OS MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DA
LINGUAGEM NA ERA DAS NOVAS TECNOLOGIAS
Cicero Nestor Pinheiro Francisco
Resumo
Este artigo realiza uma análise da discussão a respeito da valorização das novas competências
para o ensino da linguagem proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), levando
em consideração a busca pela formação integral dos estudantes. Em nossa análise abordamos
conceitos como letramento, letramentos múltiplos, dando maior ênfase aos multiletramentos.
Também discutimos sobre a forma de como a proposta postulada pela BNCC pretende abordar
a prática dos multiletramentos nas escolas para as séries finais do Ensino Fundamental na era
de uso das novas tecnologias. Concluímos nossa pesquisa ressaltando que os
multiletramentos são necessários para auxiliar os alunos a se tornarem cidadãos dotados de
habilidades que consigam abordar tanto as questões semióticas de trabalho com a linguagem
quanto as questões culturais provenientes do emprego de diversas semioses, necessárias à
comunicação das futuras gerações.
Abstract
This article presents an analysis of the discussion about the valorization of the new
competences for the teaching of the language proposed by the National Curricular Common
Base (BNCC), taking into consideration the search for the students’ integral formation. In our
analysis we approach concepts such as literacy, multiple literacy, giving greater emphasis to
multiliteracies. We also discussed how the proposal put forward by the BNCC intends to
address the multiliteracies' practices in schools for the final grades of Elementary School in the
new technologies' age. We conclude our research by emphasizing that multiliteracies are
necessary to help students become citizens with skills that can address both the semiotic issues
of working with language and the cultural issues arising from the use of several semioses,
necessary for the communication of future generations.
Introdução
Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 2
Com o objetivo de promover a equidade do ensino em todo território nacional, surge a Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017)1. O documento difere-se dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1988), por ser um documento previsto em lei para a
diminuição das desigualdades no ensino, promovendo uma maior unificação nos sistemas
educacionais, sejam eles públicos ou privados. Assim, a BNCC versa sobre as bases do
conhecimento para cada série da educação básica, devendo ser obrigatoriamente observada
na elaboração e implementação dos currículos.
A BNCC está estruturada em dois fundamentos pedagógicos: desenvolvimento de
competências e promoção da educação integral para todos os alunos. Dessa forma, a BNCC
apresenta um conjunto de dez competências gerais2 a serem trabalhadas no ambiente escolar
para que os fundamentos pedagógicos nela propostos sejam alcançados.
Diante dos esforços para a promoção dos fundamentos pedagógicos propostos pela BNCC,
encontramos o reconhecimento dos multiletramentos como forma de promover a integralidade
da educação, uma vez que vivemos na era em “que todos os aspectos da vida, incluindo as
atividades cotidianas, as práticas de trabalho e o mundo da aprendizagem, são transformados
pelas tecnologias digitais” (BARTON; LEE, 2015, p. 11-12). A respeito dessas transformações,
destacamos também as transformações culturais promovidas pelo advento da tecnologia. Em
face do exposto, propomos uma análise da importância dos estudos sobre os multiletramentos,
bem como o emprego desse conceito para a formação dos alunos dos anos finais do Ensino
Fundamental, proposto pela BNCC.
Ressaltamos que, para a compreensão do que se entende por multiletramentos, é
necessária a compreensão do que é o letramento e de como estes estudos situam-se em
relação ao aprendizado da linguagem, por isso, propomos uma breve discussão sobre o
letramento, depois sobre a proposta de emprego dos multiletramentos e de como a BNCC
apresenta tais conceitos para o ensino da linguagem, criação de novas habilidades e valores
culturais junto aos alunos, como veremos a seguir.
Referencial Teórico
O termo letramento surgiu para caracterização das pessoas letradas, isto é, inicialmente
empregava-se o termo letramento para descrever a habilidade de “trabalhar” com textos
escritos; ou seja, considerava-se letrada a pessoa que conseguisse ler ou escrever. Com o
avanço dos estudos sobre as habilidades de letramento, passou-se à verificação de que muitas
pessoas, ainda que não alfabetizadas, conseguiam dar conta de atividades sociais cotidianas
que envolviam a leitura e a escrita (ROJO, 2004) tais como: distinguir que ônibus escolher, que
produto comprar no supermercado, seguir uma receita culinária etc.
