, com base em uma ferramenta de planejamento simples (matriz
FOFA), fazer um levantamento preliminar da situação socioambiental das TIs do Pará tal como per-
cebida pelos pontos de vista idiossincráticos e plurais dos participantes presentes no Seminário e
conforme as sete regiões do estado em que se articula o Fórum dos Povos Indígenas. Pelas razões já
apontadas, não compareceram indígenas da região de Altamira, motivo pelo qual não há uma matriz
para esta região. Ademais, reunimos o contingente de indígenas Kaapor - que se juntou de última hora
ao seminário por estar na cidade para outros fins - ao grupo Belém – o que inchou um pouco o seu
tamanho e se expressa na matriz mais apinhada. Tais matrizes foram socializadas pelos seis grupos na
plenária ao final do dia e devem ser compreendidas em conjunto com o resultado da tabulação dos
questionários preenchidos pelas lideranças indígenas presentes com o apoio da equipe da SEMA. Ao
lado do nome grupo, incluímos o nome do relator do grupo em plenária __sempre um indígena.
Cabe ressaltar, que houve dificuldades no emprego adequado das tarjetas e na distinção entre
o que é interno e/ou externo, positivo e/ou negativo. Isso explica tanto algumas repetições que se
verificam nos quadrantes de fraquezas (internas) e ameaças (externas) em alguns grupos, quanto às
196 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
formulações aparentemente positivas nos quadrantes que abarcam as dimensões negativas (fraquezas
e ameaças). Nesses casos, sugerimos ao leitor acrescentar, em sua leitura, “falta de”, “carência de”,
“ausência de”, para recuperar o espírito da formulação.
Além disso, como muitos já articulavam em termos de comentários adicionais, críticas e propos-
tas, demos a liberdade para que os GTs elaborem painéis paralelos com esses elementos – cujas formu-
lações se encontram registradas abaixo das matrizes. Em alguns casos, editamos as matrizes, retirando
dos quadrantes o que eram propostas evidentes. Nesses casos, os trechos retirados dos quadrantes
estão realçados em cinza nas listas de propostas apresentadas.
Apesar de todas essas qualificações, decidimos reduzir ao mínimo a edição das matrizes, limi-
tando-nos a uma revisão de redação. Fizemos pouquíssimos ajustes em termos de seus conteúdos e
optamos por deixar as inconsistências de conteúdo visíveis, como expressão do modo como os parti-
cipantes entenderam o exercício. Isso porque avaliamos que, a despeito disso, logramos produzir uma
contribuição preliminar que pode ser recuperada em um futuro processo de planejamento à escala
regional a partir das perspectivas dos múltiplos atores presentes. Após a apresentação das matrizes,
fazemos uma breve análise das mesmas em linhas gerais, em termos de seu conteúdo.
Forças:
– Regularização fundiária;
– Preservação dos recursos naturais pelos indígenas;
– Importância das associações como mediadoras;
– Fortalecimento das associações indígenas;
– Extensão dos territórios Tumucumaque e Nhamundá/Mapuera;
– Ocupação do território e terras indígenas;
– Existência e preservação de bens materiais e imateriais tradicionais na região;
– A preservação da língua;
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 197
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Fraquezas:
Oportunidades:
Ameaças:
Forças:
– Língua e Cultura;
– Artesanato;
– Conservação dos recursos naturais;
– Forte presença indígena no estado.
Fraquezas:
Oportunidades:
Ameaças:
Propostas: programa de custeio de estudante indígena na cidade; cotas na UEPA; bolsas para es-
tudo nas universidades privadas; criar Secretaria Indígena; criação de um fórum indígena permanente
custeado pelo Governo.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 201
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Forças:
Fraquezas:
Oportunidades:
Ameaças:
Comentários e preocupações:
Fazer com que as crianças aprendam as coisas do branco, sem esquecer a cultura, para defender
seu povo; pouca participação de lideranças indígenas Kayapó no Seminário; o mato tem que ficar
saudável (conservação); isso é só um documento? Não teve informações suficientes nas comunida-
des sobre as políticas do Estado para as TIs; insatisfação com o Governo Federal (faz coisas que não
presta - Belo Monte).
Forças:
– Politicamente em ascensão;
– Capacidade de sedução;
– Produção agrícola sustentável;
– Manejo sustentável dos recursos naturais;
– Organização tradicional;
– Conhecimentos ancestrais;
– União para lutar para defender os direitos indígenas;
– Patrimônio natural e cultural conservado.
Fraquezas:
– Desvalorização cultural;
– Partidarismo;
– Falta de articulação entre os povos indígenas;
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 203
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Oportunidades:
Ameaças:
– Mordomia, alcoolismo;
– Drogas;
– Alcoolismo e prostituição;
– Manipulação de trabalho escravo;
– Exploração de riquezas pelos não indígenas como: garimpo, madeira, fazendeiro, barragem de rio;
– Sedução do mundo dos não índios;
– Dos garimpeiros, madeireiros, pescadores e palmiteiros;
– Os direitos autorais para não índios.
