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INVESTIGAÇÃO

PARA UM CURRÍCULO RELEVANTE

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Investigação para um Currículo Relevante

Francisco Sousa, Luísa Alonso, Maria do Céu Roldão


(Organizadores)

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INVESTIGAÇÃO
PARA UM CURRÍCULO RELEVANTE

FRANCISCO SOUSA, LUÍSA ALONSO,


MARIA DO CÉU ROLDÃO
(Organizadores)

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INVESTIGAÇÃO PARA UM CURRÍCULO RELEVANTE
organizadores
FRANCISCO SOUSA, LUÍSA ALONSO, MARIA DO CÉU ROLDÃO
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás, nºs 76-80
3000-167 Coimbra
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Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação


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Índice

Apresentação – Francisco Sousa.................................................................. 7

Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular .. 13


1. O que é um currículo relevante? – Maria do Céu Roldão ....................... 15
2. Inovação curricular: Transformar o currículo, melhorar a escola – Luísa
Alonso ...................................................................................................... 29
3. Integração e relevância curricular – Luísa Alonso e Francisco Sousa ..... 53
4. A investigação-ação como abordagem ao currículo: Questões metodo-
lógicas e éticas – Josélia Fonseca ............................................................ 73
5. Uma perspetiva romena sobre questões curriculares – Ioan Neacsu e
Ileana Rusenescu...................................................................................... 87

Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR: Contributos da investigação para a


melhoria das práticas.............................................................................. 99
1. Promovendo a relevância do currículo no 1.º ciclo do ensino básico –
Odília Machado, Francisco Valadão, Mónica Monteiro e Vera Lourenço . 101
2. Promovendo a relevância do currículo no ensino da Língua Materna –
Susana Mira Leal e Sara Massa................................................................ 115
3. Promovendo a relevância do currículo no ensino da Matemática – Filo-
mena Rebelo, Fernanda Silva e Raquel Dinis ......................................... 131
4. Promovendo a relevância do currículo no ensino das Ciências – Sandra
Eugénio e Carlos Gomes ......................................................................... 147

Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR: Contributos da in-


vestigação para o desenvolvimento profissional ................................... 161
1. A investigação-ação como instrumento de desenvolvimento profissional
– Susana Mira Leal e Josélia Fonseca ..................................................... 163
2. O papel das narrativas na construção da identidade profissional – Sandra
Eugénio, Mariana Oliveira e Francisco Sousa ......................................... 179

Notas sobre os autores.................................................................................. 197

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Apresentação
Francisco Sousa

A preocupação de alguns professores do ensino básico com o desin­


teresse manifestado por determinados alunos em relação à escola e ao
currículo, associada ao interesse de alguns professores universitários em
estudar questões de relevância curricular, deu origem a um projeto de in-
vestigação-ação colaborativa intitulado Investigação para um Currículo
Relevante (ICR), desenvolvido em várias escolas dos Açores. Após uma
fase inicial que decorreu de forma relativamente informal, este projeto en-
trou, a partir de 2009, numa fase de maturidade e formalização, que lhe
permitiu a integração em redes mais alargadas de investigação curricular
colaborativa. Neste sentido, associou-se a um projeto mais abrangente, in-
titulado Contextos e Práticas Colaborativas de Investigação Curricular
na Educação Básica (CPCIC-EB), da responsabilidade do CIEC – Centro
de Investigação em Estudos da Criança (Universidade do Minho) e serviu
de base a uma parceria luso-romena, coordenada pela Secretaria Regional
da Educação e Formação, Região Autónoma dos Açores. O projeto inter-
nacional resultante dessa parceria, intitulado Enhancing Curriculum Rele­
vance (ENCUR), decorreu ao abrigo do programa de Aprendizagem ao
Longo da Vida, mais especificamente do subprograma Comenius Regio,
através do qual obteve financiamento para uma série de atividades, in-
cluindo a publicação do presente livro, que dá a conhecer o projeto ICR/
/ENCUR e o discute por referência a conceitos-chave que têm ocupado
grande espaço nos debates contemporâneos sobre educação, tais como os
de professor-investigador, inovação curricular e desenvolvimento profis-
sional dos professores.
A relevância curricular é um fenómeno com várias dimensões, uma
das quais mereceu especial atenção no contexto do projeto ICR/ENCUR:

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a relevância do currículo na perspetiva dos alunos. A equipa que condu-


ziu o projeto esforçou-se sobretudo por compreender até que ponto os
alunos, especialmente aqueles que manifestavam mais desinteresse pelo
currículo, reconheciam nas aprendizagens escolares utilidade para a sua
vida extraescolar. Subjacente a esse esforço esteve a hipótese de que o
alheamento de muitos estudantes em relação à escola resulta, em grande
parte, de uma perceção de irrelevância do currículo para as suas vidas
fora da escola, como sugerem os resultados de alguma investigação em-
pírica, incluindo estudos realizados no Reino Unido sobre a relação entre
alheamento da escola e currículo (Elliott, 1998, pp. 42-57). Mas uma boa
compreensão da relevância curricular na perspetiva discente requer que se
tenha em conta o seu enquadramento num plano mais abrangente.
O primeiro capítulo do livro propicia esse enquadramento, na me­
dida em que é dedicado à concetualização da relevância curricular e à
discussão de abordagens possíveis à sua investigação. O capítulo inicia-
-se com um texto de Maria do Céu Roldão, que aborda a relevância cur-
ricular enquanto fenómeno multidimensional, sublinhando que o próprio
currículo escolar consiste num conjunto de aprendizagens cuja relevân-
cia é reconhecida pela sociedade. No entanto, devido às mudanças às
quais a sociedade está sujeita, o grau de relevância social de determina-
das aprendizagens é variável. E nem sempre o sistema educativo é célere
na acomodação do currículo formal a essa variabilidade. É por isso que
Harold Benjamin, sob o pseudónimo de J. Abner Peddiwell (1939), se re-
fere, ironicamente, a uma comunidade onde se continua a ensinar a pes-
car e a caçar depois de terem desaparecido os animais que podiam ser
pescados e caçados. Mesmo quando a relevância social de determinadas
aprendizagens permanece, há algum risco de as comunidades educati-
vas a perderem de vista, na medida em que o conforto das rotinas e da
tradição as dispensa frequentemente de justificar a inclusão dessas mes-
mas aprendizagens no currículo. Este risco é uma das razões pelas quais
o compromisso de investigar para um currículo relevante não dispensa
uma reflexão sobre o conceito de inovação curricular. Enquanto proces-
so de mudança protagonizado por comunidades educativas, a inovação
curricular favorece o protagonismo dos professores enquanto decisores
curriculares, capazes de garantir o contínuo reconhecimento da relevân-
cia do currículo a nível local, com base nos fundamentos discutidos por
Luísa Alonso no segundo texto do capítulo. O texto seguinte, da autoria de
Luí­sa Alonso e Francisco Sousa, situa o projeto ICR/ENCUR num con-

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Apresentação 9

junto alargado de projetos de investigação curricular colaborativa, assente


em princípios de integração curricular – conceito bastante próximo do de
relevância curricular –, que inclui o já referido CPCIC-EB e muitos ou-
tros, promovidos com base numa série de iniciativas cujas raízes podem
ser situadas em 1994, com o arranque do projeto PROCUR, que já terá
sido referido no segundo texto do capítulo. Sendo a investigação-ação a
metodologia dominante na generalidade dessas iniciativas e no pro­jeto
ICR/ENCUR em particular, impõe-se a necessidade de uma reflexão so-
bre essa abordagem, particularmente adequada a contextos de investiga-
ção colaborativa. O quarto texto do capítulo, da autoria de Josélia Fon-
seca, cumpre essa função, relacionando a dimensão metodológica da
investigação com a dimensão ética e defendendo uma conceção da inves-
tigação-ação como processo emancipador. O capítulo termina com um
contributo dos parceiros romenos do projeto ENCUR. Este texto sugere
uma ideia de relevância curricular bastante associada à ideia de currículo
orientado para o desenvolvimento de competências, em sintonia com as
recomendações da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu no con-
texto da chamada Agenda de Lisboa.
O segundo capítulo relata, em concreto, o processo de implementa-
ção do projeto ICR/ENCUR nalgumas salas de aula e apresenta alguns
resultados desse esforço. Inclui quatro textos que revelam ações concretas
realizadas, nos três ciclos do ensino básico e em diversas áreas curricu-
lares, no sentido de promover um maior reconhecimento, por parte dos
alunos, da relevância do currículo. Na maior parte dos casos, os textos
foram escritos, em coautoria, por professores do ensino básico e univer-
sitários, o que constitui uma forte evidência do carácter colaborativo do
projeto ICR/ENCUR. O primeiro texto, da autoria de Odília Machado,
Francisco Valadão, Mónica Monteiro e Vera Lourenço, descreve a imple-
mentação do projeto ICR/ENCUR em quatro salas de aula do 1.º ciclo
do ensino básico, referindo algumas nuances na apropriação da ideia de
relevância curricular por parte dos professores que protagonizaram essa
implementação. Da leitura deste texto emerge a ideia de que a promoção
da relevância curricular é compatível com diferentes modelos e metodo-
logias de ensino. O segundo texto foca a relevância curricular no contexto
específico do ensino do Português. As autoras – Susana Mira Leal e Sara
Massa – além de abordarem esse tema na perspetiva do aluno, discutem-
-no na perspetiva da relevância social do Português, referindo alguns indi­
cadores concretos da importância que tem sido socialmente reconhecida a

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esta área curricular. Os dois textos que se seguem também aludem a esta
relação entre a relevância social de determinadas áreas curriculares e a
relevância reconhecida pelos alunos, salientando a importância quer da
competência matemática (no caso particular do texto de Filomena Rebelo,
Fernanda Silva e Raquel Dinis) quer da literacia científica (no caso parti-
cular do texto de Sandra Eugénio e Carlos Gomes) para o bom exercício
da cidadania.
No terceiro e último capítulo presta-se especial atenção às implica-
ções da investigação-ação no desenvolvimento profissional dos professo-
res. No primeiro texto, Susana Mira Leal e Josélia Fonseca discutem a
dimensão formativa da investigação-ação e chamam a atenção para a ne-
cessidade de garantir a inclusão de sólidas abordagens à investigação quer
na formação inicial quer na formação contínua de professores – inclusão
sem a qual dificilmente se conseguirá pôr em prática a ideia de professor-
-investigador. Uma das formas mais interessantes de promover o desen-
volvimento profissional dos professores, numa perspetiva de investigação
sobre a sua própria prática pedagógica, consiste na construção de narra-
tivas reveladoras da sua identidade profissional. No último texto, Sandra
Eugénio, Mariana Oliveira e Francisco Sousa apresentam, de forma resu­
mida, quatro narrativas das quais emerge a ideia de que uma investiga-
ção orientada para a elaboração de narrativas profissionais constitui uma
excelente oportunidade para a tomada de consciência de aspectos funda-
mentais, mas nem sempre explícitos, da identidade profissional.
O conceito de professor-investigador não é novo. Nalguns sistemas
educativos já foi posto em prática em grande escala, com bastante sucesso.
Em Portugal, a sua apropriação tem estado circunscrita ao plano teórico
e a um número relativamente reduzido de projetos de pequena e média
escala. Não há, todavia, nessa limitação, nada que desminta a importância
que a incorporação de uma componente de investigação nas práticas de
gestão curricular dos professores pode assumir em prol da afirmação do
seu profissionalismo e da construção de um currículo cuja relevância seja
maximizada e amplamente reconhecida. Por isso, vale a pena divulgar e
debater iniciativas de investigação curricular colaborativa. As reflexões e
os relatos que se seguem são representativas do compromisso dos autores
em participar nesse esforço de divulgação e debate.

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Apresentação 11

Referências bibliográficas

Elliott, J. (1998). The curriculum experiment: Meeting the challenge of social


change. Buckingham: Open University Press.
Peddiwell, J. E. (1939). The saber-tooth curriculum. New York: McGraw-Hill.

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Capítulo I
Concetualizando e investigando
a relevância curricular

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1. O que é um currículo relevante?
Maria do Céu Roldão

Introdução

Na década de 1960 e anos seguintes, o debate curricular foi intenso,


como é usual acontecer quando transformações sociais e políticas suge-
rem ou traduzem linhas de potencial ruptura. Os tempos anteriores a essa
década de fortes tensões históricas tinham sido ainda largamente marca-
dos pela lógica escolar e curricular anterior à 2ª Guerra Mundial, man-
tendo padrões relativamente estáveis no campo da educação escolar, no
interior da qual o currículo parecia assumir um estatuto de consenso e auto-
-legitimação. Mas a realidade macro-política do tempo, nomeadamente
a confrontação entre blocos que caracterizou a guerra fria, trouxe para
a agenda educativa uma ênfase acentuada no problema da “eficácia” da
escola, confrontada com as emergentes dimensões da competitividade in-
ternacional, que haveria de marcar presença até aos nossos dias no debate
das políticas educativas e curriculares.
Emerge assim, por um lado, da reacção contra a crescente preocupa-
ção competitiva e tecnicista com a obtenção de melhores resultados edu-
cativos; por outro, da crise geral dos paradigmas sociais, culturais e de
valores que caracterizou essa década, um tempo e um modo de pensar o
currículo que se reclamou de movimento da relevância curricular (Tanner
& Tanner, 1980).
Não decorre desta visibilidade acrescida na década de 1960 que
o conceito se tenha originado neste período: John Dewey, entre outros,
escre­vendo no início do século XX, teorizara já com precisão e comple-
xidade a importância da relevância para a ocorrência e uso da aprendiza-
gem, e para a indispensável continuidade da aprendizagem curricular com

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a experiência individual e social de cada indivíduo e com a sua mobilização


útil para a vida social e cidadão (Dewey, 1956, 1963). A relevância tor-
nou-se assim uma dimensão reconhecida como indispensável no interior
do currículo, mas a sua visibilidade nas políticas e práticas foi sendo, ao
longo das décadas subsequentes, balançada de forma pendular com a ver-
tente da eficácia.
Neste quadro, a explosão social, política e cultural de contestação vi-
vida mundialmente nos anos 1960, num contexto de expansão e extensão
da escolarização para lá dos limites da classe média aculturada à tradi-
ção dominante, evidenciou particularmente a relevância como novo cri-
tério das opções curriculares, quer no plano macro-conteudinal quer no
plano meso e micro das opções da escola e das metodologias de ensino
utilizadas pelos professores. Mobiliza-se assim para o interior do campo
curricular o conceito de relevância, entendido ao tempo por oposição aos
conteúdos disciplinares clássicos, à rotina, à repetição, ao sem sentido de
muitas aprendizagens, ao carácter estéril e formalizado que o currículo,
seus conteúdos e métodos, carregavam com a tradição da transmissão
repe­titiva do cânone cultural, pré-estabelecido, e escassamente contestado
durante muitas décadas, como o único e “natural” domínio curricular le-
gítimo para a escola.
Novas realidades e problemas, servidos por uma comunicação mais
acessível, ocupavam o centro da vida social e escolar dos jovens. Por outro
lado, os pressupostos da sociedade, incluindo os dos decisores e reforma-
dores curriculares, confrontavam-se com novas perspectivas sobre proble-
mas vividos – a problemática da violência, a paz e a guerra, a exploração
do ser humano, as questões da sexualidade, os movimentos emancipató-
rios, os conflitos sociais, a justiça social e a discriminação, entre tantos
outros que punham de alguma forma em causa os referentes clássicos do
mundo ocidental.
No plano curricular, este caldo sociocultural e político permitiu a
emergência de fenómenos e preocupações novas: por um lado, criou cam-
po para a introdução de áreas mais abertas dentro das próprias discipli-
nas curriculares da escola, levando a reequacionar e debater o valor do
conhecimento nas suas diferentes formas e incidências; por outro, gerou
dinâmicas inovadoras no currículo pela valorização que desencadeou, nas
décadas subsequentes aos chamados anos 60, dos então chamados temas
transversais (crosss-curricular themes) e a correlativa emergência de áreas
curriculares de trabalho interdisciplinar e/ou socialmente interventivo,

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 17

quase sempre assentes em metodologias de projeto (Roldão, 1994, 1999)


no interior da organização curricular, processos que, apesar de objeto de
reconfigurações e pesos variados nas décadas subsequentes, ganharam
lugar nos currículos até à atualidade. O processo evolutivo do currículo
tem, aliás, persistido na tendência pendular acima referida – swinging
pendulum, na terminologia de Daniel e Laurel Tanner (1980) – que, de
forma maniqueísta e redutora, com inconvenientes sérios para a qualidade
do ensino e da aprendizagem, tem colocado as transformações ou refor-
mas curriculares na confrontação entre a opção da eficácia e a da relevân-
cia, como se de puros opostos se tratasse.
Este breve olhar sobre o passado da discussão do conceito de rele-
vância curricular procura justamente situar a questão no contexto em que
esta dialética se desenvolveu, para ensaiarmos então uma análise mais
fina das dimensões envolvidas hoje numa revisitação da relevância do
currículo – o que se ensina e se aprende na escola – num tempo de socie­
dades ditas do conhecimento e assumindo um conceito de escola e de
educação como bens sociais a que todos têm direito, quaisquer que sejam
as diferenças que os caracterizam (Caldwell, 2001).

A relevância no senso comum dos professores

A visibilização do conceito de relevância no contexto actual das esco­


las e professores está muito associada a um fator apenas emergente na
década de 1960, mas hoje tornado central na generalidade dos sistemas,
ainda que a ritmos variáveis: a universalização e extensão da escolaridade
e as consequentes dificuldades da escola, modelada, enquanto estrutura
curricular e organizacional, pelos padrões da homogeneidade predomi-
nante dos públicos do passado.
A evidência das discrepâncias entre o currículo – conteúdos e mé-
todos – e os seus destinatários reais e diversos fez disparar os níveis de
insucesso e indisciplina, bem como o desconforto e o mal-estar docente
(Jesus, 2002), e gerou a emergência e centralidade de novos conceitos no
plano curricular – o de diferenciação é um deles (Roldão, 2003; Sousa,
2010), o de relevância é outro.
A adoção discursiva desta terminologia espalhou-se rapidamente
na classe docente e na retórica política, muito largamente percecionada
numa lógica de senso comum escassamente teorizado. Nesta apropriação

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verbalista, documentada em numerosa investigação (Roldão et al., 2006),


tende a reduzir-se a diferenciação à redução de exigência ou estabeleci-
mento de grupos de nível e a relevância à escolha de temáticas familiares
ou do agrado dos alunos, ou ainda, noutra vertente muito divulgada, à va-
lorização de aprendizagens de carácter “prático” – sempre associadas aos
alunos que menos aprendem, mantendo-se os formatos do cânone curri-
cular intocados para os “bons”. Esta simplificação/ distorção tem sido a
todos os títulos nociva ao desenvolvimento de melhores e mais equitati-
vas práticas curriculares e didácticas. Induz, por outro lado, erros teóricos
de fundo, visto assentar no falso pressuposto de que nem todos poderiam
aprender o mesmo, sobretudo se se tratar de aprendizagens de maior exi-
gência concetual, não obstante a recorrente afirmação da democraticidade
que deve nortear a prática da educação como um bem social necessário a
todos.
Acresce ainda que a associação redutora de relevância no currículo
a “mais simples, mais próximo ou mais prático” vem persistentemente
impedindo a introdução de qualidade de ensino e aprendizagem em áreas
vocacionais ou profissionais, porque sempre olhadas, na cultura do sistema
educativo português, como um recurso, um remédio, uma via menor – em
lugar da paridade que o seu efectivo e indispensável desenvolvimento traz
ao enriquecimento da qualificação de qualquer população, como o de-
monstram as práticas de outros sistemas europeus, mas, por maioria de
razão, a uma população como a portuguesa, marcada historicamente por
um passado de défice educativo.

Remontando aos fundamentos da relevância – o currículo como


paradoxo?

A questão da relevância remete assim inevitavelmente para uma revi­


sitação da noção de currículo e da sua legitimação social. O currículo,
concebido como o corpo de aprendizagens que socialmente se reconhe-
cem como necessários num dado tempo e contexto (Roldão, 2010), legi-
tima-se socialmente pela sua necessidade e utilidade, isto é, comporta na
sua conceptualização fundadora a própria ideia base de relevância. Daí
decorreu, na modernidade, a associação do currículo à estabilização de
uma organização específica, a escola, responsável por garantir a satisfa-
ção dessa necessidade social de um determinado corpus de conhecimento.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 19

A escola, todavia, por força da organização e estrutura que historicamente


adotou, na sua relação com o saber curricular e nos modos de organiza-
ção do trabalho escolar que assumiu, estabeleceu, como efeito perverso,
uma certa desencarnação do saber, associada ao modo fechado e circular
da passagem do saber escolar, que de certo modo o esterilizou, encapsu­
lando-o em territórios estanques e com escassas vias de comunicação
com a realidade de onde o mesmo conhecimento nasce e à compreensão
do qual se dirige.
O conhecimento curricular expresso ou prescrito destina-se e justifica-
-se, como se afirma na maioria dos documentos curriculares das socieda-
des ocidentais (Roldão, 1994), pelas seguintes finalidades aglutinadoras:
– Permitir a integração social dos indivíduos como participantes ati-
vos;
– Assegurar, pela passagem e crescimento do conhecimento e com-
petências que dele decorrem, o desenvolvimento e sustentabilidade
das próprias sociedades;
– Promover o potencial de que cada indivíduo é portador.
Pode assim afirmar-se que a relevância curricular inerente ao pró-
prio conceito de currículo e de escola, que se tornou necessário reconce-
tualizar face à manifesta irrelevância que contagiou muito do saber pas­
sado na escola, implica sempre uma dupla perspectiva: (1) a existência de
significado social e pessoal do que se ensina para quem aprende e (2) a
utilização, num conjunto de domínios muito diversos, daquilo que é ensi-
nado e aprendido.
O conhecimento que não é traduzível em usos e não é mobilizável
em situações futuras e em contextos diferentes está condenado a um esta-
tuto de esterilidade cognitiva.
Ao discutir o conceito de relevância no currículo, confrontamo-nos
assim com uma situação quase paradoxal, por duas ordens de razões: (1)
como admitir a necessidade de introduzir relevância num corpo de sabe­
res que só se legitimam porque são considerados necessários às finali­
dades referidas, logo “relevantes”; e (2) ao assumir a garantia de fazer
adquirir um corpo de aprendizagens comum, porque necessário a todos
e à própria sociedade, como conciliar esse propósito com a inequívoca
necessidade de ter em conta a diversidade social e cultural dos sujeitos,
sob pena de lhes garantir apenas o insucesso na escola?
A desconstrução desta dupla tensão implica que atentemos em maior
profundidade na natureza da relevância num processo de ensino e apren-

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20 Investigação para um Currículum Relevante

dizagem, e que se perspectivem estratégias de acção passíveis de consti-


tuir uma resolução do aparente paradoxo equacionado no que à aprendi-
zagem curricular diz respeito.

Relevância – uma questão cognitiva

A aprendizagem humana – em contexto informal ou formal, de so-


cialização ou sustentada por ensino intencional – constitui-se sempre
como um processo cognitivo. Aprende-se quando se adquire novo conhe-
cimento e apenas quando este é significativamente incorporado nos dis-
positivos cognitivos de que o sujeito faz uso para agir, para compreender,
para conhecer mais.
Parte-se assim do reconhecimento de que a relevância do que se
aprende se situa na possibilidade e eficácia da apropriação cognitiva de
um novo conhecimento por um sujeito.

Variáveis que condicionam a relevância da aprendizagem

Esta eficácia não é contudo descontextualizada – pelo contrário, ela


depende, face a um conteúdo de conhecimento dado (formal ou infor­
mal), de um conjunto de variáveis que viabilizam ou obstaculizam a
aprendizagem em causa.
Destaca-se, face às aprendizagens que integram o currículo formal
dos sistemas educativos, fortemente associadas aos cânones das culturas
dominantes nas sociedades em causa, apenas partilhado com familiari­
dade por uma parte da população, uma série de variáveis que estão na
base da relevância cognitiva que o conteúdo possui ou adquire para o
aprendente e que serão agora discutidas, uma a uma.

– Significado face ao percurso cognitivo individual


Numerosos teóricos da aprendizagem ressaltaram o conceito de
aprendizagem significativa. David Ausubel iniciou e posteriormente de-
senvolveu com outros investigadores (Ausubel et al., 1978) a noção de
meaningfulness associada à possibilidade de cada nova informação ser
integrada e associada, com sentido, em conhecimento previamente apro-
priado e consolidado pelo sujeito. Os novos elementos ganham sentido

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 21

ao ancorar-se nos conceitos prévios (advanced organizers) que permitem


atribuir-lhes sentido e tornam-se assim novos elementos desses mesmos
quadros ou estruturas concetuais. Quando esta “ancoragem-apropriação”
em estruturas ou conceitos prévios do sujeito não ocorre, o novo conhe-
cimento permanece inerte, não adquire significado nem amplia o seu
conhe­cimento efectivo, apenas se acumulando numa amálgama desprovi-
da de sentido. Trata-se do que estes autores denominam de aprendizagem
rotineira, por oposição a aprendizagem significativa. O conceito de rele-
vância está assim intimamente ligado ao de significatividade, entendido
neste sentido de ligação entre novo e anterior conhecimento mediante o
nexo da relação entre ambos.
Também os piagetianos se reclamam, na construção epistemológica
que teorizam, do conceito de schema, enquanto estrutura organizadora da
experiência. É no interior dos schemata, na visão de Piaget, que se desen-
rolam os dois processos centrais do desenvolvimento cognitivo – a assi-
milação de novos conhecimentos nos schemata pré-existentes ou a adap­
tação, que transforma e modifica o schema (Piaget, 1976).
A perspetiva sociocultural de Vygotsky, assente nos dispositivos inter­
culturais de construção de conhecimento, resultante das interacções com
os actores que rodeiam o aprendente, e que se interioriza quando se torna
um processo intracultural (Vygotsky, 1983), acentua também, de um ou-
tro modo, a conexão entre o intrínseco e o extrínseco no desenvolvimento
dos processos de aprendizagem.

– Identificação, projeção, ampliação de interesses prévios


A dimensão afetiva constitui parte integrante da aprendizagem, na
medida em que a construção de conhecimento implica processos de ade-
são e ativação de interesse que atravessam todo o processo cognitivo.
O novo conteúdo de conhecimento – seja ele conceptual ou processual
– implica assim um processo de envolvimento que viabilize a dinâmi-
ca cognitiva da própria aprendizagem. É neste sentido, e não entendido
como uma vertente geradora de relevância per se, que a dimensão da
identificação do sujeito com o objecto a conhecer se processa, desenca-
deada a partir do reconhecimento de proximidades e afinidades (que tra-
duzimos vulgarmente por correspondência aos interesses) ou por desafio
e até contradição ou surpresa que podem sugerir o desejo de perceber,
argumentar, conhecer. Jerome Bruner, no seu famoso projeto curricular
MACOS (1965), argumentava no sentido da maior eficácia do estudo de

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22 Investigação para um Currículum Relevante

realidades com algum distanciamento face à experiência próxima, como


um fator afetivo de promoção de interesse por um conceito (por exemplo,
o estudo da família pela comparação de contextos diversos, esquimó ou
de tribos africanas).
O ato de aprender é facilitado pela possibilidade projetiva que desen­
cadeia no sujeito, mediante processos de identificação que alguns auto-
res designam por “seguros”, isto é, não implicando a exposição da sub-
jetividade a terceiros – projectar-se no semelhante que contudo é distante
ou ficcional. Esta é uma dimensão muito presente também na teorização
de Kieran Egan, contrapondo-se à conceção empobrecedora do currículo
para o nível etário associado ao pensamento concreto, tributária da teori-
zação piagetiana, centrada no próximo, no concreto e apenas no directa-
mente experienciado e observado (Egan, 1997; Roldão, 1994, 2000).
Os interesses prévios do aprendente são assim uma fonte impres-
cindível de construção da relevância, não redutoramente assimilados a
campos de interesse imediato, observável, direto e exclusivo, limitativos e
empobrecedores das possibilidades de cada um, mas como pontos de par-
tida onde se ancora a identificação e projeção afetiva indispensáveis aos
processos de ampliação, aprofundamento, expansão do campo de conhe-
cimento que a aprendizagem significa e que à educação cabe promover.

– Utilidade social percecionada


Ninguém aprende verdadeiramente o que não se lhe apresenta como
útil. Esta máxima, proveniente do senso comum e confirmada na inves-
tigação, carece contudo de algumas clarificações no plano curricular e
espe­cificamente no que ao conceito de relevância se refere. O reconheci-
mento da utilidade ou, de um modo mais amplo, da possibilidade de uso,
do conhecimento que se adquire constitui sem dúvida um dos elementos
da relevância curricular. Mas uma leitura apressada pode criar uma de­
riva fácil para a confusão entre utilidade e uso e o carácter prático, utili-
tário, aplicável em tarefas, do referido conhecimento, o que não é rigo­
roso. Duas ordens de reflexões se colocam à questão da utilidade social
dos conteúdos curriculares.
A primeira baseia-se no pressuposto de que a perceção da utilidade
ou uso social se situa a montante da situação de ensino e de aprendiza-
gem. Reporta-se, como acima se analisou, à própria legitimação social,
em boa parte também simbólica, dos conhecimentos reconhecidos como
necessários no contexto em causa – à sociedade e aos indivíduos que nela

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 23

pretendem integrar-se. Não é esperável, nem legítimo, considerar que to-


das as aprendizagens que o currículo integra sejam percecionadas pelos
destinatários, em fases ainda precoces de desenvolvimento e maturidade
social e individual, como “úteis”. Contudo, elas permanecem necessárias,
na ótica da necessidade social e individual referida, ainda quando o pró-
prio não lhes atribui utilidade aparente. Exemplificando com situações ex-
tremadas, não será porque muitos alunos não vêem qualquer utilidade na
Matemática que o saber matemático deixa de ser curricularmente útil e
necessário.
Como adiante se analisará, esse é um dos campos de responsabili-
dade da escola e dos professores – demonstrar e construir a relevância
atribuída (proveniente da sociedade), transformando-a em relevância
reco­nhecida (situada no sujeito). Por outro lado, a relevância associada à
pertinência ou atualidade social dos temas desloca o conceito do sujeito
para o objecto, o que contraria a concetualização que neste texto vimos
defendendo. Temas de interesse social, cívico e público deverão fazer parte,
ou integrar-se, por gestão do currículo por parte dos professores, no inte-
rior das respectivas áreas de conhecimento e na relação dialogante entre
elas. Mas não são automaticamente relevantes pelo facto de serem social-
mente atuais e pertinentes.
A relevância não nasce dos objetos de estudo, constrói-se na rela-
ção do processo cognitivo do sujeito com esses conteúdos ou conceitos.
Tornar-se-ão relevantes apenas se o processo de ensino desencadear dis-
positivos de aprendizagem que lhes atribuam significado e possibilitem
a sua apropriação efectiva, em relação real com os diferentes campos de
conhe­cimento.
Numa segunda ordem de reflexões, pressupõe-se que a utilidade ou
uso do conhecimento – que significa a sua operacionalização em mais-
-valias de competência do sujeito aprendente – não coincide com uma
leitura praticista e utilitária do saber que integra o currículo, ou com o
seu uso meramente aplicativo. Reporta-se sim à ideia de conhecimento
ativo e atuante, por oposição ao conhecimento inerte que se esgota na
circularidade artificial criada pelo ciclo escolar clássico – apresentação,
verificação e certificação formal de um conteúdo – e que produz escassos
efeitos no exterior dessa circularidade. O conceito de utilidade, no plano
do conhecimento curricular, implica a sua possibilidade de ser mobilizado
adequadamente pelo sujeito, articulado, usado e/ou questionado em novas
situações, sustentador da possibilidade de novo conhecimento, gerador de
mais e melhores competências no sujeito.

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24 Investigação para um Currículum Relevante

Trata-se assim de colocar a questão da relevância como parte da res-


posta à questão curricular inicial – necessidade de aprender o quê? Para
quê? No plano da relevância, para que o processo cognitivo que constitui
o acto de aprender ocorra com eficácia, esta utilidade, assim entendida,
precisa de ser visibilizada, trabalhada e construída, no trabalho especia-
lizado e matricial da escola – ensinar, enquanto ação sustentada que pro-
move e organiza o aprender de alguma coisa por alguém.

– Relação com os referentes culturais do sujeito


Permanecendo no eixo de análise que norteia este texto – a relevân­
cia como caraterizador essencial do próprio processo cognitivo de apren-
der – destaca-se, como fator particularmente influente nessa relevância, o
quadro de referência cultural de cada indivíduo. De facto, o conhecimento
curricular, pela sua natureza de corpus socialmente construído, mol­dado
pela interação e confronto de valores, poderes e saberes em presença, re-
flete de forma poderosa a(s) cultura(s) dominante(s) no jogo social em
causa. É o cânone cultural mais forte que efectivamente marca e domina
os currículos nas diferentes sociedades e épocas. Esse facto confronta-se,
no tempo pós-massificação escolar que é o de hoje, com a coexistência
no tecido social e, consequentemente, nos destinatários da educação esco-
lar – de pertenças culturais muito diversas, com um leque de diversidades
que vai do estatuto socioeconómico à religião, língua ou origem geográ-
fica, entre outras. E todavia, a todos os cidadãos de uma dada sociedade
é igualmente necessário o domínio do conhecimento legitimado no cur-
rículo, porque a ele se associam inevitavelmente todos os dispositivos de
creditação, inclusão, participação nessa mesma sociedade.

Cabe assim à escola construir, a partir dos referentes culturais de


cada um, percursos de aprendizagem que os integrem e incorporem, mas
simultaneamente garantam a ligação eficaz à apropriação do saber comum
(o currículo situa-se nesse corpo de saber comum necessário) que garante
a pertença social plena. Mais uma vez o princípio cognitivo norteador do
processo de ensino, há muito cunhado por David Ausubel, ganha maior
sentido para a abordagem de uma lógica de diferenciação curricular inclu­
siva das diversidades culturais – “parta de onde o aprendente está...”. Mas
importa que não permaneça paroquialmente circunscrito a esse locus ini-
cial, antes se sublinha que seja percecionado como a lente a partir da qual

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 25

se pode ensinar a “ler” outros conteúdos culturais e a compreender e usar


outros referentes e códigos para além dos seus pontos de partida.

– Sequência e articulação lógica entre as diferentes aprendizagens.


Um último fator de relevo na operacionalização concetual da rele­
vância curricular que aqui se vem estruturando prende-se com a harmonia
entre os elementos que constituem qualquer processo cognitivo de apren-
dizagem, nomeadamente: (1) a progressão lógica e (2) a articulação/ rela-
ção entre os elementos constitutivos da aprendizagem curricular.
Para que o que se aprende de novo faça sentido e se enquadre na
aprendizagem anteriormente consolidada, é importante que os conteúdos
se organizem em âmbitos de complexidade crescente, de modo a tornar
coerente a progressão do processo cognitivo – articulação vertical. Por
outro lado, na medida em que o currículo incorpora áreas de conhecimento
diversas, é importante que o modo de organizar a aprendizagem seja har-
monizado metodologicamente, apelando convergentemente a operações
cognitivas de grau e complexidade idênticas, e que se visibilizem para
o aprendente os nexos entre os diferentes campos do conhecimento, en-
quanto múltiplos instrumentos de leitura da realidade na sua unidade e
complexidade – articulação horizontal.
Esta harmonização situa-se no plano da cognição e dos processos
mentais postos em acção nas diferentes disciplinas, e não na colagem arti-
ficial de segmentos de conhecimento em torno de um tema, como por ve-
zes ocorre nas escolas, largamente na decorrência do trabalho segmentar
dos docentes, que não viabiliza um olhar curricular transversal, e apenas
consegue adicionar peças soltas de conteúdos de cada disciplina numa
tentativa de transversalidade, por vezes indevidamente confundida com o
bem mais complexo conceito de interdisciplinaridade.

A relevância curricular – uma construção mediada pelo ensino

A relevância curricular constrói-se assim no estabelecimento de nexos


significativos entre os vários fatores que interagem para que ela ocorra, no
plano cognitivo, para cada sujeito aprendente.
Não existe, em termos de teorização curricular, uma relevância
substantiva, intrínseca a alguns conteúdos, supostamente emergente da
natureza prática, atractiva, motivadora ou culturalmente próxima, dos temas
ou tarefas propostas aos alunos. A relevância constrói-se no que preferimos

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26 Investigação para um Currículum Relevante

designar como uma relação bem conseguida entre um conteúdo curricular


de aprendizagem, seja ele concetual ou processual, e a capacidade de a
estratégia de ensino e aprendizagem posta em acção convocar adequada-
mente os fatores em causa (experiência, percurso e conhecimento anterio-
res, referentes culturais do sujeito, percepção de utilidade e usos pessoais
e sociais), no sentido de estabelecer uma ligação cognitivamente eficaz,
por parte de cada sujeito aprendente concreto, entre o novo com que con-
tata no currículo e tudo aquilo de que já é portador.
Trata-se, pois, de uma construção e não de um dado, que se desen-
volve mediante uma organização estratégica intencionalizada e não pela
seleção de atividades ou temas aparentemente “relevantes” em si mes-
mos. Situamo-la assim no coração da ação profissional dos docentes –
curricular e pedagógico-didática –, construída a partir do conhecimento
profissional do professor, e operacionalizando-se de forma intrínseca e
não extrínseca. Cabe ao profissional de ensino que é o professor a cons-
trução fundamentada de apropriações cognitivas relevantes por parte dos
aprendentes com que trabalha. Apenas ele, ancorado no coletivo dos seus
pares, terá o saber que permita agir no sentido da máxima de Ausubel
– “parta de onde o aprendente está” –, como locus apenas inicial de um
processo longo e complexo de estabelecimento de nexos significativos,
necessariamente diferenciados, que permita a cada aluno atingir de for-
ma satisfatória o core de aprendizagens comuns que constitui e legitima o
conceito mesmo de currículo, lido numa ótica de equidade.
É nesta perspectiva que podemos associar o conceito de relevância
à teorização de Roldão (2003) e Sousa (2007) relativamente a outro con-
ceito-chave próximo no currículo, o de diferenciação curricular, nomea-
damente o que Sousa designa por “diferenciação inclusiva”, por oposição
a “diferenciação discriminatória”. Constrói-se a relevância, tal como aqui
se concetualizou, mediante a mediação informada do professor, sustenta-
da no uso estratégico de percursos de ensino e aprendizagem diferencia­
dos, construídos de acordo com os pontos de partida diferentes e com os
factores experienciais que influenciam de forma diferente os seus alunos,
no sentido de assegurar a aproximação máxima à aprendizagem curricular
comum estabelecida e socialmente esperada.
Feito e refeito a partir dos saberes reconhecidos e legitimados como
socialmente relevantes, o currículo ocupa esse lugar de equidade social
que se reclama, na medida em que constitui o instrumento para que, na
escola, se assegure a todos, de forma diferenciada, um conjunto comum,

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 27

consistente e utilizável de aprendizagens, porque necessárias a todos para


a integração na sociedade como indivíduos autónomos. Este é o princípio
curricular que norteia o sentido da educação como um bem público.

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28 Investigação para um Currículum Relevante

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2. Inovação curricular:
Transformar o currículo, melhorar a escola
Luísa Alonso

Introdução

Na sociedade atual, a mudança surge como uma realidade central


que nos é imposta e exige de nós a capacidade de aprender a lidar com
ela. Atitudes como a análise crítica, a colaboração e a procura de valores
que nos permitam dar-lhe um sentido e orientação tornam-se, portanto,
imprescindíveis. Como sugere Fullan (1993),
a capacidade para gerir a mudança é uma competência essencial na socie-
dade pós-moderna. A mudança impõe-se-nos, o desenvolvimento é opcio-
nal. Assim, a alternativa que se nos coloca não é tanto em termos de mu-
dança ou não mudança, mas antes em termos da forma de lhe dar resposta.
(p. 135)
É por isso que a reflexão sobre os caminhos para dar uma intenciona-
lidade educativa transformadora e de desenvolvimento sustentável à diver­
sidade de projetos e iniciativas que se cruzam nas nossas escolas e nas
nossas vidas faz todo o sentido.
Apesar da ampla produção editorial em Portugal que tem vindo a
enriquecer o panorama científico das Ciências da Educação em geral e
do currículo em particular, escasseiam as publicações que refletem sobre
projetos de inovação concretos, desenvolvidos em parceria entre a uni-
versidade e as escolas e que são relatados pelos diferentes atores que ne-
les intervêm. É a isso que nos propomos neste livro: falar de inovação e
mudança, de percursos, de dispositivos, de constrangimentos e também
de sucessos e pequenas vitórias, fruto da persistência, da colaboração, da

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30 Investigação para um Currículum Relevante

pesquisa e reflexão que acompanham os projetos de inovação em rede,


espe­cialmente daqueles em que tivemos o privilégio de participar.

A emergência dos discursos sobre inovação em Portugal

Ao longo da história da educação escolar, marcada por discursos ofi-


ciais legitimados através de leis, reformas e reestruturações curriculares,
concretizadas numa parafernália de normativos de maior ou menor alcance,
que, na sua grande maioria, acabaram por não ter o impacto desejável no
terreno das escolas, foram surgindo sempre novas narrativas e experiên-
cias pedagógicas disruptivas que, centradas na cultura das escolas, trata-
ram de modificar a ordem escolar predominante; pequenas ilhas de ex-
perimentação e inovação, algumas assumidas pelo sistema e outras mais
marginais, umas com uma longa duração e outras mais pontuais ou eva-
nescentes, umas surgidas da iniciativa dos docentes e outras propostas do
exterior: por organismos ou programas nacionais ou internacionais, pelas
universidades, por grupos de investigação-ação, etc. Todas elas, embora
sendo tributárias de modelos teóricos, ideológicos e pedagógicos diferen-
ciados, partilham, em alguma medida, traços comuns que nos permitem
reconhecê-las como inovadoras.
Segundo Carbonell (2010), as senhas de identidade de algumas boas
práticas inovadoras são: a integração curricular, a relação educativa base-
ada no diálogo, o estímulo à curiosidade e o desejo de aprender, a atenção
à diversidade, os contextos e ambientes ricos e diversificados de aprendi-
zagem, um professorado reflexivo e crítico.
O conceito de inovação é daqueles que se têm entranhado na lingua-
gem corrente, aplicado aos diferentes campos do mundo científico e tec-
nológico, económico e social, tendo-se desenvolvido especialmente pelo
enorme impulso da denominada sociedade do conhecimento e das tecno-
logias de informação e comunicação. No campo educativo, este conceito
adquire entre nós uma grande relevância no final dos anos oitenta e prin-
cípio dos anos noventa do século passado, sob os auspícios da Reforma
do Sistema Educativo, iniciada com a Lei de Bases do Sistema Educa­tivo,
em 1986. É aí que o conceito de inovação entra no discurso educativo
e curricular promovido, em grande medida: a) por organismos oficiais
como o Instituto de Inovação Educacional (IIE)1; b) pelos programas de

1
O IIE foi criado pelo Decreto-Lei n.º 435/89, de 18 de dezembro.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 31

promoção e difusão da inovação para a qualidade, como é o caso do “Boa


Esperança/ Boas Práticas”2, e de luta contra o insucesso, onde se insere o
PEPT-20003; c) pela expansão dos departamentos de Ciências da Educa-
ção no Ensino Superior e consequente incremento da investigação educa-
tiva; d) pelo desenvolvimento da formação inicial e contínua de profes-
sores; e) pela criação da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação
(SPCE)4 e a difusão do conhecimento nas suas secções e congressos;
f) pela progressiva abertura às relações internacionais, especialmente a
partir da entrada na Comunidade Europeia e, especialmente, g) pela ne-
cessidade de encontrar alternativas para uma escola cada vez mais mas-
sificada – diversa e plural –, que requer respostas também diversificadas,
criativas e inovadoras.
Por outro lado, é de salientar a influência de obras de referência que
começam a teorizar sobre o fenómeno da inovação escolar e que contri-
buíram para ir criando uma compreensão dos processos de mudança, dos
modelos que a sustentam e dos dispositivos para a sua produção e avalia-
ção. De entre elas, realçamos alguns textos clássicos que continuam a ter
a maior vigência e que influenciaram tanto a produção académica como a
promoção de projetos de inovação5.

