VIOLAO
Ano 3 - Número 18 - Fevereiro 2017
www.violaomais.com.br
Paulo
Freire
O contador de histórias
E mais:
O poder das tríades
Estudo 1 Op.60 de Matteo Carcassi
Rasgueos e picados no flamenco
Viola caipira: acompanhando o rio
A música folclórica nas cameratas
“Ai Que Saudade D’Ocê” para você tocar
4
Você na V+
6 26
Em Pauta Paulo Freire
8 48
No Player Tecnologia
10 57
Retrato De Ouvido
60
Sete Cordas
62
Siderurgia
22 66 72
História Como Tocar Viola Caipira
44 70 76
Em Grupo Flamenco Coda
4 • VIOLÃO+
você na violão+
Jovem e completo
Danilo Oliveira é violonista e compositor, abertura da novela Sol Nascente (Rede
natural da cidade de São Paulo. Começou Globo), passando a tocar nas rádios de
a tocar violão ainda garoto e teve como todo Brasil e alcançando o primeiro lugar
principais professores o violonista Marcelo no Top 10 em diversas cidades durante
Brazil (Professor Efetivo no Centro de semanas. O disco Todo caminho é sorte,
Cultura, Linguagens e Tecnologia da onde há três músicas em parceria com a
UFRB), o professor de violão popular cantora, foi indicado ao Grammy Latino
Valdo Luir (na antiga ULM) e o mestre de 2016 na categoria Melhor Disco
Henrique Pinto, orientador no curso de de Música Popular. Mas todo esse
bacharelado em violão erudito. Como currículo não impressiona tanto quanto
compositor, além de peças para violão seus arranjos para violão solo e suas
solo, o músico se dedica ao campo das composições. Seu canal do Youtube é
canções pop e MPB. Em 2012, a música o máximo, com muito suingue e levada
“Sete dias”, composta em parceria com precisa, conseguindo fazer melodias
a cantora e intérprete Roberta Campos, onde poucos teriam criatividade ou
fez parte da trilha sonora da novela Amor, habilidade. No link, o artista apresenta
Eterno Amor (Rede Globo). Em 2016, outra uma música de Djavan, tema de seu
parceria com a cantora, a música “Minha próximo projeto de lançamento em CD.
Felicidade” foi escolhida como tema de Aguardamos ansiosamente.
VIOLÃO+ • 5
EM PAUTA
ESTUDO
Os fãs de Egberto Gismonti
têm mais motivos para
comemorar: uma tese sobre
sua obra para violão de
seis cordas, recentíssima,
feita por Yuri Marchese
em 2016, está disponível
para download gratuito. O
trabalho trata do período de
1969 a 1973 e a performance
de Egberto Gismonti ao
violão de seis cordas
por meio de um estudo
que abarca as técnicas
instrumentais empregadas
na composição. Clique no
ícone para baixar.
VIOLÃO+ • 7
NO PLAYER Por Luis Stelzer
Brasil Violão
Um disco que tenho há muito tempo e que, vira e
mexe, vai para o meu toca-discos (isso mesmo, toca-
discos), é Brasil Violão, de Celso Machado, violonista
brasileiro que, há muito tempo, se radicou no Canadá
Faixa a faixa
“Légua tirana” – “Assum Preto” - “Qui nem
jiló” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira):
com grande criatividade, Machado faz a
apresentação dos temas e varia sobre
eles, de maneira muito original.
8 • VIOLÃO+
NO PLAYER
“Asa Branca” (Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira): começa ao estilo dos grandes
tocadores de violão do Nordeste,
primeiramente no grave e, depois,
ponteando no agudo. Apresenta o tema
e sai tocando, variando e se mostrando
“enfurecido” nessas variações. A escala
nordestina está presente o tempo todo,
tirando sons de berimbau no violão.
Vigor impressionante.
“Ponteado” (Guerra-Peixe): percebe-
se o gosto de Machado pelos motivos pizzicatos e trêmulos nas reexposições.
nordestinos. A grande qualidade “Choro no. 2” (Armando Neves): como
com que leva esses temas nos faz se percebe, investiu-se no choro
acreditar que é de lá. As demais faixas neste repertório. Armando Neves é
demonstram que ele é um violonista do fantástico, e é bom que está sendo
mundo, versátil e capaz de se adaptar totalmente redescoberto nos últimos
aos mais diversos estilos. tempos, pela violonista e pesquisadora
“Cristal” (Jacob do Bandolim): chegando Paola Picherzky.
ao choro sem cerimônias, o violonista “Estudo no. 1” (Celso Machado):
mostra um lindo arranjo dessa delicada finalmente, ouvimos o compositor.
composição de Jacob. Muita fluência Pode-se perceber grandes influências
e tranquilidade na execução. Não de acordes de jazz, misturadas, talvez,
podemos nos esquecer que, em 1977, com um pouquinho de barroco com
o choro estava voltando a ser tocado, rock progressivo e toques de viola
depois de um período de ostracismo na caipira. Uma coisa que os estudos
música instrumental brasileira. costumam não ter, temos de sobra
“Odeon” (Ernesto Nazareth): igual aqui: melodias. Talvez tenha viajado
tranquilidade, como se fosse fácil tocar um pouco na análise...
Nazareth no violão. Nos choros, fica “A voz do morro” (Zé Ketti): ponto alto do
a impressão de que ele quis respeitar disco! Um marqueteiro a colocaria como
mais os originais. a primeira faixa, nunca como a última. A
“Choro no. 1” (Villa-Lobos): hoje é uma facilidade de Machado com o samba é
peça que as pessoas já estão meio absurda. Após expor o tema de Zé Ketti -
cansadas de ouvir, por causa do imenso por sinal, maravilhoso -, o instrumentista
número de gravações. Talvez seja o parte para a escola de samba no violão,
ponto menos forte do disco, embora com vários efeitos de batucada usando o
esteja tudo certo com a execução. Mas tampo e as cordas. Uma flanela úmida na
ela não brilha tanto quanto as outras. mão e, de repente, o som de uma cuíca
“Mágoas de africano” (Eduardo Santos): sai dos bordões! Depois de tudo isso,
peça que só conheço com a execução reexpõe, fazendo um stretto nos acordes
de Celso Machado. É de se destacar os finais. Maravilhoso, de aplaudir de pé!
VIOLÃO+ • 9
RETRATO Por Luis Stelzer
Paulo Tiné
10 • VIOLÃO+
RETRATO
Fluência
Paulo Tiné conta um pouco de sua trajetória e
expressa suas opiniões a respeito de diversos
assuntos referentes à música, como estudo, internet,
composição, contraponto e muito mais
VIOLÃO+ • 15
RETRATO
preciso ter esse fator mais qualitativo,
da quantidade de informação versus o
que a gente consegue fazer com isso.
Então, minha resposta fica assim, sem
um certo ou um errado. Vejo muitas
coisas positivas, mas ainda não vejo
como eliminar o professor, não vejo
essa perspectiva de tirar o professor
presencial completamente. Acredito
que o acesso à informação é muito
grande, maior que a nossa capacidade
de assimilá-la. Informação não é
conhecimento. É preciso ouvir muitas
vezes o mesmo disco, conhecer todas
as sutilezas daquele disco. Isso vai
fazer você crescer, depois, para além da
informação. E é preciso ter a sabedoria
de utilizar o seu conhecimento. Pode
ter bastante conhecimento, mas é legal
saber onde aplicar cada coisa. Todo
esse caminho é trilhado pela pessoa,
mas é trilhado com a orientação de um
professor, que passe a visão dele da
música, do violão e, a partir dessa visão,
Olha, vejo as duas coisas. Por um lado, a aluno siga o seu caminho colecionando
vejo alunos tecnicamente mais bem visões e criando a dele também.
preparados e resolvidos. Muita gente
tocando muito bem, muita gente mais Você também trabalha acompanhando
bem informada por meio da internet. cantores e cada um tem um
Mas também vejo muita gente perdida conhecimento, um arcabouço, uma
nesse mar, porque se você não tem um forma diferente de trabalhar. Como
direcionamento de como encontrar boa é esse tipo de experiência? Como
informação, você facilmente se perde. você lida com essas diversas
Um aluno chega e fala: “estou com a personalidades?
discografia completa do Miles Davis aqui Minha experiência não é tão grande
(atualmente nem é mais CD nem DVD...), assim. Durante uma época, acompanhei
mas não tinha ouvido”. Ouvir muita coisa muitos, na noite. Depois, com o trabalho
em quantidade, não quer dizer que você, da big band, a gente passou a incluir
qualitativamente, achou aquilo que mais alguns números com vocais. A ideia
te interessa. Na nossa época, a gente do meu grupo, o Ensemble Brasileiro,
tinha um disco. Eu tinha um disco do agora, é ter números vocais. A ideia
Miles e ouvia até furar (risos)! Então, é de colocar cantores ou cantoras em
16 • VIOLÃO+
RETRATO
apresentações de música instrumental transcrição de Brahms, mas o que eu
é interessante, porque dá dinâmica para acho interessante é que, se você não
a apresentação, não fica aquela coisa souber que é Brahms, pensa que é
inteira de música instrumental, ajuda a música popular. É essa brincadeira que
aproximar do público leigo. No meu último pretendo fazer.
disco, Novos Quartetos E Canções, tem
três números com canto, com a Tatiana Quais os projetos atuais?