As atividades destacadas por Rojo (2004), entre outras, são passíveis serem realizadas por
pessoas que tenham ou não sido alfabetizadas, pois exigem conhecimentos diversos, tais
como reconhecer o tipo de letra, tipo de fontes, cores, desenhos, formatos, símbolos, entre
outras. São estas habilidades que reconhecemos como letramento, pois elas conseguem dar
conta das “(...) numerosas e variadas práticas sociais de leitura e escrita” (SOARES, 2000,
p.44). Pode-se, dessa forma, fazer a seguinte afirmação: ainda que alguém não domine
completamente os processos de codificação e de decodificação da escrita, ou seja, ainda que
uma pessoa não seja alfabetizada, essa pessoa pode ser considerada como alguém letrada
(SOARES, 2010).
Concordamos com a discussão de Barton e Lee (2015) elucidando as práticas de
letramento, pois:
O conceito engloba as formas práticas de utilizar a leitura e a escrita, mas também inclui, de modo crucial,
os sentidos situados na base das práticas. A noção de “práticas” é importante
1
Doravante BNCC.
2
Conhecimento; pensamento científico, crítico e criativo; repertório cultural; comunicação; cultura digital; trabalho e
projeto de vida; argumentação; autoconhecimento e autocuidado; empatia e cooperação; responsabilidade e
cidadania.
Notamos, dessa forma, uma relação biunívoca entre as práticas cotidianas (e culturais) e o
emprego das práticas letradas, uma vez que para que se realizem atividades no meio social é
necessário o domínio de práticas de letramento, como nos exemplos já citados.
A partir da percepção do que é o letramento, têm surgido, desde então, diversos estudos
que analisam o emprego de habilidades específicas, tais como “’letramento matemático’,
‘letramento digital’, ‘letramento jurídico’ etc.” (GERALDI, 2014, p.27). Estas denominações
procuram dar conta das várias habilidades que se pode demonstrar nas diversas áreas do
conhecimento.
Ainda relacionando o letramento às práticas de leitura/escrita, de acordo com as discussões
de Soares (2000), uma pessoa que pode diferenciar uma notícia de jornal de uma piada
demonstra graus de letramento, mesmo que essa pessoa não consiga ler nenhum desses dois
gêneros textuais caso isso lhe fosse solicitado. Mais um exemplo: há hoje, inúmeros jovens que
demonstram possuir alto grau de letramento digital3 sem ter feito nenhum curso de informática.
Isso quer dizer que o conceito de letramento está ligado às práticas cotidianas, possuindo uma
estreita relação com o “saber fazer”. Estes exemplos auxiliam na compreensão de que, quanto
maior a perícia na execução de uma determinada tarefa (seja ela uma atividade envolvendo a
linguagem ou a informática), tanto maior será o grau de letramento apresentado.
Destacamos que, devido ao teor e à complexidade da abordagem da vasta gama de
trabalhos sobre letramentos, não os discutiremos em pormenores. Elucidamos que as noções
já apresentadas sobre os letramentos diferem-se da ideia de emprego dos multiletramentos.
Vislumbramos que se faz necessário, portanto, uma diferenciação entre o que vem a ser a
concepção de letramentos diversos e multiletramentos, como apresentaremos a seguir.
Os multiletramentos
O Grupo Nova Londres (GNL), composto por dez pesquisadores de diferentes áreas de estudo
da linguagem, propôs uma nova abordagem para as práticas pedagógicas devido à
“multiplicidade de canais de comunicação e ao aumento da diversidade cultural e linguística no
mundo de hoje” (CAZDEN et al., 2000, p. 60, tradução nossa). Diante do exposto, podemos
perceber a preocupação do GNL tanto em atualizar as práticas pedagógicas, com vistas a
englobar uma maior gama de processos comunicativos ou semioses4 mobilizados na
construção de sentidos para uma melhor comunicação (BARTON; LEE, 2015, p. 47), quanto
para a promoção de uma melhor relação entre as diversas culturas valorizando sua
coexistência (ROJO; MOURA, 2012).
Desse modo, a concepção dos multiletramentos comunicativos foi desenvolvida para
ampliar as abordagens tradicionais sobre os letramentos que focavam, inicialmente, seus
estudos em processos envolvendo apenas textos escritos, que o GNL conceitua como “(...)
formas de linguagem formalizadas, monolíngues, monoculturais (...)” (CAZDEN et al., 2000, p.