2
O Programa “Boa Esperança/Boas Práticas” (Despacho n.º 6366/98, de 17 de
abril) foi criado para “assegurar o estudo, a promoção e a difusão da inovação para a
qualidade da educação”.
3
“Programa Educação Para Todos PEPT-2000” (RCM n.º 29/91, de 09 de agosto),
cujo principal objetivo foi mobilizar projetos e rendibilizar recursos para o efetivo
cumprimento da escolaridade de 9 e 12 anos.
4
A Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE) foi fundada em 1990
e, de acordo com os seus estatutos, prossegue vários objetivos, incluindo o de incentivar
e facilitar o intercâmbio e a cooperação entre as pessoas e instituições que se dedicam à
investigação e ao ensino, em qualquer domínio das Ciências da Educação, no país e no
estrangeiro.
5
Ver, entre outras, Fullan (1982), Leithwood (1989), Cuban (1992), Fullan e Har­
greaves (1992), Miles (1992), Wallace e McMahon (1994), Hargreaves (1996), no mundo
anglosaxónico; Vandenberghe (1988) e Cros (1996), no âmbito francófono; Gonzalez e
Escudero (1987), Escudero e Bolívar (1994), Ferreres e Molina (1995), Marcelo (1995,
1996), Tejada (1995), em Espanha. Entre nós, relevamos as obras pioneiras de Correia
(1989), Canário (1991, 1996), Amiguinho (1992), Alonso (1994, 1998), Campos (1996) e
Benavente (1996).

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32 Investigação para um Currículum Relevante

Perspetivas sobre o conceito de inovação

Da análise de muitas definições existentes de inovação (do latim inno­


vatio – introduzir algo novo) podemos extrair algumas notas distintivas
em que quase todas coincidem. Em primeiro lugar, a inovação faz sempre
referência à produção da mudança num sentido intencional e refletido,
que vai para além do seu acontecer natural. Trata-se, assim, de mudanças
que não surgem por geração espontânea, mas que são induzidas, desde fora
ou a partir do interior, com uma clara intenção de melhoria. Esta von­
tade de alterar uma situação para outra que se considera, do ponto de vista
educativo, qualitativamente melhor, define uma segunda característica dos
processos de inovação. Em terceiro lugar, a inovação, enquanto processo, é
planificada e regulada com uma certa sistematicidade, no sentido de utili-
zar determinadas fases, estratégias e condições, consideradas indutoras da
mudança. Incluímos ainda uma quarta característica, que se prende com
a monitorização e avaliação, que permitem iluminar e evidenciar os pro-
cessos e resultados. Assim, podemos dizer que há quatro elementos pre-
sentes na inovação: a consciência e intencionalidade, a planificação e sis-
tematização, a vontade de mudar para melhor e a regulação e avaliação.
Como afirma Tejada (2008, p. 311), não há dúvida de que “a inovação é
consubstancial à própria finalidade da educação: a mudança, a melhoria, a
transformação qualitativa”, tanto na sua dimensão individual como social
e organizacional, o que reforça a ideia de que não é a mesma coisa uma
inovação em educação ou em qualquer outro âmbito.
Embora alguns autores, como Medina (1990), diferenciem entre
inovação curricular e inovação educativa, neste trabalho utilizaremos am-
bos os conceitos indistintamente, já que, ao adotarmos um conceito am-
plo de currículo, abrangendo todas as atividades educativas planificadas e
desen­volvidas sob a responsabilidade da escola, letivas ou não, e realiza-
das dentro ou fora dela (Lima, 1992), dificilmente poderemos considerar
qualquer inovação educativa que não afete, em alguma medida, as práti-
cas curriculares.
Neste sentido, utilizaremos o conceito de inovação para nos refe-
rirmos a “uma série de dispositivos e processos, mais ou menos delibe-
rados e sistemáticos, através dos quais se pretende induzir e promover
certas mudanças nas práticas educativas vigentes, à luz de determinados
princípios e valores, que lhes dão sentido e legitimação” (Alonso, 1998,
p. 265).

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 33

Apesar da necessidade de delimitar este conceito, a inovação ca-


racteriza-se pela sua polissemia e complexidade, sendo fronteiriço com
conceitos afins, tais como: reforma, reestruturação, reorganização, revi-
são, renovação, melhoria, mudança, transformação, desenvolvimento, etc.
Especialmente a reforma e a inovação são subcategorias de um conceito
mais lato, o de mudança educativa. Correia (1989) chama a atenção para
o facto de a inovação, apesar de ser consciente e finalizada, nem sempre
acarretar mudança, da mesma maneira que a mudança não se pode identi-
ficar de imediato com a inovação. Daí que todos estes conceitos precisem
de uma compreensão sobre o que são e como funcionam os processos de
mudança, que fases é preciso percorrer, que fatores incidem nos mesmos
e que mecanismos se mobilizam quando tentamos transformar uma situa­
ção educativa, tema que, naquela altura, foi ampla e profundamente tra-
balhado por autores como Fullan e Miles (1992), Alonso (1998, 2000),
Fernandes (1998) e Flores e Flores (1998).
A partir da Reforma Educativa de 1986, assistimos a uma utilização
prolífica destes conceitos, para fugir à ideia nela subjacente de abranger
transformações de grande escala, que afetam as mudanças estruturais na
política educativa de todo um sistema educativo em diferentes dimensões:
administrativa, curricular, formação de professores, investigação, equi-
pamentos, etc. (Lima, 1996), especialmente se nos centrarmos no campo
curricular, onde se têm promovido sucessivos programas de reestrutura-
ção, reorganização e revisão, normalmente coincidentes com alterações
de políticas educativas resultantes da mudança de governos.
Na reconceptualização do paradigma educacional que vigorou até
aos anos oitenta e que presidiu à maneira de fazer as reformas de grande
escala em diferentes países, baseada em pressupostos científico-técnicos
próprios dos modelos positivistas (conceção – experimentação – disse-
minação), acentua-se o caráter não exclusivamente técnico da inovação,
a complexidade dos processos de mudança, a sua inserção ecológica e
processual, em que confluem dimensões políticas, culturais, pessoais
e institucionais. Por outro lado, a descentração da planificação racional
da inovação para os processos do seu desenvolvimento prático, para a
participação dos professores e das escolas na apropriação e redefinição
das mudanças, assim como para as influências exercidas pelos contextos
socio­políticos em que surgem e se desenvolvem as inovações, acarretou
novos enfoques, úteis na explicação e na orientação dos processos de ino-
vação, incluindo a clássica e conhecida proposta de House (1988), que

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34 Investigação para um Currículum Relevante

apresentava três abordagens básicas para interpretar a inovação educativa:


a científico-técnica, a cultural e a sociopolítica.
Esta viragem de perspetiva na forma de entender e promover a ino-
vação – dos modelos de planificação racional e fechada com fases bem
delimitadas e preestabelecidas para modelos mais flexíveis, abertos e
evolutivos, em que a relação entre as fases é dialética, não linear e debil-
mente articulada – deve-se em grande parte ao desenvolvimento cruza-
do de várias correntes que, em diferentes campos – incluindo a organiza-
ção escolar, o desenvolvimento curricular, a formação de professores, a
investigação educacional e a didática –, vieram contribuir para iluminar
e impulsionar novas conceções sobre a mudança educativa nas escolas,
e, consequentemente, uma compreensão mais complexa e relacional dos
processos, das metodologias e das condições mediante as quais se produz
a inovação, capaz de transformar as práticas de modo mais consistente e
sustentado.
Duma forma mais precisa, realçamos as influências vindas do cam-
po da investigação-ação, que perspetivam o professor, ou o grupo de pro-
fessores, como investigador das suas práticas6, do movimento das escolas
aprendentes7, das abordagens do desenvolvimento curricular baseado na
escola8 e da formação de professores centrada na escola ou contextuali-
zada9. Do mesmo modo, naquela altura, as teorias construtivistas e socio-
construtivistas10 da aprendizagem alcançavam entre nós a sua divulgação,
6
Ver, por exemplo, Stenhouse (1987), Kemmis e Mctaggart (1988), Alonso e
Branco (1989), Elliott (1990), Alarcão (2001).
7
Contemplado em designações internacionais como The Learning School/ School
as Learning Organization/ School Improvement/ Organizational Development e traduzido
entre nós por “Escola como organização que aprende”, “Desenvolvimento organizacional”
e mais recentemente por “Escolas reflexivas” ou “Escolas inteligentes”. Ver, por exemplo,
Holly e Southworth (1989), Leite (2003), Silva (2007).
8
A designação internacional School-based curiculum development foi traduzida
entre nós por expressões como “A escola como centro de decisão curricular”, “Currículo
aberto e flexível”, “Gestão local dos currículos”, “Componentes regionais e locais do
currículo”, “Construção do currículo na escola”. Ver, a este propósito, Skilbeck (1988,
2005), Alonso (1994), Roldão (1999), Leite (2005).
9
School-based teacher development/ Sttaf development/Classrrom-based tea­ cher
development – CBTD. Conceitos como “Formação centrada na ecologia da escola” e
“Formação contextualizada” foram assumidos nos nossos discursos sobre o desenvol­
vimento profissional dos professores. A este propósito, ver Hargreaves e Fullan (1992),
Escudero e Bolívar (1994), Marcelo (1995), Formosinho (2001), Alonso (2007).
10
As obras de Bruner, Vygotsky, Ausubel, Novak e Coll, entre outros, tiveram uma
grande difusão, especialmente no uso de conceitos como “aprendizagem significativa

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 35

ao mesmo tempo que informavam os fundamentos psicopedagógicos da


maior parte das reformas e projetos curriculares desenvolvidos em dife-
rentes países.
Todos estes enfoques coincidem em acentuar o papel da autonomia
da escola e dos professores, outorgando-lhes responsabilidade pela pro-
dução da mudança, num clima que estimula o desenvolvimento de todos
os seus atores a diferentes níveis: a nível dos alunos, de cada professor,
do corpo docente, da organização e da direção da escola, e questionando
o papel centralizador dos sistemas educativos e a sua incapacidade para
produzir as mudanças a longa escala. Assim, foram surgindo entre nós
novos conceitos relacionados com a inovação educativa, tais como: escola
como organização que aprende, liderança, parcerias, territorialização das
políticas educativas, escola inclusiva, currículo aberto e flexível, gestão
local do currículo, projeto curricular integrado, diferenciação curricular,
professor investigador e reconstrutor de currículo, trabalho colaborativo,
aluno construtor de conhecimento, etc.

Os projetos e a mudança das práticas

É neste contexto de contradições entre a difusão discursiva destes


novos modelos e conceitos e a constatação das dificuldades na sua apro-
priação nas práticas das escolas11, marcadas pelo peso das perspetivas
academicistas, tecnicistas e burocráticas do currículo e da organização da
escola, que em 1994 surge o Projeto PROCUR12, que assumiu e cruzou

e funcional”, “aluno construtor de conhecimento”, “professor como mediador”,


“potencial de aprendizagem”, estratégias cognitivas e metacognitivas”, “relevância
das aprendizagens”, “diferenciação curricular”, etc. Ver, por exemplo, as obras de Coll
e outros (1993) e Jonnaert e Borght (2002), que fazem uma interessante tradução do
socioconstrutivismo para o campo do currículo e da didática.
11
Num relatório de investigação sobre “o impacto da reforma curricular no
pensamento e na ação do professor” (Pacheco et al., 1996) conclui-se que essa mesma
reforma “não correspondeu, nem aos objetivos propostos, nem às mudanças nas práticas
curriculares e nas atitudes dos professores”. O relatório aponta algumas das eventuais
causas para o sentimento descrito, resumido na ideia de que “a decisão política que esteve
no princípio desta reforma não foi coerente com as estruturas que a operacionalizaram”
(p. 105).
12
O projeto PROCUR desenvolveu-se até o ano 2001 numa rede mais alargada de
escolas e agrupamentos daquela que foi objeto deste estudo. No entanto, o projeto e o

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36 Investigação para um Currículum Relevante

as propostas daqueles movimentos e no âmbito do qual construímos uma


teoria integrada sobre inovação curricular, que nos tem servido de base
para analisar os movimentos de inovação e também para a impulsionar no
terreno das escolas13. Na raiz do surgimento do projeto esteve a preocupa-
ção com “encurtar a distância entre as intenções normativas e as práticas,
o que constitui o problema fundamental de qualquer reforma educativa”
(1994, p. 16)14. No estudo de caso realizado sobre este projeto, Alonso
(1998) escreve:
Numa procura de inovação para a qualidade, a questão de como se
pode desenvolver esta perspetiva relacional da mudança, ligando a for-
mação de professores com a melhoria das práticas curriculares, nos con-
textos sociais das escolas, foi o grande desafio que nos propusemos neste
trabalho. Formação e inovação afiguram-se-nos, pois, dois conceitos e
processos indissociáveis, que se entrelaçam e enriquecem mutuamente
ao incidir, de forma sinergética, no desenvolvimento profissional e pes-
soal dos professores e na melhoria qualitativa dos processos educativos
dos alunos, ultrapassando, assim, a rutura, própria do positivismo, entre a
teoria e a prática, entre o pensamento e a ação. A escola entendida como
orga­nização ecológica que aprende em interação com o meio, é o con­
texto ou cenário em que estes processos acontecem. (p.19)
Iniciada esta experiência em 1990, em contextos de formação inicial
e especializada de professores (DESE e CESE15), em 1994 sentiu-se a ne-
cessidade de constituir uma rede de escolas em que a inovação pretendi-
da pudesse ser desenvolvida, utilizando para isso uma abordagem cultural

modelo curricular construído no seu processo inicial de desenvolvimento continuam a


ser disseminados em diversos contextos de formação/intervenção, tais como: Prática
pedagógica da formação inicial de educadores e professores da Educação Básica, Cursos
EFA – Educação e formação de adultos, oficinas e círculos de estudo no âmbito da
formação contínua, mestrados, doutoramentos, seminários, colóquios.
13
Este modelo de inovação curricular, através do qual se pretende criar nas esco­
las uma “cultura de projeto”, articula estreitamente o desenvolvimento curricular com o
desenvolvimento profissional e organizacional, de modo a promover a qualidade das
aprendizagens dos alunos, numa perspetiva integradora (Alonso, 1998, 2000). Este mo­
delo tem sido utilizado como referencial teórico e metodológico de vários trabalhos de
investigação desenvolvidos no âmbito do projeto PROCUR e do projeto CPCIC-EB.
14
Ver uma justificação aprofundada para o lançamento do projeto nos livros de
Alonso e outros (1994) e Alonso, Magalhães e Silva (1996).
15
CESE – Cursos de Estudos Superiores Especializados. DESE – Diploma de Estu­
dos Superiores Especializados.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 37

e ecológica da inovação – aberta e evolutiva –, que possibilitasse que os


professores, trabalhando em colaboração, se tornassem progressivamente
os protagonistas na construção da mudança. Para isso foram disponibili-
zadas condições e dispositivos que a literatura acima referenciada tinha
evidenciado como imprescindíveis à ocorrência da mudança: constituição
de equipas docentes, assessoramento externo, formação contextualizada e
continuada, encontros periódicos, centro de recursos, folha informa­tiva,
etc., constituindo-se, deste modo, uma comunidade de conhecimento e
aprendizagem16 com uma identidade própria. Esta organização em rede
(Veugelers & O’Hair, 2005; Lima, 2007) que, na altura, foi pioneira no
nosso país, constituiu uma das mais-valias que permitiram dar continui-
dade ao projeto durante um longo período de tempo e também disseminar
a inovação a novos contextos, numa perspetiva de desenvolvimento em
cascata.
A investigação-ação colaborativa deu-nos um contributo indispen-
sável, já que nos ofereceu um quadro epistemológico e metodológico
adequado à criação de comunidades críticas de formadores e professo-
res, em que investigadores académicos e investigadores práticos uniram
esforços num projeto comum de mudança educativa, centrada na ideia
de tornar o currículo mais flexível, mais integrado e relevante aos alu-
nos, nos diferentes contextos educativos das escolas. Foi assim que se foi
construindo o modelo curricular que denominamos de “Projeto Curricular
Integrado”17 e que foi progressivamente adaptado e assimilado pelas esco-
las e equipas que integravam a rede PROCUR, e também pela formação
inicial de professores da Universidade do Minho, no âmbito da Prática
Pedagógica, que era preferencialmente realizada nos mesmos contextos
de desenvolvimento do PROCUR (Silva, 2011). Isto facilitou também o
diálogo entre formação inicial, formação contínua e inovação curricular,
permitindo uma coerência de discursos e práticas entre “os dois mundos”,

16
Sobre este tema podem-se consultar vários autores, incluindo Louise & Seashore
(2007), Dufour, Dufour e Eaker (2008), Escudero (2009) e Sagor (2010).
17
Para uma compreensão do Modelo Curricular PROCUR, ver Alonso, Magalhães
e Silva (1996), Alonso (1998, 2004), Silva (2011). Este modelo organiza-se em torno de
um construto central para a inovação curricular: o “Projeto Curricular Integrado” (PCI),
que evidencia a integração curricular através do “Desenho global do projeto” e do “Mapa
de conteúdos” e que se concretiza no desenvolvimento de “Atividades Integradoras”
mediante a “Metodologia de Investigação de Problemas”.

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38 Investigação para um Currículum Relevante

de que nos falavam Tabachnick e Zeichner (1985), metáfora que ainda se


mantém tão vigente.
Num trabalho de meta-reflexão sobre este projeto (Alonso, 2004a),
assumíamos a seguinte posição:
Se tivéssemos que resumir os resultados, sempre provisórios, deste
estudo de caso, apelaria a três constructos que se tornaram centrais para
a compreensão e a produção da mudança e da formação neste projecto,
e que de alguma maneira resumem as linhas que orientam o pensamento,
o discurso e as práticas de todos os seus atores: reflexão, investigação e
colaboração. Estes três conceitos entendidos num contexto de autonomia,
participação e abertura, emergiram deste projecto como núcleos centrais
que sustentaram e estimularam a mudança e o desenvolvimento, tanto a ní-
vel organizacional, como profissional ou pedagógico. A maneira como se
pode e se consegue transformar em propostas de ação estes três construc-
tos é o que marca a diferença nos projectos de inovação curricular. (p. 91)
Entretanto, decorriam no país outros projetos de valorização local
da inovação, centrados em problemáticas diversas que permitiram a revi­
talização de dinâmicas e práticas territorializadas das políticas educativas,
dando respostas contextualizadas aos problemas das comunidades educati-
vas – Projetos ECO, Escolas Isoladas, Lethes/ Peneda-Gerês, MINERVA,
TEIAS; Programas Nónio, Educação Intercultural, TEIP, entre muitos ou-
tros –, ou desenvolvendo conceções curriculares e pedagógicas alternati-
vas, como o projeto Ensinar é Investigar, o Movimento da Escola Moderna
e a Escola da Ponte. Uns tinham um caráter local, outros foram promovi-
dos a partir de iniciativas nacionais, como a medida SIQE18 ou o ICE19,
mas “todos souberam aproveitar a janela de oportunidades para os trans-
formar à medida das expectativas das comunidades, recriando e divergindo,
por vezes, das próprias dinâmicas iniciais” (Silva, 2011, p. 180)20.
O projeto de Gestão Flexível do Currículo (GFC), que se iniciou ofi-
cialmente em 1997 com a designada “Revisão Participada sobre os Cur-
rículos do Ensino Básico”21, foi o expoente máximo da assimilação pelo

18
Sistema de Incentivos à Qualidade da Educação, medida promovida pelo IIE.
19
ICE – Instituto das Comunidades Educativas, com sede em Setúbal.
20
Para uma revisão destes projetos e modelos curriculares pode-se consultar a
tese de doutoramento de Carlos Silva (2011) e a dissertação de Julieta Ferreira (2011),
elaboradas no âmbito do Projeto CPCIC-EB, de que trataremos mais adiante.
21
No relatório deste projeto (Roldão, Nunes & Silveira, 1997), faz-se uma revisão
crítica das causas do insucesso da Reforma Curricular de1989, defendendo-se que a

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 39

sistema de todos estes movimentos e teorias, com a diferença de que este


foi impulsionado e regulado pelo Ministério da Educação, ao criar uma
rede de escolas22 que foram progressivamente aderindo ao projeto através
de um modelo misto e interativo de centro-periferia, periferia-centro. Tal-
vez os anos que se seguiram até 2001, em que se publica o Decreto-Lei
da Reorganização Curricular23, fazendo extensivas as propostas da GFC
a todas as escolas do país, foram os anos em que houve mais dinâmicas
inovadoras no ensino básico, que mobilizaram as instituições de ensino
superior e as escolas para, em conjunto, envolverem-se em projetos de
mudança das práticas curriculares no terreno. Nas orientações que supor-
tam esta inovação (Abrantes, 2001, p. 3) propõe-se “uma concepção de
currículo mais aberta e abrangente, associada à valorização de práticas de
gestão curricular mais flexíveis e adequadas a cada contexto”. De acordo
com o Departamento da Educação Básica – DEB (1999), pretendia-se,
com este projeto,
uma mudança gradual nas práticas de gestão curricular. Tem em vista
melho­rar a eficácia da resposta educativa aos problemas surgidos da diver-
sidade dos contextos escolares e assegurar que todos os alunos aprendam
mais e de um modo mais significativo. (p. 6)
As propostas centrais que articulam a GFC num contexto de atribui-
ção de maior autonomia às escolas e professores pela gestão do currículo,
são: currículo nacional organizado por competências gerais, transversais e
essenciais das disciplinas, criação das áreas curriculares não disciplinares,
gestão e racionalização da carga horária dos alunos, valorização das estru-
turas de gestão curricular intermédia e dos projetos curriculares de escola
e de turma. Assim, segundo Varela de Freitas (2001, p. 22),
[o] que o projeto de gestão flexível do currículo procurou transmitir às
escolas é que (…) deviam passar a considerar o pedagógico em primeiro
lugar, dando-lhes a autonomia indispensável para colocarem os alunos “pri-
meiro”. Para que tal aconteça, é necessário que a escola, e portanto os pro-
fessores, tenham a autonomia suficiente que garanta que a gestão do currí-
culo seja, efetivamente, uma tarefa sua.

mudança curricular desejável só pode realizar-se com a plena responsabilização de


docentes e escolas pela gestão do currículo, o que não tem sido prática na tradição e
cultura do sistema educativo português” (p. 89).
22
Regulamentação da GFC: Despachos n.º 4848/97 (2ª série), de 30 de julho e
n.º 9590/99 (2ª série), de 14 de maio.
23
Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro.

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40 Investigação para um Currículum Relevante

Trata-se, pela primeira vez, de ensaiar uma política curricular com


alguma coerência entre os normativos e as condições de realização no ter-
reno. Pretende-se pôr as escolas a refletir e a questionar a sua função, a
olhar para o currículo não como um texto fixo a cumprir de forma sa-
grada e uniforme, mas antes como um texto aberto que é preciso encher
de significado e de sentido, em função das necessidades e desafios que o
contexto da escola coloca aos professores, enquanto profissionais de uma
educação de qualidade e, portanto, promotora de sucesso para todos. “Opta-
-se, assim, por um modelo ecológico e processual de construção do currí-
culo em que se considera que o desafio está, sobretudo, nos processos de
desenvolvimento curricular nas escolas e nas condições organizacionais
e profissionais que os facilitam” (Alonso, 2001, p. 28).
Do Parecer que em 2001 fizemos sobre este projeto (Alonso, Peralta
& Alaiz, 2001), retiramos as seguintes conclusões:
Na sua globalidade fazemos uma apreciação positiva da filosofia e opções
fundamentais adotadas neste Projeto de Inovação (...) nomeadamente, por
cinco razões fundamentais, a saber: (a) o facto de o currículo finalmente se
ter constituído objeto de questionamento, de discussão e de reflexão crítica,
única maneira de ir ao âmago da substância da educação escolar para a po-
der melhorar; (b) o ter colocado os alunos (cada aluno na sua diversidade) e
a sua aprendizagem no coração do currículo e da ação pedagógica; (c) o ter
atribuído aos professores um papel central na mediação do currículo, con-
ferindo-lhes uma autonomia partilhada na sua gestão flexível e integrada;
(d) o ter-se assumido a mudança como um processo lento, complexo, pro-
gressivo e participado, sustentado num modelo ecológico e político de ino-
vação, que requer um acompanhamento e uma avaliação continuadas; (e) a
opção por uma visão sistémica e articulada da inovação que contempla em
interação as dimensões curriculares com as organizacionais e as formativas;
e (f) o ter ousado passar da proposta de soluções monolíticas e maximalis-
tas para a aceitação de cenários alternativos e soluções diversas e apropria-
das às características dos diferentes contextos (p. 71).
Mais adiante, recomenda-se que a reorganização curricular prossiga
em três dimensões, indispensáveis à sua sustentabilidade:
1) Na clarificação da conceção e desenho curricular e dos níveis de constru-
ção (…). 2) Na criação/disponibilização de estruturas e condições organiza-
cionais externas e internas às escolas que (…) apoiem e facilitem o desen­
volvimento e a gestão curricular flexível e integrada (…). 3) Na criação de
dispositivos de acompanhamento e de avaliação do desenvolvimento do

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 41

Projeto Curricular Nacional que permita (…) ir enriquecendo e melhorando


a sua definição. (p. 71)
Com o intuito de dar continuidade à monitorização da mudança pro-
duzida pela GFC e a Reorganização Curricular que se lhe seguiu, entre
2003 e 2006, desenvolvemos um projeto de investigação que pretendia
avaliar as tendências da mudança curricular desencadeadas nas escolas24.
Numa reflexão realizada no âmbito deste projeto, considerávamos que,
apesar do enorme investimento e das realizações e expectativas criadas pela
GFC, com a generalização apressada da Reorganização Curricular a todas
as escolas, verificou-se uma progressiva inversão de marcha no modelo de
inovação que orientou a GFC, abandonando algumas ideias centrais que o
caracterizaram, tais como a avaliação continuada, o acompanhamento for-
mativo às escolas, a recolha e divulgação de experiências de sucesso e a
clarificação do Projeto Curricular Nacional. (Alonso, 2004b, p. 150)
No entanto, nas considerações finais do relatório do projeto PIIC,
deixa-se ficar, ainda que numa nébula de incertezas e conflitos por resol-
ver, uma ideia de esperança quanto ao futuro, pois,
[a]pesar de existir uma corrente de opinião pública defensora de que a re-
organização curricular não produziu mudanças nas escolas, de que tudo
está na mesma ou até pior e, por isso, é preciso recuperar as práticas de um
passado securizante, este estudo veio mostrar que a realidade das escolas
portuguesas hoje é muito mais complexa e plural, procurando caminhos de
libertação do imaginário histórico baseado na dependência e na uniformi-
dade. Contrariamente à ideia de estagnação, a realidade escolar mostra-se
constituída por visões diversas em que entram em conflito lógicas teóricas
e práticas que representam modelos educacionais e sociais também eles em
conflito. A mudança está acontecer. É impossível voltar atrás. As tendên-
cias identificadas neste projecto dão fé disso. O que se deve questionar é
o sentido, a orientação e a profundidade da mudança, quando refletida na
qualidade dos processos de ensino e aprendizagem que, inevitavelmente,
condicionam os resultados. (Alonso, Peralta & Alaiz, 2006, p. 62)
Em simultâneo, envolvemo-nos, entre 2003 e 2007, como coordena-
dora de uma das equipas, num projeto de investigação – Projeto CCAA

Ver Alonso (coord.), Peralta e Alaiz (2006). Importava saber quais os efeitos
24

do modelo de inovação pretendido na mudança das práticas curriculares desenvolvidas


nas escolas até julho de 2005, e quais os fatores críticos que condicionaram positiva ou
negativamente esta mudança.

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42 Investigação para um Currículum Relevante

Construção da Competência de Aprender a Aprender25 –, que tinha como


objetivo “fundamentar e produzir um conjunto de descritores da compe­
tência de aprender a aprender (CAA) que possam constituir um suporte
à orientação do trabalho dos professores do ensino básico, no sentido de
desenvolverem o currículo tendo em vista a construção permanente desta
competência transversal” (Alonso, Roldão & Vieira, 2007, p. 3109). Se-
gundo a documentação de suporte do Projeto,
a noção de CAA toma como base o conceito de regulação da aprendiza-
gem, que envolve tarefas de planificação, monitorização e avaliação do pro-
cesso de aprendizagem na realização de atividades, através da mobilização
de estratégias metacognitivas e atitudes sócio-afetivas. (...) O professor as-
sume um papel interventivo e facilitador, organizando o trabalho pedagó-
gico de modo a criar situações de regulação da aprendizagem, nos quais os
alunos consciencializem, mobilizem e explicitem a CAA. (p. 3109)
Neste sentido, o projeto visava promover a Construção da Compe-
tência de Aprender a Aprender através de:
1. Concetualização da noção de CAA pela definição de dimensões e descri-
tores para o ensino básico;
2. Elaboração de suportes de trabalho para o desenvolvimento intencional
da CAA para os diferentes níveis e áreas curriculares;
3. Realização de estudos de caso que permitam a experimentação e a ava-
liação do uso dos descritores em contextos reais;
4. Divulgação do conhecimento produzido.
Quanto ao desenvolvimento do projeto, optou-se por uma metodolo-
gia onde se conciliavam movimentos de teorização e experimentação no
terreno, com a colaboração de professores do ensino básico (1.º, 2.º e 3.º
ciclos) na condução de estudos de caso supervisionados. Acreditávamos
que o modo de experimentação pedagógica ilustrado nos estudos de caso
realizados, onde a dinâmica teoria-prática e reflexão-ação assumia um pa-
pel central, poderia inspirar outros formadores e professores para o desen-
volvimento da CAA em contexto escolar, conferindo à atuação educativa
uma orientação crítica e investigativa.

25
O projeto CCAA (2003-2006) foi promovido pelo Centro de Estudos da Criança
(CESC) do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho e financiado pela
Fundação Calouste Gulbenkian. Os investigadores pertenciam a três instituições de ensino
superior: Universidade do Minho, Instituto Politécnico de Viana do Castelo e Instituto
Politécnico de Santarém.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 43

As novas realidades e os caminhos para o futuro

Entretanto, as pressões gerencialistas e neoliberais próprias da difu­


são mundial da educação e da europeização das políticas educativas
(Lawn & Grek, 2012), impuseram novas orientações à agenda política:
uma avaliação (das escolas, dos professores, dos projetos, dos alunos)
mais centrada nos resultados imediatos do que nos processos (o que por-
ventura contraria a natureza intrínseca da inovação); a burocratização e
intensificação do trabalho docente; a complexificação da gestão dos pro-
jetos; e a contração de recursos que acompanhou a “crise financeira”. Estas
orientações, entre outras, foram temperando as vontades renova­ doras,
orientando as atenções das escolas e professores para outras preocupações
que não aquelas que motivaram os projetos anteriormente referidos. Em
paralelo, o processo de Bolonha e a implementação do RJIES26 nas insti-
tuições de ensino superior, bem como as exigências da carreira académica
centradas na produção científica e na internacionalização, tiveram reper-
cussões no afastamento dos dois mundos – académico e escolas –, cada
um concentrado nos seus problemas e na resposta às alterações constan-
tes de políticas que atafulharam ambos os contextos com solicitações pre-
mentes, em que o tempo e as energias para a inovação esmoreceram.
Nesta linha de pensamento, em 2009, no âmbito de um estudo sobre
“A Educação das Crianças dos 0 aos 12 anos”27, ao elencar alguns dos
constrangimentos que afetam o desenvolvimento das mudanças nesta fase
educativa, apontávamos, entre outros,
as alterações constantes de rumo nas políticas educativas (cada governo,
uma política) que deslegitimam e sufocam as sementes de mudança lan-
çadas em inúmeras iniciativas e projetos de inovação, não permitindo dar
continuidade a iniciativas e experiências riquíssimas, que ficam truncadas
por não serem reconhecidas e avaliadas, ou por não se terem em conta os
resultados da avaliação. (...) A tendência para decretar a inovação, para
tudo legislar, sem saber encontrar o ponto de equilíbrio entre a clareza e
firmeza das propostas políticas, por um lado, e a autonomia, tempo e apoio
para construir a mudança nas escolas, por outro, é endémica em Portugal.
Esta situação vive-se atualmente de forma particular no sistema educativo,

26
Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico das Institui­
ções do Ensino Superior (RJIES).
27
Estudo encomendado pelo CNE, coordenado por Isabel Alarcão.

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44 Investigação para um Currículum Relevante

em que o afane renovador traduzido em múltiplas medidas e programas, em


si mesmos com potencial inovador, não consegue envolver de forma ativa e
coordenada os professores na sua concretização, especialmente pelas pres-
sões do tempo e dos resultados, o excesso de burocracia que se lhe acom-
panham e a falta de apoios de formação e acompanhamento, que permitam
gerar um compromisso organizativo com a mudança nas escolas. (Alonso,
2009, pp. 333-334)
Foi este compromisso irrevogável com a transformação qualitativa
das escolas que em 2009 nos levou a investir num novo projeto de investi-
gação/ inovação curricular, o já referido CPCIC-EB, através do qual pre-
tendíamos dar continuidade, mobilizar e reconstruir o trabalho de pesqui-
sa e o conhecimento produzido sobre inovação curricular, nos diferentes
projetos acima referenciados, na procura de “outras escolas, outra edu-
cação, outra forma de pensar o currículo” (Contreras, 2010). Este projeto
será descrito com mais detalhe na próxima secção.
Todas as reflexões que a participação nestes projetos nos sugeriu
apontam para a concetualização da inovação e da mudança que a acompa-
nha como um processo altamente complexo e por isso custoso, exigente
e cheio de perplexidades, mas também de desafios e satisfações, já que,
como assinalam Hargreaves e Fink (2006, p. 1) na sua obra sobre os sete
princípios da liderança sustentável, “mudar a educação é fácil de propor,
difícil de implementar e extremamente difícil de sustentar”. Sabemos que
a inovação em educação não resulta unicamente de mudanças estruturais
no sistema educativo (reestruturar as escolas não é o mesmo que as recul-
turar), nem tão pouco surge de modo espontâneo do voluntarismo indivi-
dual, pelo que se requer uma atenção simultânea às dimensões pessoais,
culturais, organizativas e políticas que permitam aos indivíduos e às orga-
nizações assumirem um papel de aprendizagem da mudança.
As comunidades de aprendizagem que este projeto está a promover
em diferentes contextos, com o intuito central de transformar os proces-
sos de desenvolvimento curricular nas escolas de modo a incidir na qua-
lidade da educação, assumem o princípio defendido por Escudero (2010)
de que
uma comunidade de aprendizagem não se justifica somente pelos resulta-
dos, senão pelos valores, compromissos, forças e oportunidades necessários
para garantir o direito à educação. Qualquer orientação dirigida aos resulta-
dos da aprendizagem e da escola tem de incidir, também, na compreensão
e intervenção sobre os fatores, condições e processos que produzem uns e
outros. Um olhar, portanto, equilibrado. (p. 36)

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 45

Para que se consiga inovação duradoira nos sistemas educativos, o


desenvolvimento da inovação incremental terá de ser articulado com a
exploração sistemática de projetos de inovação disruptiva28, baseados na
investigação-ação29 e na educational design research30 conduzidos por
equipas mistas de professores das escolas e de investigadores académicos
que participem em redes internacionais.
Em jeito de conclusão, ocorre-nos dizer que todos estes projetos de
inovação, enquanto exemplos de “boas práticas”, deixaram uma marca de
qualidade e de confiança, ao se poder demonstrar que a mudança é possí-
vel quando se reúnem algumas condições políticas, curriculares, organi-
zacionais, formativas e de liderança, com potencial para confrontar a cul-
tura estabelecida e em que as pessoas, com o seu capital de conhecimento
e de competências, marcam sempre a diferença.

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28
Para aprofundar estes conceitos, ver Christensen, Johnson e Horn (2011).
29
Apesar dos constrangimentos que o desenvolvimento desta metodologia apresenta
atualmente no campo da investigação educativa, a investigação-ação, nas suas diversas
modalidades, continua a ser imprescindível para melhorar a qualidade dos processos de
ensino e de aprendizagem, a compreensão das condições contextuais e a “agência” dos
professores e das escolas. Por conseguinte, continua a ser indispensável na produção de
conhecimento educativo relevante. Ver perspetivas recentes sobre esta abordagem em
McKernan (2008), Noffke e Somekh (2009), McNiff e Whitehead (2009), Brindley e
Crocco (2010), Sousa (2010), Mertler (2011).
30
“Investigação educacional por design”, que pode ser entendida como a análise
sistemática, desenho e avaliação de intervenções pedagógicas dirigidas a problemas
complexos para os quais não existem soluções predeterminadas. Ver Van der Akker e
outros (2006) e McKenney e Reeves (2012).