Parra. O que tento fazer é mostrar que Meu novo projeto é a gravação de um
existe um repertório brasileiro que não é CD do Ensemble Brasileiro, que é um
de música popular, que é do Nacionalismo grupo que estou dirigindo desde 2011.
e que é pouco conhecido. Não que eu A gente faz arranjos de composições
conheça profundamente, mas exploro, e, minhas dentro do que considero uma
numa roupagem de música popular, fica instrumentação “brasileira”, não de
muito interessante. A gente perde um instrumentos típicos do Brasil, mas de
pouco dessa divisão. Como a base da instrumentos que foram importantes na
música brasileira é a mesma, tanto dos caracterização da música brasileira,
nacionalistas quanto dos populares - os como, por exemplo, flauta, clarinete e
ritmos vindos de cada canto do Brasil, violão. Era uma formação maior, que eu
do Nordeste, do interior de São Paulo, chamava Orquestra Popular Brasileira,
de Minas Gerais, do Sul - é interessante que reduzi para ficar mais viável. Na
você pegar uma música do Fructuoso formação original, havia cavaquinho
Vianna, por exemplo, ou do Villa-Lobos, e bandolim, mas reduzi para uma
Radamés Gnattali, e apresentá-la em formação com dez músicos. É essa a
uma roupagem popular. Por outro lado, proposta: fazer música brasileira com
procurei no meu disco anterior fazer uma instrumentação própria. Com isso,
uma canção à moda antiga, ou seja, a gente também fez adaptações de
uma canção onde a gente parte do texto, arranjos históricos. Então, tem arranjos do
musicar a poesia. Isso é um jeito até mais Pixinguinha, adaptados daquela caixa “O
tradicional de fazer canção. Pensando Carnaval do Pixinguinha”. Tem arranjos
na tradição da música clássica, dos lied, que foram escritos para a Banda de Pau
é um jeito diferente de fazer do que se e Corda, pernambucanos de frevo. Tem
concebeu depois, na própria questão da essa coisa de tocar arranjos históricos,
canção popular. Basicamente, minhas fazer arranjos dentro de uma linguagem
intenções com o mundo vocal são mais brasileira, tentar não descaracterizar
essas do que o mundo interpretativo. quando a música é mais antiga, e das
Quando há um trabalho específico com minhas próprias composições com a
uma cantora ou cantor, tento encontrar linguagem instrumental brasileira.
qual repertório é mais próprio para essa
pessoa. Torno a dizer que, sempre que Você poderia ceder uma das partituras
possível, vou por esse caminho: as do seu novo livro para publicarmos?
adaptações de coisas brasileiras, que é Sim! A música “Biju”, que tem uma bela
o que também fiz no disco. Lá há uma interpretação do Gilson Antunes!
VIOLÃO+ • 17
RETRATO
“Biju”
Choro médio Paulo Tiné
18 • VIOLÃO+
RETRATO
VIOLÃO+ • 19
RETRATO
20 • VIOLÃO+
história Por Rosimary Parra
Arranjos de
canções para
violão solo
Como adaptar uma canção ao violão respeitando as possibilidades
técnicas e musicais do instrumento? Como trabalhar com algumas
limitações do violão quanto a tessitura e afinação?
24 • VIOLÃO+
história
Para ouvir
Arranjo para violão de Miguel Llobet Arranjo para violão de Yamandu Costa
Arranjo para violão de Leo Brouwer Arranjo para violão de Rafael Rabelo
Arranjo para violão Dilermando Reis Arranjo para violão de Barbosa Lima
Referências bibliográficas
ESPINOSA, D. A. Juan Bermudo “On playing the vihuela from Declaración
de instrumentos musicales” (Osuna, 1555). In: Journal of the Lute Society
of America, v. XXVIII-XXIX, p. 59-60, 1995-1996.
HECK, Thomas F. Mauro Giuliani: A life for the guitar. Rosimary Parra
LIMA JUNIOR, Fanuel Maciel de. A elaboração de arranjos de canções Violonista com mestrado em Música pela Universidade
populares para violão solo. Dissertação de Mestrado. Unicamp -2003 Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na
PEREIRA, MARCO. Cadernos de harmonia. Vol. II Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).
VIOLÃO+ • 25
matéria de capa
Vai
ouvindo...
Por Luis Stelzer
Seu currículo é encantador! Haja Tuco, dois anos e meio mais velho que
história, hein? Como tudo começou? eu, começou a tocar violão. Eu, com
Quais foram seus primeiros contatos uns dozes, treze anos, também quis,
com o mundo da música? influenciado por ele. Perto de casa, tinha
Meus primeiros contatos com a música... um professor particular. Até que a gente
Bem, eu sou filho do Roberto Freire, do entrou no CLAM, a escola do Zimbo
escritor!. Minha mãe, Gessy, cantava Trio. Eu devia ter meus dezesseis para
bem. Então, em casa, a gente cantava dezessete anos. E ali, foi uma revelação.
bastante e o meu pai foi jurado de Aquela escola fantástica, de grandes
alguns festivais da Record dos anos 60. mestres como o Luiz Chaves, o Cláudio
Então, ele conhecia aquele povo todo. Celso de guitarra... O Sabá também
Ele também fez a direção do espetáculo deu aulas para mim. A convivência
Morte e Vida Severina, com músicas do com aqueles músicos todos foi muito
Chico Buarque. Esse povo frequentava bacana. Com os professores que tive,
a minha casa. Também o Agostinho dos sempre fui mantendo uma relação de
Santos (cantor) ia bastante lá. Então, amizade também. A gente assistia a
eu ficava vendo esse povo todo junto, muitos shows, via o Zimbo Trio tocando,
fui assistir alguns festivais. Éramos o Heraldo do Monte, o Hector Costita. O
muito bons ouvintes de música, então Luiz me indicou grandes shows - como,
ouvi muito, desde pequeno. Meu irmão por exemplo, Milagre dos Peixes, do
28 • VIOLÃO+
matéria de capa
Milton Nascimento -, tudo que vinha paraEu e meus amigos entramos também.
São Paulo, os estrangeiros também. Começamos a ter vários encontros, com
Teve o show do Bill Evans, maravilhoso! pessoas de várias profissões. E foram
Os shows de fim de ano da escola eram se abrindo vários horizontes. Meu pai
incríveis. Aí, fui criando gosto pelo nos deu uma série de livros para ler. Fui
violão e pela guitarra. Também estudei virando um devorador de livros e, entre
no Colégio Equipe, na época em que esses, tinha o Grande Sertão: Veredas.
o Serginho Groismann estava lá. Acho Ficamos muito impressionados com toda
que era o diretor do Grêmio ou algo a história e também com a linguagem
assim. Ele levou para lá Cartola, Nelsonque o Guimarães Rosa inventou, com
Cavaquinho, Clementina de Jesus, aquele texto fantástico. Na edição antiga
Paulinho da Viola, Gilberto Gil e Novos do Grande Sertão, havia um mapa na
Baianos, então essa oportunidade de orelha do livro. A gente ficou pensando:
ter visto isso adolescente, na época do se o Guimarães Rosa conseguia tanta
colegial, hoje chamado ensino médio, musicalidade naquele texto, era porque
foi fundamental para minha formação. a região que ele retratava no livro devia
ter uma música muito incrível também,
Você, paulistano, violonista e uma coisa assim de sentimento.
guitarrista, de repente, descobre a Ficamos tão encantados com o livro
viola caipira. Como isso se deu? É que resolvemos conhecer a região que
verdade que o livro “Grande Sertão: ele retratava. Então, em 1977, eu, João,
Veredas”, de Guimarães Rosa, teve Anthony Cleaver e Rodolfo fomos para
influência nessa descoberta?
Quando estava terminando o Equipe,
me juntei com alguns músicos, como
o Rodolfo Stroeter, depois, mais tarde,
com o João de Bruçó, o Adriano Busko,
o Xico Guedes e o Anthony Cleaver.
A gente formou um grupo, chamado
Sexteto Guaraná e fazia um som
bem influenciado pelo que estávamos
estudando e ouvindo. Foi se firmando
em mim e nos meus companheiros uma
vontade de conhecer o Brasil, de fazer
uma música de acordo com o que a
gente estava buscando naquela época
como ser humano. Começamos a fazer
várias leituras. Entrei na faculdade de
jornalismo, na FAAP, mas abandonei
depois de seis meses, não aguentei. Meu
pai, com alguns amigos dele da revista
Realidade, formou um grupo de estudo.
