DA IMPORTÂNCIA E DA NECESSIDADE DA
"TEORIA GERAL DO ESTADO" NOS
CURRíCULOS JURíDICOS
A. MACHADO PAUPERIO
(Da Universidade do Brasil)
'"
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(1) V. Le Droit Privé Français au MiIlieu du XXe. Siecle, vol. 11,
pág. 117.
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para o Estado e para os estadistas. Não é senão por isso
que adquire singular prestígio, cada vez mais, nos dias que
correm, a Ciência do Estado.
Em virtude de no campo da TEORIA GERAL DO ESTA-
DO não imperar o puro acaso e poderem as uniformidades
nêle existentes ser objeto de um conhecimento sistemÁti-
co e racional, não se lhe pode negar o caráter de ciên-
cia." (3)
A TEORIA GERAL DO ESTADO é, como diz VILANOV A,
a Ciência do Estado. Como ciência, há de ser genera-
lizante, sendo-lhe, assim, até, supérfluo, Q aditamento ge-
ral. (4)
São componentes necessários e universais da estru-
tura estatal o elemento social e o elemento jurídico. A TEO-
RIA GERAL DO ESTADO tem, assim, pelo menos, uma dupla
feição: social e jurídica. Se o conceito de nação se liga,
por exemplo, às ciências histórico-culturais, o conceIto de
Estado é conceito por excelência emergente da teoria do
Direito Público. Como sentimos e como anota BURDEAU,
a juridicidade é a nota essencial do conceito de Estado. (5 )
Como ponto de vista sôbre o Estado, a TEORIA DO
ESTADO é uma nova síntese, fruto de elementos já leva-
dos em consideração, à guisa de conclusão, em outras jn-
vestigações científicas. Difere, portanto, de uma simples
ciência histórica do Estado, em face da tipicidade de seu
objeto. (7) Como diz HELLER, é uma ciência de estru-
turas, não uma ciência histórica. (8) JELLINEK chama-a
de ciência explicativa. Mas, como ciência, visa a estabe-
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lecer, sôbre dados já elaborados por outras ciências, uma
nova síntese, vital ao universo do jurista. Não pode, por
isso, encarar o Estado sob prismas coincidentes com o
prisma histórico, o sociológico, o jurídico ou o filosófico-
-político.
Poderíamos dizer que o objeto próprio da TEORIA
GERAL DO ESTADO é o Estado como objeto cultural. (9)
Sua generalidade existe, entretanto, num determinado âm-
bito de cultura e não representando universalidade para
todos os tempos e tôdas as culturas, o que não passaria
de utopia. ( 10) Concretamente, a TEORIA GERAL DO ES-
TADO é teoria da estrutura do Estado e dos seus tipos e
formas. ( 11) Por isso, é a Ciência do E~tado que inclui
o Direito Constitucional e não êste que inclui aquela. Na
esteira de MARCEL DE LA BIGNE DE VILLENEUVE, pode-
mos dizer que a TEORIA GERAL DO ESTADO é uma ciência
mista, aliança de política e de direito. (12)
Entretanto, de um lado, a TEORIA GERAL DO ESTADO
não se pode confundir com a political Science dos anglo-
-saxões, que não é teoria nem, por isso mesmo, geral.
De outro 18.do, não se pode confundir também a
TEORIA GERAL DO ESTADO com o Direito Público, que
deve ser considerado no âmbito das Ciências do Estado,
em sentido genérico, mas não incluído na sua TEORIA GE-
RAL. OS caminhos, pois, que partem de JELLINEK e levam
a MALBERG e KELSEN, carecem, data venia, de visão su-
perior do problema, como anota com agudeza JOÃo JosÉ
DE QUEIROZ. ( 13 )
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mos também com que a TEORIA
JOÃo JosÉ DE QUEIROZ
GERAL DO ESTADO recebe de outras ciências que cuidam
igualmente do Estado, como a História, a Sociologia, a
Economia, o Direito e a Política, dados que lhe permitem
construir a sua síntese superior. Tal síntese, porém, é que
lhe dá feição marcantemente autônoma no campo didá-
tico das ciências sociais e jurídicas.