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3. Integração e relevância curricular
Luísa Alonso
Francisco Sousa

O currículo “coerente” é aquele que permanece uno, que faz


sentido como um todo e cujas peças, quaisquer que sejam, estão
unidas e ligadas pelo sentido da totalidade. […]. Não é simples­
mente um conjunto de peças dispersas que se acumulam na expe­
riência dos alunos. Um currículo “coerente” confere o sentido da
floresta assim como o das árvores, a noção de unidade e ligação,
de relevância e de pertinência. As partes ou peças estão ligadas e
integradas de uma forma visível e explícita. Existe a noção de um
objectivo mais abrangente, estimulante, e as acções estão ligadas
a esse objectivo.
J. Beane, 2000, p. 42

Introdução

A ideia de integração tende a despertar alguma adesão, por sugerir,


em variados domínios, a negação do isolamento, parecendo implicar uma
reconfortante promessa de continuidade na nossa interação com o mundo,
através da diluição de fronteiras, da eliminação de obstáculos, da facili-
tação do acesso a bens e serviços e do bom entendimento e cooperação
entre indivíduos.
No campo curricular, a defesa da integração tem estado associada a
algum inconformismo com a tendência da escola para oferecer às crian-
ças e aos jovens um serviço educativo baseado numa série de atividades
debilmente relacionadas entre si e com o mundo extraescolar. Beane
(1995) exprime esse inconformismo referindo-se a muitos estudantes que

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54 Investigação para um Currículum Relevante

passam de uma sala de aula para outra, de um tempo letivo para outro, de
um manual para outro, de um professor para outro, confrontando-se com
pedaços de informação desconectados e fragmentados. Para esses jovens,
o currículo é um amontoado de peças de um puzzle cuja imagem completa
não vislumbram. (p. 1)
Nesta lógica dominante de organização do espaço e do tempo esco-
lar, do serviço docente e dos materiais didáticos, sobressai a disciplina
escolar como entidade cuja delimitação epistemológica é imediatamente
reconhecível e cuja naturalização no contexto da cultura escolar ocorre
facilmente. Não admira, pois, que a integração curricular seja frequen-
temente referida como sinónimo de interdisciplinaridade ou então como
extremidade de um continuum em cujo limite oposto se situa o trabalho
sobre temas multidisciplinares e em cuja zona intermédia se situa a inter-
disciplinaridade (Marsh, 1997).
A nossa conceção de integração curricular é muito mais complexa
e abrangente, na medida em que não considera apenas o conhecimento
normalmente associado às disciplinas escolares, que tem sido influencia-
do pelo que se designa como conhecimento académico. Admite a possi-
bilidade de mobilização de todos os tipos de conhecimento que possam
contribuir para que o aluno compreenda melhor o mundo à sua volta e se
compreenda melhor a si próprio, enquanto indivíduo e cidadão.
Neste sentido, a integração curricular apela a uma visão global e
diferenciada do aluno enquanto pessoa e das suas diversas capacidades
mentais, físicas, emocionais e relacionais, suscetíveis de serem explora-
das em situações de aprendizagem, entendidas como situações-problema
ou situações de integração de conhecimentos (Roegiers, 2006). Possi-
bilitar uma relação mais ativa, sistémica e significativa do aluno com o
conhe­cimento e a cultura é a razão de ser da integração curricular. Assim,
enquanto construto teórico, este conceito abrange uma constelação de
subconceitos que lhe estão associados, especialmente quando o inserimos
nas suas raízes socioconstrutivistas (Coll et al., 1993; Jonnaert & Borght,
2002; Novak, 2000) e no paradigma da complexidade (Bonil et al., 2004;
Morin, 1996, 2001), que propõem novas formas de aceder ao conheci-
mento da realidade, realçando a problematicidade, interatividade e dina-
micidade que impregnam os modos de pensar, de sentir e de agir sobre
essa mesma realidade. Esses subconceitos incluem os seguintes: projeto,
inter e transdisciplinariedade, globalização, articulação, coerência, rele-
vância, aprendizagem significativa, participação, colaboração, inclusão,
comunidades e redes de conhecimento e aprendizagem.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 55

A escola é uma instituição educativa que se constituiu historicamente


em resposta às necessidades de uma sociedade cada vez mais complexa,
que deixou de ter capacidade para assegurar a educação e formação das
gerações mais jovens no seio das famílias. Esse processo de instituciona-
lização implicou mais do que uma simples mudança do lugar onde se rea-
lizam determinadas aprendizagens. Implicou também a criação, nas esco-
las, de novas formas de relacionamento entre os jovens e o conhecimento.
A aprendizagem tende a ocorrer de forma natural, espontânea, glo-
balizante e informal quando realizada em contexto familiar ou social e a
ser marcada pela abstração, pela descontextualização e pela formalidade
quando promovida em contexto escolar. Como sublinham Erickson e ou-
tros (2008), nas famílias as crianças aprendem facilmente a andar e a falar
porque tomam naturalmente a iniciativa de tentar movimentar-se e produ-
zir sons com sentido, sendo essas tentativas geralmente encorajadas e en-
riquecidas pelos adultos que as rodeiam. Na escola, a decisão sobre o que
ensinar em cada momento depende muito menos da iniciativa da criança
na tentativa de aprender do que da agenda do adulto que organizou pre-
viamente um plano de ensino destinado a um conjunto relativamente nu-
meroso de estudantes. Além disso, a escola tende a ser menos tolerante do
que a família na reação aos indicadores de desempenho, necessariamente
imperfeitos, que a criança vai produzindo na tentativa de realizar determi-
nada aprendizagem. A organização social da sala de aula gera dispositivos
de recompensa e punição – mais formais ou mais informais, mais explí-
citos ou mais implícitos – que exercem “uma profunda influência sobre a
vontade da criança para fazer novas tentativas” de aprendizagem (Erickson
et al., 2008, p. 205). Por outras palavras, há nas lógicas dominantes de
organização da escola e da sala de aula fatores que ameaçam a vontade de
aprender.
O projeto ICR/ENCUR partiu de situações concretas em que profes-
sores do ensino básico registam, nas suas salas de aula, indicadores da
existência de alguma falta de vontade em aprender. Na procura de identi-
ficação e compreensão das causas desse problema, considerou-se, desde o
início do projeto, a hipótese de que o desinteresse que alguns alunos reve­
lam em relação ao currículo poderá estar relacionado com um défice de
reconhecimento da relevância do mesmo. Nos casos em que se encontra-
ram evidências confirmadoras desta hipótese, a equipa responsável pelo
projeto desenvolveu estratégias de ensino com potencial para facilitar ao
aluno o reconhecimento de que as aprendizagens em causa têm sentido e

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56 Investigação para um Currículum Relevante

utilidade na sua interação com o mundo extraescolar, isto é, estratégias


concebidas de acordo com a teoria da aprendizagem significativa (Valada-
res & Moreira, 2009).
O ponto de partida do projeto ICR/ENCUR não foi, portanto, um
plano ambicioso de integração curricular baseado na organização de todo
o currículo em torno de temas ou problemas integradores ou de outras
formas de integração. A ambição dos seus promotores foi, isso sim, re-
cuperar progressivamente espaços de continuidade entre a experiência de
determinados alunos e o currículo escolar, agindo prioritariamente sobre
casos em que visivelmente essa continuidade tinha sido quebrada e pro-
curando, numa etapa posterior, potenciar em benefício de turmas inteiras
o trabalho inicialmente desenvolvido a propósito desses mesmos casos.
As estratégias de ensino concebidas no âmbito do projeto contribuíram
para que os alunos envolvidos tomassem maior consciência não só da im-
portância do conhecimento promovido na escola para o enriquecimento
da sua capacidade de interagir de forma competente com o mundo à sua
volta mas também da necessidade de, nessa interação, recorrerem, em
simultâneo, a conhecimentos associados a diferentes áreas curriculares,
mobilizando-os de forma adequada a cada situação concreta.
Na perspetiva do trabalho docente, o projeto promoveu a discussão
de formas de relacionamento dos professores com as diversas áreas cur-
riculares, considerando que esse relacionamento tende a oscilar entre a
tentação para tomar os saberes disciplinares como fins em si mesmos e
a disponibilidade para trabalhar em função da seguinte questão: “como
contribuem [as diferentes áreas curriculares] com a sua forma específica
de representação da realidade para ajudar os alunos a compreender essa
realidade na sua globalidade e complexidade, desenvolvendo o aluno
como pessoa e como cidadão?” (Alonso, 2002b, p. 109).
Ao apostar prioritariamente na promoção do reconhecimento, por
parte do aluno, da relevância do currículo para a sua vida extraescolar,
o projeto ICR/ENCUR constituiu-se como um pequeno contributo para a
promoção da integração curricular, no contexto mais abrangente do pro-
jeto CPCIC-EB, sedeado no CIEC – Centro de Investigação em Estudos
da Criança, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, no qual
foram também exploradas outras formas de promoção da integração cur-
ricular. Nas páginas que se seguem, caracterizaremos com mais porme-
nor o projeto CPCIC-EB em geral e o projeto ICR/ENCUR em particu-
lar, discutindo com especial ênfase as questões de integração e relevância
curricular que foram suscitado.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 57

Integração e relevância curricular ao nível do projeto CPCIC-EB

Este projeto surge na sequência de outros, centrados no estudo e na


produção de dispositivos teóricos e estratégias para a organização integrada
do currículo nas escolas. Os seus referentes epistemológicos enraízam-se
nas abordagens construtivistas, ecológicas e sociocríticas do currículo e
da inovação (Alonso, 2000, 2004a), que postulam uma visão da realidade
como complexa, holística e problemática (Zabala, 1999) e do conheci-
mento como aberto e dinâmico, o que requer processos de aprendizagem
que estimulem a compreensão crítica, a expressão criadora e a ação trans-
formadora. Como já defendemos em várias ocasiões, “aprender é dar sen-
tido e significado à realidade, ou seja, compreender, relacionar e sentir
para poder aplicar e agir” (Alonso, 2005) ou, como nota Develay (2006),
aprender não é apenas repetir ou refazer conhecimentos. Aprender impli-
ca reutilizar os conhecimentos noutros contextos, dentro e fora da escola,
e desejavelmente em situações cada vez mais complexas.
O seu referencial teórico sustenta-se nos modelos de integração cur-
ricular31 que valorizam a procura da coerência ou articulação, tanto verti-
cal como horizontal e lateral, das propostas curriculares e da relevância
e significatividade das aprendizagens, o que requer também a defesa de
formas flexíveis e colaborativas de organização do trabalho docente nas
escolas (Thurler & Maulini, 2010).
Ao longo da história da pedagogia, especialmente a partir do mo-
vimento da Escola Nova, a aspiração da relevância do conhecimento es-
colar tem-se evidenciado através do aparecimento cíclico de movimentos
e experiências que deram lugar a uma diversidade de propostas pedagó-
gicas inovadoras, traduzidas em diversos termos, tais como: “centros de
interesse”, “metodologia de projeto”, “ensino por tópicos”, “temas de
vida”, “globalização”, “temas transversais”, “competências-chave” “com-
petências de vida”, “situações-problema”. Todos estes conceitos, apesar
de assentarem em fundamentos psicopedagógicos e curriculares diferen-
ciados, estão associados à preocupação de promover o que neste texto
desig­namos como “integração curricular”.
Os referidos movimentos coincidem também em situar o aluno
– considerado como um todo global, nas suas dimensões cognitiva, afe-

31
Para uma revisão sobre os fundamentos destes modelos, ver Alonso (2002a,
2002b).

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58 Investigação para um Currículum Relevante

tiva, social e psicomotora – no centro do processo de aprendizagem,


outor­gando-lhe um papel ativo na relação com o saber e na construção
do conhecimento e colocando as disciplinas e as suas relações, enquanto
instrumentos concetuais e metodológicos de conhecimento do mundo, ao
serviço desta construção. Coincidem ainda na afirmação da necessidade
de relacionar os conhecimentos escolares com a experiência vital do alu-
no e os seus contextos e esquemas de conhecimento. As diferenças entre
esses movimentos encontram-se na maior ou menor incidência que atri-
buem à construção individual ou partilhada do saber, ao papel dos contex-
tos e do professor, à função das disciplinas e à maior ou menor conexão
entre elas, às idades em que se deve aplicar, e, portanto, às metodologias
específicas para sua concretização (Pozuelos & Rodriguez, 2008), o que,
por vezes, pode gerar “hibridismo” e “ambiguidade” (Lopes, 2008) na
forma de entender a integração curricular e de orientar as propostas para
a ação.
Para Zabala (1999), a integração curricular sustenta-se em dois prin-
cípios: a) o objeto de estudo do ensino é a compreensão da realidade para
intervir nela e transformá-la; e b) a complexidade é inerente à compre-
ensão e intervenção transformadora da realidade. Com base na discussão
destes princípios, o autor organiza as metodologias globalizadas, próprias
da organização integrada do currículo, em quatro tipos de abordagem:
os centros de interesse, o método de projetos, a investigação do meio e
o método de projetos de trabalho global. Outros autores, como Lacueva
(2008), apresentam diferentes possibilidades e níveis de integração curri-
cular: os temas ou núcleos integrados; o ensino por problemas; o ensino
por projectos; os ateliês ou clubes inter-anos; os projetos comunitários.
No projeto CPCIC-EB, que assenta em perspetivas curriculares que
foram sendo construídas ao longo de diferentes projetos, com especial re-
levo para o PROCUR32, optámos por aproveitar muitas das propostas e
experiências destes movimentos e metodologias em torno do constructo
de Projeto Curricular Integrado, concretizado na realização de Ativida­
des Integradoras desenvolvidas com uma Metodologia de Investigação de
Problemas. Pretendemos também superar os reducionismos ou as dicoto-

32
Para mais informação sobre o modelo curricular elaborado no âmbito do projeto
PROCUR, que se articula à volta dos conceitos-chave de Projeto Curricular Integrado
e Atividades Integradoras, pode-se consultar: Alonso (1999, 2002b, 2004c); Alonso,
Magalhães, Portela e Lourenço (2002); Silva (2011).

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 59

mias de algumas destas abordagens, tentando equilibrar as necessidades


e interesses dos alunos com as necessidades sociais e as diretrizes curri-
culares, através de processos de negociação construtiva e interativa entre
alunos, professores e contexto natural, social e cultural, pondo em prática
a ideia de um “currículo negociado”.
Por outro lado, considerando que a inovação curricular contida na
ideia de integração, para se traduzir em mudanças efetivas nas escolas,
necessita de um envolvimento das comunidades educativas, o projeto
atendeu também aos processos e às estratégias mais adequadas para que a
escola possa oferecer condições para o desenvolvimento e gestão integra-
da do currículo (Candeias, 2007; Dinis, 2011; Roldão, 2003b), o que re-
mete necessariamente para uma atenção especial aos projetos curriculares
de escola e de turma e aos diferentes dispositivos de articulação vertical e
horizontal que facilitam a sua concretização na prática.
Assim, o projeto CPCIC-EB organizou-se em torno de duas ques-
tões centrais de investigação:
1. Como é que se pode tornar o currículo da educação básica integrado e
relevante de forma a oferecer a todos os alunos, na sua diversidade, as me-
lhores oportunidades em termos de experiências de aprendizagem significa-
tivas, que garantam o seu sucesso educativo.
2. Quais as potencialidades da organização do projeto e dos diferentes con-
textos e práticas em que se desenvolve, com uma abordagem de comunidade
de aprendizagem, de modo a criar uma cultura de projeto (Alonso, 2004d)
que permita melhorar simultaneamente os processos de desenvolvimento
curricular e de desenvolvimento profissional dos professores e dos investiga-
dores, na construção de conhecimento sobre a integração curricular.
Para este efeito, propugna-se a constituição de “comunidades de
conhe­cimento” (De Vries & Pieters, 2007) que reúnam investigadores
académicos e práticos à volta de problemas críticos, capazes de estimu-
lar a criação nas escolas de “comunidades profissionais de aprendizagem”
(Escudero, 2010; Stoll & Louis, 2007), de forma a encontrar respostas vá-
lidas e inovadoras através de processos de investigação-ação colaborativa.
Esta metodologia foi adotada neste projeto como a mais adequada, por se
considerar que é um meio poderoso de potenciar a partilha de valores e a
procura de formas comuns de pensar e agir, capazes de produzir conheci-
mento substantivo e relevante, para a transformação das conceções, das
práticas e dos contextos sociais (Campbell & Groundwater-Smith, 2011;
Day, Elliott, Somekh & Winter, 2002; Elliott, 2001; Kemmis, 1993; Latorre,
2003; Reason & Bradbury, 2001; Somekh, 2006).

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60 Investigação para um Currículum Relevante

Em termos organizativos, o projeto estruturou-se em quatro comu-


nidades de conhecimento para a investigação curricular, que se desenvol-
veram em diferentes contextos escolares, reunindo investigadores aca-
démicos e práticos à volta de problemas específicos relacionados com a
integração e a relevância curricular. Apresentamos, de seguida, as princi-
pais caraterísticas dessas comunidades.
Comunidade n.º 1. Consistiu num grupo de jovens investigadores-práticos,
estudantes do Mestrado em Integração Curricular e Inovação Educativa e
do Doutoramento em Estudos da Criança, do Instituto de Educação da Uni-
versidade do Minho, organizados em três equipas de investigação colabora-
tiva, apoiados por especialistas. Esta equipa deu um contributo válido para
a formação de professores enquanto investigadores e, simultaneamente,
para a ampliação e aprofundamento do conhecimento sobre a problemática
da integração curricular nas escolas.
Comunidade n.º 2. Foi constituída por professores, alunos e famílias e
acompanhou um percurso de cinco anos de uma turma do ensino básico,
integrada por um conjunto de alunos com dificuldades diversificadas de
aprendizagem. Esta comunidade também envolveu investigadores do Cen-
tro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) do Instituto de Educa-
ção da Universidade do Minho, que trabalharam como facilitadores. Esta
experiência contribuiu para o alargamento da produção de conhecimento so-
bre as potencialidades do Projeto Curricular Integrado em termos de pro-
moção da inclusão, da cidadania e do sucesso educativo destes alunos.
Além disso, favoreceu o desenvolvimento profissional dos professores, ba-
seado na colaboração e na investigação.
Comunidade n.º 3. Consistiu numa equipa de investigação-ação dos Aço-
res (ilhas Terceira e São Miguel), que integrou investigadores do CIEC e
professores do ensino básico de várias escolas. O trabalho desta equipa or-
ganizou-se em torno do já referido projeto ICR/ENCUR, através do qual,
como se discutirá com maior profundidade na próxima secção, se preten-
deu contribuir para o desenvolvimento de práticas reflexivas na seleção e
organização de processos curriculares conducentes a aprendizagens reco-
nhecidas pelos alunos como significativas e relevantes.
Comunidade n.º 4. Integrou uma equipa de investigadores do CIEC e de
diversos agrupamentos de escolas, que pretenderam estudar os modelos de
organização curricular emergentes na Escola a Tempo Inteiro, especialmente
no que se refere às Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), e ao
seu papel no currículo do 1.º ciclo e possíveis articulações com o do 2.º
ciclo do ensino básico.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 61

Nestes subprojetos/comunidades partilhou-se a convicção de que as


escolas e os professores podem assumir uma maior responsabilidade pelo
currículo que oferecem aos alunos, procurando um equilíbrio entre o cur-
rículo nacional e o seu projeto curricular e criando oportunidades, através
da organização de experiências e metodologias inovadoras de aprendi-
zagem, para que todos os alunos possam desenvolver competências es-
senciais para a sua realização pessoal e integração social (Alonso, 2009;
Escamilla, 2008; Roldão, 2008). Tal orientação implica trabalhar com
modelos curriculares flexíveis e integrados que garantam coerência e re-
levância nas atividades que a escola organiza para a inclusão e o sucesso
de todos e cada um dos alunos, na sua diversidade (Roldão, 2003a; Sousa,
2007) e que permitam às instituições educativas “desenhar a coerência es-
colar” (Beltran & San Martin, 2000).
O projeto gerou vários estudos (teses de doutoramento, dissertações
de mestrado e outros), a maior parte dos quais recorreu a metodologias
próximas da investigação-ação colaborativa, evidenciando potenciali-
dades e constrangimentos do desafio de organizar a experiência escolar
com uma visão e estratégia integrada, indo além do modelo hegemónico
convencional – compartimentado, rígido e descontextualizado. Podemos
organizar esses estudos em quatro áreas temáticas relacionadas com a in-
tegração curricular. Segue-se a identificação dessas áreas e dos estudos
mais representativos associados a cada uma delas.
1. A utilização do Modelo de Projeto Curricular Integrado com diferen-
tes finalidades e em âmbitos de desenvolvimento curricular e contextos de
realização diversificados, enquanto instrumento válido e consistente para a
integração curricular e a promoção da inovação educativa: Integração cur­
ricular das TIC no 1.º CEB – colaborar e aprender com as tecnologias;
Desenvolvendo um projeto curricular integrado no jardim de infância – um
processo partilhado de construção de conhecimento; O projeto curricular
integrado na construção de uma escola inclusiva e significativa; Projeto
curricular integrado de escola como gerador de inovação e mudança; O
projeto curricular integrado no jardim de infância – a criança como cons­
trutora do seu conhecimento; O ensino do inglês no 1.º ciclo do ensino bá­
sico – contextos e processos de integração curricular; Projeto curricular
integrado – uma experiência de investigação-ação no contexto de uma turma
de 7.º ano de um percurso curricular alternativo; Fazer-se professor do
1CEB – desenvolvimento curricular e construção do conhecimento profis­
sional; A cidadania como projecto educacional – uma abordagem reflexiva
e reconstrutiva”.

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62 Investigação para um Currículum Relevante

2. A articulação entre os níveis de Educação Pré-escolar, 1.º e 2.º ciclos do


ensino básico, através da criação de comunidades de aprendizagem que im-
plicam o trabalho conjunto dos profissionais destes diferentes níveis, em
torno de projetos e atividades integradoras, que favoreçam as transições e
a continuidade de perspetivas de ensino: Do pensamento às práticas de ar­
ticulação – Educação pré-escolar e 1.º ano do ensino básico; Arti­culação
curricular na educação básica – discursos e práticas dos professores; Criar
pontes – a articulação curricular entre uma IPSS e uma escola básica do
1.º ciclo; Do pré-escolar ao 1.º ciclo do ensino básico – Construindo prá­
ticas de articulação curricular; Construindo transições entre a educação
pré-escolar e o ensino básico – contributos do projeto curricular integrado
numa comunidade de aprendizagem; O papel do coordenador pedagógico
na criação de comunidades de aprendizagem; Amigos críticos – uma estra­
tégia colaborativa de inovação das práticas no jardim de infância.
3. O estudo de novas problemáticas que se colocam com a criação da “es-
cola a tempo inteiro” e a constituição dos “centros escolares”, onde, para-
doxalmente, se tem verificado uma tendência para a compartimentação do
currículo do 1.º ciclo do ensino básico: A gestão organizativa e curricular
na escola a tempo Inteiro – dois estudos de caso; Perceções de diferentes
agentes educativos – professores, alunos e pais – sobre as atividades de
enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico; Continuidade cur­
ricular – perspetivas dos professores do 2.º ciclo sobre as mudanças pro­
porcionadas pelas AEC; A aquisição de competências na língua estrangei­
ra – do 1.º ciclo para o 2.º ciclo; As expressões artísticas no currículo do
1.º ciclo; Projeto curricular de turma e atividades de enriquecimento curri­
cular – que articulação?
4. O estudo dos processos de gestão curricular nas escolas, das formas de
organização do trabalho docente e das suas possibilidades e constrangi-
mentos na integração do currículo: Desenvolvimento curricular integrado
na escola – lógicas de gestão colegial em duas escolas básicas integradas
dos Açores; A gestão curricular em turmas com diferentes anos de esco­
laridade – conceções e práticas pedagógicas dos professores do 1.º ciclo;
A gestão curricular nas escolas do 1.º ciclo de um agrupamento de esco­
las – entre os projetos, os discursos e as práticas; Um olhar praxeológico
sobre a integração curricular na educação pré-escolar; Passo a passo no
interior do projeto – um estudo sobre a inteligência da escola.
Estes são alguns exemplos de trabalhos em desenvolvimento ou já
finalizados no âmbito do projeto CPCIC-EB, cujos resultados necessitam

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 63

agora de uma meta-análise, que nos permita evidenciar as potencialida-


des que estas linhas de investigação proporcionam para o prosseguimento
do repto que ao longo da nossa carreira como docentes e investigadores
sempre nos seduziu, de tornar a aprendizagem mais integrada e relevante
para todos os alunos, o ensino mais exigente, reflexivo e participado para
os profissionais da educação, e as finalidades da educação básica mais co-
erentes e articuladas com uma visão comum (Alonso, 2009; Arànega &
Domènech, 2001). Como afirmam Pozuelos e Rodriguez (2008, p. 23),
referindo-se ao trabalho de projeto, estas perspetivas
significam um desafio exequível que ademais desperta ilusão e compromisso
nos participantes o que não exime de um incremento no tempo de dedica-
ção e não poucas dificuldades. Exige uma planificação cuidada e rigorosa,
elaboração de materiais e recursos alternativos, tempo para o trabalho em
equipa e intercâmbio de informação entre colegas, etc.
Temos consciência das dificuldades deste tipo de projetos de inves-
tigação e intervenção no contexto atual das orientações da política edu-
cativa, mas a memória histórica sugere que em fases menos propícias a
este tipo de abordagens é necessário persistir na articulação da formação
inicial, contínua e especializada dos professores com a investigação cola-
borativa em comunidades de conhecimento e aprendizagem, que possam
sustentar e dar coesão e consistência a propostas curriculares integradas e
inovadoras, que assumam a educação “mais como uma aventura por des-
cobrir do que um modelo que há que reproduzir” (Mérida et al., 2011).

Integração e relevância curricular ao nível do projeto ICR/ENCUR

A comunidade de conhecimento e aprendizagem que se dedicou ao


projeto ICR/ENCUR foi-se construindo progressivamente a partir do diá­
logo entre alguns professores de escolas básicas açorianas e alguns pro-
fessores da Universidade dos Açores. A preocupação dos primeiros “com
o desinteresse manifestado por determinados alunos em relação à escola
e ao currículo” e o interesse dos últimos em “estudar questões de rele-
vância curricular” foram as motivações principais desse diálogo (Sousa,
2010, p. 32). Curiosamente, estas motivações têm algumas semelhanças
com aquelas que, na década de 60 do século XX, impeliram John Elliott
a dedicar-se à investigação-ação educacional – uma dedicação tão forte
que o levou a tornar-se um dos principais concetualizadores da investi-

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64 Investigação para um Currículum Relevante

gação-ação a nível mundial. Enquanto professor de uma escola secundá-


ria inglesa frequentada por muitos alunos sem expectativa de sucesso nos
exames, Elliott preocupou-se com o desinteresse revelado por esses alu-
nos em relação ao currículo e notou que esse desinteresse era particular-
mente acentuado em relação às disciplinas da área das humanidades, “que
os alunos e os seus pais consideravam pouco relevantes para o mundo do
trabalho” (Elliott, 1991, p. 4). Embora os alunos dos membros da equipa
ICR/ENCUR fossem mais jovens e, portanto, mais distantes do mundo do
trabalho, o desinteresse manifestado por alguns deles também foi, logo
de início, relacionado com questões relativas à relevância do que ia sendo
ensinado. Assim emergiu a hipótese de que esses alunos não se interessa-
vam pelo currículo por não reconhecerem a relevância do mesmo para a
sua vida extraescolar.
Ao tomar a decisão de trabalhar prioritariamente sobre esta hipó-
tese, a equipa comprometeu-se com o estudo da relevância do currículo
na perspetiva dos alunos, não esquecendo que a relevância curricular é
um fenómeno mais amplo e complexo, que pode ser abordado a partir de
vários ângulos (Roldão, 2010), incluindo aquele que enfatiza a ideia de
relevância social. Enquanto “corpo de aprendizagens socialmente reco-
nhecidas como necessárias” (Roldão, 1999, p. 34), o currículo resulta do
reconhecimento, por parte da sociedade, da relevância de determinadas
aprendizagens, sendo esse reconhecimento traduzido em decisões sobre o
que ensinar, assumidas por várias entidades no seio do sistema educa­tivo.
O facto de os estudantes não serem habitualmente reconhecidos como de-
cisores curriculares não impede a discussão da suas perspetivas sobre a
relevância do currículo. Neste sentido, a equipa ICR/ENCUR orientou-se,
desde o início, para a compreensão das perspetivas dos alunos abrangidos
pelo projeto sobre o currículo, no pressuposto de que um currículo rele-
vante “tem de levar ao desenvolvimento, por parte do aluno, de um esque-
ma concetual que lhe permita usar o que aprendeu para compreender de-
terminado aspeto da realidade, ajudando-o a compreender-se a si próprio
e ao mundo à sua volta” (Esteve, 2000, p. 9).
Os membros da equipa assumiram, desde o início, um compromisso
para com uma conceção de investigação amplamente aceite nos meios
profissionais e académicos: entendemos a investigação como “o processo
através do qual se chega a soluções credíveis através da recolha, aná­
lise e interpretação de dados, de forma planeada e sistemática” (Mouly,
1978, p. 12). À luz desta conceção, investigação-ação não é sinónimo

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 65

de reflexão (Lüdke & Cruz, 2005). Por isso, sem desprezar a importân-
cia da reflexão para o enriquecimento da própria investigação, a equipa
empenhou-se fortemente na criação de dispositivos válidos de recolha de
dados, na análise rigorosa desses dados e na elaboração de interpretações
credíveis, que pudessem sustentar a tomada de decisões orientadas para
a resolução dos problemas identificados – neste caso, orientadas para a
conceção e implementação de estratégias de ensino promotoras do reco-
nhecimento da relevância do currículo por parte dos alunos. A carateri-
zação, de forma sistemática e rigorosa, do problema de partida, isto é, do
desin­teresse manifestado por determinados alunos em relação à escola e
ao currículo, foi sustentada, em grande parte, numa ficha de observação
de episódios ocorridos nas aulas. Este instrumento foi sendo construído
progressivamente pela equipa, até à consolidação de uma versão final,
ante­cedida de várias versões provisórias, que foram sendo testadas em vá-
rias salas de aula e revistas pela equipa.
Face à importância atribuída, desde o início deste processo de inves-
tigação-ação, ao eventual não reconhecimento, por parte de determinados
alunos, da importância do currículo escolar em contextos extraescolares,
tornou-se também necessário analisar dados já existentes nas escolas sobre
determinados aspetos da vida extraescolar dos alunos (e. g., profissões
dos pais, local de residência, atividades de lazer, etc.) e recolher mais al-
guns dados, através de entrevistas aos alunos. Esses dados foram reunidos
em fichas de caraterização dos alunos, cuja estrutura foi concebida pela
equipa.
A recolha de dados simples de caraterização dos alunos era um ob-
jetivo secundário das entrevistas acima referidas, que foram predomi-
nantemente orientadas para a auscultação dos entrevistados acerca da
importância que reconheciam ao currículo, sobretudo em contextos extra-
escolares, e serviram também para questioná-los acerca do seu aparente
desinteresse em relação às atividades letivas. A condução das entrevistas
foi orientada por um guião, que foi sendo progressivamente construído
pela equipa. O ciclo de investigação-ação incluía duas rondas de entre-
vistas, sendo uma realizada na parte inicial e outra na parte final do ano
letivo.
Para tentar obter dados sobre razões justificativas do referido desin­
teresse, os professores que conduziram as entrevistas confrontaram os
entrevistados com alguns dos dados recolhidos por observação direta
das aulas. Neste sentido, questionaram os alunos acerca das razões pelas

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66 Investigação para um Currículum Relevante

quais tinham, em determinadas aulas, praticado determinados comporta-


mentos que sugeriam alheamento em relação às atividades letivas em curso.
Em vários casos, os professores-investigadores sentiram dificuldade
em lidar com o facto de os entrevistados tenderem a verbalizar pouco o
seu pensamento. Para ultrapassar essa dificuldade, a equipa foi introdu-
zindo, a pouco e pouco, algumas variações na forma de entrevistar, basea­
das em sugestões veiculadas por literatura especializada em investigação
com crianças (e. g., Coates, 2004; Capello, 2005). Neste sentido, foram
realizadas algumas entrevistas de grupo e nalgumas entrevistas indivi­
duais começou-se a solicitar aos entrevistados que comentassem desenhos
ou fotografias.
Na maior parte dos casos, verificou-se que, no contexto da primeira
ronda de entrevistas, os alunos raramente reconheciam a relevância do
que estavam a aprender na escola para a sua vida extraescolar (Sousa &
Silva, 2009; Sousa & Machado, 2010; Sousa & Leal, 2011). Quando essa
questão lhes era colocada explicitamente, as respostas tendiam a desviar-
-se para referências a usos do conhecimento adquirido na escola forte-
mente associados à própria escola, especialmente a realização de traba-
lhos de casa. Além disso, as raras referências à mobilização, em contexto
não escolar, da aprendizagem escolar tendiam a ser projetadas no futuro
e não a situar-se no presente. A referência à necessidade de conclusão da
escolaridade obrigatória para efeitos de acesso à carta de condução é o
exemplo mais representativo desta tendência.
A análise e a interpretação dos dados acima referidos serviram de
base à conceção de estratégias de ensino através das quais se tentou ate-
nuar o problema inicialmente identificado. Por outras palavras, os mem-
bros da equipa foram integrando nas suas estratégias de ensino elementos
de ligação entre os conteúdos curriculares e determinados aspetos da vida
extraescolar dos alunos cuja caraterização foi sustentada pelas etapas an-
teriores do processo de investigação-ação. Verificando-se, por exemplo,
que determinada profissão era exercida por um número elevado de pais de
alunos, eram consideradas as seguintes questões: “qual a relação entre as
caraterísticas desta profissão, que constitui um elemento significativo da
experiência de vários alunos da turma, e determinados conteúdos progra-
máticos que serão abordados em breve?”; “como abordar esses conteúdos
de modo a evidenciar a relevância dos mesmos no contexto dessa pro-
fissão?”. Inversamente, esse tipo de questionamento era por vezes feito
a partir dos conteúdos: “qual a relação entre os conteúdos programáticos

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 67

que serão abordados em breve e as experiências dos alunos que têm sido
reveladas, em parte, pelos dados recolhidos e analisados?”.
Muitas decisões sobre as estratégias de ensino a desenvolver foram,
portanto, tomadas em função (1) de um processo sistemático de recolha,
análise e interpretação de dados e (2) da preocupação em promover aquilo
que Beane (2002) designa por integração das experiências, ou seja, da
preocupação em enquadrar as novas experiências de aprendizagem dos
alunos nos seus “esquemas de significação” e em mobilizar as suas ex-
periências passadas na abordagem a novos problemas (Beane, 2002,
p. 16). Nalguns contextos específicos, as estratégias de ensino desen-
volvidas também promoveram outra importante dimensão da integração
curricular: a integração do conhecimento, uma abordagem que “dilui as
fronteiras entre áreas disciplinares” (Beane, 1995, p. 8). Essa diluição foi
conseguida durante grande parte do tempo de implementação de algumas
estratégias adotadas por professores do 1.º ciclo do ensino básico e des-
critas mais adiante nesta obra, em texto da autoria dos próprios. Nos ou-
tros ciclos do ensino básico as lógicas de organização do trabalho docente
predominantes tornam a integração do conhecimento mais difícil. Mesmo
assim, algumas práticas desenvolvidas por professores dos 2.º e 3.º ciclos
do ensino básico, também descritas mais adiante nesta obra, evidenciam
a preocupação desses docentes em situar os conhecimentos disciplinares
que promovem em contextos de maior transversalidade na utilização do
conhecimento, tais como promoção da literacia científica e o uso da lín-
gua portuguesa como ferramenta de comunicação em situações diversas.
Todos esses esforços de contextualização contribuíram, como evidencia-
ram dados recolhidos através de observação e da segunda ronda de entre-
vistas, para uma maior consciencialização, por parte dos alunos, da rele-
vância do currículo.

Conclusão

Promover a integração curricular não é fácil. É difícil convencer deter­


minados alunos de que o currículo é uma entidade potencialmente valo-
rizadora dos seus projetos pessoais. É mais fácil abordar o currículo de
forma fragmentada e padronizada, independentemente das representações
dos estudantes sobre ele e da sua potencial relação com questões concre-
tas com as quais os estudantes se deparam em diversos contextos, incluindo

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68 Investigação para um Currículum Relevante

a sua vida extraescolar. Mas este último tipo de abordagem comporta um


forte risco de alheamento dos estudantes que, à partida, menos se identifi-
cam com a cultura escolar tradicional.
Assim sendo, o combate a esse risco de alheamento através da pro-
moção de aprendizagens integradoras e reconhecidas pelos alunos como
relevantes não reflete apenas um conjunto coerente de orientações educa-
tivas, investigativas e profissionais assumidas pelos promotores do projeto
ICR/ENCUR em particular e do projecto CPCIC-EB em geral. Represen-
ta também um compromisso para com uma conceção de educação assente
em princípios de equidade e inclusão – princípios particularmente difíceis
de respeitar no atual panorama económico, social e político. De facto, a
grave crise económica que afeta Portugal e outros países europeus no mo-
mento em que o presente texto é produzido favorece o aumento da exclu-
são social em geral e da exclusão escolar em particular. Julgamos que a
promoção da integração curricular pode constituir-se como um contributo
válido para o combate a esse fenómeno de exclusão, na medida em que
tende a enfatizar fatores de identificação do estudante com a escola e o
currículo. Quanto menos o estudante se alhear destas últimas entidades e
mais as encarar como pilares do seu projeto de vida mais o sistema edu-
cativo poderá contribuir para uma sociedade coesa e próspera, sustentada
numa educação de qualidade para todos.

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4.  A investigação-ação como abordagem
ao currículo: Questões metodológicas e éticas

Josélia Fonseca

Introdução
A conceção da escola aprendente, que predomina desde finais do sé-
culo XX, exige ao professores uma postura crítica e reflexiva face ao cur-
rículo, para que este deixe de ser perspetivado como como um compêndio
de objetivos e conteúdos prescritos a cumprir e passe a ser compreendido
como conjunto de linhas orientadoras de um projeto educativo mais vasto
a desenvolver com os alunos.
Assim, o professor, mais do que um transmissor de conhecimento,
deve ser entendido como um investigador que constrói conhecimento, re-
fletindo na e sobre a sua praxis educativa, com o intuito de organizar um
processo de ensino-aprendizagem contextualizado e significativo para os
seus alunos.
Neste texto, refletimos sobre a questão do currículo como projeto de
inovação educacional, sublinhando a necessidade de o professor se cons-
ciencializar deste facto, assumindo-se como um leitor crítico e reflexivo
do currículo. Além disso, discutimos a importância da investigação-ação
neste processo de abordagem curricular e analisamos as implicações éti-
cas deste modelo de investigação.

Currículo como projeto de inovação

É hoje recorrente utilizar-se a expressão “Sociedade de informação”


para caraterizar o contexto social global em que vivemos.
De acordo com Gimeno (2005, p. 40),

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74 Investigação para um Currículum Relevante

a sociedade de informação põe os educadores, administradores, pais e mães


perante um mundo em que ‘informar-se’ adquire novos valores, tem novas
fontes e novas regras. Neste surgem novas formas de nos relacionarmos
com o conhecimento, criam-se novos meios onde se pode aprender e se
aprende, e onde se utilizam com mais profusão os códigos visuais.
A educação, enquanto instituição social que garante o direito à edu-
cação e forma o homem para viver e agir em sociedade, não está fora da
mira das novas finalidades e exigências desta sociedade de informação.
Atualmente, nas escolas, o professor deixou de ser o magister dixit e pas-
sa a concorrer com novas fontes de conhecimento, que têm associadas
novas formas de ser e de estar, que exigem o repensar e a discussão das
finalidades educativas e dos valores que lhes estão subjacentes.
É neste sentido que hoje se fala da aprendizagem ao longo da vida,
consubstanciada no desenvolvimento da autonomia das pessoas, que se
revela na capacidade de aprender a aprender, de agir e comunicar com os
outros, de mobilizar os conhecimentos para a resolução de problemas e
conflitos. Na realidade, o que se pretende é que cada pessoa se torne um
cidadão ativo capaz de veicular informação, de dialogar e reflectir sobre
ela, abrindo-se a possíveis novos significados que esta possa assumir.
Na verdade, este novo conceito de sociedade de informação e o para­
digma de aprendizagem ao longo da vida que lhe está associado exigem
uma conceção de educação que não se restringe à simples apresentação
da cartografia do mundo mas que consiste em fornecer os instrumentos
que permitam analisar e interpretar essa cartografia. De acordo com De-
lors (1996), o processo educativo organiza-se com base em quatro pilares
– aprender a conhecer, a fazer, a viver com os outros e a ser – que exigem
aos professores novas formas de conceber e de se posicionar face ao cur-
rículo, o qual não pode mais ser entendido, como o concebiam as perspe-
tivas tecnicistas, como um guião de objetivos e conteúdos a cumprir ou
um manual de instruções que se segue para montar corretamente as dife-
rentes peças da formação de cada aluno.
O currículo não pode ser considerado como uma cartografia de for-
mação espartilhada, em que cada disciplina se constitui como um bloco
hermético de conhecimentos científicos específicos a transmitir aos alu-
nos. Este tipo de perspetiva curricular não favorece o desenvolvimento da
pessoa como cidadão ativo, autónomo, responsável, crítico e reflexivo, capaz
de resolver os problemas e os desafios da sociedade globalizada.
A formação deste cidadão exige que o currículo seja concebido na
linha do que preconizam as teorias críticas (Kemmis, 1993; Apple, 1999;

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 75

Giroux, 1986, 2000), como um processo de formação que promove a li-


bertação e a emancipação, no sentido em que Freire (2004) concebe a
educação problematizadora. Isto é, como um processo educativo que não
se limita à transmissão de conteúdos, mas é entendido como um meio de
promover a compreensão desses conteúdos e de favorecer o desenvolvi-
mento da capacidade crítica e reflexiva dos alunos.
De acordo com a abordagem crítica do currículo, a sociedade é uma
realidade em permanente processo de mutação e reconstrução, cabendo
ao processo educativo a preparação dos alunos para intervir reflexivamente
na realidade social. De acordo com Kemmis (1993, p. 113), o currículo
deve promover a análise dos “processos mediante os quais se formam a
nossa sociedade e os nossos pontos de vista sobre ela”. Nesta perspetiva
curricular concebe-se, portanto, a educação como um processo praxeoló-
gico de mediação entre o conhecimento da realidade, a tomada de cons-
ciência de que esta realidade se encontra em permanente mutação e o de-
senvolvimento de competências dos alunos que potencie a compreensão
dessa mesma realidade e promova a sua reconstrução. Assim sendo, pro-
fessores e alunos são intervenientes ativos no processo educativo e este
deverá ser contextualizado nas necessidades e interesses dos alunos.
Os professores devem, portanto, conceber o currículo como “uma
hipótese educativa que convida a uma resposta crítica de quem o coloca
em prática” (McKernan, 1999, pp. 24-25).
A adoção do currículo sob o ponto de vista crítico implica, imprete-
rivelmente, uma nova postura do professor face ao currículo que deverá
afirmar-se como um profissional investigador e reflexivo,
que assume a prática educativa como um espaço de indagação, que questio-
na as estratégias adoptadas, que regula o processo de aprendizagem [e que
concebe] (…) o currículo como um projecto de investigação onde o profes-
sor é e deve ser o investigador principal. (Latorre, 2004, p. 13)
Entenda-se o professor como investigador na linha do que defende
Stenhouse (1991): aquele que assume o compromisso de questionar, de
forma sistemática, a sua prática, as teorias e os valores que as enformam.
O “professor investigador” é um profissional emancipado, isto é, um
educador que acede ao conhecimento e o constrói através da autonomia
intelectual. No quadro desse profissionalismo, a reflexão sobre os contex-
tos de intervenção, e a adequação do currículo a esses mesmos contextos,
parecem assumir um lugar de destaque. Na realidade, o professor inves-
tigador é o profissional reflexivo (Schön, 1983; Zeichner, 1993; Alarcão,

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76 Investigação para um Currículum Relevante

1996, 2001) que recusa trabalhar sob o signo do dogmatismo curricular,


ou seja, que não aceita o currículo nacionalmente prescrito como um con-
junto inquestionável de princípios a seguir.
Para o desenvolvimento desta nova postura do professor face ao cur-
rículo poderá contribuir o processo de investigação-ação.

A investigação-ação

No vasto conjunto de definições de investigação-acção apresentado


pelos especialistas em metodologias qualitativas de investigação educa-
cional (Esteves, 1986; Carr & Kemmis, 1988 e 2010; Elliot, 1990 e 1996;
Stenhouse, 1991; Bodgan & Biklen, 1994; Sandín, 2003; Carr, 2006; Má-
ximo, 2008; Nofke & Somekh, 2010) é possível identificar traços comuns
que tornam legítima a afirmação de que a investigação-ação consiste num
processo de investigação que promove a reflexão crítica sobre a acção
educativa, com o intuito de promover a inovação e a melhoria dessa ação.
Trata-se, portanto, de um processo de investigação contextualizado, isto é,
que parte da análise da realidade educativa, das suas necessidades e pro-
blemas, numa tentativa de lhes responder.
Nesta linha de pensamento, entendemos que Sandín (2003) faz uma
boa síntese das diferentes conceções de investigação-ação educacional
quando elenca os seus sete traços-chave, que passamos a caraterizar de
forma breve.
– Implica a transformação e a melhoria da realidade educativa. Mais do
que se preocupar com a acumulação do conhecimento, a investigação-acção
pretende promover a melhoria da prática educativa;
– Parte da prática ou de problemas práticos. Trata-se de uma investigação
que é construída em e desde a realidade situacional, educativa e práticas
das pessoas implicadas nos problemas ou dificuldades que as afetam. Tem
como objetivo partir da visão contextual de quem vive o problema para
promover a mudança.
– É uma investigação colaborativa. A investigação-ação não se pode desen-
volver de forma isolada; implica sempre a negociação de cursos de ação.
Ao longo do processo de investigação verifica-se a criação de comunidades
de reflexão autocríticas, que estudam o problema a investigar, promovem a
emancipação dos indivíduos implicados nelas e, consequentemente, a ino-
vação.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 77

– Implica uma reflexão sistemática sobre a ação. A investigação-ação inte-


gra conhecimento e ação, tornando a prática educativa objeto de investiga-
ção. Conhecer e atuar fazem parte do mesmo processo exploratório. Neste
tipo de investigação articula-se a atividade reflexiva e a ação transforma­
dora, a inovação e a investigação.
– Realiza-se pelas pessoas implicadas na prática. Permite superar o binó-
mio “teoria/ prática”, “educador/ investigador”. Na investigação-ação, teo-
ria e prática entram em diálogo.
– O elemento formativo é essencial e fundamental no processo de investi­
gação. A investigação, a ação e a formação são três vértices essenciais de
um mesmo triângulo. A formação é uma componente essencial que acom-
panha os processos de inovação e de reflexão.
– O processo de investigação-ação caracteriza-se por uma espiral de mu­
dança. É um processo de investigação que se desenvolve por ciclos, seguindo
cada um deles quatro fases: planificação, ação, observação e reflexão.
Atendendo ao conjunto de características-chave elencadas por San-
dín, afigura-se-nos afirmar que a investigação-ação é mais do que um
simples e tradicional método de investigação e de construção de conheci-
mento. Enquanto processo que promove um ciclo de planificação – ação
– observação – reflexão contextualizada sobre a prática educativa, a inves-
tigação-ação estabelece o diálogo entre três dimensões essenciais a ter em
conta na promoção da inovação educacional: o desenvolvimento curricu-
lar, profissional e organizacional (Alonso, 2000).
No contexto de investigação-ação, os professores analisam, discutem
e refletem sobre as suas teorias, práticas, valores e dilemas educativos, na
procura de soluções que potenciem a criação de designs e espaços curri-
culares promotores da melhoria educacional e da reconstrução da escola
como organização educativa.
Na conjuntura sociocultural e epistemológica atual, a escola deixa
de ser perspetivada como uma organização que se dedica exclusiva­mente
à promoção da aprendizagem dos alunos, constituindo-se como uma
instituição aprendente, na qual toda a comunidade educativa investiga e
aprende. Neste sentido, a escola aprendente é um contexto interativo e
tensional onde se entrecruzam a experiência vivida dos alunos com o seu
desenvolvimento intelectual e social e com a cultura académica escolar.
O professor tem a responsabilidade de promover o diálogo aberto e fle-
xível entre todas estas dimensões, pelo que tem o dever de percecionar a
escola como um lugar para a construção curricular.