VIOLÃO+ • 29
matéria de capa
Pernambuco e conversamos com Ariano de Manga, no Urucuia. Foi assim que a
Suassuna, que tinha criado o Movimento gente chegou lá. Não todos: o Rodolfo
Armorial. Ele nos encaminhou para voltou antes.
o Antonio Madureira, que tocava no
Armorial e tinha uma pesquisa incrível. E como foi ficar no Urucuia durante
Compositor, violonista, também tocava anos, pegando na enxada e escutando
viola. Ele nos deu umas orientações. causos?
Fomos entrando pelo sertão de A gente foi lá procurando os violeiros,
Pernambuco até chegar no Urucuia, que procurando a música do lugar, as
é o lugar que Guimarães Rosa falava manifestações culturais que tinham. A
muito, no noroeste de Minas Gerais, gente chegou lá em junho, no final das
perto de Goiás e da Bahia. Para sair festas juninas (que, lá, nem tão forte
de Pernambuco e chegar no Urucuia, a são). Sempre perguntando dos violeiros.
gente pegou um vapor no São Francisco, As pessoas foram indicando um violeiro
de Juazeiro até Januária. Em Minas, aqui, outro ali. Conhecemos as folias
fomos pegando ônibus, pau-de-arara, de reis também. Para mim, foi um
várias conduções até chegar em Porto grande aprendizado participar primeiro
somente como um acompanhante,
depois como folião, tocando. As folias
saem de casa em casa, pelo sertão. São
grupos de músicos que vão cantando
toda a história do nascimento de Jesus,
a fuga, Herodes... Então, é tudo muito
bonito. E eles só andam lá no sertão à
noite, porque os reis magos só andavam
à noite, para seguir a estrela-guia. É
como se fosse a viagem dos reis magos,
mesmo. Saem à noite, vão cantando
de casa em casa. É muito bonito você
andar no sertão a noite inteira, parando
de casa em casa, sendo recebido
pelos sertanejos, geralmente em casa
sem luz, iluminadas por lampião, por
vela, os donos da casa chegando, os
meninos chegando pela madrugada,
toda a festa, as danças. Depois da parte
religiosa, vem a parte das brincadeiras.
Durante o dia, a folia para, porque
os reis magos não podiam andar de
dia. Isso é respeitado. Então, a gente
descansava e ficava aquela prosa,
compunha-se músicas, os violeiros
30 • VIOLÃO+
matéria de capa
32 • VIOLÃO+
matéria de capa
morando em Paris, passei por uma
banca de jornal e vi um cartaz escrito
assim: seja concertista em dois meses,
por hipnose. Pedi o cartaz para o
dono da banca, ele me deu. Enrolei,
pus num envelope e mandei para o
Henrique. Escrevi uma carta assim:
“Olha, Henrique, fiquei pelejando dois
anos com você, estou aqui na França
estudando pra caramba, mas posso
virar um concertista em dois meses,
só por hipnose! Estou perdendo o meu
tempo!”. Achei que ele ia ler aquilo, achar
graça, guardar numa gaveta ou jogar
fora. Depois, fiquei sabendo que ele
colou esse cartaz na parede do estúdio
onde dava aula e mostrava para os
alunos novos que chegavam: “olha, ou
você fica aqui estudando, ou tem essa
outra possibilidade também”. Ele era
muito bem-humorado, por trás daquela muito a sério o estudo. Lá em Paris,
seriedade. Era muito inteligente. E o quando fiz meu primeiro exame de
legado dele é fantástico! O que tem de final de ano, não gostei do clima. Acho
“filhote” do Henrique por aí... Quando que deve ser geral na música erudita,
eu fazia os cursos de verão dele, uma pressão muito grande para ser um
ficava vendo os alunos tocando nos concertista. Olhando hoje, para trás,
concertos. Há toda uma geração de eu não teria a menor condição de ser
grandes violonistas, todos começaram um concertista... Bom, não gostei, mas
ou passaram pelo Henrique. Coloco ele ganhei a medalha. O Betho, antes de
naquele rol de mestres com que tive eu fazer o exame, estava super feliz
convivência. O Henrique foi um grande com o jeito que eu estava tocando, com
acontecimento para o violão no Brasil. meu desempenho. Depois, ganhei uma
segunda medalha, mas ele me deu a
Você foi estudar violão na França, maior bronca porque eu tinha ficado
ganhou até medalha por lá. Quando nervoso. Aí ele ficou desanimado,
a viola caipira tomou a frente falou que não tinha nada ver ficar
definitivamente na sua vida musical? nervoso, que era uma bobagem. Esse
Na França, aconteceu o seguinte: eu negócio de banca eu não gostei, não.
estudava com o Betho Davezac e tocava Principalmente por causa desse exame
com grupos brasileiros lá. Eu digo que e porque a minha vida profissional
sempre fui um bom aluno, me aplicava estava deslanchando também mais
muito, estudava muito. Sempre levei para o lado da música popular. Resolvi
VIOLÃO+ • 33
matéria de capa
guitarra, violão, tudo que nem viola. Tudo
parece viola”. O Betho também tinha me
falado: “Paulo, eu te dou aula de violão,
mas o seu instrumento é a viola caipira”.
Ficava aquela coisa, parecia que a viola
estava chamando mesmo. Os outros
instrumentos foram ficando de lado
em casa, fui passando pra frente, eu
tinha instrumentos muito bons, guitarra,
violão, mas que não usava mais. A viola
foi tomando esse espaço cada vez maior.
Nem sei direito como explica, mas me vi
completamente violeiro.
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matéria de capa
muito divertido fazer tudo aquilo, além e editava. Eu fui um dia para o Rio de
do filme ser muito engraçado! Depois Janeiro, também para ver como era o
de algum tempo, já com a viola, eu processo, assistir a uma edição. Até
participei da trilha do “Grande Sertão fiquei meio espantado porque vi como
Veredas”, na Globo, minssérie. A é complicado fazer um trabalho para a
gente ficou sabendo por meu pai que Globo, com tantos interesses rolando
teria a série e que o Júlio Medaglia em volta. O Júlio tinha que brigar pela
faria a trilha. Fomos conversar com o música, porque senão o conceito ia
maestro Júlio, eu, o João, o Anthony embora. Depois, fiz algumas para a série
e o Adriano, falando que a gente tinha Malu Mulher, com a Regina Duarte, que
morado na região do Urucuia e que a meu pai escreveu. Depois, comecei a
gente conhecia a linguagem musical de a fazer trilha para o Globo Rural, que
onde se passava a trama do “Grande foi um processo bem legal, porque eu
Sertão”. O Júlio ficou muito animado, via as reportagens e a partir daí criava
chamou a gente para participar. as músicas. Isso vai de encontro ao
Tocamos várias coisas, passamos que você disse na pergunta, ou seja,
várias horas no estúdio gravando. se adaptar ao tempo, não atrapalhar
Participamos bastante da trilha. Mas, o que está sendo mostrado e compor
ali, éramos totalmente orientados pelo para aquela cena. Fiz algumas trilhas
Júlio, nem víamos as cenas. Ele nos para o Globo Rural, era um trabalho
orientava, gravava, depois ia até o Rio que eu gostava muito de fazer e, por
VIOLÃO+ • 37
matéria de capa
que você desenvolveu esse talento,
como isso foi aparecendo? Já assisti
show seu em que tudo está amarrado
na história. Como você consegue
fazer isso?
Bom, o “causo” é um mundo à parte.
Tem muito a ver com o mundo da
literatura, que admiro desde pequeno,
influenciado pelo meu pai. A minha
família tem grandes contadores de
história: meu pai, meus tios velhinhos,
que juntavam a molecada e ficavam
contando histórias antigas. Então, eu
tinha desde cedo esse prazer de ouvir
histórias. Todo violeiro gosta de contar
história, mas a maioria cai pro lado da
piada. Comecei a querer desenvolver o
negócio de contar a história tocando ao
mesmo tempo. Ou segurando alguma
levada e contando a história, ou até
fazendo a harmonia andar um pouco
mais e contando a história ao mesmo
conta dessas trilhas, fiquei muito amigo tempo. Com o tempo, a gente vai
de várias pessoas do programa que pegando uma certa independência entre
estão lá até hoje, por conta desse fazer o tocar e o falar. Lá no sertão é muito
arte juntos. Depois, acabei trabalhando interessante, porque cada toque de viola
com algumas trilhas de filme, mas tem uma história por trás. Quando o Seu
raramente eu via alguma cena. Fiz para Manoel me ensinava a corrida do sapo
o filme “Deus é brasileiro”, depois para e do veado - o sapo desfiando o veado
“O Menino da porteira”, mas sempre para uma corrida, mas, na verdade, o
dentro de um estúdio e com a direção sapo não corria, porque combinou com
de alguém. Eu gosto, mas não faço os amigos de ficarem escondidos no
muito. Na verdade, o que gosto mesmo brejo -, eles contam a história e depois
é de estudar e dos shows. Não gosto tocam a música. É muito divertida essa
muito de gravar, não, sendo sincero. É maneira de se comunicar, de transmitir
chato ficar em estúdio. Não tem janela. esse conhecimento. Eu acredito
que a contação de história é muito
Você também é um grande contar importante, é o momento em que você
de histórias, contador de “causos”. está trabalhando com a imaginação,
Tem a ver, obviamente, com a coisa com a palavra cuidando da imaginação
da viola, mas tem muito violeiro que e como cada um enxerga de um jeito.