61, tradução nossa). Tais formas, até então apenas entendidas como estáveis, eram baseadas
em regras como as de dominar a correspondência entre letra e som, por exemplo (CAZDEN et
al., 2000).
3
Entendemos como letramento digital, grosso modo, a habilidade de se trabalhar com as novas mídias e com os
produtos por elas produzidos, tais como programas de computador, hipertextos, sites, jogos digitais etc., com o fim de
“interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente” (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p. 17).
4
Segundo Charles Peirce (2005), operação através da qual é possível produzir significados pelo uso dos signos e da
sua relação com o objeto e a interpretação.
A proposta do GNL, foi, deste modo, apresentar novas formas de letramentos baseadas na
pluralidade existente nas salas de aula com a preocupação de envolver os alunos em
processos dinâmicos que valorizem as diversas características da linguagem (diversas
semioses) em detrimento da postura de tratar a língua como um modelo estanque para que os
alunos possam atuar mais efetivamente no meio social. Os autores do GNL defendem que “se
fosse possível definir de forma geral a missão da educação, pode-se dizer que seu objetivo
fundamental é garantir que todos os alunos se beneficiem da aprendizagem de forma que lhes
permita participar com plenitude da vida pública, comunitária e econômica” (CAZDEN et al.,
2000, p. 60, tradução nossa).
Dessa forma, o GNL escolheu uma única palavra – multiletramentos - para descrever as
necessidades pedagógicas da atualidade e sobre as quais é importante que os professores
reflitam. Dois pontos principais são elencados para “descrever” o termo multiletramentos. O
primeiro tem a ver com a crescente forma de se fazer significados, uma vez que os aspectos
textuais também estão relacionados aos visuais, auditivos, espaciais, entre outros, sobretudo
com as formas de comunicação de massa e multimídia (CAZDEN et al., 2000). O segundo
ponto evidencia o incremento das diversidades locais (valorização das mulheres, inclusão de
povos indígenas, imigrantes etc.) e sua relação de conexão com os padrões globais,
suscitando questionamentos como: que postura pedagógica é mais apropriada para trabalhar
tanto os aspectos das diversidades locais quanto os padrões de comunicação global? Isto quer
dizer que as discussões promovidas pelo GNL sobre os multiletramentos destacam as
preocupações que a educação deve ter ao lidar com a crescente multiculturalidade (cultura
local associada à cultura global) intensificada pelo emprego das novas tecnologias.
Isto posto, podemos entender que a preocupação do GNL é com uma pedagogia voltada à
inclusão e à garantia de aprendizagem de forma mais abrangente e por isso concordamos com
as discussões desses pesquisadores evidenciando que a Pedagogia dos Multiletramentos visa
criar condições de acesso ao pleno desenvolvimento dos educandos com vistas à ativa
participação social.
Para que as escolas consigam dar conta dessa “nova norma” pedagógica Cope e Kalantzis
(2000, p. 19) propõem que os professores atuem como designers do conhecimento, ou seja,
pessoas que projetam processos e ambientes para a aprendizagem e não mais pessoas que
digam o que os outros devem fazer ou como devem pensar. Para Cope e Kalantzis (2000) a
noção de design descreve a inteligência criativa de que os profissionais necessitam para poder
repensar continuamente sua prática. Destacamos a importância de os profissionais da
educação promoverem atividades que respeitem a pluralidade no ambiente escolar, as culturas
a que os alunos pertencem, as linguagens oriundas dos grupos sociais dos quais esses alunos
fazem parte etc., com vistas à promoção de uma educação mais inclusiva e global.
A visão de se fomentar os multiletramentos parece ser mais propícia às atuais necessidades
sociais, sobretudo tendo em vista as rápidas mudanças ocorridas nos diversificados processos
comunicativos contemporâneos. Salientamos, junto a Cope e Kalantzis (2000, p. 22), que para
se construir significados deve-se envolver dois processos de design: o de reapresentação e o
de recontextualização. Segundo os autores, a construção de significado é uma atividade de
renegociação dos processos de design que se refazem na busca de novas unidades de sentido
(possibilitando a criação de novos formatos, novos textos, novas culturas).