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78 Investigação para um Currículum Relevante

Para o desenvolvimento deste processo construtivo deverá contribuir


um diálogo entre a teoria e a prática, enraizado numa dimensão investiga-
tiva no sentido que a investigação-ação promove. Não obstante reconhe-
cermos que no processo de ensino e aprendizagem é essencial que exista
uma relação intrínseca e dialéctica entre a teoria e a prática do professor,
a verdade é que muitas vezes se assiste a uma separação entre estes dois
domínios. Como refere Elliot (1996, p. 63),
[é] frequente que os professores se sintam ameaçados pela ‘teoria’. (…)
Para os professores a teoria não é mais do que poder de exercício mediante
o domínio de um corpo especializado de técnicas. (…) Para os professo-
res o constructo da ‘teoria’ tem duas componentes principais. Em primeiro
lugar, supõe o afastamento dos seus conhecimentos e experiência profis­
sionais. Em segundo lugar, representa uma ameaça ao seu conhecimento e
categoria profissional procedente da comunidade universitária.
Assim, a investigação-ação educacional, enquanto processo colabo-
rativo que se desenvolve pela participação de investigadores universitá-
rios e professores em comunidades críticas e estimula a reflexão sobre as
suas próprias práticas, possibilita aos professores a compreensão de que
essa reflexão só é possível mediante um quadro teórico e que este se com­
plexifica e desenvolve com os contributos que a prática educativa lhes
fornece. Na verdade, os professores, através da investigação-ação, desco-
brem o sentido da relação intrinsecamente dialética entre teoria e prática.
Ao refletirem sobre as suas práticas e sobre as teorias que as enfor-
mam, os professores estão, indubitavelmente, a analisar o modo como
promovem o desenvolvimento curricular, no sentido em que têm que res-
ponder às seguintes questões: o que ensinar? A quem? Para quê? Porquê?
Como? Quando? Onde?
A resposta a estas questões, através da investigação-ação, conduz o
professor ao desenvolvimento de um processo metareflexivo sobre a di-
mensão axiológica da praxis educativa, tornando-o mais comprometido e
responsável por esta. Este compromisso e responsabilidade expressam-se
na promoção de um processo educacional que valoriza o
desenvolvimento das capacidades intelectuais dos estudantes em relação
aos conteúdos curriculares [e] manifesta qualidades como ‘abertura perante
as questões, ideias e formas’, ‘compromisso e respeito pelo diálogo aberto
e livre’ (…), ‘preocupação pela promoção de um pensamento independente’
e ‘interesse pela matéria. (Elliot, 1996, pp. 67-68)
A investigação-ação favorece o desenvolvimento das competências
interpretativas, críticas e reflexivas dos professores, capacitando-os para a

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 79

criação de espaços pedagógicos onde o processo de ensino-aprendizagem


dos alunos seja contextualizado, integrador, integrado e significativo.
Segundo Marcelo (1994, p. 51), “o currículo possui uma intenção
de intervenção, melhoria e transformação. (…) Compete ao professor re-
alizar o currículo adoptando, transformando, reinventando e inovando a
proposta central”, de onde se deprende que a investigação-ação contribui
para que o professor promova a inovação curricular. Alonso (2004, p. 73),
referindo-se à sua experiência de investigação-ação desenvolvida no con-
texto do projeto PROCUR, atesta que a participação dos professores nos
trabalhos colaborativos os capacitou para “serem construtores críticos do
currículo”.
Neste processo inovador não são só beneficiadas as escolas e os alu-
nos, pela transformação e reinterpretação da matriz curricular nacional de
acordo com as necessidades do contexto escolar específico, mas também
os próprios professores, que evoluem profissionalmente. Através da refle-
xão na e sobre as suas práticas, os professores constroem conhecimento e,
consequentemente, são desafiados a deliberar ativamente nos processos de
ensino e a ponderar as suas responsabilidades nessa tomada de decisões.
Assim, é lícito afirmar-se que a investigação-ação promove o desen-
volvimento profissional docente, na medida em que permite ao professor
desenvolver competências interpretativas e críticas que lhe possibilitam
não só construir conhecimento científico-pedagógico mas também refle-
tir sobre o seu papel e as suas responsabilidades no processo educativo.
Na verdade, a investigação-ação promove o desenvolvimento profissional
docente nas três áreas de competência referidas por Alonso e Silva (2005,
pp. 52-53), “competências curriculares e pedagógicas, competências de
investigação e reflexão, competências e atitudes pessoais e relacionais”, no
sentido em que favorece a compreensão, a investigação e participação de
diversos intervenientes na comunidade educativa e a colaboração entre to-
dos eles, numa relação de abertura, ética e deontologicamente sustentada.
Em síntese, é possível afirmar que a investigação-ação, mais do que
uma metodologia de investigação, é uma “ciência educativa crítica” (Carr
& Kemmis, 1988) que promove o desenvolvimento curricular na sua glo-
balidade, no sentido em que, ao contribuir para que o professor faça a
investigação, a avaliação e a reflexão da sua prática, está a favorecer a
inovação do processo de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento pro-
fissional desse mesmo professor. Todos estes fatores – a investigação e
a reflexão na e sobre as teorias e práticas profissionais, a melhoria das

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80 Investigação para um Currículum Relevante

práticas, a construção do conhecimento e o desenvolvimento profissional


– constituem o cerne do desenvolvimento curricular.

Implicações éticas da investigação-ação

A utilização desta metodologia de investigação traz para a educação


dois tipos de implicações éticas: as questões éticas próprias de um processo
de investigação de cariz qualitativo e o desenvolvimento de uma ética da
responsabilidade no processo educativo.
A investigação-ação, como referimos anteriormente, desenvolve-se
através de um processo colaborativo. Todo o conhecimento que é produ-
zido é construído num processo de interação e colaboração permanente,
que pode envolver investigador externo e professores investigadores.
A título de exemplo, referimos o trabalho de investigação-ação A Cida­
dania como Projeto educacional: uma abordagem, reflexiva e reconstru­
tiva (Fonseca, 2011), cujo objetivo consistia em compreender o sentido e
o lugar da educação para a cidadania no currículo da escola atual. Neste
projeto de investigação participaram dez professores, de dois conselhos
de turma do 3.º ciclo do Ensino Básico, de todas as áreas curriculares.
Com este grupo de professores formámos uma comunidade reflexiva de
aprendizagem, no seio da qual se analisou, discutiu, refletiu e metarefle-
tiu a realidade educativa para a cidadania naquele contexto específico e
se delineou planos de ação, promovendo-se a (re)concetualização do co-
nhecimento, a inovação e a mudança das práticas educativas de todos os
intervenientes na comunidade de aprendizagem.
Enquanto promotora de reflexão na e sobre a prática, a investigação-
-ação “envolve uma confrontação de inconsistências dentro e entre os
valores essenciais, as teorias perfilhadas e as teorias em uso existentes,
o que nem sempre se apresenta como uma situação confrontável” (Day,
2001, p. 75). O conforto deste processo de confrontação depende de uma
boa relação de abertura, empatia entre todos os membros das comunida-
des investigadoras (investigador externo e professores investigadores),
para que todos possam trabalhar colaborativamente e desenvolver a aná­
lise, o pensamento crítico, reflexivo e metareflexivo sobre a realidade
educativa em estudo.
Na verdade, afigura-se-nos afirmar que a investigação-acção, pelos
processos de colaboração e confrontação que lhe estão intrinsecamente

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 81

associados, suscita questões éticas relacionadas com a confidencialidade,


o respeito pelas pessoas e a relação de confiança.
É importante que no início da investigação seja estabelecido entre os
investigadores um “pacto de confiança” (Máximo, 2008), em que todos
se comprometem a manter entre si uma relação de abertura e de crédito
sob a égide do princípio da confidencialidade. O pacto de confiança que
se deve estabelecer entre os investigadores é, na realidade, uma espécie
de código ético deontológico da investigação, no qual deve constar uma
exposição clara e rigorosa dos objetivos, o plano de atividades do projeto
investigativo, a função de cada um dos membros da comunidade de inves-
tigação, seus direitos e seus deveres.
Este código ético deontológico pode ser explicado e acordado oral-
mente ou pode ser estabelecido mediante a assinatura de um protocolo
no início do processo de investigação. Em qualquer um dos casos, trata-
-se de um procedimento fundamental para a investigação, na medida em
que os participantes ficam informados de todo o percurso investigativo a
ser desenvolvido, dos princípios éticos que serão utilizados e, portanto,
ao aceitarem participar na investigação, fazem-no em consciência e com
liberdade.
Assim, podemos afirmar que pela assinatura do protocolo de inves-
tigação se está a salvaguardar os princípios éticos do consentimento in-
formado (Lima, 2006), da liberdade e do empowerment, segundo os quais
todos os participantes devem, desde o início, ter conhecimento do proces-
so investigativo, para que possam participar nele. Assim como devem ser
permanentemente informados ao longo do processo de recolha de dados,
para que se sintam verdadeiramente comprometidos/envolvidos no pro­
jeto investigativo e possam exercer o direito de tomar decisões esclareci-
das. Só neste processo dialógico se pode solidificar uma relação de aber-
tura e confiança, propícia à construção do conhecimento e à promoção da
inovação e mudança das teorias, práticas e do contexto a que toda investi-
gação-ação colaborativa se propõe.
A consolidação desta relação de abertura e confiança não se concre-
tiza apenas pelo estabelecimento e assinatura de um protocolo de investi-
gação, mas também pela adoção de uma conduta ética deontologicamente
correta de todos os participantes na mesma. Quando se constitui uma
comu­nidade de aprendizagem reflexiva crítica, os investigadores univer-
sitários têm que ter consciência de que a esta constituição pré-existe uma
cultura profissional (valores e princípios) individual e coletiva dos profes-

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82 Investigação para um Currículum Relevante

sores, que fundamenta a sua práxis educativa e que deve ser comunitaria-
mente analisada, partilhada, e respeitada.
Como referimos inicialmente, a investigação-acção colaborativa
pressupõe, na sua essência, implicações éticas que não se restringem às
questões deontológicas típicas de todo e qualquer processo investigativo.
A investigação-ação colaborativa promove o desenvolvimento de uma ética
da responsabilidade no processo educativo. Entenda-se, neste contexto, a
ética da responsabilidade no sentido em que Hans Jonas (1995) a aborda,
como o “poder” (não violento) de resposta, poder que a pessoa tem de
agir no presente para acautelar o futuro. Nesta obra, Jonas elege a respon-
sabilidade como o paradigma ético para fazer frente ao desenfreado poder
tecnológico da sociedade do século XX e para garantir que o homem agirá
no presente para que no futuro “a humanidade seja”.
Aplicando esta conceção de responsabilidade jonassiana no contexto
educativo, defendemos que, na sociedade global em que vivemos, é im-
perativo que os professores reconheçam o seu “poder” de ação face às
necessidades e vulnerabilidades dos seus alunos, contribuindo para que
estes “sejam no futuro”. É necessário que os professores reconheçam a
sua responsabilidade no processo educativo, não apenas no sentido clás-
sico do “dever” de promover o processo de ensino-aprendizagem, mas do
“poder” de desenvolver este processo, colocando a pessoa (no sentido ético
do termo) como o centro da educação. Colocar a pessoa que é o aluno
no centro do processo educativo é concebê-lo como um ser intersubjetivo
que necessita desenvolver gradualmente a sua autonomia, a sua responsa-
bilidade e a sua capacidade de intervenção consciente e crítica na realidade
para a transformar.
A participação dos professores na investigação-ação colaborativa
permite-lhes o desenvolvimento de uma ética da responsabilidade, na me-
dida em que eles se envolvem num processo de análise e desconstrução
da práxis educativa que
gera (…) a capacitação responsável e [traz] práticas mais justas. (…) a
investigação-ação cria as condições e a cultura necessárias para dispor de
ferramentas para a transformação de contextos. Observa-se uma mudança
no modo de se aproximar às questões (…) na forma de pensar e expressar
as suas vivências (…) repercutindo nas respostas uma visão de educação
como processo de busca, libertação e responsabilidade. (Sepúlveda, Calde-
rón, Ruiz e Beltrán, 2008, p. 107)
A investigação-ação, ao potenciar a metareflexão dos professores
sobre as suas teorias e práticas, e sobre os valores que as enformam, pos-

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 83

sibilita-lhes a construção de um conhecimento praxeológico consubstan-


ciado numa dimensão ética. A este propósito, Alonso (1998, p. 628), ao
apresentar as potencialidades da investigação-ação no âmbito do projeto
PROCUR, refere que a “metodologia de investigação-ação colaborati-
va permitiu aos professores construir conhecimento profissional a partir
da prática, encontrando um sentido teórico e ético para ela, com base na
ação reflexiva”.
Na realidade, toda a dinâmica que se vive ao longo do processo inves­
tigativo contribui para que os professores tomem progressivamente cons-
ciência da complexidade da sua responsabilidade educativa, se tornem
profissionais cada vez mais autónomos e emancipados, capazes de agir
deliberadamente. Na linha do que já referimos noutro trabalho (Fonseca,
2011, p. 217), entendemos que a investigação-ação, ao inspirar-se na teo-
ria crítica e no interesse emancipatório, de Habermas, assume um caráter
eminentemente ético, uma vez que desenvolve uma racionalidade “dia-
lética que procura compreender quais as condicionantes objetivas e sub-
jetivas que limitam a ação e como é possível mudar essas condicionan-
tes.” Este modelo de investigação cria condições para que os professores
promovam uma praxis educativa consubstanciada numa phronesis, isto é,
numa “sabedoria prática, que é superior à teorização abstrata, na medida
em que se constrói no diálogo reflexivo entre a teoria e a prática e no co-
nhecimento dos princípios éticos que devem estar presentes nos contextos
educativos” (Fonseca, 2011, p. 217).
A participação dos professores em projetos de investigação-ação
permite-lhes, para além da consciencialização, a conscientização de uma
ética da responsabilidade na sua prática educativa. No decurso da inves-
tigação-ação os professores desenvolvem competências que transcendem
a reflexão sobre a sua responsabilidade no domínio educativo e que se
situam na elaboração de planos concretos de ação para a sua concreti-
zação no contexto formativo. A este propósito podemos relatar a nossa
experiência no trabalho de investigação-ação A Cidadania como Projeto
educacional: uma abordagem, reflexiva e reconstrutiva (Fonseca, 2011),
no decurso do qual os professores participantes não só refletiram sobre as
teorias e os valores que orientam as suas práticas de cidadania, como tam-
bém foram reafirmando o seu compromisso pedagógico, ao promoverem
um processo educativo para a cidadania intencional e integrado, poten-
ciador de situações concretas de ensino-aprendizagem que facilitassem o
desenvolvimento dos alunos como cidadãos ativos e responsáveis.

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84 Investigação para um Currículum Relevante

Para além disso, o facto de a investigação-ação ser colaborativa im­


plica a participação e reflexão de todos os intervenientes no processo edu-
cativo, permitindo também aos alunos um envolvimento ativo no seu
percurso de aprendizagem. Assim sendo, a investigação-ação favorece o
desenvolvimento de um processo educativo dialógico, em que professores
e alunos discutem, refletem e decidem sobre a formação e em que todos
se responsabilizam por ela.
Na verdade, é lícito constatar que a investigação-ação, ao promo-
ver o diálogo entre todos os intervenientes no processo educativo esco-
lar – professores com professores, professores com alunos e alunos com
alunos –, e destes com os investigadores académicos, cria condições para
que a escola seja uma instituição cidadã e para que no futuro os alunos
saibam intervir e negociar ativamente na sua sociedade.

Conclusão

Num tempo em que tanto se fala de crise mundial, não apenas no se-
tor económico mas também no domínio social e axiológico, parece que
uma vez mais é imperativo que a educação seja uma resposta convincente
aos desafios da atual sociedade globalizada. Neste sentido, a investigação-
-ação colaborativa, entendida como “ciência educativa crítica” (Carr &
Kemmis, 1988) que favorece a reflexão crítica dos docentes sobre as suas
teorias e práticas, promove a inovação curricular e o desenvolvimento pro-
fissional dos professores, afirma-se como uma resposta pertinente à neces-
sidade de a escola se assumir como uma instituição aprendente e promover
um processo de aprendizagem contextualizado e significativo, potenciador
do desenvolvimento do aluno enquanto cidadão ativo e crítico.

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ICR-001-198.indd 86 02-04-2013 16:27:34


5. Uma perspetiva romena
sobre questões curriculares

Ioan Neacsu
Ileana Rusenescu

Preâmbulo e conceitos-chave

O presente texto aborda questões relativas à concetualização do cur-


rículo no contexto dos debates que têm ocorrido na Roménia, com des-
taque para a recente evolução de um discurso baseado numa abordagem
por objetivos para um discurso centrado no conceito de competência.
Os autores partem do pressuposto de que a concetualização do currículo
em geral tem um impacto forte na atividade diária dos professores, que
estão numa posição privilegiada para promover a relevância do currículo
através da provisão de situações de aprendizagem motivantes.
A literatura romena especializada em educação e os documentos de
política educativa convergem na ideia de que, na maior parte dos casos, as
reformas do ensino não superior, especialmente as que abrangem a esco-
laridade obrigatória, têm uma natureza predominantemente curricular.
De forma mais ou menos explícita, a abordagem emergente tem-se
afirmado como uma “viragem, passo a passo, para um modelo de exce-
lência dinâmico e realista, totalmente adaptado às atuais e futuras trans-
formações da sociedade do conhecimento, aberto à infusão de novas solu-
ções e com capacidade de autorregulação” (Buniasu, 2011, p. 125).
A inclusão da teoria e da prática do currículo no leque de objetos de
estudo considerados merecedores de investigação sistemática é um fenó-
meno relativamente tardio na Roménia, comparativamente à Didática e às
Ciências da Educação em geral, pelo que os quadros de referência gera-
dos pela reconcetualização dos Estudos Curriculares (Pinar et al., 1995)

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88 Investigação para um Currículum Relevante

ainda constituem novidade. Os esforços mais sistemáticos que têm sido


desenvolvidos até ao momento têm sido orientados predominantemente
para a adaptação do modelo de Tyler (1949).
É difícil caraterizar a evolução do conceito de currículo. As obras
de referência conduzem-nos – por vezes de forma simples, por vezes de
forma sinuosa – a algumas distinções operacionais. Considerando as fina-
lidades do presente texto, salientamos três conceções, correspondentes a
três estádios na evolução do conceito:
a) Tradicional – currículo significa programa oficial de estudo, orga­
nizado e enquadrado em contextos institucionais de educação for-
mal;
b) Moderna – currículo significa um projeto educativo que combina
as disciplinas escolares com as experiências de aprendizagem, dire­
tas e indiretas, do estudante;
c) Pós-moderna – o currículo adquire o estatuto de conceito eclé-
tico e sintético, que abrange objetivos, conteúdos, experiências e
estratégias de aprendizagem e organização da avaliação (Cristea,
1998).
Esta caraterização revela uma polissemia que abrange uma varie­
dade de factos, fenómenos, ações e processos, componentes das quais
destacamos as seguintes: objetivos, conteúdos, relações, experiências de
aprendizagem, normas, projetos, planos.
Os curriculistas romenos salientam os esforços de compreensão de
natureza epistemológica, pedagógica e hermenêutica que estiveram na
base do nascimento e da consolidação da teoria curricular, com Bobbitt
(1918), Tyler (1949), Schwab (1969), entre outros. A teoria curricular tem-
-se afirmado na Roménia através do importante contributo de vários auto-
res, incluindo Cristea (1998), Negret (2008), Neacsu, Negret & Mano­lescu
(2011), entre outros. Estes contributos para a área convergem na aceitação
de um modelo pentagonal de currículo escolar (Paun & Potolea, 2002),
representado na figura 1. No essencial, as cinco variáveis consideradas
neste modelo são: objetivos, conteúdos, estratégias de ensino e de apren-
dizagem, estratégias de avaliação e tempo de aprendizagem.

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Manolescu (2011), entre outros. Estes contributos para a área convergem na aceitação
de um modelo pentagonal de currículo escolar (Paun & Potolea, 2002), representado na
figura 1. No essencial, as cinco variáveis consideradas neste modelo são: objetivos,
conteúdos, estratégias de ensino e de aprendizagem, estratégias de avaliação e tempo de
Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 89
aprendizagem.

Figura 1: O modelo pentagonal de currículo (Paun & Potolea, 2002)

Reconhecendo a presença
Figura 1: O modelo de três processos
pentagonal básicos
de currículo –&
(Paun desenvolvi-
Potolea, 2002)
mento, implementação e avaliação –, os especialistas romenos enqua-
dram-nos numa perspetiva sistemática e funcional, representada pela fi­
gura 2 (Potolea & Negret, 2008, p. 151).
Reconhecendo a presença de três processos básicos – desenvolvimento,
implementação e avaliação –, os especialistas romenos enquadram-nos numa perspetiva
INVESTIGAÇÃO
sistemática eI funcional, representada
DESIGN pela figura 2 (Potolea AVALIAÇÃO
IMPLEMENTAÇÃO & Negret, 2008, p. 151).
Fatores Funções da
Princípios, facilitadores ou avaliação; 74
normas e inibidores da Tipos de
TEORIA
modelos de implementação de avaliação;
E
design estratégias de Modelos de
METODOLOGIA
curricular inovação avaliação;
II
curricular Critérios de
avaliação;
Meta-avaliação

Avaliação multilateral
Controlo de do projeto curricular
qualidade na - resultados
PRÁTICA Elaboração de
implementação - processo
PROFISSIONAL novos projetos;
de projetos; - projeto
III Melhoria dos Otimização da
currículos já implementação
existentes Decisões curriculares
de projetos - continuidade
- melhoria
- generalização
- suspensão

Figura 2: Processos curriculares – uma abordagem tridimensional


Figura 2: Processos(Potolea
curriculares – uma
& Negret, abordagem tridimensional
2008)
(Potolea & Negret, 2008)

A construção do currículo escolar – uma questão em aberto


Duas etapas de análise são necessárias em relação a este assunto.
a) Uma análise sistémica em duas dimensões – coerência vertical e
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coerência horizontal; 02-04-2013 16:27:34
90 Investigação para um Currículum Relevante

A construção do currículo escolar – uma questão em aberto

Duas etapas de análise são necessárias em relação a este assunto.


a) Uma análise sistémica em duas dimensões – coerência vertical e
coerência horizontal;
b) Uma análise funcional, baseada na classificação de objetos de
estudo e das relações entre os mesmos.
A política curricular tem sido balizada por duas coordenadas, defini-
das por especialistas e por decisores:
1) Princípios teóricos de construção curricular;
2) Critérios metodológicos para o planeamento educativo.
Assim emergiram princípios para a construção do currículo escolar,
cuja explicitação pode ser resumida num único princípio: o da seleção,
organização e hierarquização cultural, que, na prática, resulta nas discipli-
nas escolares estabelecidas, organizadas de forma complexa em agrupa-
mentos designados por áreas curriculares.
Há ainda a considerar três eixos constitutivos e operacionais para a
organização curricular nas escolas romenas.
Eixo 1 – Diferenciação versus integração.
Foi feita uma opção, designada por campos cognitivos integrados.
Como consequência desta opção, foi estabelecido um currículo
orientado para sete áreas curriculares:
– Linguagem e comunicação;
– Matemática e ciências;
– O homem e a sociedade;
– Arte;
– Tecnologia;
– Educação física e desporto;
– Orientação vocacional e carreira.
Eixo 2 – Formação geral versus especialização.
Este eixo salienta a importância da manutenção de um equilíbrio
entre, por um lado, valores fundamentais relativos ao mundo natural
e social, traduzidos no desenvolvimento e organização de conteúdos
de caráter geral e humanístico e, por outro lado, uma lógica de espe­
cialização, associada à tecnologia. Retoma ideias discutidas num
céle­bre ensaio de Charles Percy Snow, intitulado As duas culturas
e a revolução científica, que foi elaborado com a finalidade de des-
pertar consciências em relação ao que Bertrand Russell designou por
divórcio entre a ciência e a cultura.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 91

Eixo 3 – Obrigatoriedade versus escolha.


Este eixo salienta a importância da compreensão da racionalidade
subjacente ao peso atribuído às disciplinas de frequência obrigatória
e às de frequência facultativa.
Os decisores romenos têm apostado claramente num reforço da
componente optativa do currículo, a partir de uma base comum de
disciplinas de frequência obrigatória, à luz dos seguintes princípios:
• O princípio da igualdade de oportunidades, fundamentado no di-
reito de cada beneficiário do sistema educativo em valorizar ao
máximo o seu potencial;
• O princípio da flexibilidade e da individualização, que emerge de
uma mudança gradual, que diminui a ênfase na ideia de educação
para todos e aumenta a ênfase na ideia de educação individuali­
zada, centrada no aluno;
• O princípio do compromisso social, baseado na oferta de alternati-
vas viáveis, entre as quais é possível transitar.
Com base nestes princípios, os curriculistas romenos têm influen­
ciado o design e o desenvolvimento do currículo. Através da figura
3, procuramos representar o modelo de desenvolvimento curricular
em que assenta esse empreendimento.

Questões curriculares controversas

A reforma curricular iniciada em 1998/99 foi posteriormente sujeita


a sucessivas alterações, que não geraram melhorias significativas no apro-
veitamento escolar dos estudantes. Por outro lado, à semelhança de ou-
tras mudanças em educação, introduziu uma certa anomia no sistema.
Em 2006 houve uma tentativa de mudança curricular significativa, atra-
vés da transição de um currículo focado em objetivos para um currí­culo
centrado em competências. Infelizmente, as competências propostas não
foram harmonizadas com as competências-chave recomendadas pelo Parla-
mento Europeu. Só em 2009/2010 foi assumido um compromisso claro de
alinhamento com a Recomendação do Parlamento Europeu e do Conse-
lho Europeu de 18 de dezembro de 2006 sobre competências-chave para
a aprendizagem ao longo da vida. De acordo com essa Recomendação,
cada Estado-membro deve garantir a cada cidadão o domínio de compe-
tências-chave que lhe permitam adaptar-se flexivelmente a um mundo em

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92 Investigação para um Currículum Relevante

Política educativa

Perfis de formação
Objetivos gerais do
sistema educativo
Seleção de domínios de estudo;
Objetivos, por nível e Elaboração da primeira versão dos currículos
tipo de formação para o grupo-alvo;
Definição de objetivos gerais por disciplina.

Definição da versão final dos currículos por


ciclo de formação;
Objetivos finais, por ciclo Seleção pormenorizada de conteúdos por
de formação disciplina;
Definição de sequências de conteúdos
Definição de estratégias de ensino e de métodos
e critérios de avaliação.

Definição de sequências curriculares por ano


escolar;
Objetivos, por ano escolar Definição de experiências de aprendizagem;
Identificação de aprendizagens esperadas e
definição de critérios de avaliação;
Elaboração de materiais didáticos
(incluindo manuais escolares e guias para
professores).

Seleção de conteúdos e atividades por unidade


Objetivos, por unidade de de ensino;
ensino Definição de critérios de avaliação por unidade
de ensino;
Elaboração de pequenas sequências didácticas.

Implementação e avaliação dos currículos;


Revisão e consolidação.

Figura 3: O processo de design e elaboração do currículo

mudança cada Figura


vez 3: O processo
mais de design
acelerada e elaboração
e abrangente. do currículo
Neste sentido, a referida
Recomendação explicitou oito competências interdependentes e baseadas
em capacidades, atitudes e valores.
Questões
Com basecurriculares controversas
na identificação dos aspetos mais funcionais e disfun-
cionais A reforma curricular
das recentes iniciada em
reformas, 1998/99
tem havido foi posteriormente
uma busca desujeita a sucessivas
soluções para
alterações, que não geraram melhorias significativas no aproveitamento escolar por
a melhoria dos resultados escolares no sistema educativo, tomando dos
refe­r ência a ideia de um processo educativo baseado nas já referidas
estudantes. Por outro lado, à semelhança de outras mudanças em educação, introduziu
com-
petências-chave, enumeradas mais adiante.
uma certa anomia no sistema. Em 2006 houve uma tentativa de mudança curricular
significativa, através da transição de um currículo focado em objetivos para um

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 93

Na avaliação da funcionalidade do sistema educativo considera-


-se, em primeiro lugar, a análise das relações entre as várias componen-
tes desse mesmo sistema à luz de princípios de equilíbrio, eficácia e efi­
ciência. Para compreender até que ponto estes princípios são respeitados,
é necessário estudar as relações entre as componentes principais do sis­
tema: currículo, competências, motivação, desempenho estudantil e ins-
titucional. Tal empreendimento exige uma clara delimitação do quadro
epistemológico e axiológico, além de uma abordagem metodológica ra-
cional.
O sistema educativo romeno é um pilar fundamental de uma socie-
dade democrática, integrada na União Europeia e visivelmente implicada
num processo de globalização económica, informativa, científica e educa-
tiva. Enquanto subsistema desta macroestrutura cultural e sociopolítica, o
sis­tema educativo romeno interage com os subsistemas vizinhos em função
da sua missão – definida pela Constituição e pela legislação em vigor –,
que consiste em assegurar a transformação da população romena num re-
curso humano altamente competitivo ao serviço do progresso da sociedade
ro­mena no contexto da União Europeia e no plano global.
Em relação à análise da dimensão estrutural do sistema, destacamos
o seguinte:
a. O currículo, em sentido lato, considerando sobretudo a missão, as
finalidades, as metas, os objetivos, as tarefas, o modelo de desen-
volvimento curricular, as competências visadas, os níveis de de-
sempenho desejados, os conteúdos, as experiências de aprendiza-
gem, a organização do tempo, as estratégias didáticas, os dados de
input e output, o sistema de avaliação, os padrões de qualidade, a
documentação de planeamento e organização, o feedback, e o valor
acrescentado;
b. A organização do sistema em ciclos de estudo e anos de escolari-
dade;
c. A dimensão funcional, sustentada nas relações entre as compo-
nentes estruturais do processo educativo que ocorre na escola.
Neste sentido, prestamos especial atenção:
i. Ao modelo de ensino, posto em prática através das atividades peda­
gógicas;
ii. À forma como as diferentes componentes curriculares interagem,
visando o cumprimento de missões do sistema, através de ativida-
des de aprendizagem, ocorridas na sala de aula e não só.

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94 Investigação para um Currículum Relevante

O uso do termo currículo, quer no contexto do sistema educativo ro-


meno quer no contexto da investigação em educação no plano internacio-
nal, cobre várias dimensões do fenómeno curricular, das quais passamos a
destacar algumas.
• Desenvolvimento e melhoria do currículo. Nesta dimensão con-
sidera-se a análise científica da construção do sistema educativo,
etapa a etapa, incluindo a sua conceção, organização, implemen-
tação e avaliação. Em 1998/99 o sistema educativo romeno iniciou
uma reforma curricular moderna, baseada num modelo de cinco
estádios: I – diagnóstico e prognóstico; II – desenvolvimento; III –
avaliação; IV – validação; V – implementação.
• Currículo como sistema. Neste caso atende-se sobretudo à coerên-
cia interna do currículo, especialmente na relação entre os seguin-
tes elementos: modelo de cidadão e de sociedade visado, ideais
educativos, objetivos e competências, conteúdos curriculares, ex-
periências de aprendizagem, organização do tempo de aprendiza-
gem, estrutura dos ciclos de estudo, articulação horizontal e verti-
cal, valores de input e output, avaliação, certificação, etc.
• Currículo como processo. Esta dimensão diz respeito à condução
do processo educativo ao longo da escolaridade.
• Currículo como produto. Nesta dimensão considera-se os planos
de estudo, os manuais escolares, os guiões para professores e ou-
tros materiais curriculares.
Noutra perspetiva, nota-se que a literatura romena da especialidade
tem sido dedicada à discussão de várias questões curriculares, incluindo,
por exemplo, os conceitos de currículo formal, informal, e não formal,
mas recentemente tem dedicado especial ênfase à discussão da ideia de
currículo baseado em competências.
Relativamente a este último assunto, é de salientar que o modelo
curricular baseado em objetivos que vigorou no sistema educativo ao longo
da década de 90 do século XX foi alterado em 2006, numa tentativa de
conciliação entre esse mesmo modelo e um modelo baseado em compe-
tências. A metodologia adotada é bastante discutível, sobretudo pelo seu
caráter intuitivo. Só em 2010 houve uma decisão clara a favor da adoção
de um currículo baseado em competências. No entanto, várias questões
permanecem sem resposta definitiva: O que é uma competência? O que é
uma educação baseada em competências? Como se desenvolvem compe­
tências?

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 95

Apesar disso, verifica-se alguma convergência no que respeita à no-


ção de competência. Os especialistas tendem a afirmar que competência é
o que define até que ponto determinada pessoa sabe fazer algo na sequên-
cia de um processo de aprendizagem. As competências integram conheci-
mentos, capacidades, valores e atitudes. Revelam-se em ações concretas e
podem ser avaliadas.
Num estudo recente, intitulado Conceptualizarea competentei –
impli­catii pentru proiectarea, implementarea si evaluarea programelor de
formare (Concetualização das competências – consequências para o desen-
volvimento, implementação e avaliação de programas de formação), dois
autores romenos, D. Potolea e S. Toma (2010), referem-se a um “para­
doxo das competências”, considerando, por um lado, o desenvolvimento
de competências no campo socioprofissional e, por outro lado, a dimensão
estritamente conceptual. Os referidos autores salientam a tendência atual
para a valorização das questões socioprofissionais no contexto de debates
e documentos oficiais, a nível nacional e a nível europeu, sobre qualifica-
ções, padrões de qualidade e programas de formação. Em paralelo a esta
valorização, a concetualização teórica em torno da noção de competência
tem sido marcada por ambiguidades e fragilidades epistemológicas.
O crescente interesse gerado no campo das profissões por questões
relativas às competências resulta, em grande parte, da compatibilidade
destas últimas com as funções típicas desse mesmo campo. Neste sentido,
as competências constituem-se facilmente como referências no desenvol-
vimento e avaliação de programas de formação, na certificação da forma-
ção recebida, na análise de necessidades de formação – nas perspetivas
individual e organizacional – e ainda na definição de critérios de seleção e
promoção de trabalhadores.
Estando o conceito de competência fortemente associado às corren-
tes construtivistas que enfatizam os processos de aprendizagem indivi­
dual, a sua apropriação no campo das profissões tende a favorecer di-
nâmicas de diferenciação do trabalho no seio de determinada atividade
profissional. Ao mesmo tempo, reflete a dinâmica das profissões em geral
e as mudanças ocorridas em determinada área profissional em particular.
A valorização das funções socioprofissionais das competências de-
pende, na perspetiva de Potolea e Toma (2010), da qualidade das respos-
tas às seguintes questões: O que é uma competência? Que componentes
estruturantes possui? Que níveis de análise de uma competência pode­
mos adotar? Pode haver uma taxonomia de competências? Como podem

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96 Investigação para um Currículum Relevante

as competências ser validadas e avaliadas? Há modelos adequados de


formação de uma competência?
Os ideólogos de uma educação baseada em competências geralmente
interessam-se pela problemática dos perfis vocacionais e profissionais. A
definição desses perfis com base em competências tende a ser considera-
da vantajosa, promissora nos seus benefícios práticos e adequada às exi-
gências do mundo laboral, desde que realizada com realismo. No contexto
da educação pública em geral, mais associado à promoção da cultura geral
das crianças e dos jovens, a adoção de currículos baseados em compe-
tências tende a ser menos aceite. Recorde-se, a este propósito, que geral-
mente os sistemas educativos orientem-se primeiro para a promoção da
cultura geral e só depois para especializações vocacionais e profissionais.
Em 2006, como já referimos, o Parlamento Europeu e o Conselho
Europeu emitiam o documento Competências-chave para a aprendiza­
gem ao longo da vida – Quadro europeu de referência, através do qual
sugerem que os sistemas educativos dos Estados-membros se orientem
para o desenvolvimento das seguintes competências:
• Comunicação na língua materna;
• Comunicação em língua estrangeira;
• Competência matemática e competências básicas de ciência e tecno­
logia;
• Competência digital;
• Aprender a aprender;
• Competência social e cívica;
• Empreendedorismo;
• Expressão cultural.
Neste contexto, o significado atribuído ao conceito de competência
é amplo. Enfatiza-se quer a capacidade de desempenho profissional quer
o conhecimento instrumental, os valores e as atitudes. Consideramos que
o discurso através do qual se tem promovido as referidas competências
tem conotações que extravasam as questões técnicas e assumem uma di-
mensão humanística e filosófica. As competências-chave não são apenas
áreas de conteúdo ou de formação. Podem ser consideradas janelas de
oportunidade para a promoção do conhecimento e para a aprendizagem
ao longo da vida. Estas competências são, por isso, essenciais. Incluem
valores fundamentais, atitudes, conhecimentos e capacidades. Um modelo
pedagógico baseado em competências-chave requer uma análise axioló­
gica, epistemológica e praxeológica.

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Capítulo I – Concetualizando e investigando a relevância curricular 97

A consolidação de um currículo baseado em competências depende


de um processo de ensino que garanta o desenvolvimento sustentado des-
sas mesmas competências. Consideramos, por isso, que é necessário cla-
rificar os passos fundamentais desse processo de desenvolvimento. Neste
sentido, propomos um itinerário com quatro estádios:
• Estádio I – iniciação em competências básicas;
• Estádio II – competências intermédias;
• Estádio III – competências de nível superior;
• Estádio IV – competências especializadas.
O modelo curricular atualmente em vigor na Roménia é compatível
com esta proposta, prevendo o desenvolvimento de competências que po-
dem ser descritas a partir de várias dimensões:
a) Dimensão cognitiva – conhecimento, compreensão, uso de lin-
guagens específicas, interpretação e explicação;
b) Dimensão funcional – implementação, transferência, resolução de
problemas, reflexão crítica e construtiva, inovação;
c) Responsabilidade e autonomia;
d) Desenvolvimento pessoal e profissional.
As principais reformas curriculares recentemente implementadas
no sistema educativo romeno são promissoras em termos de personaliza-
ção do processo educativo e de eficiência do mesmo na garantia de uma
melhor inserção social e profissional dos seus beneficiários, quer a nível
local quer a nível global.

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98 Investigação para um Currículum Relevante

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Capítulo II
Projeto ICR/ENCUR: Contributos
da investigação para a melhoria das práticas

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1. Promovendo a relevância do currículo
no 1.º ciclo do ensino básico

Odília Machado
Francisco Valadão
Mónica Monteiro
Vera Lourenço

Introdução

O presente texto decorre da participação de quatro docentes do 1.º


ciclo do ensino básico no projeto de investigação-acção colaborativa ICR/
/ENCUR. Movidos por uma preocupação em comum – desinteresse ma-
nifestado por alguns alunos em relação à escola e/ou ao currículo, estes
docen­tes abraçam o referido projeto enquanto oportunidade de inves-
timento na promoção da qualidade das suas práticas pedagógicas e dos
resul­tados escolares dos alunos, decorrente da incorporação de uma di-
mensão investigativa na sua prática profissional.
A participação dos docentes implicados no projeto ICR/ENCUR
passou pela rentabilização das potencialidades associadas ao conhecimen-
to prático do professor, a “reflexão na acção” e a “reflexão sobre a acção”
(Schön, 1997), que se apresentam como um imperativo à reorganização
de um trabalho docente que se pretende promotor da relevância curricu-
lar e da significatividade da aprendizagem, pela adequação dos processos
educativos ao público escolar.
É neste contexto que se enquadram as ações de inovação (story­
telling, desenvolvimento de um modelo de trabalho sociocêntrico e tra-
balho de projeto) levadas a cabo pelos quatro autores do presente texto,
professores do 1.º ciclo que integraram a equipa de docentes do ensino
básico do projeto ICR/ENCUR – ações cuja eficácia se foi tornando cada

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102 Investigação para um Currículum Relevante

vez mais expressiva. Como tal, as mesmas são apresentadas e descritas ao


longo do texto.

Estratégias promotoras da relevância curricular

As estratégias definidas e experimentadas, no âmbito da participação


no projeto ICR/ENCUR, inspiram-se nos dados recolhidos a partir da me-
todologia de investigação preconizada: (1) observação de manifestações
de desinteresse de alguns alunos em relação à escola e/ou a uma determi-
nada área disciplinar; (2) entrevistas aos mesmos alunos; (3) dados que
constam nos processos individuais referentes ao percurso escolar, contex-
to sociofamiliar, interesses e ocupações extra-escolares.
A seleção das estratégias advém da reflexividade associada ao poder
docente no que se refere à tomada de decisões no âmbito da ação edu-
cativa contextualizada ao nível de sala de aula, sobressaindo uma lógica
de análise e transformação da ação sustentada na valorização do conhe-
cimento científico em prol da função docente – ensinar fazendo aprender
(Roldão, 1999) – visando a promoção da relevância curricular.
No contexto real de operacionalização do currículo formal, o tra-
balho de reorganização docente desenvolvido pelos professores do 1.º
ciclo envolvidos no projeto ICR/ENCUR reporta-se à experimentação
e monitorização contínua das três abordagens que abaixo descrevemos:
storytelling, estratégias enquadradas num modelo de trabalho sociocên-
trico e trabalho de projeto. As referidas abordagens foram implementadas
no contexto das salas de aula das turmas T1, T2, T3 e T4 pelos respetivos
docentes titulares (doravante referidos como P1, P2, P3 e P4) e, como tal,
dirigidas aos grupos-turma em que se integram os alunos selecionados, de
idades compreendidas entre os 6 e os 10 anos.

Storytelling: uma ponte entre a integração e a relevância curriculares

Na T1 o uso da narrativa, enquanto estratégia de ensino, apresentou-


-se inicialmente como uma resposta alternativa à prática docente preconi-
zada, nos primeiros anos de escolaridade, em torno da aprendizagem da
língua – Português –, a partir da elaboração e implementação do projeto
pedagógico intitulado “Histórias com e para as crianças”. Hoje estende-

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 103

-se às restantes áreas curriculares e procura afirmar-se como uma estra-


tégia de integração curricular, denominada storytelling, que se pretende
desenraizada de práticas docentes e materiais de trabalho sustentados nos
pressupostos da organização “clássica” do currículo por alargamento pro-
gressivo, atendendo ao seu caráter limitativo no que se reporta ao entendi-
mento das capacidades cognitivas das crianças (Roldão, 1995a).
Platão (cit. por Roldão, 1995b) já se referia ao valor educativo das
histórias, perspetiva desconsiderada no currículo escolar, que se reflete
no uso que é dado à narrativa – instrumento de aprendizagem de cará-
ter lúdico e ocasional (Roldão, 1995b). Com o projeto “Histórias com e
para as crianças”, a prática pedagógica desenvolvida por P1, em torno da
criação de narrativas e de materiais de apoio à sua exploração, vem con-
trariar a perspetiva redutora a que tem sido sujeito o uso da narrativa no
contexto escolar de sala de aula, ocorrendo como uma prática regular e
substanciando-se como um ponto de partida à abordagem de conteúdos
curriculares.
Capitalizando o interesse manifestado pelos alunos em relação à
narração de histórias, esta estratégia didática ocorre em duas fases de im-
plementação. Em primeiro lugar, proceder-se-á à consideração dos aspe-
tos particulares inerentes a cada uma das fases, seguindo-se a abordagem
dos aspetos comuns às duas fases.
A primeira fase corresponde ao ano letivo de 2009/2010. Sustenta-
-se numa ação educativa delineada no sentido da promoção do reconhe-
cimento da relevância do currículo em relação à aprendizagem formal
da língua, apresentando-se, como tal, mais focalizada na aprendizagem
dos conteúdos específicos da área curricular de Português, embora tam-
bém tenha passado pela incorporação de conteúdos específicos da área de
Estudo do Meio, com destaque para aqueles que se relacionam com as
orientações regionais dos Açores para a operacionalização do currículo
nacional (Decreto Legislativo Regional n.º 15/2001/A, de 4 de agosto).
Nesta fase, a prioridade da ação direcionou-se na linha do preconi-
zado por Baker e Wigfield (1999), reportando-se à valorização da moti-
vação enquanto impulso à aprendizagem da língua a partir da exploração
do poten­cial interativo que as histórias encerram em si. Sobressai a pers-
petiva educativa do ensino da leitura e da escrita recomendada por Egan
(1994), que reivindica o prazer e o encantamento como aspetos que se de-
vem sobrepor à ênfase dada ao domínio das técnicas implicadas nos pro-
cessos de leitura e escrita.