não conta história nenhuma. Como é Isso é maravilhoso. Você não tem
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uma imagem formada sobre a mesma 2002. Resultado: achei que não ia dar
história, cada um vai formar as suas certo, mas ficou aquela pulga atrás da
imagens. A televisão, o filme, acabam orelha. Voltei da viagem, preparei o
dando uma certa limitada. Quando você espetáculo, e de lá para cá já participei
usa a palavra, lê um livro, forma todo um de 10 edições do projeto em Santa
universo na sua cabeça. Tudo isso para Catarina, por várias cidades. E é um
falar que escrevo também, tenho os projeto muito bacana, porque te leva
livros, tenho os discos. Mas eu contava para assentamentos, escolas, alunos
pouco causo em show. Durante a turnê da APAE, teatros, quintais, você conta
do “Esbrangente”, quando a gente histórias em diversos espaços, para
estava em Santa Catarina, um técnico diversos públicos. A partir daí, fui me
do Sesc assistiu ao show e me viu firmando no ofício de contador de
contando umas histórias. Me chamou no histórias, levando isso de uma maneira
fim do show e perguntou se eu não tinha mais profissional. E procuro contar as
um show só de contação de história. histórias através dos mitos brasileiros.
Eu falei que ninguém aguentaria um Morando lá no sertão, num lugar que
show assim. Ele retrucou. Disse que não tem luz elétrica, telefone, correio
estavam montando um projeto chamado nem internet, você acaba vendo muito
Baú de Histórias e se interessava para mais coisa que mora na mata, ao seu
mim montar um espetáculo. Isso, em redor, do que quando você tem muita luz.
VIOLÃO+ • 39
matéria de capa
A luz acaba espantando os mitos, eles embrenhei bastante nesse mundo do
moram no escuro, e o escuro está cada causo e da contação de história com
vez mais longe de nós. Guimarães Rosa a viola. Com essa coisa de misturar a
disse que tudo que tem nome, existe. viola com a contação e com o causo,
Então, acabei vendo e convivendo acabei sendo convidado para festivais
com um bocado desses mitos, me de contação de histórias. E sempre levo
embrenhando na história deles. Gosto a viola, é claro. Participei de grandes
demais da mitologia brasileira. Comecei festivais. O mais importante deles é
a fazer o trabalho com eles (os mitos). o Boca do Céu, que é bienal em São
Um foi o “Nuà”, um CD com livro, em que Paulo. Já participei de quatro. É um
eu conto 12 causos de mitos, compus encontro maravilhoso! Acredito que
as músicas e dei para arranjadores de ali também um novo mundo se abriu
São Paulo fazerem os arranjos, toquei para mim, assistindo aos contadores
junto, fiz uma pequena turnê pelo de história do mundo inteiro, oficinas
Brasil apresentando. Depois, escrevi o deles também, vendo a importância
Jurupari, que é a história de um violeiro que tem as histórias, que existem há
rodando o Brasil inteiro sendo guiado tantos anos, que são curtidas no sertão
pela viola e pela mitologia. Então, me daqui ou em qualquer sertão do mundo.
Elas vêm com uma força muito grande.
Graças ao Boca do Céu, peguei umas
histórias e musiquei com muito do que
aprendi com essa lida.
muito amigo dos amigos deles, vendo- quarto e juntei num livro. Agora, mais
os crescerem juntos. Fui criando um recentemente, há uns três anos, lancei
gosto incrível pelas crianças. Gravei o o “Violinha Contadeira”. Aí, já é mais
“Brincadeiras De Viola” em 2003, com a viola ligada a um causo. São quatro
esse universo da música de criança, a canções de viola, duas que aprendi
Ana cantando várias músicas, algumas no sertão e duas que criei em cima
instrumentais, chamei alguns amigos de tabuadas, e quatro causos ligados
para participar... Foi muito gostoso à mitologia, com fundo de viola e a
fazer e muito natural, também, porque participação de alguns instrumentistas
eu não tinha preocupação nenhuma amigos. Inspirado em tudo que fiz no Baú
com mercado. Era o prazer de estar ali de Histórias, do Sesc Santa Catarina.
fazendo uma arte que eu estava vivendo Então, foi uma continuação desse
junto de meus filhos. Foi muito prazeroso trabalho. Com isso, acabei descobrindo
gravar esse trabalho. Depois, fiz um que adoro fazer show cantando, tocando
livro chamado “O Céu Das Crianças”, viola e contando causos para crianças
que saiu pela Companhia das Letrinhas, também, provocando a participação
com dez histórias que contei. Escolhi as delas. Elas tem aquela coisa direta, não
dez que meus filhos mais gostaram das fingem que estão gostando ou prestando
que eu contava sobre as estrelinhas atenção. Então, ou você está com eles,
que tínhamos grudado no teto do ou você está perdido. Eu gosto desse
VIOLÃO+ • 41
matéria de capa
tipo de desafio. Prefiro tocar pra uma de causos com a viola. Este é o CD em
escola cheia de menino danado do que que mais faço isso. No ano seguinte,
tocar num teatro com as crianças meio fiz o Violinha Contadeira, de causos
espalhadas, com os pais cuidando. Eu para crianças. No ano passado, lancei
gosto é do maremoto mesmo, junto com o Porva: doze temas instrumentais,
as crianças. todas composições minhas de viola
solo. Eu nunca tinha feito um CD de
Para encerrar, o que vem por aí? viola solo, então achei que tinha que
Os últimos trabalhos foram um por ano: fazer esse. Chamei Porva porque são
em 2014, lancei o Auto Grande, que é um como pequenas ideias que corressem
CD na linha dos que eu vinha fazendo, pelo rastilho e explodissem logo na
algumas músicas instrumentais, outras frente. Fui desenvolvendo as ideias, as
com causos e também canções, tudo músicas sempre têm uma história por
meio misturado. Gostei bastante de trás, e compus todas elas no período
fazer, mostrando esses vários caminhos de virada de ano. Fiquei em casa, à
que estou percorrendo, de criação com a toa, me preparei. Tenho me preparado
viola e tentando me firmar como contador nesses últimos anos para ficar uns dois
42 • VIOLÃO+
matéria de capa
ou três meses estudando, trabalhando sobre o preconceito em torno da viola:
as músicas e criando. Entre 2015 e “viola é que nem mortadela, tomo mundo
2016 fiz uma viagem pelo Brasil com gosta, mas tem vergonha de comer na
o grande violeiro Levi Ramiro, também frente dos outros”. Bom, voltando à
pelo Sonora Brasil. Fizemos 120 shows turnê, viajamos pelo Brasil todo. Como
por todos os Estados brasileiros. Foi gosto de publicar nas redes sociais,
incrível esse projeto do Sesc. A gente fui colocando momentos da nossa
apresentou a viola caipira e a viola viagem, um diário de bordo. O negócio
do sertão do Sudeste. Tinha violas do foi ficando sério, os amigos dando
Nordeste, violas de concerto, tinha de força. Fui gostando daquilo, levando
tudo. Montamos o repertório em cima esses relatos mais a sério. Conclusão;
do que aprendi no sertão e da música estou finalizando um livro sobre essa
caipira, mesmo. Basicamente, música experiência de conhecer todos os
instrumental. Tinha poucos causos Estados brasileiros e fazer tantos shows
e duas ou três músicas cantadas. E pelo Brasil com essa ideia de levar a
a gente ia contando para o público música de viola por todos os cantos,
como são essas músicas, como foram a reação da plateia, das caminhadas
compostas, a importância dos ritmos que fiz por várias cidades... O Brasil
caipiras, quem eram os grandes tem muitos assuntos que a gente nem
compositores... Foi um trabalho muito desconfia. Estou finalizando esse diário
legal conhecer o Brasil inteiro tocando agora, e vou colocar ele para andar. Acho
viola. E com o Levi, que é um grande que até o fim do ano, se tudo der certo,
mestre. Foi divertido, porque eu tinha ele está saindo. E estou guardando uns
esse conhecimento da viola do sertão e grandes causos para fazer uma espécie
o Levi da viola caipira. Quando a gente de “Pedro e o Lobo”, grandes histórias
se encontrou e começou a misturar os musicadas. Uma delas, por exemplo,
dois mundo, vi o tanto que eu tinha que está com a Léa Freire, minha querida
aprender da viola caipira. Foi um grande prima, essa musicista incrível, dona de
aprendizado nesses dois anos. Quem é um dos maiores trabalhos da música
do ramo sabe a dificuldade. Quem não brasileira. Entreguei a ela esse grande
é, acha que é tudo muito simples, que causo e a gente está querendo musicá-
a música caipira é muito fácil, mas vai lo. Estou trabalhando em outros dois,
tocar! O ritmo é muito difícil de tocar que vou entregar para outros músicos.
da maneira certa. E são vários. Há um Quero colocar esses causos pra frente
preconceito muito grande em cima da também. E tocando aqui e ali, vivendo
viola. Etá melhorando, diminuindo, mas a tal da crise, mas, segundo o irmão do
ainda existe. O Renato Andrade, que Levi, a gente tem que aproveitar o caos,
é o maior violeiro que vi tocar, viveu porque é uma oportunidade incrível
a fase mais difícil. Lançou seu discos também estar vivendo dentro do caos.
nas décadas de 1970 e 1980, quando Temos que aproveitar a parte boa dele
era impensável ter um trabalho de viola que é a arte de criação no meio dessa
instrumental. Ele tinha uma frase genial turbulência, dessa efervescência.