Elucidamos ainda que alguns textos na atualidade, podem significar por seu aspecto visual,
por seu aspecto linguístico, pela junção desses aspectos, enquanto outros podem apresentar
apenas imagens e serem dotados de significados (JEWITT, 2005). Quando há o emprego de
várias linguagens na constituição de um dado texto, dizemos que esse texto é multissemiótico,
ou seja, referimo-nos a textos que empregam várias linguagens diferentes (textual, sonora,
gráfica etc.) para significar. Destacamos que estes textos não são produto exclusivo da era
tecnológica, mas esta herança na forma de comunicar tem sido potencializada
exponencialmente através do uso das novas tecnologias, contribuindo para o surgimento de
práticas comunicativas cada vez mais diversas, alterando a forma como as pessoas lidam com
“os principais aspectos de suas vidas – interações sociais, amizades, atividades cívicas”, pois
estas atividades, em muitos casos, passam a ser mediadas pelas tecnologias digitais
(PALFREY; GASSER, 2011, p. 12).
(...) propõe-se o uso do plural letramentos para enfatizar a ideia de que diferentes tecnologias de escrita
geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas
tecnologias, em suas práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de
escrita e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da
escrita resultam em diferentes letramentos. (SOARES, 2002, p. 156)
As discussões acima apresentadas ressaltam que os aspectos para uma boa interação
social dependem de pessoas que “dominem” vários letramentos, pois, desse modo, têm-se
constituídas as práticas sociais. Somado a este fator, é imprescindível que os alunos situem-se
em meio às diversas culturas que passaram a integrar, ao mesmo tempo, o ambiente social e,
consecutivamente, o escolar, fazendo uso das competências multiletradas. Para dar um
exemplo de uso dos multiletramentos para a realização de atividades cotidianas envolvendo
novas tecnologias destacamos, juntamente com Ribeiro (2016), as competências necessárias
para quem pratica atividades proporcionadas pelos jogos digitais, uma vez que
Para ler na tela é preciso que o leitor conheça os recursos de navegação como links, abas, janelas,
ícones, dentre outras; opte por ler o texto linearmente ou acessando seus
links; perceba a multiplicidade (letras, cores, sons, movimentos, design etc.) e
seja capaz de integrar todas as categorias de signos para a construção do
sentido. (RIBEIRO, 2016, p. 165-166)
Como exemplificado, o fato lúdico de lidar com o jogo digital requer dos jogadores o
emprego de diversas competências para que a ação de jogar possa acontecer. Situações
similares ocorrem para quem quer fazer uma pesquisa e recorre à internet, para quem utiliza
aplicativos no celular etc. Esta postura também exige mudanças de comportamento, uma vez
que a carta tradicional tem sido substituída pelo e-mail, o seminário pelo webinar, a aula
presencial pela videoaula, etc. Ou seja, cada vez mais o uso das tecnologias provoca mudança
em nossa cultura, afeta o modo como realizamos nossas atividades e, por isso, são
necessárias novas competências multiletradas como prerrogativa para a realização de
atividades cotidianas. Segundo Rojo e Moura (2012) a atividade envolvendo os
multiletramentos
(...) caracteriza-se como um trabalho que parte das culturas de referência do alunado (popular, local, de
massa) e de gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos, para buscar
um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático – que envolva agência – de
textos/discursos que ampliem o repertório cultural na direção de outros
letramentos (...) (ROJO; MOURA, 2012, p. 08)
Destacamos, juntamente com os autores, que trabalhar com multiletramentos significa não
apenas valorizar as culturas de referência dos alunos, mas também utilizá-las como forma de
interação, ou seja, o que estamos denominando de multiletramentos configura-se como a
convergência de duas multiplicidades específicas: uma tem a ver com a multiplicidade de
sentidos (semiótica) provenientes dos trabalhos com os textos e a outra é entendida como a
multiplicidade de culturas provenientes de populações diferentes, que resultam em uma cultura
híbrida. Esta última, formada por novas estéticas (ROJO; MOURA, 2012, p. 16), permitindo a
cada pessoa escolher em que bases ela quer construir seu “terreno cultural”, dada a ampla
gama de culturas que convivem na sociedade atual, miscigenação esta, evidenciamos,
amplificada pelo uso das tecnologias.