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104 Investigação para um Currículum Relevante

A segunda fase corresponde ao ano letivo 2010/2011 e decorre dos


resultados obtidos no ano letivo anterior: (1) acréscimo do reconhecimen-
to da relevância atribuída à aprendizagem da leitura e da escrita; (2) me-
lhoria dos resultados escolares dos alunos envolvidos no estudo, aspeto
que se relaciona com a reconhecida eficácia associada à validade univer-
sal das histórias.
É neste sentido que P1 equaciona o potencial do formato narrativo
das histórias infantis, no que se refere ao ensino dos conteúdos de qual-
quer área curricular, considerando a proposta de planeamento de aulas ou
de unidades didáticas como se fossem “boas histórias para serem conta-
das” (Egan, 1994, p. 14). Por isso, a segunda fase é marcada pela ren-
tabilização das histórias criadas no sentido da promoção da relevância
atribuída à aprendizagem de conteúdos específicos das diferentes áreas do
currículo pelos quais os alunos revelam desinteresse, constituindo a temá-
tica das narrativas o ponto de partida que serve à organização de nú­cleos
globalizadores dos conteúdos curriculares a ensinar. Tal trabalho passa
pela capitalização quer do modelo de programação apontado por Alonso
(1994), na sua proposta de desenvolvimento curricular para o 1.º ciclo
do ensino básico, quer do modelo de planificação alternativo proposto por
Egan (1994), enquanto complemento ao modelo de planificação tradicional.
Tendo presente o princípio de que as crianças apreendem a realidade
como um todo, através de uma abordagem holística, P1, a partir da estra­
tégia de storytelling, privilegia uma das três dimensões da integração cur-
ricular a que se refere Beane (1997) – a integração do conhecimento –,
não implicando a mesma o descuramento da dimensão de análise inerente
à especificidade curricular das diferentes áreas curriculares que compõem
o currículo escolar do 1.º ciclo, mas antes o reforço da ideia de que a mo-
nodocência não garante por si só uma abordagem integrada dos saberes
(Roldão, 2004).
Passando a considerar os aspetos comuns às duas fases de imple-
mentação, com a estratégia de storytelling aposta-se noutra dimensão de
integração curricular referida pelo autor supracitado – a integração das
experiências. Como tal, as histórias criadas passam pela incorporação de
elementos do conhecimento experiencial dos alunos, considerando que
Ausubel (cit. por Moreira, 2000) realça os conhecimentos prévios dos
alunos como aqueles que mais influenciam os novos conhecimentos.
Pressupondo que as aprendizagens significativas não decorrem neces­
sariamente de uma associação direta ao conhecimento derivado da expe-

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 105

riência efetiva da criança, a lógica de invenção, escolha e tomada de de-


cisão inerente à criação das histórias passa também pela integração de
outros círculos que permitam o alargamento das suas experiências, desta-
cando-se a incorporação de elementos do mundo fantástico e imaginário
das crianças, enquadrados nos seus gostos e preferências.
No delineamento da estratégia de integração storytelling transpa-
rece a valorização que é atribuída à atividade imaginativa na aprendiza-
gem pela consideração dos modos de pensamento abstrato da criança,
mais precisamente as capacidades de compreensão a que se refere Egan
(1988), na sua perspetiva recapitucionalista de desenvolvimento educa-
cional, aspeto descurado nas atividades e tarefas propostas em contexto
escolar por influência da teoria de desenvolvimento cognitivo dominante
(Roldão, 1994).
A estratégia construtivista delineada por P1, de matriz vygostkyana,
no sentido de dar resposta à linha orientadora proposta pelo modelo de
planificação alternativo de Egan (1994), implica o investimento na cons-
trução sistemática de materiais de trabalho que se pretendem vinculativos
do conhecimento do currículo e que funcionem como motores de busca
de novos significados, reforçando aquilo a que Gowin se refere como
mais-valia na aprendizagem dos alunos pela “relação triádica entre pro-
fessor, materiais educativos e aprendiz” (cit. por Moreira, 1997, p. 34).
Os materiais construídos (histórias, registos de exploração, entre ou-
tros) apontam para o reconhecimento da importância da cultura oral no
currículo escolar, enquanto abordagem integrada da realidade, sendo já
o reflexo daquilo que reivindica o Novo Programa de Português para o
Ensino Básico (Reis, 2009), espaço e tempo destinados à promoção do
desenvolvimento das competências do modo oral, nos primeiros dois anos
de escolaridade, dado que as mesmas se apresentam como a ponte para as
restantes competências da língua e esta é privilegiadamente o “instrumen-
to de acesso a todos os saberes” (p. 6).
A partir da implementação do projeto “Histórias com e para as
crianças”, descortina-se, na prática educativa, as potencialidades associa-
das ao artefacto cultural que são as histórias, sobressaindo a importância
do professor enquanto mediador do currículo e, como tal, promotor da
rele­vância curricular a partir da assunção do seu papel enquanto criador
da própria relevância no currículo (Roldão, 2010).

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106 Investigação para um Currículum Relevante

Modelo de trabalho sociocêntrico: um percurso no aprofundamento


da relevância curricular

Na T2 o trabalho realizado tomou por referência não só os objetivos


do projeto ICR/ENCUR mas também o modelo de trabalho sociocêntrico
preconizado pelo Movimento da Escola Moderna (MEM), epistemologi-
camente fundamentado na proposta de construção do conhecimento de
Vygotsky (cit. por Moreira, 1997, p. 26), que aponta a interacção social
entre os alunos como “o veículo fundamental para a transmissão dinâmi-
ca (de inter e intrapessoal) do conhecimento construído social, histórica e
culturalmente”.
A estratégia delineada assenta na facilitação de um contexto de tra-
balho que se pretende promotor de intercâmbios e trocas de significados
por meio da interação social (Moreira, 1997), em contextos que extrava-
sam a sala de aula, em prol do reconhecimento da relevância curricular
atribuída pelos alunos a determinados conteúdos curriculares em relação
aos quais revelam desinteresse.
É neste quadro que se afirma o investimento em atividades viradas
para o estudo dos meios local e regional através do envolvimento da co-
munidade educativa, com destaque para as famílias dos alunos, a partir da
realização de visitas de estudo e da participação dos familiares em ativi-
dades realizadas na sala de aula.
As visitas de estudo organizadas, fruto da deliberação docente de
P2, focalizam-se na deslocação dos alunos aos locais de trabalho onde os
pais e outros familiares exercem as suas atividades profissionais e a em-
presas com impacto na economia local e regional, durante as quais foram
recolhidos dados para posterior tratamento. Por sua vez, as participações
dos referidos membros da comunidade educativa ocorreram nos contextos
escolar e extraescolar e referem-se às ditas atividades profissionais e/ou a
atividades ocupacionais relacionadas com trabalhos artísticos e comunitá-
rios, na linha do preconizado por Niza (2007).
Os dados recolhidos nos espaços de partilha de informação visitados
originam pontos de partida para o desenvolvimento de projetos nos quais
a participação passa pelo grupo-turma ou por grupos de trabalho cons-
tituídos (2 a 3 elementos), cujas temáticas se inscrevem nos conteúdos
curriculares previstos no currículo oficial do 1.º ciclo do ensino básico,
nas diferentes áreas curriculares, embora privilegiadamente em Estudo do
Meio, Português e Matemática.

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 107

Tendo presente que os circuitos de comunicação assumem um pa-


pel central na valorização das produções dos alunos, dando-lhes voz e
fa­zendo circular a informação (Niza, 1998), os produtos dos referidos
projetos destinam-se a ser partilhados, como prática regular, através de
comunicações orais e/ou escritas, em diferentes contextos sociais: (1) na
turma em que se desenvolvem; (2) na escola em que se integra o grupo-
-turma; (3) da comunidade local para a global. As comunicações apresen-
tadas em diferentes suportes assumem diversas formas de apresentação
(brochuras, jornal de turma e publicações no sítio da turma na internet).
Associada a esta lógica de partilha das produções dos alunos está a ideia
de que o conhecimento só faz sentido quando é partilhado com os outros.
As atividades desenvolvidas passam pela valorização das experiên-
cias dos alunos e dos conhecimentos por eles adquiridos antes de ace-
derem ao currículo escolar. Tais experiências e conhecimentos prévios
sustentam a busca de novos significados associados aos conteúdos espe­
cíficos a serem estudados, assim se promovendo a relevância cognitiva
(Roldão, 2010). O meio local apresenta-se também como um recurso ao
serviço da promoção da relevância social (Roldão, 2010), sobretudo a
partir do contacto com os contextos sociofamiliares dos alunos. Estes últi-
mos sobressaem no esforço de P2 em tornar explícita a relevância do cur-
rículo junto dos alunos aquando da abordagem dos conteúdos específicos
a ensinar.
Considerando que o esforço de explicação da relevância do currículo
aos alunos não é suficiente, Roldão (2010) salienta que a transformação
das práticas passa sobretudo pela mudança da forma como se ensina, o
que remete forçosamente para o questionamento dos modelos de traba-
lho seguidos pelos professores, que se vêm mantendo desde tempos ime-
moriais, caraterizados pelas ideias pedagógicas de Jean Baptiste La-Salle,
que instituiu o modo simultâneo de ensino, permitindo ensinar muitos
como se fossem um só:
Este sistema de escolarização que se generalizou surpreendentemente nos
últimos séculos, quer quando recuperado por Napoleão para o seu império,
quer consolidando-se pela função iluminista da Instrução Pública Republi-
cana, reside fundamentalmente no enclausuramento da escola; na racio-
nalização magistocêntrica do trabalho do professor; na uniformização dos
métodos e dos meios didácticos; no reforço dos processos de disciplina e
de exclusão pela introdução de provas de exames de selecção, para escolha
dos que podem prosseguir e dos que repetem o mesmo programa ou que
devem abandonar os estudos. (cit. por Niza, 2007, p. 39)

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108 Investigação para um Currículum Relevante

A partir da prática regular de atividades escolares enquadradas no


modelo de trabalho sociocêntrico (visitas de estudo, recolha de informa-
ção, desenvolvimento de projetos e comunicações), P2 promove proces-
sos de aprendizagem que decorrem da experiência pessoal dos alunos,
implicando ativamente o sujeito aprendente no processo de aquisição de
conhecimentos, no qual se evidencia a comunicação como o resultado de
um conhecimento organizado. As aprendizagens ativas, desencadeadas
pelas atividades enunciadas anteriormente, substanciam-se na ação parti-
cipativa dos alunos nos contextos sociais considerados como facilitadores
do reconhecimento da utilidade das aprendizagens escolares. A título de
exemplo, segue-se a descrição de uma atividade específica, desenvolvida
por P2.
Foi realizada uma visita de estudo a uma exploração agrícola per-
tencente aos pais de um dos alunos selecionados. Observaram-se os ani-
mais existentes (cabras, galinhas, coelhos e bezerros recém-nascidos) e
registaram-se dados relativos à alimentação dos animais e às suas dimen-
sões corporais (massa e comprimento). As crianças assistiram também
ao maneio dos animais e à ordenha de uma das cabras. Posteriormente,
a mãe do aluno, proprietária da exploração, deslocou-se à sala de aula e
explicou todo o processo de produção de queijo fresco a partir do leite
de cabra. Recolheram-se ainda novos dados relativos aos preços de venda
dos queijos no mercado local: preço pago ao produtor e preço pago pelos
consumidores finais. A partir da participação nas referidas atividades, os
alunos contactaram com as várias fases associadas ao processo produtivo
de bens de consumo, desde a produção da matéria-prima até ao produto
final, e com a forma de cálculo dos preços de alguns produtos comercia-
lizados na comunidade local. Com os dados recolhidos desencadeou-se
a criação de problemas matemáticos e tornou-se possível a apresentação
de conteúdos curriculares relativos à área do Estudo do Meio, relaciona-
dos com o meio local e regional, que provocaram o desenvolvimento de
projetos de investigação sobre variados temas, incluindo a gravidez nas
vacas. O trabalho desenvolvido foi resumido numa brochura em que se
descreveram as observações realizadas durante a visita e o trabalho apre-
sentado pela mãe do aluno na turma. Este documento foi publicado no sí-
tio da turma na internet e, depois de imprimido, foi incluído na biblioteca
da turma.
A envolvência gerada na T2, em torno das atividades experimenta-
das, tem vindo a espelhar o aumento do interesse suscitado pelo trabalho

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 109

de organização, participação e desenvolvimento inerente a essas mesmas


atividades, traduzindo-se num acréscimo do reconhecimento da relevân-
cia atribuída a determinadas aprendizagens escolares por parte dos alunos
selecionados como merecedores de atenção prioritária no âmbito do pro-
jeto ICR/ENCUR por revelarem desinteresse pela escola e/ou por deter-
minada área curricular.
As atividades desenvolvidas, enquadradas na estratégia delineada de
acordo com um modelo de trabalho sociocêntrico, promoveram o conhe-
cimento progressivo dos contextos sociofamiliares dos alunos, facilitando
uma melhor compreensão das causas associadas ao desinteresse de alguns
alunos da turma perante o trabalho escolar.

Trabalho de projeto: uma metodologia promotora da relevância cur-


ricular

P3 e P4, desde a sua integração na equipa do projeto ICR/ENCUR,


privilegiaram na sua prática pedagógica a experimentação da estratégia
do trabalho de projeto. No ano letivo de 2009/2010 este tipo de trabalho
emergiu, nas suas turmas (T3 e T4), como uma estratégia a desenvolver
de forma programada e regular no sentido da melhoria dos resultados es-
colares dos alunos pela promoção de aprendizagens que se pretendiam
significativas e relevantes, a partir da capitalização do interesse manifes-
tado pelos alunos (em entrevistas, em registos do diário de turma e por
outros meios).
O trabalho de projeto, no contexto das turmas de P3 e P4, apresenta-
-se, deste modo, como uma resposta ao desinteresse manifestado por
alguns alunos em relação à escola e/ou a determinada área curricular,
enquadrando-se numa das exigências decorrentes da heterogeneidade de
alunos presente nas escolas – a diferenciação pedagógica e curricular.
Como tal, a experimentação da metodologia de trabalho de projeto
na T3 e na T4 decorre da necessidade da tão reclamada diferenciação
pedagógica e curricular, pois esta “constrói-se pelo desenvolvimento da
capacidade de perceber o potencial curricular das experiências de todos
os alunos, encontrando nela, como recomenda Dewey (1997), motivos de
mobilização do currículo formal” (Sousa, 2006, p. 45).
Além disso, decorre também da valorização das potencialidades ine-
rentes a esta estratégia, podendo as mesmas ser enumeradas assim: “no

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110 Investigação para um Currículum Relevante

projecto pergunta-se, investiga-se, exterioriza-se, partilha-se, duvida-se,


faz-se, realiza-se, avalia-se, decide-se, produz-se, constrói-se” (Cortesão,
Leite & Pacheco, 2002, p. 36). Aqui sobressai a importância de se atribuir
aos alunos o papel de intervenientes ativos no que se reporta à construção
dos saberes, o que aponta necessariamente para a pertinência da promo-
ção de aprendizagens ativas em situações educativas que apostam na di-
versificação de contextos e que mobilizam o processo de descoberta da
informação na aprendizagem.
Assim, P3 e P4 definiram um esquema organizativo das diferentes
etapas inerentes ao trabalho de projeto como uma linha orientadora da
ação educativa desencadeada. O esquema organizativo delineado por P3 e
P4 corresponde às seguintes etapas: (1) seleção de temas; (2) formação de
grupos de trabalho; (3) organização, realização do trabalho; (4) comuni-
cação/divulgação do trabalho.
No que se reporta à primeira etapa – seleção de temas –, P3 e P4
seguiram uma estratégia de instrução que aponta para a promoção da rele­
vância dos conteúdos a partir da apresentação, por parte do professor,
de opções aos alunos (Erlauer, 2005), sendo essas opções alinhadas com
conteúdos curriculares específicos. A escolha dos temas foi feita pelos
alunos com base nos seus interesses e preferências. Com P4 a seleção de
temas também decorreu da formulação de perguntas de partida suscitadas
a partir de dúvidas geradas em situações de aprendizagem que iam decor-
rendo do trabalho diário da turma.
A segunda etapa – formação de grupos de trabalho – decorreu das
escolhas realizadas pelos alunos em relação à sua participação num de-
terminado projeto temático. Os alunos agrupavam-se de acordo com as
temáticas selecionadas, podendo ocorrer projetos diferentes em simultâ-
neo na sala de aula ou um único projeto, sobre o qual os diferentes grupos
incidiam o seu estudo em aspetos particulares (subtemas) respeitantes a
um todo (tema).
Com a valorização do trabalho de grupo, enquanto rotina instaurada
em torno da realização de trabalhos de projeto na vida das turmas impli-
cadas, sobressai a tentativa de promoção de condições facilitadoras ao de-
senvolvimento de relações positivas entre os alunos e entre os alunos e o
professor, em torno da aquisição de novos conhecimentos pelos processos
de cooperação, reflexão e avaliação (Leite, Gomes & Fernandes, 2001).
No entanto, é de salientar que no contexto da T4 foi dada a oportunidade
aos alunos de também participarem na realização de trabalhos de pro­jeto

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 111

a título individual, considerando que estes últimos também podem ser


motivadores e suscitadores de conhecimentos válidos, sobretudo quando
os interesses de determinados alunos se afastam dos privilegiados pelos
pares.
Na terceira etapa – organização e realização do trabalho – ocorreu a
incorporação de alguns dos contributos dados por Erlauer (1995), no que
se refere ao delineamento de estratégias organizativas para o trabalho de
projeto, mais especificamente a partir dos gráficos SQA – Saber, Querer
Saber, Aprendido. Adotando essas ideias no contexto de uma folha de re-
gisto criada, P3 propôs aos alunos que a organização do conhecimento
em relação à temática em estudo se fizesse a partir das seguintes ques-
tões: a) “O que já sabemos?”; b) “O que queremos saber?”. Esta forma
de organização do trabalho pressupõe que a aprendizagem significativa se
carateriza “pela interacção entre o novo conhecimento e o conhecimento
prévio” (Moreira, 2000, p. 34). O preenchimento do registo da referida
folha apresentou-se como o ponto de partida para as fases seguintes: pes-
quisa e seleção de informação, escolha do modo de apresentação da in-
formação, tratamento da informação. Ao longo destas três fases, a ação
de orientação do professor define-se como “duplamente vital para que os
projectos sejam bem sucedidos” (Pereira, 2002, p.171), ainda mais se há
real pretensão de que se criem contextos facilitadores da capacidade de
autonomia dos alunos, constituindo o trabalho de projeto um dos mais
prometedores.
No que respeita à quarta etapa – comunicação/divulgação do traba-
lho –, com P3 foi colocado um enfoque nos circuitos de comunicação,
dado que a partilha dos projetos, apresentados em formatos e suportes di-
versificados (livro, cartaz, power point...), não ocorreu apenas no contex-
to da turma, alargando-se ao contexto da escola. Por sua vez, P4 definiu
três fases para esta etapa: apresentação dos novos conhecimentos, debate,
aplicação de novos conhecimentos.
Decorrente da rotina criada, pela experimentação organizada da es-
tratégia de trabalho de projeto, poder-se-á dizer que o esforço desenvol-
vido por P3 e P4, no sentido da reunião de fatores favoráveis ao bom fun-
cionamento da estratégia delineada, tendo presente a influência favorável
que os contextos afetivo, cognitivo, social (Castro & Ricardo, 1993) exer-
cem sobre o desenvolvimento da aprendizagem, reflete-se nos seguintes
resultados: (1) acréscimo da motivação dos alunos para participação nos
trabalhos de projeto; (2) acréscimo da participação dos alunos nas tare-

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112 Investigação para um Currículum Relevante

fas propostas e enquadradas nos trabalhos de projeto; (3) melhoria dos


resultados escolares de alguns alunos, associada à progressiva aquisição
de métodos de estudo.

Reflexões finais

Considerando a reorganização do trabalho docente desenvolvida pe-


los quatro docentes do 1.º ciclo do ensino básico, desde a sua integração
na equipa do projeto ICR/ENCUR, no qual se enquadram as estratégias
acima, tratando-se daquelas que melhor espelham a dimensão de inves-
tigação incorporada nas suas práticas educativas, poder-se-á dizer que a
mais-valia associada à participação destes professores neste projeto de-
corre do processo de crescimento pessoal e profissional impulsionado
pelo mesmo, não se traduzindo, no entanto, de forma igual no percurso
dos quatro docentes implicados.
A introdução de uma dimensão de investigação nas práticas educa-
tivas desencadeadas contribuíu, sobretudo, para que o processo de toma-
da de decisões, no que se refere às estratégias de ensino a desenvolver,
passasse a ocorrer de forma fundamentada, tendo por referência os dados
recolhidos, analisados e interpretados.
Em resultado de algum amadurecimento em torno da metodologia
de investigação usada e de alguma reflexão sobre o regime de monodo-
cência e outras especificidades do 1.º ciclo do ensino básico, os quatro
docentes a que se refere o presente texto têm mantido uma dimensão
inves­tigativa na sua prática pedagógica, após o encerramento do projeto
ICR/ENCUR, e têm considerado a possibilidade de recorrerem a outras
técnicas de recolha de dados. Uma das possibilidades mais discutidas tem
sido a dinamização de debates sobre a relevância do currículo nas suas
turmas e o aproveitamento de cada debate como se fosse uma espécie de
entrevista em grupo. Esta abordagem já foi experimentada ocasionalmen-
te nalguns casos e poderá vir a ser usada com mais frequência, conside-
rando que parece favorecer o reconhecimento da relevância do currículo
por parte de determinados alunos por influência dos pares.

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 113

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2. Promovendo a relevância do currículo
no ensino do Português

Susana Mira Leal


Sara Massa

Introdução

A afirmação da área do Português no panorama educativo nacional


remonta ao século XVII. A área aparecia então direta e explicitamente
associada ao estudo da gramática, que lhe emprestava a designação.
Na segunda metade do Século XIX passou a designar-se Portuguez, anun-
ciando o alargamento do seu âmbito e a incorporação de outros conteúdos
para além dos de natureza gramatical (Castro, 2001). Desde então, esse
alargamento tem prosseguido paulatinamente, encontrando as suas evi-
dências mais recentes na homologação, em 2001, do programa de Portu-
guês do Ensino Secundário e na entrada em vigor do Novo Programa de
Português do Ensino Básico, homologado em 2008.
Conquanto o ensino do Português se venha afirmando no discurso
enquadrador do currículo nacional, a obrigatoriedade de frequência e
aprovação continuadas em disciplinas da área nem sempre é compreen-
dida pelos alunos, a cujos olhos pode parecer redundante e desnecessário
aprender na escola uma língua que os acompanha desde o berço e cuja
aquisição ocorre de forma natural, dispensando, aparentemente, certas
formalidades. Do mesmo modo, nem sempre a escola e os professores de
Português têm sido capazes de evidenciar essa relevância no discurso e
nas práticas.
Este texto constitui-se, pois, uma reflexão em torno da relevância da
aprendizagem do Português a partir do testemunho de uma professora e

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116 Investigação para um Currículum Relevante

de alunos da disciplina de Língua Portuguesa do 2.º ciclo do ensino bási-


co envolvidos no projeto ICR/ENCUR.

A relevância curricular da área do Português

Para se perceber e avaliar o estatuto curricular de uma dada disci-


plina, Bernstein (1977) define os seguintes critérios: i) a obrigatoriedade
ou opcionalidade daquela; ii) a carga letiva que lhe é atribuída nos planos
de estudos comparativamente com outras disciplinas; iii) e a relação que
estabelece com estas. Nesta medida, podemos afirmar que o lugar que a
disciplina de Português do ensino secundário ou de Língua Portuguesa do
ensino básico têm mantido nas matrizes curriculares em Portugal é um
indicador do elevado estatuto e relevância social da área (Castro, 1998).
Trata-se, desde logo, de uma área obrigatória em todos os níveis de
ensino e anos de escolaridade, caso único no panorama nacional. No que
respeita à carga horária, em 1995, a disciplina de Língua Portuguesa ocu-
pava entre 16,7% e 13,8%, respetivamente no 2.º e no 3.º ciclos33, e a de
Português B, 10% no ensino secundário34.
Apesar de, no primeiro caso, a percentagem ter sofrido uma ligeira
redução no quadro da Reorganização Curricular do Ensino Básico (De-
creto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro), desde 1989 que a carga letiva da
disciplina de Língua Portuguesa só tem encontrado paralelo na das disci-
plinas de Educação Visual e Tecnológica, no 2.º ciclo, e Matemática, no
3.º ciclo35. Não sendo embora o caso no ensino secundário, onde a dis-
ciplina de Português B encontrava carga horária equivalente em Educa-
ção Física, bem como em diversas disciplinas da formação específica e da
formação técnica, o estatuto daquela aparecia confirmado tanto pela sua
obrigatoriedade como pela sua integração na formação geral. Esta situa­
ção foi reforçada com a criação da disciplina de Português aquando da

33
Os dados excluem o 1.º ciclo do ensino básico, no qual não era atribuída uma
carga horária semanal específica às diversas áreas curriculares.
34
Os cálculos não compreendem as disciplinas de Desenvolvimento Pessoal e
Social ou de Educação Moral e Religiosa, em vigor na altura.
35
Registe-se, contudo, que no contexto dos Decretos-Lei n.º 6/2001, de 18 de
janeiro, e 209/2002, de 17 de outubro, a definição das cargas lectivas específicas ficou ao
critério das escolas, dentro dos parâmetros definidos para os planos curriculares do ensino
básico.

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 117

Revisão Curricular do Ensino Secundário (Decreto-Lei n.º 7/2001, de 18


de janeiro).
Parece-nos ainda de valorizar na avaliação do estatuto curricular das
disciplinas o respectivo impacto na progressão ou retenção dos alunos.
Nesta matéria, o Despacho n.º 162/ME/91, de 9 de setembro (ponto 13.4),
reforçou a relevância curricular da disciplina de Língua Portuguesa, ao
fazer depender a decisão de retenção/ transição dos alunos com avalia-
ção negativa da carga letiva de cada disciplina. Para além disso, os pontos
13.6 e 13.7 do mesmo despacho determinaram que a avaliação do desem-
penho comunicativo dos alunos nas diferentes disciplinas fosse tida em
conta para efeitos de progressão ou retenção36.
Na mesma linha, o Despacho Normativo n.º 30/2001, de 19 de julho
(ponto 39), passou a fazer depender da unanimidade do conselho de turma
“a decisão de progressão de um aluno que não [tivesse] desenvolv[ido] as
competências essenciais à Língua Portuguesa e a outra disciplina”, uma
situação que se manteve em despachos posteriores (Despacho Normativo
n.º 1/2005, de 5 de janeiro, Despacho Normativo n.º 18/2006, de 14 de
março). Acresce que, no final do 6.º e do 9.º ano, os alunos têm atualmente
de realizar um exame nacional de Língua Portuguesa.
Embora, como vemos, as disciplinas da área do Português ocupem
um lugar política e socialmente reconhecido no currículo escolar, em face
da declarada relevância das aprendizagens específicas que proporcionam,
bem como do seu impacto transversal no desempenho académico dos alu-
nos, estes nem sempre parecem compreender a relevância das aprendiza-
gens que naquelas ocorrem.
Diversos investigadores têm procurado compreender as representa-
ções dos alunos relativamente à aprendizagem de uma língua e têm con-
cluído que estas se constituem factores ora facilitadores e mobilizadores
da aprendizagem ora de inibição, geradores de ansiedade e frustração,
conforme se apresentem positivas ou negativas (Cotterall, 1995; Kern,
1995; Horwitz, 1999).
Neste contexto, os investigadores incentivam os professores a inves-
tigar as representações dos seus alunos acerca da aprendizagem da língua
e a forma como aquelas se relacionam com os seus comportamentos em

36
Esta situação deixou, contudo, de constar no Despacho Normativo n.º 98-A/92, de
20 de junho, que revogou o Despacho n.º 162/ME/91, de 9 de setembro.

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118 Investigação para um Currículum Relevante

sala de aula, no sentido de as considerarem nas suas práticas e promove-


rem representações positivas.
Foi neste contexto que a professora-investigadora, que doravante
conhe­ceremos como Amélia, procurou averiguar acerca das represen-
tações dos seus alunos de Língua Portuguesa do 2.º ciclo envolvidos no
projeto ICR/ENCUR, através da aplicação de inquéritos por entrevista e
questionário, sobre elas reflectindo no seu diário de investigação.

Português, para que te quero?

Nos seus registos no diário, a professora Amélia manifesta com al-


gum pesar a perceção de uma generalizada desvalorização do currículo
escolar entre os alunos do ensino básico, desvalorização esta que atribui,
em certa medida, à “tenra idade e natural imaturidade [daqueles, que],
não fazem a mínima ideia do porquê de estar na escola, nem vêem van-
tagem nenhuma em estudar ‘aquelas coisas todas’ que os professores lhes
apresentam”. Neste contexto, acaba por assumir:
(…) não me assusta que, numa fase inicial, nomeadamente, no pré-escolar
e 1.º ciclo, os alunos comecem a aprender porque tem de ser, porque os
pais e os professores lhes dizem que é importante ou porque a sociedade
lhes impõe este dever. O que me assusta, todavia, é que a idade vai aumen-
tando, os anos de escola vão passando e, ainda assim, a grande maioria dos
alunos continua sem valorizar “os estudos”, sem atribuir qualquer signifi-
cância à escola, recusando-se a parar para pensar sobre isto.
Ao interpelar os seus alunos sobre a importância de aprender Por-
tuguês, Amélia obteve essencialmente respostas mais ou menos vagas e
genéricas: “Porque sim”; “O Português é muito importante!”; “É muito
importante saber falar e escrever bem (…)”; “Para sabermos falar e escre-
ver sem erros”; “para eu escrever direito e escrever sem erros”; “para eu
aprender a escrever e ler, (…) para eu ter um bom futuro e também (…)
para, se me perguntarem alguma coisa, eu saber responder”.
Embora tais respostas não tenham surpreendido de todo a profes­
sora, pois, como regista, “quando se trabalha com níveis de escolari­dade
tão elementares (…) habituamo-nos a não esperar grande fluência nas
respostas dos nossos alunos”, esta confessa que lhe “souberam sempre a
pouco”, daí a sua insistência durante a entrevista no “porquê?” e no “para
quê?” da aprendizagem do Português:

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 119

Prof.ª Amélia: E o que tu aprendes em Língua Portuguesa tem-te ajudado


nas coisas que fazes fora da escola?
António: Que eu me lembre não.
Manuel: Sim.
Prof.ª Amélia: Podes dar um exemplo?
Manuel: Sim. Estudar… Fazer os TDC…
Gil: Serve para várias coisas. Aprende-se a escrever. Se eu não tivesse Por-
tuguês não sabia escrever.
Prof.ª Amélia: E ler?
Gil: Sim. Leio livros de anedotas e vejo se as coisas estão fora da validade.
Prof.ª Amélia: E as legendas dos filmes, tu lês?
Gil: Nem todas… Às vezes são muito rápidas.
As respostas destes alunos traduzem a representação de que a apren-
dizagem da língua tem essencialmente um impacto imediato ao nível
académico – saber falar, ler e escrever corretamente, “estudar”, “fazer os
TDC”, “saber responder” –, não tanto a médio ou longo prazo, ao nível
socioprofissional, cognitivo ou cultural.
Neste sentido apontam também respostas daqueles quando inquiridos
sobre a profissão futura e em que medida a disciplina de Língua Portu-
guesa os ajudaria “na preparação para [aquela] profissão”. Uns não reco-
nheciam qualquer relevância das aprendizagens realizadas na disciplina
para, por exemplo, o exercício de uma profissão como a de arquiteto. Ou-
tros vislumbravam que a disciplina poderia ajudar a “aprender e conhecer
palavras muito diversas” e a “aprender muitas coisas novas, e diferentes”
passíveis de facilitar o conhecimento de “pessoas novas, que p[udesse]m
ensinar coisas diferentes sobre música, vozes, violas e guitarras”, aprendi-
zagens que se apresentavam úteis a quem deseja vir a ser músico e cantor.
Com efeito, poderemos esperar dos alunos, em especial dos de tão
tenra idade, a capacidade de apreender e exprimir a importância da apren-
dizagem do Português para além da imediata materialização das práticas
comunicacionais quotidianas? A própria professora Amélia assume como
uma ingenuidade sua “esperar [de alunos] com esta idade uma resposta
verdadeiramente rica e nova, no que respeita à relevância do Português
para a[s] sua[s] vida[s]”.
Não sendo abrangente, a relevância atribuída por estes alunos à
aprendizagem do Português não se apresenta, contudo, desprovida de im-
portância ou da consciência da relevância que a aprendizagem do Portu-
guês assume num contexto que assenta no uso da língua. Como contexto

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120 Investigação para um Currículum Relevante

social que é, a escola institui necessariamente a língua como instrumento


comunicativo privilegiado. Na escola escuta-se, fala-se, escreve-se e lê-
-se, para comunicar, e a atividade comunicativa que nela tem lugar não se
apresenta apenas um meio de transmissão de conhecimento, constitui-se
ela própria “[…] condition de leur appropriation, de leur (re)construction
par les apprenants” (Halté, 1994, p. 19).
A aprendizagem do Português revela-se a grande facilitadora das
aprendizagens escolares, na medida em que promove o desenvolvimento
de competências fundamentais como a
capacidade de seguir um fio condutor de exposições orais longas e com-
plexas, distinguindo as ideias essenciais das acessórias e acompanhando a
linha argumentativa das mesmas, e de tomar notas do essencial do que foi
dito; proficiência de leitura com fins de estudo, que se traduz na capacidade
de distinguir ideias essenciais de acessórias, de seguir o fio condutor ou a
linha argumentativa de um texto, e que pode envolver o recurso a técnicas
como sublinhar, esquematizar, tirar notas, resumir. Por outro lado, a avalia-
ção dos conhecimentos dos alunos é em grande parte baseada em produtos
escritos em Português, pelo que exige deles proficiência de leitura (…) e
um bom nível de mestria de escrita (…) (Duarte, 1998, p. 116).
Sabemos, porém, que a relevância da aprendizagem do Português
está longe de se esgotar no seu impacto ao nível das aquisições escolares
e da progressão académica. Nesta medida, as representações que os alu-
nos inquiridos desvelam relativamente à relevância das aprendizagens que
a disciplina de Língua Portuguesa lhes pode proporcionar apresentam-se
deveras redutoras, facto que não dependerá inteira e exclusivamente da
sua “tenra idade”.
De certo modo, a escola, no seu ainda enraizado academicismo,
tem menosprezado a importância de evidenciar a relação entre as apren-
dizagens escolares, sejam elas ao nível linguístico-comunicativo, sejam
noutros domínios, o crescimento cognitivo e cultural dos alunos, a vivên-
cia social destes e a sua inserção futura no mundo do trabalho. De igual
modo, a preocupação com a significatividade das aprendizagens escola-
res, nos termos humanistas de Novak (1977), e a valorização da dimensão
socializadora da aprendizagem defendida por Vygotsky (1978) são ainda,
do ponto de vista das práticas escolares, ensinamentos distantes.
A escola parece viver ainda, em muitos aspetos, da imposição de
conceitos e sentidos e da artificialização das situações de aprendizagem.
E o ensino do Português a isto não configura exceção, esquecendo conti-

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 121

nuadamente que a aprendizagem ocorre pela interação entre pensamento,


sentimento e acção (Novak, 1977), e que cada aluno é em si portador de
conhecimentos, capacidades, competências e experiências diferentes. O
facto tornará, porventura, menos evidente aos olhos dos alunos a relevân-
cia de aprender na escola algo que, no entender daqueles, até já sabem:
Prof.ª Amélia: Tu não queres mesmo aprender Português, não é?
Manuel: Para quê? Sei falar Português desde que nasci!
Sendo embora verdade que ao chegar à idade escolar os alunos já
reconhecem e falam a sua língua materna, dominando razoavelmente as
suas características fonológicas, morfológicas, sintácticas e lexicais, e as
suas dimensões semânticas e pragmáticas ao nível oral, fruto das aquisi-
ções que fizeram no contacto com a família e com a comunidade (Del-
gado-Martins & Duarte, 1993; Tulasiewicz & Adams, 1998), aqueles não
dominam, desde logo, a sua forma escrita, nem os diversificados e espe-
cíficos usos que esta dá à língua. Sequer a sua existência oral informal
plena e menos ainda a sua existência oral formal.
Quando iniciam o seu processo de escolarização, os alunos não têm
“uma cabal posse activa d[a] língua, entendida como capacidade de inser-
ção e participação atuante numa comunidade linguística e sociocultural”
(Castro, 1997, p. 447). Cumpre, pois, à escola, e nesta, às disciplinas de
Português, em particular, facilitar esse processo, contribuindo para o cres-
cimento linguístico daqueles, que é também crescimento cognitivo, social
e cultural, estendendo o domínio oral da língua adquirido informalmente a
outros campos da comunicação humana, envolvendo capacidades de com-
preensão e produção do texto escrito e transformando o conhecimento
‘intuitivo’ da língua que o aluno tem em conhecimento refletido (Duarte,
2000).
Assumindo como passo fundamental nesse processo que os alunos
consciencializem a importância de aprender a língua na escola e atribuindo
responsabilidades particulares nesta matéria à disciplina de Língua Por-
tuguesa e a si própria, como professora daquela disciplina, a professora
Amélia regista:
decidi[u], de imediato, procurar um vídeo onde se pudesse ver bebés a co-
municar. (…) A intenção era mostrar a estes alunos que até a nossa orali-
dade evolui à medida que crescemos e que, ao contrário do que me tinha
dito aquele aluno, não nascemos sabendo falar. Nascemos com potencial
para falar. O que é muito diferente. À medida que crescemos, também a
nossa capacidade de comunicação cresce. Aprendemos com os nossos

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122 Investigação para um Currículum Relevante

pares, familiares e amigos, o básico, e depois, apesar de esses continuarem


a ter uma influência preponderante, a escola entra em cena para nos permi-
tir aprender a falar, ler, escrever e, muito importante, compreender mensa-
gens na nossa língua materna.
Ainda assim, as palavras desta professora traduzem também elas
uma visão restrita da importância da aprendizagem da língua: “a escola
entra em cena para nos permitir aprender a falar, ler, escrever e, muito im-
portante, compreender mensagens na nossa língua materna”. A escola, e
a aula de Português, em particular, “entram em cena” para muito mais. E
não será possível levar os alunos a compreendê-lo se antes os professores,
a escola, as famílias e a sociedade em geral não o compreenderem plena-
mente.
O Artigo 1.º da Declaração Mundial sobre Educação para todos
(UNESCO, 1991) enuncia o reconhecimento da aprendizagem da lín-
gua como uma necessidade básica fundamental ao Homem, assumindo-
-a como imprescindível à vivência social e à aprendizagem, ao desen-
volvimento pessoal e à inserção profissional. Enquanto espaço formal de
aprendizagem, a escola deve procurar suprir esta necessidade, asseguran-
do “que l’élève domine de langage pour toutes les activités qu’il doit réa-
liser comme adolescent et comme adulte – en tant qu’individu, professio-
nnel et citoyen” (Delgado-Martins, 1990, p. 29).
A promoção dessa aprendizagem requer a compreensão da comple-
xidade e muldimensionalidade que o uso da língua envolve e possibilita.
A língua comporta, desde logo, uma dimensão retórico-pragmática. À me-
dida que a usamos, reforça-se e rejuvenesce, expande-se no vocabulário,
transforma-se nas sonoridades, enriquece-se nas estruturas e sentidos,
alimentando-se do potencial criativo que nutre e da utilidade comunica-
tiva que encerra, em função dos objetivos comunicacionais assumidos em
cada momento e lugar. Intuitivamente, as crianças e os jovens sabem bem
isto, não fossem a gíria e o calão espaços de recriação da língua. Para não
falar da linguagem de sms, chats e outras formas de comunicação afins,
que a tecnologia tão amplamente tem alimentado.
Acresce que, sendo as línguas modelos de articulação do pensamento
(Barnes, 1982; Hagège, 1985; Vygotsky, 1986; Bautier, 1995), as línguas
se constituem centros de poder cognitivo, pois, mais do que possibilita-
rem a nomeação das coisas do mundo (dimensão referencial), permitem a
reflexão sobre este e a sua ordenação (dimensão epistemológica). E essa
reflexão e ordenação dependem do suporte histórico, cultural e moral da
comunidade com que partilhamos a língua (Saville-Troike, 1982).

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 123

Neste contexto, “a língua constitui (…) a raiz e o ponto de referência


fundamental da construção do conhecimento e do exercício das atividades
culturais. Nela se contém e nela e por ela continuadamente se afirma e
se renova, através da pluralidade dos discursos em que se atualiza, a me-
mória cultural de cada comunidade” (Fonseca, 1988-89, p. 63). A apren-
dizagem da língua permite, pois, não apenas aceder à informação, como
também transformá-la em conhecimento.
Tratando-se de uma ferramenta intelectual socialmente construída, a
língua transporta igualmente marcas sociais que ajudam as crianças a inte-
grarem-se na sua comunidade, aprendendo os valores e regras pelas quais
esta se rege (Vygotsky, 1986; Bruner, 1983). Afirmando-se como produto
e veículo sociocultural, a língua enforma a visão que cada um constrói do
mundo e das coisas e regula a própria atuação individual (Yaguello, 1988;
Widdowson, 1990; Giroux & Mclaren, 1993; Bourdieu, 1998).
À medida que as crianças aprendem a língua aprendem também a
estrutura social em que se movem e os papéis desempenhados pelos di-
ferentes agentes sociais (Dabène, 1994; Bautier, 1995; Bernstein, 1977),
num processo de afirmação simultânea da identidade individual e da iden-
tidade da comunidade de pertença (Mey, 1998). Nesta medida, a língua
cumpre também uma dimensão ontológica.
Aprender a língua da comunidade em que se nasce ou se vive im-
porta, pois, sobremaneira a um sistema empenhado na democratização
escolar, que apregoa a educação como fator de emancipação social e de
preparação para o exercício de uma cidadania participativa e responsável.
Como alerta Castro (1997, p. 447), “ser ‘não letrado’ significa, hoje, a
amputação de importantes dimensões da cidadania, impedindo ou dificul-
tando a participação na vida da comunidade, o desenvolvimento pessoal,
a possibilidade de interagir significativamente com os outros ou de lidar
com situações problemáticas”.
Neste contexto, a aula de Português desempenha no contexto um pa-
pel fundamental. Nesta, como em qualquer outra aula, a língua serve a
interacção entre alunos e entre estes e o professor e apoia a definição das
atividades a desenvolver, a negociação das regras de funcionamento da
aula e a reflexão sobre a aprendizagem (Leal, 2000).
Contudo, porque ensinar uma língua “é falar a e sobre a língua”
(Castro, 1987, p. 151), o uso da língua na aula de Português encerra tam-
bém uma dimensão metalinguística. A língua serve para falar dela pró-
pria, através de descrições e comentários sobre o seu uso, da análise das

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124 Investigação para um Currículum Relevante

regras linguísticas (Cicurel, 1992a; Leal, 2000), servindo, por essa via, o
desenvolvimento das competências ao nível da compreensão e da expres-
são oral e escrita, objetivo que a aula de língua elege como central.
A coincidência na aula de Português entre ‘a língua adquirida’, ‘a
língua a aprender’ e ‘a língua veicular de ensino’ institui o professor e o
aluno como entidades enunciadoras reais com possibilidades comunica-
cionais infinitas. Ironicamente, contudo, a aula de Português tem desapro-
veitado as condições excecionais de ensino e aprendizagem de que dispõe
à partida.
Inscrevendo-se numa tradição em que o professor assume o con-
trolo do discurso pedagógico e domina os usos comunicacionais na aula
(Bellack, Kliebard, Hyman & Smith Jr., 1966; Landsheere & Bayer,
1969; Flanders, 1970; Sinclair & Coulthard, 1975; Mehan, 1979; Pedro,
1982; Castro, 1987; Delamont, 1987; Stubbs, 1987; Grandcolas, 1989;
Allwright & Bailey, 1991; Cicurel, 1992b; Sá, 1996, entre outros), a aula
de Português tem restringido o papel enunciativo do aluno, afastando-o
da definição de objetivos e estratégias para a aprendizagem da língua e
restringindo as suas possibilidades de ‘manipulação’ da própria língua, o
ensaio de poderes comunicacionais, a experimentação de práticas enun-
ciativas significativas, a testagem dos limites comunicacionais e a amplia-
ção das capacidades expressivas individuais (Legutke & Thomas, 1991;
Leal, 2000; Leal & Sá, 2005).
Aparentemente consciente disto, a professora Amélia regista nos
seus diários alguns esforços pessoais no sentido de proporcionar aos alu-
nos experiências significativas de aprendizagem da língua, chamando-os a
assumirem responsabilidades na definição do próprio processo de ensino-
-aprendizagem e a experimentarem novas situações comunicativas:
Abracei o desafio de (…) preparar toda uma sequência de aprendizagem
nova e partilhei-o com os meus alunos (…) Separei-os em grupos, de acor-
do com os seus interesses, e desafiei-os a defender com unhas e dentes a
sua obra. Embora deixasse algumas linhas de força, deixei-os por sua con-
ta. Alguns continuaram o trabalho fora de portas e foram para a biblioteca,
outros combinaram reunir-se na casa de colegas, porque tinham internet, e
outros, aparentemente menos entusiasmados com a tarefa, limitaram-se a
dizer que sim. Esta tarefa resultou numa sinergia diferente, em que a maio-
ria deles (…) se sentiu realmente parte ativa da aula.
Tal esforço terá resultado num ambiente mais propício à aprendiza­
gem e minimizador de comportamentos disruptivos, bem como na rea-

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 125

lização bem sucedida de pequenas tarefas, como pesquisas biográficas,


identificação de aspetos paratextuais, leitura expressiva e compreensão
escrita.
Ainda assim, a professora Amélia regista “a dificuldade que é pro-
var [aos alunos], na sua prática diária, a relevância das aprendizagens que
lhes prop[õe] nas aulas de Português”, afirmando a sua determinação em
ajudá-los a compreender “que a língua materna é a aprendizagem mais
essencial”.