Não se pode discutir, pois, a autonomia da cadeira,
que constitui, realmente, uma ciência independente e in-
confundível. Como diz JOÃo JosÉ DE QUEIROZ:
"O seu estudo deve ser autônomo e bem colocado,
como está, no curso de bacharelado em Direito. O supe-
rior conhecimento teórico do Estado é imprescindível a
uma boa formação jurídica e impossível seria consegui-lo,
proveitosamente, através do estudo do Direito Público
Constitucional." (14)
Repetindo, em grandes linhas, o que dissemos alhu-
res, é de assinalar-se que, de maneira geral, originou-se a
matéria como disciplina autônoma em meados do último
século, na Alemanha, sob a denominação de ALLGEMEINE
STAATSLEHRO, que se traduz de modo literal, por TEORIA
GERAL DO ESTADO. Em sua pátria de origem, dentro da
corrente do positivismo jurídico, encontramos GERBER,
LABAND e sobretudo GEORG JELLINEK, professor da Uni-
versidade de Heidelberg e autor de uma conhecida e opu-
lenta TEORIA GERAL DO ESTADO, já traduzida para o es-
panhol (Editorial Albatros, República Argentina, 1943).
HANS KELSEN, antigo professor das Universidades de
Viena e Colônia, encabeça a importante escola do forma-
lismo jurídico, por êle criada, e é autor, igualmente, de
uma ALLGEMEINE STAATSLEHRE, aparecida em espanhol,
em edição LABOR, em 1934. HELLER, que lidera a corren-
te decisionista com SCHMITT, é autor também de obra
idêntica, já publicada em espanhol, no México, em 1942.
Mas não pára aí a contribuição alemã. Além da obra
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clássica de BLUNTSCHLI, traduzida para o francês, e da
obra didática de o. G. FISCHBACH, aparecida em edição es-
panhola pela primeira vez em 1926, na Colección Labor,
numerosos trabalhos específicos merecem menção, entre
os quais não podemos, sem dúvida, deixar de citar:
A11gemeines Staatsrecht, de HUGO BUSS; A11gemeine
Staatslehre, de w. ECKHARDT; Einfuhrung in die Begrifie
des Rechtes und Staates, de JOSEF ESSER; A11gemeines
Staatsrecht, de HANS HELFRITZ; Moderner Staat und
Staatsbegriff, de ERNST KERN; Staatslehre, de KIPP; A11ge-
meine Staatslehre, de KUECHENHOFF & KUECHENHOFF;
A11gemeine Staaatslehre, de RUDOLF LAUN; A11gemeine
Staatslehre, de NAWIASKY,· A11gemeine Staatslehre, de
FRITZ SANDER; GrundriSs der allgemeinen Staatslehre, de
THOMA,· A11gemeinestaatslehre, de WALDECKER,· etc. etc.
Prova, aliás, do invulgar interêsse pelos problemas do Es-
tado é a reedição do monumental Staatslexikon, agora em
oito grossos volumes, dos quais já editados seis, pela VerJag
Herder Freiburg.
Na França fazem-se, via de regra, os estudos da
TEORIA GERAL DO ESTADO dentro dos programas de Di-
reito Constitucional. O próprio LÉON DUGUIT consagra à
TEORIA GERAL DO ESTADO os dois primeiros tomos do seu
valioso Traité de Droit Constitutionnel, em cinco volumes.
Alguns autores, como CARRÉ DE MALBERG, denominam a
sua obra Théorie générale de l'État, mas nela estudam
também o Direito Constitucional positivo francês. A dou-
trina do Estado, contudo, é encontrada em maior escala
nos tratados de Droit Public et Constitutionnel, entre os
quais fôrça é salientar os de HAURIOU, ESMEIN, BERTHÉ-
LEMY etc. Por sua especial importância, consagrou-se,
nesse terreno, na bibliografia francesa, o Traité de Science
Politique, de GEORGES BURDEAU, em sete volumes, o úl-
timo dos quais aparecido em 1957. Mas já na França
aparece a nítida tendência de tlar autonomia à Teoria
Geral do Estado através da brilhante obra do Prof. MAR-
CEL DE LA BIGNE DE VILLENEUVE, autor do Traité Géné-
ral de l'État, em três volumes, o primeiro dos quais apa-
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um semestre de estudos sociais, no qual a ciência política
ocupa lugar de relêvo. (18)
Nos Estados Unidos podemos dizer que a ciência p0-
lítica adquiriu no ensino uma importância maior do que
em todos os demais países reunidos do mundo. ( 19) Tal-
vez, por isso, se tenha na grande nação americana aprimo-
rado tanto a prática da própria democracia.