Isto posto, julgamos conveniente elucidar a diferença nem sempre percebida entre o
emprego de letramentos diversos, noção que se refere ao saber em diversas áreas do
conhecimento (letramento matemático, letramento literário, letramento digital etc.) e que
diverge da noção de emprego dos multiletramentos. Esta última caracterizada pela
“multiculturalidade característica das sociedades globalizadas e a multimodalidade dos textos
por meio dos quais a multiculturalidade se comunica e informa (...)” (ROJO, 2012, p. 13).
Destacamos assim, que a concepção de multiletramentos envolve a multiplicidade de culturas e
a multiplicidade de linguagens provenientes dessas culturas (inclusive a cultura digital).
À escola, por sua vez, é importante que se favoreça atividades para prática dos
multiletramentos aos alunos, como afirmam Rojo e Moura (2012), proporcionando-lhes a
compreensão dos usos e demais elementos constitutivos na comunicação, para que eles
possam explorar novas possibilidades comunicativas, inserindo imagens, cores, tipos de letras
etc., tudo o que julgarem necessário para fazer seus textos dotados de sentidos. Este público
heterogêneo (especialmente na escola pública) tem presenciado gradativamente a promoção
de ações para a criação de consciências de respeito ao diferente, de valorização da pluralidade
e de miscigenação entre as diversas culturas e discursos existentes, tais como os discursos
étnicos, os discursos de classes, os discursos comunitários etc. (COPE; KALANTZIS, 2000, p.
21).
Zacharias (2016, p. 28) explica: “por ser a principal agência de letramento, a escola deve
desenvolver nos alunos as competências necessárias para eles poderem atuar de maneira
efetiva na sociedade da informação e comunicação”. Acreditamos, portanto, que seja a escola
uma importante promotora de aprendizagem levando-se em consideração os multiletramentos
orientando os alunos para a construção de uma sociedade cada vez mais tecnológica e plural.
Elucidamos, então, que rapidamente consolida-se a importância de a escola possibilitar o
trabalho com as novas tecnologias, inserindo-as no cotidiano dos alunos e aproximando-se das
práticas sociais por eles vivenciadas. O fato de a escola possibilitar variadas práticas sociais de
fomento às habilidades multiletradas possivelmente incidirá na efetivação das práticas
educacionais propostas pelos fundamentos pedagógicos preconizados pela BNCC. Como
resultado disso, a educação terá cumprido o seu papel contribuindo, entre outros aspectos,
para a construção de processos comunicativos mais eficazes em tempos de globalização,
pluriculturalidade, internet e mídias digitais.
alunos possam dispor de autonomia para, de forma ética, atuar na sociedade com vistas a
valorizar as “diversas práticas sociais”, estabelecidas, protagonizando as ações para a
diminuição de problemas pessoais e/ou sociais. Elencamos, dentre as possíveis competências
gerais previstas pela BNCC, a que trata sobre o repertório cultural (e, consecutivamente,
linguístico) ao tratar sobre a demanda estabelecida pelas atividades de leitura prevendo a
articulação
(...) da diversidade cultural, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas, a literatura
infantil e juvenil, o cânone, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura
das mídias, as culturas juvenis etc., de forma a garantir ampliação de
repertório, além de interação e trato com o diferente (BRASIL, 2017, p.73).
Expressa nessa discussão, está a valorização das diversas manifestações culturais com o
fim de preparar os alunos para o exercício da leitura com o propósito de formar alunos mais
aptos para o contato com a diversidade, com um repertório linguístico capaz de proporcionar
uma maior autonomia dos estudantes durante a leitura, por exemplo.