204 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Propostas:
Forças:
Fraquezas:
Oportunidades
– Frutas: bacaba, açaí, buriti, caju, goiaba, manga, entre outras. Possibilidade de comercializar;
– Área apropriada para atividades de ecoturismo; ou modalidade do gênero que não agrida a cultura
dos povos indígenas;
– Leis que protegem/garantem os direitos dos povos indígenas;
– Inclusão digital e ampliação da rede de cobertura nas aldeias;
– Estudos sobre a realidade indígena social, cultural, econômica, espiritual, por parte das universidades
e outros;
– Potencial cultural com os festivais: Borari, Sairé, Cambá, Cabanos;
– Movimento social não indígena apoiando as lutas indígenas;
– Políticas públicas de garantia dos direitos indígenas:
1) escolas indígenas de Ensino Fundamental, Médio e Universitário (reserva);
2) reconhecimento pelo Governo Municipal e estadual dos povos indígenas do Baixo Tapajós.
206 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Ameaças
Forças:
Fraquezas:
Oportunidades:
Ameaças:
– Picaretas;
– Desmatamento descontrolado no entorno da TI;
– Técnica agrícola indígena não é boa para cultivar a terra que vivem;
– Ausência de retaguardas do Estado na defesa, proteção, às reservas e TIs e demais UCs;
– Ocupação de terras indígenas por não índios versus conflitos políticos e territoriais/agrários;
– Mandioca morrendo. Não tem muita produção porque a terra está degradada/enfraquecida;
– Projetos de capacitação de carbono sem esclarecimentos devidos para a comunidade indígena, cau-
sando conflitos e divisões entre o povo
– Fazendeiros devastaram as matas;
– Comunidade indígena não usufrui do açaí nativo. Branco vem e tira;
– Madeiras;
– Evasão, as políticas, alguém falando para índios, desmatamento;
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 209
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
desses repasses; não existe mais floresta na terra indígena porque a maior parte já está desmatada;
indígenas não possuem apoio político por parte do Município.
Uma análise geral das matrizes elaboradas pelos grupos permite dizer de modo resumido o seguinte.
Para o grupo de Oriximiná/Tumucumaque, suas fortalezas centram-se no território regularizado, no uso
dos recursos naturais e na cultura do povo. A extensão das TIs Tumucumaque e Nhamundá/Mapuera tam-
bém veio a ser considerada uma fortaleza, bem com as associações indígenas da região.
As principais oportunidades ressaltadas dizem respeito à formação/capacitação em diversas áre-
as, pagamentos por serviços ambientais e acordos internos de uso dos recursos, com a realização do
etnozoneamento das TIs e o manejo de recursos importantes em andamento. Entre as fraquezas da
região foram mencionadas as dificuldades de acesso e de fiscalização das TIs, e as fragilidades inter-
nas, como falta de consenso entre a comunidade para algumas ações e a descentralização das aldeias.
Todas as aldeias da região padecem de ações de educação e saúde, sendo importante ainda valorizar
a educação escolar indígena e os pesquisadores indígenas. As ameaças sinalizadas foram em número
considerável, apontando problemas nas relações interétnicas, com militares, madeireiros e garimpei-
ros, bem como com projetos de desenvolvimento por meio da construção de hidrelétricas. Esses pro-
blemas resultam no aliciamento das mulheres indígenas, caçadas ilegais, invasões, uso não remunerado
da mão-de-obra indígena e a poluição dos rios.
O grupo de Marabá/Tucuruí, por sua vez, indicou como forças da região a existência de associa-
ções indígenas, a união da comunidade indígena e aspectos da cultura indígena, bem como a conserva-
ção dos recursos naturais e atividades de extrativismo e produção de artesanato. Outra força na região
é a presença indígena no estado. Dentre as oportunidades, constam a proteção aos direitos indígenas,
a presença do Ministério Público, as cotas nas universidades, a parceria com o CIMI e o potencial para
REDD. As fraquezas, em número mais elevado, estão associadas às terras não demarcadas, à falta de
fiscalização, a projetos de desenvolvimento, a ausência de associações e ao difícil acesso às terras. Es-
sas fraquezas são agravadas pela falta de uma atuação adequada por parte de vários órgãos: FUNAI,
MPF, PF e IBAMA. O grupo ainda apontou como uma fraqueza a falta de políticas para REDD e
artesanato, bem como a pouca articulação entre os povos e a manipulação da participação indígena
em eventos, inclusive com cortes nas falas dos indígenas. Em relação às ameaças, nota-se a presença
de fazendeiros, expansão da agropecuária, desmatamento do entorno das TIs, projetos de desenvol-
vimento, violação dos direitos indígenas e cobiça pelos recursos naturais nas TIs. A manipulação da
participação indígena, apontada como uma fraqueza, também foi ressaltada como uma ameaça, junta-
mente com políticos oportunistas.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 211
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
indígena no Estado do Pará, a ausência de ação integrada entre órgãos de segurança pública e as co-
munidades e a precária garantia da participação indígena na definição de programas e ações governa-
mentais formam outro bloco de fraquezas.