Também na Polônia se estuda a ciência política nas
Faculdades de Direito. Num curso geral sôbre a Polônia
e o mundo contemporâneo, obrigatório em tôdas as fa-
culdades, inclusive nas Escolas de Direito, onde figura
no programa do 1.0 ano, estuda-se a Teoria Geral do Di-
reito e do Estado. (20)
No próprio Egito, as Faculdades de Direito ensinam
igualmente tópicos da ciência política, abrangendo as ca-
deiras usuais não só de Economia Política como de Direito
Público.
Nas Faculdades de Direito estuda-se não só o direito
constitucional e o direito internacional público como o
direito público, a legislação do trabalho e a histôria das
instituições políticas, econômicas e jurídicas. Na famosa
Faculdade de Direito do Cairo há cursos de instituiçõe&
políticas. ( 21 )
Finalmente no México, país dos mais adiantados da
América Latina, as Faculdades de Direito incluem tam-
bém em seus programas alguns cursos de ciências políti-
cas, existindo cadeiras especiais de direito constitucional,
direito administrativo, direito internacional público e teo-
ria geral do Estado. (22 )
Dentro de tal clima c de tal tendência, não pode o
Brasil deixar de dar o lugar de relêvo que cabe ao Direito
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Público, que não pode, assim, de outro lado, ver seus currí-
culos reduzidos, no preciso momento em que avassala, de
maneira incontestável, o próprio campo do Direito Pri-
vado.
Aliás, como é óbvio, os problemas do Estado são hoje,
mais do que nunca, os próprios problemas do século, ao
qual já vários sociólogos e juristas cognominaram de "sé-
culo do Estado".
Dentro dessa perspectiva, não seria, portanto, crível
nem admissível que se pudesse advogar, como o têm feito,
data venia, alguns espíritos. a extinção da cadeira de TEO-
RIA GERAL DO ESTADO, reduzindo, assim, os estudos do Di-
reito Público Geral, de dcis para um ano. no curso de
bacharelado de Direito.
Se não é possível, por razões várias, aumentar o
currículo nessa parte da Ciência do Direito, tenhamos pelo
menos o bom-senso de conservar-lhe a estrutura atual, ver-
dadeiro imperativo da posição ímpar que adquiriu o Di-
reito Público no mundo ccntemporâneo.
De acôrdo com o art. 7 O da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, Lei Complementar à Constituição
da República - Lei n.o 4024, de 20 de dezembro de
1961 - coube ao Conselho Federal de Educação fixar
o currículo mínimo e a duração do curso de Direito, por
habilitar êste à obtenção de diploma capaz de assegurar
privilégios para o exercício de profissão liberal.
Incluindo entre as matérias básicas apenas o Direit0
Constitucional (com noções de Teoria Geral do Estado),
como o fêz o Conselho Federal de Educação, ao aprovar,
em 15 de setembro de 1962, o parecer n.O 215, da Co-
missão de Ensino Superior (23) não pretendeu, certamen-
te, entretanto, aquêle órgão, restringir o estudo do Direito
Público no curso de bacharelado jurídico. Restará somen-
te manter tal disciplina em dois anos, para conservar-se,
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A especialização na quinta série do curso de bacha-
relado, sugerida pelo Prof. v ANDICK LONDRES DA NÓBRE-
GA, é idéia que também se não pode desprezar. Figuraria
então, nesse caso, a TEORIA GERAL DO ESTADO, no currí-
culo complementar de Direito, ora obrigatoriamente, ora
em caráter de opção. Para os alunos que fizessem, naque-
la série, a especialização de Direito Administrativo, a TEO-
RIA GERAL DO ESTADO seria, obviamente, disciplina obri-
gatória.
Nesse caso, a TEORIA GERAL DO ESTADO seria minis-
trada dentro de uma sistematização mais vasta e comple-
xa, com o seu natural complemento de ordem filosófica,
que a iniciação cultural dos estudantes já, a essa altura,
permitiria.
De qualquer modo, porém, é preciso não esquecer
que, como anotaram ABGAR RENAULT e ANÍSIO TEIXEIRA,
em sua declaração de voto às normas sôbre currículo apro-
vadas em 13-9-1962 pelo Conselho Federal de Educação,
o currículo mínimo é um currículo necessário, mas não é
um currículo suficiente.
De acôrdo com o inciso IV daquelas normas,
tlev. Oi,. Púb\ . • Ciência Política - Rio d. Jao.iro - Vol. VI, nO 1 - jar",iro/abri\ J9I'~