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APRESENTAÇÃO

A presença da escultura popular no circuito oficial de arte é consequência do crescente


interesse de intelectuais e artistas por esses produtos da imaginação e do trabalho do
povo, vistos como manifestação cultural significativa, de caráter estético. Tem suas raízes
no Movimento Modernista de 1922 e no Movimento Regionalista de Recife, iniciado
em 1923, tendo sido consolidada com a primeira Exposição de Cerâmica Popular
Pernambucana, organizada por Augusto Rodrigues e apresentada por Joaquim Cardoso,
em 1947.
Antes de penetrar neste circuito não existe, para esta produção, arte ou conceito de arte
como categoria fundamental de explicação ou de classificação. A peça produzida é funcional.
Serve, por exemplo, como brinquedo de meninos. Ainda não precisa ser preservada: é o
objeto encontrado nas feiras e facilmente substituível, voltado para a comunidade local que
o absorve. Descoberta e legitimada como “arte popular”, essa produção passa a ter curso em
amplo mercado, atingindo potencialmente toda a sociedade e excluindo, paradoxalmente,
a comunidade local. A expressão arte popular tem servido para designar aos produtores
um lugar na produção artística em geral. Lugar do “autêntico”, “espontâneo”, “originário”,
embora, ao mesmo tempo, secundário com relação à arte erudita. Promove-se seu caráter
estético, se lhe confere legitimidade diferencial, tomando como parâmetro o erudito.
Na concepção dos próprios escultores populares nordestinos – desenvolvendo sua
produção em condições de penúria, de escassez, vivendo no limiar da sobrevivência, entre
assalariados muitas vezes em condições ainda piores do que as suas – trabalho artístico
é trabalho produtivo, não podendo entre eles haver diferença no que diz respeito a um
aspecto fundamental: garantir a sobrevivência. É nesse contexto que se coloca a questão da
arte. Qualificar o produto de seus trabalhos como objeto artístico é, para eles, importante,
sobretudo porque tal qualificação desempenha papel significativo para que se efetive esta
função econômica.
É então que aparece a natureza complexa do trabalho que realizam. Por um lado,
a arte de esculpir situa-se, para seus autores, como uma arte entre outras, em seu velho
sentido: arte de pedreiro, arte de carpinteiro, arte de pintor, etc. Arte e ofício encontram-
se, portanto, no mesmo plano. Mas, por outro lado, para garantir um espaço de trabalho
que lhes dá satisfação, possibilita algum poder de decisão e uma remuneração um pouco
menos insuficiente, os escultores – aceitando os valores que lhes são atribuídos – também
conceituam sua produção como arte popular, não sem denunciar as injunções do mercado
a que estão submetidos, a condição de arte inferior que lhe é atribuída, a situação de
exploração em que continuam vivendo.
Procuramos, neste livro, abordar a escultura popular nordestina a partir, basicamente,
da perspectiva de seus autores. O principal objetivo é documentar. Pretendemos apresentar
uma realidade, um estilo de vida, uma produção, um produto, visões de mundo. Nem se
trata de uma simples descrição factual, nem de um estudo explicativo de tipo sociológico.
A análise aponta para outras direções.
Documentar, aqui, significa considerar o escultor e sua obra como singularidades: é
de sua individualidade, em relação com o contexto em que se situa, que pretendemos dar
conta. Conhecer em que condições cada artista desenvolve sua produção, as características
do produto de seu trabalho, como se realiza a circulação dessa mercadoria, como se
constitui o mercado que a absorve. Mais ainda: buscamos apresentar a visão desses
artesãos com relação a seu próprio trabalho e ao mundo em que vivem. Quisemos, para
quem não os conhece, torná-los conhecidos; para quem já os conhece, possibilitar o acesso
a informações sobre sua vida e seu trabalho que podem ser relevantes para a apreciação de
sua produção.
É assim que cada um deles aqui aparece de forma individualizada, contando sua
própria história e, nela, a história de seu trabalho. Seus depoimentos, muito mais do que
simples material para uma possível análise, são, como consequência de uma opção por nós
assumida, o âmago do livro. Nesse sentido, sua autoria cabe tanto a eles quanto a nós. Este
é um livro realizado em conjunto com cento e nove escultores populares nordestinos.
Não houve, portanto, de nossa parte, preocupação em recorrer a técnicas
de amostragem ou de quantificação. Sem pretensão de esgotar o tema – o que seria
impossível, dadas a extensão e a complexidade que caracterizam essa manifestação cultural
– mas cientes da importância de localizar e contatar o maior número possível de pessoas
do povo dedicadas à escultura, percorremos, várias vezes, os nove estados do Nordeste,
da Bahia ao Maranhão. Entramos em relação com todos aqueles a quem foi possível ter
acesso, recolhendo seus depoimentos. Quando não houve condições para a realização de
entrevistas ou para a documentação de suas peças, essas pessoas não foram ignoradas. Os
nomes dos escultores localizados, cujos depoimentos não puderam constar desse trabalho,
aparecem relacionados em anexo, com seus respectivos locais de moradia.
As entrevistas, quase sempre gravadas, tomaram por base um roteiro do qual
constavam algumas questões consideradas relevantes: dados pessoais; como e quando
iniciou a atividade; processo de produção; relação com outros artistas; processo de
circulação do produto; concepção sobre o trabalho; suas condições de vida e de sua
família. Esse roteiro foi utilizado como fio condutor de um diálogo que pretendemos
aberto, permitindo aos escultores a maior liberdade possível em suas afirmações. Nosso
principal objetivo foi dar a palavra ao artista.
É importante ressaltar que ao transcrevermos os depoimentos optamos por fazê-
lo segundo as normas gramaticais estabelecidas, mantendo as expressões particulares
a cada discurso. A linguagem oral não se confunde com a escrita; ao se passar de uma
para outra, procede-se obrigatoriamente – em qualquer trabalho dessa natureza – a uma
recodificação. Não encontramos, pois, justificativa para tentar reproduzir, textualmente,
formas gramaticais consideradas incorretas, próprias à linguagem coloquial.
Além das entrevistas, o registro fotográfico constitui-se em precioso elemento de
informação, visando, principalmente, à identificação do escultor, à ilustração de sua obra e,
quando possível, à documentação das condições em que vive e trabalha.
Os depoimentos colhidos – a que acrescentamos nossas contribuições – foram
agrupados em doze capítulos. Cada um deles é caracterizado por uma homogeneidade –
algumas vezes subjacente, outras vezes visível – que flui de um contexto socioeconômico
comum aos artistas ali reunidos, do desenvolvimento de uma mesma temática, de
condições de mercado que os atinge e envolve de forma marcadamente semelhante, de