A ausência de sustentabilidade econômica e de políticas, a falta de atenção à saúde indígena dife-
renciada, a ausência de respeito às identidades indígenas na região do Tapajós e a ausência de recursos
financeiros para garantir as atividades das organizações/aldeias e TIs vieram a ser considerados con-
juntos de fraquezas. No que tange às ameaças, o grupo destacou os projetos de desenvolvimento, a
violência e discriminação sofridas pelos indígenas, o descaso dos órgãos governamentais para impedir
ações impactantes sobre as TIs, a ausência de apoio governamental para a autonomia indígena e a ges-
tão das TIs, a resistência do IBAMA e ICMBio frente ao processo de regularização das TIs do Baixo
Tapajós e o tráfico de drogas nas estradas estaduais e federais.
O grupo Belém/Kaapor enfatizou como fortalezas o conhecimento dos indígenas sobre o ter-
ritório, os recursos naturais, a cultura e os costumes. Acrescentaram, também, a existência de asso-
ciações, a organização dos indígenas na gestão e administração de projetos e recursos públicos e a
união das comunidades. Somam-se a estas, o conhecimento sobre a medicina tradicional e sobre a
biodiversidade na floresta. Em relação às oportunidades, de modo geral, o grupo apontou a possibi-
lidade de desenvolver atividades de turismo, pagamentos por serviços ambientais, parcerias, produtos
da floresta, capacitação e participação na gestão territorial e ambiental das TIs. As principais fraquezas
identificadas são o não conhecimento da história indígena nos municípios, o aliciamento dos indíge-
nas, o desmatamento, a falta de políticas públicas, a desarticulação política em nível estadual e federal
e a não regularização das TIs.
Há ainda, dentre as fraquezas, uma desarticulação interna entre as organizações indígenas, con-
flitos internos entre as lideranças criadas por não indígenas e a falta de capacitação em áreas prioritá-
rias. Quanto às ameaças, o grupo apontou o desmatamento do entorno das TIs, a invasão das TIs, os
impactos ambientais diversos, a discriminação para com os indígenas, a ausência de atuação do Estado
na defesa e proteção das TIs, a precariedade das técnicas agrícolas utilizadas para o cultivo e os grupos
de interesse que demandam políticas a seu favor em detrimento dos povos indígenas.
Olhando as matrizes comparativamente, podemos destacar alguns aspectos dignos de nota, que
mostram como o Pará comunga dos muitos aspectos que marcam a conjuntura socioambiental atual
dos povos e territórios indígenas na Amazônia:
Os GTs, em sua linguagem própria, enfatizaram a conversão de habitat e a degradação ambiental
dos territórios indígenas e seu entorno, frutos de pressões externas – a expansão da fronteira agrícola
e de atividades ilegais conexas, que literalmente “invadem” as TIs, o incremento de obras de infra-
-estrutura (hidrelétricas e estradas) e o avanço das indústrias extrativas (mineração) – com os conse-
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 213
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
A tabela a seguir sistematiza o resultado do trabalho realizado pelos GTs no terceiro e último
dia do seminário, organizados conforme os diferentes setores presentes ao Seminário (indígenas, Go-
verno e academia/pesquisadores). Como já dissemos, os grupos trabalharam com dois insumos: (i)
a sistematização das principais idéias e propostas que emergiram dos painéis temáticos; e (ii) um do-
cumento síntese das propostas e deliberações do movimento indígena na Carta dos Povos Indígenas
e na I Conferência (agosto de 2008). A proposta era cada grupo esboçar os objetivos, linhas de ação
e propostas de atividades a partir de respostas a três perguntas orientadoras, a serem registradas em
painéis: (a) se todas ou a maioria daquelas propostas fossem implementadas, que objetivos seriam
alcançados? (b) há propostas parecidas umas com as outras? em caso afirmativo, que grandes conjun-
tos ou linhas de ação é possível reconhecer? e (c) as propostas de atividades listadas no documento
síntese são suficientes para o ProGATI? Em caso negativo, que outras propostas de atividades são
importantes de acrescentar? Esperava-se, ao final do dia, socializar os resultados dos GTs e elaborar
um painel sistematizando as contribuições de todos os GTs em um único painel.
Não obstante, além das dificuldades de ordem estritamente metodológica (redação inadequada
dos objetivos, linhas de ação e propostas de atividade; e mudança da forma de trabalho dos GTs de um
dia para o outro) durante o Seminário, questões mais importantes emergiram que impediram a plena
realização do previsto – com a montagem do painel de síntese final. No grupo dos indígenas, que foi
coordenado pelo facilitador, emergiram fortes questionamentos sobre os objetivos do Seminário e a
representatividade da participação indígena no evento.