VIOLÃO+ • 43
em grupo
Peça folclórica
Thales Maestre
Nesta edição, compartilharei mais um arranjo simples, thalesmaestre@gmail.com
voltado para classes que se encontram nos primeiros
estágios de desenvolvimento. Trata-se, na verdade,
da continuidade do que foi abordado na edição 17 de
Violão+, quando levantei algumas reflexões acerca do
papel e da função do educador e compartilhei também
um arranjo simples.
Os arranjos estão dentro de um mesmo contexto
pedagógico, tanto no que se refere às exigências técnicas
quanto no que diz respeito ao gênero. Ambos podem ser
aplicados em grandes agrupamentos, o que configura
uma possibilidade de formação de cameratas de violões
com estrutura mais simples. Podemos considerar tal
estrutura como um trabalho de formação que precede
os de maior complexidade, cuja estrutura foi descrita em
edições anteriores de Violão+, um trabalho de prática
de conjunto que dará ao aluno a vivência necessária para
que se aproprie dos elementos básicos que constituem o
trabalho em grupo. Essa proposta, de formação elementar
de camerata, foi apresentada na edição 14, na qual tratei
das 30 Peças Fáceis de Paulo Porto Alegre.
O arranjo desta edição é da conhecida “Terezinha
de Jesus”. O contexto, a exemplo da edição anterior,
é o folclore brasileiro. Toda escolha de repertório é
excludente, então é importante que o professor esteja
ciente dos diversos aspectos que fundamentam uma
escolha. Uma aula é um momento de aquisição de
valores e é preciso que saibamos valorar o conteúdo
que escolhemos. Assim, o professor pode ser mediador
de um rico momento, cujo propósito é aproximar o aluno
dos possíveis diálogos que o conteúdo realiza com
diversas áreas, aproximando-os de valores históricos,
sociais, culturais, técnicos, literários e matemáticos,
entre outros.
A escolha de uma peça folclórica carrega componentes
didáticos relevantes. O professor pode abordar a
importância da tradição oral e das cantigas de roda ou
aguçar o interesse do aluno pela maneira como são
44 • VIOLÃO+
em grupo
construídos os versos. Pode tirar proveito do potencial
de musicalização que uma melodia folclórica possui,
e, diante de sua fácil assimilação, permitir a prática no
instrumento sem recorrer ao conhecimento prévio da
leitura. De maneira simples e estratégica, aproxima o
aluno de manifestações culturais brasileiras, da ciranda,
da versificação. Por meio da execução dessas melodias,
proporcionam-se vivências de musicalização e práticas
instrumentais efetivas, constituindo o elo de afetividade
com o desenvolvimento da prática musical.
Aproveito para sugerir aos professores que considerem
a possibilidade de alunos em diferentes estágios da
aprendizagem participarem da execução deste arranjo.
Embora os três naipes estejam escritos, não há problema
algum em acrescentar uma melodia simples, na primeira
posição, feita por alunos que podem até não dominar a
leitura. Essa convivência é saudável.
O arranjo apresentado está dividido em três naipes. Um
quarto naipe pode ser considerado com a execução de um
acompanhamento simples, baseado nas cifras propostas.
Gosto sempre de considerar essa característica do
violão como instrumento acompanhante. Costumo,
inclusive, escrever as linhas de acompanhamento em
muitos arranjos, para que o naipe trabalhe de forma
homogênea e não soe embolado. Como neste arranjo a
linha de acompanhamento não está escrita, aconselho os
professores a criarem um padrão de mão direita dentro do
compasso ternário, visando à homogeneização do naipe.
Cada naipe explora determinada altura: agudos, médios
e graves, distribuídos respectivamente nos naipes 1, 2
e 3. O tema é exposto duas vezes, ora com a melodia
no agudo, ora no grave. Os naipes 2 e 3 trabalham
basicamente a primeira posição do violão (o naipe 2 faz
uma breve passagem pela terceira posição), enquanto
o naipe 1 depende do conhecimento da nona, décima e
décima segunda posições. Há parâmetros na construção
da leitura rítmica: trabalha-se somente até o grupo de
colcheias e a noção de contratempo.
O arranjo tem característica contrapontística e,
dependendo da experiência da turma com práticas em
grupos, é possível que surja alguma dificuldade na
manutenção das linhas melódicas.
VIOLÃO+ • 45
em grupo
Quando há alguma dificuldade, não costumo abandonar
o arranjo: coloco-me à espera da aquisição dos pré-
requisitos necessários para executá-lo. Assim, podem
ser extraídos do próprio arranjo os conteúdos que se
pretende desenvolver, construindo-os paralelamente à
sua aprendizagem. Por exemplo: se a turma nunca teve
contato com a ideia de contratempo, será uma ótima
oportunidade para abordar o tema e fazer que todos
experimentem o naipe 2, até que compreendam a linha
melódica e alcancem execução fluente.
Como última sugestão, para aqueles que experimentarem
com seus alunos, recomendo a execução do arranjo de
“Nesta Rua” (publicado na edição 17 de Violão+) seguida
do arranjo de “Terezinha de Jesus”, sem interrupção
entre um e outro. Funciona como um bom momento de
apresentação pública dos trabalhos!
Além da partitura, disponho um vídeo aos leitores
com a execução desse arranjo, registro feito durante
uma capacitação de professores que ministrei para
os professores do Programa Guri, na qual foi possível
abordar com profundidade os conhecimentos pedagógicos
relacionados ao conteúdo. Na ocasião, os professores
fizeram uma leitura do arranjo, que consta no registro.
Essa capacitação estava aberta a profissionais de outros
projetos do Governo do Estado de São Paulo, como o
Fábricas de Cultura. Agradeço a Luis Stelzer, editor da
Violão+, que nos prestigiou com sua honrosa presença,
à belíssima equipe de professores do Programa Guri e
ao supervisor Santiago Steiner pela oportunidade de
compartilhar experiências!
Aproveitem o arranjo! Até a próxima!
46 • VIOLÃO+
em grupo
“Terezinha de Jesus”
Arranjo: Thales Mestre Folclore Brasileiro
VIOLÃO+ • 47
tecnologia
48 • VIOLÃO+
tecnologia
ignorância histórica quando chamam músicas malfeitas e
de má qualidade de música eletrônica. Música eletrônica
é a música produzida a partir de não instrumentos ou
de instrumentos adaptados de forma a produzirem sons
modificados pela eletricidade. Vamos a alguns fatos que
podem ajudar a quem se interessar a não fazer de seu
ouvido um penico.
VIOLÃO+ • 49
tecnologia
Em 1910, mais uma parceria com a música: o rádio, com
a primeira transmissão ao vivo em Nova York. Em 1912,
os italianos Luigi Russolo e Filippo Marinetti decretavam a
música eletrônica no movimento futurista, cujo manifesto
se chamava Música Futurista, “[...] para agregar aos temas
centrais do poema musical o domínio das máquinas e o
vitorioso reinado da eletricidade.” O Intonorumori– ruído
afinado – era uma “banda” que tocava caixas produtoras
de ruídos com arranjos organizados e afinados.
Em 1920, o russo Leon Theremin inventou o Aetherphone,
que usava osciladores a vácuo para produzir notas musicais.
As notas eram aumentadas ou diminuídas de volume
pela posição da mão do executante contra uma antena,
e movendo a outra mão por uma haste se alteravam as
alturas entre o grave e o agudo. A banda de rock inglesa
Led Zeppelin e muitos outros artistas contemporâneos
usaram o Theremin, como ficou conhecido o instrumento.
Nos anos 1990, a Roland o reinventaria nos sintetizadores
para guitarra VG-88 e VG-99.
Por mais que os DJs achem que os avós da música eletrônica
foram o Kraftwerk, que não queriam saber se o Kraft iria
existir ou não, os alemães destruíram na Segunda Guerra
três dos principais instrumentos criados por Jorg Mager
em 1922: o Spharophon, o Partiturophon e o Kaleidophon,
aplicados em produções teatrais.
