Simpósio Temático nº 45: A Diversidade Sexual Sobre o Prisma das Famílias e Gerações
Se assumir gay é para muitas pessoas, por isso, um processo doloroso e que pode gerar
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Graduando em Teatro pela Universidade Federal da Paraíba. (segundo.bt@gmail.com)
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Professor do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba. (dolive.victor@gmail.com)
COM A DIFERENÇA TECER A RESISTÊNCIA
3º Seminário Internacional Desfazendo Gênero
10 a 13 de outubro de 2017
Campina Grande, Paraíba
Alguém escolhe seu próprio desejo? Talvez perifericamente, mas não até o ponto de
determinar se sentirá atração definitiva pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo. Assim, não
creio que 99% das pessoas que se sentem como homossexuais poderiam dizer que fizeram
uma opção. Ao contrário, sentiram-se levadas por uma tendência interior. Eventualmente,
elas tiveram sim que assumir sua homossexualidade no nível social, mas o rumo para onde
apontava o seu desejo - alguém do mesmo sexo – já estava forçando essa escolha. Ou seja,
tais pessoas fazem opção de ser socialmente homossexuais, não de desejarem
homossexualmente. (TREVISSAN, 2002, p.34)
Como Trevissan (2002) acredita, a opção não está em escolher o desejo, mas em ser ou
não socialmente reconhecido como homossexual. Esta escolha tem a capacidade de modificar
a vida de muitas pessoas, influenciando no processo de construção das identidades e
contribuindo para gerar referências para outras pessoas da comunidade que ainda não se
assumiram.
Assumir para si é o ponto de partida de um árduo processo que ainda virá se o sujeito
resolve se revelar para outras pessoas. Muito além das dúvidas de para quem, como e
quando contar, o sujeito não sabe como as pessoas reagirão, arriscando perder conexões
humanas importantes com a família e amigos íntimos. (KURASHIGE e REIS, 2010, p.6)
Mesmo sendo um processo doloroso, tomar a atitude contribui para uma formação
saudável enquanto pessoa. Kurashige e Reis (2010) indicam que quando as expectativas deste
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Partimos do pressuposto de que a arte pode ser um caminho para responder a estas
questões. E, por isso, optamos em trabalhar com a prática da performance como ato político
para refletir sobre os conflitos de gays e lésbicas que passaram por este momento de transição,
que é revelar sua orientação sexual para a família e para a sociedade. Entendemos e aplicamos
a ideia de performance como um conceito possível, um campo de possibilidades. “Em sendo
conceito elástico, ele se refere a um sentido relativo ao acontecimento, ao ato deliberado de
vivenciar e comunicar, ao aqui e agora das ações humanas, com toda a sua carga expressiva e
singular de identidades...” (Vianna & Teixeira, 2008, p.1).
O homem se movimenta a fim de satisfazer uma necessidade. Com sua movimentação, tem
por objetivo atingir algo que lhe é valioso. É fácil perceber o objetivo do movimento de
uma pessoa, se é dirigido para algum objeto tangível. Entretanto, há também valores
intangíveis que inspiram movimento. (LABAN, 1978, p.19)
assumir para sua família. Passando pelo estágio inicial do medo de revelar-se, do temor pelo
preconceito, pela tortura psicológica que sofreu por comentários que escutava diariamente
dentro e fora de casa reprimindo-o, lutando consigo mesmo em busca de entender-se. Se
assumir gay é um ato de coragem porquanto ainda vivemos num mundo onde a “diferença” é
vista por muitos como aberração.
A pele historiada traz e mostra a própria história; ou visível: desgastes, cicatrizes de feridas,
placas endurecidas pelo trabalho, rugas e sulcos de velhas esperanças, manchas, espinhas,
eczemas, psoríases, desejos, aí se imprime a memória; por que procurá-la em outro lugar;
ou invisível: traços imprecisos de caricias, lembranças de seda, de lã, veludos, pelúcias,
grãos de rocha, cascas rugosas, superfícies ásperas, cristais de gelo, chamas, timidez do tato
sutil, audácias do contato pugnaz. (SERRES, 2001, p. 18)
Com as memórias obtidas pelos relatos, o performer reviveu momentos de sua própria
vida, percebendo o grau de energia que motivava e provocava o corpo a buscar possibilidades
de expressar suas vivências, como forma de se colocar como agente transformador dentro das
situações que foram compartilhadas através dos áudios.