Durante o trabalho do GT dos indígenas, estes passaram a questionar os propósitos do seminá-
rio, o curto espaço de tempo do evento para a discussão de questões complexas, a representatividade
das lideranças presentes para falar em nome de todo o movimento indígena do estado, o uso que será
feito pelo Governo das informações produzidas no Seminário, as limitações das informações produ-
zidas para se gerar diretrizes para uma política estadual e a necessidade de outras lideranças indígenas
do estado serem consultadas para se consolidar uma política estadual. Isso tomou muito tempo, cerca
de duas horas, impedindo que o grupo trabalhasse as linhas de ação; mas oportunizou um importante
aprendizado para todos os envolvidos no processo do Seminário e sinalizou para pontos importantes
de serem considerados em eventos futuros voltados para a elaboração de uma política de gestão am-
biental e territorial no Estado do Pará.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 215
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
216 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 217
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Depois de esclarecido pelos facilitadores e pela Coordenadora do ConBio que, apesar de ser pu-
blicado, o documento serviria apenas como uma base, uma orientação e um subsídio para ser usado
ainda neste governo e nos próximos, sendo um modo das palavras não serem perdidas. Chegou-se a
conclusão que o grupo continuaria trabalhando na dinâmica proposta, mas que algumas salvaguardas
seriam tomadas: (i) o relatório final do Seminário deveria qualificar o contexto de produção das infor-
mações, ressaltando o caráter preliminar das discussões e a necessidade de um momento mais adequa-
do com um conjunto maior e mais expressivo de lideranças para se detalhar de modo mais qualificado
as diretrizes do referido Programa; (ii) não se justificaria montar um painel de síntese, pois seria bom
diferenciar o que indígenas, o Governo e os demais setores presentes pensam sobre e propõem para
tal Programa e (iii) o documento publicado deveria trazer como anexos os documentos anteriores, que
serviram de base para o exercício e de referência para o Seminário.
Feitos esses acordos, apresentamos a seguir a tabela com a sistematização dos painéis produzidos
pelos três GTs. Além de acatarmos a orientação emanada do GT dos indígenas – de não sintetizar as
contribuições em único painel; preservamos as formulações em seus conteúdos, tendo feito ligeiras re-
visões de forma na redação dos objetivos, linhas de ação e propostas de atividade, como nas matrizes
apresentadas no item anterior. Após a tabela, seguem comentários adicionais que podem contribuir
para uma percepção mais geral das informações produzidas.
Como fica evidente, os pontos elencados acima representam uma contribuição a mais ao proces-
so de discussão sobre um programa de gestão ambiental e territorial no Estado do Pará. Eles podem
ser entendidos como subsídios para próximos eventos, sendo importante aprofundar e detalhar as
muitas questões que cada um deles possa suscitar. Dentre os muitos pontos mencionados, enquanto
objetivos, atividades ou linhas de ação, percebe-se que um programa estadual de gestão territorial
e ambiental das TIs deve contemplar minimamente questões associadas a regularização fundiária,
vigilância e fiscalização, desmatamento, diagnósticos e estudos, capacitação, fortalecimento institucio-
nal, participação e autonomia indígenas, respeito à identidade indígena, invasões, impacto de grandes
obras, saúde, educação, novas tecnologias, etnodesenvolvimento, ações institucionais integradas e a
criação de uma secretaria dos povos indígenas. Cabem aqui, algumas breves ponderações acerca de
cada um destes aspectos.
Regularização fundiária – Um programa de gestão territorial e ambiental do estado precisa
considerar essa dimensão, tendo clareza de ser o procedimento de demarcação de TIs de responsabi-
lidade do Governo Federal. Ainda assim, é possível ao Governo do Pará disponibilizar seu apoio para
avançar nessa frente.
218 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Vigilância e fiscalização – Esta ação cabe não apenas para as TIs regularizadas, mas também
para as que estão em fase de regularização. A dimensão de um programa de gestão territorial e ambien-
tal deveria minimamente considerar ações conjuntas como Governo Federal com lideranças indígenas
previamente capacitadas para atuar nesse campo.
Invasões – As muitas pressões externas aos recursos naturais das TIs tornam esta uma questão
fundamental a ser tratada no programa, podendo as ações de vigilância e fiscalização contribuir para
a redução das invasões nas TIs.
Impacto de grandes obras – Os impactos de projetos de desenvolvimento sobre as TIs são de
diversas ordens e uma possibilidade de minimizá-los pode ser por meio de adequadas consultas pré-
vias aos povos indígenas, conforme garantido na Convenção 169 da OIT.
Desmatamento – A preocupação dos grupos com atividades degradantes diz respeito ao inte-
rior e entorno das TIs. O aumento da fiscalização e ações de recuperação de áreas degradadas parece
ser um dos caminhos para se enfrentar esse problema.