Ao tratar do componente Língua Portuguesa, a BNCC visa à ampliação dos letramentos dos
alunos nos processos comunicativos, uma vez que o documento reconhece a utilização de
novas ferramentas para a efetivação da comunicação. Dessa maneira, o texto destaca:
As práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e textos cada vez mais
multissemióticos e multimidiáticos, como também novas formas de produzir,
de congurar, de disponibilizar, de replicar e de interagir. As novas
ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vídeos tornam acessíveis a
qualquer um a produção e disponibilização de textos multissemióticos nas
redes sociais e outros ambientes da Web. Não só é possível acessar
conteúdos variados em diferentes mídias, como também produzir e publicar
fotos, vídeos diversos, podcasts, infográcos, enciclopédias colaborativas,
revistas e livros digitais etc. Depois de ler um livro de literatura ou assistir a
um lme, pode-se postar comentários em redes sociais especícas, seguir
diretores, autores, escritores, acompanhar de perto seu trabalho; podemos
produzir playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fancs, produzir e-zines, nos
tornar um booktuber, dentre outras muitas possibilidades. Em tese, a Web é
democrática: todos podem acessá-la e alimentá-la continuamente. (BRASIL,
2017, p. 66)
Ser familiarizado e usar não significa necessariamente levar em conta as dimensões ética, estética e
política desse uso, nem tampouco lidar de forma crítica com os conteúdos
que circulam na Web. A contrapartida do fato de que todos podem postar
quase tudo é que os critérios editoriais e seleção do que é adequado, bom,
fidedigno não estão “garantidos” de início. Passamos a depender de
curadores ou de uma curadoria própria, que supõe o desenvolvimento de
diferentes habilidades. (BRASIL, 2017, p. 66)
Essa consideração dos novos e multiletramentos; e das práticas da cultura digital no currículo não
contribui somente para que uma participação mais efetiva e crítica nas
práticas contemporâneas de linguagem por parte dos estudantes possa ter
lugar, mas permite também que se possa ter em mente mais do que um
“usuário da língua/das linguagens”, na direção do que alguns autores vão
denominar de designer: alguém que toma algo que já existe (inclusive textos
escritos), mescla, remixa, transforma, redistribui, produzindo novos sentidos,
processo que alguns autores associam à criatividade. Parte do sentido de
criatividade em circulação nos dias atuais (“economias criativas”, “cidades
criativas” etc.) tem algum tipo de relação com esses fenômenos de
reciclagem, mistura, apropriação e redistribuição. (BRASIL, 2017, p. 68)
Diante do exposto fica evidente que há, no texto da BNCC, a preocupação não apenas em
desenvolver a competência linguística necessária para o uso das tecnologias, mas também que
os alunos possam apropriar-se de tais tecnologias para criar novos sentidos atuando com
designers da comunicação valorizando, inclusive a miscigenação cultural.
Outra questão importante é a valorização do diferente, proporcionando a abertura da escola
às mudanças proporcionadas pela modernidade, em detrimento das práticas fechadas e
estanques que já se viu no ambiente escolar, como apontado por Cope e Kalantzis (2000).
Dessa forma, espera-se que os alunos sejam preparados para promover diversos tipos de
linguagem
Ressaltamos que a abordagem proposta pelo uso dos multiletramentos visa a construção de
habilidades para que os alunos possam lidar não apenas com a diversidade de linguagens
(semioses) existentes, mas também com a diversidade de culturas promotoras de tais
semioses (ROJO; MOURA, 2012). Como exemplo disso, o texto da BNCC (BRASIL, 2017, p.
68) destaca a diversidade cultural existente, proveniente das 250 línguas faladas no Brasil além
das variedades da Língua Portuguesa. Não há dúvidas de que, em cada região do país,
independente da variedade linguística utilizada, se os estudantes têm contato com a tecnologia,
também têm contato com múltiplas formas de culturas.
É importante que a escola, consequentemente, forme os alunos para o contato com as
diversas culturas, falares, tipos de texto, etc., possibilitando a ampliação das competências
desses alunos na garantia de um aprendizado que valorize a prática dos multiletramentos para
que não mais ocorram segregações linguísticas preconceituosas como nossa história tem
registrado (dialetos, socioletos, gírias etc.), que têm respaldo direto nas formas de como o
ambiente escolar trata os alunos que utilizam variedades menos prestigiadas socialmente.
Neste sentido vários estudiosos (em especial os que se dedicam aos estudos sociolinguísticos5
) têm contribuído para a diminuição do preconceito linguístico na busca pelo estabelecimento
do respeito e da interação entre os diversos falares brasileiros.
Ao admitir que as mudanças sociais que estão por vir não podem ser facilmente
preconizadas, o texto da BNCC demonstra valorizar a aquisição de novas competências para
que os alunos possam atualizar constantemente sua percepção, como exposto a seguir:
Uma parte considerável das crianças e jovens que estão na escola hoje vai exercer profissões que ainda
nem existem e se deparar com problemas de diferentes ordens e que podem
requerer diferentes habilidades, um repertório de experiências e práticas e o
domínio de ferramentas que a vivência dessa diversificação pode favorecer.