Os áudios reveladores das experiências vividas pelos personagens que contavam suas
histórias serviram como força impulsionadora para desenvolver-se algo material. Por isso,
eles também se relacionavam com a construção dramatúrgica da performance, interferindo
completamente no resultado final. Esta construção dramatúrgica intervinha na produção no
que se refere à emoção, pois a relação estabelecida era sempre renovada internamente graças
às ligações pessoais que as memórias provocavam no corpo.
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Uma outra maneira de entender a dinamização da emoção no ator é, também, não buscando
uma forma preestabelecida, de uma emoção específica, mas buscar, dentro de si, a sua
própria emoção, realizando um mergulho dentro desse seu movimento interno (in-motion)
constante. (FERRACINE, 2003, p.119)
A partir das conexões obtidas pelos conteúdos das historias traçadas a ideia foi propor
um jogo corporal que expressasse a força das experiências compartilhadas, baseado em
situações imagéticas dos relatos, para que este corpo ganhasse materialidade com o intuito de
poder expressar de forma própria as suas relações com o tema e revelar as conexões com as
historias relatadas.
O corpo ao ser estimulado pelos gatilhos emocionais das memórias obteve propriedade
para revelar-se dentro de um contexto criador, descobrindo seus conflitos para elaborar
caminhos estimulando uma vivência rica que possibilitasse a produção de material artístico.
Este processo muitas vezes intuitivo é capaz externar ligações e vínculos sinceros que
palavras podem não dimensionar tão bem quanto o corpo em movimento.
Com as estruturas adquiridas dos jogos, foi montada uma partitura corporal base para
que pudesse fixar as informações absorvidas na experiência vivida em sala de ensaio. Com a
base pronta, o passo seguinte foi explorar as possibilidades que esta base podia oferecer em
relação à potência das imagens formadas e que relações e discussões elas propunham. Dentro
deste contexto objetos foram inseridos: um tecido vermelho e um espelho, que contribuíram
para a potencialidade das imagens através das relações corpo-objeto que foram e ainda são
representadas no ato performático.
Com a união do material corporal e os elementos cênicos, foi firmada uma segunda
partitura corporal mais flexível que representaria este corpo circunscrito numa sociedade que
o reprime. Dai, partimos para as interações, obtendo um corpo-tecido que reflete a luta para
assumir sua orientação sexual, um corpo-espelho que reflete a busca por entender-se em
frente à repressão, e um corpo-espaço interativo que reflete a relação da exposição entre
aqueles que estão presentes, sendo acessível a intervenções dos participantes (público), além
da disposição para interação com os relatos dos áudios. Um quarto elemento foi adicionado
posteriormente: uma máscara de tecido, que tinha como intenção inicial a de representar a
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anonimidade da condição retratada, além de levantar uma reflexão sobre máscaras sociais.
A arte da performance é tão efêmera quanto o próprio tempo a que ela pertence, cada
apresentação coloca em jogo novas possibilidades implicando numa transformação mútua
entre público e performer. Neste caso enquanto performer, o vínculo criado com o espaço e os
participantes transforma sua perspectiva enquanto ser social que utiliza da arte para expurgar
as travas que precarizam seus laços íntimos entre família e amigos. Enquanto público
participante pode-se observar dois pontos de vista iniciais: aqueles que criam diretamente uma
empatia com o que é tratado na performance, uma vez que o performer reflete uma realidade
vivenciada por parte dessas pessoas, e por outro lado aqueles que em algum momento de suas
vidas podem ter oprimido um gay ou uma lésbica.
A ideia não é apontar em que local o público se coloca dentro deste contexto, o que
interessa a nós é propor um dialogo potente o suficiente para provocar mudanças frente ao
quadro exposto. Criar novos pontos de vista sobre um mesmo tema, contribuindo para o
fortalecimento de uma resistência que tece a identidade de um grupo que ainda sofre as
consequências de uma cultura machista.
O processo de criar na arte, além das peculiaridades inerentes a cada artista, se relaciona à
maneira com que esse artista se posta, atento ao que cerca – e o que ele pode ver através
disso; ver e criar – devolver... Abstrair, subtrair e tornar algo sensível (que desperte
sensações) ao mundo. Uma forma resultante da atenção máxima daquilo que ele teve a
disposição de perceber: em si, nos meios utilizados para sua criação, nas questões de outros
artistas contemporâneos, no ambiente em que vive e no campo da própria arte, com suas
tensões inerentes, onde estiver situado. (PALUDO, 2006, p.25)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRACINE, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. Ed. 2.
Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Ed. 15. Petrópolis: Editora Vozes,
2001.
SERRES, Michel. Os cinco sentidos: filosofia dos corpos misturados. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001.