Diagnósticos e estudos – Em linhas gerais os grupos focaram a necessidade de realizar diag-
nósticos e estudos socioambientais das TIs e entorno. Como existem muitas metodologias para fazer
levantamentos dessa natureza, seria interessante discutir com os povos indígenas qual a melhor a ser
adotada.
Capacitação – A demanda por esta ação esteve presente ao longo das várias atividades desenvol-
vidas nos seminários e está voltada para várias áreas, dentre elas: de agentes ambientais, de vigilância e
fiscalização e de gestão de associações.
Fortalecimento institucional – Essa dimensão esteve focada principalmente nas associações
indígenas, mas para desenvolver um programa de gestão territorial e ambiental seria relevante con-
templar também determinados setores do Governo que estarão lidando diretamente com a questão.
Participação e autonomia indígenas – Essa demanda despontou no seminário para além de um
programa de gestão territorial e ambiental, sendo importante frisar que a participação indígena precisa
ser considerada nas várias etapas de um programa, desde a sua concepção até sua execução. Desse
modo, é possível contribuir para o processo de autonomia indígena no estado.
Respeito à identidade indígena – O combate a discriminação sofrida por alguns povos indí-
genas no estado parece ser um caminho fundamental para o desenvolvimento do programa de gestão
territorial e ambiental, que para ser bem sucedido, precisa desenvolver ações com populações residen-
tes no entorno das TIs.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 219
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Saúde e educação – Esse aspecto da realidade indígena possui estreito vínculo com a gestão
territorial e ambiental das TIs. Os grupos indígenas destacam a necessidade de ampliar o acesso de
seus povos em todos os níveis a essas duas áreas.
Novas tecnologias – Um conjunto de tecnologias exógenas às culturas indígenas foram apon-
tadas como importantes no processo de gestão das TIs, especialmente aquelas associadas a vigilância,
fiscalização, monitoramento e produção de alimentos.
Etnodesenvolvimento – Mesmo sem ter ocorrido durante o seminário uma definição consen-
sual sobre esse termo, ficou evidente que o programa a ser desenvolvido deve dedicar atenção especial
para um conjunto de atividades produtivas sustentáveis e de geração de renda.
Ações institucionais integradas – Como a gestão dos territórios indígenas inclui ações em diversas
áreas, requerendo a participação de múltiplas instituições, as ações integradas entre essas são essenciais
para o sucesso do programa.
Secretaria dos povos indígenas – A criação dessa secretaria foi consenso entre os grupos organi-
zados durante o seminário, merecendo destacar aqui a possibilidade do programa de gestão territorial
e ambiental das TIs do Estado do Pará contar com o apoio desse setor do Governo para sua concep-
ção, implementação e execução.
O Seminário com seus subsídios para a elaboração de um programa estadual de gestão territorial
e ambiental possui grande interface com o processo de elaboração da Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI). Durante o período do Seminário estavam
ocorrendo consultas regionais para a elaboração da PNGATI, sendo utilizado para tanto um docu-
mento de apoio. Nesse, consta um conjunto de questões importantes a serem resgatadas para que as
futuras discussões sobre o tema no Estado do Pará não percam a conexão com a política nacional a
ser criada e implementada.
No documento de apoio para as consultas regionais, intitulado “Construindo a Política Nacional
de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas”, datado de 201066, observa-se vários aspec-
tos legais norteadores do processo de elaboração da PNGATI. Eles poderiam ser apropriados nas
66
Este documento foi utilizado como base para as consultas regionais, como forma de estimular as discussões junto aos povos indígenas das diversas regiões do país.
Os conceitos, diretrizes, objetivos, arranjo institucional e demais informações presentes no documento não podem ser, portanto, considerados pontos consolidados
de uma política nacional. As informações retiradas deste documento para o presente texto, nesse sentido, são apenas referencias para as futuras discussões estaduais.
220 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
discussões para o programa estadual. Ou seja, para a construção de um programa estadual de gestão
territorial e ambiental das TIs do Pará seria fundamental considerar o disposto nos seguintes marcos
legais: a) Constituição Federal, em especial os Artigos 225 e 231; b) o Decreto 1.141, de 19 de maio de
1994; c) o Decreto 5.758, de 13 de abril de 2006; d) o Decreto 6.101, de 26 de abril de 2007 (em seus
Artigos 27 e 28 do Anexo I); e) a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); f)
a Declaração das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas; g) o projeto de lei do
novo Estatuto dos Povos Indígenas, elaborado pela CNPI e h) a Portaria Interministerial 276/2008.