Em 1928, o francês Maurice Martenot inventou um instrumento
parecido com o Theremin, que substituía a antena por
50 • VIOLÃO+
tecnologia
52 • VIOLÃO+
tecnologia
chamada Elektronische Musik – a pioneira, verdadeira e
bem delineada música eletrônica.
Em 1954, Stockhausen, baseado nas pesquisas de
Helmholtz, compõe os Estudos I e II, construindo sons
sintetizados mais complexos, baseados em frequências de
som puras. No ano seguinte, o computador já engatinhava:
Harry Olson e Belar, ambos da RCA, inventam o Electronic
Music Synthesizer, que usava determinadas formas de onda
filtradas. A máquina era programada através de um teclado,
tipo máquina de escrever, auxiliado por tiras de papel
perfurado com código binário em 40 canais (foto abaixo).
Em 1958, acontece a primeira performance multimídia
em instalação no Philips Pavilion – prédio projetado pelo
famoso arquiteto Le Corbusier –, que usava 425 caixas
de som acompanhadas de projeções de imagens. Já em
progressão geométrica de desenvolvimento, em 1959, Max
Mathews e Joan Miller, do Laboratório Bell, escreveram os
primeiros softwares sintetizadores, o Music4 e o Music5,
em linguagem FORTRAN.
Mas nem tudo eram “flowers & powers” nos EUA nos anos
60 e, em 1961, aconteciam os primeiros concertos de
música eletrônica no estúdio da Columbia, em Princeton,
recebidos com hostilidade pelo meio acadêmico. Robert
Moog e Herbert Deutsch criavam o sintetizador baseado em
voltagem controlada. Em 1964, o sintetizador Moog teve sua
versão final lançada graças à miniaturização dos circuitos
VIOLÃO+ • 53
tecnologia
A popularização da eletrônica
Em 1967, a música popular, mais exatamente o rock,
começava a usar a música eletrônica. O Grateful Dead
lançou o álbum Anthem of The Sun – e Frank Zappa, o
Uncle Meat, ambos usando manipulação eletrônica. Dois
anos depois, Godfrey Winham e Hubert Howe adaptaram
o software Music4 para um computador IBM 7094 em
linguagem ASSEMBLY. O Music5 ganhou versões para
IBM 360. Mathews e Richard Moore desenvolveram o
programa Graphics 1 para sintetizadores analógicos.
Em 1972, a música eletrônica continua se popularizando,
e o Pink Floyd lançou o álbum Dark Side Of The Moon,
usando sintetizadores e gravações de música concreta.
Em 1977, Peter Samson cria o Systems Concepts Digital
Synthesize (SCDS) – que criava sinais e os processava
em tempo real. Tinha 256 osciladores, 128 modificadores
de sinal e memória considerável. Em 1981, Moore
continua aperfeiçoando o Music5, que passa a ser escrito
em linguagem C de programação, logo ganhando o nome
de CMusic.
Em 1983, foi criado o Musical Instrument Digital Interface
(MIDI) para padronizar a comunicação entre computadores
e instrumentos musicais eletrônicos. Atualmente, ao se
falar em MIDI, estamos nos referindo a três elementos:
a linguagem MIDI (especificações técnicas), o conector
54 • VIOLÃO+
tecnologia
MIDI (um hardware) e o formato MIDI (como temos
formatos de imagem, texto etc.). Em 1985, foi lançada
a linguagem Hierarchical Music Specification Language
(HMSL), baseada numa série de informações chamadas
morphs (de morphological; design morfológico).
Em 1986, o software foi desenvolvido em linguagem C por
Miller Puckette e lançado pela empresa Opcode. Era o
primeiro programa a usar interface gráfica em plataforma
Macintosh, que David Zicarelli aperfeiçoou a partir de
1989. Desde 1987, o Macintosh II já era comercializado
pela Apple, enquanto a plataforma PC adotava o protocolo
MIDI e o primeiro gravador de DAT era comercializado.
O Musical Interface for Digital Instrument, vulgo MIDI, é,
sem dúvida, a maior contribuição dessa evolução para a
música.
Além de ser aparentemente a última vez que os fabricantes
se sentaram à mesa para criarem juntos e não competir
uns com os outros, o MIDI reduziu o tamanho de arquivos
de som para tamanhos compatíveis com a transmissão de
dados na época – até hoje pouco melhorados no Brasil –
e tornou o ensino musical muito mais claro, entre vários
melhoramentos. Compreende hardware e software, e,
ainda nos dias do século 21, continua em franca evolução,
ao contrário de muitos “produtores” em declínio criativo,
para dizer o mínimo.
VIOLÃO+ • 55
tecnologia
A chegada das DAWs
Em 1989, a Digidesign apresentava ao mercado o sistema
Sound Tools para computador Macintosh modelo 1604. O
Sound Tools deu origem à Digital Audio Workstation (DAW)
Pro Tools, hoje controlada pela comercialíssima AVID.
Em 1990, a Sony lançava oficialmente o CD gravável,
conhecido como CDR (Compact Disk Recordable) e, não
contente, lançava em 1991 o Minidisc (MD), enquanto a
Alesis apresentava o sistema ADAT, que usava fitas VHS
para registrar som. Algumas mídias não se firmaram,
como o Minidisc, outras evoluíram como o CD para DVD,
e há até as que ainda são usadas, como os ADAT e DATs.
Atualmente, temos uma variedade imensa de hardwares
e softwares disponíveis para quem se dispõe a trabalhar
com música eletrônica. Mas na proporção inversa, temos
alunos e professores despreparados para esclarecer,
formar e evoluir o potencial do gênero, mesmo que
utilizado por diversos segmentos da mídia. Cabem a
estes acelerar os processos de formação, educação e
produção musical, termo ainda mais mal utilizado do que
a própria música eletrônica e confundido com produtores
executivos de gravadoras.
Muitos outros instrumentos foram criados e desenvolvidos
neste mais de um século. O que acabou sendo conhecido
equivocadamente como “música eletrônica”, foi o boom
de vendas de aparelhos eletrônicos usados na era pós-
discoteca, vide John Travolta, que proporcionou aos
aficionados pelo estilo uma tentativa de continuá-lo com
retoques tecnológicos de gosto duvidoso. Mas, como dizia
meu pai, que detestava Led Zeppelin, Pink Floyd e tudo
o que não teve oportunidade ou vontade de entender, “é
melhor ouvir isso do que ser surdo”…
56 • VIOLÃO+
de ouvido
Revisão –
exercícios sobre Reinaldo Garrido Russo
www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br
acordes naturais
O mais importante por ora é darmos uma pequena parada
para respirar. A quantidade enorme de exercícios e a
dificuldade de entender a teoria que os regem causam
confusão e certa sensação de não saber onde estamos.
Por isso é que devemos fazer o exercício mais importante
de todos: a repetição/questionamento.
O corpo físico nos ensina a forma correta nos primeiros
estágios do aprendizado do violão: faz-se o movimento dos
dedos conforme observamos e entendemos, e o repetimos
até que obedeçam sem esforço. Se há algo errado no
movimento (tensão, por exemplo) o sinal de alerta surge
em forma de dor. Se acaso questionarmos o movimento
e encontrarmos um caminho simples e sem esforço, a
repetição será bem-vinda e sem dor.
O aprendizado não ocorre no mesmo dia, pois é preciso
que haja a “acomodação” do objeto aprendido. Possuímos
memória corporal que guarda informações justas, precisas
e nominadas adequadamente. Quando executamos um
movimento complexo, torna-se complexo organizar nessa
memória – composta da sensação tátil que temos quando
tocamos e do movimento dos dedos – especificamente
o movimento da dança que os dedos fazem. Sentimos
dificuldade em tocar um violão desconhecido, com medidas
e tensão novas, e então precisamos de certo tempo para
a adaptação.
Analogamente, devemos compreender que a mente se
exercita da mesma forma. Não é prudente e nem eficaz
exigi-la sem o devido descanso. Então, sugiro rever o que
aprendemos até aqui.
Começamos com um questionamento sobre o belo, o porquê
de eventualmente acharmos algo feio ou bonito. Bem, essa
é uma das muitas questões que os estetas propõem, e eu
concordo com a que expus na primeira edição de Violão+
VIOLÃO+ • 57
de ouvido
por conta da experiência pessoal, única – como é única
também a experiência de outra pessoa qualquer. Podemos
ter o mesmo ponto de vista ou não.
Adiante, sugiro em todos os aspectos o uso correto da
linguagem e precisão dos conceitos. Por isso foi importante
apontar com precisão o uso da palavra “nota musical” no lugar
da mais correta, “tom”. Estudei e observei o pragmatismo
existente nos livros escritos e editados nos Estados Unidos
e constatei que a precisão e a sistematização da linguagem
musical, tanto teórica quanto prática, é imprescindível.
É o que estamos buscando em nosso País. O subjetivismo
europeu cansou pelo excesso de “derrapagem na pista”.