O que pode parecer um gênero menor (no sentido de ser menos valorizado,
relacionado a situações tidas como pouco sérias, que envolvem paródias,
chistes, remixes ou condensações e narrativas paralelas), na verdade, pode
favorecer o domínio de modos de significação nas diferentes linguagens, o
que a análise ou produção de uma foto convencional, por exemplo, pode não
propiciar. (BRASIL, 2017, p. 67)
Como vimos, a BNCC prevê a ampliação das competências dos alunos não apenas para
trabalhar com as tecnologias que aí estão, o texto vai além disso, promovendo uma reflexão no
que diz respeito ao modo de tratar de questões vindouras, que sequer conhecemos, e que
exigirão dos alunos uma prática em lidar com situações novas, desafiadoras, em outras
palavras, que exigirão dos alunos o emprego prático das multimodalidades, das novas éticas e
novas estéticas, nas palavras de Rojo e Moura (2012).
As discussões até aqui apresentadas têm como objetivo demonstrar que a linguagem ideal
estabelecida pelo uso dos multiletramentos é aquela que seja capaz de trabalhar com o novo,
com os novos processos de comunicação (novos gêneros, novas semioses etc.) sem deixar de
lado o cuidado com o respeito e com a valorização das diversas culturas que se cruzam na
construção/transmissão das mensagens. A BNCC demonstra uma valorização dos processos
que possibilitem a inserção dos alunos nas mais atualizadas práticas comunicativas, desde que
também atuem criticamente nas respectivas práticas, para a construção de uma sociedade
mais igualitária e que, sendo plural, respeite a singularidade se seus indivíduos, suas
preferências, pois ser multiletrado significa isso: ter aguçadas as habilidades que abordem a
multiplicidade de culturas e a multiplicidade de linguagens usadas socialmente.
Há várias outras análises e vários outros comentários na BNCC que carecem de discussão
envolvendo a questão da multiplicidade de culturas e de linguagens e de como estes aspectos
podem se complementar para uma educação voltada ao futuro, entretanto, esperamos que o
que foi até aqui exposto sirva para fomentar outras discussões e outra análises, uma vez que
seria um trabalho hercúleo dar conta desses aspectos apenas em um estudo.
Metodologia
5
Mollica; Braga (2003); Bortoni-Ricardo (2014)
formação de uma proposta que vise capacitar os alunos para atuar mais eficazmente nos
processos comunicativos advindos do contato com várias culturas e amplificados pelo uso das
novas tecnologias.
Esta pesquisa também apresenta teor qualitativo, uma vez que os dados bibliográficos
coletados como amostras foram interpretados na demonstração dos estudos empregando o
conceito de multimodalidade. Segundo Minayo:
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com
um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, as aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é
entendido aqui como parte da realidade social, pois o ser humano se
distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar
suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com seus
semelhantes. (MINAYO, 2009, p. 21)
Resultados?
Optamos por iniciar esta seção com uma indagação porque, de antemão, acreditamos que não
se pode, a curto prazo, tentar mensurar os resultados do emprego de práticas multiletradas na
escola, mas antes de finalizarmos este estudo, gostaríamos de promover alguns
questionamentos e algumas elucidações.
A cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, possui a maior população de chineses
depois da China, assim como a cidade de São Paulo abriga, atualmente, a maior comunidade
japonesa fora do Japão. Usamos estes exemplos para demonstrar que a diversidade cultural
nem é fato novo, nem está condicionado ao uso das novas tecnologias. Darcy Ribeiro (1995) já
apresentava a miscigenação de povos e, consecutivamente de culturas que compõem nosso
país. Entretanto, o uso de novas tecnologias, como a internet, contribui para a expansão e
compartilhamento de informações, reduz distâncias, amplia os laços entre as pessoas, enfim,
promove mudanças que aproximam as diversas culturas.
Ter um documento que se preocupe com a educação de seus cidadãos é um grande passo
para o país, sobretudo um documento que promova o desenvolvimento de competências e a
promoção da formação integral para o Ensino Fundamental. Não poderíamos deixar de pontuar
que a BNCC trata enfaticamente sobre a parcela pertinente ao papel do professor e das
escolas na elaboração de currículos que priorizem as dez competências previstas, não fazendo
referência, por exemplo, a questões cruciais para a escola pública, como as obrigações do
Estado no tangente à criação ou manutenção das escolas com espaços que favoreçam o
letramento digital, tais como laboratórios de informática, acesso à internet etc. Em outras
palavras, a previsão da BNCC situa-se no modelo de ensino, mas os agentes das escolas
públicas sabem que há graves problemas estruturais sem a resolução dos quais, fica-se de
mãos atadas para inovar no trabalho pedagógico.