Outros aspectos importantes presentes no estágio atual de elaboração da PNGATI e que podem
contribuir para o programa estadual dizem respeito aos conceitos, diretrizes e objetivos. Esses itens
da PNGATI podem ser complementados por meio de ações do Governo Estadual, evitando-se a
duplicação de esforços. Para se consolidar um programa estadual é extremamente importante haver
consenso entre os diversos atores envolvidos e a definição de conceitos básicos como terra indígena,
gestão territorial e ambiental de terras indígenas. Além disso, pode-se avançar com a criação de um
glossário com definição de termos recorrentes, como desenvolvimento sustentável, etnodesenvolvi-
mento, ecoturismo, etnomapeamento, etonozoneamento, plano de gestão, áreas protegidas, ecossiste-
ma, bioma e muitos outros utilizados nas discussões. As definições existentes no documento de apoio
as consultas regionais da PNGATI pode constituir uma base para a formulação estadual.
Ainda considerando o constante no documento em tela, cabe observar que as dez diretrizes
submetidas para discussão nas consultas regionais possuem grande interface com questões apontadas
durante o Seminário, em especial nas matrizes FOFA e nos insumos para a elaboração do programa
estadual. São elas:
I - respeito às crenças, aos usos, aos costumes e às tradições de cada povo indígena;
II - valorização das identidades étnicas e das organizações sociais indígenas; e a necessidade de
garantir suas expressões;
III – assegurar o protagonismo, e garantia da participação e do controle social dos povos indí-
genas no processo de elaboração e implementação das políticas públicas que os afetam, assegurado o
respeito às suas especificidades e às instâncias de representação dos povos indígenas;
IV - garantia dos recursos naturais imprescindíveis à reprodução física e cultural das presentes e
futuras gerações dos povos indígenas, contribuindo para a manutenção dos processos ecossistêmicos
dos biomas onde se situam as terras indígenas;
V - proteção e fortalecimento dos saberes, fazeres e conhecimentos indígenas, e dos sistemas
indígenas de conservação ambiental;
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 221
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
REFERÊNCIAS
BARRETTO F.; TRINDADE Henyo; CORREIA, Cloude de Souza. Gestão Ambiental e/ou Terri-
torial de/em Terras Indígenas: subsídios para a construção da Política Nacional de Gestão Ambiental
em Terras Indígenas conforme Portaria Interministerial nº 276/2008. Brasília: MMA, MJ e GTZ,
2009.
CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO PARÁ. Belém, Mimeo, 2007.
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Povos Indígenas no Brasil Contemporâneo: de tutelados a “organi-
zados”? In: SOUSA, Cássio N. I; ALMEIDA, Fábio V. R; LIMA, Antônio C. S; MATOS, Maria He-
lena O. (Org.) Povos indígenas: projetos de desenvolvimento II. Brasília: Paralelo 15; Rio de Janeiro:
Laced, 2010
LITTLE, Paul E. Gestão Territorial em Terras Indígenas: definição de conceitos e proposta de diretri-
zes. Relatório final entregue a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais – SEMA-
-AC, Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas – SEPI-AC e Agência da GTZ no Brasil – GTZ.
Rio Branco, Acre, 2006.
LUCIANO, Gersem dos Santos. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indí-
genas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação; UNESCO; Fundação Ford e Laced, 2006.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE & MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Documento de Apoio
para as Consultas Regionais: Construindo a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das
Terras Indígenas. Mimeo, 2010.
SECTAM (Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente). Macrozoneamento Eco-
lógico-Econômico do Estado do Pará. Proposta para Discussão. Belém, PA: Mimeo, 2004
SEJUDH/PA (Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do PA). Relatório da 1ª Confe-
rência Estadual dos Povos Indígenas. Belém, PA: Mimeo, 2008
SEMA/PA (Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará). Oficina de Trabalho “O Etnozone-
amento em Terras Indígenas do Pará: Ferramentas de Gestão Ambiental”. Belém, PA: Mimeo,
2009.
_____, 2010. Seminário Situação Socioambiental das Terras Indígenas do Pará: Desafios para
elaboração de políticas de gestão ambiental e territorial. Belém: Mimeo, 2010.
226 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTALL DAS
DA
D AS TERRAS
TER
E RA
R S INDÍGENAS
INDÍ
IN
NDÍGE
DÍÍG
GEENA
ENA
NAS DO
DO PARÁ:
PA
ARRÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍT
POLÍTICAS
TIC
TIC
ICA
ICAS D
DEE GES
GESTÃO
STÃO
à TER
TERR
TERRITORIAL
ERR
ERRITOR
RRITOR
R TO
TOR
O IAL
ORIA
AL E AMB
AL AM
AMBIENTAL
BIIEN
BI
BIEN
IE TA
AL
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 227
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
Propostas para saúde indígena: 57 Que seja garantida e executada a visita médica
em todas as aldeias com equipes multiprofis-
sionais pelo menos à cada três meses;
43 Ampliação das CASAI(s) Icoaraci e Oriximiná
58 Que seja oferecido alimentação nos hospitais
44 Criação do DSEI do baixo tapajós 45 Forta-
para os acompanhantes indígenas;
lecimento da medicina indígena e realização
de encontros com pajés e parteiras; 59 Implantar rádiofonia e módulo solar nas al-
deias por parte da FUNASA.