Conclusão

Embora a importância da aprendizagem do Português seja assumida


pela generalidade dos agentes educativos, esta não parece evidente aos
olhos de muitos alunos. O facto deve interpelar-nos a todos (como inter-
pelou a professora Amélia), no sentido de encontrarmos caminhos para
apoiar os nossos alunos na compreensão da relevância fundamental da
aprendizagem do Português, que não se constitui apenas objeto e suporte
de aprendizagens escolares, mas também elemento fundamental de cons-
trução pessoal e social.
Tal caminho não se percorre, estamos em crer, com palavras de in-
citação ou recriminação, antes com um trabalho consistente e continuado
nas disciplinas da área e para além delas, que materialize a importância
daquelas na realização de um conjunto de experiências de aprendizagem
que considerem as vivências, expectativas e potencialidades dos alunos,
estimulando a sua curiosidade e criatividade linguístico-comunicativa.
O projeto ICR/ENCUR, em que a professora Amélia se assume
como investigadora, parece constituir-se uma via potenciadora de refle-
xão sobre a aula de Português e de transformação de algumas práticas de
ensino-aprendizagem, ao proporcionar um conhecimento mais aprofun-
dado de alunos e contextos, assim como a experimentação de estratégias
de ensino-aprendizagem e a análise dos resultados daquelas ao nível da
aprendizagem do Português.

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126 Investigação para um Currículum Relevante

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 129

Legislação

Decreto-Lei n.º 209/2002, de 17 de outubro (Altera o artigo 13.º e os anexos I, II


e III do Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, que estabelece os princí-
pios orientadores da organização e da gestão curricular do ensino bá­sico,
bem como da avaliação das aprendizagens e do processo de desenvolvi-
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Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro (Aprova a reorganização curricular do
ensino básico). Diário da República n.º 15 – I Série A. Lisboa. Ministério
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Despacho n.º 162/ME/91, de 23 de outubro (Aprova o sistema de avaliação dos
alunos nos ensinos básico e secundário). Diário da República n.º 244 – II
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Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de janeiro (Estabelece os princípios e os
procedimentos a observar na avaliação das aprendizagens e competências
aos alunos dos três ciclos do ensino básico). Diário da República n.º 3 – I
Série B. Lisboa. Ministério da Educação.
Despacho Normativo n.º 18/2006, de 14 de março (Altera o Despacho Normativo
n.º 1/2005, de 5 de Janeiro, que estabelece os princípios e os procedimentos
a observar na avaliação das aprendizagens e competências aos alunos dos
três ciclos do ensino básico). Diário da República n.º 52 – I Série B. Lis-
boa. Ministério da Educação.
Despacho Normativo n.º 30/2001, de 19 de julho (Estabelece os princípios a ob-
servar na avaliação das aprendizagens no ensino básico). Diário da Repú­
blica n.º 166 – I Série B. Lisboa. Ministério da Educação.
Despacho Normativo n.º 98-A/92, de 20 de junho (Aprova o sistema de avaliação
dos alunos do ensino básico). Diário da República n.º 140 – I Série B. Lis-
boa. Ministério da Educação.

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3. Promovendo a relevância do currículo
no ensino da Matemática

Filomena Rebelo
Fernanda Silva
Raquel Dinis

A matemática constitui um património cultural da humanidade


e um modo de pensar. A sua apropriação é um direito de todos.
(ME/DEB, 2001: 57)

A mudança acelerada que carateriza a pós-modernidade, a crescente


influência dos princípios neoliberais e o respetivo impacto sobre os sis-
temas educativos, sobre a organização da escola e sobre o trabalho quo-
tidiano dos professores são fenómenos que têm sido analisados e ampla-
mente debatidos. A sociedade avançada, tecnologicamente sofisticada,
globalizada, hiperurbanizada, mediatizada e de informação em tempo
real, trouxe consigo alterações significativas ao conteúdo das dimensões
tradicionalmente designadas por “ler, escrever e contar”, estando em jogo
novas dimensões da alfabetização e da cidadania (Formosinho, 1998;
Cacha­puz, Sá-Chaves & Paixão, 2004).
A docência comporta atualmente diferenças substanciais – ao nível
da organização, do ambiente e das interações vividas dentro da escola; do
tipo de alunos que chega à escola; do universo do conhecimento disponí-
vel sobre educação, aprendizagem e ensino; da própria formação profis-
sional a que os professores têm acesso – fazendo-se acompanhar por um
contínuo e amplo debate em torno das políticas educativas atuais.
O insucesso, a indisciplina, o declínio da literacia funcional, bem
como as recorrentes problemáticas da (1) falta de relevância das aprendi-

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132 Investigação para um Currículum Relevante

zagens escolares para a vida e para o mundo do trabalho e da (2) crescen-


te competição entre o conhecimento adquirido dentro da escola e o adqui-
rido fora da escola (Alonso, Magalhães, & Silva, 1996; Alonso, Peralta &
Alaiz, 2001; Alonso et al., 2002; Roldão, 2000, 2001; Apple, 2000), per-
sistem ainda como sintomas de inadequação e ineficácia da escola, assi-
nalando a falta de um projeto educativo eficaz para a sociedade cognitiva
ou educativa pós-moderna.
As respostas tendentes a promover a eficácia da escola apontam no
sentido da gestão (administrativa, pedagógica, curricular…) assente numa
visão estratégica, no pensamento e prática reflexivos e na aposta em pro-
cessos de gestão e tomada de decisão fundamentados nos elementos con-
textuais, sistemicamente considerados.

Currículo, desenvolvimento curricular e aprendizagem significativa

A evolução no campo do currículo situa-o longe da uniformidade


e rigidez do currículo pronto-a-vestir de tamanho único (Formosinho,
1991). Concebe-o, antes, como um como um projeto conjunto, a construir
de forma progressiva nas escolas, pelos professores em equipa, num pro-
cesso dinâmico, articulado e coerente, que compreende diferentes níveis e
campos de iniciativa, tomada de decisão, investigação, resolução de pro-
blemas e reflexão, aberto às realidades educativas específicas, flexível e
integrado (Zabalza, 1994; Alonso et al., 1994; Pacheco, 1996, 1998; Rol-
dão, 1999a, 1999c; Sacristán, 2000; Alonso, 2000, 2002, 2004).
Enquanto construção histórica e social complexa, o currículo expres-
sa o conflito de interesses, forças, poderes e valores que se constituem
referência de uma cultura. A dimensão construída do currículo esco­lar
(organização e seleção da cultura e do conhecimento, considerados so-
cialmente relevantes) faz dele uma representação da sociedade e da cul-
tura, apropriadas de forma interdependente nos níveis macro, meso e
micro de design curricular (Cornbleth, 1990; Lundgreen, 1992; Apple,
1997; Goodson, 1997, 2001; Sacristán, 2000; Roldão 2000; Alonso, 1995,
2000). Emergem aqui as perspetivas construtivista, ecológica e sóciocrí­
tica do currículo, do seu desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos,
afirmando-se (1) a dimensão complexa, processual, contextual, dilemática,
problemática, reflexiva e práxica dos processos de mediação e tomada de
decisões acerca do currículo e (2) o carácter ativo, autónomo, interativo,

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 133

dialogante, negocial e metacognitivo que os processos significativos e re-


flexivos de ensino-aprendizagem/formação assumem para professores e
alunos (Alonso, 1995; 2004).
O desenvolvimento curricular integrador apela a um novo relaciona-
mento da escola, do professor e do aluno com o currículo, concebendo-
-o, longe da lógica organizativa compartimentada em disciplinas isoladas,
como um Projeto Integrado de Cultura e de Formação (Alonso et al.,
1994; Alonso, 2000, 2004) objeto de questionamento, reflexão e delibe-
ração. Sentido de totalidade, unidade, relevância e pertinência são consi-
deradas caraterísticas de um currículo coerente (Beane, 2000), favorável
à integração dos conhecimentos e das experiências educacionais pelos
alunos (Zabalza, 1994; Alonso et al., 1994, 2002; Roldão, 1999a; Beane,
2000, 2002; Alonso, 2002).
O currículo perspetiva-se como um projeto amplo e global, em per-
manente desenvolvimento e aperfeiçoamento, que, ao ser construído na
escola, pela escola e para a escola, enquanto comunidade reflexiva e autó­
noma que procura assumir-se, simultaneamente, como sujeito (agente
decisor face a orientações e quadros de referência nacionais e regionais),
como objeto e como fundamento (ambiente social, cultural e relacional,
recursos potenciais e constrangimentos locais) no complexo conjunto de
processos de mediação que determinam a passagem de uma “realidade
dada, natural a [uma] realidade construída, auto-referenciada” (Gomes,
1993, p. 54), afasta a ação educativa da impessoalidade da racionalidade e
da tecnologia burocrática.
A aposta em práticas de gestão curricular contextualizadas visa o rom-
pimento com a cultura da uniformização (geradora de insucesso e exclusão
escolar). Considera-se a complexidade de factores cognitivos, sociais e
afetivos que concorrem para a aprendizagem (Ausubel, Novak & Hane-
sian, 1980; Praia, 2000; Moreira, 2000, 2008), procurando-se o potencial
e a riqueza curricular que residem na diversidade e na diferença de conhe-
cimentos, experiências, interesses, necessidades e estilos de aprendiza-
gem dos alunos.
A promoção da relevância e da significatividade do currículo pas-
sam pela tomada de decisões articuladas numa prática coerente, visando
a integração, adequação e diferenciação curriculares, pela apropriação
do currículo nacional em projetos curriculares reais, para cada situação/
contexto, integradores das diversas componentes da atuação educativa da
escola e centrados nas necessidades concretas dos alunos (Bonafé, 1991;

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134 Investigação para um Currículum Relevante

Del Carmen & Zabala, 1991; Zabalza, 1992, 1994, 2003; Alonso et al.,
1994, 2002; Alonso, 2002, 2009; Sacristán, 2000; Roldão, 1999a, 2000b;
Leite, 2003; Sousa, 2007, 2010).
A ideia de auto-organização (Doll, 1993) preside à construção pro-
cessual do currículo, concebido como aberto, flexível e dinâmico, pen-
sado como um sistema capaz de se auto-organizar face a perturbações,
problemas e distúrbios, capaz de se reacomodar para continuar em fun-
cionamento (Doll, 1993; Fernandes, 2000a, 2000b). Assume aqui parti-
cular ênfase a interação entre professores e alunos na co-construção do
currículo, perante referências e orientações diversas (e.g., orientações e
materiais curriculares emanados da administração central, da adminis-
tração regional, de associações profissionais, de editoras; influências da
tradição e do passado) mas, necessariamente, gerais, abrangentes e inde-
terminadas que caracterizam a construção de um currículo “rico”, “refle-
xivo”, “relacional” e “rigoroso”, visando a superação do relativismo, da
arbitrariedade ou do solipsismo sentimental que marcam a pós-moder-
nidade (Doll, 1993), aproximando a construção do currículo da ideia de
busca constante de coerência e equilíbrio, de praxis e deliberação.

Na procura da relevância curricular

Partilhar de uma perspetiva processual, dinâmica e reflexiva do cur-


rículo, enquanto projeto flexível e integrado, implica o reconhecimento
da existência de processos sucessivos de mediação entre as orientações
formais do currículo nacional sobre o que deve ser o trabalho escolar e a
adequação dessas orientações às situações e condições específicas de cada
escola/ turma/ aluno. Contudo, pode questionar-se a qualidade desta me-
diação, uma vez que a tomada de decisões – formal ou informal, inten-
cional ou mecânica, prevista ou imprevista, explícita ou oculta – é parte
integrante da atividade docente.
O poder de decisão dos professores sobre o desenvolvimento do cur-
rículo é inegável, quer se traduza na passividade e na submissão a norma-
tivos, quer se assuma em praxis e deliberação, “o currículo é, contudo, e
principalmente, aquilo que os professores fizerem dele” (Roldão, 1999a,
p. 21), podendo situar-se o seu papel profissional “numa linha que vai do
mero executor ao profissional crítico” (Flores & Flores, 1998, p. 87).
Reconhece-se ao professor a função de ensinar (Roldão, 1999b) en-
tendida na sua aceção mais rica (longe das perspetivas que a dissociam

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 135

da aprendizagem) como competência de “gerar e gerir formas de fazer


aprender (...) alguma coisa a alguém” (Roldão, 1999b, p. 115), pela mo-
bilização e articulação de conhecimentos de natureza teórica e prática,
competências e capacidades específicas e distintivas do ‘saber educativo’
(Roldão, 1999b), entendido na dupla perspetiva de gestão de saber e pro-
dução de saber, fundamentada na autonomia e na reflexão em torno das
circunstâncias de cada contexto particular – visando o seu objetivo defini-
dor: a aprendizagem significativa do aluno.
Este reconhecimento remete-nos para o papel a assumir pelos pro­
fessores enquanto gestores do currículo (Roldão, 1999a), assumindo-
-se como investigadores (Stenhouse, 1987) e agentes crítico-reflexivos
(Schön, 2000; Alarcão, 1996) face às disposições oficiais, emergindo
como resposta e superação do modelo de professor-executor (Vilar,
1993), do professor-funcionário ou do professor-técnico (Nóvoa, 2002).
Nesta perspetiva, é reconhecido ao professor um lugar-chave como me-
diador entre o currículo formal instituído e a sua adequação às caraterís-
ticas e necessidades de cada comunidade educativa (Alonso et al., 1994).
Esta conceção de profissionalidade, autónoma, crítica e reflexiva, reco-
nhece aos professores capacidades e competências para construção de co-
nhecimento e para o (auto)desenvolvimento profissional, conferindo-lhes
significativa importância e responsabilidade na participação informada e
na tomada de decisões a nível pedagógico, científico e institucional (Nó-
voa, 2002).
Neste texto apresentamos e discutimos práticas curriculares concre-
tas desenvolvidas por duas docentes do 2.º ciclo, da área disciplinar de
Matemática, envolvidas no projeto ICR/ENCUR. Este assenta no pressu-
posto de que a melhoria das aprendizagens escolares dos alunos depende
em larga medida da forma como aqueles encaram a escola e as práticas
de ensino-aprendizagem que nela ocorrem, bem como da relevância que
atribuem às aprendizagens escolares.
Seguindo uma metodologia de investigação-ação colaborativa, assu-
me-se a importância determinante dos professores enquanto profissionais
instituintes, agentes de inovação curricular, intencionalmente envolvidos
na investigação, análise, juízo e reflexão crítica perante a tomada de deci-
sões relativas ao que e como do currículo, com vista a uma acção promo-
tora de aprendizagens significativas e fecundas.
Neste empreendimento, é junto dos alunos – sobretudo dos que
demonstram pouca ou nenhuma motivação para a aprendizagem e um

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136 Investigação para um Currículum Relevante

empenhamento e satisfação escolares muito baixos – que os professores


investigam (realizando entrevistas e observando comportamentos) poten-
ciais fontes de relevância e significado para as aprendizagens escolares.
Esta abordagem concebe também o aluno como um sujeito ativo,
co-construtor da sua própria aprendizagem, cuja motivação e autoimpli-
cação nas atividades escolares dependerá grandemente da relevância que
atribuir às experiências de aprendizagem vividas na escola.
O currículo torna-se significativo para o aluno quando este reconhece
valor no que estuda no momento em que o estuda. Isto mesmo afirma a
Associação de Professores de Matemática dos Estados Unidos da Amé-
rica, o National Council of Teachers of Mathematics – NCTM (2007,
p. 167): “se a matemática que se estuda do 3.º ao 5.º ano for interessante e
compreensível, as noções matemáticas progressivamente mais aprofunda-
das, abordadas a este nível, podem ser capazes de manter o envolvimento
e entusiasmo dos alunos”. Se a aprendizagem se tornar num processo de
simples imitação e memorização, não interessa, não motiva... Não adquire
significado para o aluno e rapidamente é esquecida.

A resolução de problemas na sala de aula: uma dificuldade ou uma


estratégia de aprendizagem?

Em ambas as experiências abordadas mais adiante neste texto, as en-


trevistas realizadas aos alunos no âmbito do projeto ICR/ENCUR permi-
tiram identificar a resolução de problemas como uma das áreas em que os
alunos sentiam maiores dificuldades. A observação direta em sala de aula
permitiu diagnosticar: i) dificuldades na leitura e na interpretação de um
texto matemático; ii) falta de familiaridade com a linguagem e com os
símbolos próprios desta componente curricular, bem como iii) dificulda-
des no pensamento e raciocínio abstratos.
Concomitantemente, nos momentos acima referidos exploram-se
também os interesses e as potencialidades individuais e grupais, na busca
de fontes de relevância. Assim, identificaram-se como estratégias positi-
vas: i) o trabalho em grupo (experiências 1 e 2), ii) a utilização de mate-
riais manipuláveis para suporte concreto (experiências 1 e 2) e iii) o gosto
por histórias e jogos (experiência 1).
O ensino baseado em problemas fundamenta-se na necessidade que
a vida impõe de suplantar desafios, e pressupõe proporcionar nos alunos o

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 137

domínio de procedimentos e a capacidade de utilizar e procurar conheci-


mentos para responder a um desafio.
É com este pressuposto básico que a solução de problemas procura
constituir não só os conteúdos, mas, e principalmente, uma forma de con-
ceber as atividades didáticas. Segundo Echeverría e Pozo (1998, p.15),
“o verdadeiro objetivo final da aprendizagem da solução de problemas é
fazer com que o aluno adquira o hábito de propor-se problemas e de
resolvê-los como forma de aprender”.
No processo de resolver problemas a comunicação é uma competên-
cia essencial. Quando o aluno lê, escreve ou desenha, revela as capacida-
des e atitudes que estão em desenvolvimento, os conceitos que domina e
as dificuldades que apresenta. Com isso, o professor pode interferir nas
dificuldades e orientar a evolução positiva das aprendizagens de alunos
concretos, nomeadamente pelo desenvolvimento de meta-competências
de aprendizagem nos alunos. Salienta-se a confiança no seu modo de pen-
sar, a autonomia para investigar e selecionar informação, expor ideias e
argumentar pontos de vista.
Para Marincek (2001), resolver problemas é o meio para a constru-
ção dos conhecimentos matemáticos, é a essência da atividade humana.
Assim, o professor deve deixar o aluno pensar por si próprio, considerar
este pensamento com seriedade e atribuir-lhe protagonismo. É impor-
tante que os alunos busquem formas próprias de resolução, autonomi-
zando-se.
Branca (1997) salienta a abrangência e a multiplicidade de significa-
dos da expressão ‘resolver problemas’, perspectivando-a, nomeadamente,
como uma meta ou como o objetivo para ensinar Matemática.
Complementarmente, Van de Walle (cit. por Onuchic & Allevato,
2004, p. 218) considera o problema como “qualquer tarefa ou actividade
para a qual os alunos não têm métodos ou regras prescritas ou memori-
zadas, nem a percepção de que haja um método específico para chegar à
solução correcta”. O mesmo autor defende, ainda, que o professor desem-
penha um papel central nesse processo, sendo responsável pela criação de
um ambiente favorável que pressupõe três momentos: o antes, o durante
e o depois. O primeiro momento pressupõe que o professor se assegure
de que a situação problemática a ser proposta aos alunos seja desafiadora,
mas sem se tornar demasiado difícil. No momento da resolução da situa-
ção proposta – o durante – o professor acompanha o trabalho dos alunos
e avalia (para si) se a escolha foi ou não adequada ao contexto. No último

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138 Investigação para um Currículum Relevante

momento, o professor aceita a solução dos alunos sem avaliá-las e conduz


a discussão enquanto os alunos justificam e avaliam os seus resultados e
métodos.
Quadro
Quadro1 1– –Métodos
Métodosusados
usadosna
naresolução
resolução de problemas
de problemas
Método Papel do Professor Papel do Aluno

Descoberta Escolhe a situação tendo o objectivo


Guiada em mente. Conduz o aluno para a Segue a orientação.
solução.
Resolução de Encontra o seu próprio
Formula o problema e deixa o
Problemas caminho para resolver o
método de resolução em aberto.
problema.
Abordagem
investigativa Dá indicações. Formula o problema.

Os trabalhos apresentados neste texto privilegiaram uma metodolo-


Os trabalhos apresentados neste texto privilegiaram uma metodologia situada
gia situada entre a descoberta guiada e a abordagem investigativa (Quadro
entre a descoberta de
1). A utilização guiada e a abordagem
materiais investigativa
manipuláveis de uso (Quadro 1). A utilização
quotidiano de
e o trabalho
materiais
em grupomanipuláveis
constituíramde uso quotidiano
também e o trabalho
estratégias em grupo constituíram também
fundamentais.
Os métodos
estratégias de ensino-aprendizagem por descoberta ou redescoberta
fundamentais.
centram-se mais no próprio conteúdopor
Os métodos de ensino-aprendizagem dadescoberta
Matemática como algocentram-se
ou redescoberta cultural-
mente valioso que deve ser conhecido pelos educandos. Os conteúdos são
mais no próprio conteúdo da Matemática como algo culturalmente valioso que deve ser
descobertos (ou redescobertos) por eles mediante diferentes técnicas de
conhecido pelos educandos. Os conteúdos são descobertos (ou redescobertos) por eles
ensino: diálogo com o professor em pequeno ou grande grupo; raciocínio
mediante diferentes
dirigido com umatécnicas
série de
deensino: diálogoprogramadas;
atividades com o professorresolução
em pequenode ouuma
grande
si-
tuação aberta dedirigido
grupo; raciocínio aprendizagem, indução
com uma série a partir
de atividades de exemplos,
programadas; etc. de
resolução (Borra-
uma
lho & Borrões, 1995).
situação aberta de aprendizagem, indução a partir de exemplos, etc. (Borralho &
As investigações motivam os alunos, permitem desenvolver capaci-
Borrões, 1995).
dades de ordem superior indicadas no programa, destacando-se, em par-
As investigações motivam os alunos, permitem desenvolver capacidades de
ticular, o raciocínio e a perspicácia, constituindo assim um contributo
ordem superiorpara
significativo indicadas no programa,
que os destacando-se,aem
alunos percecionem particular, ocomo
Matemática raciocínio
umae ci-
a
perspicácia,
ência constituindo
em evolução assim um (Cunha,
e construção contributo1998).
significativo para que
A mudança os alunos
de conceções
face à Matemática
percecionem é também
a Matemática como uma destacada
ciência empor Segurado
evolução (1997),
e construção que 1998).
(Cunha, acres-
centa ainda o desenvolvimento de um espírito investigativo, de
A mudança de conceções face à Matemática é também destacada por Segurado (1997), uma maior
autonomia no trabalho e a valorização e reconhecimento das interações
que acrescenta ainda o desenvolvimento de um espírito investigativo, de uma maior
entre pares. Segundo Mendes (1997), a realização de investigações é ainda
autonomia no trabalho e a valorização e reconhecimento das interações entre pares.
potenciadora do desenvolvimento da capacidade de reflexão dos alunos
Segundo
sobre Mendes
a sua (1997),
própria a realização
experiência de investigações é ainda potenciadora do
Matemática.
desenvolvimento da capacidade de reflexão dos alunos sobre a sua própria experiência
Matemática.
Os materiais manipuláveis permitem o contato informal do aluno com a
situação-problema. Pela concretização e contextualização favorecem o envolvimento
120
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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 139

Os materiais manipuláveis permitem o contato informal do aluno


com a situação-problema. Pela concretização e contextualização favore-
cem o envolvimento dos alunos e uma atitude mais positiva e ativa pe­
rante uma situação de aprendizagem (Matos & Serrazina, 1996; Stein-
bring, 2004).
O recurso aos materiais manipuláveis, bem como aos recursos tec-
nológicos37, poderá ser considerado imprescindível por muitos autores,
mas apenas como ponto de partida ou suporte das tarefas escolares, e
sempre como um meio e não um fim, considerando que “o essencial está
na natureza da actividade intelectual dos alunos” (Abrantes, Serrazina &
Oliveira, 1999, p. 25).
A comunicação e a interação grupal na partilha de perspetivas e di-
ficuldades, na discussão e reflexão em torno de processos e resultados, é
igualmente fundamental na resolução de problemas (Smole, s.d.; Smole
& Diniz, 2001). Neste particular, contam as reconhecidas vantagens do
trabalho em grupo para a promoção de competências de cidadania de-
mocrática e participativa, bem como para a compreensão de conceitos, a
comunicação e a motivação dos alunos (Smole, s.d.; Matos & Serrazina,
1996, p. 149).
As atividades desenvolvidas em sala de aula, no contexto do projeto
ICR/ENCUR, identificam-se com a perspetiva da resolução de problemas
como um meio de ensinar Matemática, sendo o problema gerador do pro-
cesso de ensino-aprendizagem. Nesta abordagem, o problema é o ponto
de partida e os professores, através da resolução de problemas, devem
privilegiar as conexões entre os diferentes ramos da Matemática, gerando
novos conceitos e novos conteúdos.

Exemplos de atividades desenvolvidas em sala de aula

Experiência 1
Este trabalho desenvolveu-se com uma turma do 5.º ano de escolari-
dade.
37
Silva, Loureiro e Veloso (1989) consideram que o tratamento numérico permitido
pela calculadora reforça a exploração informal de situações e conceitos geralmente
abordados do ponto de vista formal. Esta ligação informal/ formal permite, segundo estes
autores, que algumas formas de raciocínio (indutivo, dedutivo, proporcional, etc.) possam
ser desenvolvidas de modo mais rico e frequente.

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140 Investigação para um Currículum Relevante

Organizados em grupos, os alunos partiram da exploração da lenda


sobre o aparecimento do jogo de xadrez38, sendo desafiados a descobrir
o valor total de grãos de trigo que o seu inventor teria a receber do Rei
como recompensa. Neste trabalho os alunos podiam servir-se de um tabu­
leiro de xadrez e de grãos de arroz (em substituição de grãos de trigo).
Para efetuar este cálculo, os alunos começaram por utilizar o tabu-
leiro e os grãos de arroz como suporte concreto, colocando o respetivo
número de grãos em cada casa do tabuleiro. Contudo, à medida que os
cálculos foram progredindo, evidenciou-se a ineficácia desta estratégia: a
contagem de um elevado número de grãos tornava-se fastidiosa e o respe-
tivo número de grãos deixava de caber nas quadrículas do tabuleiro.
Na procura de soluções alternativas, o grande grupo acolheu a su-
gestão de um aluno, no sentido de passarem ao desenho do tabuleiro de
xadrez no quadro, escrevendo em cada quadrícula o número de grãos cor-
respondente, após o respetivo cálculo usando a calculadora.
Quando os números encontrados não cabiam já na quadrícula dese-
nhada, tornou-se pertinente a intervenção da docente, introduzindo aos
alunos outra forma de representação desses números: a potência, cuja
escrita, por ocupar menos espaço, respondia às suas necessidades senti-
das, sendo, deste modo, vista pelos alunos como útil e relevante.
Efetuados todos os cálculos, os alunos concluíram que o número
de grãos que Sissa tinha pedido era corresponde à fórmula 2 elevado a
(64 – 1), ou seja: 18.446.744.073.709.551.615. A simplicidade do seu pe-
dido era baseada em conhecimentos matemáticos.

Experiência 2
Este trabalho foi desenvolvido com uma turma do 6.º ano de escola-
ridade.

38
Esta lenda atribui o aparecimento do jogo de xadrez a Sissa, filósofo indiano, que
o teria inventado a fim de curar o tédio do seu rei. O Rei, maravilhado, prometeu-lhe a
recompensa que desejasse. Sissa pediu um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro,
dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta e assim sucessivamente, dobrando
a quantidade, até chegar à casa de número sessenta e quatro. O rei ficou espantado perante
um pedido que lhe pareceu tão humilde e cedeu imediatamente à aparente insignificância
da petição. Mas, feitos os cálculos, verificou-se que todos os tesouros da India não eram
suficientes para pagar a recompensa pedida.

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 141

Exemplo 1
Organizados em grupo, os alunos exploraram latas com forma cilín-
drica, de dimensões diferentes, usadas no dia a dia em suas casas. Calcu-
laram o quociente entre o perímetro e o diâmetro de cada lata e discuti-
ram os resultados obtidos com os outros grupos, concluindo que tinham
encontrado um valor constante. Foi assim deduzido o valor de π. Cada
grupo fez, ainda, a planificação do mesmo objeto.

Exemplo 2
Os alunos (individualmente) formularam problemas (a partir de
orientações dadas) e resolveram-nos, partilhando as dificuldades sentidas
e fazendo uma crítica aos processos por si utilizados. Os mesmos proble-
mas foram trocados com outros colegas, iniciando-se um novo ciclo de
resolução, partilha de dificuldades e reflexão. Contemplou-se ainda a re-
formulação, por iniciativa dos alunos, dos enunciados de alguns proble-
mas considerados mal formulados. Nestas ocasiões os mesmos faziam
também a apresentação e discussão dos novos enunciados com a turma.
As situações-problema assim trabalhadas foram alvo de intensa ex-
ploração, favorecendo o desenvolvimento de competências de pesquisa,
comunicação e reflexão. A iniciativa e a autoimplicação dos alunos mar-
cou o desenvolvimento das atividades.
Na procura de soluções, os alunos levantaram questões, confronta­
ram e discutiram resultados sob diversas perspetivas individuais e gru-
pais. A interação em grupo evidenciou dividendos positivos no que
respeita à colaboração, entreajuda e confiança dos alunos no trabalho de-
senvolvido.
Indo mais longe, no exemplo 2 da experiência 1, cada aluno criou um
contexto, uma história em redor da formulação do enunciado do problema,
transformando-o num momento com interesse e significado pessoal.

Conclusões

Partilharam-se aqui propostas de intervenção que poderão ser co-


muns no quotidiano de muitos professores e de muitos alunos. Contudo,
estas revestiram-se de um profundo valor e significado intrínseco para
os alunos que as viveram, pois os contextos para a sua construção fun-
damentaram-se nos interesses, experiências, dificuldades e potencialidade

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142 Investigação para um Currículum Relevante

evidenciadas nas entrevistas feitas aos alunos no âmbito do projeto ICR/


ENCUR.
A resolução de problemas em sala de aula, assim conduzida, pro-
voca no aluno uma curiosidade crescente que, desenvolvendo no aluno o
espírito crítico, o envolve numa espiral de progressivo interesse pela des-
coberta e pela aprendizagem ativa.
A análise e resolução de situações problemáticas do diaa dia permi-
te, ao mesmo tempo, desenvolver habilidades direcionadas à construção
do conhecimento científico, as quais podem ser transferidas para situa-
ções quotidianas. Os problemas e a sua resolução devem ser alvo de cons-
tante questionamento e reflexão, desde a proposição, a obtenção de infor-
mações, a resolução e a apresentação dos resultados.
Ensinar e aprender Matemática mediante situações-problema tor-
na-se, assim, uma experiência de aprendizagem fecunda, permitindo
ao professor suscitar nos alunos o espírito crítico, a curiosidade e a não
aceitação do conhecimento simplesmente transferido. A transição do
conhecimento mecânico ao saber crítico ocorre à medida que o ato de
aprender se torna uma busca marcada pela intensa participação de profes-
sores e alunos numa constante problematização do mundo.
A investigação-ação colaborativa e a reflexão crítica emergem aqui
como princípios e como instrumentos de trabalho na procura de respostas
para a complexidade, a diversidade e a diferença com que a escola atual
se defronta.

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4. Promovendo a relevância do currículo
no ensino das Ciências

Sandra Eugénio
Carlos Gomes

A investigação efetuada no âmbito do ensino das Ciências, quer em


Portugal como no estrangeiro, tem apontado para novas formas de atua-
ção por parte do professor, dentro de princípios construtivistas (Trumper,
2003), dando origem a modelos que apontam para a conceção de práticas
de ensino com maior ênfase nos aspetos sociais, éticos e culturais e na
construção de conceitos, processos, atitudes e valores (Cachapuz, 1995).
Não obstante a investigação que tem sido realizada sobre o ensino das
Ciên­cias, nas últimas décadas, e em particular sobre a compreensão dos
fenómenos naturais por parte dos alunos, continua a ser difícil determinar
a melhor forma de explorar as competências dos professores de Ciências
para ajudar os alunos a compreender melhor o mundo (Jenkins, 2001).
O impacto das ideias construtivistas no ensino das Ciências tem sido, até
agora, modesto, pouco tendo contribuído para a mudança das práticas do
professor de Ciências. Ao longo dos últimos tempos, e em particular na
educação em Ciências, tem-se verificado uma divergência crescente entre
o ensino que se pratica nas escolas e as necessidades e os interesses dos
alunos. O ato educativo, segundo Morgado (2005), é na sua essência um
ato de criação que, simultaneamente, oscila entre a rotina e a coragem de
a quebrar, de modo a que a escola não seja um mundo à parte, mas, pelo
contrário, contribua para a criação de um mundo “maior”, onde efetiva-
mente prevaleçam valores como a compreensão, entreajuda, harmonia e
paz. Assim, educar passa por estabelecer uma relação pedagógica em que
as emoções e o raciocínio estejam equilibrados e onde predomine um clima
de respeito, confiança, aceitação dos outros e oportunidades de diálogo,

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148 Investigação para um Currículum Relevante

de modo que a construção de significados possa surgir (Morgado, 2005).


Trata-se da capacidade de promover o questionamento e o pensamento
refle­xivo essencial para o desenvolvimento de uma consciência crítica nas
pessoas, que as torne responsáveis e ativas numa sociedade onde é neces-
sário compreender a importância da sustentabilidade, que não é apenas
ambiental. O papel crescente de importância que a ciência e a tecnolo-
gia desempenham cada vez mais no dia a dia das pessoas exige que estas
tenham conhecimento e compreensão suficientes para entender e seguir
debates sobre temas científicos e tecnológicos e envolver-se em questões
que estes temas colocam, quer para elas próprias enquanto indivíduos
quer para a sociedade como um todo.
Desde meados do século passado que se passou a dar importância
às questões associadas à alfabetização científica (Hurd, 1958; McCurdy,
1958; Hurd, 1998). Desde então, tem sido defendido por vários autores
que as temáticas abordadas nos currículos possibilitem dotar os estudan-
tes com uma compreensão da ciência no seu contexto social, cultural,
económico e político. Numa perspetiva de literacia científica, Wellington
(2001) aponta argumentos de valor intrínseco, de necessidades de cidada-
nia e utilitaristas, para defender a urgência de os currículos contri­buírem
para a literacia científica. Estes argumentos identificam-se com as três
categorias de literacia científica propostas por Shen (1975): alfabetiza-
ção científica cultural, que inclui o conhecimento das principais ideias e
teo­rias da ciência e do ambiente sociocultural e intelectual; alfabetização
científica cívica, que compreende os conhecimentos, habilidades, atitudes
e valores necessários para a tomada de decisões; alfabetização científica
prática, que tem a ver com os conhecimentos que possam ser utilizados
pelos indivíduos para lidar com os problemas quotidianos da vida.
Acreditamos que, numa sociedade tecnológica como a nossa, um
cida­dão autónomo e participativo tem necessidade de possuir uma alfabe-
tização técnica e científica (Santos, 1994). Esta ideia tem sido justificada
e reforçada através de argumentos económicos, utilitários, culturais, de-
mocráticos (Wellington, 2001; Millar, 2003; Reis, 2006), sociais (Millar,
2003) e morais (Reis, 2006). Porém, várias críticas têm sido feitas a estes
argumentos. Destas transcorrem alguns pensamentos dos quais destacamos
os seguintes: – o número de cientistas necessários na sociedade não jus-
tifica que o ensino das Ciências seja obrigatório para todos os estudantes
(Millar, 2003); – o ensino tradicional das Ciências parece ser pouco rele-
vante para a vida de grande parte dos estudantes, pois centra-se em con-

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 149

ceitos e não prepara os alunos para aplicar esses conceitos em contextos


reais (Hodson, 2010, 1998; Reis, 2006); – há que reconstruir o conheci-
mento científico para que este seja mobilizado numa ação prá­tica (Millar,
2003); – os conhecimentos básicos têm de ser aprofundados, uma vez que,
a partir destes, outros poderão ser formados sempre que tal for necessário
(Millar, 2003); – aspetos relacionados com o trabalho em equipa, uma boa
capacidade de comunicação, interpretação e análise de dados têm-se reve-
lado muito importantes para o desempenho da profissão de cientista e de
profissões afins (Reis, 2006); – o cidadão não precisa de conhecimentos
científicos para usar e manusear a maioria dos artefactos tecnológicos que
fazem parte do seu quotidiano (Osborne, 2000; Reis, 2006); – o avanço
científico e tecnológico é célere, pelo que os conhecimentos hoje conside-
rados necessários rapidamente o deixam de ser (Reis, 2006); – raramente
se salienta a relevância e a aplicabilidade dos conteúdos estudados em
Ciên­cias para a vida do aluno (Hodson, 2010, 1998; Reis, 2006); – uma
população com literacia científica possui uma maior capacidade crítica
face à ciência e tecnologia (Reis, 2006); – o ensino passa por desenvolver
uma atitude crítica no aluno, que contribua para que este reconheça não só
as potencialidades e limitações da ciência como também os compromissos
ideológicos que estão na base da mesma (Reis, 2006).
Tendo em conta o exposto, na atualidade, uma das preocupações do
ensino obrigatório é proporcionar aos jovens uma literacia científica ne-
cessária para a compreensão do mundo em que vivem, de forma a con-
tribuir para que eles desenvolvam as competências necessárias a uma
formação global que lhes permita atuarem como cidadãos esclarecidos e
intervenientes responsáveis na resolução de problemas da comunidade em
que se inserem (nível local) e, ainda, a nível nacional e global (Morgado,
2005; Pedrosa & Leite, 2005). Para que isto aconteça é necessário com-
preender a epistemologia da ciência e reconhecer que esta é um empreen-
dimento humano que influencia e é influenciado pelo contexto sociocultu-
ral em que decorre (Hodson, 1998). Segundo Osborne (2008), a educação
em Ciências necessita de uma nova visão, pois a sociedade exige uma ou-
tra forma de pensar a ciência.
Neste âmbito, o ensino das Ciências deverá capacitar os jovens a
interagir com o mundo material através de “um modo de conhecer mais
tecnológico, mais útil do ponto de vista prático” e, simultaneamente, con-
tribuir para que os estudantes compreendam alguns “modelos mentais”
acerca do “comportamento do mundo natural” (Millar, 2003, p. 83). Em

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150 Investigação para um Currículum Relevante

relação a este último aspeto, não nos esqueçamos de que as Ciências pro-
curam explicar os fenómenos naturais através de modelos mentais que
têm como principal objetivo dar um significado ao pensamento sobre o
que acontece (Millar, 2003).
O ensino não pode ser entendido como o relato ou transmissão de
verdades estabelecidas. Pelo contrário, tem de proporcionar aos alunos
acontecimentos e experiências relevantes que deem sentido à realidade
que os envolve de modo a que possam produzir, em conjunto (professores
e discentes), uma aprendizagem de conteúdos e de significados (Morgado,
2005). Deste modo, os alunos percebem melhor a “relevância da escola
para a vida” (Roth, cit. por Reis, 2006, p. 174). Pelo exposto se percebe a
importância, para alunos e professores, do saber interdisciplinar; de abor-
dar assuntos atuais, controversos e do interesse dos aprendentes; de de-
bater, confrontar ideias, procurar consensos e de trabalhar colaborativa-
mente, tendo sempre o cuidado de não pôr em causa a liberdade de cada
interlocutor, mesmo quando as opiniões são negativas (Morgado, 2005).
Em relação à interdisciplinaridade, Fourez (2003, p. 111) alerta que os
professores devem ser preparados para saber lidar com a “resolução de
problemas” que envolvam várias disciplinas, sejam elas de Ciências Natu-
rais ou Humanas.
A formação deve favorecer igualmente a (re)construção do conhe-
cimento didático de conteúdo, com ênfase no ensino experimental das
Ciências (Martins et al., 2006). A este propósito, Gallagher (1971) refere
que a compreensão das inter-relações da ciência, tecnologia e sociedade
(CTS) pode ser tão importante quanto a compreensão dos conceitos e pro-
cessos da ciência. O ensino CTS coloca os alunos perante situações pro-
blemáticas reais, encorajando-os “a usar capacidades que eles já possuem
na exploração” dessas situações (Millar, 2003, p. 76) e na procura de so-
luções para os problemas. Desta forma, ao invés de se reduzirem ao papel
de observadores (Santos, 1999), os discentes envolvem-se ativamente no
processo de aprendizagem e desenvolvem a sua capacidade de tomar de-
cisões (Santos, 2007). Para além disso, têm a possibilidade de compreen-
der alguns dos caminhos através dos quais se obtém conhecimento cien-
tífico e de reconhecer a importância do erro e da incerteza em todo este
processo (Millar, 2003). Membiela (2001) refere algumas técnicas de en-
sino que podem ser utilizadas na educação CTS. Entre elas salienta o tra-
balho em pequenos grupos; participação ativa dos alunos em discussões;
simulações e jogos; debates e controvérsias; aprendizagem cooperativa;