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condições de trabalho muito próximas, etc. Fatores como esses presidiram à divisão dos
doze agrupamentos – cada um deles assinalando uma especificidade encontrada e que
produz uma unidade importante.
Assim, por exemplo, em A PRESENÇA DO MESTRE é a figura de Vitalino e
a herança por ele deixada, com seu trabalho no barro, aos artistas do Alto do Moura, em
Caruaru, o denominador comum que nos permite reuni-los. ASSOMBRAÇÕES DO
SÃO FRANCISCO, capítulo relativo aos produtores de carrancas, encontra sua unidade
não apenas no que diz respeito à temática, mas, ainda, no que se relaciona à história comum
dessa produção, com suas sucessivas transformações, e aos atuais produtores como
representantes de uma nova etapa nesse processo. Em EXERCÍCIO DE LIBERDADE,
além do espaço de reclusão – o mais forte denominador comum entre os artesãos que
estão a ele submetidos – destaca-se o modo pelo qual o trabalho se insere no contexto
de uma prisão. Se, por um lado, para a instituição, a atividade produtiva funciona como
mecanismo fundamental para introduzir princípios de ordem e regularidade, por outro
lado, para o detento, a opção pela arte de esculpir tem outro estatuto, assumindo um valor
distinto daquele definido com relação ao trabalho assalariado.
Nas introduções a cada agrupamento, procuramos analisar a problemática
específica e melhor explicitar os aspectos comuns a cada um deles. O subsídio fundamental
para essa análise mais geral foi a própria palavra do artista. A bibliografia consultada – que
se encontra relacionada no final do livro – serviu como instrumento para situar, em um
contexto mais amplo, as questões já suscitadas. O contato com pessoas que, mesmo não
sendo escultores, revelaram algum tipo de vínculo com o que buscávamos analisar, serviu
para complementar informações, fornecer novos dados, indicar outros caminhos.
É importante observar mais uma vez que, no curso da pesquisa, pretendemos
sempre analisar o que significa para o artista o seu trabalho, apreender a ótica daqueles que
são os responsáveis diretos pela produção desses objetos qualificados como arte popular.

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