46 Que nos DSEI e casai tenham intérpretes in-
dígenas dos idiomas dos povos usuários; 60 Que a funasa realize um concurso público
específico para profissionais indígenas desta
47 Implantação de poços artesianos nas aldeias
área.
48 Implantação do programa de saneamento bá-
Frente a todas essas questões, neste mo-
sico em 100% das famílias indígenas do Esta-
mento em que inauguramos um novo governo,
do do Pará. 49 garantir a formação especiali-
nós os povos indígenas do Pará esperamos que
zada dos agentes de saúde indígenas;
sejam promovidos e ampliados os direitos huma-
50 Priorizar o atendimento especializado nos
nos e indígenas, que se fortaleça o diálogo com
hospitais, tanto no Estado como nos municí-
as nossas lideranças, que se ampliem as políticas
pios;
públicas voltada para atender as nossas neces-
51 Melhorar a condição de deslocamento fluvial sidades e que as mesmas sejam de qualidade e
e terrestre; controle de malaria em áreas endê- eficientes. Fazendo com que sejamos mais fortes
micas, oferta de medicamentos e equipamen- nas nossas identidades e coletividades que aqui
tos de proteção individual; assinam estas propostas.
52 Garantir treinamento para microscopistas e
técnico de laboratório indígenas;
53 Que os recursos sejam disponibilizados para
atenção nas casas;
54 Construir, equipar e garantir a manutenção
dos postos de saúde nas aldeias;
55 Que seja garantido uma lei estadual de saúde
indígena;
56 Formação de técnicos indígenas em saúde pú-
blica;
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 231
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
ANEXO II
das línguas maternas indígenas. É fundamental como um todo, incluindo a qualificação de agen-
a participação e o reconhecimento dos indígenas tes indígenas de saúde.
na condição de pesquisadores e produtores 12 – Criar Centros Culturais Indígenas nas
de conhecimentos e a participação das or- cidades-polos do Estado e nos Municípios que
ganizações e instituições científicas com trabalho possuam população indígena, para a divulgação
nessa área. da cultura e comercialização do artesanato in-
06 - Pesquisar, registrar e difundir as mani- dígena ao nível do mercado local, regional e no
festações culturais dos Povos Indígenas em to- mercado justo e solidário internacional, a partir
das as linguagens com a participação dos índios de discussões com as populações indígenas nas
ao longo do processo, garantindo a propriedade Aldeias.
intelectual exclusiva dos Povos Indígenas envol- 13 – Criar novos Museus dos Índios e forta-
vidos. lecer os já existentes em todo o Estado do Pará.
07 - Participação dos Povos Indígenas na
formulação e execução do inventário cultural do Segurança Alimentar e Produção
Estado.
08 - Ações no campo da educação e da co- 01 - Capacitar os indígenas para a constru-
municação voltadas para a valorização da ima- ção de uma estratégia alimentar com eficácia.
gem dos Povos Indígenas entre os não indígenas.
02 - Capacitar os indígenas para a valoriza-
09 - Criar mecanismos que garantam a co- ção dos seus alimentos tradicionais.
mercialização do artesanato indígena incluindo:
03 - Capacitar os agentes de governo para
a) A criação de espaços permanentes e nas compreender não somente as especificidades ali-
feiras do calendário dos produtos. mentares dos indígenas, mas também suas singu-
b) A Qualificação profissional para cadeia laridades culturais.
produtiva e incentivo ao empreendedorismo in- 04 - Realizar diagnóstico geral dos “Arranjos
dígena. Produtivos Locais” APL´s da produção Indíge-
10 - Incentivar estudos sobre a cadeia pro- na.
dutiva do artesanato indígena. 05 – Que o Governo do Estado fortaleça as
11 - Criar mecanismos para a valorização, iniciativas dos Povos Indígenas com a implanta-
incentivo e proteção intelectual da cultura dos ção e execução de projetos e ações voltadas para
pajés, parteiras e medicina tradicional indígena o aproveitamento dos solos, com o incentivo da
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 237
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
09 - Promover a qualificação dos Povos In- 18 - Garantir que os projetos voltados para
dígenas do Pará no que diz respeito a: os Povos Indígenas sejam menos burocráticos e
a) Gestão de suas associações. que tenham técnicos disponíveis para acompa-
nhar a sua elaboração.
b) Elaboração de projetos de inclusão digital
e tecnológica. 19 - Implantar programas pilotos de inclu-
são digital nas Aldeias Indígenas.
c) Valorização, importância e proteção dos
conhecimentos tradicionais e a proteção dos 20 – Apoiar a implantação de programas
específicos para trabalhar a questão de gênero e
direitos intelectuais de acordo com a cultura de
infanto-juvenil.
cada um dos Povos Indígenas.
10 - Apoiar as ações do Fórum dos Povos
Indígenas do Pará. 3.1.3 - Constituir o Conselho Estadual dos Povos
Indígenas do Pará
11- Apoiar a divulgação das atividades do
movimento indígena.
a) Ser consultivo e deliberativo.