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 151

resolução de problemas e tomadas de decisão. Ainda segundo este autor,


o objetivo principal da educação CTS é promover a alfabetização cientí-
fica e tecnológica, para que os indivíduos possam participar no processo
democrático das tomadas de decisão. Do mesmo modo, Gutiérrez (2003)
coloca a ênfase na alfabetização digital, salientando a sua importância nas
possíveis transformações sociais.
Os saberes (disciplinares e não disciplinares), as capacidades (dos
domínios psicomotor, cognitivo e socioafetivo, que se traduzem em saber
fazer e saber estar) e as situações-problema (enfrentar ou resolver ques-
tões contextualizadas através, por exemplo, de trabalho de investigação
e de projeto) constituem componentes do conceito de competência (Bar­
reira & Moreira, 2004), ou seja, do “saber em acção”. Neste enquadra-
mento, “a competência implica a capacidade de ajustar os saberes a cada
situação – por isso eles têm de estar consolidados, integrados e portadores
de mobilidade” (Roldão, 2003b, p. 24). O desenvolvimento de competên-
cias necessita do envolvimento dos alunos e realiza-se através da vivência
de experiências diferenciadas e contextualizadas, que vão ao encontro dos
seus interesses e motivações, garantindo uma equilibrada educação em
ciência.
Para que um cidadão decida de forma consciente e informada é ne-
cessário que possua conhecimentos e capacidades que lhe permitam “ob-
servar e reflectir sobre os acontecimentos ou problemas”, assim como
“compreender o que está em causa” (Miguéns, Serra, Simões & Roldão,
1996, p. 25). Deste modo, o recurso e a valorização dos contextos de vida
e de problemas importantes para os aprendentes, o trabalho de investiga-
ção, o debate de temas controversos, a participação dos alunos em proje-
tos interdisciplinares e uma abordagem holística dos temas apresentam-se
como estratégias a priorizar (Pedrosa & Leite, 2005; Pinheiro, Silveira &
Bazzo, 2007). De facto,
situações de aprendizagem organizadas em torno de experiências, proble-
mas ou de descobertas tendem a apelar naturalmente a uma maior osmose
entre tipos e fontes diversas de informação. Essas situações de aprendiza-
gem favorecerão, ainda, a possibilidade de, em novas situações, os sujei-
tos procederem em conformidade, por exemplo, procurando o máximo de
infor­mação possuída e que possa ser útil para a sua análise e resolução.
(Almeida, 1998, p. 66)
Ao enfrentar uma determinada situação-problema, os aprenden-
tes têm a possibilidade de aprender a pensar, a aprender e a conhecer os

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152 Investigação para um Currículum Relevante

mecanismos do conhecimento e da aprendizagem (Tavares, 1992). Desta


maneira, é possível “despertar no aluno a curiosidade, o espírito investi-
gador, questionador e transformador da realidade” (Pinheiro, Silveira &
Bazzo, 2007, p.77).
Apesar do exposto, verifica-se que a maioria dos alunos continua a
não relacionar o que estuda nas aulas de Ciências com o seu dia a dia,
acabando por reduzir o estudo dos conteúdos à memorização de vocabu-
lário específico e/ou à aplicação de algoritmos para resolver problemas
(Santos, 2007). Um dos eventuais motivos que, aparentemente, justificam
esta situação prende-se com o facto de muitos docentes de Ciências con-
tinuarem a realizar um ensino que reduz a contextualização dos assun-
tos em estudo à descrição, usando linguagem científica, de fenómenos
quotidianos, mas sem os enquadrar socialmente (Santos, 2007). A mera
refe­rência ao quotidiano nem sempre torna mais relevante, para o aluno,
a aprendizagem das Ciências e, por vezes, contribui apenas para encobrir
um ensino compartimentado e muito centrado na aquisição de concei-
tos, que por si só não consegue preparar os jovens para a sua participa-
ção na sociedade (Santos, 2007). Embora, ao incluir problemas do dia a
dia no ensino dos conteúdos escolares, se possa estar a facilitar e motivar
as aprendizagens dos assuntos em estudo, esta inclusão não é suficiente
para solucionar alguns dos constrangimentos atuais com que o ensino das
Ciên­cias se depara (Santos, 2007). Para formar cidadãos que se interes-
sem por Ciências, ao efetuar esta contextualização há que discutir alguns
aspetos que contribuam para desenvolver valores e atitudes numa aborda-
gem humana e social de questões científicas e tecnológicas; que ajude a
aprender conceitos científicos não descurando a natureza da ciência e que
motive os alunos a relacionarem as aprendizagens escolares com questões
do seu quotidiano (Santos, 2007). Neste contexto, há que proporcionar
ao aluno momentos em que possa refletir criticamente acerca de questões
existenciais e reais para o próprio (Santos, 2007), procurando-se que este
desenvolva a sua capacidade de tomada de decisões responsáveis face aos
problemas reais que enfrenta, o que implica a compreensão dos conceitos
científicos inerentes a esses assuntos (Santos, 2007). Por outras palavras,
em vez de se promover um ensino das Ciências que force o aluno a ver o
mundo através dos olhos dos cientistas, deverá existir um ensino que ajude
cada discente a compreender o seu próprio mundo (Fourez, 2003).
Muitos investigadores das Ciências defendem que, ao longo da
história da humanidade, o desenvolvimento do conhecimento tem sido

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 153

impulsionado por determinados problemas ou situações problemáticas


(Gadeo, 1994). Ao agir sobre o mundo, geralmente complexo e desorga-
nizado, surgem ideias; ao partilhar informação, ao passar por revisões e
arbitragem científica, ao verificar resultados, também é produzido novo
conhecimento científico e é importante os estudantes aprenderem algo so-
bre estes processos (Millar, 2003). Os aprendentes devem ter consciên-
cia de que “não há um único modo da ciência trabalhar para obter novo
conhe­cimento, e não há garantias de se obter sucesso na solução de um
problema” (Millar, 2003, p. 89).
Na contemporaneidade é solicitado que alunos e professores coope­
rem e trabalhem em conjunto, que haja a responsabilização por parte dos
alunos e que estes procurem aprender com os outros (Pedrosa & Leite,
2005). Deste modo, e tendo em conta que uma das caraterísticas do conhe-
cimento científico é precisamente a possibilidade de este vir a ser refu-
tado, durante o desenvolvimento das experiências educativas “os sujeitos
não poderão, de forma alguma, refugiar-se em atitudes passivas ou pura-
mente reprodutivas dos modelos de uma ciência tradicional estática, de
memorização, mas deverão colocar-se numa atitude investiga­tiva, heurís-
tica, crítica, argumentativa, criativa” (Almeida, 1998, p. 21). Na escola o
conhecimento científico adquire-se através de uma intervenção planeada
do professor. Neste seguimento, o trabalho de pesquisa permite propor-
cionar oportunidades de diálogo, experiências relevantes e diversificadas,
que muitas vezes levam à construção de significados a partir dos conheci-
mentos que os discentes já possuem, encontrando-se, assim, resposta para
a necessidade cada vez mais premente de se realizarem aprendizagens
significativas (Ausubel, Novak & Hanesian, cit. por Gadeo, 1994).
Neste enquadramento, é necessário que a abordagem ao currículo
das Ciências não exclua a argumentação. Os alunos têm de saber como
é que a ciência funciona. Muitas vezes, a ciência é apresentada nas au-
las sem nenhuma ou com poucas evidências que suportem as afirmações
que se fazem. A sobrevalorização dos conhecimentos científicos por par-
te dos professores, face aos processos da ciência, contribui para que os
alunos não ganhem a ideia adequada de como se geram e fundamentam
estes conhecimentos, uma vez que não relacionam o conhecimento ensi-
nado com as evidências existentes (Caamaño, 2010). A importância da ar-
gumentação no ensino das Ciências valoriza o conhecimento processual,
que deve ser vivenciado através, por exemplo, do planeamento e realiza-
ção de investigações, elaboração e interpretação de representações gráfi-

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154 Investigação para um Currículum Relevante

cas nas quais os alunos utilizem dados estatísticos e matemáticos e ava-


liação de resultados obtidos. Também o conhecimento substantivo acaba
por ser valorizado, na medida em que a discussão de evidências e de situ-
ações problemáticas contribuem para que o aluno adquira conhecimento
científico apropriado, de modo a interpretar e compreender leis e modelos
científicos e as limitações da própria ciência. A importância dada à argu-
mentação no ensino das Ciências e a sua relação com as competências de
comunicação e compreensão da natureza da ciência levou muitos países a
incluírem-na no currículo de Ciências (Caamaño, 2010). Situando-nos ao
nível das práticas escolares, a escola educa e socializa com base em ati-
vidades e práticas que organiza para desenvolver os respetivos currículos
(Sacristán, 2000).
Alunos e professores deverão elaborar, conjuntamente, conteúdos e
significados através de um conjunto de acontecimentos e de atividades de
aprendizagem (Doyle, 1990).
De facto, o estabelecimento de metas, a reflexão e a interação entre
professor e aprendentes são considerados fundamentais para um ensino
inclusivo e com sucesso (Pedrosa & Leite, 2005), pois “aprender é um
verdadeiro processo pessoal e social de construção, de partilha, de co-
municação” (Almeida, 1998, p. 21). Os professores têm o dever (moral e
profissional) de se relacionarem com os alunos “como se eles fossem as
pessoas mais importantes do mundo” (Nunes, 2003, p. 66).
Assim, ao se tentar ter sempre presente as caraterísticas positivas do
discente, ao se apostar no aluno mesmo quando o próprio não confia em
si mesmo, ao partir do pressuposto de que o aprendente é capaz, está-se a
promover o sucesso educativo (Nunes, 2003). E se assim for, certamente,
será necessário diversificar as estratégias e métodos do processo de en­
sino/aprendizagem (Nunes, 2003), consoante as potencialidades e fragili-
dades que irão sendo reveladas por cada discente. Ao diferenciar o profes-
sor estará a responder às necessidades de cada aluno (Tomlinson & Allan,
2002). Desta maneira, poder-se-á construir diferenciadamente e com su-
cesso a aprendizagem de cada aluno em relação a um currículo comum.
Por outras palavras, será possível a realização de aprendizagens signifi-
cativas (Ausubel, cit. por Roldão, 2003a). Esta possibilidade apresenta-se
como uma forma de atrair os alunos para a aprendizagem, mesmo quando,
à primeira vista, estes parecem não revelar grande interesse pela tarefa em
causa (Tomlinson & Allan, 2002). Para se alcançar os objetivos propostos
para um ensino mais relevante das Ciências acrescenta-se a necessidade

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 155

de reflexão, por parte de cada professor, acerca dos conhecimentos com


os quais os próprios trabalham, bem como acerca do processo de ensino e
aprendizagem desses mesmos conhecimentos (Pinheiro, Silveira & Bazzo,
2007). A adequação do currículo à diversidade dos alunos deve ser uma
tarefa intencional convicta e reflexiva do professor, visando promover a
igualdade de oportunidades na aprendizagem.
O objetivo do ensino das Ciências tem sido alvo de debate perma-
nente desde meados do século passado. Segundo Wellington (2001) ne-
nhum elemento do conjunto de objetivos apontados para a educação
científica deve ser enfatizado em detrimento de outros. O debate sobre a
diversidade de objetivos acaba por evidenciar algumas das suas implica-
ções em sala de aula.
Um importante vetor do desenvolvimento profissional dos professo-
res baseia-se em atitudes e competências que lhes permitam percecionar
o currículo formal em termos da sua adequação aos destinatários da sua
ação e contextos onde trabalha. Os objetivos e conteúdos do currículo
formal para uma sociedade são, essencialmente, uma seleção de conhe-
cimentos, atitudes e valores relevantes da cultura dessa sociedade, sendo
esses os que a escola mais privilegia. Mas o currículo não se esgota na
sua dimensão formal. O professor tem de estar consciente da autonomia
de que dispõe e usá-la para o exercício de decisor curricular. Desta forma
(re)constrói o currículo, tornando-o ativo e adequado à diversidade dos
contextos e dos alunos. A forma como o professor adequa o currículo de-
pende, sobretudo, da sua preparação científica e pedagógica e do modo
como perceciona as mudanças que ocorrem na sociedade.
O envolvimento do professor em projetos de investigação poderá
contribuir para o desenvolvimento da sua reflexividade e consequente mu-
dança nas suas práticas educativas. Neste contexto, o projeto ICR/ENCUR
constitui um exemplo de uma “aposta na promoção de aprendizagens mais
significativas, por via de criteriosos processos de selecção de conteú­dos a
abordar e de estratégias de ensino que assegurem o reconhecimento, por
parte do aluno, da relevância daquilo que é ensinado” (Sousa, 2006, p. 1).
Os docentes que nele participaram procuraram respostas face “a uma ale-
gada falta de interesse por parte de determinados alunos em rea­lizar as
aprendizagens previstas” (Sousa, 2006, p. 2) no currículo formal. A título
exemplificativo descreve-se de seguida uma situação de aprendizagem real
acontecida no âmbito do projeto, durante as aulas de Ciências Naturais le-
cionadas em turmas do 7.º ano de escolaridade – 3.º ciclo do ensino básico.

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156 Investigação para um Currículum Relevante

Emergência da situação

O professor C identificou um conjunto de alunos que manifes-


tou algum desinteresse face ao ensino desta área curricular. Numa fase
posterior, o mesmo docente realizou entrevistas individuais (que foram
audiogravadas, transcritas e analisadas) a cada um desses alunos. Estas
entrevistas tiveram como principal objetivo apurar as razões que levaram
ao aparente desinteresse por parte destes aprendentes e, ainda, a encontrar
estratégias que contribuíssem para que os alunos supracitados reconhe-
cessem a relevância do ensino das Ciências Naturais e, assim, melhoras-
sem o seu desempenho no que se refere às aprendizagens efetuadas nesta
disciplina. Pela análise das transcrições destas entrevistas ficou patente a
importância que os alunos selecionados atribuíam ao trabalho de grupo e
à possibilidade de opinarem sobre os assuntos tratados nas aulas. Assim,
foi concebida uma atividade de aprendizagem com uma situação proble-
mática, passada na ilha Terceira, mais especificamente num local muito
conhecido pelos alunos, a Lagoa da Falca, vulgarmente conhecida como
a “Lagoa das Patas”, sobre o processo de formação de sedimentos e a im-
portância da água enquanto agente erosivo e de transporte de materiais.
A construção desta atividade surgiu a partir de algumas vivências indica-
das pelos alunos. A título de exemplo referem-se as seguintes: – “Vou à
Lagoa das Patas comemorar o dia da freguesia”; “Às vezes, vou passear
com os meus pais à Lagoa das Patas”; “Já fiz piqueniques na Lagoa das
Patas”.

Situação problemática elaborada

A Francisca e o Pedro são dois irmãos que vivem com os seus pais na fre-
guesia de São Bartolomeu na ilha Terceira. Estes irmãos gostam de pas-
sear, brincar e fazer piqueniques junto à Lagoa da Falca (mais conhecida
por Lagoa das Patas) no interior da ilha, que é alimentada por águas que
escorrem da serra de Santa Bárbara sob a forma de riachos. Como já co-
nheciam muito bem a lagoa e as zonas envolventes, resolveram aventurar-
-se, com os pais, subindo a ribeira que lá existe. Tinha chovido bastante no
dia anterior. Os dois irmãos ficaram maravilhados com o que viram: quedas
de água enormes e grandes ravinas que metiam respeito. Ao aproximarem-
-se dos maciços rochosos, verificaram que as rochas eram parecidas com as

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Capítulo II – Projeto ICR/ENCUR 157

pedrinhas soltas e com faces lisas que existiam nas margens da lagoa e com
as quais eles brincavam. A diferença é que tinham uma forma irregular e
eram muito maiores. Sabendo que não existiam aqueles maciços rochosos
perto da lagoa, nem nas zonas envolventes, começaram a questionar como
teriam surgido as pedrinhas soltas na lagoa. Também lhes fazia confusão as
pedrinhas da lagoa serem tão lisas. Estes dois irmãos tinham iniciado o 7.º
ano de escolaridade e ainda não possuíam conhecimentos que lhes permi-
tissem resolver este enigma.
O estudo da situação anterior assentou em algumas questões orien-
tadoras, das quais se destacam, a título de exemplo, as que se seguem:
Identifica o(s) problema(s) levantado(s) pelos dois irmãos; Discute o(s)
problema(s) com o teu colega de grupo e levanta uma hipótese explicativa
para o(s) problema(s), regista-a; com a orientação do teu professor, com-
para e discute a hipótese do teu grupo com a dos outros grupos.
A atividade foi desenvolvida a pares e corrigida com a participação
do maior número possível de alunos.
Perante a realização desta atividade de aprendizagem os alunos res-
ponderam que: gostaram da aula e que o professor deveria repetir mais
vezes este género de atividade; ficaram a perceber como se formaram os
sedimentos e os estratos sedimentares. Ainda neste enquadramento, al-
guns alunos referiram que a água é um agente erosivo importante e outros
disseram que não se deve construir junto a ribeiras para evitar o que acon-
teceu na ribeira da Agualva39.
De um modo geral, os alunos aderiram bem à atividade proposta,
tendo-se criado na aula momentos de concentração, reflexão, discussão e
confronto de ideias. O facto de se ter feito referência a um local do conhe-
cimento dos alunos aumentou-lhes a curiosidade.
Tendo em conta que durante as aulas os alunos têm (com alguma
frequência) projetado no futuro a utilidade dos conhecimentos científicos
adquiridos na disciplina de Ciências Naturais, há que, no presente, atri-
buir significado e prazer à aquisição, compreensão e aplicação dos conheci-
mentos. Porém, para que isto aconteça e para que haja a promoção efetiva
da relevância no ensino das Ciências, ousamos dizer que algumas vezes
não basta o professor apostar individualmente no seu desenvolvimento
profissional, pois, paralelamente, há um conjunto de aspetos estruturais

39
Os alunos referiam-se a uma enxurrada ocorrida em dezembro de 2009, que
causou grandes prejuízos materiais na freguesia da Agualva, ilha Terceira.

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158 Investigação para um Currículum Relevante

que exercem um forte peso na exequibilidade de muitos dos pressupostos


anteriormente apresentados. Assim, parece-nos que a promoção da rele-
vância do currículo no ensino das Ciências dependerá, entre outros aspe-
tos, da redução do número de alunos por turma, da participação ativa de
todos os atores educativos na construção do currículo, da disponibilidade
horária dos professores dedicada aos processos pedagógicos e didáticos,
da verdadeira colegialidade entre docentes, bem como da corresponsabili-
zação nos papéis dos alunos e dos professores.

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Capítulo III
No rescaldo do projeto ICR/ENCUR:
Contributos da investigação
para o desenvolvimento profissional

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1.  A investigação-ação como instrumento
de desenvolvimento profissional

Susana Mira Leal


Josélia Fonseca

Introdução

A realidade educativa dos finais do século XX e inícios do século


XXI recriou o sentido da escola e o seu papel social, confrontando-a, e
aos professores em particular, com novas exigências.
Mais do que uma organização que promove a aprendizagem, quer-
-se hoje que a escola seja ela própria uma organização que aprende, isto
é, uma organização que é capaz de refletir sobre a sua missão e as suas
práticas com vista à promoção de aprendizagens contextualizadas e signi-
ficativas para os alunos. Neste sentido, espera-se que as escolas sinalizem
as suas próprias necessidades formativas e estimulem processos de auto-
formação nos quais os professores pensam o currículo e o seu papel como
mediadores curriculares, e empreendam caminhos de mudança e inovação.
Neste texto, refletimos sobre as exigências que atualmente se co-
locam à escola, discutindo o papel da investigação-ação colaborativa no
desenvolvimento daquela e dos professores que nela atuam, que se pre-
tendem, hoje mais do que nunca, profissionais reflexivos e agentes de mu-
dança e inovação.

Uma escola em mudança?!

No já longínquo século XVI, Camões cantou: “Mudam-se os tem-


pos, mudam-se as vontades, /Muda-se o ser, muda-se a confiança, / Todo

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164 Investigação para um Currículum Relevante

o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades”.


Embora longínquas, as palavras do poeta mantêm a actualidade e, ain-
da que não se reportem diretamente ao domínio educativo, assentam-lhe
como a qualquer outro, porque a mudança se apresenta uma inevitabilida-
de, mesmo quando considerada negativa.
Com efeito, a educação sofre contínuas e renovadas pressões, depen-
dendo das forças de influência que, em cada momento e em cada lugar,
se fazem sentir. As pressões atuais derivam, em larga medida, de avan-
ços recen­tes nos domínios científico, tecnológico, político-económico e
social. A vida, tal como a conhecemos hoje, assenta no grande desenvol-
vimento científico e tecnológico ocorrido particularmente a partir da 2.ª
metade do século XX e no alargamento e divulgação do conhecimento
que tal desenvolvimento potenciou. Os estados ocidentais atuam hoje em
maior conformidade e a economia mundializou-se.
Mudaram-se ideias e valores e, com eles, o entendimento do lugar
que a educação deve ocupar. O acesso generalizado à educação (formal,
entenda-se) é hoje um dado adquirido e um bem inestimável. Mais do
que isso, a valorização atual de uma aprendizagem continuada ao longo
da vida é assumida como fundamental ao progresso social, económico e
cultural dos povos e ao bem-estar individual, seja na vida adulta ou em
provecta idade.
Tal facto não representa contudo um entendimento unissonante dos
objetivos que a educação deve prosseguir. Coexistem hoje no campo edu-
cativo forças centrífugas, que ora se orientam “no sentido do desenvolvi-
mento social, procurando construir uma sociedade mais igualitária e in-
clusiva, ora no sentido do desenvolvimento económico e do aumento da
competitividade” (Fullan & Hargreaves, 2000, p. 29), acentuando políti-
cas centralizadoras de controlo e estandardização (McNeil, 2000). Daqui
resulta, como regista Alarcão (1998, p. 49), que as escolas sejam simulta-
neamente
de massas mas igualmente de apelo à qualidade, (...) abertas à sociedade,
mas trazendo para o seu seio os problemas da mesma sociedade (...), feitas
de formandos e formadores, mas em que os próprios formadores se devem
assumir como formandos (...), de professores que têm de admitir (...) que
os seus alunos têm hoje capacidades que eles próprios não desenvolveram.
Talvez por isso permaneça a insatisfação para com a escola e os resul­
tados que tem alcançado. Depois de tempos de grandes reformas educati-
vas, ou apenas curriculares, a resposta da escola aos fenómenos de mas-

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 165

sificação e democratização do ensino que marcaram a segunda metade do


século XX, com algum atraso em Portugal, permanecem insatisfatórias,
embora muito se tenha já progredido nesta como noutras matérias.
À escola chegam hoje crianças e jovens que outrora ficariam à porta.
Contudo, o facto de agora haver na escola lugar para todos (sem distinção
de raça, credo, condição social ou económica) não significa que todos te-
nham oportunidades educativas equivalentes. Veja-se, a título de exemplo,
a análise que MacBeath e outros autores (2007) fazem do caminho pros-
seguido no Reino Unido e dos resultados ainda por alcançar na inclusão
de alunos de minorias étnicas, de estratos socioeconómicos menos favore-
cidos ou com necessidades educativas especiais, bem como a dificuldade
em aferir os efetivos progressos das escolas nesta matéria.
A batalha contra o pessimismo sociológico e o determinismo estru­
tural e cultural, conquanto prolongada no tempo, tarda em ser ganha.
Em parte talvez porque, à medida que crescem as expetativas e exigên-
cias sociais para com a qualidade e eficácia da escola, decresce a con-
fiança naquela e nos profissionais que nela trabalham. Como regista Le
Boterf (2003), para os profissionais agirem com competência não basta
saber agir (saber combinar e mobilizar recursos pertinentes), é necessá-
rio também um querer agir (sentir uma motivação pessoal para intervir
num contexto que se apresente mais ou menos estimulante) e poder agir
(ter as condições sociais para mobilizar o saber). Em nosso entender, tais
requisitos colocam-se igualmente às escolas, para que possam atuar com
qualidade e eficácia.
A reflexão sobre a melhoria e eficácia da escola cresceu significa-
tivamente desde a década de 60 do século XX, graças aos impulsos de
Coleman (1966), Jencks (1972) e respetivos colaboradores. Encontramos
já hoje um número significativo de textos de natureza científica, decorren-
tes ora de trabalhos empíricos ora de reflexões e análises críticas sobre a
problemática, que reclamam uma escola capaz de se pensar e disponível e
empenhada em aprender.
A concetualização da escola como uma organização “aprendente” é
hoje recorrente e reiterada (Guerra, 2000; Senge et al., 2000; Roberts &
Pruitt, 2003; McLaughlin & Talbert, 2006; Stoll & Louis, 2007, entre ou-
tros). Como registam Senge e outros (2000, p. 5), “it is becoming clear
that schools can be re-created, made vital, and sustainably renewed not by
fiat or command, and not by regulation, but by taking a learning orienta-
tion”.

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166 Investigação para um Currículum Relevante

Segundo Bolívar (2000), a aprendizagem que as organizações esco-


lares conseguem empreender depende da capacidade de cada uma para
potencializar a experiência acumulada e explorar novas formas de ação,
respondendo de modo inovador à inquietude do presente e à incerteza
do futuro. Para que isso aconteça, a escola não pode continuar centrada
em regulamentos e prescrições; precisa antes de prosseguir um questio-
namento das suas práticas, avaliar a consecução dos seus objetivos, criar
uma cultura de colegialidade, redefinir as suas metas e equacionar a sua
função no seio de uma sociedade em constante transformação.
Neste sentido, Guerra (2000) defende que, através da interação en-
tre as pessoas e da interação destas com os dispositivos necessários para
estimular o conhecimento, a escola precisa desenvolver diversos tipos
de inteligência. Desde logo, uma inteligência contextual, que se tradu-
za na capacidade de analisar o seu contexto específico e a sua relação
com os contextos mais vastos em que se integra e que a justificam; uma
inteligência estratégica, ou seja, a capacidade de planear, desenvolver e
avaliar projetos adequados às suas necessidades; uma inteligência acadé­
mica, que lhe permita promover a qualidade curricular e gerar expetati-
vas elevadas nos alunos, assumindo que a aprendizagem destes está in-
timamente ligada à dos próprios professores; uma inteligência reflexiva,
que permita controlar, refletir e avaliar a instituição a todos os níveis;
uma inteligência pedagógica, assumindo-se como uma instituição de
aprendizagem, analisando o processo de ensino-aprendizagem e centran-
do-se no objetivo fundamental da sua missão; uma inteligência colegial,
resultante do trabalho em conjunto do corpo docente, tendo em vista um
fim comum; uma inteligência emocional, capaz de dar voz aos sentimen-
tos, emoções e afetos, contribuindo para o estabelecimento de um pacto
facilitador da aprendizagem dentro da comunidade educativa; uma inteli-
gência espiritual, respeitadora e valorizadora da vida pessoal de cada um
dos seus membros; e, finalmente, mas não menos importante, uma inte-
ligência ética, reconhecendo e assumindo a dimensão moral e axiológica
da sua ação educativa.
Segundo o autor, o desenvolvimento destes diversos tipos de inteli-
gência favorece o crescimento de uma “comunidade crítica de aprendiza-
gem” (Guerra, 2000, p. 40), que envolve um conjunto de indivíduos que
partilham objetivos e cuja capacidade reflexiva potencia a análise contí-
nua da estrutura, organização e adequação à realidade da escola.

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 167

Subjacente à concetualização da escola como organização apren-


dente está, naturalmente, o conceito de uma “escola reflexiva” (Alarcão,
2000, 2001, 2003; Tavares, 2000; Hamido, 2007). Entendida como uma
“organização que continuamente se pensa a si própria, na sua missão so-
cial e na sua estrutura, e se confronta com o desenrolar da sua atividade
num processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo” (Alar-
cão, 2000, p. 13), esta escola tem de se assumir como uma “realidade viva,
orgânica e inteligente (…), como uma verdadeira comunidade de pessoas
que age, interage, aprende e se desenvolve” (Tavares, 2000, p. 58).
Porque esta ação reflexiva da escola é, em larga medida, de natureza
curricular e, segundo Leite (2002, p. 96), desenvolve “processos de auto-
-análise das experiências de ensino, desenvolve um diálogo horizontal e
vertical entre professores, estimula o confronto de opiniões e incentiva
e valoriza o envolvimento de professores em processos de investigação
sobre as práticas, processos indutores de inovação”, a autora adjectiva-a
de “curricularmente inteligente” (Leite, 2003).

Ser professor-investigador: moda ou necessidade numa escola em


mudança?

Para que a escola devenha reflexiva e aprenda a conhecer-se e a pro-


jetar o seu futuro de uma forma inteligente, é necessário que compreenda
o modo como os seus membros pensam, sentem e vivem a própria escola
e as mudanças que dela se reclamam, e que os implique nessas mudanças,
pois são eles que vão viver com elas.
Neste processo, destaque-se o professor. Se, como Garmston, Lipton
e Kaiser (2002) assinalam, o ambiente escolar influencia a formação e o
crescimento do professor, a qualidade das práticas pedagógicas e da ati-
vidade educativa, é igualmente necessário, como defende Guerra (2000),
que os professores se questionem constantemente sobre o papel da escola,
a sua função na sociedade e a natureza das suas práticas, deslocando, para
isso, o enfoque do ensino para a aprendizagem, a aprendizagem dos alu-
nos, mas também, e desde logo, a sua própria aprendizagem e a da pró-
pria escola. McDonald (cit. por Alonso, 1998, p. 297) afirma mesmo que
“é a qualidade dos próprios professores e a natureza do seu compromisso
para mudar, que determina a qualidade do ensino e a melhoria da escola”.
Para o autor, “o desenvolvimento dos professores é (…) uma pré-condi-
ção do desenvolvimento do currículo”.

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168 Investigação para um Currículum Relevante

Em face das transformações que a escola atravessa, o papel e as fun-


ções do professor têm também mudado. Como registam Nelson e Ham-
merman (1996, p. 4),
the current reform agenda requires not only that teachers master new tech-
nical skills, but also, more important, that they reconceptualize and rein-
vent the overall nature of their teaching practice. Teaching needs to become
an intellectual endeavor, one in which teachers and their students inquire
deeply into the nature ok knowing, rather than a technical craft in which
teachers arrange activities that lead students to having the “right” concepts.
Com vista à transformação da ação do professor no sentido das de-
mandas atuais, exige-se-lhe um conjunto de capacidades mais vasto e
complexo do que até há algum tempo atrás. Desde gerir a turma como
uma comunidade de aprendizagem, ser capaz de organizar o trabalho nos
mais vastos espaços e tempos de formação e saber conceber e dar vida
a dispositivos pedagógicos complexos, cooperar com os colegas, os pais
e outros membros da comunidade educativa, saber identificar e modifi-
car aquilo que dá ou tira o sentido aos saberes e às atividades escolares,
a criar e gerir situações problemáticas, identificar obstáculos, analisar e
reordenar tarefas, observar os alunos e avaliar as competências que estes
vão construindo (Perrenoud, 2000).
Uma escola que se pretende aprendente demanda, naturalmente,
professores aprendentes. Professores que se reconheçam em continuado
desenvolvimento; professores disponíveis e empenhados em aprender,
professores que assumam a responsabilidade na planificação, desenvolvi-
mento e avaliação das suas próprias experiências de aprendizagem, cami­
nho que Merriam e Caffarella (1991) defendem ser o mais eficaz para
promover a aprendizagem nos adultos (a aquisição de novas ideias e o
desenvolvimento de novas competências e atitudes).
Schön (1983, 1987), Kemmis (1985), Zeichner (1993), Perrenoud
(1999), Alarcão (2003), entre outros, defendem que este caminho deve ser
percorrido através da reflexão. Para aqueles, a reflexão sobre a prática tem
o poder de incentivar melhores práticas. Não uma reflexão espontânea,
como a que qualquer ser humano desenvolve em face de situações proble-
máticas ou dilemáticas, mas uma reflexão metódica e colectiva, “um estado
de alerta permanente”, como regista Perrenoud (1999). Para este autor, a
prática reflexiva liberta os profissionais das rotinas e normas da profissão,
convidando-os a assumir um papel ativo, a construir as suas próprias ini-
ciativas, em função dos seus alunos e contextos, das parcerias e colabora-

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 169

ções possíveis, dos recursos e das limitações e obstáculos encontrados a


cada momento.
Smyth (cit. por García, 1999) reconhece quatro fases nos proces-
sos de reflexão: descrever a própria ação, informar sobre o que significa
essa mesma ação, confrontar, tentando perceber o porquê dessa ação, e
recons­truir a ação, procurando atuar de forma diferente (v. figura 1).

Figura
Figura 1: Fases
1: Fases dosdosprocessos
processosde
de reflexão
reflexão (Smyth,
(Smyth,cit. por
cit. García,
por 1999,
García, p. 46)
1999, p. 46)

Stenhouse (1984), Elliott (1991), Hollingsworth (1995) e Esteves


Stenhouse
(1999), entre (1984),
outros, Elliott
apontam (1991), Hollingsworth
a investigação das(1995) e Esteves
práticas (1999), entre
dos professores
desenvolvida
outros, apontam pelos próprios, das
a investigação através da investigação-ação,
práticas como uma das
dos professores desenvolvida pelos
estratégias promotoras da reflexão sobre as práticas. De acordo com Fer-
próprios, através da investigação-ação, como uma das estratégias promotoras da
rance (2000, p. 6), a investigação-ação é
reflexão sobre as práticas.activity
a collaborative De acordo comcolleagues
among Ferrance (2000, p. 6),
searching fora solutions
investigação-ação
to every­é
day, real problems experienced in schools, or looking for ways to improve
a collaborative activity among colleagues searching for solutions to everyday, real
instruction and increase student achievement. Rather than dealing with the
problems experienced in schools, or looking for ways to improve instruction and
theoretical, action research allows practitioners to address those concerns
increase
that arestudent achievement.
closest Rather
to them, ones than
over dealing
which with
they cantheexhibit
theoretical,
someaction research
influence
and make
allows change.to address those concerns that are closest to them, ones over which
practitioners
A can
they investigação-ação devém
exhibit some influence and assim uma estratégia fundamental para
make change.
potenciar o envolvimento dos professores no seu próprio processo de
A investigação-ação
aprendizagem devém assimda
e na transformação uma
suaestratégia fundamental
ação pedagógica numparaprocesso
potenciar o
envolvimento dos professores no seu próprio processo de aprendizagem e na
transformação da sua ação pedagógica num processo de desenvolvimento profissional
indispensável às mudanças que se procuram concretizar na escola.

ICR-001-198.indd 169 A investigação da e na prática: desafios e constrangimentos 02-04-2013 16:27:37


170 Investigação para um Currículum Relevante

de desenvolvimento profissional indispensável às mudanças que se pro­


curam concretizar na escola.

A investigação da e na prática: desafios e constrangimentos

Os processos de investigação – na medida em que promovem a inda­


gação autoreflexiva dos professores sobre as suas práticas curriculares,
tendo em vista a inovação e a melhoria educacional a partir dos próprios
contextos educativos – constituem um importante fator na construção do
desenvolvimento profissional docente.
Atendendo a que o desenvolvimento profissional dos professores
consiste num processo de construção contínuo do conhecimento, que
começa na formação inicial e que se estende ao longo de toda a carreira
docente, afigura-se-nos pertinente que o professor seja desafiado a ser
investigador quando ainda se encontra num processo de formação inicial.
É cada vez mais importante que as instituições de ensino superior
abandonem uma postura de “academização da formação de professores”
(Formosinho, 2009, p. 77), baseada numa
organização pedagógica do ensino [que] vai sendo permeada por aulas ex-
positivas distanciadas da introdução de elementos oriundos da prática (…)
[, em que] a articulação entre a investigação e a docência [se] faz mais pela
imposição dos territórios gerados pela investigação dinâmica da docência
do que pela introdução dos alunos aos métodos e processos de investigação
científica. (Formosinho, 2009, pp. 76-77).
Para além de desenraizar os alunos dos processos de investigação, a
cultura académica de formação de professores promove, de acordo com
Formosinho (2009, p. 77), o “isomorfismo dos processos de formação,
(…) uma concepção de currículo como justaposição de disciplinas e de
práticas de trabalho fragmentado, não favorecendo a análise interdiscipli-
nar e o trabalho colaborativo exigido pelas características das escolas de
massas” (p. 77).
Na verdade, é legítimo afirmar que a formação inicial de professores
organizada numa lógica de academização favorece o desenvolvimento do
professor como um mero burocrata da escola, um técnico curricular, que
executa o programa da disciplina, para a qual recebeu formação científica
específica, que se preocupa mais em cumprir este programa disciplinar na
íntegra do que em contextualizá-lo e torná-lo significativo para os alunos.

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 171

Assim, e retomando a conceção de que a escola atual é também uma


escola que aprende, é imperativo que a formação inicial de professores
promova o desenvolvimento de professores investigadores. Este desenvol-
vimento não deve ser apenas perspetivado na lecionação de disciplinas de
metodologias de investigação e elaboração de pequenos trabalhos neste
âmbito; deve ser também promovido através de “uma interacção entre a
investigação e o ensino, de modo a que os conhecimentos obtidos através
da investigação possam ser incorporados no ensino” (Formosinho, 2009,
p. 85).
A presença de práticas de investigação na formação inicial consti-
tuirá, indubitavelmente, uma mais-valia no desenvolvimento dos futuros
professores como profissionais autónomos, reflexivos, capazes de saber
responder às exigências impostas pela diversidade dos contextos educa-
tivos. Assim como permitirá atenuar o “choque inicial” da integração dos
jovens profissionais na carreira docente, justificado em larga medida pelo
desfasamento que existe entre a teoria que é lecionada nas instituições de
formação e a prática das escolas. Nesta medida, a participação em proje-
tos de investigação contribuirá para o desenvolvimento da autonomia e da
reflexividade dos jovens professores sobre as suas práticas e, consequen-
temente, ajudá-los-á a diagnosticar e a resolver os seus problemas.
A relação entre o desenvolvimento profissional e a investigação não
deve, contudo, circunscrever-se à fase inicial de formação dos professo-
res. Consideramos, com Alonso (2007, p. 115), que a função central atual
do professor, que é “estimular aprendizagens significativas nos alunos e
o seu desenvolvimento integral enquanto indivíduos e cidadãos”, é uma
função complexa, que exige “uma grande capacidade reflexiva, investiga-
tiva, criativa e participativa”.
Cada vez mais estes profissionais procuram na formação respostas
para os desafios com que se vêem confrontados na sua prática quotidia-
na. Esta apresenta-se, de resto, uma necessidade destacada entre as quatro
dimensões do “Perfil geral do desempenho profissional do educador de
infância e dos professores dos ensinos básico e secundário”, que assume
a importância de o desenvolvimento profissional ao longo da vida assen-
tar em processos de investigação e reflexão individual e colaborativa que
permitam ao professor delinear o seu projeto de formação pessoal, social
e profissional. Como refere Alonso (2007, p. 118), “no contexto actual da
aprendizagem ao longo da vida (…) os professores são vistos como dese-
nhadores do seu próprio crescimento profissional e pessoal, nos contextos
ecológicos e comunitários das escolas”.

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172 Investigação para um Currículum Relevante

Esta conceção construtivista e ecológica perspectiva um desenvolvi-


mento profissional docente integrado, que não se enquadra nos tradicio-
nais moldes segundo os quais à formação inicial sucede uma formação
contínua fragmentada, muitas vezes entendida como a realização de ações
de formação pontuais para atualização de conhecimentos ou “reciclagem”
(Alonso, 2007, p. 118). Uma solução que representa uma provável econo-
mia de tempo e dinheiro e tranquiliza as consciências políticas, sociais e
até mesmo pessoais dos professores, mas que se tem revelado insatisfató-
ria na resposta às necessidades, dúvidas e ansiedades daqueles.
Para um desenvolvimento docente integrado poderá contribuir a inves­
tigação-ação colaborativa, na medida em que se trata de um processo que
promove, em equipa, a reflexão dos professores na e sobre as suas práti-
cas e a confrontação entre estas e as teorias docentes e/ou vigentes, pre-
parando os professores para a mudança. Pretende-se que os professores,
ao investigarem as suas práticas e ao refletirem sobre elas, assumam uma
atitude mais ativa, autónoma e crítica, e promovam uma abordagem curri-
cular sensível às necessidades e especificidades dos seus alunos.
A investigação-ação não é, segundo Day (2001, p. 75), apenas um
pro­cesso cognitivo. “Os professores, que são investigadores reflexivos,
têm que reconhecer que a investigação levantará (…) questões de mudan-
ças e envolve uma confrontação de inconsistências dentro e entre os valo-
res essenciais, as teorias perfilhadas e as teorias em uso”.
Para o professor nem sempre é uma situação confortável colocar em
confronto umas e outras, verificar as (in)coerências que existem entre am-
bas e assumir a necessidade da sua transformação.
Este processo de confrontação pode ser ainda mais difícil quando é
feito em ambiente de colaboração, pelo facto de os professores não senti-
rem confiança para dialogarem e refletirem com os colegas sobre as suas
próprias práticas educativas. Corre-se, pois, o risco de, em casos onde as
redes de colaboração se apresentam superficiais ou simplesmente confor-
táveis, atravessadas pela suspeita e sob a pressão do julgamento, a investi-
gação-ação colaborativa ter um menor impacto nas práticas dos professo-
res do que a investigação-ação desenvolvida individualmente (Day, 2001).
Tem-se afigurado difícil criar nas escolas uma verdadeira cultura
de colaboração. Impera ainda visivelmente a lógica disciplinar tanto na
organização da escola como nas práticas de sala de aula. A criação dos
departamentos curriculares pouco veio alterar a lógica de organização
domi­nante neste contexto. O mesmo pode ser afirmado acerca da criação

ICR-001-198.indd 172 02-04-2013 16:27:37


Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 173

de áreas curriculares não disciplinares de natureza integradora e transdis-


ciplinar, que, a pouco e pouco, vão sucumbindo à lógica disciplinar (foi
assim com a Área Escola, foi também assim com a Área de Projeto, vai
sendo assim com a Área de Estudo Acompanhado), ou mesmo da insis-
tência crescente em práticas de articulação curricular.
O trabalho colaborativo nas escolas, quando presente, tende a ocor-
rer mais por imposição do que por iniciativa e vontade dos professores,
assumindo, como regista Hargreaves (1996), uma natureza artificial. Não
se trata de uma colaboração espontânea, mas de uma interação obrigató-
ria, em situações fabricadas e previsíveis, administrativamente reguladas
e agendadas, tendo em vista sobretudo a implementação curricular, não o
desenvolvimento dos profissionais ou das escolas ou a reflexão sobre os
processos e resultados de aprendizagem (Lima, 2002; Rodrigues, 2003;
Dinis, 2010, entre outros).
A criação destas culturas de investigação e aprendizagem colabo-
rativas exige, para além disso, uma grande disponibilidade de tempo por
parte dos professores, para que estes possam analisar e discutir todos os
documentos e tarefas do processo de ensino-aprendizagem e aferir o grau
de consistência ou inconsistência que está “dentro e entre as teorias de
ensino e aprendizagem que defendem e as suas ‘teorias-em-acção’ e que
as estabeleçam no contexto de uma avaliação dos desafios e dos constran-
gimentos do sistema como um todo” (Day, 2001, pp. 82-83).
A falta desta disponibilidade de tempo tem também condicionado a
participação dos professores em processos de investigação-ação colabo-
rativa. O sistema educativo português está excessivamente burocratizado;
os professores investem muito do seu tempo a preencher formulários e
documentos cujo valor e impacto pedagógico se tem revelado diminuto
(Dinis, 2010).
Para que os professores possam desenvolver culturas de aprendiza-
gem e desenvolvimento ao longo das suas carreiras, é necessário que se
predisponham a empreender caminhos de partilha, reflexão, experimenta-
ção e investigação, que o poder político e as escolas valorizem e incenti-
vem estes trilhos formativos, criem a necessidade e proporcionem as con-
dições adequadas à emergência de comunidades de aprendizagem e redes
de professores investigadores, desejavelmente espontâneas (devendo partir
da iniciativa dos próprios docentes), voluntárias (não podendo ser sujeitas
a imposições ou constrangimentos), orientadas para o desenvolvimento
(a sua natureza espontânea e voluntária potencia a iniciativa e o empe-

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174 Investigação para um Currículum Relevante

nhamento dos docentes), difundidas no tempo e no espaço (não se com-


padecendo com horários impostos ou administrativamente pré-definidos)
e imprevisíveis (não se coadunando com decisões centralizadas sobre o
currículo ou a avaliação), caraterísticas que lhes emprestam autenticidade
e dinamismo e favorecem a autonomia (Hargreaves, 1998).