Como diriam os músicos de estúdio: “rodaram muito a
lâmpada”. Na minha humilde opinião, adentraram em terras
profundas e encontraram pedras.
Alongamo-nos em exercícios práticos sem delongas e até
cansar, por exemplo, na busca dos tons e das distâncias
entre estes, ou seja, notas e respectivas distâncias. Daí o
descanso tão necessário para a devida “acomodação”. Ter
consciência dos tão pequenos e frágeis sentimentos ao
cantar ou tocar pequenos grupos de notas, ou simplesmente
um intervalo qualquer, nos faz cientistas de nós mesmos.
Dar a devida importância ao aspecto musical, puro, simples,
e conhecer a transformação que nos causa, tem absoluta
importância.
O resultado vem mais tarde em nossas vidas com a
compreensão profunda e mais fácil de uma obra musical
de referência. Quando sugeri ao aluno colocar seus
sentimentos na busca da canção preferida para tornar o
primeiro intervalo uma referência auditiva, eu não estava
sendo negligente com a seriedade. Aprendi isso com
meus queridos professores, desde muito jovem, e depois
na faculdade, em aulas extremamente sofisticadas com
professores concertistas.
Lembro-me de Zezé Carrasqueira, exímia pianista, dizer
que devemos cantar “tocabile” e tocar “cantábile”. Tão
simples a frase e de grande valor, que pude verificar o
seu significado ao longo da minha vida profissional. Não
esqueço jamais quando Roberto Schnorrenberg, maestro
maravilhoso, entrou na classe, abriu seis livros em línguas
diferentes, grego inclusive, e mostrou-nos as discrepâncias
das citações, costumeiramente feitas em livros ditos sérios,
58 • VIOLÃO+
de ouvido
em relação aos originais.
Essa experiência equiparou-se a quando li a obra “Como
se faz uma tese”, de Umberto Eco, livro de referência para
quem quer pensar e escrever sem amarras inúteis. Com
Köellrreutter o aprendizado maior foi sobre os primeiros
exercícios do Mikrokosmos, de Béla Bartók, quando
presenciei o fazer música com poucas notas musicais.
Comecei a entender, daí, o processo da memória afetiva.
Com o mesmo mestre tive a sensação de arrependimento
de ter lido os muitos críticos de arte quando ele nos contou
a história da inscrição no festival nacionalista, do Estado
Novo, do qual seu aluno Cláudio Santoro queria participar,
mas não se sentia à vontade em fazê-lo, porque sua sinfonia
não era nacionalista, mas sim uma obra dodecafônica. O
mestre fez a revisão da obra a pedido do compositor e
intitulou-a “Sinfonia para Volta Redonda”. Mostrou-nos,
depois de contar essa passagem histórica, um recorte de
jornal em que o crítico fazia elogios ao jovem, autor da
peça que ganhara o primeiro lugar no festival, dizendo
aproximadamente: “Quando ouvimos esta sinfonia, temos a
impressão de estarmos dentro da Usina de Volta Redonda”
Ora, é ou não para questionarmos o que lemos e o
que ouvimos? Questionem-me também. Perguntem os
porquês aos seus professores. Questionem-se, mesmo
não encontrando as respostas. Façam uma análise do que
foi escrito até aqui, desde o primeiro artigo que escrevi, e
perguntem-se o que realmente conseguiram apreender.
Até a próxima edição!
Claudio Santoro
VIOLÃO+ • 59
sete cordas
O poder das
tríades Samuca Muniz
muniz.samuca@gmail.com
60 • VIOLÃO+
sete cordas
No segundo compasso do exemplo 2, no acorde de A7,
procuro misturar as tríades de Dó Maior e Ré Maior,
causando um efeito um pouco mais diluído, porém
tenso. Isso caracteriza um blue note com a nota Dó,
enarmônica de Si#, e o Fá#, sexta maior de Lá Maior.
Já no terceiro compasso, reforço a tríade de Lá Maior
dentro do acorde de Dm, evidenciando a 7ª Maior, e
concluo me aproximando cromaticamente da 7ª menor
do arpejo de G7(13).
VIOLÃO+ • 61
siderurgia
“Ai Que
Saudade D’Ocê”
Eduardo Padovan
edupadovan@gmail.com
4
Violão
0
0
0
0 0 0
7 7 6 6 0 0
Violão 7 7 7 7 6 6
0 0 0 0 7 7
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
7 7 6 6 0 0
Violão 7 7 7 7 6 6
0 0 0 0 7 7
0 0 0 0 0 0
D / F♯ Dm/ F
A
D/ F♯
4
A
Dm/ F
Viol. 4
Viol.
3
0 0 0 0 0 0
0 0 3 3 3 3 3 2
Viol. 6 6 4 4 2 2 2 7 2 2 2
5 5
7 7 7 7 7 7 00 0 7 00 2
2
0 0 0 0 4 4 0 0
0 0 223 223 3 13 3 3 2
7
54 5 54 5 5 21
1
Viol. 6 6 2 7 2
7 7 7 7 7 0 0 7 0 2
5 5 2
0 0 4 4
5 5 5 5 5 2 1
D / F♯ Dm/ F
A
/ F♯ Dm/F
7
A D
Viol. 7
VIOLÃO + • 63
Viol. 7 7 7 7 7 7 0 0 7 0 2
0 7 0 7 7 47 4 7 7 0 0 7 0 2
0 0 5 5 5 54 54 5 5 2 2 1 1
5 5 5 5 5 5 5 2 2 1 1
siderurgia
D / F♯ Dm/ F
A D / F♯ Dm/ F
7
A
7
Viol.
Viol.
0 0 0 0
03 3 3 0 3 03 3 0 2
Viol. 4 4 23 23 3 2 73 23 3 2 2
Viol. 7 4 7 4 7 7 02 02 2 7 02 2 2
7 47 4 7 7 0 0 57 0 2
5 5 5 54 54 5 5 2 2 15 1
5 5 5 5 5 5 5 2 2 1 1
Viol.
Viol.
Viol.
Viol.
2
2
2
2
2
2
2
2
2
24
64
2
24
64
2
2
2
2
2
24
54
0
0
0
2
2
2
0 2
0
2
2
5
25
25
3 2
3 2 2
2
0
02
21
0
20
21
0
0
1
2
2
0
20
21
2
2
21
0
0
0
0
2
2
02
02 2 06 06 05 0 45 21 21 1 21 21 20
0 0 0 0 0 4 2 2 2 2 2
E7 A A7 D / F♯ Dm/ F A
E7 D / F♯ Dm/ F
A A7 A
12
Viol.
Viol.
3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 0
2 0 2 0 2 0 2 3 3 23 23 3 3 23 23 2 2 23 3
1 1 1 20
Viol. 2 0 2 0 21 0 2 2 2 2 2 23 23 23 23 2
Viol. 02 0 01 2 2 2 2 2 2 2 2 24 24 4 4 24 23 3 3 2
20 0 02 20 0 2 2 02 02 2 2 4 04 4 4 4 3 3 3 2
2 2 0 0 0 0 0
A7 D / F♯ Dm/ F A
A7 D / F♯
Dm/ F A
15
Viol.
Viol.
3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 1 1 1 0
3 3 23 23 3 3 23 23 2 2 23 3
1 1 1 20 0 0 0 1
Viol. 2 2 23 23 23 23 2 2 0 2 0 2 0 21
Viol. 2 2 2 2 2 2 24 24 4 4 24 23 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 23
0 2 2 02 02 2 2 4 04 4 4 4 3 3 3 2 0 2 2 02 02 2 2 3
0 0 0 0 0 0 0 3
64 • VIOLÃO+
18 F E A F E
Viol. 2
2 2
2 2
2 2
2 22 22 44 44 44 44 44 3
3 3
3 3
3 22 22 22 22 22 22 22 3
3
00 00 00 00 00 00 00 3
3
siderurgia
18
18 F E A F E
Viol.
Viol. 1
1
22
3
3
22
3
3
11
22
33
00
11
2
2
00
11
22
11
22
00
11
22
22
22
22
22
22
22
00
22
22
22
00
22
22
22
00
22
11
22
33
11
22
33
22
3
3
11
22
33
00
22
11
00
22
11 11
22
00
11
22
22
22
3
3 22 22 00 00 00 00 3
3 3
3 22 22 00
00 00
A A Ad
Ad lib.
1.
lib.
21
21
2.
Viol.
Ad
Ad lib.
lib.
00 00 00 00
00 00 00 00 22 22 22 22 22 22 22 22 22
22 22
Viol. 66 66 22 44 44
22 22 77 77 22 66 55
00 00 00 00 00 00 00
24
24 C♯° B° B♭° B7 Bm7 E7/ B
22
Viol.
Viol. 00
00
22 22 2
2 55
33
55
33
11
33
22
00
22
00
22
11
00
22
11
22 00 22
22
11
00 22 00 22
22
00
00 00 22 00 22
11
00
00 22
00 44 22 11 22 22 22 22 22
27
A
27
Viol.