12- Apoiar o registro e a documentação da
b) O Conselho será formado por 2/3 (dois
luta dos Povos Indígenas do Pará.
terços) de representantes indígenas.
13- Apoiar os Projetos de fortalecimento
i. Os representantes do Governo devem
institucionais das associações indígenas.
pertencer aos órgãos que desenvolvem ações
14- Garantir recursos para a legalização das junto aos povos indígenas.
associações.
ii. Os 1/3 de representantes não-indígenas
15- Criar fundo de apoio institucional para serão escolhidos entre os órgãos de Governo Es-
as Organizações Indígenas. tadual e federal.
iii. Deverá conter um representante de cada
16- Apoiar a criação de mecanismos pró- uma das etnias indígenas do Estado do Pará.
prios dos Povos Indígenas para a geração de ren- iv. Os representantes indígenas devem ser
da do movimento. indicados por suas bases.
17 – Que o Governo do Estado estabeleça v. Os representantes indígenas serão refe-
convênios com as organizações indígenas para rendados durante as Conferências Estaduais e
apoiar iniciativas do movimento social desses terão mandato de dois anos.
Povos Indígenas. vi. O Conselho deverá realizar no mínimo
uma reunião a cada seis meses.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 239
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
vii. A Presidência do Conselho será exercida d) A gestão dos recursos do fundo será feita
por um representante indígena; pelo Conselho Estadual dos Povos indígenas.
viii. O Presidente do Conselho, em caso de e) Os recursos do fundo serão aplicados
empate, decidirá a votação. prioritariamente na execução das ações do Plano
ix. Que o Governo do Estado recomende Estadual para os Povos Indígenas.
aos municípios que possuam povos indígenas, a
criação de Conselhos Municipais dos Povos In- 3.1.5 - Criar a Secretaria Estadual dos Povos
dígenas: Indígenas
ix.i - Serão criados Conselhos Municipais
dos Povos Indígenas nos moldes do Conselho 04- Constituir uma Comissão na Assembléia
Estadual, nos municípios onde existam povos in- Legislativa para provocar debates e para monito-
dígenas. Estes Conselhos serão compostos por rar as leis que favoreçam os direitos dos povos
1/3 (um terço) de representantes dos órgãos de indígenas.
governo nas esferas municipal, estadual e 05 – Que o Governo do Estado crie um
federal e 2/3 de representantes dos Povos Grupo de Trabalho, mediante Decreto para a
Indígenas dos municípios. elaboração, no prazo de 60 dias, com a participa-
ção dos povos indígenas, do Projeto de Lei que
3.1.4 - Constituir o Fundo Estadual dos Povos institui as Diretrizes da Política Estadual dos Po-
Indígenas vos Indígenas e seus instrumentos: Conferência,
Conselho Estadual, Plano e Fundo.
06 - Encaminhamentos Gerais da Confe-
a) Que o Conselho Estadual dos Povos In-
rência:
dígenas do Pará discuta com o Governo, o per-
1 - Encaminhar para a FUNAI documento solici-
centual do orçamento do Estado que integrará os
tando revisão da demarcação da Terra Indíge-
recursos do fundo.
na Maracaxi, de Tome-Açú, do Povo Tembé.
b) Recomendar aos municípios onde habi-
2 - Enviar o relatório final de Conferência Esta-
tam povos indígenas, que contribuam com 1%
dual dos Povos Indígenas do Pará para todos
do Fundo de Participação dos Municípios para o
os (as) participantes.
fundo estadual.
3 - Sugerir que na próxima Conferência sejam
c) Que seja destinado 1% dos tributos arre-
garantidos equipamentos para a tradução si-
cadados pelas empresas de extrativismo mineral
multânea para os indígenas que não falam
para o fundo.
português.
240 SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ:
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
67
Este documento foi utilizado como base para as consultas regionais, como forma de estimular as discussões junto aos povos indígenas das diversas regiões do país.
Os conceitos, diretrizes, objetivos, arranjo institucional e demais informações presentes no documento não podem ser, portanto, considerados pontos consolidados
de uma política nacional. As informações retiradas deste documento para o presente texto, nesse sentido, são apenas referencias para as futuras discussões estaduais.
SITUAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DAS TERRAS INDÍGENAS DO PARÁ: 241
DESAFIOS PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE GESTÃO TERRITORIAL E AMBIENTAL
nia – Almir Surui (Associação Metareilá) ção e validação em plenária das matrizes FOFA
* Mecanismos de REDD e Comunidades indíge- elaboradas pelos Grupos de Trabalho 1 (Levan-
nas –- Gabriel Cardoso Carreiro (IDESAM) tamento da Situação Socioambiental em Terras
18h15min - Debate em plenária Indígenas do Pará).
EIXO 4 – DESENVOLVIMENTO
Gestão Ambiental e Territorial
TECNOLÓGICO E INFRA-ESTRUTURA