Conclusão

Como aqui procurámos ilustrar, a escola vive pressões crescentes de


mudança e inovação. Os alunos e os professores aumentaram em número
e diversidade e os objetivos da escolarização cambiaram significativamen-
te. Em face disto, a escola experimenta hoje um elevado grau de frustra-
ção e ansiedade, sentindo ora a impotência ora a desorientação de quem
vive entre as memórias de um passado que evoca, as representações de
um presente que lastima e os desafios de um futuro que receia.
Hoje, a escola quer-se capaz de aprender para conseguir mudar. Nesta
escola, o professor é chamado a participar de forma mais ativa e compro-
metida. Exige-se-lhe um perfil que se coadune com os desafios que en-
frenta e, por essa via, novas e diversificadas competências que lhe permi-
tam pensar as práticas, analisar os contextos e empreender caminhos de
inovação.
A investigação-ação apresenta-se neste panorama com um potencial
acrescido para promover o desenvolvimento profissional dos professores
e a mudança das práticas de ensino-aprendizagem que se pretende. Sendo
este embora um caminho fundamental, não se apresenta linear ou livre de
obstáculos e contratempos que a escola, os professores e demais agentes
educativos têm de procurar vencer para responder de forma satisfatória
aos desafios que se lhes deparam.

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2. O papel das narrativas na construção
da identidade do professor

Sandra Eugénio
Mariana Oliveira
Francisco Sousa

Através da narrativa consegue-se detetar ritmos, momentos, unida-


des, continuidades e descontinuidades na nossa vida (Clandinin, 1993).
Enquanto método de investigação facilitador do estabelecimento de liga-
ções entre o passado, o presente e o futuro (Ramos & Gonçalves, 1996),
a narrativa tem potencial para ajudar os profissionais de diversas áreas,
incluindo os professores, a encontrarem mais sentido(s) nas suas carrei-
ras, assim se contribuindo para a valorização da atividade docente (Sachs,
2001; Marçal, Klein, Pinheiro, Sadalla & Prado, 2009) e para a constru-
ção da identidade profissional coletiva do professor (Sachs, 2001).
A experiência contada e recontada através deste método revela-se
muito importante para o crescimento social e pessoal (Ramos & Gonçal-
ves, 1996) do professor. Por um lado, o significado atribuído à experiên-
cia vivida reconstrói o passado (Clandinin, 1993). Por outro lado, no ato
de recontar são potenciados “novos significados do nosso presente” (Frei-
tas & Galvão, 2007, p. 221) e ao mesmo tempo perspetiva-se a constru-
ção do futuro.
Através do método narrativo reforça-se a consciência do que se faz e
do quanto se faz, e possibilita-se, no caso particular da educação, que ou-
tros conheçam o que o docente realiza e, deste modo, compreendam não
só o que ele faz como também o seu pensamento em relação ao que faz.
Assim se contribui para a “memória social dos professores”, que ajuda a
conhecer o que é específico da profissão docente (Batista, 2005, p. 132),

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180 Investigação para um Currículum Relevante

o que pode favorecer o reforço da posição estratégica e do prestígio social


do professor (Lima, 1996).
As narrativas elaboradas por professores são geralmente ricas em
referências a acontecimentos que fazem parte da memória coletiva, na
medida em que estão fortemente relacionados com contextos económi-
cos, culturais e políticos que marcaram determinadas épocas da história
da educação (Freitas & Galvão, 2007). Neste processo, todos os interve-
nientes (narrador, investigador, leitor) fornecem os significados que cons-
troem a história que é contada (Trahar, 2009), o que confere “unidade à
diversidade de experiências” (Batista, 2005, p. 133). É essa convergência
de significados, gerados a partir de experiências de vida diferentes mas
com fortes traços comuns, que as narrativas, quer as heterobiográficas
quer as autobiográficas, contribuem para o desenvolvimento dos proces-
sos de identidade do grupo social a que o professor pertence (Freitas &
Galvão, 2007). Combinada com outras formas de divulgação de experiên-
cias educativas, a escrita narrativa pode favorecer a afirmação de valores
identi­tários (Batista, 2005) e a reflexividade do professor (Marçal, Klein,
Pinheiro, Sadalla & Prado, 2009).
A identidade afirma-se não só no presente mas também através de
um sentimento de continuidade e de participação nos ideais de um grupo
(Erikson, 1976). Neste sentido, a “partilha de significados” e de “grelhas
cognitivas” (Lopes & Ribeiro, 1996, p. 384) poderá contribuir para que o
professor construa a sua ação e a sua identidade profissional.
No quotidiano dos professores surgem dúvidas e inquietações rela­
cionadas com a atividade docente que a elaboração de narrativas pode
ajudar a clarificar. As palavras, que constituem os textos narrativos, trans-
mitem emoções, sentimentos e pressupostos que ajudam os docentes a
refletir sobre a sua própria ação, analisando aspetos metodológicos e
didáticos, entre outros, dessa mesma ação (Marçal, Klein, Pinheiro,
Sadalla & Prado, 2009; Shkedi, 2009).
Ao explorar as histórias de vida profissionais e pessoais pode-se loca­lizar
a origem de valores, perspetivas, crenças que atuam nas conceções atuais do
docente acerca do ensino e do que é ser professor (Day, 2001). O método
biográfico permite o estudo em profundidade dos pensamentos e das crenças
pessoais dos professores, podendo ser usado como meio de compreensão do
seu posicionamento “perante determinadas orientações educativas, aconteci-
mentos ou inovações” (Januário, 1996, p. 63). Assim, pode-se compreender
o professor e o “seu ensino” e proporcionar a este profissional uma ocasião
de mudança e de desenvolvimento (Day, 2001, p. 67).

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 181

As narrativas podem constituir-se como oportunidades de desenvol-


vimento profissional (Day, 2001; Sachs, 2001), por facilitarem a comu-
nicação entre professores e a reflexão crítica sobre práticas educativas.
A leitura, a análise e a discussão de narrativas propiciam oportunidades
de aprofundamento do conhecimento acerca do ensino e da aprendiza-
gem.
A história contada através da narrativa permite definir o narrador
ou o grupo de pessoas a que se reporta (Goodson, 2008), pois, apesar de
esta resultar da ação, é o narrador quem a percebe e constrói (Arendt, cit.
por Amaral, 2007). Este método permite a realização de uma análise con-
textualizada de determinados acontecimentos ricos em detalhes que se
revelam marcantes e que desta forma são colocados em evidência, mas
passariam despercebidos sem esta análise (Freitas & Galvão, 2007). Para
Reis (2008), trata-se da metodologia mais adequada para compreender a
complexidade contextual e específica do processo educativo, assim como
as tomadas de decisão, os comportamentos e o próprio conhecimento pro-
fissional dos professores.
Na elaboração de narrativas profissionais é frequente os investiga-
dores encontrarem professores que aparentemente não têm muito para
dizer e manifestam dificuldade em distinguir o essencial do secundário.
A estas dificuldades acrescenta-se, ainda, a celeridade com que os acon-
tecimentos ocorrem na escola, o que leva a que faltem momentos de se-
renidade para analisar esses mesmos acontecimentos com atenção e até
mesmo para organizar os pensamentos (Marçal, Klein, Pinheiro, Sadalla
& Prado, 2009). Contudo, é possível progredir de referências episódicas a
determinadas experiências para histórias com fio condutor e para histórias
de vida que se constituem, elas próprias, como meios de concretização de
uma forma particular de aprendizagem – a aprendizagem narrativa (Goo-
dson et al., 2010).
Há professores para quem a escrita é não só um hábito mas tam-
bém um prazer. Estes profissionais merecem especial atenção enquanto
potenciais produtores de autonarrativas, que podem ser encorajados na
produção de pequenos registos alusivos a interações com os elementos da
comunidade educativa, a outras experiências vividas e a passagens signifi-
cativas de literatura consultada, como pontos de partida para a construção
dos textos, que poderão ser breves e superficiais no início e progressiva-
mente mais complexos em etapas posteriores (Marçal, Klein, Pinheiro,
Sadalla & Prado, 2009).

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182 Investigação para um Currículum Relevante

As narrativas que passaremos de imediato a apresentar de forma


resu­mida representam um leque relativamente variado de nuances, na
medida em que incluem a autonarrativa e a heteronarrativa (embora a
primeira seja aqui apresentada na terceira pessoa por razões relativas à
harmonização geral do texto), recorrem a diferentes estratégias de inves-
tigação e referem-se a profissionais que lecionam em diferentes etapas da
educação básica.

O meu baú profissional

O projeto “O meu baú profissional – Construção do pensamento cur-


ricular e profissional de uma educadora”, desenvolvido por uma das auto-
ras do presente texto (Oliveira, 2010) no contexto do projeto CPCIC-EB,
constitui um exemplo concreto de valorização da narrativa profissional na
educação, mais especificamente na educação de infância. Neste caso, a
narrativa foi assumida como ferramenta facilitadora de uma atitude pro-
fissional “reflexiva e investigativa”, que permite “tomar decisões em con-
textos de incerteza” e “escolher entre alternativas com base no diagnósti-
co rigoroso das situações” (Alonso, 2000, p. 38). Como assinala Alarcão
(1998, p. 50), o professor
é o representante da sociedade, por ela encarregado de transmitir conhe-
cimentos e valores que esta vem acumulando ao longo dos séculos e no
momento valoriza. Mas é também o coconstrutor dessa mesma sociedade,
ser pensante, crítico, interventor, corresponsável pela evolução da mesma
e mobilizador de novos olhares perante as mutações em presença. O seu
papel joga-se num presente com passado e com futuro.
A consciência da potencialidade formativa da narrativa autobiográ­
fica, enquanto instrumento de investigação e de autoconhecimento, per-
mite que o “eu” seja tomado como objeto de análise, com o objetivo de
autoconhecimento, compreensão do processo educativo/ formativo. De
facto, como salienta Couceiro (1993, p. 22),
é na apropriação autorreflexiva da globalidade da sua vida que o questio-
namento se impõe, as aprendizagens se produzem, o conheci­mento se ela­
bora, a unidade e a coerência se vão estabelecendo entre diferentes elemen-
tos, possibilitando a emergência de uma identidade pessoal que interage
qualitativamente com todas as dimensões da vida.
Assim, na construção da identidade profissional, indissociável da
identidade pessoal, a prática reflexiva do professor assume um papel cen-

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 183

tral. Alarcão e Roldão (2008, p. 71) afirmam, a este propósito, que a cons-
trução da identidade profissional é um processo que “se configura como:
de autoimplicação, socioconstrutivista, referenciado à ação e aos saberes
constituídos, analítico, reflexivo, inacabado, intertemporal, historicamente
contextualizado”.
Explorando a potencialidade investigativa das narrativas profissio-
nais, o projeto “O meu baú profissional” permitiu, através do método
(auto)biográfico-narrativo, a construção de uma narrativa em busca de
uma identidade profissional, à medida que referentes individuais e coleti-
vos foram sendo mobilizados e manipulados de forma pessoal e autêntica,
através da utilização de referências teóricas e ferramentas metodológicas
que foram sendo adquiridas em contexto de formação. Assim se delineou
um processo metarreflexivo que implicou um diálogo entre o pensamento
e a ação, ilustrado com exemplos da prática, e que tornou mais explícito o
conhecimento profissional da autora, enquanto educadora de infância.
Nesta investigação educativa, não se aspirava somente a encontrar
respostas teóricas, pois, como afirma Alonso (2009, p. 10), “qualquer in-
terpretação da natureza da investigação educativa que se limite a trans-
formar os problemas da educação numa série de problemas teóricos ou
abstratos distorce seriamente a finalidade e a natureza da própria inves-
tigação”. Pretendeu-se, isso sim, fazer emergir e identificar aquilo que
foi realmente formador (Nóvoa e Finger, 1988), através da construção de
uma narrativa.
As raízes da narrativa aqui em discussão encontram-se nalgumas
ideias registadas num diário, redigido em contexto de formação. Desses
registos, destacamos os seguintes:
– Estou perdida sem saber para onde pretendo ir;
– Sinto-me uma profissional administrativa e não educadora de in-
fância;
– Ainda nenhumas respostas achei, mas um caminho a seguir encon-
trei;
– Refletir em equipa, ter o direito de ter dúvidas e de precisar de
tempo para as resolver, não ter medo de o escrever e assumir, sinto
que é isto que preciso já e agora;
– Só quando escrevo é que me apercebo do quanto preciso de indagar;
– Sei que as minhas crianças precisam de mim, mas agora a Maria-
na não pode, tem uma reunião muito importante. (Oliveira, 2010,
p. 2)

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184 Investigação para um Currículum Relevante

Estes excertos ilustram uma atitude de questionamento da autora em


relação ao trabalho, à escola, à educação, até mesmo em relação aos pró-
prios princípios e valores.
Como sistematizar, partilhar e refletir o “baú profissional”, reelabo-
rando o saber da experiência em confronto com a teoria? Através de uma
narrativa autobiográfica, a educadora procurou fazer emergir e destacar
as experiências profissionais que foram formadoras e transformadoras da
sua identidade, em interação com os diferentes contextos de trabalho e de
formação e de investigação académica.
Foi assim que surgiram as questões que sustentaram e orientaram a
investigação.
1. Quais foram os marcos mais significativos no processo de construção do
conhecimento que contribuiu para o desenvolvimento profissional da au-
tora?
2. Como caraterizar esses marcos através da reflexão sobre as práticas, os
documentos e matérias curriculares que as corporizam e os contextos em
que elas foram geradas?
3. Quais as experiências profissionais e formativas que mais contribuíram
para a inovação das práticas curriculares e para a construção da identida-
de da educadora como profissional reflexiva?
A resposta a estas questões exigiu uma abordagem e um conjunto de
procedimentos metodológicos específicos e adequados face à preocupa-
ção em construir uma narrativa com reconhecimento científico. O proces-
so incluiu as seguintes fases:
1. Seleção de documentos e identificação de marcos significativos;
2. Delimitação do contexto e dos sujeitos de investigação;
3. Escrita da narrativa;
4. Validação da narrativa.
Foi na primeira fase deste processo, na seleção, organização e pré-
-análise dos documentos que constituíam o “baú profissional”, que a auto-
ra conseguiu definir os quatro marcos desse percurso que mais significati-
vamente contribuíram para o seu desenvolvimento enquanto educadora de
infância, dando resposta à primeira questão. Os marcos identificados são
os seguintes:
1. Da licenciatura à prática (1999-2003);
2. Da prática ao mestrado (2003-2008);
3. Primeiro ano do mestrado (2008-2009);
4. Ano letivo 2009-2010.

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 185

O processo de seleção e análise documental estimulou a memória,


facilitando a construção da narrativa, que inclui a caraterização de cada
marco através da reflexão sobre as práticas, da exploração dos materiais
curriculares e pedagógicos que as corporizam e da descrição dos con­
textos em que elas foram geradas. Assim se foi construindo a resposta à
segunda questão de investigação.
Os documentos selecionados foram produzidos em diversos contex-
tos: formação (licenciatura, mestrado, Erasmus na Suécia), vivência insti-
tucional e trabalho em sala de aula, com as crianças.
Uma das grandes dificuldades sentidas foi a de manter a distância
crítica entre o eu investigado e o eu investigador, de forma a assegurar
a validade/ credibilidade da investigação. A salvaguarda desta qualidade
foi conseguida através da interação/ triangulação entre quatro níveis de
reflexão:
1.º nível – seleção e pré-análise dos documentos;
2.º nível – análise crítica dos documentos;
3.º nível – mobilização e articulação do pensamento da autora com o de
outros autores relevantes;
4.º nível – comentário crítico de uma especialista externa.
A escrita da narrativa foi organizada em várias fases, que corres-
pondem aos quatro marcos significativos identificados no processo de
desenvolvimento profissional: 1) Tornar-se educadora de infância – à
descoberta da profissão; 2) A vivência da profissão – entre as incertezas,
as conquistas e a inovação; 3) Consciência profissional – “desenterran-
do” o meu baú profissional; 4) Em busca de uma identidade profissional.
Este itinerário de escrita permitiu o desvelar do pensamento curricular
e profissional da autora. Na narração de cada marco, foram articulados
excertos dos documentos selecionados do “baú profissional” e citações
de autores de referência, ao mesmo tempo que eram levantadas questões.
Assim se foi desenvolvendo a reflexão acerca do contexto, dos interve-
nientes, dos processos de aprendizagem e de formação, bem como das
práticas curriculares e as suas implicações na mudança educativa.
A narrativa estrutura-se não num tempo linear, mas num tempo da
consciência de si, das representações que a profissional vai construindo
sobre si mesma. Num esforço de identificação de experiências particular-
mente marcantes nesse processo de construção da identidade profissional,
que possibilitasse uma resposta à terceira questão de investigação, foi-se
tornando claro que as aprendizagens mais valiosas foram feitas em con-

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186 Investigação para um Currículum Relevante

textos de cultura de colaboração e de reflexão institucional participada,


nos quais predominou a partilha de receios e de conquistas na procura
de práticas inovadoras. Essa reflexão sobre a globalidade da experiência,
que não se restringe às “boas práticas”, facilita a organização coerente de
signi­ficados e a progressiva consolidação da identidade profissional.

Outras narrativas profissionais

No contexto mais específico do projeto ICR/ENCUR, houve algum


esforço de caraterização da identidade profissional dos membros da equi-
pa que o desenvolveu, considerando que uma boa compreensão dessa
identidade pode facilitar a construção de abordagens mais eficientes aos
problemas pedagógicos que estes profissionais enfrentam. Por isso pro­
curou-se tornar mais visíveis os processos de construção da identidade
profissional de alguns dos professores que integraram a equipa. Neste
sentido, decidiu-se elaborar narrativas centradas em três desses profissio-
nais: a Alice, professora do 1.º ciclo do ensino básico; a Berta, professora
de Matemática e Ciências Naturais no 2.º ciclo; e o Cândido, professor de
Ciências Naturais no 3.º ciclo40. A organização destas narrativas toma por
referência os quatro eixos em torno dos quais, segundo Roldão (1999), se
estrutura a profissionalidade docente: a função, o saber, o poder e a refle-
xividade. No caso particular da reflexividade, assume-se aqui que, por um
lado, investigação não é sinónimo de reflexão (Lüdke & Cruz, 2005; Sou-
sa, 2010), mas que, por outro lado, a investigação pode constituir-se como
pilar privilegiado da reflexividade. Os dados em que assentam as narrati-
vas foram obtidos sobretudo através de inquérito por entrevista. Segue-se
a apresentação de alguns resultados da análise de entrevistas aos três refe­
ridos docentes, que revelam alguns aspetos interessantes da identidade
profissional dos entrevistados, além de identificarem alguns momentos e
algumas fontes de influência que estes profissionais consideram particu-
larmente significativos no processo de construção dessa mesma identidade.
Apesar do que distingue as identidades dos três docentes entrevista-
dos, todos eles revelam alguns aspetos comuns. Assim, todos eles assu-
mem que possuem alguma autonomia no que diz respeito à gestão do cur-

40
Por razões de confidencialidade, os verdadeiros nomes destes professores foram
substituídos por pseudónimos.

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 187

rículo. Além disso, os três referem-se à avaliação da aprendizagem como


uma das componentes fundamentais da função docente. Curiosamente,
há dois momentos considerados pelos três docentes como marcantes na
construção das suas identidades profissionais: brincar aos professores na
infância e o estágio. Finalmente, os três entrevistados afirmam que as
suas identidades enquanto professores têm sido influenciadas pelo que sa-
bem dos seus alunos, pelas ações de formação que têm frequentado e pelo
projeto ICR/ENCUR.
A análise da transcrição da entrevista à Alice permite perceber que
nas representações desta professora relativamente à função do professor
predominam algumas ideias-chave: o professor deve, fundamentalmente,
ensinar, ou seja, garantir a realização de aprendizagens por parte dos alu-
nos, e promover a autonomia destes últimos. Deve também ser uma refe-
rência para os alunos e servir-lhes de modelo; realizar um leque variado
de diligências para que haja aprendizagem da outra parte; realizar ativi-
dades para além da sala de aula e que envolvam toda a escola, incluindo
pais/encarregados de educação e a comunidade em que a escola se insere;
dinamizar diversos eventos (formações, palestras, apresentação de peças
de teatro, visitas de membros da comunidade, entre outros).
Pela análise da transcrição da entrevista realizada à Berta percebe-
-se que, também na perspetiva desta entrevistada, é central na função do
professor o ato de ensinar, no sentido de fazer aprender, e a promoção
da autonomia do aluno. Segundo a entrevistada, é muito importante que
o professor seja capaz de explicar os conceitos associados aos conteúdos
curriculares usando “uma linguagem clara, com exemplos e contraexem-
plos”; estabelecer de início “regras claras” e “o que é que acontece em
consequência de”; implicar o aluno no seu próprio processo de aprendiza-
gem e de avaliação; clarificar os critérios de avaliação para que os alunos
saibam “o que é que é valorizado”; efetuar “registos sistemáticos do que
acontece na aula” e mostrá-los aos alunos; ajudar os alunos a desenvolve-
rem trabalho cooperativo e a chegar a consensos; ensinar os alunos a ou-
vir, “a lidar uns com os outros” e a comunicar; ajudar os alunos a desen-
volverem a sua capacidade de pensar e de arranjar “maneira de resolver
as situações”; desenvolver nos alunos a capacidade de análise e tomada
de decisão.
Ao analisar a transcrição da entrevista ao Cândido verifica-se que,
das representações deste docente no que se refere à função docente, emerge
a ideia de que o professor deve estar atento aos problemas e às necessi-

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188 Investigação para um Currículum Relevante

dades dos alunos; elaborar estratégias para superar ou atenuar esses pro-
blemas; possibilitar o debate na sala de aula; ser moderador; ser criativo;
criar momentos de autorreflexão; pesquisar para estar atualizado; revelar
competência “a nível científico, a nível pedagógico”; tentar não cometer
erros e se os cometer corrigi-los com humildade; ajudar o aluno a ter “pe-
quenos progressos”; esclarecer os alunos mesmo para além da sua área
científica de formação; “abrir horizontes aos alunos”; estabelecer uma
“boa relação com os pais” dos alunos.
No que diz respeito à autonomia do professor, a Alice considera
que um professor não se deve limitar a cumprir e a ser dedicado; deve
construir e criar. Enquanto foi professora de apoio sentiu que não tinha
muita autonomia (estava limitada a trabalhar as dificuldades dos alunos
e a fazer o que era delineado pela professora titular). Revela iniciativa e
conseguiu mudar práticas ao nível da sua escola. Promove atividades para
a comunidade, em particular para os pais. Tem um estilo próprio; adota
uma lógica de planificação diferente das suas colegas de Escola. Tem po-
der na aula; é ouvida na escola e o seu trabalho é reconhecido; é autóno-
ma, “até um certo nível”, sobretudo na seleção dos métodos e das estraté-
gias de ensino. Centra-se nos alunos – são eles o seu “ponto de partida” e
não a “lição que vem a seguir no manual”. Partilha dificuldades sentidas
no âmbito da avaliação do seu desempenho por usar “um método diferen-
te”, mas não tenciona mudar a sua forma de ensinar porque não ensina
“para agradar os professores”.
A Berta considera que o facto de determinadas recomendações vi-
rem expressas nos documentos oficiais confere maior segurança e condi-
ciona a ação do professor. Na sua opinião, os documentos oficiais “confe-
rem muita autonomia” aos professores. No entanto, “os professores não
usam convenientemente a autonomia que têm”. No que se refere ao ensino
da Matemática, sente maior pressão em relação ao currículo prescrito do
que no que se refere ao ensino das Ciências. Por vezes, sente a pressão
dos pares na gestão que faz do currículo, e considera o programa de Ma-
temática muito vasto tendo em conta o perfil dos alunos que normalmente
encontra. Sente que os professores têm de dar resposta a muito trabalho e
isso retira-lhes espaço para poderem analisar, pensar e expressar as suas
opiniões de forma consistente. Considera que o tempo dos docentes deve-
ria ser rentabilizado de outra forma. Por exemplo, através de uma melhor
gestão das reuniões ou da partilha de materiais e experiências, que ajuda
a rentabilizar “uma parte do trabalho”. Gostaria de encurtar o programa

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 189

para realizar as atividades que entendesse serem as mais adequadas, de


forma a respeitar mais os diferentes ritmos de aprendizagem dos seus alu-
nos. Considera que deveria haver uma ação concertada e fundamentada
por parte dos professores de modo a que estes tomassem posições conjun-
tas que fossem visíveis na comunidade. Sente que é autónoma no sentido
de não ser necessário haver quem lhe diga diretamente aquilo que tem de
fazer e porque toma as suas decisões de uma forma consciente e livre. A
escola dá-lhe liberdade para que possa planificar as suas aulas de acordo
com as turmas com que trabalha, com os seus conhecimentos e com a
forma como acha mais correto ensinar. Porém, sente igualmente que é pe-
nalizada na avaliação do seu desempenho se não cumprir o prescrito e se
atender mais ao ritmo dos alunos.
O Cândido considera que um professor profissional é aquele que
cumpre “o que está estipulado” (orientações curriculares, orientações do
conselho pedagógico, prazos, assiduidade, etc.). Afirma que neste mo-
mento tem um poder “muito limitado” e responsabiliza os governantes
pela degradação da “imagem dos professores”, especialmente por via da
avaliação do desempenho docente. Pensa também que a carga horária da
disciplina de Ciências Naturais determinada pela Secretaria Regional da
Educação e Formação é “manifestamente insuficiente” e que este é um
assunto que o ultrapassa. Para além disso, refere que a carga horária da
disciplina e as provas de avaliação sumativa externa limitam a sua ação.
Considera, ainda, não ter muito poder “na elaboração das listas com os
cursos de formação”, na medida em que apenas apresenta sugestões ao
centro de formação. Afirma que em relação a alguns assuntos, como a
carga horária da disciplina, o seu poder limita-se a expressar e registar
em atas de grupo/ departamento as suas opiniões, preocupações, ideias e
reflexões, em relação às quais sente ausência de feedback. Ainda no que
se refere à sua autonomia, admite que raramente cumpre a planificação
porque prefere moderar e desenvolver determinadas questões colocadas
pelos alunos, por considerá-las pertinentes.
A propósito de reflexividade e investigação na educação, a Alice
considera saber justificar o trabalho que está a fazer com os seus alunos.
Os seus alunos são a sua fonte de inspiração e é a partir deles que define
os métodos e adapta as estratégias que utiliza. Assim, considera fazer uma
“leitura” do aluno e diz que a partir do que pensa sobre o aluno define
uma determinada estratégia. Considera que ao observar e questionar um
aluno de uma forma deliberada tem em vista um propósito. Logo, tal pro-

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190 Investigação para um Currículum Relevante

cedimento resulta de uma atividade pensada. A reflexão e a investigação


têm a ver com a sua maneira de ser e de estar na profissão, permitindo,
na sua perspetiva, que haja uma melhoria na aprendizagem do aluno e na
maneira de ensinar do professor. Deste modo, a necessidade de confirmar
o trabalho que está a fazer é por vezes o ponto de partida para a pesqui-
sa. Neste enquadramento, o projeto ICR/ENCUR obrigou a docente a re-
gistar e a seguir mais determinada “atividade que deliberadamente deverá
ser pensada” e ter princípio, meio e fim. Considera importante que haja
tempo para que se aplique e avalie uma determinada estratégia e receia
que isso possa não ter acontecido sempre no projeto ICR/ENCUR. Refere
ainda que quando erra ou o seu trabalho não a satisfaz pensa sobre os mo-
tivos pelos quais tais situações terão ocorrido.
A Berta afirma que só vale a pena fazer algo se houver um obje-
tivo; diz ser importante saber o que está a fazer e fundamentar bem as
suas práticas. Preocupa-se em explicar aos alunos os motivos pelos quais
está a fazer algo. Reconhece que vai refletindo e em alguns momentos
tem consciência do que “realmente dá certo”. Refere que tenta aplicar o
que resultou anteriormente e tenta modificar o que não resultou, tendo
por base sempre as necessidades da turma. Admite que muitas vezes não
consegue identificar as situações em que construiu a sua maneira de ser
professora, talvez por não ter consciência de quando é que isso aconteceu.
Julga que a investigação na carreira docente deve ser valorizada porque os
docentes devem “ser profissionais muito conscientes daquilo que fazem”.
Segundo esta profissional, a investigação na educação devia ser um traba-
lho conjunto, que aliasse “os investigadores aos professores”. Neste âm-
bito, considera que o projeto ICR/ENCUR foi interessante porque juntou
“docentes do ensino superior com docentes do ensino básico em níveis
tão diversificados”. Sublinha que aliar e partilhar a prática dos “professo-
res que estão no terreno” com as abordagens mais teóricas dos professo-
res do ensino superior é interessante, complementar e muito enriquecedor.
Para além disso, estabelece segurança “a quem está dia a dia a fazer na
prática”. Neste contexto, afirma que o projeto ICR/ENCUR ajudou a fun-
damentar bem as práticas educativas dos docentes. Acrescenta que o fac-
to de ter observado e envolvido determinados alunos de uma forma mais
consciente e propositada no âmbito do projeto levou a que tivessem ocor-
rido mudanças nas atitudes destes alunos e melhora a prática letiva, sendo
isso fruto “do projeto em si”.
O Cândido refere-se às reuniões de grupo e/ou de departamento
como situações nas quais são trocadas algumas impressões mas não se

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 191

“aprofunda muito”. Defende que a reflexão e a investigação têm como


objetivo fazer com “que as aprendizagens tenham significado para os
alunos”. Acredita que se a pessoa gosta do “que faz sente necessidade de
investigar e de saber mais e de aperfeiçoar a sua prática”. De acordo com
as suas representações, o professor, por si próprio, pode e deve investi-
gar, de modo a estar sempre atualizado. Contudo, considera mais difícil
o professor investigar sozinho. Acrescenta que se o professor se quiser
valorizar mais em termos profissionais poderá fazer um mestrado ou uma
pós-graduação, de modo a dedicar-se, empenhar-se e aprofundar mais a
investigação. Assim, poderá mais facilmente pedir a ajuda de outros para
realizar as suas investigações. Quanto ao seu quotidiano, diz que pro­cura
criar momentos de autorreflexão para que possa ir melhorando as suas
práticas. Reconhece na reflexão a possibilidade de adquirir ferramentas
para tentar tornar-se “melhor professor”. Neste sentido, refere que tenta
fazer o balanço das aulas que leciona, reformular o que for necessário e
criar oportunidades para que tal aconteça. No entanto, sublinha que não
reflete sempre de forma aprofundada sobre as suas ações: “muitas vezes
as coisas já vão saindo, já vão fluindo”. Acrescenta que a observação de
aulas incrementa a reflexão sobre determinadas situações que acontecem
durante as mesmas e das quais nem sempre se toma consciência. Neste
enquadramento, considera a audioscopia e a transcrição de aulas impor-
tantes para o professor refletir acerca de vários aspetos que nelas ocor-
rem. Por último, defende que a atenção prioritária às necessidades dos
alunos pode justificar que o trabalho na sala de aula difira do previsto na
planificação.
No que diz respeito ao conhecimento profissional, a Alice valoriza
o conhecimento científico mas não o considera o tipo de conhecimento
mais determinante para se ser um bom professor. Para planear as ativida-
des que desenvolve com os alunos e restante comunidade, dentro e fora
da sala de aula, baseia-se nos seus conhecimentos científicos e didáticos e
também em sugestões dos encarregados de educação, que recolhe no iní-
cio do ano letivo. Nunca introduz um novo conceito matemático de forma
mecânica; parte de uma situação que está a ser vivida na turma ou na
escola, de uma história que está a ser explorada ou de uma situação-pro-
blema. Na área de Estudo do Meio, procura “transcender o local” e abor-
dar determinados conteúdos numa perspetiva global, evitando um enfo-
que excessivamente centrado na realidade geograficamente mais próxima,
embora recorra frequentemente a visitas de estudo para abordar determi-

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192 Investigação para um Currículum Relevante

nados conteúdos e contextualizar os assuntos estudados. Sempre abordou


as áreas curriculares de forma integrada. Considera, aliás, que a integra-
ção curricular contribui decisivamente para “os melhores resultados na
aprendizagem” obtidos pelos seus alunos e mostra evidências (trabalhos
produzidos pelos alunos) de que, em relação a alguns conteúdos, os seus
alunos revelam melhores aprendizagens do que alguns dos alunos que se
encontram em anos de escolaridade mais avançados. Afirma que nunca
teve “problemas em experimentar” e em avaliar o resultado das suas ini-
ciativas. O facto de ter verificado que os seus alunos aprendem mais rapi-
damente e de forma mais significativa a partir de histórias fê-la optar por
abordar os conteúdos programáticos recorrendo a esta estratégia. Revela
conhecimento acerca do trabalho das assistentes de educação e valoriza-o.
Contribui assim para a promoção de um ambiente de trabalho colabora­
tivo e para o desenvolvimento profissional das referidas trabalhadoras.
A Berta destaca o conhecimento científico e as práticas pedagógi-
cas como pilares do seu conhecimento profissional. Destaca ainda os en-
contros anuais ProfMat, promovidos pela Associação de Professores de
Matemática, como eventos bastante importantes no progressivo enrique-
cimento desse mesmo conhecimento. Lamenta não ter mais tempo para
pesquisar e planificar, fora da sala de aula, de modo a “fazer um ensino
bem diferenciado de acordo com o que cada aluno precisaria”. Enquanto
orientadora de estágio, tem procurado fomentar entre as estagiárias a par-
tilha de conhecimentos, dando-lhes autonomia para tomarem as suas pró-
prias decisões e promovendo a discussão sobre diversos modos de fazer.
O Cândido destaca o conhecimento pedagógico e o científico como
os mais importantes para o professor. Complementarmente, valoriza co-
nhecimentos que considera transversais, nas áreas de psicologia, informá-
tica, educação afetivo-sexual, relações humanas e comunicação, incluindo
o domínio de técnicas de colocação de voz. Acrescenta que o professor
deve dominar os “temas da atualidade”, de modo a relacionar o quotidia-
no com os conteúdos lecionados na área disciplinar, e atualizar-se para
não ser ultrapassado pelos conhecimentos que os alunos hoje trazem para
a escola, especialmente os conhecimentos associados às novas tecnologias.
No que diz respeito à identificação de momentos e situações mar-
cantes na construção da identidade profissional, a Alice destaca o di-
álogo com uma irmã mais velha, educadora de infância, com alguns dos
seus professores no ensino básico e no ensino superior, com colegas de
estudo e de trabalho. Refere também o segundo ano de trabalho com a

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Capítulo III – No rescaldo do projeto ICR/ENCUR 193

turma de que é titular, durante o qual decidiu experimentar o método glo-


bal no ensino da leitura e da escrita; a nomeação definitiva para o quadro
da escola; a assunção da titularidade de uma turma; a adesão ao projeto
ICR/ENCUR; a participação no plano regional de leitura e a assunção de
responsabilidades relacionadas com a biblioteca da escola; a participação
na construção do currículo regional da educação básica; e a decisão de
usar sistematicamente estratégias de ensino baseadas em histórias elabo-
radas para os alunos e com os alunos.
A Berta começou por não identificar momentos especialmente mar-
cantes na construção da sua identidade profissional, que classificou como
um percurso gradual. Mas, ao longo da entrevista, acabou por reconhecer
a já referida importância da sua participação nos encontros ProfMat para
o enriquecimento dos seus conhecimentos. Além disso, foi-se referindo a
um leque variado de fontes de influência, incluindo aulas que observou,
conversas informais na sala dos professores e programas de televisão.
Ou seja, o próprio desenrolar da entrevista facilitou a tomada de cons­
ciência, por parte da Berta, de momentos e influências que inicialmente
não tinha identificado.
O Cândido identifica claramente a sua frequência do 12.º ano de esco­
laridade, mais especificamente da disciplina de Biologia, como o momento
em que decidiu ser professor. Também reconhece várias fontes de influên­
cia sobre a sua identidade profissional, incluindo artigos científicos e de
opinião, ações de formação contínua, vários dos seus professores nos en-
sinos básico e secundário e os valores cristãos.

Reflexões finais

Os quatro professores cujas narrativas profissionais foram aqui resu­


midamente apresentadas têm revelado, para além das caraterísticas comuns
já referidas, um forte empenhamento no seu próprio desenvolvimento
profissional. O envolvimento destes docentes no processo narrativo con-
tribuiu para uma perceção mais nítida de linhas de continuidade na cons-
trução das suas identidades enquanto profissionais da educação.
A narração emergiu mais facilmente nalguns casos do que noutros, o
que impeliu os investigadores a adotarem algumas nuances na suas estra-
tégias de facilitação da mesma.
No que diz particularmente respeito à autonarrativa aqui apresenta-
da, o gosto pela escrita que a autora já possuía à partida não a impediu de

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194 Investigação para um Currículum Relevante

sentir, no início do processo, algumas dificuldades na estruturação do texto


e na criação de dispositivos que assegurassem a sua credibilização enquanto
trabalho de investigação. Essas dificuldades foram ultrapassadas, tendo os
esforços realizados resultado numa significativa clarificação de aspetos fun-
damentais da construção da identidade profissional da autora enquanto edu-
cadora de infância.
Em relação às três heteronarrativas, os procedimentos adotados na
produção de dados – flexíveis mas sempre norteados pelos objetivos da
investigação – contribuíram para que fosse facilitada, nalguns casos mais
do que noutros, não só a verbalização mas também a tomada de consci-
ência de aspetos importantes das identidades dos professores do ensino
básico que aceitaram colaborar connosco nestas diligências de estudo das
mesmas.
Aprender com as narrativas é um desafio ao qual os protagonistas
dos episódios narrados e os restantes membros das equipas em que se fo-
ram integrando têm procurado responder gradualmente. A aprendizagem
narrativa é um processo que não decorre de forma exclusivamente cons-
ciente (Goodson et al., 2010), mas a investigação pode contribuir deci-
sivamente para o alargamento do espaço de consciencialização. Os pro-
fessores-investigadores envolvidos nas narrativas aqui apresentadas estão
hoje mais conscientes de um conjunto de componentes relevantes da sua
profissionalidade. Apesar do seu caráter individual, as quatro narrativas
enfatizam o reconhecimento do importante contributo de colegas de pro-
fissão e de estudo, antigos professores e outros atores significativos para a
construção de aspetos importantes da identidade profissional. Aprofundar
a reflexão sobre alguns desses contributos, de modo a potenciar as mais-
-valias deles resultantes, poderá ser a próxima etapa da resposta ao desafio.

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Notas sobre os autores

Francisco Sousa é Professor Auxiliar do Departamento de Ciências da Edu-


cação da Universidade dos Açores, na área da Teoria e Desenvolvimento
Curri­cular, e Investigador no CIEC – Centro de Investigação em Estudos
da Criança, Universidade do Minho. Assegurou a coordenação científica do
projeto ICR/ENCUR.
Luísa Alonso é Professora Associada do Departamento de Estudos Curricula-
res e Tecnologia Educativa, do Instituto de Educação da Universidade do
Minho, e Investigadora no CIEC – Centro de Investigação em Estudos da
Criança, sedeado na mesma Universidade. Coordenou o projeto CPCIC-
-EB, ao qual se associou o projeto ICR/ENCUR.
Maria do Céu Roldão é Professora Coordenadora, aposentada, do Instituto Poli­
técnico de Santarém, Professora Convidada da Faculdade de Educação e
Psicologia da Universidade Católica Portuguesa e Investigadora no Centro
de Estudos em Desenvolvimento Humano, sedeado na mesma Universi­
dade. Participou, na qualidade de conferencista, nos eventos promovidos no
âmbito do projeto ICR/ENCUR.
Josélia Fonseca é Professora Auxiliar do Departamento de Ciências da Educação
da Universidade dos Açores, na área da Filosofia da Educação, e Investiga-
dora no CIEC – Centro de Investigação em Estudos da Criança, Universi-
dade do Minho. Integrou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Ioan Neacsu é Professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Bucareste, Roménia. Assegurou a coordenação científica
do projeto ENCUR na Roménia.
Ileana Rusenescu é Professora da Escola 205, Bucareste, Roménia. Integrou a
equipa que conduziu o projeto ENCUR na Roménia.
Odília Machado é Professora da Escola Básica Integrada da Praia da Vitória. Inte­
grou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Francisco Valadão é Professor da Escola Básica Integrada da Praia da Vitória.
Integrou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.

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Mónica Monteiro é Professora da Escola Básica Integrada da Praia da Vitória.
Integrou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Vera Lourenço é Professora da Escola Básica e Secundária Tomás de Borba.
Inte­grou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Susana Mira Leal é Professora Auxiliar do Departamento de Ciências da Edu-
cação da Universidade dos Açores, na área da Metodologia do Ensino do
Português, e Investigadora no Centro de Investigação em Educação da Uni-
versidade do Minho. Assegurou a coordenação científica do grupo de São
Miguel na fase inicial do projeto ICR/ENCUR.
Sara Massa é Professora da Escola Básica Integrada de Arrifes. Integrou a equi-
pa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Filomena Rebelo é Professora da Escola Básica Integrada Roberto Ivens. Inte-
grou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Fernanda Silva é Professora da Escola Básica Integrada dos Biscoitos. Integrou
a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Raquel Dinis é Professora Auxiliar do Departamento de Ciências da Educação da
Universidade dos Açores, na área da Teoria e Desenvolvimento Curricular,
e Investigadora no CIEC – Centro de Investigação em Estudos da Criança,
Universidade do Minho. Assegurou a coordenação científica do grupo de
São Miguel na fase final do projeto ICR/ENCUR.
Sandra Eugénio é Professora da Escola Secundária Jerónimo Emiliano de Andrade.
Integrou a equipa que conduziu o projeto ICR/ENCUR.
Carlos Gomes é Professor Auxiliar do Departamento de Ciências da Educação
da Universidade dos Açores, nas áreas da Didática das Ciências e da Tecno­
logia Educacional. Colaborou em iniciativas promovidas no âmbito do pro-
jeto ICR/ENCUR.
Mariana Oliveira é Educadora de Infância. Participou no projeto CPCIC-EB, ao
qual se associou o projeto ICR/ENCUR.

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