00 55 77 99 12
12 12
12
22 3
3 10
10
Viol. 22 99
22 44 11
11
00 00
VIOLÃO+ • 65
COMO TOCAR
Estudo 1 Op.60,
Matteo Carcassi
Ricardo Luccas
rnluccas@gmail.com
VIOLÃO+ • 69
Flamenco e música brasileira
Rasgueos e
picados Felipe Coelho
coelhoexperiment@gmail.com
Rasgueos
Tradicional: médio, anular, indicador e volta indicador para
cima;
Rasgueo de 5 movimentos: dedo mínimo, médio, anular,
indicador e volta indicador para cima;
Rasgueo de 3 movimentos: médio, indicador e volta
indicador;
Rasgueo de 3 movimentos (segunda opção): anular,
indicador e volta indicador;
Rasgueo abanico: polegar para cima, dedos para baixo e
polegar para baixo;
Rasgueo abanico 4 movimentos: polegar para cima, anular
para baixo, indicador para baixo e polegar para baixo.
É necessário que não apenas se execute o rasgueo
colocando o acento no um, mas propondo diferentes ciclos
rítmicos (3, 4, 5, 6 etc) a fim de alternar o acento “um” para
cair em diferentes movimentos.
70 • VIOLÃO+
Introdução ao picado
Quer aprender aFlamenco e música brasileira
tocar blues?
O picado é uma técnica de exposição melódica, também
conhecida como toque apoiado. É usada para maior
projeção de nota e proporciona boa velocidade. Dois
conselhos são importantes para quem visa desenvolvê-lo:
1. É necessário engajar todo o braço e ombro a fim de
buscar a posição de mão que proporcione melhor equilíbrio
e menor movimentação possível entre o ataque do indicador
CD com método digital + 61 pistas de áudio
e ataque do médio. Em busca desse equilíbrio, é necessário
estudar de forma que a execução de(solos/Play
cada movimento Along)
inclua também a preparação para o próximo movimento.
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Ao fim de cada movimento entre anular e médio, a mão
deve encontrar-se em postura de ataque para o próximo
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movimento.
2. O uso da mentalidade rítmica é essencial para se
promover boa fluidez. Nunca praticar “tocar rápido” sem
propor um ritmo na execução das notas. A subdivisão é
justamente o que ajudará seu cérebro a organizar a vez e
Mauricio Pedrosa
o tempo de cada movimento, assimwww.teclaseafins.com.br
promovendo equilíbrio
quando estiver em tempos mais acelerados.
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Tudo os violeiro
Gosta de pontiá
Mal pegam a viola
Já fazem ela falá
Mas num pode esquecê
De também acompanhá
Que é u’a arte antiga
Dos que gosta de tocá
Pra fazê isso bem feito
Tem que se esmerá
72 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
La vai uma chalana
Bem longe se vai
Riscando o remanso
Do rio Paraguai
Oh chalana sem querer
Tu aumentas minha dor
nessas águas tão serenas
Vai levando o meu amor
VIOLÃO+ • 73
VIOLA caipira
Agora que o rasqueado
Tá bunito de se ver
Arrepare na outra mão
o que vai acontecer
as posição vão criano
os acorde pra fazê
a harmunia vai formano
pra canção se acolhê
só precisa três acorde
pra coisa acontecê
borá usar uma fatia
pra mode não esquecê!
74 • VIOLÃO+
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VIOLÃO+ • 75
coda
Limitação?
Luis Stelzer
Corria o ano de 1987. Eu, animadíssimo, finalmente viveria só
de música e para a música! Tinha acabado de pedir demissão
do meu antigo emprego, no qual eu era concursado, tinha
estabilidade e um ótimo salário. Mas não tinha o principal:
a vontade, o tesão de continuar naquela área. Eu queria a
música, o violão, as salas de concerto! Tinha lutado muito
por isso, agora era a minha vez! Mas nem tudo é como a
gente quer...
Naquele janeiro, empolgadíssimo, fiz o Terminei acabado, mas muito feliz! Era
curso de verão do Henrique Pinto, na questão de tempo: logo estaria tocando
época, na Faculdade Mozarteum, zona bem o suficiente para os meus primeiros
Norte de São Paulo. Era a primeira vez concertos... Apenas uma sensação
que podia fazer um curso inteiro desses! estranha nas costas me incomodava um
Achei o máximo. Quando ele terminou, pouco.
começaram as aulas do último ano do Ao fim de uma semana, o panorama tinha
Bacharelado em instrumento que eu mudado muito. Primeiro dia, cinco horas.
fazia. Lá fui eu, atrás do meu sonho! Segundo, quatro. Terceiro, três. Parecia
Tinha uma programação forte para contagem regressiva. O cansaço nas
aproveitar o tempo costas era enorme,
livre. Queria chegar a De repente, um concerto de não uma dor, mas uma
seis horas diárias de dormência. Eu não
estudo, considerando um violonista americano, estava entendendo:
esse tempo ainda David Starobin. Ele entra não conseguia
o mínimo para ter estudar mais do que
uma performance
com o seu violão, com uma duas horas sem que
razoável. Fui para correia. E pode? a dormência nas
o violão, babando; costas chegasse
nunca tinha tido tanto tempo assim! e transformasse minha euforia em
Como eu tinha guardado dinheiro para profundo desânimo.
um ano de estudos, não estava lá muito Com uma vergonha que não deveria
preocupado em arrumar conservatórios, ter sentido, não comentei com meus
escolas de música, alunos particulares, mestres. Fui tentando levar do jeito
para me sustentar. Tinha alguns alunos, que dava, estudando as minhas duas
uma escola, e era o suficiente. Nesse horinhas, uma hora e meia, meia hora...
primeiro dia, me arrumei na postura A tristeza tomou conta de mim, ficou
clássica, banquinho no pé esquerdo, difícil. Pensei em parar, sinceramente
concentração... Estudei por cinco horas! falando. Continuei porque meus colegas
76 • VIOLÃO+
coda
de faculdade eram fantásticos. Porque fosse a postura clássica a vilã do meu
tinha apoio da minha companheira. E problema? Como tinha dois violões,
porque não se desiste de um sonho cheguei em casa, improvisei uma correia
assim, sem luta. em um deles. Toquei por quatro horas
Minhas visitas aos ortopedistas não seguidas, sem nada sentir! Não sei nem
foram felizes. Sempre soube da minha explicar a alegria que senti. Não fiquei
escoliose que, embora grande, nunca com raiva por não ter descoberto antes,
tinha me impedido de fazer nada até afinal o tempo não volta e fiz muita coisa
então. Ouvi de radiologistas frases do legal. Também já não tinha a mesma
tipo “como você anda?”. Não foi legal. vontade de ser concertista. A febre tinha
Quando, por fim, falei com meus mestres, passado. Mas a descoberta de uma
algumas alternativas foram ventiladas, nova possiblidade, um novo jeito que
mas nada de concreto consegui, Fui me me beneficiava mais, me tornou o cara
conformando: não ia ser concertista... A mais feliz do mundo naquela noite.
sorte é que a música é um vasto campo, Dali pra frente, fiz uma série de
e eu poderia fazer muitas coisas sem descobertas sobre a postura para tocar.
ser concertista. Descobri, antes de tudo, que muitas
Em 1988, descobri a Orquestra de vezes o que funciona para um, não
Violões. Em 1989, já era professor funciona para outro. No mesmo curso
universitário de música e arranjador para do Sesc, ouvi falar pela primeira vez em
violão. Segui tocando, me dedicando ao técnica de Alexander. Anos depois, fruto
violão popular. Consegui tocar o meu da minha idade + relaxo + sedentarismo,
barco. E bem. Fiquei feliz com o que comecei a ter fortes dores lombares.
consegui, mas sempre com aquela pulga Descobri o Pilates, que me revigora e
atrás da orelha, por não ter conseguido me deixa pronto para tudo. Quando há
chegar nem perto do meu limite como um ensaio longo, ou quando tenho que
instrumentista. estudar muito, tenho que arrumar outra
Chegou o ano de 1997, ou seja, dez desculpa para reclamar: a coluna não
anos depois. Vários cursos e seminários dói, as costas não adormecem mais. E
de violão, métodos idealizados por mim, fica a dica, para quem quiser: quando
arranjos, duos, trios, conservatórios, desejar muito uma coisa e não conseguir
faculdades. Uma vida na música! Houve de um jeito, tente de outro. Quem sabe,
um curso de violão no Sesc Consolação. dá certo?
Baden Powell, Egberto Gismonti, só
coisa fina. Fazia já um bom tempo que
eu não participava de um curso tão
bom. De repente, um concerto de um
violonista americano, David Starobin.
Ele entra com o seu violão, com uma
correia. E pode? Enquanto ele tocava,
por sinal maravilhosamente, minha
cabeça entrava em parafuso: e se
VIOLÃO+ • 77