Outra questão que julgamos relevante é sobre a formação pedagógica. Acreditamos que
não basta disponibilizar o documento da BNCC para download, é necessário que o governo
promova cursos, estudos, viabilize momentos para que os profissionais possam compreender,
de fato, quais são as propostas da BNCC e possam discutir como tais propostas podem ser
colocadas em prática de acordo com cada realidade escolar. Salientamos que no site do MEC
há opções para suporte aos professores mas ao clicarmos na opção “material de apoio” 6
encontramos, dentre os poucos materiais disponibilizados, apenas cinco tópicos, a saber:
“Mobilização para o dia D”; “As 10 Competências Gerais da BNCC” ; “Orientações para o Dia
D” ; “Apresentação das atividades (PPT)”; e “Apresentação da atividade extra (PPT)” . Dentre
estas atividades destacamos que, para elucidação dos aspectos referentes à BNCC, há apenas
um vídeo de seis minutos para evidenciar quais são as dez competências a serem trabalhadas
nas escolas. Julgamos, deste modo, que mais materiais deveriam ser disponibilizados no site
com o intuito de preparar os professores para atuar na educação básica visando atingir os
objetivos propostos pela BNCC. Mesmo assim, ressaltamos que, mais uma vez na história,
cabe aos profissionais da educação dar conta das mudanças necessárias para a promoção de
uma educação mais atual e inclusiva.
As implicações que a implementação da BNCC trará para o futuro do país, esperamos,
possibilitará um ensino mais significativo para os alunos alinhado às verdadeiras necessidades
individuais e, consequentemente, sociais. Nas palavras de Dudeney, Hockly e Pegrum (2016,
p. 17):
Esses “novos escritos” obviamente dão lugar a novos gêneros discursivos, quase diariamente: chats,
páginas, twits, posts, ezines, epulps, fanclips etc. E isso se dá porque hoje
dispomos de novas tecnologias e ferramentas de “leitura-escrita”, que,
convocando novos letramentos, configuram os enunciados/textos em sua
6
Disponível em < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/materiais-de-apoio > Acesso em 01/08/18.
7
De acordo com matéria disponível em: < https://goo.gl/JVVeBY > Acesso em 20 jul. 2018.
(...) em cada campo [dos conhecimentos linguísticos] é destacado o que pode/deve ser trabalhado em
termos de semioses/modalidades, de forma articulada com as práticas de
leitura/ escuta e produção, já mencionadas nos quadros dessas práticas, para
que a análise não se limite aos elementos dos diferentes sistemas e suas
relações, mas seja relacionada a situações de uso. (BRASIL, 2017, p. 77-78)
Por isso, faz-se necessária a ampliação da visão que até então se tinha sobre os
letramentos para a concepção do multiletramentos potencializando a participação dos
estudantes na identificação e criação de sentidos. Salientando que “(...) para os efeitos de
sentido (temas) e para a análise dos textos da contemporaneidade, seja em termos de forma
de composição ou de estilo, a multimodalidade ou multissemiose tem de ser levada em conta”
(ROJO; BARBOSA, 2015, p. 111) na criação de novas ideias, para expressar sentimentos e
valores, concebendo a língua/linguagem como um processo que se dá através da interação
social. Deste modo voltarmos à indagação inicial salientando que apenas com o devido tempo
e com a contínua aplicação dos conceitos sobre os multiletramentos é que os alunos poderão
desenhar novas formas de comunicação para uma efetiva participação social, uma vez que a
escola tenha cumprido seu papel de prepará-los para, através da dimensão linguística, exercer
as demais atividades que deles se esperam.
Considerações Finais
Referências
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Parábola, 2015.
______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF, 2017.
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DUDENEY, Gavin; HOCKLY, Nicky; PEGRUM, Mark. Letramentos digitais. São Paulo:
Parábola, 2016.
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Paulo, 9 (2): 25-34, Ago./Dez. 2014.
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nativos digitais. Porto Alegre: Grupo A, 2011.
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